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DIREITO COMERCIAL II

TÍTULOS DE CRÉDITO

TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

INTRODUÇÃO

O direito de uma pessoa física ou jurídica em relação a outra pode ou não estar
representado por instrumentos jurídicos (sentença, contratos, etc.).

O título de crédito é um instrumento jurídico que pode levar o devedor a pagar


determinada quantia em dinheiro ou atribuir direitos em favor de seu titular. Como o próprio nomen juris
sugere, o título de crédito titulariza o crédito de alguém, denominado credor, em relação a outrem,
denominado devedor.

Para Cesare Vivante, “título de crédito é o documento necessário ao exercício do


direito literal e autônomo nele mencionado”. O CC brasileiro de 2002 adotou a definição de Vivante,
como se observa do texto do art. 887:

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele
contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

Os títulos de crédito têm duas características: a executividade e circulabilidade.

A letra de câmbio, a nota promissória, o cheque, duplicata, as notas e cédulas de


crédito industrial e outros títulos, têm força executiva, equiparando-se ao contrato assinado por duas
testemunhas, o contrato de hipoteca, o contrato de seguro de vida e outros (CPC, art. 585).

Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque; (Redação dada pela
Lei nº 8.953, de 13.12.1994)

II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular
assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério
Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;(Redação dada pela Lei nº 8.953,
de 13.12.1994)

III - os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de
vida; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

IV - o crédito decorrente de foro e laudêmio; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

V - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de


encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de
2006).

VI - o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas,


emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de
2006).

VII - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; (Redação dada pela
Lei nº 11.382, de 2006).
VIII - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva. (Incluído
pela Lei nº 11.382, de 2006).

A circulabilidade consiste na facilidade de negociação, mediante endosso


(nominativos) ou tradição (ao portador).

Em relação à legislação aplicável, necessário se faz acentuar que o CC contém o


Título VIII (art. 887/926), que pode ser considerado uma “teoria geral dos títulos de crédito”. Em
verdade, são dispositivos que se aplicam apenas supletivamente aos títulos. Continuam em vigor, em
consonância com o enunciado do art. 903 do próprio CC e com o princípio de hermenêutica lex speciali
derogat lex generali (lei especial derroga lei geral), os diplomas referentes à letra de câmbio e nota
promissória (Decreto 2.044/1908 e Decreto 57.663/1966), cheque (Lei 7.357/1985), conhecimento de
depósito de mercadorias e warrant (Decreto 1.102/1903) e outras.

Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto
neste Código.

Embora a legislação especial não faça qualquer distinção, os títulos de crédito são
divididos pela doutrina em duas categorias: os próprios (letra de câmbio, nota promissória, cheque e
duplicata), que representam créditos e se encaixam perfeitamente no regime cambiário, admitindo o
saque, endosso, aval e protesto; e os impróprios (conhecimento de depósito, warrant, conhecimento de
transporte, etc.), que nem sempre representam créditos e não se encaixam perfeitamente ao regime dos
títulos de crédito próprios.

PRINCÍPIOS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

São princípios do direito cambiário a cartularidade, a literalidade e a autonomia.

CARTULARIDADE

O título de crédito é o documento necessário para que sejam exercidos os direitos nele
constantes. O credor, em regra, deve ter a posse da cártula na qual são lançadas as informações
necessárias para exercer seus direitos, em especial para receber o valor ou executar judicialmente a dívida
em caso de inadimplemento.

As cópias autenticadas não podem substituir o título original, exceto em casos


específicos, como, por exemplo, quando a cártula está sendo utilizada em inquérito policial por crime de
estelionato (CP, art. 171). A posse é necessária, também, para que o credor tenha condições de exercer o
direito de regresso contra outros corresponsáveis pelo pagamento.

Apenas em casos excepcionais o título de crédito original não é mostrado. A duplicata


pode ser cobrada se o devedor a reteve indevidamente, desde que esteja protestada por indicações e seja
provada a entrega da mercadoria (Lei 5.474/1968, art. 15, II).

Art 15 - A cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de conformidade com o


processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, de que cogita o Livro II do Código de Processo
Civil ,quando se tratar: (Redação dada pela Lei nº 6.458, de 1º.11.1977)

l - de duplicata ou triplicata aceita, protestada ou não; (Redação dada pela Lei nº 6.458, de
1º.11.1977)

II - de duplicata ou triplicata não aceita, contanto que, cumulativamente: (Redação dada pela Lei nº
6.458, de 1º.11.1977)

a) haja sido protestada; (Redação dada pela Lei nº 6.458, de 1º.11.1977)


b) esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da
mercadoria; e (Redação dada pela Lei nº 6.458, de 1º.11.1977)

c) o sacado não tenha, comprovadamente, recusado o aceite, no prazo, nas condições e pelos
motivos previstos nos arts. 7º e 8º desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 6.458, de 1º.11.1977)

LITERALIDADE

O título de crédito vale pelo que nele está literalmente escrito. O credor não pode
exigir mais e nem o devedor está obrigado a pagar mais do que consta na cártula. Salvo exceções contidas
em leis especiais, os atos cambiais não são válidos se lançados em documento distinto do título. Se
alguém, por exemplo, endossa uma nota promissória num documento, público ou privado, distinto do
título, tal ato não será válido.

AUTONOMIA

As obrigações dos títulos de crédito são autônomas, de modo que a ineficácia de uma
não contamina a outra. Se alguém endossa um título a um menor de 18 anos, que também o endossa a
outrem, o fato do último endosso ser nulo não significa que o primeiro também o seja.

O princípio da autonomia, em verdade, envolve dois aspectos diversos e importantes,


também chamados de sub-princípios: a abstração e a inoponibilidade das exceções pessoais aos
terceiros de boa-fé.

ABSTRAÇÃO

Quando posto em circulação mediante endosso ou tradição, o título de crédito


desvincula-se da relação jurídica que lhe deu causa, não podendo o devedor deixar de pagar o valor
devido, sob pena de ser executado pelos terceiros de boa-fé (credores atuais). O devedor não pode deixar
de pagar o valor do título ainda que tenha devolvido o bem, caso o título tenha circulado.

É evidente que se o título não foi colocado em circulação pode o devedor se recusar a
pagar e depositar a quantia em juízo para que seja discutido o negócio judicialmente, numa ação
anulatória, por exemplo. A abstração, portanto, consiste na desvinculação do título em relação ao negócio
fundamental, em caso de circulabilidade da cártula. É o aspecto substancial do princípio da autonomia.

INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS AOS TERCEIROS DE BOA-FÉ

Por esse sub-princípio, não podem ser alegadas em processos judiciais matérias não
relacionadas aos possuidores de boa-fé do título. As relações do devedor com o anterior possuidor, assim,
não serão conhecidas pelo juiz, em caso de execução do título. Se o exeqüente possui legitimamente o
título, ele nada tem a ver com os problemas do executado com os devedores anteriores.

Somente podem ser apresentadas pelo executado nos autos da ação de embargos do
devedor ou em eventual exceção de pré-executividade as matérias pertinentes a ele e ao exequente. Da
mesma forma, o devedor principal, se executado, não pode se beneficiar de matérias que digam respeito a
ele e a outros coobrigados do título, como, por exemplo, o primeiro endossatário, salvo se o exequente
não estiver agindo de boa-fé. Nesse último caso qualquer matéria pode ser alegada.

O CC de 2002 adotou esse sub-princípio nos art. 915 e 916. Para que se caracterize a
má-fé não é necessário que o executado prove o conluio ou o dolo entre o anterior possuidor e exequente,
mas apenas que este último sabia dos vícios.
Art. 915. O devedor, além das exceções fundadas nas relações pessoais que tiver com o portador,
só poderá opor a este as exceções relativas à forma do título e ao seu conteúdo literal, à falsidade da
própria assinatura, a defeito de capacidade ou de representação no momento da subscrição, e à falta de
requisito necessário ao exercício da ação.

Art. 916. As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente
poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.

TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS

Os títulos de crédito na forma documentada (“papelizada”) surgiram na idade média


com a função de facilitar o comércio e sobreviveram às diversas mudanças econômicas e políticas.

Atualmente, pelo menos nos países onde a informática encontra-se em


desenvolvimento, o papel tem sido trocado pelo meio magnético. A troca de informações tem sido
realizada de modo eletrônico ou virtual, e não corpóreo. Na maioria dos estabelecimentos mercantis o
consumidor pode, por exemplo, comprar produtos e pagar com cartões de crédito, sendo que alguns
destes estão interligados a bancos. A operação débito-crédito, em alguns casos, é realizada
instantaneamente, sem o uso de papel. É possível, ainda, comprar e vender via internet ou subscrever
eletronicamente faturas de compra e venda de produtos ou de serviços.

O novo CC permite que seja emitido título de crédito por computador ou meio técnico
equivalente (art. 889, § 3º).

§ 3o O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico
equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos
neste artigo.

A regra é válida, por enquanto, para a chamada “duplicata virtual”, que não se
materializa numa cártula (papel). Trata-se de título sustentado em dados constantes no microcomputador
e no livro de registro de duplicatas do credor. Sua cobrança pode ser realizada mediante o envio de
informações através de mensagem eletrônica (internet/modem) a uma instituição financeira, que por sua
vez emite um “boleto” pagável em qualquer agência bancária. Se o devedor não efetuar o pagamento, o
próprio banco, desde que autorizado, pode enviar eletronicamente os dados ao Tabelionato de Protestos,
que efetiva a notificação e, se for o caso, o protesto por indicações da duplicata (art. 8º da Lei 9.492/97).

Art. 8º ...

Parágrafo único. Poderão ser recepcionadas as indicações a protestos das Duplicatas Mercantis e
de Prestação de Serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira
responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera
instrumentalização das mesmas.

O instrumento de protesto e o documento assinado que prova a entrega da mercadoria


ou a prestação de serviços, fazendo presumir o aceite, constituem título executivo extrajudicial.

CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

São várias as classificações dos títulos de crédito, sendo que as mais importantes se
referem ao modelo, forma, emissão, circulação e conteúdo.

QUANTO AO MODELO

Os títulos de crédito são classificados em duas espécies:


I. LIVRES: não tem modelo estabelecido em lei, como as notas promissórias e letras de câmbio.
II. VINCULADOS: tem modelo previsto em lei, como o cheque e duplicata, que seguem os
padrões legais.

QUANTO À FORMA

A forma se refere às situações jurídicas geradas pelo título de crédito, havendo,


também, duas espécies:

I. ORDENS DE PAGAMENTO: sua emissão gera três situações jurídicas: a de quem dá a ordem
(sacador ou emitente), a de quem recebe a ordem (sacado); e a de quem se beneficia da ordem
(tomador, portador ou beneficiário).
Às vezes, o sacador é também o beneficiário (ex: o correntista pode emitir e descontar um
cheque seu). O banco é o sacado e o correntista é o emitente (sacador) e também o beneficiário
(tomador). A letra de câmbio também pode ser emitida em favor do sacador.
II. PROMESSA DE PAGAMENTO: gera apenas duas situações jurídicas: quem promete pagar
(sacado) e quem vai se beneficiar (tomador ou beneficiário). Só existe um título desse tipo, que
é a nota promissória.

HIPÓTESES DE EMISSÃO

Há três hipóteses de emissão de títulos de crédito:

I. CAUSAIS: só podem ser emitidos se houver uma causa explícita na lei, como, por exemplo, a
duplicata, que representa uma fatura de venda de produto ou prestação de serviços, ou a
warrant, que representa o depósito de mercadorias.
II. NÃO-CAUSAIS (ABSTRATOS): não necessitam de qualquer causa, como o cheque ou a nota
promissória.
III. LIMITADOS: não podem ser emitidos em determinadas situações, como, por exemplo, a letra
de câmbio, que pode representar operações bancárias, mas não a compra e venda mercantil. A
Lei 5.474/68, neste caso, exige a emissão de duplicata (art. 2º).
Art. 2º No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como
efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o
saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.

QUANTO À CIRCULAÇÃO

Há também duas espécies:

I. AO PORTADOR: não indicam o nome do beneficiário e são transferidos por mera tradição.
Atualmente, apenas os cheques de até R$ 100,00 podem ser emitidos ao portador, havendo
proibição em relação aos demais (Lei 8.088/90).
II. NOMINATIVOS: são aqueles que têm a indicação do beneficiário. Os nominativos podem ser
“à ordem” e “não à ordem”. Os “nominativos à ordem” são transferidos por endosso, enquanto
os “nominativos não à ordem” somente são transferidos por cessão civil de crédito. Esses títulos
devem estar acompanhados da cessão civil de crédito, ou seja, por documento em separado que
transfira o crédito. Pela cláusula “não à ordem” o emitente do título procura impedir a sua
circulação.

Nos termos do art. 921 do novo CC, considera-se:

Art. 921. É título nominativo o emitido em favor de pessoa cujo nome conste no registro do
emitente.
Para Fábio Ulhoa Coelho, a classificação legal “é imprestável”, pois, “além de não
existir título de crédito nenhum, no direito brasileiro, que atenda os requisitos para se considerar
nominativo” (...).

A legislação cambiária em vigor no Brasil, desde a revogação do Decreto-lei 427/1969


pelo Decreto-lei 1.700/1979, não exige qualquer registro para que os títulos de crédito nominativos
próprios (letra de câmbio, nota promissória, cheque e duplicata) tenha validade ou força executiva. O art.
921 do CC, que se refere a qualquer título de crédito, somente pode ser aplicado às sociedades anônimas,
que negociam ações, debêntures, bônus de subscrição e outros valores mobiliários no mercado de
capitais, e estão obrigadas a manter escrituração relativa aos registros e transferências (Lei 6.404/76, art.
100/102).

QUANTO AO CONTEÚDO

Os títulos de crédito podem ser classificados conforme os direitos que atribuem a seu
titular:

I. Atributivos de direitos reais: são títulos que representam direitos sobre determinada coisa,
como, por exemplo, o conhecimento de depósito e warrant, que se referem à posse e
propriedade de mercadorias depositadas em armazéns gerais, o conhecimento de frete, relativo à
propriedade de mercadorias transportadas, e as cautelas de penhor, que se referem a bens
empenhados.
II. Atributivos de créditos: são títulos que conferem ao credor o direito ao recebimento de
determinada quantia em dinheiro do devedor, como, por exemplo, a letra de câmbio, o cheque e
a duplicata.
III. Atributivos de direitos diversos : são títulos que atribuem direitos de diversas índoles, como
exemplo, as debêntures, que representam empréstimos, e as ações das sociedades anônimas, que
atribuem em favor do acionista, entre outros, direitos de voto e de reconhecimento de
dividendos.

TÍTULOS DE CRÉDITO EM ESPÉCIE

Os títulos de crédito conferem a seu titular um direito perante o emitente ou outras


pessoas coobrigadas.

Entre os títulos de crédito próprios encontram-se a letra de câmbio, a nota promissória,


o cheque e a duplicata.

Entre os títulos de crédito impróprios merecem destaque conhecimento de depósito e


warrant, o conhecimento de transporte, a letra imobiliária, letra e cédula hipotecária, as cédulas de crédito
comercial e industrial e o certificado de depósito.

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