Você está na página 1de 9

Capítulo final da obra de Berardinelli é, talvez, o que compila as perspectivas

apresentadas em toda obra: o de que aquilo que entendemos por modernidade, além de

ser   constituído   por   diversas   vozes,   contém,   inclusive,   a   ‘voz’   da   pós­modernidade

definido   por   Berardinelli   a   partir   de   alguns   pressupostos   que   citaremos   com   mais

cautela em momento posterior. 

O capítulo parte de uma espécie de negação ao que chamamos de ‘conceito de

poesia’. O autor afirmar não estar convencido de haver uma definição concreta do que é

‘poesia’.   Há,   porém,   o   entendimento   de   que   poesia   é   “um   espaço   que   se   define

continuamente no interior do sistema dos gêneros literários” (BERARDINELLI, p.175)

e, invertendo um dito de Pasolini – indicado pelo próprio autor ­ afirma que “a poesia é

também aquele tipo de prosa que a prosa não consegue ser” (p.175). 

Partindo deste entendimento, Berardinelli afirma serem as fronteiras da poesia

tais quais as dos gêneros literários ao passo que se “dilatam e se restringem de acordo

com a atitude de cada autor (...)” (p.175) justificando a ausência de uma conclusão a

respeito do que é poesia. 

O   ponto   de   partida   das   perspectivas   apresentadas   faz   referência   à   obra   de

Friedrich, com o qual concorda ao afirmar a modernidade como momento em que a

poesia têm suas fronteiras restritas de maneira notável ­ como nunca antes, afirma o

autor – de modo que coincide com o “território da lírica”. Aqui uma referência clara à

estrutura proposta por Friedrich da poesia moderna pelos pressupostos da lírica. 

Após   a   constatação,   assume   haver,   contraditoriamente   à   estrutura   fixa   de

Friedrich, “poéticas abrangentes e inclusivas” e cita os poetas Whitman e Rimbaud,

exemplos   de   contraposição   aos   pressupostos   de   Friedrich   em   todo   o   estudo   de

Berardinelli. Nesse sentido, atribui aos poetas o fato de terem produzido uma poética

antiintelectuais e vitalistas de modo que:

(...)   abriram   as   portas   para   a   enumeração   caótica   e   a   escrita


automática, ou seja, para aquelas formas de radicalismo antidiscursivo
que terminaram por consolidar uma separação nítida, ontológica e de
princípio (portanto, também sancionada no plano teórico) entre poesia
e   prosa,   entre   um   uso   “essencial”   da   linguagem   e   um   uso
“instrumental” ou “relacional”, o que levou  à definição formalista e
jakobsoniana de uma função poética da linguagem distinta de todas as
demais funções (BERARDINELLI, p.175). 

O   estudioso   aponta   a   data   de   1930  como   o   início   dos   balanços   históricos   e

teóricos sobre modernidade. Afirma, ainda, a data de 1950­1960 como o surgimento de

“novas   vanguardas   ou   vanguardas   pós­modernas   dos   anos   1950­1960”   (p.176),

momento em que a modernidade é “canonizada e teorizada, em geral, como negação,

grau zero e fusão magmática, subversora dos gêneros” (p.176), embora seja também o

momento fundamental das ‘misturas de estilos’, segundo o autor. 

E em poesia a modernidade definiu­se como anti­realismo, “fantasia
ditatorial”,   autoreferencialismo,   pura   textualidade,   evasão   da
semântica,   automatismo   psicolinguístico,   antipoesia   hiperpoética:
antes, poesia da poesia; depois, poesia da ideia da função poética ou
poesia da teoria (p.176).

Assume uma dicotomia temporal quando se trata de inovações técnicas. Para o

autor, “quase todas as inovações técnicas foram inventadas antes de 1950; após 1945

começaram os revivals e as redescobertas, as aplicações e as réplicas” (p.176).

É   nestes   parâmetros   de   vozes   distintas   de   uma   modernidade   poética   que   se

canoniza na segunda metade do século XX e que domina, nas décadas posteriores a

1950, a base do ensino universitário de todo o Ocidente. 

Partindo destas constatações, o autor procura explicar o termo “vicissitudes pós­

modernas” que apresenta no título. A este termo atribui a indicação de uma “virada

fundamental no modo de considerar e de herdar a Modernidade” (p.177). A virada a

qual menciona o autor inicia, segundo ele, já em 1940. E é neste momento que assume

ser o início do que chama de ‘pós­moderno’. 
O Pós­moderno começa já nos anos 1940, durante e sobretudo após o
fim   da   Segunda   Guerra   Mundial,   quando   a   centralidade   europeia
declina   e   o   “século   americano”   sai   definitivamente   do   estado   de
latência e explode nas formas mais evidentes em todos os campos:
política, estilo de vida, cultura de massa e cultura das elites (p.177)

Portanto,   para   Berardinelli,   pós­moderno   trata­se   de   uma   mudança   na

centralidade das perspectivas poéticas do Ocidente. É neste momento, no pós Segunda

Guerra, que a centralidade europeia declina, cabendo à América deixar seu estado de

latência para assumir seu protagonismo em todo o campo cultural – considerando a

cultura de massa – e também em áreas como a política. 

A afirmação de Berardinelli o leva, então, ao postulado de que o nascimento da

pós­modernidade é a 

(...)   Modernidade   europeia   “transferida”   para   a   outra   margem,   a


margem   americana,   em   um   mundo   agora   dominado   pelo   modelo
norte­americano.  Uma  Modernidade  desarticulada,  transformada  em
arquivo e museu, exaurida como experiência e relida, reapresentada e
reutilizada como patrimônio cultural acumulado. Uma Modernidade
historicizada, ensinada nas universidades, absorvida pelas instituições
como busca ininterrupta e obrigatória do “novo”, arquivada (é a tese
de George Steiner) nas coleções americana.

Para tanto, se a pós­modernidade inicia­se em 1940, Berardinelli afirma que a

partir   de   1950   é   o   início   do   “envelhecimento   da   modernidade   e   da   vanguarda”,

constatação que empresta de Adorno em seu ensaio sobre música. Neste sentido, para

Berardinelli, há uma ruptura na continuidade de modo que as experiências e invenções

desta ‘modernidade jovem’ foram “transplantadas e reutilizadas de modo pós­moderno,
em um contexto mudado” (p.178). Ou seja, a pós­modernidade pode ser pensada muito

mais   pela   perspectiva   de   alteração   de   contexto,   de  mudanças   históricas   e,   portanto,

artísticas   de   modo   ser   impossível   considerar   tudo   o   que   foi   feito   após   1950   como

‘modernidade’. 

O   que   assinala   esta   alteração   de   contexto   e,   portanto,   de   termo,   de

‘modernidade’ para ‘pós­modernidade’ se dá, principalmente, pela extinção – e pelo

envelhecimento   por   assim   dizer   –   das   próprias   vanguardas.   As   últimas   vanguardas,

como assinala o autor, são de 1950. 

No   momento   posterior   não   há   mais   ‘vanguardas’,   mas   tendências   e

experiências   particulares,   particularizantes,   que   não   se   organizam   e   tampouco

apresentam   a   unicidade   proposta   pela   crítica   de   momentos   anteriores,   como   o

Romantismo,   por   exemplo,   e   as   próprias   vanguardas   do   início   do   século   XX.   A

modernidade já está historicizada e fundamentada em preceitos  como a ‘ruptura’, o

‘novo’, o ‘progresso’, a ‘identidade nacional’ no caso específico da literatura brasileira,

etc. 

A alteração de contexto se dá principalmente pela formação – no pós 1950 – de

um ‘público neoburguês’ que, embora citado rapidamente pelo autor, é passível de ser

considerado elemento fundador e fundamental da poética da pós­modernidade, já que é

um público que fora ‘formado’ e ‘adestrado’ – para utilizar o termo do autor – pelas

vanguardas,   público   este,   então,   que   considera   a   transgressão   vanguardista   como   o

primeiro   mandamento   cultural,   “E   isso   determinou,   nos   anos   1960,   o   nascimento

daquela  pós­modernidade  madura,  que transferia o choque  moderno para  um  futuro

pacificado” (p.178).

Pensando   nas   experiências   poéticas   brasileira   deste   momento   histórico,

Leminski apresenta – a partir de 1970 – uma espécie de atitude moderna que considera e

é formada pelas vanguardas e pela perspectiva da arte como transgressão – mas que, por

outro   lado,   embora   diante   do   envelhecimento   das   vanguardas,   decide   retomar   a


juventude   da   poesia.   Esquece,   de   certo   modo,   as   vanguardas   para   proporcionar

experiências  estéticas que podem ser consideradas  um passo a mais no percurso da

moderna poesia brasileira. 

INQUIETAÇÕES: Leminski teria, de certa maneira, dado juventude, dado novo fôlego

à poesia após o ‘envelhecimento das vanguardas’¿ E em relação à crítica¿ 

Após as concepções sobre do que se trata a pós­modernidade e as vicissitudes as

quais   menciona   o   título   do   capítulo,   Berardinelli   acrescenta,   ainda,   que   a   pós­

modernidade é também: 

a crise do monismo historicista de que nasciam seja a ideologia da
vanguarda, seja a do engajamento, segundo a qual, dada uma certa
consciência da situação histórica e política da arte, não se podia senão
deduzir   um   modo   e   apenas   um  de   fazer   arte   à   altura   dos   tempos
(p.178). 

Embora  não seja  possível  traçar  um  esquema  em  “estado  puro”  sobre pós­

modernidade literária, é identificável, segundo o autor, elementos de homogeneidades e

de disseminação de propostas estéticas. 

O   que   conta   é   a   dedução   da   forma   artística   mais  historicamente


legitimada (ou a única justificada historicamente) por uma análise ou
teoria   do   exato   momento   da   História   (história   como   processo
unilinear) em que se encontra (p.178)

Neste   sentido,   as   vanguardas   modernas   e   as   experiências   pós­modernas

apresentam, segundo Berardinelli, distinções significativas. Nas vanguardas modernas –

até 1950 – a arte e os artistas de modo geral se “apresentam e se compram em bloco”

(p.179). 

Por essa perspectiva, os impactos para os artistas são amenizados: há menos

riscos de exclusão, de fracassos.  A unicidade entre artistas, críticos e teóricos – embora
com particularidades intrínsecas – garante, ao menos, a perspectiva da fundamentação e

de vozes dissonantes, mas assonantes entre si. 

Para   Berardinelli,   “A   garantia   oferecida   por   um   manifesto   e   a   legitimação

histórica fornecida por uma ideologia anulam ou mascaram os problemas de maior ou

menos sucesso de cada artista e cada produto artístico” (p.179). 

Na pós­modernidade, esta unicidade e as próprias experiências de manifestos

se   dissolvem.   Na   poesia   brasileira,   a   década   de   1960   –   impulsionada   pelo   período

político ditatorial – até 1989 mais ou menos representa, quem sabe, um dos  últimos

‘blocos organizados’ com a poesia da CPC, a poesia ‘militante’. 

Já na década de 1970 estes ‘blocos’ começam a se dissolver, já quase invisíveis

na década de 1980, quando Paulo Leminski teoriza seu momento poético afirmando que

“cada poeta é um movimento sozinho”. A constatação, mais que indicar os pressupostos

de sua ‘geração poética’, é uma perspectiva que contraria o percurso histórico e crítico

de canonização literária, inclusive das vanguardas da moderna poesia brasileira.

Para Leminski, a crítica toma outros ares que não o didático. Leminski nunca

foi   professor   universitário,   tampouco   fez   de   seu   trabalho   literário   uma   pesquisa

cientificizada, embora tenha sido um estudioso fervoroso e – mais que isso – um leitor! 

Talvez por este traço ‘não institucionalizado’, a crítica de Leminski segue o

mesmo ritmo e, ao contrário de considerar a literatura vista pela perspectiva ‘quadrada’

dos   blocos,   analisa­a   tal   qual   um   móbile,   cuja   existência   se   fundamenta   pelas

particularidades que o movimento propõe. 

Por isso cada poeta “ser um movimento sozinho”, noção que sugere poder ser

adotada inclusive para os estudos das vanguardas. 

Para Berardinelli, na pós­modernidade – vale ressaltar que Berardinelli não fala

de ‘poesia pós­moderna’, mas de uma poesia que se inscreve e se pratica no período da

pós­modernidade – a poesia força seus limites. Para dar vazão à sua afirmação, indica

quatro situações em que isto se verifica: 
1)recuperando dimensões da  prosa  ou,   às  vezes,  da teatralidade; 2)
reabrindo o diálogo com a tradição pré­moderna; 3) praticando uma
pluralidade de vias possíveis e saindo da tutela de poéticas fundadas
numa consciência histórica de tipo monista; 4) mantendo, recuperando
ou   desconstruindo   o   espaço   clássico   da   lírica   como   absoluto
monológico a meio caminho entre “universo humano” da experiência
e “idioleto” estilístico” (p.179)

As situações apontadas por Berardinelli podem ser verificadas nas expressões

artísticas   brasileiras   principalmente   a   partir   da   década   de   1970.   Em   se   tratando   de

teatralidade,   por   exemplo,   temos   as   experiências   de   justaposição   entre   música,

performance e poesia imortalizadas em experiências de Wally Salomão, com poemas

difundidos pela voz de Maria Bethania em discos como Cena Muda, (pesquisar). Fauzi

Arape também é outro nome deste momento artístico em que a poesia sobe ao palco e se

difunde a um público incipiente. 

O diálogo com a tradição pré­moderna é aberto, por exemplo, pelo próprio

Leminski   em   seus   ensaios   críticos   já   na   década   de   1980,   quando,   ao   contrário   de

publicar manifestos e organizar uma ‘nova lógica poética’, procura repensar o histórico

que o sustenta e as experiências que o antecedem chegando ao próprio pré­modernismo

brasileiro, francês, etc (pesquisar em sua crítica esta afirmação).

Após   as   considerações   sobre   os   elementos   da   poesia   em   momentos   da

modernidade   e   pós­modernidade,   Berardinelli   passa   a   analisar,   primeiramente,   dois

autores   de   origem   não   italiana   para   “definir   a   moldura   geral   e   pós­moderna   dos

fenômenos   poéticos   da   segunda   metade   do   século   XXX”   (p.179),   dois   autores   que

considera “muito diferentes entre si”: Wystan Hugh Auden e Francis Ponge.

Sem   nos   aprofundarmos   na   análise   propriamente   dita   de   Berardinelli,   vale

mencionar os elementos presentes na poesia destes poetas que os inserem na perspectiva

‘pós­moderna’ a qual procura apresenta Berardinelli, são eles: aproximação definitiva

da   poesia   com   a   prosa;   poesia   comunicativa;   acessível;   satírica;   semijornalística;

autopromocional; poeta que faz de si uma figura pública. 
Encaminhando nossas considerações para uma conclusão plausível, é possível

pensar que o trabalho do italiano consiste em um diálogo crítico e complementar à obra

de Friedrich. Deste modo, ao analisar perspectivas outras não contempladas por pelo

francês,   Berardinelli   faz   muito   mais   que   se   ‘opor’   criticamente   à   estrutura   lírica

proposta   por   Friedrich.   Ao   contrário,   amplia   o   entendimento   sobre   a   poesia   na

modernidade atribuindo estas outras perspectivas a um ‘contexto’ próprio da literatura:

o da pós­modernidade. 

Para isso, Berardinelli propõe, então, movimentar, deslocar e forçar as

“fronteiras da poesia”, numa tentativa de evitar o fechamento de sistemas estilísticos tal

qual o que Friedrich procurou demonstrar. 

Embora considere  a definição  de Pós­modernidade  uma tarefa praticamente

impossível   e   passível   de   levar   “à   invenção   de   uma   manipulável   doutrina   histórico­

estética  passeportout”   (p.190),   nos   apresenta   um   caminho,   um   modo   de   pensar,   ou

ainda,   alguns   dispositivos   –   bem   diferentes   de   estruturas   –   capazes   de   iluminar   o

caminho da crítica poética. 

Assim,   para   Berardinelli,   “Pós­moderno   é   recorrente   à   “desdramatização”

divulgadora e lúdica das tensões do Moderno” que oferece uma série de possibilidades

novas.   Ainda,   para   concluir   sem   delimitar,   o   autor   propõe,   finalmente,   que   a   Pós­

modernidade   marcada   fundamentalmente   pela   segunda   metade   do   século   XX   “foi

também   uma   Modernidade   que   não   deu   certo,   uma   Modernidade   que   esgotou   seus

pathos antagônico e seus recursos inventivos”. 

A noção que fica, então, é a de um período marcado pelo critério do “depois”,

termo utilizado pelo próprio Berardinelli. 

Para tanto, falar de poesia na pós­modernidade é considerar experiências que

não são passíveis de categorias, etiquetas e blocos organizados. Mais do que nunca, é na

pós­modernidade que “cada poeta é em si um movimento sozinho” (LEMINSKI, 1997,

p....)
Cada escritor fez dessa situação factual um uso próprio. Acredito que
esse longo depois, que durou cerca de meio século, possa agora ser
considerado   como   encerrado.   A   própria   Pós­modernidade,   se
olharmos   para   o   presente   e   o   futuro,   se   torna   uma   categoria
amplamente supérflua: exauriu sua função crítica e produtiva fundada
no confronto com uma Modernidade ainda recente; o resto, isto  é, o
presente, permanece não­categorizado e sem etiquetas (p.190)

INQUIETAÇÕES

Paulo Leminski pode ser considerado protagonista de uma virada ‘pós­moderna’ 
em relação à poesia brasileira, entre as vanguardas modernistas e a virada poética 
‘marginal’ do pós 1960: DESENVOLVER

a modernidade de Paulo Leminski vem de uma desintoxicação anti­heróica e quase anti­
marginal, porém considera a história, a tradição, e o passado. E por considerar tudo o
que   o   antecede   em   termos   de   literatura,   é   que   propõe   uma   poesia   particular,
particularizada na concepção da palavra, na concepção do instante, do fragmentos, do
raciocínio, e principalmente da sugestão de sentidos

Você também pode gostar