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CLIO A CERAMICA PRE-HISTORICA BRASILEIRA: NOVAS PERSPECTIVAS ANALITICAS Claudia Alves Suely Luna Ana Nascimento A CERAMICA PRE-HISTORICA NO BRASIL. AVALIACAQ E PROPOSTA A Jairo Claudia Alves Nucleo de Estudos Arqueoldégicos da Universidade Federal de Pernambuco ABSTRACT -Pre-Historic Ceramics in Brazil: an evolution and a proposal. . A critical analysis of procedures used to research and classify pre-historic ceramics in Brazil. The author deals with the origins and development of the National Program of Archaeological Research - PRONAPA and analysis the methods used to recuperate and interpret ceramic vestiges. The second part of the article presents an analytical proposal for systematizing the characteristics of a technical ceramic profile, that can be use for characterize pre-historic ethnic groups. RESUMO Apresentamos uma andlise critica aos procedimentos utilizados para a pesquisa e classificagao da ceramica pré-histdrica no Brasil. Mostramos a histdria do surgimento e desenvolvimento do Programa Nacional de Pesquisas Arqueolégicas ~ PRONAPA e fazemos uma analise dos métodos utilizados para a recuperacdo e interpretacdo dos vestigios ceramicos. Apresentamos na segunda parte do trabalho uma proposta- analitica que pretende sistematizar as caracteristicas de um perfil técnico ceramico, com a finalidade de caracterizar os grupos ét- hicos pré-hisidricos. Key words: — PRONAPA ~ Analyses — Ceramics Palavras-chaves: — PRONAPA — Andlise — Ceramica Clio Arg. Recife v.1 n° 7 11-60 1991 11 Capitulo 1 PESQUISAS SOBRE A CERAMICA PRE-HISTORICA NO BRASIL 1.1. - ANTECEDENTES As pesquisas sobre as sociedades pré-histéricas no Brasil se desenvolveram a partir da segunda metade deste sécuio. Nesse perio- do, apareceram os primeiros projetos arqueolédgicos numa perspectiva cientifica, que permitiram tragar e caracterizar aspectos de alguns gru- pos pré-histdricos. Na historia da arqueologia brasileira, verificam-se desde o final do século XIX e em varios pontos do pals, areas de concentragao de pesquisas com objetivos diversificados, que privilegiaram o estudo de determinados grupos étnicos. Nas regi6es Sudeste e Sul, procurava-se explicar a origem e a formagdo dos sambaquis e comprovar a antigui- dade do homem americano. Na regidéo da Amazénia, a maior parte dessas pesquisas visavam principalmente explicar a origem e a dis- persdo da ceramica. Clio Arg. Recife v. 1 n®? 7 11-60 1991 13 As primeiras pesquisas arqueoldégicas foram realizadas por es- pecialistas de outras areas de conhecimento, tais como, a Botanica, a Zoologia, a Geologia, a Linglifstica, a Geografia e a Etnografia. Essas pesquisas se caracterizam pela recuperagdo de objetos culturais liti- Cos ou ceraémicos, que se encontravam em processo dé destrui¢ado na- tural, ou depredados pelos mais diversos interesses. Um dos exemplos mais marcantes em nossa historia 6 o da destruigao dos sambaauis, provocada pela exploracao industrial que os transformou em fontes de matéria-prima para a produgao de cal. As pesquisas arqueolégicas com a finalidade de estudar os Qrupos étnicos que utilizaram a ceraémica, desenvolveram-se, princi- palmente, a partir da descoberta de sitios arqueolégicos na regiao do Amazonas. Desde 0 final do século XIX e inicio do século XX, chega- fam a essa regiao representantes de varios museus nacionais e inter- nacionais que programaram inumeras expedigées para localizar novos sitios e escava-ios. As expedig¢ées mais importantes, organizadas pelos museus Goeidi e Nacional, foram as de Barbosa Rodrigues, em 1870, que des- cobriu a ceramica de Miracangtiera de Itacoatiara; a de Ferreira Pena, em 1792, e a de Ladislau Netto, em 1882, que registraram as cerami- cas Maraca e Maraj6; e as expedi¢des de Emilio Goeldi e Aureliano Lima Guedes, de 1884/5 a 1907, 95 tocalizaram necrdpoles com ur- nas funerarias nas cavemas do rio Cunani. Com estas descobertas, desenvolve-se o processo de divul- ga¢4o da ceramica pré-histérica da Bacia Amazénica, considerada no plano estético, uma das mais belas do Brasil. A ceramica da Ilha de Marajé, famosa pela perfeigao de suas formas e de seus desenhos (na combinagéo de linhas retas, curvas e pontos), constitui um desses conjuntos. Os chefes das expedigées tomeciam dados sobre a localizagéo dos sitios e os aspectos ambientais, e descreviam detalhes formais e estilisticos das pegas encontradas, com interpretagdes, muitas vezes conjecturais, sobre sua utilizagao ou origem. As ceramicas eram sele- cionadas, escaihendo-se, entre os fragmentos, as pegas inteiras e bem decoradas. Com freqliéncia, essas ceramicas provinham de sitios ce- mitérios e apresentavam numerosas umas funerdrias. Frederico Barata, analisando este periodo, mostra o cardter des- trutivo das expedi¢des que, segundo ele, “... se improvisavam, apres- sadas e sem método, com o objetivo exclusivo de coletar pegas para os museus, deixando campo livre aos exageros da imaginacao inter- pretativa, inspirada as mais das vezes téo sdmente pelas gravuras e 14 Clio Arg. Recife v.1 n° 7 11-60 1991 desenhos, universalmente reproduzidos, das “gregas” marajoaras. Des- truiu-se o Pacoval, escavado em todos os recantos pelos exploradores e até por jomalistas estrangeiros, favorecidos pela porta aberta que Ihes era franqueada, com a auséncia de uma legislagéo capaz de pro- teger o nosso patriménio. Ricas pegas indigenas puderam assim sair do pais sem dificuldade e, o que é bem pior, coletadas “a la diable” e deixando atrds de si, em alguns dos mais notdveis “mounds” de Ma- rajd, revolvides e imprestaveis para os estudos cientificos, montées de cacos e fragmentos”. No perfodo inicial, valiosas colegdes ceramicas foram forma- das, muitas delas com objetos de origem desconhecida. Algot Lange, 1913, coletou 4.888 pecas, que foram cedidas ao American Museum of Natural History, de New York?. Outras colegées foram formadas por Robert e Rose Brown, C. FaraBee, Curt Nimuendaju, Ferreira Pena, Steere, Goeldi, Anténio Mordini, Derby Hartt, Frederico Barata, Orville Derby, na regido Norte, e Berehauser, Carlos Von Koseritz, Max Schmi- th, Frank Nageli e Anténio Serrano, entre outros, nas demais regides do pais. Os estudos sobre colegées cerdmicas da regiao Norte que tive- ram maior repercussao, foram os de Antonio Mordini, 1926-28, sobre as tangas de Maraj6; os de Helofsa Alberto Torres, 1930, e Helena Palma- tary, 1939, sobre as cerdémicas de Tapajés e Marajé; os de Betty Meg- gers, 1947, sobre as colegdes formadas por Steere, do University Mu- seum da University of Pensylvania e do American Museum of Natural History, sobre as ceramicas de Marajé, além dos estudos de Frederico Barata, 1944 a 1954, sobre a ceramica de Santarém. Durante um longo periodo de nossa histdria, muitas pesquisas foram realizadas com colegées ceramicas. Esses estudos produziram trabalhos descritivos sobre os tragos formais e estéticos. As andlises eram baseadas nas tipologias estabelecidas princi- palmente em fun¢ao de: caracteristicas tais como a forma e elementos decorativos. Faziam-se comparagées com cerdmicas de outras areas do Pais e das regi6es préximas, com objetivo de identificar a influéncia de tracas ¢ os pontos Centrais de dispersao da mesma. O conhecimen- to basico sobre os grupos étnicos ceramistas era limitado pela prépria Natureza das informagées dos vestigios arqueoldgicos investigados neste periodo. Mesmo assim em alguns estudos a partir das caracteris- 1 BARATA, F. 1968, p. 122 - 2 idem, p. 121 Clio Arq. Recife v.1 n® 7 11-60 1991 15 ticas plasticas da ceraémica, encontrar-se tentativas de interpretagao do desenvolvimento cultural. Contudo, para Frederico Barata, o aspec- to estilistico foi abordado no sentido de arte, para os historiadores da arte arqueoldgica’. Nas sinteses da pré-histéria no Brasil, de Angyone Costa, J. An- thero, F. Barata, aparece uma divisao bem nitida em aspectos qualita- tivos entre a ceramica do norte e a ceramica do restante do pais. Os grupos da bacia amazénica possuiriam um desenvolvimento industrial e artistico da cerémica, incomparaveimente superior ao das demais re- gides, com um estagio mais evoluido. A cerdmica teria sido, provavel- mente, introduzida nesta regiao procedente de outras dreas* Em contrapesigao, e seguindo os mesmos pardémetros de ava- liag4o, a ceramica do litoral e do interior era considerada de qualidade inferior, muito tosca, e feita exclusivamente para fins utilitarios. Os va- sos, que imitavam frutos de sapucaia, eram grosseiros, de paredes es- pessas, sem pintura ou adomos; as umas piriformes eram mal fabrica- das e, quase sempre, mai cozidas. As decoragées eram feitas com a ponta des dedos ou com as unhas, e localizavam-se na borda dos va- silhames. O conhecimento da ceramica pré-histérica no Brasil até os anos cinqdenta, restringia-se 4 caracterizagéo de aspectos gerais, com teferéncia: 1) nas informagées dos cronistas, viajantes e etndlogos dos sé- culos subseqtierites 4 colonizagao européia; 2) nas informa¢Ges das primeiras expedi¢des; 3) nos resultados de estudos sobre colegées cerdmicas e de algumas escavacgdes realizadas nesse periodo. As primeiras classificagdes da cerémica nao sao resultado da utilizagaéo de parametros comuns, mas dos tipos de ceramicas acha- dos e estudados por diferentes pessoas que Ihes adequaram um termo distintivo que foi utilizado para identifica-ios. Assim, os primeiros tipos de ceramica no Brasil sao os seguintes: 1— Ceramica de Maraca, colecionada por Ferreira Pena, 1872, na Guiana brasileira, encontrada nas proximidades do rio Maraca. Eram umas funerdarias de dois tipos: antropomodrficas, de forma tu- bular, sem omamentagdo, apenas um cilindro com tampa; outras com pernas e braces assentados sobre uma espécie de banco e 3 BARATA, F. 1953, 4 Idem, 1968, p. 87. 16 Clio Arg. Recife v.1 n° 7 11-60 1991 com tampa, figurando a cabega em forma de cone trugado; e zo- omdrficas. . 2 - Ceraémica Santarém, colecionada por Rose e Robert Brow e Ni- Mmuendaju, caracterizada por vasos pintados, cariatides de gargalo, decoragdo incisa, figurinhas humanas, cachimbos, e pela predo- minancia das zoomérficas. 3— Ceramica de Mirancangiera, descoberta por Baroosa Rodrigues no ano de 1870 em ltacoatiara, numa area de 5 milhas, considera- da um grande cemetério indigina. Apresenta cerémica simplesmen- te polida, com camada branca, desenhos pintados. nas cores preta e vermelha, gravados ou esculpidos, além de objetos em forma de tagas de altos pés. 4—- Ceramica do Cunani, conjunto de vasilhames encontrados em cavemas artificiais, nas proximidades do rio Cunani, por E. Goeldi, em 1895. Trata-se de umas funerdrias com decoragao pintada de vermelho sobre branco. 5- Ceramica Tupi-Guarani, caracterizada por uma diversidade de ~ foimas e decora¢ao, linhas pontilhadas, corrugado, incisdes e pin- tura vermelha além de tintas escuras ou preta sobre engobe. Esse tipo de ceramica encontrada no litoral e sul do pais foi descrita por Hans Staden, J. Lery, Claude D'Abeville, Gabriel Soares, entre ou- tros, que a filiaram aos grupos de iinguas Tupi e Guarani. 6 — Ceramica de Marajé, caracterizada pela variedade de estilos de decoragao e delicadeza do tragado geométrico; além das tangas, apresenta grande variedade de objetos tais como, fusos, cachim- bos, bancos, colheres e vasilhames com bases em pedestal. E também conhecida pelas técnicas em relevo e inciséo combinadas com acabamenio em argila ifquida e bela pintura decorativa em duas ou trés cores; motivos antropomorfos e zoomorfos. Nos anos quarenta, inicia-se uma nova etapa nas pesquisas pré-histéricas, com a criagéo de drgaos de pesquisas e de.cursos de especializagaéo. nas universidades. Destacaram-se, pelo incentivo e criagdo desses cursos, o professor José Loureiro Fernandes, da Uni- versidade do Parana; Paulo Duarte, fundador do Instituto de Pré-histé- tia da Universidade de Sao Paulo e L. Castro Faria, do Museu Nacional do Rio de Janeiro. : A criagao, em fins de 1956, no Parana, do Centro de Ensino e Pesquisas — CEPA, que contou com o auxilio da CAPES edo CNPq, possibilitou a contrata¢ao de pesquisadores estrangeiros, cencedendo bolsas aos estudantes interessados,.e ampliou as possibilidades de _especializagao em arqueologia. Clio Arg. Recife v. 1 n° 7 11-60 1991 : 17 Pesquisadores franceses e americanos, que realizavam esca- vagées nos Estados de Minas Gerais, Sao Paulo e Parana, fomeciam. os principios tedricos e metodolégicos que passaram a orientar os pri- meiros arquedlogos brasileiros. Cursos de aperfeigoamento foram mi- nistrados por Wesley Hurt da missao americana; Annette Laming e J. Emperaire, da miss4o francesa; Clifford Evans e Betty Meggers, do Smithisoniam Institution, e Oldemar Blasi, da Universidade Federal do Parana, além de outros brasileiros. A partir da década de cinquenta, com a criagaéo dos cursos de especializagéo, as pesquisas sobre a ceramica pré-histérica recebem novo impulso. No processo de seu conhecimento, alguns principios basicos sdo questionados. Iniciam-se algumas discuss6es em relagao a quesides metodoldgicas, e decide-se abandonar o critério fundamen- tal de classificagao utilizado até aquele momento, das formas dos va- silhames. A ceramica passa a ser analisada numa perspectiva tec- noldgica em que se privilegia a consideragdo de diversos componen- tes, permitindo relacionar, por exemplo, a prepragao da pasta, o anti- plastico, as técnicas de manufatura e a dureza, textura, queima e, também, como componente a mais, a forma. No entanto, privilegiam-se dois componentes: o tratamento de superficie e as técnicas decorati- vas para definir os tipos ceramicos. Constata-se também a aparigdo de certas tentativas de utilizar os conhecimentos sobre a ceramica come fontes de informagao que poderiam fornecer indicadores sobre certos aspectos da vida dos gru- pos étnicos. Esta procura de relagdes fica a um nivel extremamente geral, ndo pemmitindo operacionalizar as hipéteses. Porém interessa in- dicar a existéncia de uma consciéncia por parte dos pesquisadores, no sentido de aproveitar ao maximo a utilizagdo dos dados no estudo da ceramica e de recuperar informagées quante a outros aspectos da vida social. A maior parte dos estudos referentes a ceramica pré-histérica no Brasil visava esclarecer quest6es relacionadas a sua origem. Procu- tava-se elucidar se a tecnologia da ceramica teria sido o resultado de uma evolugao técnica dos préprios grupos da regido ou se teria sido o fenémeno de transferéncia tecnoldgica, origindria de migragaéo ou comeércio. Essas quest6es foram priorizadas, particularmente, no final dos anos quarenta quando surgiu uma proposta metodolégica para andlise de sitios ceramicos. Essa proposta teve grande repercussdo ndo ape- nas no Brasil, mas em varios paises da América Latina. Nesta nova perspectiva, alguns elementos da ceramica, como o tratamento de su- 18 Clio Arq. Recife v.1 n° 7 11-60 1991 perficie, os motivos, as técriicas decorativas, as formas e os antiplasti- cos seriam privilegiados. Segundo essa proposta, a apiicagaa do mé- todo penmitiria atingir diferentes finalidades. Assim poder-se-ia: 1) segregar tradi¢des culturais; 2) estabelecer cronologias relativas, 3) indicar contatos e influéncias entre grupos étnicos; 4) estabelecer sequéncias de desenvolvimento, utilizadas para identificar os estagios evolutivos e culturais. Esse método foi primeiramente aplicado na Amazénia. Betty Meggers e Clifford Evans, chegados ao Brasil em 1948 como bolsistas do Vinking & Fund, por conta do Departamento de Antropologia da Co- lumbia Univertsity, desenvolverarn pesquisas nas areas do Territério do Amapa, nas ilhas de Maraj6, Mexiana e Caviana, onde foram estabele- cidas as primeiras sequéncias de desenvolvimento cultural da foz do Amazonas. Segundo Mario Simées, 0 método introduzido por Meggers e Evans no Brasil, inédito pelas técriicas sofisticadas e pelos excelentes resultados alcancados, passou a servir como datum para futuros tra- balhos arqueolégicos na Amazéria. Esse fato teria encerrado a etapa especulativa-descritiva da arqueclogia brasileira’ e as perspectivas metodoldgicas direcionadas, em especial, para as pesquisas em sitios ceramicos, predominaram até os dias atuais. Analisaremos a segui’, 0 processo histérico de propagagao e divulgagdo desse método, os seus principios basicos, assim como seus aspectos limitatives na reconstituigaéo do comportamnento social dos grupos étnicos pré-histéricos. 1.2 — 0 PRONAPA 1.2.1 — Histérice O Programa Nacional de Pesquisas Arqueolégicas - PRONAPA —, foi um Programa de arribito Nacional, coordenado pelos pesquisado- tes americanos, Drs. Clifford Evans e Betty Meggers que integrou pes- quisadores brasileiros num sisterna metodoldgico padronizado para os trabalhos de campo e para a andlise da ceramica pré-histérica. O mé- todo Ford, como ficou mais conhecide, passou a ser o instrumento 5 SIMOES, M. 1971, p. 174. Clio Arg. Recife v. 1 n? 7 11°60 1997 19 principal para andlise quantitativa da ceramica e serviu de guia aos trabalhos desenvolvides nesse campo. Consta que as primeiras idéias para o desenvolvimento do PRONAPA tiveram origem no 312 Congresso Intemacional de Ameri- canistas, realizado em Sao Paulo, em 1954, quando foram apresenta- das por Meggers e Evans, as comunicagées referentes aos trabalhos de pesquisas realizados no Territério do Amapa e ilhas de Marajd, Me- xiana e Caviana. Conforme Evans*, teria sido nesta oportunidade que o Prof. José Loureiro Fernandes, diretor do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueoldgicas da Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras da Univer- sidade do Parana, fez 0 convite para ele e Meggers ministrarem um curso nessa Universidade. Contudo, apenas no més de outubro de 1964, é que foi alcangado esse objetivo. O curso, denominado “Seminario de Ensino e Pesquisas em SI- tios Ceramicos”, foi realizado nas cidades de Curitiba e Paranagua, de 05 a 29 do més de outubro de 1964. Iniciado no Centro de Ensino e Pesquisas Arqueolégicas da Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras, em Curitiba, foi concluido no Museu de Artes Populares, em Parana- gua. A sua organizac¢ao ficou por conta do Departamento de Antropo- logia e pelo Conselho de Pesquisas da Universidade Federal do Pa- rana, com o apoio financeiro dessa Universidade, Coordenagao de Aperfeigoamento de Pessoal de Nivel Superior - CAPES — e da Fulbri- ght Commision. O referido curso contou com a participagao de pesqui- sadores e professores de universidades e museus, pertencentes a sete estados brasileiros, e foi dirigido pelos Drs. Meggers e Evans, do Smi- thsonian Institution. Esse curso, com a duragao de 24 dias, direcionou a forrnagao de pesquisadores para o estudo da cerdmica pré-histérica, com se- minarios de ensino intensivo de teoria arqueolégica, metodologia, clas- sificagao e interpretag¢ao da ceramica, nos quais discutiram-se os pro- cessos de padronizacdo para analise e descrigao dos vestigios ar- queoldgicos e a situagdo das pesquisas arqueolégicas em cada uma das regi6es, representadas pelos diversos participantes, Foram estu- dadas também possiveis solugdées para.os problemas de apoio finan S EVANS, 1967, p. 7. Toda a bibliografia consultada faz referéncia a iniciativa do Prof. J. Lou- teiro Fernandes para a organizagéo deste semindrio, exceto Fonwier et alii, 1974, p. Xult “Em outubro de 1964, um segundo passo foi dado para a concretizacdéo dos objetivos-de. Evans. Ele e Betty, apoiados pela Comissao Fulbright e pelo Conselho de Pesquisa da Un versidade do Parana, organizaram um treinamento de um més para doze arquedlogas brasi- leiros e trés estudantes”. 20 Clio Arq. Recife v.1 n° 7 11-60 1991 ceiro e institucional, e foi proposta a elaboragéo de um glossario de termos arqueoldgicos que resultou na “Terminologia Arqueoldgica Bra- sileira para Ceramica”, publicada em 1966 pelo Centro de Ensino e Pesquisas Arqueoldgicas e pela Universidade do Parana’. Segundo Brochado foi a partir dessas discurss6es que emergiu 0 PRONAPA®, Em prosseguimento ao semindrio, Evans e Meggers percorreram durante 0 més de novembro de 1964, diversos estados brasileiros (RS, SC, PR, Ru, DF, BA, PE, RN, CE e PA), visitando reitores das universi- dades e diretores dos museus e institutos, para ver as condigées lo- cais de cada participante e entrar em contato com outros pesquisado- res interessados em arqueologia que, por varias razGes, nao puderam participar do seminario no Parana. 7 Adiscussdo dessa terminologia ocorreu no Museu de Arqueologia e Artes Populares, de Pa- ranagua, como parte da programagaéo do Seminario, de 21 a 27 de outubro. Participaram dessa discussdo os “... Professores Mario F. Simdes (Divisdo de Antropologia do Museu Goeldi, Belém — Para), N4ssaro de A. de Souza Nasser (Instituto de Antropologia da Universidade do Rio Grande do Norte, Natal — Rio Grande do Norte), Valentim Calderén (Instituto de Ciéncias Sociais da Universidade da Bahia, Salvador ~ Bahia), Maria Helofsa Fenelon Costa (Divisdo de Antropologia do Museu Nacional, Rio de Janeiro, Guanabara), Fernando Altentelder Silva (Departamento de Ciéncias Sociais da Faculdade de Filoso- fia de Rio Claro, Rio Claro, Sao Paulo), Chislene Celasquez Hudziak (Museu Paranaen- se, Curitiba, Parana), Igor Chmyz (Gabinete de Arqueologia, Departamento de Antropolo- gia da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Paranda, Curitiba, Parana), Jos6 Wilson Rauth (Museu de Arqueologia e Artes Populares, Paranagua, Parana), Pe. Jodo Alfredo Rohr SJ (Museu do Homem do Sambaqui, Florianépolis, Santa Catarina) e Walter F. Piazza (Cadeira de Histéria da América, Faculdade de Filosofia da Universidade de Santa Catarina, Floriandpolis, Santa Catarina)". W. F. Piazza fez a redagdo dos verbetes e a sua distribuigdo entre os outros especialistas brasileiros para receber sugestées e a redagado da terminologia. Esta “... terminologia foi supmetida aos seguintes especialistas: Profs. Luiz de Castro Faria (da Divisdo de Antropologia do Museu Nacional, Rio de Janeiro, Guana- bara), Maria da Conceigdo de M. C. Becker (Divisdo de Antropologia do Museu Nacio- nal, Rio de Janeiro, Guanabara), Herbert Baldus (Museu Paulista, S40 Paulo), Paulo Duarte (Instituto de Pré-Histéria da Universidade de Sao Paulo, S40 Paulo), Oldemar Bla- si (Museu Paranaense, Curitiba, Parana), Pe. Inacio Schmitz SJ. (Cadeira de Antropolo- gia da Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul), José Proen- za Brochado (Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul)”. CHMYZ, I. (ed.), 1966, p. 5/6. 8BROCHADO et alii, 1969, p. 3. Clio Arg. Recife v.1 n° 7 11-60 1991 21 Conforme Evans, foi o interesse e o entusiasmo por eles encon- trado nos pesquisadores brasileiros, que incentivou a elaboragao de. um programa nacional no qual houvesse a possibilidade de integracao de um grupo de arquedlogos treinacio num Unico sistema de teoria ar- queoidgica, andlise e interpretagdo de dados, especialmente adaptado para o estud> de culturas ceramistas. Assirn, em marco de 1965, foi preparado um esbo¢o detalhado do PRONAPA e enviado para cada participante do Programa, com a finalidade de que fossem feitas su- gestdes e de que fossem integrados novos pesquisadores interessados nas pesquisas. O projeto fol preparade com mapas detalhados, pre- vis6es orgamentarias, e enviado ao Smithsonian Institution para apro- vagao e financiamento, e ao Conselha Nacional de Pesquisas do Bra- sil, para autorizagado e co-patrocinio’. O PRONAPA contou com a solaboragao do Conselho Nacional de Pesquisas (co-patrocinador); Patroménie Histérico e Artistico Na- cional; Comisséo Educacional dos Estados Unidos no Brasil — Fulbri- ght Commission; além da assisténcia prestada pela Wenner-Gren Foundation for Antropological Research. A Fulbright Commission era o érgao oficial de iigagdo entre as instituigdes e individuos que desen- volveram as linhas mestras para a distribuicao e cantabilidade dos re- cursos financeiros. O Conseino Nacional de Pesquisas designou o Museu Paraen- se Emilio Goeldi para a administragao técnica do Programa, divulga¢ao dos resultados, assim como a traducdo e publicagao do Guia e dos re- latérios anuais, sob a diregdo editorial de Mario F. Simées. O PRONAPA foi planejado para cinco anos, iniciando -se no fi- nal de 1965 os trabalhos de pesquisas de campo. Durante os meses de junho a agosto, Meggers e Evans visitaram todos os pesquisadores envolvidos com o Programa, permanecendo de 05 a 10 dias com cada participante com objetivo de rever os resultados do primeiro ano de pesquisa e auxiliar em qualquer problema de classificagao. Desta forma, estaria assegurada a padronizegao dos trabalhos de campo e as analises e classificagées da ceraritica, 9 EVANS, C. 1967, p. 8. Segundo Fonwler, foi através do Instituto Smithsonian que Evans deu ao Programa “... 0 apoio logistico indispensdvel em termos de carros, barcos, motores, dia- rias, suplementos e manutengao, enquante que as entidades brasileiras taziam as publi- cagées dos trabalhos 8 dedicavam horas de tah!io rara as pesauisas”. FONWLER et alii, 1974, p. Xill. 22 Olin sng. ceciie vt om? 7 114-60 1991 No final de cada ano de trabalho, os participanies preparavam os relatérios preliminares de suas pesquisas, os quais constavam dos fesumos dos trabalhos de campo, descrevendo, am termas gerais, as sequiéncias cronoldgicas relativas. Durante a execucao do Programa, para coordenar e comparar os resultados, houve a reunido de toda a equipe em varios seminarios: O primeiro semindrio foi realizado em Mar del Plata, em 1966. Nesse*encontro, houve a proposta de que cada participante dividisse o Mapa de seu Estado em areas menores, para fins de cadastramento e planejamento das pesquisas de sitios arqueolégicos. O segundo semindrio ocorreu no Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, de 15 a 28 de julho de 1968. Nesse semindrio, fo- ram avaliados os progressos dos ultimos anos. Consideramos o segundo seminario como um dos éncontros mais importantes do PRONAPA, pois foi nessa reuniao que, a partir dos dados correlacionados, foram estabelecidas categorias culturais gerais com significados espaciais e temporais. Desta forma, foi apro- vada uma infra-estrutura cronolégica para o periodo ceramista e pré- ceramista, e examinados os mapas nos quais haviam sido feitas as di- vis6es regionais e o planejamento dos trabalhos para os dois anos fi- nais. Ainda nesse encontro, foi revista e ampliada a Terminologia para ceramica, aprovada no seminario de Paranagua’?. Q terceiro semindario foi realizado em Lima, no Peru, em 1970, quando foi efetuado um balan¢go critico dos dois ultimos anos, 1968-1970. Finalmente, houve um resumo final do PRONAPA,no Smithso- nian Institution, em 1972. O PRONAPA encerrou-se formalmente em 30 de julho de 1970, tendo como continuidade o PRONAPABA, »rograma diresionado espe- cificamente para as pesquisas na regiae da Bacia Amazénica. Os procedimentos de levantarrienio ¢ andlise’ utilizados por Meggers e Evans, em 1948, foram, naturalmente, empregados para co- ordenar os dados coletados duranie o desenvolvimento do Programa. Desta maneira, as questées relativas 4 comseitualizac&o de fases, tra- digées! tipos ceramicos, e a terminologia descritiva pacronizada, servi- fam para comparar os dados de diferentes regi6es do pais. 10“Terminolagia Arqueolégica Brasileira para a Ceramica”, puisticada pele Centro de Ensino e Pesquisas Arqueolégicas, Universidade Federal da F arand, como Manuais de “rqueologia n° 1, parte 1 (1966) e parte 2 (1869), sendo readitada em 1976. Clio Arq. Recife v. 1 n°? 7 11-60 1991 23 Para Fonwler, a expans@o do método Ford para andlise quanti- tativa da ceramica, faria parte das metas de Clifford Evans e J. Ford no sentido de organizar e desenvolver a arqueologia na América Latina". Essa meta teria sido concretizada com planejamentos de pesquisas arqueolégicas e semindarios, onde forarn transmitidos os principios ba- sicos metodoldgicos para as pesquisas. Entre os semindrios de divulgagao do método Ford, tivemos o semindrio que ocorreu na sede do Instituto de Investigacién Etnologica da Universidade de Atlantica em Barranquilla, na Colémbia, organizado pelo Departamento de Assuntos Sociais da Unién Panamericana e fi- nanciado pela Organizac¢ao dos Estados Americanos e a Universidade de Atlantico. Foram convidados pela Uniaéo Panamericana, para esse semindério, como instrutores, os Drs. James A. Ford, Clifford Evans e Betty Meggers e varios jovens pesquisadores, representantes da Ar- gentina, Brasil, Chile, Guatemala, México, Panama, Peru, Uruguai, Ve- nezuela e Colémbia. Estiveram reunidos, no periodo de 25 de jurino a 6 de julha.de 3961, discutindo novos métodos para estabelecer a ‘sequéncif’ croholdgica das culturas pré-colombianas e os problemas da ateu ia desenvolvida nos paises jatinos. Outro seminério, com as mesmas perspectivas e seguindo os mesmos parametros do se- i de Barranquilla, foi 0 ocorrido no Brasil, no Parana em 1964. No Peru, em 1967, @ Smithsonian Institution e a Universidade Nacional de] Centro de Huancayao, organizaram mais um programa de trein&metite. Como o PRONAPA no Brasil, 0 Programa no Peru foi pla- nejado para cinco anos e treinou arquedlogos peruanos no uso do mé- todo de @hdlise quantitativa, durante um trabalho de campo nas ele- vagoes norte @ centro do Peru’. - 4 A:partir dos sethinarios, das conferéncias e dos programas de pesalisds no Brasil, varias pesquisas efetuadas utilizaram o método para a andlise da ceramica. Os principios basicos desse método, para a formapao dos participantes dos Programas de Pesquisas Arqueoldégi- ‘cas qué $e seQuiram, foram publicados por: 1) Ford em 1962, “Método 11 FONWLER etalii, 1974, p. Xiil. Para eles, Clifford Evans ¢ Ford “... nado s6 pretendiam esta: belecer uma tipologia comum para um trabalho inicial na América Latina como também juntar 98 jovens arquedlogos latinos para se conhecerem, trocar idéias e criar uma rede de infor- magao", Fonwler et alii, 1974. p. Xill. 12 MEGGERS, B., EVANS, C., 1970, p. Ill. 24 Clio Arg. Recife v. 1 n° 7 11-60 1991 quantitativo para estabelecer Cronologias Culturais” (trabalho prepara- do para o “Seminario de Estudios de Nuevos Métodos para Estabelecer Secuencias Cronoldgicas de Las Culturas Pre-Colombianas en Améri- ca”, realizado em Barranquilla, em 1961); 2) Meggers e Evans, 1966 com “O Guia para Prospecgdo Arqueoldgica no Brasil”, e no Peru, por sugestéo de Ramiro Matos Mendieta, diretor do Programa, publicou-se a edi¢ao inglesa de 1967 do manual "Como Interpretar a Linguagem da Ceramica”, que foi traduzido para o portugués e publicado no Brasil em 1970. Esses trabalhos tinham a finalidade de facilitar o treinamento de estudantes e auxiliar na uniformizagao da metodologia entre todos os participantes. Na realidade, tanto os seminarios como os programas de pes- quisas arqueoldgicas serviram para preparar pesquisadores latino-ame- ticanos na teoria e pratica da andlise quantitativa da ceramica. Assim, © método Ford se propagou como um fendmeno inovador para analise da ceramica no Brasil e em outros paises latino-americanos. No Brasil, o PRONAPA nao promove apenas o método Ford, mas propaga pressupostos tedricos que caracterizam uma linha de pesquisa americana. Esse Programa surgiu no perfodo de formagao académica dos primeiros arquedlogos que orientavam suas pesquisas para o estudo de grupos ceramistas; desse modo, o método foi bem aceito e aplicado em varias pesquisas, inclusive por arquedlogos nao vinculados ao Programa. Durante a existéncia do PRONAPA e apds a sua extingao, al- guns pesquisadores brasileiros fizeram criticas, em particular aos mé- todos de campo, e questionaram a validade do método de analise quantitativa da ceramica para inferir datagées relativas, e a sua apli- cago para diagnosticar ou deiinir as fases e tradigées culturais. Porém, estas observagdes nao diminuiram a influéncia que este Pro- grama teve na arqueologia brasileira. Tanto no plano conceitual como no plano metodolégico esse Programa marcou e orientou, de maneira determinante, durante duas décadas, a formagaéo dos pesquisadores e continua a influénciar os novos profissionais. Assim, 0 PRONAPA representou no Brasil, o principal meio de diiusao do método Ford, a base de formagdo académica dos arquedlo- gos que desenvolviam pesquisas nesse campo, e forneceu o quadro geral sobre a dispersdo dos grupos étnicos através, sobretudo, do es- tudo da ceramica. Clio Arg. Recife v.1 n° 7 11-60 1991 25 4.2.2 — Objetivos Inicialmente 0 PRONAPA foi apresentado como um Programa projetado para “abordar, sistematicamente, problemas de cronologias absolutas e relativas em regides selecionadas do Brasil""®.Contudo ou- tros objetivos gerais foram explicitactos no decorrer dos dois primeiros anos da pesquisa; entre esses, ressaltam-se os seguintes: 1-estender as pesquisas arqueolégicas a outras areas do pais, as quais estavam restritas, nesse periodo, principalmente a regiao da Amazonia e ao litoral sul; 2-estabelecer uma cronologia relativa a ocupagdo pré-histérica no Brasil, e reconhecer as filiagoes culturais, entre os sitios e regides, para reconstruir o desenvolvimento cultural e a difusao no Novo Mundo; 3 —identificar os sitios arqueolégicos de grupos ndo-agricolas, cuja subsisténcia resumia-se 4 coleta de produtos naturais e caga, para o levantamento de aspectos de desenvolvimento, difusao da agri- cultura, estabelecimento da antigtidade relativa ao aparecimento das plantas domésticas e as diferengas de velocidade de sua di- fusdo; 4—examinar, na regiéo amazénica, a validade da classificagado dos quatro Estilo-Horizontes, realizada em 1961, por Meggers e Evans, e verificar a distribuigao geografica dos varios estilos ou tra- dicdes"*, 5 - conhecer os processos pelos quais os sucessivos grupos de mi- grantes pré-europeus adaptaram-se as diversas condi¢ées ecold- gicas do Brasil. Com o desenvolvimento das pesquisas, algumas questées fo- ram levantadas por Meggers'®, relacionadas as origens e rotas de di- fusdo da agricultura, da ceramica e das tradigdes ceramistas, além das quest6es sobre a andlise dos efeitos da dependéncia do milho ou da mandioca no padrdo de colonizagao, no sedentarismo ou na habilidade de adaptagdo do homem as diversas zonas ecoldgicas. 13 EVANS, C. 1967, p. 8. 14 BROCHADO et alii, 1969, p. 24. 15 MEGGERS, 1967. 26 Clio Arg. Recife v.1 n? 7 11-60 1991 O PRONAPA, para Fonwler, pretendia, em sua fase inicial, a construgao de um padrao histdrico-cultural para o Brasil, com progra- mas de treinamento para arquedlogos brasileiros, encorajando as uni- versidades brasileiras a manter pesquisas neste campo e desenvolver um programa de publicagées em portugués de alto nivel, para estimu- lar o interesse nacional pela arqueologia’®. Em _sintese, pode-se dizer que o PRONAPA apareceu como uma iniciativa que pretendia atingir multiplicidade de objetivos, desti- nados a organizar a pesquisa arqueolégica no Brasil sob certos ali- nhamentos determinados que seréo expostos a seguir. Considerare- mos, com detalhe, os aspectos metodoldgicos, com a finalidade de mostrar como foram utilizadas as categorias analfticas selecionadas, assim como as hipdéteses que deram origem a esta pesquisa. 1.2.3 — Métodos e Técnicas Na apresentagao dos métodos e técnicas utilizados nas pes- quisas do PRONAPA, optamos por tomar como linha diretriz, a evo- lug4o do projeto, com vistas a poder demonstrar como foram se defi- nindo os diferentes conceitos e a terminologia da arqueologia brasilei- la. Durante o “Seminario de Ensino e Pesquisa em Sitios Cerami- cos”, em 1964, foram discutidos os principais conceitos e os termos técnicos que seriam utilizados para coordenar os dados coletados pelo PRONAPA. Entre esses foram definidos os conceitos de tradigao, fase, curva de freqluéncia ou popularidade, corte estratigrafico, tipo, e entre outros o de seriagdo. Todos eles foram publicados na “Temninologia Arqueoldgica Brasileira para a Ceramica", em 1966. Outros termos co- mo o de subtradi¢do foram estabelecidos apenas em 1968, no segun- do encontro dos pesquisadores desse Programa. No plano conceitual apresentaremos essas definigdes na explicagao dos procedimentos de campo e de laboratdrio. No “Guia para Prospec¢ao Arqueoldgica no Brasil”, de Evans e Meggers, publicado em 1965, encontram-se os principios metodoldgi- cos e as técnicas que foram empregadas nas pesquisas. Esse guia foi preparado ndo sorente para garantir um sistema padronizacio de tra- balho de campo, coleta de informacées, andlise, classificagaéo, mas também para auxiliar cada participante no treinamento de estudantes e 416 FONWLER et alii, 1974, p. Xiil. Clio Arg. Recife v.41 n° 7 11-60 799% 27 assistentes. Para Meggers e Evans, a partir desse guia, qualquer pes- soa, mesmo sem grande pratica em trabalhos de campo, poderia pres- tar grande contribuigao a Arqueologia. Seria suficiente observar os re- quisitos expostos nesse trabalho, coletar o material e deposita-lo em museus onde seria objeto de estudo e interpretagao"’. Encontram-se nesse guia. as instrugdes de como deveriam ser preenchidos os cataélogos de campo e laboratdrio; coletadas as infor- magdées sobre os sitios; feitos os croquis de localizagao; coletadas amostras para andlise de pdlen, solo e carvao para datacao por G14; e preparado o material ceramico, |itico, ossos, madeiras e conchas para serem armazenados nos depédsitos. Explica, ainda, quais seriam os equipamentos basicos para os trabalhos de campo e as técnicas, o tempo de duracao de prospecgdo, a quantidade de sitios e cortes'®su- ficientes para o estabelecimento de uma seqliéncia cronolégica que pudesse identificar, preliminarmente, as influéncias culturais introduzi- das nas 4reas pesquisadas. Esse manual que é indicado como guia para prospec¢ado e co- leta de amostragem de sitios arqueolégicos caracteristicos das terras baixas da América do Sul'®, néo pretendia abordar o problema de esca- vagdes extensivas e profundas. As pesquisas planejadas estavam baseadas na hipdtese de que 0 litoral e os rios principais serviriam como rotas de movimentos de povas e idéias”°. Desse modo, projetaram no mapa do Brasil as mais importantes bacias fluviais e sugeriram as possiveis rotas de migragao e comunicacgao. A seguir foram escolhidas para’ as prospeccdes e 17 EVANS, MEGGERS, 1965, p. Vil. 18 EVANS, MEGGERS, 1965, p. 42, Eles consideraram que “... cerca de 30 sitios, com dois cortes-estratigraticos 6m cada um, serviréo como base para uma seqiiéncia cronoldgica e identificagao preliminar das influéncias culturais introduzidas na area. Esse niimero de sitio geralmente pode ser explorado em mais ou menos 6 semanas de trabalho de campo”. “Caso 0S sitios sejam pouco profundos, dois ou trés deles serdo terminados em um s6 dia. Sitios mais profundos podem requerer um dia inteiro de trabalho. Nesta fase de investigagdo sé ex- cepcionalmete setia necessdrio mais de um dia para um sitio”. EVANS, MEGGERS, 1966, p. 32, 19 “Tais sitios sdo tipicamente pequenos e pouco profundos (exceto os sambaquis ao longo do litoral), com estratigrafia natural limitada e sem restos arquiteténicos sobreviventes, como Paredes ou pisos. Os artefatos limitam-se a cacos de ceramica e, ocasionalmente, a pedras trabalhadas. Tais sitios raramente compensam uma escavagao intensiva, porém, se foram cuidadosamente trabalhados, forneceréo dados importantes para a reconstituigao das seqiiéncias arqueolégicas locais’. EVANS, C., MEGGERS, B., 1965, p. VUL 20 MEGGERS, B., 1985, p. 369, “The research design proceeded from the assumption that the shore and the major rivers Served as primary routes of movement of people and ideas”. 28 Clio Arg. Recife v. 1 n° 7 11-60 1991 escavacdes, as areas para onde confiuiam os maiores rios e tributdrios assim como ao longo de seus cursos. Os atuais limites geograficos dos estados foram aproveitados, selecionando-se cinco regiées que fepresentassem diferentes redes de drenagem, para que, em cada ano, fosse pesquisada exaustivamente uma regido. Considerando 0 pequeno numero de pessoal qualificado para o trabalho, os primeiros anos de pesquisas foram concentrados nos Es- tados onde residiam os arquediogos participantes do Programa. 1.2.3.1 — Trabalhos de campo Nas pesquisas de campo, dever-se-ia procurar obter dados para 0 estabelecimento de seqiiéncias locais, que contivessem dois tipos de informagées: 1) dados para uma cronologia relativa, que permitis- sem datar a primeira ocoréncia de tragos culturais; 2) dados para uma feconstrugao do tipo geral 2u nivel de desenvolvimento de culturas su- cessivas numa sequéncia local, o que mostraria se a mudanga foi na diregao da complexidade crescente ou descrecente, ou se foi mantido um equilforio”’. Nos trabalnos de campo, foram privilegiadas as prospecgdes arqueolégicas ao invés de escavagées intensivas de grandes trinchei- fas ou escavagdes totais dos sitios. Assim, para fomecer uma idéia dos diversos sitios da regiao, seria simplesmente necessério realizar um ou dois cortes-estratigraficos”? nos sitios que o pemitissem e uma coleta sistemdtica de amostragem de superficie. As escavacdes intensivas e detalhadas eram programadas para o futuro, caso fosse demonstrada a necessidade das mesmas, apdés as andlises e seriagao de todo o material coletado”*. 21 EVANS, C., MEGGERS, B., 1965, p. 7. 22 CHMYZ, |. (d.), 1966, p. 12.. “Corte estratigréfico (Stratigraphic cut — Strata cut) — Escavagdo em pequena escala para verificagdo da estratigrafia, por niveis ou camadas, de um sitio arqueolégico”. 23 CHMYZ em 1969, no trabalho apresentado no Seminério de Tropicologia da UFPE, conside- tando as despesas dos trablhos de campo, laboratério e publicagées dos relatorios; a ex- tens&o territorial brasileira; e a necessidade premente de se tragarem as linhas gerais da pré-histéria desta vastiddo, defende as prospecgdes arqueoidgicas em vez de escavacdes intensivas para o reconhecimento e sondagem de grande ntimero de sitios em pouco tempo. CHMYZ, |., 1976, p. 557. Clio Arg. Recife v.1 n° 7 11-60 1991 29 Para o estabelecimento de uma seqliéncia regional, seria ne- cessario localizar o maior numero possivel de sitios e coletar amostras. estratigraficas de ceraémica e outros artefatos. As dimensées dos cor- tes variavam de acordo com a freqiéncia des restos arqueoldgicos. Nos sitios com ceramica, seria necessdrios, no minirmo, cerca de 100 fragmentos por nivel escavado. Essa quantidade permitiria in- clu(-lo na seqliéncia seriada da cerémica para a construgaéo de uma cronologia. O ideal era obter cerca de 150 a 200 fragmentos para cada nivel. O corte inicial poderia medir 1,5x1,5 m, e seria ampliado para 2x2 ou 2,5x2,5 m, se quantidade de fragmentos retirados por niveis, fosse inferior ao minimo estabelecido. Caso ‘nouvesse abundancia de cacos, seria suficiente um corte de 1x1 m. Se alguns niveis ofereces- sem menos de cem fragmentos, isto néo reduziria o valor do corte, ca- So a maiofia dos niveis possuissem uma amostra suficiente”*. A técnica de escavagao por niveis artificiais foi escolhida por- que, segundo Meggers e Evans, estimava-se que os niveis naturais quando tinham pouca espessura ou grande homogeneidade nao forne- ciam informagées necessarias para andlise das mudangas culturais. Esperava-se portanto, encontrar os indicios cronoldgicos a partir da andlise detalhada dos artefatos. Este procedimento serviria para sepa- tar os restos mais antigos dos mais recentes e verificar os indices de evolugao ou mudanga cultural. Quanto a profundidade dos cortes-estratigraficos, dever-se-ia atingir uns 50 ou 75 cm, depois que se alcangasse a camada estéril, pois isto revelaria a existéncia ou ndo de vestigios culturais em maio- tes profundidades. Nos sitios que apresentassem um refugo com es- pessura superior a 10 cm, no minimo, dois cortes em lugares diferentes seriam necessérios para verificar se toda a area corresponderia a uma unica ocupagaéo ou mais, e se o local teria sido pertubado. Nos sitios superficiais, com restos arqueolédgicos expostos, seriam feitas co- legdes indiscriminadas de fragmentos ceramicos e liticos. 24EVANS, C., MEGGERS, B., 1965, p. 37/38. A amostragem deveria servir para indicar as tendéncias de mudangas, na freqUéncia dos tipos ceramicos desde os niveis inferiores aos mais superiores da seqiiéncia estratigrdfica. Foi proposta por Evans “o uso de pequenos cortes esiratigraficos, variando suas dimensdes de 1,0x1,0; 1,5x1,5; ou 2x2 me esca- vados em niveis artificiais de 10 cm". EVANS, 1967, p. 11. 30 Clio Arg. Recife v. 1 n° 7 11-60 199% Nos sitios em que foram encontradas apenas colegées superfi- ciais, seria possivel utilizar esses dados para: — identificagao do complexo ou fase Cultural represertada no sitio; — inserir o sitio na seqUéncia® regional para uma datagao fe- lativa?®, WNo caso dos sitios com restos arqueoldgicos esparsos, dever- se-ia coletar todos os fragmentos ceramicos e liticos. Em contraparti- da, nos sitios onde os vestigios fossem abundantes, delimitar-se-ia uma area para a coleta’’. 1.2.3.2 — Andlise de Laboratério Em laboratdrio, as amostras eram lavadas, numeradas e anaii- sadas. O material litico, separado em grupos distintos ou tipos de arte- fatos, e correlacionado com os padrées de povoamento; enquanto que © material ceramico era classificado seguindo o método de anélise quantitativa. O procedimento analitico da ceramica consistia em identificar suas propriedades para caracterizar os tipos. O conceito de tipo cera- mico, adotado pelos pesquisadores do PRONAPA, foi assim definido por Ford, como sendo "... el producto de una combinacién de modos de manufatura y de decoracidn utilizado durante un lapso de tiempo mas oO menos corto por pueblos habitantes de una regién geografica relati- vamente pequefa. Por esta razén, el tipo puede ser definido y recono- cido por el empleo de un numero limitado de materiales desgrasantes, métodos de construccién, acabado de ia superficie, cocimento, formas y decoracién. Como no existen limites naturales en cuanto a tiempo y 25 CHMYZ, I. (ed.); 1966, p. 19. “Seqiiéncia (Sequence) — Resultado cronolégico da anali- se dos dados obtidas pela estratigrafia ou seriagdo, expostos metodologicamemte”. 26EVANS, C,, MEGGERS, B., 1965, p. 15. _27 Caso jé fosse conhecida a seqiéncia local, bastaria coletar fragmentos que possibilitassem identificar 0 perfodo ou fase cultural presentes no sitio. Isto poderia “... ser determinado, na maioria das vezes, pela presenga de cacos decorados que sirvam como diagndstico das eta- pas especificas da seqliéncia”. EVANS. MEGGERS, 1965, p. 34. Clio Arg. Recife v. 1 n? 7 11-60 1991 31 espacio, estos deben ser fijados por la persona que clasifica durante el proceso de definicién del tipo’?*. A primeira classificagaéo dos fragmentos era feita com base na presenga ou auséncia da decoragdo der acordo com os seguintes critérios: 1) Para os fragmentos simples que é a maneira como se designam os nao decorados, levar-se-ia em consideragao: a-—as variagdes do tempero ou antiplastico; no caso da ceramica apresentar apenas um antiplastico, como por exemplo, a areid, a variagéo na dimensdo das particulas poderia servir de base para a separacdo de tipos. b-— a variagao na cor do nucleo da ceramica; esta variagao poderia fefletir diferencas de ventilagao, temperatura e duragao da queima. c—diferengas no acabamento de superficie: variagéo no grau de polimento ou alisamento. Este critério apenas seria usado se os fragmentos nado apresentassem grandes alteragdes por erosao. d-diferencas de tratamento de superficie; variagaéo no engobo (ou banho) de diferentes tonalidades?°. 2) Para os fragmentos decorados: Na classificagao dos fragmentos decorados poderiam ser utili- zados os mesmos critérios aplicados para os fragmentos nao decora- dos ou escolher outros. Assim, essa classificagao poderia ser estabelecida: a-—pela variag¢do de técnicas decorativas, tais como: incisdo, ex- cisdo, pintura e escovamento; b — pela variagao de motivos, que incluiria os desenhos simples ou combinados. 28 FORD, J. 1962, p. 27. O conceito de tipo na terminoiogia da arqueologia brasileira aparece da seguinte forma: “Tipo (Type — Grupo de caracteristicas comuns, que distinguem deter- minados artefatos, ou seus restos, de outros semelhantes. Para ceramica usa-se, somente, com aqueles que tém descri¢do formal”. CHMYZ, |. (ed.}, 1966, p. 20. Contudo Meggers e Evans fazem a seguinte referéncia a esse termo: “Um tipo ceramico, definido em temas evo- lucionistas, seria uma pardfrase da definigao evolucionista de Simpson: “Um tipo ceramico & uma tradigado (uma seqiiéncia temporal de vasilhames) evoluindo separadamente de outras, “ e com seu préprio papel evolutivo e suas préprias tendéncias”. A determinacdo da validade para tal tipo ceramico seria sua significagdo cronoldgica, sua capacidade de refletir e, por is .89, mostrar mudanga através do tempo”. MEGGERS, EVANS, 1970, p. 8. 29-Foram considerados como processes de, acabamento de superficie apenas as técnicas de pelimerito e alisamento. As técnicas de pintura e plastica foram consideradas como técni- cas decorativas enquanto que o engobo ou banho, um tratamento de superiicie. 32 Clio Ara. Recife v. 1 n° 7 11-60 1991 Outros atributos da ceramica uteis na observagdo de mudan¢as seriam os tipos de vasilhames, as formas das bordas e a espessura das paredes do corpo. A utilizagéo desses atributos dependeria do grau de estabilidade, da popularidade das formas dos vasilhames e do numero de bordas da amostra. No caso das bordas, somente seria possivel se, as amostras estratigraficas ou de superficie, fossem sufi- cientemente numerosas, ou seja, a partir de mais de cinqlienta. Além disso, essas bordas deveriam ser de tamanho sufuciente para que pur dessem reconstituir a forma e o didmetro do vasilhame. A espessura da parede do corpo seria considerada quando houvesse diferen¢as na utilizag¢éo dos vasilhames, e se mantivessem propor¢ées similares as das paredes finas e grossas dos vasilhames durante um largo periodo de tempo. O critério basico estaria determinado pela pauta de mudan- ga, verificado pela técnica de seriagao. A seriagaa é uma técnica sobretudo para o estabelecimento de cronologias relativas em sitios arqueoldgicos nao relacionados es- tratigraficamente, ou com o material de superficie. Pela estratificagao, observam-se as evidéncias culturais ordenando-as em séries nas quais o material mais antigo localiza-se na parie inferior e o mais recente na parte superior; isto em condigdes normais no processo de formagao do sitio. Como um dos objetivos do PRONAPA era o de estabelecer uma infra-estrutura cronolégica, procurou-se através dos componentes da ceramica construir as seqliéncias seriadas. Como sabemos, as sequéncias eram os resultados cronoldgicos da andlise dos dados ob- tidos pela estratigrafia ou a seriagao. Pela técnica de seriagdo, os percentuais, representando os di- versos tipos ceramicos, sao calculados e transferidos para tiras de pa- pel milimetrado e intercalados num grafico para a reconstituigao de uma sequéncia cronoldgica das mudangas do complexo caramico. 30 “Seriggao (Seriation) — Manipulacao de um conjunto de dados de varios niveis, cortes e colegdes de superticie, para alcangar uma seqUéncia da histéria de uma cultura’. CHMYZ, |. (ed.), 1966, p. 19. Clio Arg. Recife v.1 n° 7 11-60 1991 33 Na construgéo de um grafico, dever-se-ia considerar, em primei- To lugar, os percentuais das amostras dos cortes-estratigraficos, obe-- decendo a ordem estratigrafica das escavagées, e depois seriam inse- tidos os percentuais das colecdes obtidas superticialmente™. Na analise, varias tentativas de classificagées seriam efetuadas até obter-se uma variacao relevante para o ponto de partida da base primaria de classificagao. A distingao dos tipos ceramicos somente se- tia feita apds a confirmagao de sua validade cronoldgica pelo proces- so de seriacdo*’,a partir da andlise da curva de freqdéncia de popu- laridade®. Assim, para identificar os tragos que mudam, o meihor sis- tema seria o de selecionar os sitios que possuissem o maior nurnero de niveis. Nesses sitios, provavelmente estaria representado um maior intervalo de tempo, e, para verificar se um trago cultural estaria mu- dando, pegar-se-ia uma amostra do primeiro, do meio e do ultimo nivel, observando-se as curvas de freqtiéncia de popularidade. As datagdes™ das amostras de carvdes coletadas seriam Uteis para indicar a posi¢ao dos tipos numa sequéncia. No estudo da cerdmica, dever-se-ia indicar: 1) a posigao cro- noldgica do tipo e em que parte da seqtiéncia ele alcancava a mesma popularidade e grau de persisténcia; e 2) o valor do tipa como indica- dor de tempo dentro do complexo ceramico. Assim, as seqtiéncias seriadas foram usadas para reconhecer os tipos, as fases e tradigdes. Os tipos foram definidos pela sua signi- ficagao cronolégica, ou seja, sua capacidade de refletir mudanca através do tempo*. As fases foram definidas a partir das sequéncias seriadas, e representariam fases arqueoldgicas ou culturais. Elas seriam caracteri- zadas por tipos especificos de artefatos, padrées de habitagao, com um complexo ceramico, relacionado no tempo e no espago, num ou mais sitios®®, Essas fases, no PRONAPA, foram estabelecidas primeira- 31 CHMYZ, |., 1976, p. 560. 32 O procedimento técnico da seriagéo esté baseado “... na impossibilidade tedrica de que um mesmo tipo reaparega depois que, anteriormente, tenha iniciado 0 curso normal de desen- volvimento (aparecimento, crescimento até um ponto maximo, e declinio). MEGGERS, EVANS, 1970, p. 79/80. 33"Curva de Freqiiéncia ou de Popularidade (Trend) ~ Tendéncia percentual, crescen- te ou decrescente, demonstrada por um tipo numa sequéncia”. CHMYZ, |. (ed.), 1966, p. 13. 34As datacdes pela C14 eram utilizadas para a correlagdo das seqliéncias cronolégicas relati- vas com escalas de tempo absoluto. “Todavia, os resultados estéo sempre sujeitos a cuida- dosa avaliagao arqueoldgica, podendo ser recusados mesmo no caso de nao haver quais- quer indices de contaminagdo no campo ou no laboratério, caso ndo correspondam aos re- sultados da seriagdo”. EVANS, MEGGERS, 1965, p. 45. 34 Clio Arq. Recife v. 1 n° 7 11-60 1991 mente por colegdes de superficies e caracteristicas da ceramica®’. A distingdéo de fases seguia critérios postos em relevo pelos bidlogos, referentes 4 descontinuidade, diversidade e divergéncia. Es- ses critérios eram considerados na técnica de seriag¢ao para as segre- ga¢ées das fases. Assim, a descontinuidade seria expressa como uma seriagdo repentina ou uma lacuna no registro arqueoldgico, enquanto que a diversidade e divergéncia, refletiriam o papel da diferenciagao dessas fases, dividindo histérico-cultural em unidades temporais e es- paciais menores®®. Com esses principios, as frequiéncias relativas dos tipos ceramicos fomeciam as bases para o reconhecimento das fases arqueolégicas ou culturais. Se numa amostra ocorressem tipos identiti- cados com uma fase ja definida, e suas frequéncias relativas fossem incompativeis com sua interrelagao na sequéncia seriada, esses tipos deveriam pertencer a uma outra fase, a menos que essas discrepan- cias pudessem ser atriduidas a selegao do material pelo pesquisador, ou algum outro fator externo®*. » nesumindo, as distingdes entre as fases eram estabelecidas a partir de um grupo de sitios arqueoldgicos que pudessem ser incorpo- rados a uma seqléncia seriada sobre as bases das frequiéncias relati- vas dos tipos ceramicos. Em alguns casos, um Unico sitio, apesar de ser limitado as representacdes espacgo/temporais de suas caracteristi- cas, poderia, conforme Meggers e Evans, ser suficiente para se reco- nhecer uma fase“, O termo tradigao"' tol empregado para designar uma unidade cultural mais ampla que uma fase; ela cobriria uma area e/ou um tem- po maior de duragdo. Uma tradigdo era estabelecida pelas caracteris- 35 O problema do arquedlogo consistia em “... identificar os tragos que est4o mudando de ma- neira mais rapida e sistemética, utilizando essa mudanga para estabelecer uma escala cro- _ Noldgica relativa”. (EVANS e MEGGERS, 1965, p. 8). 36 “Fase (Phase) - Qualquer complexo de ceramica, Iftico, padrées de habitag4o, relaciona- do no tempo e no espago, num ou mais sitios”. CHMYZ, I. (ed.), 1966, p. 14. No semindrio de 1968 “O térmo “fase” foi adotado para designar complexos culturais arqueolégicos, visto n&o conter implicagdes de natureza etnolégica. Embora uma fase arqueolégica signifique sem divida um grupo social interatuante, por outro lado ndo esciarece tratar-se de um ban- do, de uma tribo, de uma subtribo ou de qualquer outra espécie de unidade sécio-politica”. BROCHADO etalii, 1969, p. 4. 37 EVANS, C, e MEGGERS, B., 1974, p. 9, . Justificou-se que “A énfase dada a ceramica nao ~ implica em crermos que seja esta mais importante que outras aspectos da cultura pré-histéri- ca, simplesmente reflete o fato da cerémica ser relativamente mais abundante e sujeito a mu- dangas mais rapidas que outros tipos de artefatos, tornando-a, por isso, particularmente tit para 0 estabelecimento de seqléncias cronolégicas relativas e para tracar difusao cultural”. BROCHADO etalli, 1969, p. 4. 38 MEGGERS, B. e EVANS, C., 1970, p. 88. 39 Idem, 1985, p. 11-12. Clio Arg. Recife v. 1 n° 7 11-60 1991 35 ticas das fases que a constituem. Para uma tradigao muito extensa no tempo e no espaco, poder-se-ia reconhecer categorias intermedidrias que seriam denominadas subtradi¢ées. Isto aconteceu na tradigdo ce- ramista Tupiguarani, identificada e caracterizada pelos pesquisadores do PRONAPA durante a excugdo do Programa. A freqtiéncia de alguns tipos foi utilizada como indicadora de subtradigdes ao mesmo tempo que indicadores cronoldgicos. Através desses procedimentos, foram tragadas as linhas gerais sobre a pré-histdria no Brasil e, no plano dos estudos dos grupos ce- ramistas, foram estabelecidas as principais tradigées ceramistas, suas origens e caracteristicas. 1.2.4 - Resultados Durante 0 periodo de 1965 a 1970, promoveram-se prospeccdes arqueoldgicas intensivas em todo o pais, com mais de 1500 sitios loca- lizados e mapeados. Com os resultados preliminares apresentados nos telatérios, foram estabelecidas sequéncias seriadas e cronoldégicas re- lativas nas quinze regides selecionadas para as pesquisas, As sequéncias relativas, em diversos casos, foram confirmadas pela da- tagdo por C14. Os sitios ceramicos foram agrupados em fases e tradi¢des, ini- ciaimente definidas pelas caracteristicas da ceramica. Contava-se compreender as diferencas entre elas posteriormente, a partir das in- formagdées referentes ao meio ambiente, a localizagdo dos sitios, a du- fagao de ocupacao, as areas de dispersdo, a receptividade, e a acultu- fagao. Essas informagdes pemmitiriam levantar hipéteses a respeito da adaptacao e mudan¢a cultural dos grupos pré-histéricos. No Ii Seminario do PRONAPA“?, realizado em Belém em 1968, apés o correlacionamento dos dados, foi aprovada uma infra-estrura cronoldgica para o periodo ceramista da Faixa Costeira. Para essa cor- telagao de dados, foram incluidos os resultados de outros pesquisado- Tes que trabalharam com o mesmo tipo de abordagem do PRONAPA, mas que estavam vinculados ao Programa. Essa integragao de dados teria permitido a constru¢ao de cronologias regionais e a diferenciacao de unidades culturais. Desta forma, foram estabelecidas as distingdes: 40 MEGGERS, B. e EVANS, C., 1975, p. 24. 41 “Tradigdo (Tradition) — Grupo de elementos ou técnicas que se distribuem com per- sisténcia temporal”. CHMYZ, I. (ed.), 1966, p. 20. 36 Clio Arg. Recife v. 1 n? 7 11-60 1991 LIMITE ENTRE A BACIA AMAZONICA E A FAIXA COSTEIRA Aprovado no Il seminario do PRONAPA, em Belém, I968 A-Limite das regidées bioclimaticas de clima equatorial e clima tropical quente e sub-séco; B- Limite da Floresta Amazonica, C- Limite da Grande Regido Norte; D- uso da terra. entre os complexos ceramicos da Bacia Amazénica e da Faixa Costei- ra, identificadas novas fases, tradigdes e as subtradigdes, e ficou es- tabelecida a antiguidade relativa de diversas fases pré-ceramicas. As seqiiéncias seriadas, principalmente da ceramica e de ou- tros artefatos, teriam pemitido identificar diversos complexos pré- cerdmicos e fases ceramistas. Assim, a partir da infra-estrutura cro- nolégica estabelecida para o periodo ceramista, foi aprovada uma di- visdo cultural emduas 4reas de complexos ceramicos: a Faixa Cos- teira e a Bacia Amazénica. Essas areas teriam correlagdes com as ca- racteristicas do meio ambiente. Na Faixa Costeira, flora, fauna e potencial agricola variam de norte a sul, porém contrastariam fortemente com as caracteristicas ambientais da Bacia Amazénica, onde flora e fauna seriam semelhan- tes de um extremo a outro, e a utilizagao pelo homem e a agricultura desta area apresentariam a mesma problematica. O contraste entre esses ambientes teria constituido uma barreira muito mais impenetra- vel, no que concerne ao movimento de povos ou elementos cuiturais, do que o impenetravel obstaculo fisico formado pela Cordilheira Andi- na‘, Na pré-histéria da Faixa Costeira, assinalaram-se, para o perio- do pré-ceramico, os sitios do litoral — sambaquis, e os sitios do interior; @, para o periodo cerdémico, todos os outros sitios, que foram agrupa- dos em fases e tradigGes na base de aparéncia na ceramica, deco- ragao e forma. Das nove tradigées ceramistas definidas, sete foram denomina- das Tradigées Regionais, e séo caracterizadas pelas formas simples, nao decoradas, dos vasos e pela escassez de decoragao, feita por in- cisdo, ponteado, ungulado, pingado ou polido estriado. As Tradigées Regionais seriam coexistentes, com excegdo da Tradigao Periperi do litoral da Bahia, as fases locais de Tradigao Tupiguarani, outra tradigao 42 BROCHADO et alii, 1969, p. 5. Participaram do Il Seminario do PRONAPA: José Proenza Brochado, UFRS; Valentin Calder6n, UFBA; Igor Chmyz,UFPR; Ondemar F. Dias Jr., (Patriménio Histérico e Artfstico da Guanabara-RJ); Clifford Evans, Smithsonian tns- titution; Silvia Maranca, Museu Paulista; Betty J. Meggers, Smithsonian institution; Eu- rico Th Miller, Museu Arqueolégico do RS; Nassaro A. de Souza Nasser, UFRN; Celso Perota, Museu de Arte e Histéria, ES; Walter F. Piazza, UFSC; José Wilson Rauth, UFPR (desenvolveu um subprojeto de escavagées intensivas em sitios do tipo sambaquis, no litoral do Parana, com a finalidade de esclarecer a antigilidade e relag6es culturais desses sitios no litoral paranaense); e Mario F. Simdes, Museu Paraense Emilio Goeldi. 43 BROCHADO etalii, 1969, p. 7. Clio Arg. Recife v. 1 n° 7 11-60 1991 39 ceramista localizada nessa Faixa Costeira. Essas inferéncias foram fei- tas a partir da datagao por C14 e das evidéncias de comércio ou acul- turagdo na cerémica**. A Tradigéo Tupiguarani foi caracterizada pela énfase dada ao tratamento de superficie e a decoracdo pintada, corrugada, escovada e e pela grande variedade de formas dos vasos. Finalmente, identificou-se na Faixa Vosteira, a Tradigao Neo- Brasileira. Nesta tradigéo estariam os sitios cujas caracteristicas da ceramica apresentavam a combinagao de técnicas de manufatura e decoragao indigena com elementos de formas européias. Algumas ve- Zes esses sitios estavam associados a vestigios de porcelana, vidro, objetos de metal, etc. Esta tradig¢do esta registrada nos Estados do RS, RJ, PR, BA, principalmente nas areas das primeiras ocupagdes colo- niais. Na Bacia do Amazonas, poucos vestigios dos grupos denomi- nados pré-ceramistas foram encontrados, devido a varios fatores, entre esses, foi apontada a dificuldade na localizagao dos sitios por causa da vegeiagaéo densa e a escassez de matéria-prima litica na regiao. Além do mais, nao podemos esquecer que, o maior interesse dos pes- quisadores era pela ceramica. Em conseqléncia, pouco ficou estabe- lecide sobre a pré-histdria na regido, sendo os resultados preliminares limitados ao periodo ceramista, para o qual foram identificadas duas fases: Diaurum e Ipavu“*. No entanto, para comparar a pré-histéria da Bacia do Amazonas com a pré-histéria da Faixa Costeira, foram descri- tos os complexos ceramicos que tinham sido estudados anteriormente por Meggers e Evans na regiaéo da Amazénia. Os Estilos-Horizontes, reconhecidos por eles, foram relacionados as Tradigées Hachurada Zonada, Borda Incisa, Policroma, e a !raaicao Incisa Ponwada’*. As- sim, para 0 periodo ceramista, ficaram estabelecidas as: 44 As Tradigdes Regionais definidas neste periodo sdo as seguintes: Tradi¢do Vieira {sul do RS e adjacéncias no Uruguai); Tradigao Taguara (norte do RS e adjacéncias em Santa Ca- tarina); Tradigaéo Casa de Pedra (nordeste do RS ao centro do Parana); Tradigao ltararé (leste de Parana e Santa Catarina); Tradigao Una (Rio de Janeiro e Espirito Santo); Tra- digo Aratu (cosia e interior da Bahia e Estados de Goids, Sergipe e Alagoas); Tradigaéo Pe- riperi (litoral da Bahia). 45 Durante os trés primeiros anos do PRONAPA, a drea escolhida para pesquisas nessa re- ido foi o Alto Xingu em Mato Grosso. Esperava-se compensar a falta de informagées preci- sas dessa regiao, e, como sendo uma area relativamente acessivel a Faixa Costeira, espe- Tava-se mostrar influéncias nessa regido que nao penetraram na prépria Amaz6nia, BRO- CHADO etalli, 1969, p. 27. 46 Esses Estilos-Horizontes foratu caracterizados pela reunido de elementos distintos na de- coragaéo da ceramica, correspondendo, de modo geral, a uma seqliéncia cronolégica (MEGGERS e EVANS, 1961) in; BROCHADO et alii, 1969, p. 24. 40 Clio Arg. Recife v.1 n° 7 11-60 1991

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