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RESUMO
A cidade de Ubá, pólo moveleiro da Zona da Mata Mineira, teve sua fundação e desenvolvimento
atrelados à industrialização e à ferrovia. Assim, sua história e morfologia urbana são marcadas por
uma certa linearidade e tecnicismo que remontam à presença de um complexo de edificações
ferroviárias que poderiam, facilmente, ser identificados, estudados e preservados como Patrimônio
Industrial. O assunto é atual e sua discussão plenamente necessária, especialmente nas regiões
brasileiras, como esta, que tiveram a sua ocupação efetiva datada no século XIX, diferenciando-se do
foco inicial das discussões patrimoniais no Brasil. De fato, a Estação, Armazém e edifícios anexos
são tombados pelo Conselho Municipal de Ubá. No entanto, não bastou isso para garantir a
preservação, muito menos a apropriação da área pela comunidade. Pelo contrário. A falta de ações
efetivas de preservação propiciou a degradação da área, que se apresenta como o centro mais antigo
da cidade, afastando, assim, boa parte da população e diminuindo o seu uso como espaço cultural,
proposta apresentada pela Prefeitura Municipal. Mais do que isso, o entorno imediato do complexo,
representado pelas calçadas dos edifícios e pelo antigo leito da ferrovia, são claramente evitados
pelas pessoas que transitam pelo centro, devido à ocupação da região por moradores de rua. Por
outro lado, a cidade de Ubá apresenta uma situação interessante em relação às expressões
artísticas, como teatro, dança, artesanato, fotografia e formas mais livres de ocupação artística,
representadas pela existência de grupos organizados que, no entanto, sofrem com a carência de
espaços públicos onde possam se reunir e se apresentar. Outros equipamentos de cultura existem,
como a biblioteca municipal, que funciona próximo à estação ferroviária. No entanto, é notório que,
quando existem, apresentam-se sempre em estado precário e ineficaz de utilização. Este artigo visa
apresentar o estudo de caso da área do Antigo Complexo Ferroviário de Ubá e seu abandono,
discutindo-o dentro da temática da Preservação da Arquitetura Industrial e Ferroviária no Brasil,
especificamente na Zona da Mata Mineira e o seu potencial enquanto equipamento público e de
cultura. As pesquisas que fundamentaram este artigo foram realizadas em 2014 para embasar as
propostas de intervenção da área desenvolvidas no Trabalho Final de Graduação da arquiteta
Amanda Teixeira Costa, sob orientação da professora Milena Andreola no âmbito do Curso de
Arquitetura e Urbanismo do CES/JF, em Juiz de Fora- MG. A proposta, ainda que acadêmica,
mostrou-se tão adequada à revitalização da área em escala e realidade, e como possibilidade de
ressignificar o lugar para a população e reconecta-lo com o restante da cidade, que a sua discussão
não tem a intenção de se fechar, mantendo-se viva a vontade de leva-la adiante para que possa
contribuir e receber contribuições em um contexto maior.
Introdução
Assim, em grande parte das cidades brasileiras que tiveram seu desenvolvimento
atrelado à industrialização e à ferrovia, onde antes havia vivacidade pela circulação de
pessoas e capital, hoje vemos uma situação de subutilização e abandono.
A reabilitação desses complexos pode gerar uma grande transformação nas cidades
quando requalifica o entorno e o revaloriza, não apenas a memória do lugar e dos
elementos que construíram a sua história, atraindo novamente o fluxo de pessoas e
atividades e reintegrando-se novamente à dinâmica da cidade. Sua utilização pública é
bastante recomendável, principalmente se isso significar a melhoria do potencial cultural e
turístico da região.
Figura 1: A estação de Ubá lotada de populares para o embarque do Nubcio Apostólico Dom
Henrique Gasparri em 1922 (Fonte: Fon-Fon, 19/8/1922 em
http://www.estacoesferroviarias.com.br/efl_mg_tresrios_caratinga/uba.htm).
Figura 2: A relação entre o complexo ferroviário e a cidade de Ubá, s/d. (Autor desconhecido,
acervo Jorge Alves Ferreira, visualizado em
http://www.estacoesferroviarias.com.br/efl_mg_tresrios_caratinga/uba.htm em 04/11/2015.)
No que concerne à Ubá, a região central marcada pelo entorno da linha férrea conta
e história e influência da estação na cidade, assim como as referências trazidas para a sua
arquitetura. A Praça Guido Marliére – espaço público que se localiza na frente do Complexo
Ferroviário - era utilizada pela população local como extensão da Estação Ferroviária, e
ambos equipamentos urbanos viviam dias agitados e eram palco de muitos acontecimentos.
Esta dinâmica é bastante comum nas cidades que tiveram estações implantadas na região
central. A simples presença dos caixeiros viajantes, buscando e trazendo mercadorias, da
chegada dos familiares de regiões distantes, da possibilidade de ir e vir, já movimentavam a
área e atraiam a população para o seu redor.
No entanto, ao observar a relação que a cidade (não) tem com o Conjunto, podemos
ver que, apesar do tombamento, a preservação do patrimônio não se deu de fato,
acontecendo apenas a um nível jurídico, como um mero reconhecimento como monumento
histórico. Há que salientar que os edifícios não foram descaracterizados, o que é um ponto
positivo. Mas a apropriação da população em relação a eles, tão discutida e desejada
atualmente no meio da preservação do patrimônio cultural, ainda não é uma realidade, como
será comprovado no próximo item.
Por serem dinâmicas, as cidades se adaptam aos modos de vida das sociedades,
suas formas de pensar e agir, novas tecnologias, novos usos e utilizações. Tudo assim
inserido em um tecido urbano remanescente da própria história da sua formação, dentro de
um constante desenvolvimento. As relações podem se alterar, mas, como nos afirma Aldo
Rossi, ela
Esses vazios formados no tecido urbano e a falta de uso dos edifícios tombados
contribuíram para um aumento na insegurança na área e intensificaram a percepção
negativa dos espaços, originalmente repletos de vitalidade. Tanto Jane Jacobs (2009)
quanto Kevin Lynch (1997), apontam a segurança como um fator que contribui
demasiadamente para a qualidade dos espaços urbanos em relação à sua apropriação. A
contribuição de Jacobs à discussão relaciona-se diretamente à presença destes vazios
urbanos e ao uso das calçadas pelos pedestres, como podemos ver nos trechos destacados
a seguir:
Figura 2: A Estação Ferroviária de Ubá e a relação com o seu entorno imediato, em 2014. (Fonte:
Arquivo pessoal)
Figura 5 - Praça Guido Marliére com a Estação Ferroviária ao fundo. Percebe-se a topografia
acentuada próxima ao complexo. (Fonte: Arquivo pessoal)
Para Lefebvre,
Figura 6 – Implantação do Conjunto Arquitetônico da Estação de Ubá e sua relação com o entorno e
suas edificações históricas. (Fonte: Arquivo pessoal)
A Estação Ferroviária hoje abriga um centro cultural que possui pouco incentivo
político e vive da ajuda de coletivos e de pessoas que trabalham em prol da cultura da
cidade. Sua ocupação não acontece de fato e o Centro Cultural encontra-se constantemente
Como foi visto acima, a obra de revitalização da Praça Guido Marliére foi concluída,
mas os seus objetivos não se concretizaram. Os calçamentos novos e chafarizes não
trouxeram para a região o conforto e a segurança esperados, fazendo com que a
intervenção tivesse um apelo puramente estético. A praça continua abrigando eventos como
shows, cultos e carnavais, mas fora esses eventuais usos, é um local subutilizado e
ignorado pela maioria dos moradores da cidade.
Para Lerner (2013), não se deve desperdiçar o que já está construído e que pode
abranger várias funções. O autor defende que “as ruas são cenários prontos, caros demais
para servir a apenas uma função, por isso podem e devem ter uso múltiplo e escalonado no
tempo, o que não conseguimos perceber em centros em estado de abandono.” O autor
reforça que a cidade é uma estrutura de vida e trabalho juntos. A cidade é uma integração
de funções. Quanto mais você mesclar usos, quanto mais misturar a renda, a idade, mais
humana e democrática a cidade ficará.
Além destes problemas urbanos gerados pelo contexto da área, a subutilização dos
edifícios do complexo ferroviário faz com essa arquitetura se perca, fisicamente e
historicamente. A inserção de um objeto arquitetônico com valor cultural é um importante
integrador da sociedade e desfavorece a gentrificação, que muito acontece em reformas
urbanas ou na valorização de alguma área onde existe aumento do interesse imobiliário, a
tendência é selecionar quem fica e quem sai dessa nova centralidade. A implantação de
Apesar da cidade não contar com locais que abriguem os tipos de arte presentes na
cidade, existem muitas manifestações artísticas; arte de rua, música, teatro, poesia,
fotografia, dança. Por falta de incentivo público e privado a cultura na cidade é tímida, mas
muito rica, e faltam espaços para abrigar tanto a produção quanto o produto final. O
interesse político é escasso e pouco se sabe sobre os artistas e suas produções. Hoje em
dia, existem coletivos que estão buscando o resgate dessas informações fazendo um
mapeamento cultural, que consiste na localização e divulgação da produção cultural e
artística da cidade. Além da quantidade de artistas Ubaenses, a Universidade Estadual de
Minas Gerais possui campus na cidade e conta com o curso de Design de Produto, que visa
atender a indústria moveleira que move a economia de Ubá. Essa produção acadêmica
também precisa de um espaço para ser divulgada e apreciada visto que a própria faculdade
de design não dispõe de um espaço adequado para a divulgação dos trabalhos acadêmicos.
A escola ofereceria cursos de artes cênicas, fotografia, arte urbana, imagem e som,
arte têxtil e dança. Além de oficinas de marcenaria e reciclagem, que além de gerar vagas
integradoras podem oferecer o material para uso da escola e até mesmo gerar renda para
Figura 9 – Implantação da Proposta Projetual com a inserção de novos edifícios e espaços livres
públicos para cumprimento do programa e ocupação dos vazios (Fonte: Arquivo pessoal)
Conclusão
Acredita-se que através de ações como esta, esse patrimônio tão importante possa,
não só ser fisicamente recuperado, mas, principalmente, devolvido à cidade ofertando um
uso qualitativo para a área e para a população.
Referências Bibliográficas
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