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RODRIGO GURGEL
Um escritor escreve para ter leitores? Deve, realmente, existir esse tipo de autor, que
necessita de leitores, que busca, às vezes desesperadamente, o clamor público — que
aprecia, inclusive, ser reconhecido quando vai ao supermercado, à farmácia, ou quando,
apressado, necessita de um banheiro público.
Mas desconfio que os melhores autores escrevem apenas para si mesmos, para reafirmar à
própria consciência as palavras que por algum motivo vão se interligando, buscam-se umas às
outras, de início sem motivo aparente.
Escrever é uma forma de construir certa ordem mínima frente à confusão do mundo. A
consciência do escritor refuta a desordem dos fatos, a rapidez do tempo, a balbúrdia das
opiniões divergentes. Perdido na multidão que pula, desenfreada, no seu eterno baile
carnavalesco, o escritor busca uma linha melódica, o ritmo particular que dê sentido a tudo.
E não importa que essa ordem sirva apenas a ele.
É por esse motivo que Arthur Koestler, nas suas "Memórias", diz não conseguir imaginar que
dentro de meio século alguém deseje ler um livro seu; mas que tem uma ideia muito clara do
que, como escritor, o impulsiona: "o desejo de trocar cem leitores contemporâneos por dez
leitores dentro de dez anos, ou por um leitor dentro de cem anos".
Um único leitor — nada mais. Um único leitor que, ao descobrir as perguntas que fiz ao
mundo e a mim mesmo, perceba como também para ele a música toca em outro diapasão.