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C ON H EÇ A AS N OVAS R EGRAS

D O S U C ES S O NA E RA DA I NTERNET

Como Funciona a Google


Eric Schmidt, chairman executivo e ex-CEO da Google, e Jonathan
Rosenberg, antigo diretor de produtos, apresentam nesta viagem em
Eric Schmidt (à direita) foi o CEO da Google entre primeira mão aos bastidores da empresa as técnicas de gestão e as
2001 e 2011. Nesse período liderou o crescimento da estratégias inovadoras que eles próprios desenvolveram e que
empresa desde uma pequena startup de Silicon Valley permitiram à Google superar os complexos desafios da sua atividade.
até à gigante tecnológica global que gera hoje receitas Aqui se explica como o avanço da tecnologia transferiu o poder das
superiores a 55 mil milhões de dólares por ano e possui empresas para os consumidores e se conclui que, para sobreviver, é
escritórios em mais de 40 países. É atualmente chairman essencial concentrar esforços na qualidade dos produtos e investir
executivo da empresa. numa nova categoria de profissionais multifacetados: os «criativos
inteligentes», que aliam conhecimento técnico, sentido comercial e

Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg


uma criatividade sem limites.
Jonathan Rosenberg juntou-se à Google em 2002
para gerir o desenvolvimento de produtos, de que são
exemplos a pesquisa, o Google Ads, o Gmail, o Android
e o Chrome. É atualmente conselheiro do CEO da
EM TEMPOS DE ACELERADAS MUDANÇAS, A MELHOR FORMA DE TER UM NEGÓCIO
DE SUCESSO É ATRAIR CRIATIVOS INTELIGENTES E FORNECER-LHES UM AMBIENTE Como Funciona a Google
ONDE POSSAM DESENVOLVER TODAS AS SUAS CAPACIDADES.
Google, Larry Page.

Da cultura da empresa à sua estratégia, passando pela comunicação «Na área da tecnologia, a mudança é tendencialmente
e a inovação, este livro estabelece novos princípios de gestão revolucionária, não é evolutiva. Por isso é que é tão importante
«Desligue o telemóvel, feche a porta e prepare-se para um baseados na atividade da Google, com exemplos reais aqui revelados obrigarmo-nos a fazer grandes apostas para o futuro. Dessa
livro instrutivo e divertido sobre a Google, a empresa que pela primeira vez. forma, investimos em áreas que, para muitos, podem parecer
toda a gente quer conhecer.» especulativas, como automóveis sem condutor ou a Internet
Publishers Weekly fornecida por um balão. Embora seja difícil de imaginá-lo
Um livro irresistível, prático, informativo,
agora, quando começámos o Google Maps as pessoas pensavam
OBRIGATÓRIO . Eric Schmidt que o nosso objetivo de mapear o mundo todo, incluindo
«Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg abrem a cortina
e revelam como a empresa criou a sua singular cultura de
e Jonathan Rosenberg fotografar todas as ruas, seria impossível de concretizar. Se o
com Alan Eagle prefácio de Larry Page passado é um indicador do nosso futuro, as grandes apostas de
inovação no ambiente de trabalho.»
Fortune hoje não parecerão assim tão loucas dentro de alguns anos.
Espero que aproveite estas ideias e faça, você mesmo, algumas
ISBN: 978-989-668-359-7

«Todos os que gerem equipas na área tecnológica devem coisas impossíveis!»


ler este livro.» 9 789896 683597
The Wall Street Journal Gestão e Liderança Larry Page, Cofundador e CEO da Google
Como Funciona a Google

Aos nossos criativos inteligentes favoritos, Wendy e Beryl.

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Como Funciona a Google

Índice

Prefácio 9

Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente 13


«Basta ir falar com os engenheiros» 17
O plano Finlândia 22
Quando o que é extraordinário deixa de sê-lo 24
Rapidez 26
O «criativo inteligente» 30
Um projeto divertido para os dois 35
Pirâmides por construir 39

Cultura — Acredite nos Seus Próprios Slogans 43


Mantenha os espaços cheios 51
Trabalhem, comam e vivam juntos 55
Os seus pais estavam errados — a balbúrdia é uma virtude 56
Não oiça os HiPPO 58
A regra dos sete 60
Uma organização funcional 62
Reorganize tudo num dia 63
A regra das duas pizzas, de Bezos 65
Organize a empresa à volta das pessoas
que mais a impactam 65
Exclua os escudeiros, mas lute pelas divas 67
Excesso de trabalho na medida certa 70
Estabeleça uma cultura do «sim» 72
divertido em vez de Divertido 74
«Tens de vestir qualquer coisa» 81
Ah’cha’rye 83
Não seja diabólico 85

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Como Funciona a Google

Estratégia — O Seu Plano Está Errado 89


Aposte em conhecimentos técnicos,
não em estudos de mercado 91
Um período de inovação combinatória 96
Não procure os cavalos mais rápidos 100
Otimizar para crescer 101
Coase e a natureza da empresa 104
Especialize 107
A regra é abrir, não é fechar 108
A regra é abrir, exceto quando… 112
Não siga a concorrência 114
• Notas de Eric Schmidt para uma reunião de estratégia 116

Talento — Contratar É a Coisa Mais Importante


Que Você Faz 121
O efeito manada 125
As pessoas apaixonadas não usam a palavra paixão 127
Contrate «animais de aprendizagem» 129
O teste LAX 132
A perceção que não pode ser ensinada 134
Expanda a abertura 136
Toda a gente conhece alguém fantástico 141
Entrevistar é a competência mais importante 142
Agende entrevistas de 30 minutos 148
Tenha uma opinião 149
Os amigos não deixam os amigos contratar
(ou promover) amigos 151
A urgência do cargo não é suficientemente importante
para comprometer a qualidade da contratação 156
Recompensas desproporcionais 157
Troque os M&Ms, fique com as passas 159
Se os ama, deixe-os ir
(mas só depois de tomar estas medidas) 162
Despedir é chato 164
• O que a Google faz e não faz na contratação 165
• Carreira — Escolha os F-16 167
Trate da sua carreira como se estivesse a surfar 167
Oiça sempre quem tem tecnologia 169
Planeie a sua carreira 170
As estatísticas são fundamentais 172
Leia 172
Saiba o seu elevator pitch 173

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Como Funciona a Google

Vá ao estrangeiro 174
Combine paixão com contribuição 175

Decisões — O Verdadeiro Significado do Consenso 177


Decida com dados 186
Cuidado com o sim fácil 188
Saiba quando deverá fazer soar a campainha 190
Tome menos decisões 192
Faça reuniões todos os dias 194
«Têm ambos razão» 197
Todas as reuniões precisam de um dono 198
A lei da cavalgada 200
Gaste 80 por cento do seu tempo
com 80 por cento da sua receita 203
Tenha um plano de sucessão 204
• Os melhores atletas do mundo precisam
de treinadores, e você não? 206

Comunicações — Seja um Router Muito Bom 209


A predefinição é abrir 211
Conheça os pormenores 215
Tem de ser seguro dizer a verdade 217
Comece a conversa 219
A repetição não estraga a oração 221
Como correu Londres? 226
Analise-se 227
Sabedoria de e-mail 228
Tenha uma cartilha 231
Relacionamentos em vez de hierarquias 238

Inovação — Crie a Sopa Primordial 241


O que é a inovação? 246
Compreenda o seu contexto 248
O CEO precisa ser o CIO 250
Concentre-se no utilizador… 253
Pense em grande 258
Estabeleça metas (quase) inatingíveis 262
70/20/10 265
20 por cento do tempo 268
• O «projeto 20 por cento» preferido de Jonathan 274
As ideias vêm de qualquer lado 275
Lance os produtos e insista 278

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Como Funciona a Google

Falhe bem 282


O dinheiro não é a melhor recompensa 285

Conclusão — Imagine o Inimaginável 289


De Downton Abbey a Diapers.com 290
Quem tem sucesso e quem falha num
mundo de plataformas? 292
O aparecimento das redes sociais
(e uma startup chamada Facebook) 294
Faça as perguntas mais difíceis 296
O papel do governo 302
Grandes problemas são problemas de informação 303
O futuro é tão brilhante… 306
O próximo criativo inteligente 309

Agradecimentos 311
Glossário 319
Notas 324

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Como Funciona a Google

Prefácio

Q
uando era jovem e comecei a pensar sobre o meu futu-
ro, decidi que queria ser professor ou criar uma empre-
sa. Percebi que qualquer uma destas coisas me daria uma
enorme autonomia — a liberdade de pensar a partir dos axio-
mas e da realidade do mundo físico, em vez de ter de aceitar a
«sabedoria» já existente.
Tal como Eric e Jonathan explicam em Como Funciona a
Google, tentamos aplicar esta autonomia de pensamento a quase
tudo o que fazemos na empresa. Tem sido a força motriz por trás
dos nossos maiores sucessos e de alguns fracassos impressionan-
tes. De facto, partir dos axiomas foi o que deu força à Google.
Uma noite tive um sonho (literalmente) e acordei a pensar…
e se se pudesse fazer o download da Web toda e manter só os
links? Então, peguei numa caneta e anotei os pormenores para
descobrir se era realmente possível. Naquela altura, a ideia de
criar um motor de pesquisa nem sequer estava no meu radar.
Só mais tarde é que Sergey e eu percebemos que a classificação
e hierarquização de páginas web pelos seus links podiam gerar
muito melhores resultados de pesquisa. O Gmail também co-
meçou com um sonho. E quando, há uma década, Andy Rubin
começou o Android, a maioria das pessoas pensou que era uma
verdadeira loucura alinhar a indústria de telemóveis em torno
de um sistema operativo de código aberto.

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Como Funciona a Google

Surpreendentemente, com o tempo aprendi que é tremen-


damente difícil conseguir equipas que sejam superambiciosas.
O que acontece é que a maioria das pessoas não é educada para
pensar em grande. Tendem a dar por garantido que as coisas são
impossíveis, em vez de partirem do mundo real e descobrirem
o que é de facto possível. É por isso que, na Google, investimos
tanta energia na contratação de pensadores independentes e em
estabelecer grandes objetivos. Porque se você contratar as pes-
soas certas e tiver sonhos suficientemente ambiciosos, consegue
chegar lá. E mesmo se falhar, o mais provável é que aprenda
qualquer coisa importante.
Também é verdade que muitas empresas se sentem mais con-
fortáveis a fazerem o que sempre fizeram, com muito poucas
mudanças. Este género de melhorias, com o passar do tempo,
torna-se insignificante, especialmente na área da tecnologia,
porque a mudança é tendencialmente revolucionária, não é
evolutiva. Por isso é que é tão importante obrigarmo-nos a fa-
zer grandes apostas para o futuro. Dessa forma, investimos em
áreas que, para muitos, podem parecer especulativas, como au-
tomóveis sem condutor ou a Internet fornecida por um balão.
Embora seja difícil de imaginá-lo agora, quando começámos
o Google Maps as pessoas pensavam que o nosso objetivo de
mapear o mundo todo, incluindo fotografar todas as ruas, se-
ria impossível de concretizar. Se o passado é um indicador do
nosso futuro, as grandes apostas de hoje não parecerão assim
tão loucas dentro de alguns anos.
Estes são alguns dos princípios que eu considero importan-
tes, e há mais nas páginas que se seguem. Espero que aprovei-
te estas ideias e faça, você mesmo, algumas coisas impossíveis!

Larry Page
Cofundador e CEO da Google

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Como Funciona a Google

Como FUNCIONA A GOOGLE

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Como Funciona a Google

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Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

Introdução

Lições Aprendidas na Linha da Frente

E
m julho de 2003, Eric Schmidt era o CEO da Google Inc.*
há dois anos quando recebeu um e-mail de Mike Moritz,
um dos membros da administração, investidor da empresa
e sócio da Sequoia Capital. Incluía uma sugestão:

«Talvez fosse boa ideia arranjar três horas, em meados


de agosto, para que os gestores apresentem à adminis-
tração a nossa campanha para competir com a Finlândia.
(Considero que não devemos esperar pela reunião de se-
tembro. É um assunto demasiado importante e todos nós
sabemos que a melhor maneira de descobrir como um
ano é curto é competir com a Finlândia.)»

Para os menos informados, esta nota pode parecer confu-


sa. Porque é que uma startup como a Google, uma empresa de
Internet baseada em Mountain View, Califórnia, com algumas
centenas de funcionários e cinco anos de existência, haveria de
competir com a Finlândia, um país com cinco milhões de pes-
soas, a quase mil quilómetros de distância e geralmente consi-
derado um lugar amistoso e pacífico?

* O livro inclui referências abundantes à empresa Google Inc. e ao motor de


pesquisa Google. Optámos por utilizar o feminino sempre que se trata da empresa, e
o masculino quando a referência é ao motor de pesquisa. [N. da E.]

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Como Funciona a Google

O e-mail sobre a Finlândia chegou exatamente na altura em


que Eric percebia que estava finalmente a sentir-se confortá-
vel na Google. Ele tinha vindo da Novell, onde era o CEO, e
também tinha trabalhado para a Sun Microsystems e para a
Bell Labs. Cresceu na Virgínia, licenciou-se em Engenharia
Elétrica em Princeton e fez o mestrado e o doutoramento em
Informática na Universidade da Califórnia, em Berkeley, por
isso, ele não só estava habituado a trabalhar com engenheiros e
informáticos, como também era um deles. No entanto, quando
chegou à Google, entrou num lugar muito diferente daquilo a
que estava habituado.
A revelação de que tudo ali era completamente diferente
começou logo no primeiro dia. Quando entrou no gabinete
que lhe tinha sido atribuído, e que era bem mais modesto do
que é habitual para um escritório de CEO, descobriu que já
estava ocupado por vários engenheiros de software. Em vez de
os pôr de lá para fora, instalou-se no gabinete ao lado, que era
mais um cubículo com uma janela do que um escritório pro-
priamente dito.
Umas semanas depois, a coisa piorou. Uma manhã, enquan-
to caminhava pelo corredor a caminho do seu cubículo gabine-
te, percebeu que a sua assistente, Pam Shore, estava com cara
de caso.1 Depressa descobriu porquê: tinha um novo colega.
Era um dos engenheiros que fazia investigação, Amit Patel,
que explicou a Eric que o seu gabinete já tinha cinco pessoas
e que estava para chegar mais uma, e que a solução de dividir
uma secretária não tinha resultado. Em comparação com o lu-
gar onde estava, o gabinete de Eric parecia-lhe muito espaço-
so e, por isso, Amit mudou-se para lá. (O pessoal encarregado
das instalações recusara-se a mudar as coisas de Amit para o
gabinete de Eric; por isso, ele fez a mudança sozinho.) Amit e
Eric acabaram por partilhar o mesmo gabinete durante vários

14
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

meses. Decididamente, isto não era um lugar no qual a impor-


tância das pessoas se medisse em metros quadrados.
Para além desta questão tão pouco vulgar do gabinete, a
transição de Eric para a empresa foi bastante suave. A sua re-
lação com os dois fundadores, Larry Page e Sergey Brin, for-
talecia-se todos os dias. A plataforma de anúncios da empresa,
a AdWords, começava a gerar receitas significativas (quando a
empresa propôs a sua primeira oferta pública de venda, em
2004, a demonstração financeira surpreendeu a maior parte
dos observadores… no bom sentido), e apesar de «Googlar»,
enquanto verbo, só ter sido dicionarizado três anos depois,2
para milhões de utilizadores o motor de pesquisa Google já
fazia parte significativa do seu dia a dia. A empresa também
estava a crescer e todos os meses admitia dezenas de novos
funcionários, incluindo um novo diretor de produtos, Jonathan
Rosenberg, que entrou em fevereiro de 2002. Jonathan, tal como
Eric, também era filho de um professor de economia. Ele en-
trou para a Google depois de ter passado pela Excite@Home
e pela Apple, para constituir a equipa de gestão de produtos e
reforçar a equipa de Eric.
Tal como Mike referia no seu e-mail, havia de facto um gran-
de concorrente no horizonte mas, na verdade, não eram os nos-
sos amigos nórdicos do outro lado do Atlântico. «Finlândia» era
o nosso nome de código interno para Microsoft,3 nessa altura
a empresa de tecnologia mais importante do planeta.4 Eric sa-
bia que uma grande fatia do tráfego do Google vinha de pessoas
que utilizavam o browser Internet Explorer, da Microsoft. Tal
como toda a gente na Google, ele acreditava que a Internet era
a plataforma tecnológica do futuro e que a pesquisa era uma das
suas aplicações mais úteis. No entanto, era apenas uma ques-
tão de tempo até os nossos amigos de Redmond se interessa-
rem a sério por aquilo que nós estávamos a fazer. E quando a

15
Como Funciona a Google

Microsoft se interessava a sério por aquilo que as startups esta-


vam a fazer, as coisas costumavam tomar um caminho verda-
deiramente interessante.5
O futuro da empresa estava em jogo e o que havia a fazer
era mais do que óbvio. O e-mail de Moritz era uma chama-
da à ação. Pediu a Eric que reunisse a equipa e que criasse um
plano que estabelecesse objetivos claros para toda a empresa:
produtos, vendas, marketing, finanças e desenvolvimento cor-
porativo. Todos os aspetos da maneira como a Google funcio-
nava estavam em cima da mesa, e até se falava de uma possível
transição da empresa, que passaria da sua peculiar estrutura de
startup para uma estrutura mais tradicional, organizada à volta
de unidades de negócio, para facilitar a criação de novas fon-
tes de receita (outra das coisas que o novo plano também de-
via contemplar). A questão mais importante era a ideia de que
o plano devia estabelecer metas e um caminho que os produ-
tos seguiriam, e quando. Em resumo, Moritz queria aquilo que
qualquer membro do Conselho de Administração, sensato e
normal, quereria: um plano de negócios abrangente.
E terminava a nota com um floreado:

«Porque não escolher uma noite em meados de agosto


para marcar a conclusão dos planos para a maior campa-
nha em que qualquer um de nós já participou?»

Uma vez que os produtos eram o cerne deste plano, Eric


entregou o projeto a Jonathan. E deu-lhe um prazo: «Gostava
de ver isto dentro de duas semanas.» No entanto, havia um
problema, para além do facto de termos uma enorme empre-
sa a caminho de competir connosco. Moritz estava certo: para
vencer o maior gorila da selva, precisávamos de um plano. Mas
também estava errado, e para compreendermos porque é que

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Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

ele estava errado e porque é que ele nos estava a colocar inad-
vertidamente numa posição muito complicada, ajuda, primeiro,
compreender que espécie de empresa era a Google.

«Basta ir falar com os engenheiros»


Quando Sergey e Larry fundaram a Google, em 1998, não
tinham nem formação nem experiência em gestão. Mas consi-
deravam isso uma vantagem, não uma desvantagem. À medida
que a empresa ia crescendo da sua primeira sede, num quarto
de uma residência académica em Stanford, para a garagem de
Susan Wojcicki6, em Menlo Park, para os escritórios em Palo
Alto e depois em Mountain View, os fundadores foram-na
gerindo com base em alguns princípios simples, concentrados
acima de tudo, e principalmente, nos utilizadores. Acreditavam
que, se criassem bons serviços, poderiam ocupar-se dos assuntos
financeiros depois. Se criassem o melhor motor de pesquisa do
mundo, teriam um enorme sucesso.7
O plano para criarem o fantástico motor de pesquisa, e to-
dos os outros extraordinários serviços, era igualmente simples:
contratar tantos engenheiros de software quanto possível, e dar-
-lhes liberdade. Esta abordagem era própria de uma empresa
nascida no laboratório de uma universidade, uma vez que na
universidade o ativo mais valorizado é o intelecto (e, em al-
gumas universidades norte-americanas, a capacidade de fazer
um lançamento de 40 metros com uma bola de futebol ame-
ricano). Mas enquanto algumas empresas dizem que os seus
empregados são tudo, Larry e Sergey geriam mesmo a empre-
sa segundo esse princípio. Esse comportamento não era uma
mensagem corporativa, e não era altruísmo. Eles achavam que
atrair e liderar os melhores engenheiros era a única maneira de
a Google prosperar e alcançar as suas grandes ambições. E eles
queriam mesmo engenheiros: os dois fundadores impediram

17
Como Funciona a Google

a primeira tentativa de Eric para contratar a estimada Sheryl


Sandberg, atual chefe de operações da Facebook, porque ela não
era engenheira. (Sheryl acabou por trabalhar mais de seis anos
na Google, muito bem-sucedidos.) À medida que a empresa
crescia, os fundadores suavizaram um pouco esta sua obstina-
ção, mas só um bocadinho. Ainda hoje a regra de ouro é que
pelo menos metade dos funcionários da Google (mais conhe-
cidos como Googlers) têm de ser engenheiros.
As táticas de gestão que os fundadores usaram para gerirem
a empresa eram igualmente simples. Tal como os professores
no seu laboratório de ciências informáticas, em Stanford, que
não lhes impunham os temas dos seus projetos de tese e, em vez
disso, lhes davam orientações e sugestões, Larry e Sergey davam
aos seus funcionários toda a liberdade e usavam a comunicação
como ferramenta para manterem toda a gente a caminhar na
mesma direção. Acreditavam profundamente na importância
da Internet e no poder da investigação, e comunicavam estes
aspetos através de reuniões informais com as pequenas equi-
pas de engenheiros que povoavam as instalações da Google,
bem como nas reuniões «TGIF» (abreviatura de Thank God It’s
Friday [Graças a Deus é Sexta-feira]), com todos os funcioná-
rios, que se realizavam às sextas-feiras à tarde, onde qualquer
assunto podia ser discutido.
Quanto ao procedimento, os fundadores geriam as coisas
sem grandes complicações. Durante anos, a principal ferra-
menta de gestão de recursos da Google era uma folha com a
lista dos 100 projetos mais importantes para a empresa, que
estava disponível para toda a gente ver e debater nas reuniões
trimestrais. Essas reuniões serviam, em parte, para atuali-
zar o estado, em parte para alocar recursos, e em parte para
brainstorming. O sistema não era muito científico: a maior
parte dos projetos eram priorizados numa escala de 1 a 5, mas

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Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

também havia lugar na lista para projetos classificados como


«novo/fixe» e «skunkworks»*. (Hoje já não nos lembramos da
diferença entre os dois, mas na altura fazia todo o sentido…
ou quase.) Não existia um conceito ou uma reconhecida ne-
cessidade de planeamento mais longo do que isto; se apare-
cia alguma coisa mais importante, os engenheiros tratavam
do assunto e acrescentavam-no à lista.
Esta ênfase na engenharia manteve-se mesmo quando a em-
presa alargou a equipa de gestão. Os fundadores contrataram
Eric não tanto por causa da sua competência em gestão mas so-
bretudo por causa da sua carreira na tecnologia (Eric tinha sido
um especialista em Unix e tinha ajudado a criar o Java — a lin-
guagem de programação, não a bebida ou a ilha) e pelo facto de
ser um famoso geek enquanto aluno do Bell Labs. Contrataram
Jonathan apesar da licenciatura em Economia e do MBA, porque
ele era comprovadamente um defensor do produto e da inovação,
desde os seus tempos na Apple e na Excite@Home. O facto de
sermos da área dos negócios não era exatamente uma desvanta-
gem, mas também não era uma vantagem, pelo menos nas ca-
beças de Sergey e de Larry.
Jonathan teve uma amostra da tradicional aversão dos fun-
dadores aos procedimentos de gestão pouco tempo depois de
ter começado a trabalhar na empresa. Sendo um executivo ex-
periente em gestão de produto, tinha muita experiência naquilo
que é conhecido como abordagem gate-based para a construção
de produtos — o que, na maior parte das empresas, envolve uma
série de fases e metas bem definidas, regidas por várias aprecia-
ções de executivos, que escalam lentamente a cadeia hierárquica

* Projeto realizado por um grupo geralmente pequeno de pessoas, de forma


informal e pouco convencional, cujo objetivo é gerar inovação radical. Este termo
nasceu do projeto Skunk Works, da empresa de aviação norte-americana Lockheed
Corporation, realizado aquando da II Guerra Mundial. [N. da E.]

19
Como Funciona a Google

corporativa. Esta abordagem é desenhada para conservar recur-


sos e canalizar a informação desde a base do processo até a um
pequeno grupo de decisores no topo.
Jonathan presumiu que tinha de trazer exatamente esse
género de disciplina para a Google, e tinha a certeza absolu-
ta de que era a pessoa certa para o fazer. Uns meses depois,
Jonathan apresentou a Larry um plano de produto que era a
aplicação da abordagem gate-based no seu melhor. Havia me-
tas e aprovações, prioridades e um plano a dois anos dos pro-
dutos que a Google iria lançar e quando. Era uma obra-prima
de um manual de ideias. Só faltava receber uma entusiástica
salva de palmas e umas palmadas nas costas. Infelizmente,
não foi isso que aconteceu: Larry detestou. «Conheces algum
plano desses que tenha sido ultrapassado pela equipa?», per-
guntou. Hum… não. «As tuas equipas alguma vez criaram
produtos melhores do que os que estavam no plano?» Não,
outra vez… «Então, para que é que serve o plano? Só serve
para nos travar. Tem de haver uma maneira melhor. Vai falar
com os engenheiros.»
Enquanto Larry falava, tornou-se claro para Jonathan que
os engenheiros a que ele se referia não eram engenheiros no
sentido tradicional. Sim, eram fantásticos programadores e
criadores de sistemas, mas, a par da sua profunda experiência
técnica, muitos deles também tinham competências de gestão
e eram extremamente criativos. Vindos do meio universitário,
Larry e Sergey tinham dado a esses funcionários uma liberda-
de e um poder fora do comum. Geri-los com um planeamento
estruturado tradicional não iria resultar; podia orientá-los mas
também iria limitá-los. «É isso que queres?», perguntou Larry
a Jonathan. «Isso seria estúpido.»
Por isso, quando Mike Moritz e a direção nos pediram para
fazermos um plano de negócios tradicional, ao estilo MBA,

20
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

não quisemos ser estúpidos. Sabíamos que a Google rejeitaria


um plano desses, como um paciente que rejeita um órgão es-
tranho que lhe seja transplantado no corpo, coisa que, de facto,
seria. Como gestores executivos experientes, tínhamos entra-
do na Google com a ideia de levar «supervisão adulta» a um
local caótico. Mas no verão de 2003 já estávamos há tempo
suficiente na empresa para perceber que a Google era gerida
de maneira completamente diferente dos outros lugares, com
funcionários com capacidades únicas e que operam numa in-
dústria nova, de evolução rápida. Já conhecíamos suficiente-
mente a dinâmica da nossa nova indústria para sabermos que
a maneira de afastarmos a Microsoft era a contínua excelência
do produto, e sabíamos que a melhor forma de conseguir essa
excelência não era através de um plano de negócios pré-defi-
nido, mas sim contratando os melhores engenheiros e dando-
-lhes liberdade. Compreendemos que os fundadores tinham
percebido intuitivamente como liderar nesta nova era, mas não
sabiam — como eles próprios admitiam — como criar uma
empresa que pudesse concretizar a sua ambiciosa visão. Eram
grandes líderes de cientistas informáticos, mas precisávamos
de mais do que cientistas para termos uma grande empresa.
Percebemos, igualmente, que as regras que nos guiariam nes-
sa tarefa ainda nem sequer existiam e também não podiam ser
encontradas no género de plano de negócios tradicional que
Mike Moritz queria.
Assim, demos connosco, nesse momento crítico da história
da empresa, sem saber o que fazer. Podíamos fazer o que Moritz
nos pedia e elaborarmos um plano de negócios tradicional. Isso
iria deixar a direção satisfeita mas não motivaria nem inspiraria
os funcionários, não ajudaria a atrair os novos talentos de que
a empresa desesperadamente precisava, e não correspondia à
estratégia dinâmica desta novíssima indústria.

21
Como Funciona a Google

Mais importante ainda, os fundadores iriam matá-lo antes


mesmo de ver a luz do dia. E, muito provavelmente, também
nos despediriam.

O plano Finlândia
O plano que, por fim, apresentámos à administração era su-
ficientemente parecido com um plano de negócios tradicional,
de maneira a que os membros da administração pudessem sair
satisfeitos da reunião e afirmar que tinham, de facto, um pla-
no de negócios. Hoje, ao olhar para trás, para esse documento,
ficamos surpreendidos com o facto de, em muitos aspetos, ele
ter sido certeiro. Focava-se em como a Google se devia concen-
trar nos utilizadores e construir excelentes plataformas e pro-
dutos. Dizia que a Google devia oferecer sempre serviços de
alta qualidade e torná-los acessíveis. Propunha que os nossos
alicerces fossem construídos com base nos utilizadores e ante-
cipava que quanto mais utilizadores tivéssemos, mais anuncian-
tes teríamos. Havia alguns aspetos táticos que diziam respeito
à maneira como afastaríamos as ameaças da concorrência, e
defendíamos, sobretudo, que a maneira de vencer a Microsoft
era com a criação de grandes produtos. O que era, como se ve-
rificou, exatamente a coisa certa a fazer.
A Microsoft desafiou-nos agressivamente, e está provado
que gastou cerca de 11 mil milhões de dólares8 na tentativa de
derrubar a Google da sua posição-chave no negócio da pes-
quisa e publicidade na Internet. Projetos da Microsoft como o
MSN Search, o Windows Live e o Bing, e aquisições como a da
aQuantive, não conseguiram alcançar verdadeira proeminên-
cia, não por serem mal executados mas sim porque a Google
estava muito bem preparada para os enfrentar. Trabalhávamos
incansavelmente para melhorar a pesquisa. Acrescentámos ima-
gens, livros, o YouTube, dados de compras e toda a informação

22
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

que encontrámos. Criámos o nosso próprio conjunto de apli-


cações, como o Gmail e o Docs, e tornámo-los exclusivamente
baseados na Internet.
Melhorámos a nossa infraestrutura muito rapidamente para
podermos ter um maior índice de dados e conteúdos online, que
cresciam exponencialmente.9 Tornámos a pesquisa mais rápida e
acessível em mais línguas, e melhorámos a interface do utiliza-
dor para tornar a sua utilização mais fácil. Acrescentámos mapas
e melhorámos os resultados locais. Fizemos parcerias para ga-
rantirmos que seria sempre fácil aos utilizadores terem acesso a
nós. Até nos expandimos para algumas áreas em que a Microsoft
era excelente, como os browsers, ao lançarmos o Google Chrome
e fazermos dele, desde o primeiro dia, o browser mais rápido e
mais seguro que existe. E rentabilizámos tudo isto com grande
eficiên­cia e com um sistema de anúncios altamente eficaz.
Eric costumava dizer à sua equipa: «A Microsoft virá sem-
pre atrás de nós, lançando onda após onda.» E vinha, de facto,
e ainda o faz. No entanto, o plano de negócios que Moritz nos
levou a elaborar funcionou para além daquilo que imaginámos.
Hoje, a Google é uma empresa avaliada em 50 mil milhões de
dólares, com mais de 45 mil empregados em mais de 40 países.
Diversificámos da pesquisa e da publicidade na Internet para
o vídeo e para outras formas de marketing digital, transitando
com sucesso de um mundo centrado no computador para um
mundo centrado no telemóvel, produzindo um bem-sucedido
conjunto de dispositivos de hardware e alargando os limites da
tecnologia com novos projetos que prometiam, por exemplo,
levar o acesso à Internet a toda a gente e criando automóveis
que se conduzem a si mesmos.
Uma das maiores razões para o nosso sucesso, no entanto,
foi o facto de o plano que entregámos à administração naque-
le dia de 2003 não ser exatamente um plano de negócios. Não

23
Como Funciona a Google

havia projeções financeiras nem discussões sobre fontes de re-


ceitas. Não havia estudos de mercado sobre o que os utiliza-
dores, anunciantes ou parceiros queriam ou sobre a maneira
como encaixavam em segmentos de mercado bem definidos.
Não havia conceito de estudo de mercado ou debate sobre os
anunciantes que seriam o nosso primeiro alvo. Não havia estra-
tégia de canal ou discussão sobre a maneira como venderíamos
os nossos produtos de publicidade. Não havia um conceito de
organograma, com as vendas a fazerem isto, o produto a fazer
aquilo e a engenharia a fazer aqueloutro. Não havia um mapa
a detalhar o que íamos fazer e quando. Não havia orçamento.
Não havia alvos nem objetivos que a administração e os líderes
da empresa pudessem usar para acompanharem os nossos pro-
gressos. Também não havia táticas sobre a maneira como iría­
mos construir a empresa ou, mais especificamente, como nos
iríamos manter leais à máxima «vão falar com os engenheiros»
de Larry e de Sergey, enquanto construíamos uma empresa que
viesse a ser a mais poderosa empresa de tecnologia do mundo
e alcançávamos a nossa audaciosa ambição geral de transfor-
mar a vida de milhares de milhões de pessoas. Deixámos tudo
isso de fora por uma simples razão: não sabíamos como iríamos
fazê-lo. No que dizia respeito a táticas de gestão, a única coisa
que podíamos dizer, naquela altura, era que a maior parte do
que tínhamos aprendido no século xx estava errado e que era
tempo de começar de novo.

Quando o que é extraordinário deixa de sê-lo


Hoje, todos vivemos e trabalhamos numa nova era, o Século
da Internet, em que a tecnologia agita o cenário dos negócios e
o ritmo de mudança é acelerado. Isto cria desafios únicos a todos
os líderes empresariais. Para entender esses desafios, temos de
recuar um pouco e considerar quão extraordinárias são as coisas.

24
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

Três tendências tecnológicas convergiram para, fundamen-


talmente, alterarem o campo de jogo da maior parte das áre-
as de negócio. Primeiro, a Internet tornou a informação livre,
abundante e ubíqua — praticamente tudo está online. Segundo,
os dispositivos móveis e as redes massificaram o alcance glo-
bal e a conectividade contínua. E terceiro, a cloud10 tornou pra-
ticamente infinitas as possibilidades de armazenamento e pôs
à disposição de todos uma série de sofisticadas ferramentas e
aplicações, a baixo custo e num sistema de pay-as-you-go. Hoje,
o acesso a essas tecnologias ainda não está disponível para a
maioria da população do mundo, mas não vai demorar muito
até a situação mudar e os próximos cinco mil milhões de pes-
soas ficarem online.
Numa perspetiva do consumidor, a convergência dessas três
ondas tecnológicas tornaram possível o impossível. Apanhar um
avião para qualquer lado? No dia da partida, o seu telemóvel
irá lembrá-lo de que está na hora de sair para o aeroporto, vai
dizer-lhe qual é o terminal e a porta de onde o seu avião parte,
e informá-lo sobre se terá de utilizar um guarda-chuva quando
chegar ao seu destino, sem que você precise de lhe perguntar
seja o que for. Quer uma informação? Escreva ou diga uma pa-
lavra ou duas e a resposta aparece quase imediatamente, extraí-
da de uma gigantesca pilha de informação que incluiu a maior
parte do conhecimento mundial. Está a ouvir uma música de
que gosta? Pegue no telefone, carregue num botão, identifique
a música, compre-a e depois oiça-a em qualquer dispositivo, em
qualquer parte do mundo. Precisa de saber como chegar a qual-
quer lugar? O seu telemóvel (ou os seus óculos ou o seu relógio)
vai, literalmente, dizer-lhe como e vai mostrar-lhe o tráfego ao
longo do caminho. Vai viajar para o estrangeiro? Fale para o seu
telemóvel (ou para os seus óculos ou para o seu relógio) e veja
ou oiça as suas palavras traduzidas praticamente em qualquer

25
Como Funciona a Google

língua do planeta, ou aponte para um sinal e leia-o na sua lín-


gua materna. Gosta de arte? Pode visitar virtualmente muitos
dos maiores e melhores museus do mundo e apreciar os seus
quadros com um grau de detalhe apenas ao alcance dos artistas
que os criaram. Quer saber se o restaurante que escolheu para
o encontro de logo à noite tem o ambiente certo ou se é fácil
estacionar lá perto? Guie virtualmente até lá, entre pela porta
principal, e faça uma visita ao interior. A mesa 14 parece perfeita!
Quando fomos para a universidade, no final da década de
1970 e início da década de 1980, telefonávamos para casa uma
vez por semana, ao domingo, sempre antes das cinco da tarde,
altura em que era mais barato. Há dois ou três anos, quando o
filho de Jonathan foi estudar para a Austrália, juntava-se mui-
tas vezes à família, que estava na Califórnia, à hora das refei-
ções, através de um vídeo do Hangout, num computador que
ocupava o lugar dele à mesa. E era grátis.
O que é mais surpreendente nestas coisas é que nada disto é
surpreendente. Os computadores mais potentes e os melhores
aparelhos eletrónicos costumavam estar nos escritórios e, quan-
do estávamos fora do trabalho, tínhamos de nos contentar com
telefones fixos, mapas em papel, música das estações de rádio
que passavam o que lhes apetecia e televisões enormes que es-
tavam ligadas a cabos e antenas. Estes aspetos das nossas vidas
mantiveram-se imutáveis durante muitos anos. Atualmente, no
entanto, as grandes inovações tornaram-se um lugar-comum.

Rapidez
Por muito que a tecnologia tenha afetado a vida dos consu-
midores, o seu impacto nos negócios tem sido ainda maior. Em
termos económicos, quando a curva de custos desce para um
dos fatores primários de produção num setor, é sinal de tem-
pos de grandes mudanças para esse setor.11 Hoje, há três fatores

26
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

de produção que ficaram mais baratos — informação, conecti-


vidade e capacidade de processamento —, afetando quaisquer
curvas de custos em que estejam envolvidos esses fatores.
Pode não ajudar, mas tem efeitos perturbadores. Muitas em-
presas — conhecidas como empresas pré-Internet — criaram
os seus negócios com base em pressupostos de escassez: infor-
mação escassa, distribuição de recursos e estudos de mercado
escassos ou poucas opções e espaço limitado de exposição. No
entanto, agora esses fatores são abundantes, diminuindo ou
eliminando barreiras à entrada e tornando todas as empresas
prontas para a mudança.12 Vimos isto, primeiro, no setor dos
media, cujos produtos podem, agora, ser distribuídos digital-
mente e enviados para todo o mundo, de forma gratuita. Mas
praticamente todos os setores, seja a que nível for, podem en-
viar informação. Media, marketing, retalho, cuidados de saú-
de, governo, educação, serviços financeiros, transportes, defesa,
energia… Não conseguimos pensar num setor que escape a
isto sem mudanças.
O resultado de toda esta turbulência é que, agora, a exce-
lência do produto é o paradigma para um negócio de sucesso
— não o controlo de informação, não o estrangulamento da
distribuição nem o esmagador poder do marketing (embora es-
tes aspetos ainda sejam importantes). Há algumas razões para
isto. Primeiro, os consumidores nunca antes estiveram tão bem
informados nem nunca tiveram tantas opções.13 Era costume
as empresas conseguirem fazer com que produtos desinteres-
santes se tornassem vencedores através da força esmagadora do
marketing ou da distribuição. Criava-se um produto adequado,
controlava-se a conversa com um grande orçamento de marke-
ting, limitava-se a escolha do cliente e garantia-se um bom lu-
cro. Nunca comeu num Bennigan’s? Ou num Steak and Ale?
No auge da década de 1980, estas cadeias de restauração tinham

27
Como Funciona a Google

centenas de estabelecimentos nos Estados Unidos, oferecendo


refeições e um serviço perfeitamente decentes.
Mas atualmente as coisas são diferentes. As cidades e as vilas
têm restaurantes para todos os gostos — tanto de proprietá-
rios locais como de grandes cadeias — e os potenciais clientes
têm acesso a preciosas informações sobre a sua qualidade, quer
através da opinião de críticos especializados quer através das
apreciações de outros consumidores, em sites de classificação
que vão do Chowhound ao Yelp. Com tanta informação e tantas
opções, é difícil um mau restaurante (quer seja uma cadeia ou
não) sobreviver, independentemente do tamanho do seu orça-
mento de marketing, e é fácil a um novo e de grande qualidade
ganhar um lugar ao sol, através do passa-palavra.14
E o mesmo se diga em relação a automóveis, hotéis, brin-
quedos, roupa e qualquer outro produto ou serviço que as pes-
soas possam pesquisar online. O cliente tem muitas escolhas,
com um espaço de exposição digital praticamente infinito (o
YouTube tem mais de um milhão de canais; a Amazon vende
mais de cinco mil livros só sobre liderança nos negócios). E o
cliente tem uma voz; fornecer um mau produto ou serviço é um
risco que você corre.
Na era da Internet experimentámos este fenómeno, em
primeira mão, várias vezes. Quando Jonathan trabalhava na
Excite@Home e queria fazer uma parceria de pesquisa com
a Google, o seu CEO decidiu não fechar o acordo, dizendo a
Jonathan que «o motor de pesquisa da Google é melhor, mas
nós vamos derrotá-los». A Excite@Home desapareceu, por isso,
obviamente, a coisa não correu assim tão bem. (A boa notícia é
que o símbolo «@» passou a ser uma grande sensação!) A ad-
ministração da Excite@Home não era a única a acreditar no
poder da marca e do marketing para fazer vingar produtos nada
brilhantes. Alguma vez ouviu falar no Google Notebook? E no

28
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

Knol? iGoogle? Wave? Buzz? PigeonRank?15 São todos produtos


da Google que, apesar do seu mérito, nunca vingaram junto dos
utilizadores. Não eram suficientemente bons e, por isso, tiveram
a morte merecida. Os ventos soprados pelo marketing e pelas
relações públicas da Google, com o seu motor de pesquisa e a
sua imagem enquanto marca, não foram suficientemente for-
tes para contrariarem os ventos de mediocridade que lhes apa-
receram pela frente. Como diz Jeff Bezos, cofundador e CEO
da Amazon: «No velho mundo, dedicavas 30 por cento do teu
tempo a criar um grande serviço e 70 por cento do teu tem-
po a anunciá-lo aos gritos. No novo mundo, é ao contrário.»16
A segunda razão pela qual a excelência do produto é tão im-
portante deve-se ao facto de o custo da experimentação e falhan-
ço ter descido significativamente. Podemos ver isto de maneira
mais dramática no setor da alta tecnologia, onde uma peque-
na equipa de engenheiros, responsáveis pelo desenvolvimento
e designers conseguem criar produtos fabulosos e distribuí-los
online para todo o mundo, gratuitamente. É incrivelmente fácil
imaginar e criar um novo produto, experimentá-lo num grupo
limitado de consumidores, medir com exatidão o que resulta e
o que não resulta, alterar o produto e experimentar outra vez.
Ou deitar tudo fora e começar tudo outra vez, o que é mais in-
teligente para a experiência.
Mas os custos das experiências também diminuíram para a
indústria. Podemos fazer protótipos digitalmente, imprimi-los
em 3D e fazer testes de mercado online, adaptar o design com
base nos resultados obtidos e, com um protótipo ou um vídeo
hábil, até podemos conseguir online o dinheiro para a produção.
A Google[x], uma equipa que trabalha para alguns dos proje-
tos mais ambiciosos da Google, precisou apenas de 90 minutos
para construir o primeiro protótipo do Google Glass, um com-
putador móvel tão leve como um par de óculos, e que pode ser

29
Como Funciona a Google

usado como uns óculos. Era bastante tosco, mas servia impe-
cavelmente o poderoso desígnio «não me contes, mostra-me».
O desenvolvimento de produtos tornou-se um processo mais
rápido, mais flexível, onde produtos radicalmente melhores não
ficam nos ombros dos gigantes, mas sim nos ombros de muitas
interações. Assim sendo, a base para o sucesso, e para a contí-
nua excelência do produto, é a rapidez.
Infelizmente, tal como o falhado plano de produto gate-based
feito por Jonathan, a maior parte dos procedimentos de gestão
em vigor atualmente nas empresas foram projetados com ou-
tras coisas em mente. Concebidos há mais de um século, numa
época em que os erros saíam caros e só os executivos de topo
tinham toda a informação, o seu primeiro objetivo é diminuir
os riscos e garantir que as decisões só são tomadas pelos pou-
cos executivos que têm acesso a toda a informação. Nesta es-
trutura tradicional de comando-e-controlo, os dados fluem de
baixo, de toda a organização, para cima, para os executivos e,
consequentemente, as decisões fluem de cima para baixo. Esta
abordagem é concebida para retardar as coisas, e cumpre mui-
to bem a sua tarefa. O que significa que, no momento em que
o negócio precisa de estar permanentemente a acelerar, a ma-
neira como está arquitetado trabalha contra ele.

O «criativo inteligente»
A boa notícia é que essa mesma economia da abundância
que está a causar turbulência em todos os setores também está
a chegar aos locais de trabalho. Hoje, o ambiente de trabalho é
completamente diferente daquilo que era no século xx. Como
já dissemos, a experimentação é barata e o custo do falhanço, se
for bem feito, é muito mais baixo do que costumava ser. Além
do mais, os dados costumavam ser escassos e os recursos in-
formáticos preciosos; hoje, são ambos abundantes, por isso não

30
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

há necessidade de os açambarcar. E a colaboração é fácil, quer


se esteja do outro lado da sala, do outro lado do continente ou
do outro lado do oceano. Ponha estes fatores todos juntos e, de
repente, tem um ambiente onde todos os funcionários, do nível
mais baixo passando pelos diretores e pelos executivos, podem
ter um impacto desmesuradamente grande.
A expressão padrão para estes funcionários — os que têm em-
pregos baseados em informação e que, para pôr isto de maneira
simplista, pensam para viverem — é «trabalhadores do conheci-
mento». Este termo foi usado, pela primeira vez, em 1959, pelo
guru da gestão Peter Drucker, num livro chamado Landmarks of
Tomorrow.17 Muito do trabalho subsequente de Drucker é sobre
como tornar esses trabalhadores do conhecimento mais produti-
vos e a utilização do termo foi aumentando a partir dos anos de
1960. Tipicamente, os trabalhadores do conhecimento mais va-
liosos são os que progridem no mundo espartilhado do processo
corporativo, ao obterem profunda experiência num pequeno con-
junto de competências. («Morty? É o nosso homem das folhas de
cálculo. Vicki? É a nossa especialista do armazém. Pete? Trata do
cesto de básquete.») Não procuram mobilidade; notabilizam-se
no status quo organizacional. Grandes empresas como a IBM, a
General Electric, a General Motors e a Johnson & Johnson ofe-
recem diferentes carreiras de direção às pessoas com mais poten-
cial, onde essas estrelas podem girar em diferentes funções a cada
dois anos. Mas essa abordagem enfatiza o desenvolvimento das
competências de direção, não as competências técnicas. Como
resultado, a maior parte dos trabalhadores do conhecimento em
ambientes de trabalho tradicionais desenvolvem profunda com-
petência técnica mas pouca amplitude, ou grande experiência de
gestão mas sem profundidade técnica.
Quando comparamos os trabalhadores do conhecimento
tradicionais com os engenheiros e outras pessoas talentosas que

31
Como Funciona a Google

nos têm rodeado na Google, ao longo de mais de uma década,


percebemos que os nossos colegas da Google representam um
género de funcionários muito diferente. Não estão confinados
a tarefas específicas. Não há limites ao acesso deles à informa-
ção da empresa e à capacidade informática. Não são avessos a
correr riscos e não são, de modo algum, punidos nem travados
quando essas iniciativas arriscadas falham. Não estão limita-
dos pela definição do seu papel ou pela estrutura organizacio-
nal; de facto, são encorajados a exercitarem as suas próprias
ideias. Não ficam calados quando discordam de qualquer coi-
sa. Aborrecem-se depressa e mudam muito de emprego. São
multidimensionais, normalmente combinam profundidade téc-
nica com sentido comercial e talento criativo. Por outras pala-
vras, não são trabalhadores do conhecimento, pelo menos não
no sentido tradicional. São uma nova espécie, um género a que
chamamos «criativo inteligente», e são a chave para alcançar o
sucesso no Século da Internet.
Atualmente, o principal objetivo dos negócios tem de ser
aumentar a velocidade de desenvolvimento do produto e a
qualidade do rendimento. Desde a Revolução Industrial, os pro-
cessos operacionais tinham tendência para diminuir os riscos
e evitar os erros. Esses processos, e toda a abordagem de ges-
tão de que eles derivam, resultam em ambientes que sufocam
os criativos inteligentes. Agora, no entanto, a caraterística que
define as empresas de sucesso é a capacidade de desenvolverem
continuamente bons produtos. A única maneira de fazer isto é
atrair criativos inteligentes e criar um ambiente onde eles po-
dem ter sucesso em grande escala. E quem é, exatamente, este
criativo inteligente?
Uma criativa18 inteligente tem um profundo conhecimento
técnico sobre o modo de usar as ferramentas do seu trabalho,
e muita experiência prática. No nosso setor, isso significa que

32
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

é muito provavelmente uma cientista informática ou que, pelo


menos, compreende os princípios e a estrutura dos sistemas por
trás da magia que vemos todos os dias nos nossos ecrãs. Mas
noutros setores pode ser uma médica, uma designer, uma cien-
tista, uma realizadora de cinema, uma engenheira, uma chefe
de cozinha ou uma matemática. É uma especialista a fazer. Não
se limita a definir conceitos, também cria protótipos.
É analiticamente inteligente. Sente-se confortável com da-
dos e sabe usá-los para tomar decisões. Percebe as falácias e tem
cuidado com as análises intermináveis. Acredita que devem ser
os dados a decidir, mas não os deixa assumir o controlo. Vê uma
linha reta que vai da experiência técnica ao produto de excelên-
cia e ao sucesso no negócio, e percebe o valor dos três.
É um competitivo inteligente. As suas ferramentas começam
na inovação, mas também incluem muito trabalho. É orientado
para grandes feitos e isso não acontece num horário das 9 às 5.
É um utilizador inteligente. Seja qual for o setor, compreen-
de, melhor que ninguém, o produto na perspetiva do utilizador
ou do consumidor. Chamamos-lhe um «utilizador avançado»,
não apenas casual mas quase obsessivo no seu interesse. É o de-
signer automóvel que passa o fim de semana a melhorar aquele
GTO de 1969, o arquiteto que não consegue parar de redesenhar
a casa. É o seu próprio grupo focal, teste alfa e cobaia.
Um criativo inteligente é uma mangueira de novas ideias
que são genuinamente novas. A perspetiva dele é diferente da
sua e da nossa. Às vezes, até é diferente da própria perspetiva
dele, porque um criativo inteligente pode ter uma perspetiva
camaleónica se isso for necessário.
É um curioso criativo. Está sempre a questionar, nunca está
satisfeito com o status quo, vê problemas para resolver em todo
o lado e sabe que é a pessoa certa para os resolver. Pode ser
arrogante.

33
Como Funciona a Google

É um criativo que arrisca. Não tem medo de falhar, porque


acredita que no falhanço há normalmente qualquer coisa váli-
da que pode salvar. Ou seja, é tão irritantemente confiante que
sabe que, mesmo no caso de falhar, consegue recompor-se e
acertar na vez seguinte.
É um criativo auto-orientado. Não espera que lhe digam o
que fazer e às vezes ignora as instruções se não concorda com
elas. Age com base na sua própria iniciativa, que é normalmen-
te considerável.
É um criativo aberto. Colabora livremente e julga as ideias
segundo os seus méritos e não segundo a sua proveniência.
Se se dedicasse à tapeçaria, bordaria uma almofada a dizer:
«Se eu lhe der um cêntimo, você fica um cêntimo mais rico e
eu um cêntimo mais pobre, mas se eu lhe der uma ideia, você
terá uma ideia nova e eu também.» E, a seguir, haveria de ar-
ranjar uma maneira de fazer a almofada voar à volta da sala
e disparar raios laser.
É meticulosamente criativo. Está sempre ligado e consegue
recitar os pormenores, não porque os tenha estudado e deco-
rado, mas porque os sabe. São os seus pormenores.
É um comunicativo criativo. É divertido e expressa-se com
talento e até com carisma, quer seja numa conversa a dois ou
numa palestra para centenas de pessoas.
Nem todos os criativos inteligentes reúnem em si todas es-
tas caraterísticas; de facto, muito poucos o fazem. Mas todos
eles possuem sentido comercial, conhecimento técnico, energia
criativa e uma abordagem prática para fazer as coisas. E essas
são as caraterísticas fundamentais.
Talvez a melhor coisa dos criativos inteligentes seja o fac-
to de estarem em todo o lado. Temos trabalhado com muitos
criativos inteligentes que se podem gabar de ter graus acadé-
micos em ciências informáticas tirados nas universidades de

34
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

elite, mas também já trabalhámos com muitos outros que não


têm formação universitária. De facto, podemos encontrar cria-
tivos inteligentes em todas as cidades, em qualquer escola, em
qualquer classe social e em qualquer lugar, em qualquer área
de negócio, nas organizações sem fins lucrativos, nas organi-
zações governamentais: os ambiciosos de todas as idades que
estão ansiosos (e têm capacidade) para usarem as ferramentas
de tecnologia para fazerem muito mais.
A sua caraterística comum é trabalharem muito e serem
capazes de pôr em causa o status quo e atacarem as coisas de
maneira diferente. É por isso que têm tanto impacto. E é tam-
bém por isso que são tão difíceis de gerir, sobretudo segundo
os antigos modelos, porque não interessa o quanto se tenta,
a verdade é que não podemos transmitir a alguém a maneira
como deve pensar. E se não podemos dizer a alguém como
deve pensar, temos de aprender a gerir o ambiente em que eles
pensam. E fazer dele um lugar para onde eles querem voltar
todos os dias.

Um projeto divertido para os dois


Isto traz-nos de volta à nossa jornada na Google. Na altura
em que entregámos o nosso plano de negócio ao Conselho de
Administração, em 2003, sabíamos que tínhamos de fazer o que
muitos líderes empresariais enfrentam hoje: reinventar as nossas
regras de gestão e criar e manter um novo género de ambiente
de trabalho onde os nossos fantásticos funcionários criativos
inteligentes pudessem prosperar; no nosso caso, numa empresa
que crescia muito rapidamente. Embora tivéssemos entrado na
Google para fazer uma «supervisão adulta», para termos sucesso
precisámos de reaprender tudo aquilo que pensávamos já saber
sobre gestão e os nossos melhores professores foram as pessoas
que nos rodeavam todos os dias no Googleplex.

35
Como Funciona a Google

Temos vindo a trabalhar nisso desde então e, ao longo do ca-


minho, como qualquer bom aluno, fomos tirando notas. Sempre
que ouvíamos qualquer coisa interessante numa reunião de fun-
cionários ou numa apreciação de produto, escrevíamos. Quando
Eric escrevia os seus memorandos periódicos para os Googlers,
sobre as prioridades da empresa, Jonathan sublinhava as melho-
res partes e guardava-as para serem usadas mais tarde. Quando
Jonathan enviava e-mails à equipa de produto, elogiando uma
prática que estava a resultar bem ou chamando a atenção para
outra que não estava, Eric acrescentava as suas próprias opiniões
e análises. Ao longo do tempo, fomos construindo um quadro
de gestão para este novo mundo.
Depois, há uns anos, Nikesh Arora, que dirige as vendas glo-
bais e as operações de negócio da Google, pediu a Jonathan que
fizesse uma palestra para um grupo de diretores de vendas da
Google de todo o mundo. Nikesh é, ele próprio, um prototípico
criativo inteligente. Tem uma licenciatura em Engenharia Elétrica
pelo Indian Institute of Technology e entrou para a Google em
2004 para dirigir as vendas na Europa, apesar de não ter grande
experiência em gestão de uma organização de vendas daquele ta-
manho. Em 2009, veio para a Califórnia para dirigir a equipa de
vendas global. Nikesh destaca-se sempre, por isso Jonathan sa-
bia que a fasquia para aquela palestra tinha sido posta muito alta.
A Google tinha passado a sua primeira década e estava a
crescer loucamente, e Nikesh queria que Jonathan passasse al-
guma da sabedoria tribal que ele e Eric tinham acumulado, so-
bre a gestão da empresa, para a geração seguinte de líderes. Era
a ocasião perfeita para reunir todas aquelas notas sobre aquilo
que os «estudantes» tinham aprendido com os «professores»
ao longo dos anos.
A palestra foi muito bem recebida, por isso transformámos o
material num seminário de gestão para os diretores da Google,

36
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

reunindo com pequenos grupos de líderes da Google para re-


vermos os nossos princípios e trocarmos histórias sobre a ges-
tão dos criativos inteligentes. Por fim, Eric fez o que todos os
grandes gestores fazem quando querem que aconteça qualquer
coisa: propôs uma ideia. O e-mail dele dizia assim:

«Estou tão impressionado com o trabalho aqui feito que


proponho que eu e Jonathan escrevamos um livro sobre
gestão.
É claro, dado os princípios que vamos defender no livro,
Jonathan fica com todo o trabalho e eu com os créditos
:) Era uma piada.
Seja como for, acho que é um projeto divertido para os
dois.
Jonathan, o que dizes?»

Eric inspirou-se numa conversa de John Chambers que uma


vez ouviu. Chambers, o muito respeitado CEO da Cisco, disse
que no início dos anos 1990 se encontrou frequentemente com
o CEO da Hewlett Packard, Lew Platt, para discutir estratégia
e gestão. A certa altura, um agradecido John perguntou a Lew
porque é que ele investia tanto do seu precioso tempo a ajudar
um jovem executivo de uma outra empresa. «É assim que Silicon
Valley funciona», respondeu Platt, «estamos aqui para te ajudar».
Steve Jobs, o falecido fundador e CEO da Apple, que acon-
selhava frequentemente o seu vizinho Larry Page, tinha uma
maneira mais colorida de expressar este mesmo espírito. A nos-
sa amiga Leslie Berlin, historiadora de Silicon Valley, estava a
fazer investigação para a biografia do cofundador da Intel, Bob
Noyce, e perguntou a Steve Jobs, durante uma entrevista, por-
que é que tinha gasto tanto tempo com Noyce, no início da sua
carreira. «É como o que Schopenhauer disse sobre o mágico»,

37
Como Funciona a Google

respondeu Jobs. Pegou num livro de ensaios do filósofo alemão


do século xix, Arthur Schopenhauer, e leu-lhe uma passagem de
um deles, que se chamava «Sobre os Sofrimentos do Mundo»:
«Aquele que vive para ver duas ou três gerações é como o homem
que se senta na cabina do mágico, numa feira, e vê o espetáculo
duas ou três vezes seguidas. Os truques foram feitos para serem
vistos uma única vez, e quando deixam de ser novidade e ces-
sam de surpreender, o seu efeito esvai-se.»19 (Suspeitamos que
a habilidade para fazer uma citação de Schopenhauer durante
uma entrevista é, precisamente, um desses truques.)
Fomos ambos para a Google na nossa qualidade de executi-
vos experientes que confiavam muito nos seus intelectos e nas
suas capacidades. Mas ao longo de uma humilhante década, per-
cebemos a sabedoria que existia na observação de John Wooden,
quando disse que «o que conta é aquilo que aprendemos depois
de já sabermos tudo».20 Estávamos sentados na primeira fila en-
quanto ajudávamos os fundadores e os nossos colegas a criar
uma empresa magnífica — pode dizer-se que vimos o ilusionis-
ta em ação — e aproveitámos isso para reaprender tudo aquilo
que julgávamos saber sobre gestão. Atualmente, vemos todos
os géneros de empresas e organizações, pequenas e grandes, de
todos os setores e de todo o mundo, virem a Silicon Valley para
tentar absorver as ideias e a energia que faz dele um lugar tão
especial. As pessoas estão ansiosas por mudança e este livro é
sobre isso: no mesmo espírito dos nossos antepassados aqui de
Silicon Valley, gostaríamos de partilhar alguns desses truques
de ilusionista e traduzi-los em lições que todos possam usar.
O nosso livro está organizado de maneira a espelhar as fases
de desenvolvimento de um negócio bem-sucedido e em cres-
cimento ou de um novo empreendimento, que pode tornar-
-se um autoperpétuo círculo virtuoso, uma espécie de bola de
neve a rolar pela colina abaixo, e a ficar cada vez maior, depois

38
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

de ganhar impulso. Recomendamos uma série de passos que


as empresas podem seguir para atrair e motivar os criativos in-
teligentes, e cada um deles impulsiona a empresa para o passo
seguinte. Os passos constroem-se uns aos outros e dependem
uns dos outros, mas nenhum deles está alguma vez completo e
todos são dinâmicos.
Começamos com uma discussão sobre como atrair os me-
lhores criativos inteligentes, que começa com a cultura, porque
cultura e sucesso andam de mãos dadas, e se não acreditamos
nos nossos próprios slogans não chegamos longe. A seguir,
abordaremos a estratégia, porque os criativos inteligentes sen-
tem-se mais atraídos por ideias assentes numa estratégia forte-
mente fundamentada. Sabem que os planos de negócio não são
tão importantes como os pilares sobre os quais são construídos.
Depois, a contratação, a coisa mais importante que um líder faz.
Contrate o máximo de gente fantástica e o resultado dessa mis-
tura intelectual irá, inevitavelmente, servir de combustível para
a criatividade e o sucesso. A equipa está contratada, o negócio
cresce, chegou a altura de tomar decisões difíceis. É aqui que va-
mos falar de consenso e de como lá chegar. O capítulo seguinte é
sobre comunicação, o que se torna vital (e difícil) à medida que
a organização cresce. A inovação vem a seguir, já que a única
maneira de alcançar sucesso sustentável é através de contínuos
produtos de excelência, e um ambiente de sopa primordial ino-
vadora é a única maneira de lá chegarmos. Concluímos com
algumas ideias sobre os detentores dos cargos e como imagi-
nar o inimaginável.

Pirâmides por construir


Nada disto é fácil e muitas destas lições foram aprendidas da
maneira mais dura, através de longas reuniões, discussões vio-
lentas e erros. Também reconhecemos humildemente a nossa

39
Como Funciona a Google

grande sorte por nos termos juntado a uma empresa espetacular,


dirigida por fundadores brilhantes, num momento único da his-
tória, quando a Internet estava a levantar voo. Não nos achamos
os melhores do mundo, mas sabemos que somos muito bons.
Não temos, evidentemente, todas as respostas, mas aprendemos
imenso sobre este novo mundo em que a tecnologia é a rainha
suprema e os funcionários têm a capacidade única de fazer a di-
ferença. Acreditamos que estas lições podem fornecer conheci-
mentos e ideias a líderes de todos os tipos de organizações, das
grandes empresas às novas startups, das ONG sem fins lucrativos
aos governos, ou, pelo menos, provocar debates informados so-
bre como a nossa experiência na Google se pode aplicar a outras
empresas e áreas. Mas, sobretudo, a nossa esperança é que lhe
possamos dar a si — além de uma leitura agradável — ideias e
ferramentas para construir algo novo. E quando dizemos «a si»,
queremos dizer você, empreendedor. Você que está desse lado.
Pode não pensar em si como um empreendedor, mas é. Você
que tem uma ideia e a certeza de que ela vai mudar tudo: pode
ter um protótipo ou até a primeira versão de um produto. Você
é inteligente, ambicioso e está escondido numa sala, numa gara-
gem, num escritório, num café, num apartamento ou num dor-
mitório, sozinho ou com uma pequena equipa. Você que pensa
na sua ideia mesmo quando devia estar a fazer outra coisa, como
estudar, cumprir as tarefas do seu emprego de todos os dias, ou
passar tempo com os seus filhos e o seu marido ou mulher.
Você está prestes a lançar um novo empreendimento e nós
queremos ajudar. E quando dizemos «empreendimento», não
nos restringimos às startups tecnológicas que nos rodeiam aqui,
em Silicon Valley. Atualmente, os funcionários esperam muito
mais das suas empresas e muitas vezes não o conseguem.
A oportunidade chegou: os princípios de que falamos apli-
cam-se a todos quantos estão a tentar lançar uma nova empresa

40
Introdução — Lições Aprendidas na Linha da Frente

ou iniciativa, quer seja a partir do zero ou de uma organização


já existente. Não são só para startups e não são só para empresas
de alta tecnologia. De facto, quando líderes competentes po-
dem aproveitar os fantásticos recursos de uma organização já
existente, essa organização pode ter um impacto muito maior
do que uma startup.
Lá porque não tem uma sweatshirt com capuz e um che-
que com sete dígitos passado por um capitalista empreendedor,
isso não significa que não pode criar a próxima coisa extraor-
dinária. Só precisa de ter a perceção de que o seu setor se está
a transformar a um ritmo rápido, ter coragem para arriscar fa-
zer parte dessa transformação, e a vontade e a capacidade para
atrair os melhores criativos inteligentes e liderá-los para que
façam acontecer.
Isto é você? Está pronto? Como disse Peter Drucker, o egíp-
cio que concebeu a construção das pirâmides há milhares de
anos era apenas um ótimo gestor.21 O Século da Internet está no
princípio, com as pirâmides ainda por construir. Vamos começar.
Desta vez, sem trabalho escravo.

41
C ON H EÇ A AS N OVAS R EGRAS
D O S U C ES S O NA E RA DA I NTERNET

Como Funciona a Google


Eric Schmidt, chairman executivo e ex-CEO da Google, e Jonathan
Rosenberg, antigo diretor de produtos, apresentam nesta viagem em
Eric Schmidt (à direita) foi o CEO da Google entre primeira mão aos bastidores da empresa as técnicas de gestão e as
2001 e 2011. Nesse período liderou o crescimento da estratégias inovadoras que eles próprios desenvolveram e que
empresa desde uma pequena startup de Silicon Valley permitiram à Google superar os complexos desafios da sua atividade.
até à gigante tecnológica global que gera hoje receitas Aqui se explica como o avanço da tecnologia transferiu o poder das
superiores a 55 mil milhões de dólares por ano e possui empresas para os consumidores e se conclui que, para sobreviver, é
escritórios em mais de 40 países. É atualmente chairman essencial concentrar esforços na qualidade dos produtos e investir
executivo da empresa. numa nova categoria de profissionais multifacetados: os «criativos
inteligentes», que aliam conhecimento técnico, sentido comercial e

Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg


uma criatividade sem limites.
Jonathan Rosenberg juntou-se à Google em 2002
para gerir o desenvolvimento de produtos, de que são
exemplos a pesquisa, o Google Ads, o Gmail, o Android
e o Chrome. É atualmente conselheiro do CEO da
EM TEMPOS DE ACELERADAS MUDANÇAS, A MELHOR FORMA DE TER UM NEGÓCIO
DE SUCESSO É ATRAIR CRIATIVOS INTELIGENTES E FORNECER-LHES UM AMBIENTE Como Funciona a Google
ONDE POSSAM DESENVOLVER TODAS AS SUAS CAPACIDADES.
Google, Larry Page.

Da cultura da empresa à sua estratégia, passando pela comunicação «Na área da tecnologia, a mudança é tendencialmente
e a inovação, este livro estabelece novos princípios de gestão revolucionária, não é evolutiva. Por isso é que é tão importante
«Desligue o telemóvel, feche a porta e prepare-se para um baseados na atividade da Google, com exemplos reais aqui revelados obrigarmo-nos a fazer grandes apostas para o futuro. Dessa
livro instrutivo e divertido sobre a Google, a empresa que pela primeira vez. forma, investimos em áreas que, para muitos, podem parecer
toda a gente quer conhecer.» especulativas, como automóveis sem condutor ou a Internet
Publishers Weekly fornecida por um balão. Embora seja difícil de imaginá-lo
Um livro irresistível, prático, informativo,
agora, quando começámos o Google Maps as pessoas pensavam
OBRIGATÓRIO . Eric Schmidt que o nosso objetivo de mapear o mundo todo, incluindo
«Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg abrem a cortina
e revelam como a empresa criou a sua singular cultura de
e Jonathan Rosenberg fotografar todas as ruas, seria impossível de concretizar. Se o
com Alan Eagle prefácio de Larry Page passado é um indicador do nosso futuro, as grandes apostas de
inovação no ambiente de trabalho.»
Fortune hoje não parecerão assim tão loucas dentro de alguns anos.
Espero que aproveite estas ideias e faça, você mesmo, algumas
ISBN: 978-989-668-359-7

«Todos os que gerem equipas na área tecnológica devem coisas impossíveis!»


ler este livro.» 9 789896 683597
The Wall Street Journal Gestão e Liderança Larry Page, Cofundador e CEO da Google

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