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O ESPETÁCULO DO OUTRO

Stuart Hall

Carlos Orellana

Santa Maria, 31 de março de 2011


Como nós representamos pessoas e lugares que são significativamente diferentes de nós? Quais
são as formas típicas e as práticas representativas que nós usamos para representar a diferença
na cultura popular hoje, e de onde essas figuras populares e estereótipos vêm? Essas são as
principais preocupações de Stuart Hall ao analisar o tema da diferença, ou seja, saber a
variedade de imagens que nós dispomos na cultura popular e na mídia de massa sobre a
diferença.

O capítulo apresenta em profundidade as teorias sobre as práticas de representação conhecidas


como ‘estereótipo’. O capítulo termina por considerar o número de diferentes estratégias que
intervêm no campo da representação da diferença bem como sua construção histórica e acima
de tudo as luta dos diversos discursos do que seja o diferente.

Hall como Barthes faz uma análise detalhista das imagens midiáticas, fotografias, publicidades,
anúncios que apresentam o diferente, e percebe os discursos que compõem esse lugar do
diferente na mídia e cultura popular.

Heróis ou Vilões?

Neste ponto o autor tenta desvendar as condições pelas quais o diferente, principalmente, o
negro se constitui figura do imaginário popular. Aqui ele comenta como o negro atleta apareceu
na capa da cobertura especial dos Jogos Olímpicos de 1988 da revista Sunday Times é a foto da
competição dos cem metros na final desse evento esportivo. A fotografia na verdade é um trailer
para a reportagem da revista sobre a ameaça de dopping em atletas internacionais. Ben Johnson
foi desqualificado devido ao uso de substâncias proibidas e a medalha de ouro foi dada a Carl
Lewis (o segundo colocado). Johnson foi expulso do mundo esportivo em desgraça. A
reportagem sugere que todos os atletas (negros e brancos) são potencialmente heróis e vilões.
Mas essa imagem personifica um caso especial. Ele era ao mesmo tempo herói e vilão. Ele
encapsula as alternativas extremas do heroísmo e da vilania no mundo esportivo.

De acordo com Hall, há muitos pontos para fazer sobre os modos como representação da ‘raça’
e ‘alteridade’ é construída na fotografia. Essa fotografia também funciona no nível do mito. Há
um nível denotativo do significado (é a fotografia da final dos cem metros e a figura na frente é
Bem Johnson. No nível conotativo ou temático - a questão das drogas – e com isso há os temas
paralelos da ‘raça’ e da ‘ diferença’. Muitos significados estão presentes na fotografia. Mas não
há nenhum significado verdadeiro. O significado flutua.

Então, quais são os significados que a revista privilegia? Barthes argumenta que,
frequentemente, é a legenda que um dos muitos significados possíveis da imagem, e ancora com
as palavras. O significado da fotografia está na conjunção de imagem e texto. Os dois discursos
(escrito e da fotografia) são necessários para produzir e ‘consertar’ o significado.

A diferença significa. Ela fala. A diferença ou a alteridade é interpretada como uma constante e
uma preocupação recorrente de interpretar as pessoas que são etnicamente diferentes da maioria
da população.

Agora adicionaremos outra dimensão a questão da representação da diferença, a sexualidade e o


gênero ao conceito de etnicidade e cor. E a imagem do negro no esporte é enfatizada no corpo,
como um instrumento de habilidade. As fotografias de corpos negros femininos enfatizam o
corpo de tal maneira que muitas vezes seus corpos são representados como corpos masculinos
ou como sendo de um gorila. Há uma estratégia discursiva nessas fotografias de descrever a
diferença a partir de um repertório do imaginário social que se constitui historicamente, o
regime de representação.

Questões sobre a diferença têm emergido nos estudos culturais nas décadas recentes e tem se
posicionado de diferentes maneiras por diferentes disciplinas. A primeira perspectiva vem da
Linguista (associada à perspectiva de Saussure). O principal argumento usado pela Linguística é
que a diferença importa, pois ela é essencial ao significado; sem ela, o significado não pode
existir. Nós podemos contrastar alguma coisa com seu oposto. Portanto, o significado é
relacional.

Desse modo, Derrida argumenta que há poucas oposições binárias neutras. Um dos polos do par
é geralmente o dominante. Há sempre uma relação de poder entre as oposições binárias.

A segunda perspectiva teórica que apresenta a diferença da obra de Bakhtin. A diferença é


construída através do diálogo com o outro. Bakhtin argumenta que o significado não pertence a
nenhum dos falantes. Ele surge nas trocas entre os diferentes falantes. Assim, a palavra não
existe numa linguagem neutra ou impessoal, o falante se apropria da palavra e adapta a sua
própria intenção.

Outro conceito que consegue entender o diferente é a perspectiva antropológica. O argumento


antropológico compreende que as coisas assumem significado num sistema classificatório de
diferentes posições. Assim, a construção da diferença é a base para o ordenamento simbólico
que nós chamamos cultura. Essa análise antropológica da construção da diferença nasce dos
trabalhos de Lévi-Strauss. Esse antropólogo argumenta que os grupos sociais impõem
significado aos seus mundos pelo ordenamento e organização das coisas num sistema
classificatório.

A quarta perspectiva teórica é de vertente psicanalítica e destaca o papel da diferença na nossa


vida psíquica. Nesse sentido, o outro é fundamental para a constituição do self e da identidade
sexual. De acordo com Freud, a consolidação das nossas definições de self depende da maneira
como nós formados, especialmente, no estágio designado de Complexo de Édipo. A
subjetividade surge do senso de self que é formado através do simbólico e das relações
inconscientes que a criança forja com o significante outro.

Após apresentar as quatro perspectivas teóricas que fundamentam o outro e o diferente. Hall
apresenta os três principais momentos do Ocidente de compreensão do negro. O primeiro
momento identificado por Hall é o século XVI quando os comerciantes europeus e os reinos
africanos ocidentais proveram escravos negros por três séculos. O segundo foi de colonização
europeia da África. Esse período é do controle colonial do território africano. A última fase
relatada por Hall foi do pós Segunda Guerra Mundial quando intensificaram os fluxos
populacionais do ‘Terceiro Mundo’ em direção a Europa e América do Norte.

Hall a partir de agora revela as imagens europeias em relação à África era ambígua, isto é, ao
mesmo tempo um lugar misterioso, e com uma imagem positiva relacionada à igreja cristã
coopta e santos medievais. Gradualmente, essa imagem mudou, passando a ser identificada com
a natureza. Desse modo, eles (os grupos negros africanos) eram simbolizados como primitivos
em contraste com o mundo civilizado. O Iluminismo pensou a África como a fonte de tudo que
era monstruoso na natureza.

McClintock argumenta que a racialização das publicidades (racismo como commodity) serviu
para tornar os lares da classe média vitorianas como modelos do espetáculo imperial, ou seja,
reinventa o conceito de raça, enquanto os colonizados (em particular os africanos) tornaram-se o
teatro para exibição do culto vitoriano da domesticação.

Segundo Hall, a teoria racial aplica uma distinção entre cultura/natureza diferentemente para
grupos distintos. Há uma poderosa oposição entre civilização (branco) e a selvageria (negro). O
discurso racista relaciona a representação da diferença através do corpo que se tornou o lugar
discursivo do conhecimento produzido e circulado do racismo.

Tipicamente o regime racista da representação foi prática de reduzir as culturas negras à


natureza, uma estratégia de naturalização da diferença. Isso permitia dizer que se as diferenças
entre brancos e negros são culturais são, portanto, mutáveis e instáveis. Mas se as diferenças são
naturais, elas se tornam fixas, permanentes.

Os traços de estereótipos raciais têm persistido durante o século XX. Em oposição às


representações racializadas baseadas na diferença, nasce durante o abolicionismo uma ênfase na
idéia de humanidade comum. Apesar disso, os negros ainda eram representados como
suplicantes pela liberdade ou pessoas cheias de gratidão em relação à boa-vontade branca.

Houve muitas reviravoltas da experiência de como o negro era representado no cinema


hollywoodiano. Mas o repertório de figuras estereotipadas dos tempos de escravidão não está
inteiramente desaparecido. Atores negros apareciam, principalmente, nos filmes do mainstream
em papeis de subordinados.

A partir dos anos de 1950 que o problema da raça aparece cautelosamente sob a perspectiva
liberal branca. A figura chave dessa fase é o ator Sidney Poitier considerado o heroi da era da
integração.

Um movimento mais ambíguo da ‘revolução’ negra deu-se nas décadas de 1980 e 1990 que
aconteceu com o fim do sonho integracionista do movimento dos direitos civis, a expansão de
guetos negros, o crescimento de uma pobreza endêmica, criminalização. Apesar disso, esse
período veio acompanhado de um de crescimento da autoconfiança e na insistência do respeito
pela identidade cultural negra.

Nesse ponto Hall articula os conceitos que vão constituir o estereótipo. Estereotipar reduz as
pessoas a poucas, simples e essenciais características que são representadas como fixadas pela
natureza. Hall examina quatro desses aspectos de construção do estereótipo: a construção da
alteridade e a exclusão; estereotipo e poder; papel da fantasia e fetichismo.

Nesse sentido vimos o estereótipo como uma prática representacional e de como ela funciona
(essencialização, reducionismo, oposições binárias) e os modos que acontecem
(hegemonia/poder/conhecimento) e mais profundamente os efeitos inconscientes (fantasia e
fetichismo).

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