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ARTIGOS Revista Augustus | Rio de Janeiro | Ano 15 | N.

30 | Agosto de 2010 | Semestral

Um escritor no Segundo Reinado: a trajetória


de Joaquim Manuel de Macedo
Rafael de Almeida Daltro Bosisio
(UFRJ)

Resumo: Joaquim Manuel de Macedo foi o primeiro escritor romântico brasileiro de


grande repercussão. Apesar de ter sido um dos maiores literatos do Segundo Reinado,
Macedo acabou esquecido no século XX, tendo, de toda a sua extensa e popular obra,
apenas o romance A Moreninha sustentado a popularidade. No intuito de compreender
como ocorreu essa perda de prestígio de Macedo, o trabalho aqui desenvolvido tem
como objetivo central a trajetória de vida do romancista e, como específico, pensar a
circulação do autor entre os mais diversos ‘espaços de sociabilidade’ da corte do Rio
de Janeiro. Para isso, o trabalho está dividido em três partes: na primeira, é descrita a
trajetória de Joaquim Manuel de Macedo utilizando alguns críticos que trabalharam
sua obra, principalmente Antônio Cândido; na segunda, faz-se uma análise do escri-
tor dentro do movimento literário romântico. E, por último, uma pequena conclusão,
não esgotando o assunto e deixando-o em aberto para investigações futuras.

Palavras-chave: Império; Literatura; Romantismo.

Abstract: Joaquim Manuel de Macedo was the first Brazilian romantic far-reaching
writer. Despite been one of the greatest writers of the Second Empire, Macedo even-
tually forgotten in the twentieth century, having all their extensive and popular work,
only the novel The Moreninha sustained popularity. In order to understand how was
this loss of prestige from Macedo, this work developed here has as its central objecti-
ve the novelist’s life trajectory, and as specific thinking the Author’s movement among
the various’ spaces sociability ‘of the court of Rio de Janeiro. For this, the work is
divided into three parts: in the first is described the life of Joaquim Manuel de Ma-
cedo using some critics who worked his work, mainly Antônio Cândido, in the latter,
it is an analysis of the writer in the romantic literary movement. And, finally, a short
conclusion, not exhausting the subject but, leaving it open for future investigations.

Keywords: Empire; Literature; Romantism.

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INTRODUÇÃO tro que, através do veículo dos impulsos ou


dos propósitos, forma e desenvolve os conte-
Joaquim Manuel de Macedo foi o primeiro údos e os interesses materiais ou individuais”
escritor romântico brasileiro de grande reper- (SIMMEL, 1983, p. 168). Esse processo
cussão. Apesar de ter sido um dos grandes resulta em formas que ganham vida própria
literatos do Segundo Reinado, Macedo acabou e são liberadas dos conteúdos, passando a
esquecido no século XX, tendo, de toda a sua existirem por si mesmas.
extensa e popular obra, apenas o romance A
Moreninha sustentado a popularidade. A segunda expressão é espaço público, e é
utilizada de acordo com as três possibilidades
A repercussão deste primeiro sucesso foi dadas por Marco Morel, isto é:
tão grande que perdura até hoje, sendo, alguns
anos depois de sua publicação, apontada pelo Cena ou esfera pública, onde interagem
romancista José de Alencar: “naqueles bons diferentes atores, e que não se confunde
tempos da mocidade, deleitava-o a literatura, com o Estado; a esfera literária e cul-
e era entusiasta do Dr. Joaquim Manoel de tural, que não é isolada do restante da
Macedo, que pouco havia publicara o seu sociedade e resulta da expressão letrada
primeiro e gentil romance – A Moreninha” ou oral de agentes históricos diversi-
(ALENCAR, 1998, p. 39). ficados; e os espaços físicos ou locais
onde se configuram estas cenas e esferas
No intuito de compreender como ocorreu (MOREL, 2005, p. 18).
essa perda de prestígio de Macedo, o trabalho
aqui desenvolvido tem como objeto central a Sem a presunçosa intenção de esgotar o
trajetória de vida do romancista e, como es- tema, o trabalho tem a intenção de contribuir
pecífico, pensar o mesmo como um autor que para a recuperação da figura de Joaquim Ma-
circulou entre os mais diversos ‘espaços de nuel de Macedo, como sendo um intelectual
sociabilidade’ da corte do Rio de Janeiro. Para que enxergou na literatura uma via de execução
isso, o trabalho está dividido em três partes. do projeto de construção da nação brasileira.
Na primeira, faço uma pequena biografia de
Joaquim Manuel de Macedo (onde está descri- O Sr. Dr. Joaquim Manuel de Macedo
ta sua trajetória de vida, englobando aspectos
pessoais e profissionais) utilizando alguns Joaquim Manuel de Macedo foi o primeiro
críticos que trabalharam sobre ele, principal- escritor romântico de grande repercussão no
mente Antônio Cândido; na segunda, faço Brasil. Entre 1844 e 1882, Macedo exerceu
uma análise do escritor dentro do movimento inúmeras atividades e atribuições: escreveu
literário romântico. E, por último, uma peque- romances (Anexo I); participou ativamente da
na conclusão. vida intelectual e política do Segundo Reina-
do; foi articulista em diversos jornais; membro
Duas expressões que permeiam o traba- do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil;
lho merecem esclarecimentos. A primeira – político. Enfim, um verdadeiro “homem de
sociabilidade – deve ser entendida, segundo letras”. Essa versatilidade possibilitou ao
Georg Simmel, como uma forma autônoma escritor uma capacidade de circulação entre
de sociação, uma forma de vida societária. diversos espaços públicos – e suas diferentes
Logo, “sociedade propriamente dita é o estar formas e práticas de sociabilidade – existentes
com um outro, para um outro, contra um ou- na corte.

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Nascido em 24 de junho de 1820, na Vila construção de uma ideia de pátria, pois sua
de São João de Itaboraí, Macedo passou a in- caracterização é ligada à questão do desloca-
fância nessa vila, vindo para o Rio de Janeiro, mento e do desenraizamento.
nos anos 30, para cursar os preparatórios para
o ingresso na Faculdade de Medicina. No de- Dentre suas múltiplas atividades, Macedo
correr de seus estudos na corte, Macedo pas- trabalhou no magistério, como membro do
sa a demonstrar grande interesse pelas letras, Conselho Diretor de Instrução Pública na
sendo atraído principalmente pelo jornalismo Corte e lente de História do Brasil, e, a partir
e pelas manifestações culturais associadas de 1858, de corografia do Imperial Colégio
ao Romantismo – gênero literário recém- Pedro II. Na imprensa, escreveu para diversos
chegado ao Brasil. Com uma nova maneira jornais e revistas, como o Jornal do Commer-
de ver o mundo e a natureza, o Romantismo cio, Minerva Brasiliense, Ostensor Brasilei-
e sua ânsia por liberdade chegam ao Brasil ro, A Reforma e Semana Ilustrada, além de,
recém-independente no mesmo momento que em 1849, ter fundado, com Gonçalves Dias,
se desejava a construção de uma identidade Gonçalves Magalhães, Fernandes Pinheiro
nacional, desta maneira uma de suas carac- e Manoel Araújo Porto-Alegre, a Revista
terísticas é logo posta em evidência – a va- Guanabara, em que publicou seu poema-
lorização da nação e de suas tradições. Neste romance A Nebulosa. Participou, também,
contexto, os escritores ambicionam a criação da vida política fluminense escrevendo no
de uma literatura autenticamente brasileira e jornal A Nação, do Partido Liberal, pelo qual
este esforço, segundo Antônio Cândido, era foi eleito em diferentes oportunidades – para
visto como “um ato de brasilidade” (CÂNDI- a Assembleia Provincial do Rio de Janeiro
DO, 2000, p. 73). em 1854 e para a Assembleia Geral Legis-
lativa, nos anos de 1864/1866, 1867/1868 e
No início de 1844, Macedo publicou seu 1878/1881.
primeiro livro – A Moreninha –, que logo se
tornou sucesso de público e crítica, e seria Em 1845, entrou para o Instituto Histórico
o grande marco de sua trajetória de escritor. e Geográfico do Brasil (IHGB) como membro
No mesmo ano, em dezembro, ele defendeu, efetivo, participando do momento fundador
com êxito, a sua tese de conclusão de curso, da historiografia brasileira (GUIMARÃES,
chamada Considerações sobre a Nostalgia. 1988, p. 5-27). Eleito por unanimidade, foi um
Durante algum tempo, Macedo atuou como dos poucos que ingressaram no instituto com
médico em sua cidade natal, clinicando prin- menos de vinte e cinco anos e, em 1848, foi
cipalmente para as camadas mais baixas da eleito 2º Secretário. Três anos depois, foi eleito
população, que passou a chamá-lo carinho- membro da Comissão de Trabalhos Históricos
samente de “Doutor Macedinho”. Sua tese e 1º Secretário, responsável pelos relatórios
trata de temas de psicologia e psiquiatria, anuais nas sessões magnas. Em 1857, foi elei-
bastante comuns durante os anos de 1840, se to orador efetivo, cargo que ocupou por quase
inserindo no momento de institucionalização vinte e cinco anos, tendo, em 1876, ocupado
acadêmica destas duas ciências no Brasil, interinamente a presidência do instituto. Ma-
que coincide com a criação da Faculdade de cedo produziu pouco como historiador; além
Medicina do Rio de Janeiro (LOPES; PO- de relatórios como 1º secretário, dos discursos
LITO, 2004, p. 115). É importante observar como orador e pareceres presentes nas revistas
que a nostalgia é um tema bastante recorrente do instituto, possui apenas duas obras históri-
na literatura romântica e traz em seu bojo a cas – Dúvidas sobre alguns pontos da História

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do Brasil e Ano Biográfico Brasileiro1, esta O romancista também atuou no espaço


destinada à Exposição Universal da Filadélfia. público do teatro, através da dramaturgia, e
como membro do Conselho do Conservatório
No entanto, também podem ser considera- Dramático do Rio de Janeiro, onde era censor.
das como obras históricas seus compêndios de Desse interesse resultaram muitas peças entre
história do Brasil2. Assunto muitas vezes de- 1849 e 1880 (Anexo II) e incentivos às com-
batido nas sessões e nas páginas da revista do panhias e sociedades teatrais, levando Sílvio
IHGB, a questão da criação de compêndios de Romero (ROMERO, 1943) a constatar que o
história do Brasil apropriados, voltados para Macedo escritor de peças superou qualitativa-
a “instrução do povo” (palavras do próprio mente o escritor de romances.
Macedo), foi constante preocupação de Mace-
do. Inspirados na História Geral do Brasil, de Macedo foi ainda membro da Sociedade
Francisco Adolfo de Varnhagen, os compên- Auxiliadora da Indústria Nacional e Comen-
dios de Macedo também estão preocupados, dador da Ordem da Rosa e de Cristo. Na
de maneira mais didática, com a construção da Academia Brasileira de Letras é o patrono da
nação, apontando as direções em que a história cadeira número 20.
do Brasil deveria ser entendida.
Doutor Macedinho foi um escritor muito
No momento em que Macedo escreve seus popular, e publicou seus romances durante
livros, a história está se institucionalizando anos no Jornal do Commercio, em forma de
como uma disciplina nova, que, além da fun- folhetim3. Essa popularidade se deu devido ao
ção de “mestra da vida”, passa a ter um caráter tom ameno e moralizante, às intrigas amorosas
mais “filosófico”. Ela se torna “um terreno e personagens sentimentais, bem ao gosto dos
privilegiado da demonstração do sentido da leitores da época. Com estas características,
existência social” (FURET, 1990, p. 121–123). Macedo adentrou nos lares em que se cultiva-
Com a busca do progresso e da civilização nos va a leitura, tornando-se um escritor querido
povos e nações, a narrativa histórica passa a se do público, chegando a ser professor das prin-
apresentar como a biografia da nação. cesas D. Isabel e D. Leopoldina, e estimado
pela família imperial.
Segundo Selma Mattos, “mais do que os
contrastes entre os sucessos nas duas ativida- Todo esse afeto, que o público dedicava a
des [de historiador e professor], o que singu- Macedo, ele retribuiu com crônicas sobre a ci-
lariza o Macedo autor das Lições é a unidade dade do Rio de Janeiro (Anexo I). Nessas, ele
que acabou por estabelecer entre as mesmas” descreveu os costumes urbanos e o ambiente
(MATTOS, 2000, p. 61). Em suma, Macedo da cidade do Rio de Janeiro no apogeu do Im-
conseguiu de modo significativo articular as pério. Como aponta Fátima Rocha, “Macedo
duas atividades, proporcionando o conheci- transita das crônicas do tempo para a tradição
mento da história “verdadeira” pela via do oral e desta, outra vez, para a fiel narração dos
ensino público. fatos” (ROCHA, 2004, p. 73), e, nesse sentido,
a autora nomeia Macedo como um cronista-
1 Esta obra contém biografias de brasileiros ilustres, que Macedo, como
orador do IHGB, já tinha escrito. Além dessas duas obras, Macedo dei-
xou incompleta Efeméride Histórica do Brasil. 3 O folhetim era um novo “fazer” literário, uma via de comunicação fácil,
ágil, informativo e crítico, no entanto não podia perder o tom de fantasia
2 São os compêndios: Lições de história do Brasil para uso dos alunos e sonho, assim não seria enfadonho para o leitor. Era escrito e publicado
do Imperial Colégio Pedro II (4º ano – 1861); Lições de história do Brasil diariamente nos jornais (o escritor escrevia exaustivamente). Funcio-
para uso dos alunos do Imperial Colégio Pedro II (7º ano – 1863); Lições nando como as novelas atuais, causando certa expectativa no público
de história do Brasil para uso das escolas de instrução primária (1865). sobre o que ocorreria no próximo capítulo (Cf. MEYER, 2007).

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em-trânsito, responsável pelo mapeamento durante dois anos de uma doença possivel-
histórico-geográfico da Corte. mente de origem mental, Joaquim Manuel de
Macedo faleceu em Itaboraí.
Essa capacidade descritiva faz Antônio
Cândido lembrar que a Macedo: Um homem em seu tempo

Cabe a glória de haver lançado a ficção Doutor Macedinho foi um escritor popu-
brasileira na senda dos estudos de costu- lar. Essa popularidade se deve ao tom ame-
mes urbanos, e o mérito de haver procu- no e moralizante, com intrigas amorosas e
rado refletir fielmente os da sua cidade. personagens sentimentais, voltados sempre
O valor documentário permanece grande, para o final-feliz com o casamento entre os
por isso mesmo, na obra que deixou. Os personagens, bem ao gosto dos leitores da
saraus, as visitas, as partidas, as conver- época. Com estas características Macedo pe-
sas; os domingos na chácara, os passeios netrou nos lares das que eram consideradas
de barca; as modas, as alusões à política; boas famílias da sociedade fluminense, onde
a técnica do namoro, de que procura ela- se cultivava a leitura, tornando-se um escritor
borar verdadeira fenomenologia; a vida querido do público. Nesses lares eram, em
comercial e o seu reflexo nas relações sua maioria, as senhoras, as donzelas, enfim,
domésticas e amorosas – eis uma série as mulheres, que liam esses romances. Logo,
de temas essenciais para compreender a as obras de Macedo circulavam no próprio
época, e que encontramos bem lançados espaço que elas descreviam, visto que o pró-
em sua obra, de que constituem talvez prio escritor ressaltava o tratamento do leitor,
o principal atrativo para o leitor de hoje referindo-se sempre a ele como sendo uma
(CÂNDIDO, 1997, p. 129). leitora, uma senhora.

Na vida amorosa, entre os anos de 1835 e Os anos de 1830 foram o ponto de partida
1850, Macedo conheceu e casou-se com Maria de uma nova fase da vida intelectual brasilei-
Catarina Sodré, que era prima-irmã do poeta ra. Houve uma dinamização e progresso de
ultra-romântico Álvares de Azevedo. Seme- todos os gêneros de produção literária, sendo
lhante aos seus heróis e suas heroínas, Macedo o ano de 1836 um marco, pois, com a publi-
enfrentou diversos obstáculos para conseguir cação de Suspiros Poéticos e Saudades, de
sua amada, vencendo a oposição do pai dela, Gonçalves Magalhães, e, principalmente, da
e concretizando o casório após dez anos de revista Niterói, Revista Brasiliense de Ciên-
namoro. Seu casamento não lhe proporcio- cias, Letras e Artes (na França), do grupo de
nou filhos. Segundo conta o biógrafo Ernesto Gonçalves Magalhães, Araújo Porto-Alegre
Sena, ao conversar com Catarina quando ela e Torres-Homem, os ideais do movimento
já estava viúva, ela lhe revelou: “Oh! Ele me romântico foram muito divulgados no Brasil.
queria muito, sinceramente. Raras vezes saía à
rua sem ser minha companhia. Fui feliz, muito Logo, em uma simbiose dos campos
feliz” (SENA, 19--, p. 65-82). Essa felicidade intelectual e político, há uma preocupação
no casamento transparece também em seus es- da elite dirigente com a construção da iden-
critos, com o tom moralizante, com o marido tidade nacional, de uma história nacional.
fiel, a esposa dedicada e o final feliz. E nesse quadro, o Romantismo, com suas
características renovadoras derivadas de ilu-
Em 11 de abril de 1882, depois de sofrer minismo oitocentista, inicia um processo de

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consolidação da autonomia nacional, tanto possíveis da maneira de ser e falar das


no que diz respeito à literatura, quanto nos pessoas que o iriam ler (CÂNDIDO,
outros campos das artes, abraçando a ideia de 1997, p. 122).
um projeto de construção de nação. Assim,
o movimento romântico encontra um campo Antônio Cândido também aponta para um
fértil para o seu crescimento, fazendo surgir aspecto importante do papel social de Mace-
no Brasil o romance como gênero, até então do, quando assinala que:
desconhecido pelo público brasileiro. As
camadas médias urbanas, em crescimento, Na obra de Macedo, aparece pela pri-
encontram no Romantismo e no romance-ro- meira vez no Brasil a figura virtualmente
mântico o veículo de expressão de um estado profissional do escritor, o homem que
de espírito repleto de sentimentos profundos, mesmo não vivendo da sua obra (que se-
consumindo esses romances, a poesia e o te- ria impossível no acanhado meio do Rio
atro. A imprensa tem um papel fundamental de Janeiro daquele tempo), se apresenta e
de divulgação do movimento, pois a maioria é avaliado como produtor regular de tex-
dos romances é publicada nos jornais, sob a tos que formam um conjunto, mediante
forma de folhetim, para o consumo de seu o qual será aplaudido ou rejeitado. O seu
público. papel social, sob este aspecto, foi decisi-
vo (CÂNDIDO, 1999, p. 45).
Nesse contexto, Joaquim Manuel de
Macedo surge como um autor de transição, O impacto de sua obra foi sentido tanto
que ajuda a consolidar o Romantismo no na sociedade que ele representava em seus
Brasil, com o seu “romance de costumes, de romances, quanto nos escritores românticos
um realismo misturado ao destempero me- que vieram após sua primeira publicação.
lodramático, ou atenuado pelo bom humor Assim, Macedo foi um escritor que, apesar
mediano”, como diz Antônio Cândido (CÂN- de ter sofrido duras críticas durante o século
DIDO, 1999, p. 45). Ou de uma maneira mais XX, chegou até o XXI, para o grande público,
didática, é possível referir Macedo como como o autor de um romance – A Moreninha.
pertencente à primeira geração de român- Já no campo de pesquisa, seus romances che-
ticos (JOZEF, 1971, p. 7), pois é certo que garam como belos exemplares de romances
seu romance de estreia, A Moreninha, além de costumes, nos quais aparece descrito o
de ter obtido sucesso de público, consolidou universo social da corte fluminense.
o gênero romance no Brasil, dando forma e
consistência a ele. A importância que Ma- O teatro de Macedo é tipicamente român-
cedo teve no desenvolvimento desse gênero tico, já que recorreu à apresentação didática
pode ser sentida pela seguinte observação de de uma ética pública e serviu como instru-
Antônio Cândido: mento de comunicação que ajudou a preparar
o público para aceitar e apreciar o romance.
O pequeno valor literário da sua obra é Suas peças alternavam-se entre dramas e co-
principalmente social, pelo fato de ele se médias e possuem um forte tom moralizante,
ter esforçado em transpor a um gênero pois, para Macedo, deveria se atribuir um fim
novo entre nós os tipos, as cenas, a vida educativo ao teatro.
de uma sociedade em fase de estabiliza-
ção, lançando mão de estilo, construção, No teatro de Macedo há a permanência de
recursos narrativos os mais próximos determinadas práticas do teatro do Primeiro

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Reinado. Levando em consideração Marco A palavra romance, utilizada no trabalho,


Morel, quando aponta que o teatro brasileiro diz respeito ao termo romance-romântico,
do século XIX (principalmente o da primeira que possui uma função específica naquela
metade) é um espaço público híbrido4, onde sociedade, diferente da que ele ocupa hoje. O
coexistem práticas do Antigo Regime com romance-romântico era uma forma de entre-
práticas modernas e suas rupturas e continui- tenimento familiar, ocupando quase a mesma
dades, algumas peças de Macedo possuem função que a telenovela tem atualmente. As-
forte caráter panfletário a favor do Partido sim, o romance adentrava o espaço da casa e,
Liberal, do qual Macedo era membro. consequentemente, o espaço feminino, pois
a casa era o espaço da mulher (Cf. MATOS,
Peças como Amor à Pátria e Torre em 2000, p. 13). Os romancistas conseguiam,
Concurso, contavam com a reação do público além de atender à demanda desse público es-
para verificar a adesão pública ou não a de- pecífico6, retratar esse espaço fielmente, com
terminado gabinete (também a determinadas suas práticas e formas sociais, daí a existência
posições do próprio monarca), funcionando de uma forte relação entre os romancistas e o
como uma espécie de opinião pública. Assim, público feminino.
o teatro não era utilizado apenas como um
espaço de celebração e entretenimento, mas O romance-romântico também possuía um
também como um espaço de conflito político, caráter de moralidade e civilidade, que esta-
social e, até mesmo, racial, confirmando a vam dentro do projeto civilizatório das elites
permanência de traços do ambiente teatral do políticas do Segundo Reinado. Esse caráter
Primeiro Reinado5. moralizante é apontado por José Veríssimo,
no trecho em que se refere aos romances de
Macedo ambienta sua obra, em grande Macedo: “São romances morais, de família;
parte, no espaço doméstico: retrata as formas leitura para senhoras e senhoritas de uma
e práticas de sociabilidade dos salões flumi- sociedade que deles próprios se verifica ino-
nenses (que tinham em sua composição uma cente, pelo menos sem malícia, e que, salvo os
camada social rica e afrancesada), apresenta retoques romanescos, essas novelas parecem
personagens ligados à corte e descreve mi- que retratam fielmente” (VERÍSSIMO, 1981,
nuciosamente todo o luxo e ostentação que p. 237-241).
permeava essa sociedade. Talvez nesse ponto
resida o valor e a importância de Macedo, Já o romance como possuidor de um ca-
pois, através de um retrato fiel da ordem so- ráter de civilidade pressupõe que este estava
cial do Segundo Reinado, colaborava para sua entrelaçado a um projeto de construção da
conservação e, até mesmo, expansão. nação, logo, o romance seria um instrumento
que estaria presente tanto na construção da
nação, quanto na da civilidade dentro da so-
4 “O teatro começa assim a tornar-se não apenas um lugar de aclama-
ção, mas de diálogo, conflito e consenso. Ou seja, um espaço híbrido, ciedade imperial. É nesse sentido que Antônio
em vários sentidos: entre a rua e os recintos fechados, entre as noções
de soberania monárquica e soberania popular, entre o oficial e o contes-
Cândido observa:
tatório”. MOREL, 2005, p. 235).

5 A falta de lugares determinados para reuniões abertas na cidade impe- E como além de recurso estético foi um
rial do Rio de Janeiro, ao longo do processo de Independência e conso-
lidação da nação, acabou transformando a sala do Teatro num espaço
projeto nacionalista, fez do romance ver-
de manifestação política. Ou seja, num lugar de sociabilidade criador
de mais um entre os diferentes níveis de espaços públicos [...] a sala
de espetáculos foi se tornando um canal da expressão de diferentes 6 O público feminino (assim como o público romântico) ansiava por ex-
vontades coletivas [...] o público tornava-se ator político, sujeito histórico pressar um estado de espírito que estava impregnado de sentimentos
(Cf. MOREL, 2005, p. 233). que se encontravam sufocados pelas restrições sociais impostas.

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dadeira forma de pesquisa e descoberta Ademais, seus escritos possuem um caráter


do país. A nossa elite cultural intelectual didático que visava formar uma nova mentali-
encontrou nisto um elemento dinamiza- dade ética para a burguesia emergente do Se-
dor de primeira ordem, que contribuiu gundo Reinado – já que esta era desprovida de
para fixar uma consciência mais viva da uma bagagem moral adequada –, e destacava
literatura como estilização de determina- o seu papel na tarefa de construção da nacio-
das condições sociais. O ideal romântico- nalidade, ou seja, na tarefa de forjar a nação.
nacionalista de criar uma expressão nova Assim, Fátima Rocha diz que “os folhetins de
de um país novo encontra no romance a Macedo dão exemplo da passagem, nas figu-
linguagem mais eficiente (CÂNDIDO, rações do país e da Corte, de um paisagismo
1997, p. 99-100). naturalístico para um paisagismo histórico”
(ROCHA, 2004, p. 73).
CONCLUSÃO
Conclui-se que a obra de Macedo é mar-
Joaquim Manuel de Macedo foi um dos cada pelos diversos espaços sociais que eram
escritores mais lidos de seu tempo, entre- frequentados pelo próprio escritor. Em primeiro
tanto, chegou aos séculos XX e XXI como lugar, nos romances e crônicas, existe uma des-
autor de um único romance – A Moreninha. crição cuidadosa do ambiente das camadas mais
Autor fecundo, Macedo teve diversas ati- abastadas da sociedade fluminense e de suas
vidades, destacando-se nas de escritor e diferentes práticas e formas de sociabilidade.
professor. Em segundo lugar, Macedo consegue atender
as normas de escrita exigidas de cada espaço
Sua obra está no bojo tanto da construção, que frequentava, escrevendo, de acordo com a
como da divulgação do projeto civilizatório exigência de cada tipo especifico de público.
das elites políticas do Segundo Reinado. Es-
tas acreditavam que deveriam construir uma Assim, Macedo conseguiu circular entre
nação baseada no ideal civilizatório da corte diferentes espaços sociais, respeitando e se-
francesa de Napoleão III, ou, nas palavras guindo as mais variadas formas de sociabilida-
do historiador Marques dos Santos, uma de que cada espaço exigia. Vivia o seu tempo
Europa possível (SANTOS, 2007). Assim, intensamente com ativa participação na vida
uma das questões deste momento era como política e intelectual, buscando sempre o ideal
implementar este projeto que tinha como romântico de construir uma nação que fosse
principal objetivo inserir a nação brasileira uma civilização nos trópicos.
no rol dos países civilizados.

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Revista Augustus | Rio de Janeiro | Ano 15 | N. 30 | Agosto de 2010 | Semestral ARTIGOS

Rafael de Almeida Daltro Bosisio

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VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. 4ª ed. Brasília: Universidade de Brasília,


1981.

ANEXOI
Romances de Joaquim Manuel de Macedo
Ano Romance
1844 A Moreninha
1845 O moço loiro
1848 Os dois amores
1849 Rosa
1853 Vicentina

A carteira do meu tio


1855
O forasteiro

1861 Os romances da semana


1862 Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro (crônicas)
1865 O culto do dever
1868 Memórias do sobrinho do meu tio
Luneta mágica
O rio do Quarto
1869
Nina
Vítimas-Algozes
1870 A namoradeira

As mulheres de mantilha
1871
Um noivo à duas noivas

Os quatro pontos cardeais


1872
A misteriosa

1876 A baronesa de Amor


1878 Memórias da Rua do Ouvidor (crônicas)

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ARTIGOS Revista Augustus | Rio de Janeiro | Ano 15 | N. 30 | Agosto de 2010 | Semestral

Um escritor no Segundo Reinado: a trajetória de Joaquim Manuel de Macedo

A N E X O II
Peças de Teatro de Joaquim Manuel de Macedo

Ano Peça
O cego (drama). Niterói: Tipografia Fluminense de Lopes e Cia, 1849. Representada a primeira vez
1849
no teatro São Januário, do Rio de Janeiro, em 24/01/1849.

1854 Cobé (drama). RJ: s/d. Representado em 1859.

O fantasma branco (comédia). RJ: Tipografia Dous de Dezembro, 1856. Representada a primeira
1856
vez no teatro São Pedro, do Rio de Janeiro, em 22/06/1851.

O primo Califórnia (comédia). RJ: Tipografia Dous de Dezembro – F. de Paula Brito, 1858. Repre-
1858
sentada a primeira vez no teatro Ginásio Dramático, do Rio de Janeiro, em 12/04/1855.

1859 O sacrifício de Isaac (drama). Publicado no Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 22/04/1859.

Luxo e vaidade (comédia). RJ: Tipografia Dous de Dezembro – F. de Paula Brito, 1860. Represen-
tada a primeira vez no teatro Ginástico, do Rio de Janeiro, em 23/09/1860.
1860
Amor e pátria (drama). Publicado n’A Marmota, a partir de 15/06/1860. Representada a primeira
vez no teatro São Pedro, do Rio de Janeiro, em 07/09/1859.

Lusbela (drama). Paris: Typ. de Simon Rançon & Cia, 1863. Representada a primeira vez no teatro
Ginásio, do Rio de Janeiro, em 23/09/1862.
O novo Otelo (comédia). RJ: Editora Garnier, 1863.
1863
A torre em concurso (comédia). RJ: Editora Garnier, 1863. Representada a primeira vez no teatro
Ginásio, do Rio de Janeiro, em 07/09/1861.
Teatro do doutor Macedo. RJ: Garnier, 1863. 3 v (coletânea das peças de teatro).

Remissão dos pecados (comédia). Tip. Perseverança, 1870. Representada a primeira vez no tea-
tro São Luís, do Rio de Janeiro, em 05/05/1870.
1870
Romance de uma velha (comédia). RJ: Livraria Cruz Coutinho, s/d (1870). Representada a primei-
ra vez no teatro Fênix Dramática, do Rio de Janeiro, em 13/01/1870.

Cincinato quebra-louça (comédia). Paris: Typ. de Georges Chamerot, 1873. Representada a pri-
1873
meira vez no teatro São Luís, do Rio de Janeiro, em 09/02/1871.

1877 Vingança por vingança (drama). RJ: 1877.

1880 Antonica da Silva (comédia). Tipografia da Escola de Serafim J. Alves, 1880.

1885 O macaco da vizinha (comédia). RJ: Livraria Cruz Coutinho, 1885. (póstuma).

1995 Uma pupila rica. RJ: MinC/Fundação Biblioteca Nacional/ Prefeitura de Itaboraí, 1995. (póstuma).

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