Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
[tinge
a seguinte.
Se é vermelha tinge a outra de vermelho.
Se é alva tinge a outra dos lírios da
[manhã.
É língua muito transitiva a dos pássaros.
Não carece de conjunções nem de
[abotoaduras.
Se comunica por encantamentos.
E por não ser contaminada de contradições
A linguagem dos pássaros
Só produz gorjeios.
Manoel de Barros
Nomes
Manoel de Barros
(trecho)
Poema
Manoel de Barros
O Olhar
Manoel de Barros
Manoel de Barros
Manoel de Barros
Mundo Pequeno
Manoel de Barros
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a
revelou.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas se não desejo contar nada, faço
poesia.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais
fundos desejos.
De tudo haveria de ficar para nós um sentimento longínquo de coisa esquecida na terra
— Como um lápis numa península.
1
Gravata de urubu não tem cor.
palavras
escorre. . .
11
de obstáculos à liberdade
Não.
ir por reentrâncias
12
13
morcegos.
a dentro.
dentro.
1a. Parte
Felisdônio
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
etc.
etc.
etc.
II
uma gravanha.
idioma.
III
IV
escrito:
É quando
VI
por crianças.
VII
passarinhos.
E pois.
de fazer nascimentos -
VIII
Van Gogh.
IX
em nossa boca.
XI
XII
banho nelas.
XIII
pessoas razoáveis:
XV
XVI
pelas imundícias?)
XVII
XVIII
entoasse.
XIX
enseada.
XX
quintal.
XXI
ou no Viterbo -
mas só acrescenta.
- Conhece-te a ti mesmo.
Ou na boca do povinho:
e pau seco.
Etc.
Etc.
Etc.
II
Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.
III
Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.
no silêncio Iíquido
com que as águas escurecem as pedras...
IV
Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.
Ela pode ser o germe de uma apagada existência.
Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.
Palavras têm espessuras várias: vou-lhes ao nu, ao
fóssil, ao ouro que trazem da boca do chão.
Andei nas pedras negras de Alfama.
Errante e preso por uma fonte recôndita.
Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!
V
Escrever nem uma coisa Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.
VI
No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana,
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.
VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.
VII
Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,
Ovídio mostra seres humanos transformados
em pedras vegetais bichos coisas
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval,
pedral, etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural
- Que os poetas aprenderiam -
desde que voltassem às crianças que foram
às rãs que foram
às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar
a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.
IX
Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.
Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade
caça jeito.
Auto-Retrato Falado
BARROS, Manoel de. "Memórias Inventadas – A infância". São Paulo: Ed. Planeta,
2003.