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A Banca em Moçambique

Ontem, hoje e amanhã

"... a banca moçambicana


exibe hoje uma dinâmica
própria de um modelo de
intermediação privada,
caracterizado pela realização
concomitante da actividade de
intermediação financeira pura
e de prestação de serviços e
Ernesto Gouveia Gove

criação de facilidades para os


clientes..."
Ernesto Gouveia Gove*

Contextualização económicos tivessem uma dinâmica assente na lógica de


A estrutura e dinâmica actuais da economia moçam- funcionamento do mercado. A regulamentação do Investi-
bicana e, em particular, do sector bancário têm a sua mento Directo Estrangeiro (IDE)2 e a privatização da pro-
origem no contexto das reformas económica e social1 priedade estatal aceleraram3 o processo de reestruturação
introduzidas em 1987, tendo-se iniciado a partir desta do tecido económico e empresarial no período inicial da
altura um conjunto de transformações com importantes implementação das reformas.
impactos na economia do país ao nível de todos os secto- No que concerne à evolução do sector bancário, cons-
res. O sistema financeiro no seu todo passou por altera- titui marco fundamental a separação institucional das
ções desde então, sendo de destacar as transformações funções comercial e de banco central que vinham sendo
ocorridas nos domínios jurídico-legal e institucional, nas assumidas pelo Banco de Moçambique (BM), com a apro-
duas últimas décadas, altura em que paralelamente foram vação da Lei n.º 1/92, de 03 de Janeiro4. Por seu turno, a
implementadas medidas estruturantes da reforma do sis- aprovação da Lei n.º 28/91, de 31 de Dezembro (que es-
tema financeiro. tabeleceu o primeiro quadro normativo em que se regeu
A revisão da Constituição da República em 1990 criou a constituição e funcionamento das instituições de crédito
as bases no país para que fosse adoptada uma nova pers- em Moçambique), abriu espaço para o surgimento de mais
pectiva de economia, permitindo que os diversos sectores instituições de crédito. Foi nesse quadro que, através do

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Decreto n.º 3/92, de 25 de Feverei- Comité de Coordenação do SNP –
ro, foi criado o Banco Comercial de CCSNP) atribui competências ao
Moçambique, S.A.R.L. (BCM), a que Banco de Moçambique para o exer-
se seguiu o surgimento e desenvolvi- cício da função fiscalizadora. Para a
mento de outras instituições de cré- sua implementação, foi aprovada em
dito e sociedades financeiras. 2011 a Estratégia de Fiscalização do
No contexto das mesmas refor- Sistema Nacional de Pagamentos,
mas, foram aprovados vários outros baseada nos princípios definidos pelo
diplomas legais que consubstancia- Bank for International Settlements
ram a orientação para uma economia para a fiscalização de sistemas de pa-
de mercado, com impactos no sec- gamentos e de liquidação de títulos6.
tor real da economia onde se notou, Como corolário, a banca moçam-
igualmente, um crescimento da acti- bicana exibe hoje uma dinâmica pró-
vidade económica. pria de um modelo de intermediação
A assinatura do Acordo Geral de privada, caracterizado pela realização
Paz em 1992 e o clima de paz e esta- concomitante da actividade de inter-
bilidade socioeconómica que se lhe mediação financeira pura e de presta-
seguiu impulsionaram, igualmente, o ção de serviços e criação de facilida-
crescimento da actividade bancária e des para os clientes, nomeadamente
o surgimento de novas instituições através do provimento de serviços de
de crédito e sociedades financeiras pagamento electrónicos, bem como
num contexto de fusões e aquisi- de outras inovações nos produtos e
ções, destacando-se a entrada de ca- serviços baseados nas tecnologias de
pitais estrangeiros no sector, crian- informação e comunicação, no domí-
do-se, desse modo, as bases para o nio da banca universal.
incremento do número de concor-
rentes, bem como para a introdução
de novas formas de concorrência no
mercado. "... a banca moçambicana tem-se
As alterações que caracterizaram
o ambiente no qual a banca evolui,
mostrado resiliente aos choques
particularmente as que visaram ac-
tualizar o regime jurídico das institui-
externos e internos, exibindo um nível
ções de crédito5, permitiram o apro- satisfatório de indicadores como a
fundamento e consolidação do sector
bancário ao (i) alargar a tipologia de solvabilidade e de crédito malparado,
instituições financeiras e (ii) ampliar
o leque de actividades permitidas bem como um nível de gestão global
aos bancos – abrindo espaço para o
surgimento de bancos universais no satisfatório, acompanhado pela
sector.
No que diz respeito ao Sistema
modernização e melhoria da eficiência
Nacional de Pagamentos (SNP), a
Lei n.º 2/2008, de 27 de Feverei-
no domínio dos pagamentos
ro (que estabelece o SNP e cria o electrónicos."
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"O país encontra-se num estágio de crescimento
económico e social que exige de todos os actores,
incluindo a banca, proactividade e modernização."

Evolução da Banca Moçambicana dência de evolução dos principais indicadores de rendibili-


O sector financeiro é actualmente composto por duas dade e qualidade de activos do sector bancário.
categorias de instituições, designadamente instituições de Na sua actuação, enquanto autoridade reguladora e de
crédito (IC) e sociedades financeiras (SF), estando a pri- supervisão, o Banco de Moçambique segue de perto os
meira sujeita à supervisão prudencial e a segunda à mo- princípios e boas práticas internacionais, nomeadamente
nitoria do Banco de Moçambique. O BM é igualmente a os core principles7 do comité de Basileia. De igual modo,
autoridade de regulamentação e supervisão da Bolsa de o acompanhamento da solidez e solvabilidade dos bancos
Valores de Moçambique (BVM). A actividade seguradora assenta na aplicação de normas prudenciais consistentes
é fiscalizada pelo Instituto de Supervisão de Seguros de com as medidas que visam assegurar a convergência inter-
Moçambique (ISSM). nacional dos padrões de mensuração de capitais (acordos
Até finais de 2012, encontravam-se em actividade no de Basileia8) preconizadas por este organismo internacio-
país 18 bancos (com um total de 505 agências), contra nal, estando actualmente fixado como valor de referência
somente três bancos comerciais em 1991, sete coopera- para os fundos próprios regulamentares um mínimo de
tivas de crédito (com igual número de agências), sete mi-
crobancos (com 14 agências) e uma instituição de moeda
Gráfico 1 – Evolução do PIB e Inflação
electrónica. No segmento das microfinanças, encontram-
-se registadas 11 organizações de poupança e emprésti- 0,18
mo, 202 operadores de microcrédito e uma instituição de 0,16
moeda electrónica. 0,14
0,12
Em termos de estrutura de capital, a maior parte dos
0,10
bancos é detida por investidores estrangeiros, principal- 0,08
mente os grandes bancos. Em Dezembro de 2012, os ca- 0,06
pitais estrangeiros nos bancos representavam 71,11 por 0,04
cento dos capitais totais do sector bancário, sendo o re- 0,02
manescente proveniente de investidores nacionais. 0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ao longo do período considerado, na conjuntura ma-
PIB real (%) Inflação (média anual)
croeconómica verificou-se a consolidação das melhorias
que se vinham registando, consubstanciadas na estabilidade
relativa dos preços e taxas de crescimento do PIB próxi- Gráfico 2 – Taxas de Crescimento de Depósitos e de Créditos
mas de dois dígitos. Outrossim, as melhorias no ambiente 0,8
macroeconómico e regulatório têm servido de estímulo ao
0,7
crescimento, diversificação e modernização do sector fi-
nanceiro, o que concorre não só para o aumento do núme- 0,6
ro e tipo de instituições, mas também para a expansão da 0,5
oferta monetária e creditícia à economia, bem assim a cap-
0,4
tação de poupanças, conforme ilustram os gráficos 1 e 2.
O sector bancário vem registando níveis de crescimento 0,3
do activo total e de rendibilidade notáveis, principalmente 0,2
como reflexo do incremento da carteira de crédito e ga-
0,1
nhos de eficiência no processo de intermediação financei-
ra, associada à concentração bancária resultante do au- 0
mento das quotas de mercado dos maiores bancos. Outra
Dez-04
Jun-05
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variável associada ao crescimento dos indicadores bancá-


rios é a crescente inovação nos serviços bancários com Taxa de variação homóloga dos depósitos totais
impactos positivos na redução de custos e consequente Taxa de variação homóloga do crédito total
aumento da rendibilidade. Os gráficos 3 e 4 ilustram a ten-

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8%. Ao longo da sua evolução, o sector bancário moçam- Dada a acção de regulamentação, supervisão e fiscaliza-
bicano tem vindo a revelar uma robustez e solvabilidade ção, a banca moçambicana tem-se mostrado resiliente aos
adequadas, observando níveis acima dos recomendados choques externos e internos, exibindo um nível satisfató-
pelo Comité de Basileia, conforme ilustrado no gráfico 5. rio de indicadores como a solvabilidade e de crédito mal-
O desempenho alcançado pelo sector bancário vem parado, bem como um nível de gestão global satisfatório,
sendo assegurado pela contínua adequação das actividades acompanhado pela modernização e melhoria da eficiência
dos bancos comerciais às boas práticas, num processo que no domínio dos pagamentos electrónicos.
envolve uma actuação proactiva do supervisor, destacan- Nota-se um alinhamento das estratégias de crescimen-
do-se, a título ilustrativo, as exigências impostas no que se to da banca com os objectivos das autoridades no que
refere à preparação das contas em obediência às Normas concerne à expansão e ampliação da capacidade da rede
Internacionais de Relato Financeiro (NIRF) adoptadas em bancária, provimento de produtos e de serviços financei-
2007. De igual modo, a regulamentação prudencial em ros à escala nacional, investimento no capital humano para
que se baseia a actuação do BM, visando assegurar que a minimizar os custos operacionais, na promoção da pou-
banca seja forte, sã, competitiva e abrangente, compreen- pança e no provimento de recursos à economia para o
de, entre outros domínios, o acompanhamento contínuo crescimento do tecido empresarial no país.
do risco de liquidez, risco de taxa de câmbio, risco de taxa Pretende-se, ao nível do sector financeiro um desen-
de juros e outros riscos materialmente relevantes. volvimento inclusivo, tendo em vista atingir todas as cama-
das sociais, incluindo as populações que vivem nas zonas
Gráfico 3 – Crédito Vencido em Percentagem do Crédito Total mais recônditas do país, tirando-se vantagens das inova-
ções das tecnologias de comunicação e informação, desig-
0,16
nadamente através da utilização de instituições de moeda
0,14 electrónica.
0,12
Gráfico 5 – Rácio de Solvabilidade e Tier I
0,10
0,25
0,08

0,2
0,06

0,04 0,15

0,02
0,1
0
Dez-03

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0,05

Crédito vencido em percentagem do credito total


0
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Gráfico 4 – Rendibilidade do Capital e do Activo


Rácio de solvabilidade Rácio de solvabilidade – Tier I
0,9 0,06
Mínimo regulamentar
0,8
0,05
0,7

0,6 0,04
"Não conhecendo fronteiras, o
0,5

0,4
0,03
conhecimento deve ser usado
0,3

0,2
0,02
também como um instrumento
0,1
0,01
de cooperação, particularmente
0 0
entre os nossos países, que
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Jun-07

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partilham um património comum,


ROE (escala a esquerda) ROA (escala a direita)
linguístico e histórico."
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"Entendemos, pois, que
Citando...
efectivamente relevante neste proces-
so, exige-se, nomeadamente:
deveríamos deixar constar • Um nível de capitalização ade-
quado;
neste artigo a necessidade • Qualidade e relevância dos ser-
 Pouco mais é necessário
de intercâmbio no viços a serem prestados;
• Aposta na formação dos cola- para levar um Estado do
domínio da formação boradores. mais ínfimo barbarismo
É neste aspecto do treinamento ao mais elevado grau de
entre o Instituto de dos trabalhadores que releva o papel opulência do que paz,
Formação Bancária de das instituições de formação especia-
lizadas como são os institutos de for-
impostos leves e uma
Portugal e o Instituto de mação bancária. Em Moçambique, o razoável administração da
Banco de Moçambique, atento à dinâ- justiça.
Formação Bancária de mica de produtos e serviços financei- Adam Smith
Moçambique." ros novos que surgem no mercado,
tem vindo a estimular e apoiar o fun-  O pessimista queixa-se do
cionamento do Instituto de Formação vento; o optimista espera
Desafios Bancária de Moçambique (IFBM), fa-
que ele mude; o realista
O país encontra-se num estágio de zendo com que este seja propriedade
crescimento económico e social que da própria banca comercial, gerido ajusta as velas.
exige de todos os actores, incluindo pelos gestores da banca comercial, William George Ward
a banca, proactividade e moderniza- por serem eles os melhores conhe-
ção. Esta exigência decorre do facto cedores das necessidades do sector.  Abençoados os flexíveis,
de que, para além da necessidade Entendemos, pois, que deveríamos pois não terão de se
de servir os sectores tradicionais da deixar constar neste artigo a neces- dobrar até perder a
economia nacional, há uma grande sidade de intercâmbio no domínio da
postura.
responsabilidade de esta se constituir formação entre o Instituto de Forma-
Michael McGriffy
como alavanca importante no desen- ção Bancária de Portugal e o IFBM.
volvimento da actividade das grandes Não conhecendo fronteiras, o co-
empresas envolvidas na exploração nhecimento deve ser usado também  A qualidade é a
mineira, florestal e de hidrocarbone- como um instrumento de coopera- quantidade de amanhã.
tos, uma vez que, sendo empresas de ção, particularmente entre os nossos Henri Bergson
grande dimensão, podem facilmente países, que partilham um património
recorrer ao mercado internacional comum, linguístico e histórico. Essa  Para tornar o pensamento
de capitais. Todavia, esta opção faz cooperação deverá permitir a obten- produtivo, temos de
com que o país se exclua das vanta- ção de ganhos recíprocos. 
Março de 2013 aprender a ver tanto a
gens económicas que poderia obter
se as actividades destas empresas *Governador do Banco de Moçambique
floresta como a árvore.
se apoiassem na banca nacional ou Peter F. Drucker
PRE – Programa de Reabilitação Económica
se esta servisse de intermediária na 1.
(1987) e PRES – Programa de Reabilitação Eco-
mobilização de recursos nesses mer- nómica e Social, a partir de 1989.  Faço a paz, sustento a
cados. 2. Lei n° 3/93, de 24 de Julho, e Decreto n° 14/93, guerra,/Agrado a doutos
de 21 de Julho.
Por outro lado, a actividade das 3. Lei nº 15/91, de 3 de Agosto. e a rudes,/Gero vícios e
grandes empresas abriu espaço para Lei orgânica do Banco de Moçambique.
4.
virtudes,/Torço as leis,
o surgimento de Pequenas e Médias 5. Lei n° 15/99, de 1 de Novembro – Regime geral
Empresas (PME) que fornecem toda a das ICSF e Lei n° 9/2004, de 21 de Julho, que domino a Terra.
introduziu alterações à Lei n° 15/99, de 1 de
logística para o funcionamento da ac- Manuel Bocage
Novembro, e Aviso n° 4/GBM/2005, de 20 de
tividade principal daquelas. Estas PME Maio, que fixa os capitais mínimos para as ICSF.
necessitam de financiamento para o 6. Core Principles for Systemically Important Payment
Systems – CPSIPS (2001) e Recommendations for
 Melhora o presente que
seu nascimento e desenvolvimento, Securities Settlement Systems – RSSS (2001). o futuro melhora-se
daí que se torne ingente a missão da 7. Core Principles for Effective Banking Supervision.
sozinho.
Acordo de capital de 1988; está em curso,
banca em Moçambique neste ciclo 8.
desde Janeiro do presente ano, o paralell run Provérbio chinês
económico. Para que a banca se torne do Basileia 2, devendo entrar em produção no
próximo ano.

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