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nascimento de um novo
paradigma da ação sobre a
cidade e o habitat? * 1
Christian Topalov
2
“[...] The assignment of the land to the various uses seems to the superficial observer to have
been made by the Mad Hatter at Alice’s tea party. Some of the poorest people live in
conveniently located slums on high-priced land. [...] A stone’s throw from the stock exchange
the air is filled with the aroma of roasting coffee; a few hundred feet from Times Square with
the stench of slaughter-houses. [...] Such a situation outrages one’s sense of order. Everything
seems misplaced. One yearns to rearrange the hodge-podge and to put things where they
belong.”, in Committee of the Regional Plan of New York and Its Environs, Regional Survey
of New York and Its Environs, New York, Regional Plan of New York and Its Environs, v. 1, p.
31, 1929.
3
Robert Lattès, Prefácio de Halte à la croissance? Paris: Fayard, 1972. p. 5 (edição francesa
de The Limits to Growth).
Christian Topalov 21
4
“Professional expertise ”, “rational and efficient ”, “objective and interventionist ”; “self-relient
community ”, “participatory democracy ”, “small-scale organization ”; “bioethic ”,
“indispensability of nature ”; “natural rights ”, “natural morality ”. Ver Timothy O’Riordan,
Environmentalism, Londres, Pion, 1976, cap. 1. Ver também “Environmental Ideologias”, in
Environment and Planning, v. 9, 1977.
22 Do Planejamento à Ecologia
consenso, do senso comum: todo enun- Rússia soviética dos planos qüinqüenais,
ciado, para ser audível e, portanto, o Brasil de Kubitschek ou a França de
fazer parte do debate, deve situar-se De Gaulle. Ela governava tanto o plano
no campo dos enunciados historica- Beveridge para a Grande Londres,
mente admissíveis. Caso contrário, quanto a criação de Chandigarh. Por-
com ou sem a liberdade de falar, a si- tanto, não se trata de um fenômeno estri-
tuação não muda grande coisa: esta- tamente localizado ou conjuntural, mas
mos fora de jogo. de uma construção cognitiva e prática
que foi dominante por um longo perío-
Na história das sociedades, é raro do: cerca de três quartos de século.
ocorrer tais redefinições dos quadros do
discurso e da ação. No que diz respeito Com efeito, tudo leva a crer que essa
ao mundo ocidental e às suas dependên- época está encerrada. Uma mudança de
cias, tal momento de violência simbólica paradigma estaria em vias de se produ-
aconteceu quando se impôs o paradig- zir, se é que já não se tenha realizado.
ma do planejamento racional contra o Teríamos passado de um consenso his-
da ordem social natural e do laisser-faire. tórico sobre o planejamento racional
Nada mais difícil, ou até mesmo arbitrá- para um outro sobre a salvaguarda do
rio, do que datar uma ruptura desse gê- meio ambiente. Este não seria uma nova
nero. No entanto, como referencial, vou variante daquele, como já tinham sido
propor a emergência, nos anos 90, da observadas várias rupturas no decorrer
doutrina do planejamento urbano que, deste século, mas constituiria uma ver-
na seqüência, fornecerá os esquemas dadeira ruptura. É, pelo menos, essa
organizadores do planejamento econô- hipótese que eu gostaria de discutir aqui.
mico nacional e do planejamento regio-
nal. Nosso século XX tem sido descrito Neste ponto, impõe-se uma precau-
como o teatro da ascensão irresistível ção. É sempre complicado, no próprio
dessa doutrina e dessa prática do plano. momento, distinguir uma moda de uma
Por esse senso comum, graças ao plane- virada histórica. A sabedoria aconselha-
jamento apoiado na ciência, as nações ria a esperar um pouco, porque, como
tomavam racionalmente o encargo de se sabe, é no crepúsculo que a ave de
seu desenvolvimento. Essa chave de Minerva alça vôo. No entanto, é difícil
leitura poderia aplicar-se a campos não pensar seu tempo, seja ele qual for,
variados, tanto às políticas macroeconô- como o de uma mutação sem preceden-
micas quanto às da proteção social, tes. Essa convicção recorrente é, aliás,
tanto às políticas de habitação quanto provavelmente, constitutiva da noção de
às do desenvolvimento regional. Uma “geração”, tão importante nos últimos
visão planejadora análoga era comum dois séculos na construção das identi-
aos cientistas e aos dirigentes de socieda- dades sociais, particularmente entre os
des cujas formas de organização política letrados. A convicção do novo é, além
e estruturas econômicas eram muito disso, ativamente cultivada hoje por in-
diferentes: a América do New Deal ou a teresses sociais bem definidos dotados
24 Do Planejamento à Ecologia
mento e concentração, trabalham com dos lugares para tentar impedir a cons-
eficácia a partir de cima para consegui- trução especulativa desses espaços.
rem o desmantelamento do que os mo- Ficamos-lhes devendo Hampstead
vimentos locais de citadinos procuram Heath. No início do século XX, os resi-
sabotar por baixo. Essa convergência, dentes dos subúrbios privilegiados de
ou mal-entendido, contribui para causar San Francisco e de Nova York mobili-
a ruína do planejamento racional e per- zavam-se para impor regulamentações
mite ao neoliberalismo reivindicar uma de zoneamento que os protegessem
essência democrática. contra o risco de serem invadidos pelos
pobres, negros e indústrias. Nos anos
Uma terceira corrente vai, então, ao 20, os operários parisienses que tinham
mesmo tempo fornecer ao processo em comprado e construído nos loteamentos
curso a linguagem que lhe faltava e reve- irregulares do subúrbio exigiam que as
lar as tensões de que é portador. É a ruas fossem pavimentadas e instalada a
reivindicação de salvaguarda do meio canalização da água, como hoje os ocu-
ambiente contra o desperdício dos recur- pantes das villas miserias de Buenos
sos naturais. Em torno dessa reivindica- Aires ou das favelas do Rio. Assim, é pos-
ção, em um tempo surpreendentemente sível reconstruir uma genealogia ima-
breve, determinadas forças sociais bas- ginária da luta em favor da salvaguarda
tante diferentes vão convergir e produzir do Patrimônio e do Meio Ambiente.
um novo discurso global que permitirá Imaginária porque se todos esses movi-
enunciar todas as grandes transforma- mentos, e muitos outros, existiram de
ções que já começaram. Somente uma fato é apenas hoje que, retrospectiva-
análise fina das diversas cronologias mente, são classificados na mesma ca-
nacionais permitiria identificar as origens tegoria. Esta é construída em função das
dessa linguagem, os atores sociais que implicações do presente, que são estra-
a utilizaram e os processos de imposição nhas aos termos em que os atores do
simbólica pelos quais ela acabou con- passado enunciavam efetivamente seus
quistando sua legitimidade. Por não interesses e exigências. Sabe-se até que
dispor de tais pesquisas, traçarei sim- ponto a maneira de nomear os fatos e a
plesmente as grandes linhas de um in- reconstrução da memória são elementos
ventário hipotético e incompleto. essenciais da conquista dos espíritos.
Sabe-se, também, que a ilusão retros-
Os movimentos que se organizam pectiva é uma das principais armadilhas
para defender os interesses de grupos que ameaça a pesquisa histórica.
definidos espacialmente são muito
antigos e bastante diferentes. Na se- Parece-me, portanto, pelo menos
gunda metade do século XIX, a arraia- arriscado inventar uma pré-história para
miúda que vivia nas proximidades dos uma história presente que está nitida-
commons que subsistiam em Londres mente comprovada. Foi somente no
encontrava-se ao lado de notáveis preo- decorrer dos anos 70 que, pela primeira
cupados com a higiene e a preservação vez, em relação ao território, foram
28 Do Planejamento à Ecologia
público desta última está fragilizado, isso confrontos são, por natureza, locais,
não acontece com seu componente pri- enquanto a interferência das represen-
vado. Ao colocar na frente a iniciativa tações anteriores do interesse geral tem
local, a reivindicação descentralizadora um efeito global.
elimina a distinção entre interesse pú-
blico e interesses privados e, ao mesmo
tempo, contribui para uma nova legiti- Para tentar compreender a razão
mação de tais interesses. Tudo isso é disso, é necessário examinar de mais
acompanhado por conflitos entre salva- perto a nova linguagem e ver em que
guarda do meio ambiente e lógica do aspecto suas propriedades são diferentes
lucro. Algumas companhias petrolíferas ou não das propriedades da linguagem
sabem do que estou falando. Mas esses que ela tornou obsoleta.
O Antigo e o Novo
Para falar do novo, vou partir do antigo Tenham presente a breve passagem
e, em particular, de uma das principais do Regional Plan of New York que citei
matrizes do paradigma do planejamento no início. Ela sugere que a ciência das
racional, ou seja, a ciência das cidades. cidades surge do enunciado fundador
Esta é exemplar de uma aliança histórica de uma “questão urbana” e que esta é,
de longa duração entre a Ciência e a em primeiro lugar, a constatação de uma
Reforma Social, isto é, entre os cientistas desordem. Seja qual for a maneira como
e as instituições públicas e privadas da esta é caracterizada, tratar-se-á sempre
gestão da sociedade. Essa idéia irá, de colocar as coisas em seu lugar. Por
talvez, causar surpresa e eu gostaria de outras palavras, instaurar uma nova
dedicar algum tempo a esse ponto. ordem espacial – meio e resultado de
uma nova ordem social. Observemos
Não foi ontem, tampouco anteon- que os próprios termos em que a rea-
tem, que a cidade se tornou objeto de lidade é analisada, ou simplesmente
ciência. Sem recuar, como conviria, ao descrita, designam implicitamente,
século XVIII, direi que um momento como em negativo, um modelo dessa
decisivo são, sem dúvida, os anos 1900- ordem a fazer surgir. A desordem é a
1910. Nessa época, surgem, simulta- imagem invertida de uma ordem escon-
neamente, a “city survey ” e o “town dida que é ainda potencial e que a ciên-
planning ” na Grã-Bretanha, a “ciência cia urbana e o planejamento racional
das cidades” e o “urbanismo” na França, devem tornar atual. Uma representação
e, nos Estados Unidos, o “city planning ” do progresso e do método prático que
que precede apenas de uma dezena de conduz ao mesmo define assim as pró-
anos a “human ecology ”. prias categorias da análise científica. Dito
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5
Léon Jaussely, “Avertissement”, in Raymond Unwin, L’étude pratique des plans de ville. Paris,
Librairie centrale des Beaux-Arts, 1922. p. iii.
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6
Committee of the Regional Plan of New York, Regional Survey, v. 1, p. 18: “[...] the area of
New York and its environs may be likened to the floor space of a factory. Regional planning
designates the best use of this floor space - ‘the proper adjustment of areas to uses’.”
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7
Henri Sellier, “Les aspects nouveaux du problème de l’habitation dans les agglomérations
urbaines”, in La vie urbaine, n. 15, p. 86, abr. 1923.
8
“Organized community”. Arthur C. Comey e Max S. Wehrly, “Planned Communities”, in
National Resources Committee, Urbanism Committee, Supplementary Report, v. 2, Urban
Planning and Land Policies, Washington, D. C., 1939, p. 61.
34 Do Planejamento à Ecologia
O Novo e o Antigo
fator de progresso. Isso é válido tanto O espectro que assombra essas ela-
para os liberais moderados ou radicais borações – e do qual elas tentam desem-
quanto para todos os que – em particu- baraçar-se uma vez por todas – é a
lar, os socialistas – denunciam as conse- “questão social”. Para reunir as “duas
qüências trágicas do curso da história; nações” que Disraeli observa na Ingla-
aliás, sua aspiração é acelerá-lo e com- terra, Gambetta formula, na França, a
pletá-lo. Nesse aspecto, o otimismo in- estratégia fundamental: “não existe
dustrialista de Marx é exemplar. questão social, mas apenas problemas
sociais”. Trata-se de segmentar a ques-
O novo paradigma que emerge a tão temível da dissolução do vínculo
partir da virada do século XX situa-se social em uma série de problemas espe-
no âmbito dessa visão “progressista”. cíficos que serão analisados pelas ciên-
Nesse caso, o que muda é, simultanea- cias e tratados pelas reformas. Assim,
mente, a afirmação de que esse pro- serão inventados os problemas da habi-
gresso pode e deve ser conscientemente tação, da tuberculose, do alcoolismo, do
ordenado e a emergência de agentes desemprego, da extensão urbana, da or-
que se apresentam como candidatos à ganização do trabalho e muitos outros.
aplicação de tal programa. Ao mesmo Assim, as “classes perigosas” do século
tempo que é formulada essa máxima XIX serão decompostas em categorias
prática, ocorre uma mudança na ordem de população administráveis e transfor-
cognitiva: é a invenção dos fatos so- madas em cidadãos modernos.
ciais, considerados como irredutíveis a
um conjunto de fatos individuais. Con- Esse projeto reformador que o sécu-
cebe-se, daí em diante, que exista uma lo XX colocará em ação baseia-se, por-
ordem específica de fenômenos que, tanto, em duas construções históricas
simultaneamente, vão constituir os bastante singulares: a constituição da
objetos de ciências novas e delimitar sociedade como objeto da ação racional
campos concretos de reforma. Se a so- e o postulado da identidade possível
ciologia durkheimiana é sintomática entre progresso industrial e progresso
dessa nova postura, esta expressa-se social.
também nas linguagens científicas que
lhe são totalmente estranhas, tais como O sistema que as ciências sociais
o organicismo urbano, a higiene social nascentes constroem é, portanto, estrita-
ambientalista ou a estatística mate- mente o das relações dos homens entre
mática em seus começos. Em todos si, em suma, a “sociedade”. A “nature-
esses campos científicos, novos modos za” lhe é exterior e só está incluída aí
de representação permitem formular como recurso da indústria humana e re-
novos tipos de causalidade que, por sua sistência que esta deve domar. Nesse
vez, designam novos objetos de ação aspecto, as construções teóricas da nova
coletiva racional. Estes serão aborda- economia política são sintomáticas. Os
dos por disciplinas aplicadas, profis- rendimentos decrescentes deixaram de
sões, regulamentações, burocracias. ser uma lei natural e a terra, tornada
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humana em relação a seu habitat. Termi- restaura e sobre a qual constrói seu pro-
nou a grande narração épica do progres- grama. O problema da floresta amazô-
so econômico e do progresso social e está nica já não é o dos conflitos pela terra e
começando a da restauração do planeta pelo controle de matérias-primas, mas
terra em sua integridade original. o da proteção da biosfera. O problema
da habitação nas grandes cidades já não
A reviravolta das representações que é o do acesso normalizado a esse bem
isso implica é exatamente de sinal con- para as categorias excluídas do merca-
trário ao da reviravolta que se produziu do, mas o da proteção dos lugares e da
no início do século: à socialização inte- redução das escalas. É engraçado ob-
gral da natureza sucede a naturalização servar que, nesse campo, o ecologismo
integral da sociedade. Isso tem implica- permite formular prescrições práticas
ções nas linguagens dominantes das dis- opostas segundo as situações nacionais.
ciplinas científicas e nas hierarquias entre Assim, na França, desde a segunda
as mesmas. Assiste-se a uma importa- metade dos anos 70, ele justifica a in-
ção maciça por parte das ciências hu- terrupção da construção dos grandes
manas de esquemas construídos nas conjuntos de habitações sociais em be-
ciências físicas ou biológicas. Em parti- nefício da expansão da casa individual.
cular, a cibernética e a ecologia forne- No Canadá, em compensação, parece
cem os poderosos instrumentos da que o mesmo discurso fundamenta
análise dos sistemas a ciências sociais atualmente uma crítica do desperdício
cujo objeto original, ou seja, as relações do espaço e dos recursos devido ao ha-
sociais, é cada vez mais contestado. bitat disperso e um programa de densi-
ficação imobiliária. 9 O estudo que estou
Ao mesmo tempo, as prioridades e fazendo aqui em relação aos paradig-
o quadro da ação reformadora encon- mas não dispensa, portanto, o estudo
tram-se redefinidos. As ciências sociais das estruturas de produção e dos inte-
analisavam a sociedade em seus ele- resses bem concretos daí resultantes.
mentos, a humanidade em seus grupos
constitutivos, dotados, com toda a cer-
teza, de necessidades universais, mas de Ruptura 2: do nacional ao
possibilidades desiguais de reconhecê- planetário
las e satisfazê-las. As legislações sociais
estavam baseadas no reconhecimento Uma segunda ruptura introduzida pela
dessas diversidades. Assim, a racionali- linguagem da salvaguarda do meio am-
zação planejadora tinha colocado entre biente diz respeito às escalas espaciais
parênteses uma representação substan- dos discursos eruditos e dos projetos
cialista do Homem que o ecologismo práticos.
9
Canada Mortgage and Housing Corporation/Société canadienne d’hypothèques et de logement,
Sustainable Development and Housing/Le développement durable et le logement, Research
Paper, n. 1, jan. 1991.
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10
George L. Mossé, The Nationalization of the Masses: Political Symbolism and Mass Movement
in Germany from Napoleonic Wars through the Third Reich, Nova York, Howard Fertig,
1975.
11
Ernst Friedrich Schumacher, Small Is Beautiful: A Study of Economics as if People Mattered,
Londres, Blond and Briggs, 1973. O livro é constituído, principalmente, por artigos publica-
dos e conferências feitas a partir de 1961.
Christian Topalov 39
aí reservadas aos Estados, para entida- outro aspecto da mudança de escala que
des supranacionais, as áreas de livre- está sendo questionada – tem por conse-
comércio e suas instituições. Com efeito, qüência desqualificar as instituições es-
o emagrecimento do Estado-nação é tatais nacionais como garantias de seu
considerado, em geral, pelo ecologismo “respeito”. O direito de ingerência nas
como um objetivo salutar. questões internas das nações em nome
do interesse superior da humanidade
Ao mesmo tempo, desloca-se o ter- torna-se um dever eticamente funda-
reno da ação coletiva. A tensão demo- mentado. À sua maneira, a administra-
crática no âmago dos sistemas regulados ção Bush soube tirar as conseqüências
pelos planos opunha grupos ou movi- disso na luta contra o tráfico de drogas
mentos de cidadãos a um parceiro te- no Panamá ou contra o “ladrão de
mível, mas que parecia claramente Bagdá”, ainda por cima, poluidor. No
identificável: uma poderosa “tecno- entanto, as mais estimáveis organizações
estrutura” que unifica os interesses de não-governamentais não dispõem dos
burocracias públicas, de grandes grupos mesmos meios para impor os direitos do
financeiros ou industriais e de profissio- meio ambiente. O Greenpeace perdeu
nais da ciência. No entanto, o discurso, um dos seus membros, morto por agen-
então legítimo, do interesse geral e a tes do governo francês que, atualmente,
coincidência do território das reivindi- usufruem de uma tranqüila aposenta-
cações com o de instituições represen- doria. Compreende-se a esperança que
tativas ofereciam algum poder à ação os defensores do meio ambiente podem
coletiva. Tudo isso muda com a ruína depositar em instâncias éticas, judiciais
dos sistemas de regulação estatal, sendo ou políticas internacionais, das quais
que, daqui em diante, as relações de esperam que afirmem o direito e exer-
força tendem a se instaurar diretamente çam vigilância na sua aplicação.
com potências imperceptíveis e em um
quadro jurídico incerto. O que está aqui em debate é a capa-
cidade do ecologismo para construir os
Além disso, uma das principais instrumentos de sua aplicação, os equi-
formas da racionalização planejada valentes funcionais do que eram deter-
tinha sido a defnição de direitos sociais minadas burocracias e direitos sociais
que, ao longo do século XX, foram-se nacionais para o antigo paradigma.
inserindo, pouco a pouco, nas legisla- Desse ponto de vista, um Schumacher
ções e jurisprudências. Tais direitos – aos e suas cooperativas pertencem ao último
quais correspondiam, é claro, outros quarto do século XIX, enquanto o Clube
tantos deveres – só podiam instaurar-se de Roma contenta-se em fazer apelo à
no quadro do Estado-nação porque im- tomada de consciência da humanidade.
plicavam a criação de instâncias respon- Se o ecologismo não chegar a produzir
sáveis pela sua aplicação. A passagem outras respostas, será somente a restau-
da linguagem dos direitos sociais para a ração da liberdade dos mercados que,
linguagem dos direitos do homem – no final de contas, terá sido legitimada.
Christian Topalov 41
O Antigo no Novo
12
Ver Halte à la croissance? (trad. francesa de The Limits to Growth), Paris: Fayard, 1972. p.
145.
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