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Saúde-doença-cuidado: um percurso conceitual na perspectiva

sociológica

A buscar por estabelecer distinções entre as diferentes dimensões de


manifestação da doença deram corpo às discussões teórico-metodológicas das
Ciências sociais sobre a prática do cuidado, adentrando um território antes
considerado exclusivo do campo médico, confrontando o discurso privilegiado
dessa área e visibilizando outras abordagens correntes na prática cotidiana, no
entanto apagadas pelo discurso dito científico.

Desse modo, abriu-se espaço para questionar o que a autora traz como
práticas oficiais, a partir da multiplicidade de dimensões do processo de
adoecimento, busca por cuidado e nos tratamentos, além da biológica. É
destacado, no entanto, que esse questionamento não se dá de forma única e
consensual, em vez disso há diversas linhas de pensamento nesse sentido.

A partir de 1970 houve uma maior aproximação entre a Antropologia Social


com a Medicina na Inglaterra, voltados para a análise de sistemas médicos
"não-ocidentais", estando mais associada à Medicina Social e à Saúde Pública,
devido às demandas sociais dos períodos entre e pós-guerras, relacionados às
políticas do estado de bem-estar social.

O campo de estudos da antropologia médica passa a se estruturar a partir de


discussões sobre o conceito de doença, nos EUA, inspirando estudos
relacionados no Brasil, a partir de 1980, também com a influência da etnologia
francesa. A partir da abordagem antropológica sobre a doença, esta e a cura
passam a ser compreendidas a em seus aspectos sócioculturais na perspectiva
do doente ou de quem o tratava.

Embora na antropologia esses estudos tenham evoluído estruturadamente, a


autora aponta que na Sociologia não se estabeleceu um campo bem definido
de estudos sobre saúde e doença. Esses estudos se desenvolveram reunindo
contribuições de conhecimentos da medicina, antropologia, psicologia e da
saúde coletiva, além da própria sociologia. Nesse sentido, a autora ressalta a
importância desses estudos para a compreensão de que a saúde não pode ser
considerada como exclusividade médica, pois trata-se de um fato social total,
dado que estamos todos implicados de diferentes formas nesse processo.

Assim, são destacados dois momentos no desenvolvimento de uma sociologia


voltada para a saúde e a doença. No primeiro momento a sociologia esteve
incorporada aos departamentos de saúde, direcionando estudos
comportamentais para as causas sociais, numa perspectiva estrutural
funcionalista. As teorias sistêmicas se destacaram com a ideia de que a
medicina poderia prever a complementaridade entre o papel do enfermo e do
terapeuta, pensamento esse que, por estar próximo a teorias comportamentais
focadas no controle, contrapunha a uma sociologia crítica e sensibilizada.

Com o advento das lutas do Movimento de Reforma Sanitária Brasileira, houve


uma ampliação do campo de estudos da sociologia, no referente à saúde,
promovendo também uma ruptura com o antigo modelo voltado para o controle
e criando interfaces com diversas outras áreas do conhecimento.

A partir da ideia de um princípio da integralidade na saúde, mudanças passam


a ser promovidas no modelo de atenção, que passa a ser voltado para a saúde,
reconhecendo e atuando numa maior amplitude de aspectos envolvidos no
cuidado. Nesse sentido, observa-se os diversos fatores envolvidos na saúde,
que passa a ser concebida como um direito, o que exige um olhar crítico sobre
o desenvolvimento da rede de serviços de saúde e também voltar esforços
para a formação de profissionais de saúde comprometidos com o Sistema
Único de Saúde.

Com a ampliação do olhar sobre a saúde, revela-se também a figura do


paciente, antes escondida sob a doença. Da mesma forma, passou-se a ter
uma visão ampliada sobre os sistemas de cura e práticas do cuidado. Nesse
sentido, esses temas e o sofrimento, a experiência e os aspectos humanos
envolvidos na doença passam a ser de interesse dos estudos sociológicos.

Ainda sobre o cuidado a autora ressalta a importância da abertura para a


tematização do cuidado em saúde, a partir da qual as redes informais e os
contextos familiares ganham relevância, deslocando o foco das técnicas, do
saber médico e de práticas institucionalizadas, que antes ocupavam lugar
exclusivo nos processos de atenção à saúde.

Nesse sentido, o apoio social emerge como um aspecto importante de


manutenção da saúde, mostrando o caráter relacional e não apenas individual
do tratamento. Assim, as análises sociológicas se voltam para os aspectos
interativos favoráveis ao bem-estar e nos simbolismos constitutivos do vínculo
social, na participação de diferentes grupos sociais que apoiam e participam do
processo de cura.

A autora apresenta dois fenômenos que surgem do embate entre a


desumanização e o esforço de reumanização: um movimento interno, com
forças sociais buscando uma revisão das práticas médicas, como o movimento
de reforma sanitária; e outro externo, de práticas de saúde e cuidado externas
às oficiais, que vão desde a homeopatia até as medicinas tradicionais e
saberes populares.

A expansão de práticas de cuidado humanistas traz de volta o cuidado em suas


bases comunitárias, relações que se formam em função do bem comum e que
fornecem os instrumentos intersubjetivos que facilitam a circulação dos
chamados "bens de cura".

Desse modo, as Ciências Sociais buscam, se voltando aos sistemas de


cuidado externos à ciência médica, a expansão das práticas terapêuticas, o
reconhecimento dos simbolismos, percepções e crenças dos sujeitos
envolvidos no processo terapêutico e a defesa da inclusão de outras
racionalidades médicas mais integralistas nas práticas de cuidado oficiais.

Assim, a autora conclui que o reconhecimento do cuidado em suas múltiplas


possibilidades de promoção à saúde se constitui como uma posição pela
superação do paradigma saúde-doença, trazendo o trinômio saúde-doença-
cuidado, reconhecendo que o cuidar é do humano e defendendo uma
Sociologia do Cuidado, em contraponto à Sociologia da Saúde.

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