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Começar perguntando, droga por droga, quantos usuários tem ali na roda.

A partir
da reação em cada droga, problematizar o porque de nos sentirmos desconfortáveis em relação
ao uso de algumas substâncias e outras não.

Vim falar de redução de danos, que é uma abordagem sobre o uso de substancias,
pessoas ou produtos. Nesse contexto ela ecoa a voz das pessoas que demandas dois direitos:
droga limpa e tratamento adequado para o seu problema.

A redução de danos teve um dos seus nascimentos em Amsterdã em 1984, o Brasil


ainda nem tinha assinado a constituição do tal estado democrático. Era o auge da heroína na
europa, usuários de drogas injetáveis eram comuns nas ruas. O ambiente social da época em
relação as drogas era tocado pelo Filme “Eu Cristhiane F, 13 anos, drogada de prostituída” de
1981. Até esse momento uma parte dos usuários comprava seringas descartáveis sem problema
nenhum nas farmácias, mas o medo do “perfil do usuário” começou fazer os farmacêuticos se
negarem a vender o material. Foi ai que um grupo de pessoas fundou a União Junkie, associação
de usuários que lutava por seus direitos civis, cobrando a livre distribuição de seringas do poder
público. Então a redução de danos é um conhecimento criado e praticado pelos usuários, que
diante da violação de seus direitos demandam do estado seus direitos. É luta.

A partir desse olhar, todas as vezes que nos reunimos pra falar sobre o nosso uso
de drogas e descobrir caminhos para viver melhor nossa relação com as drogas estamos fazendo
Redução de Danos.

Desdobrar três perguntas:

1 – Quais são os valores que nos conduzem decidir não falar, a não usar, não se
aproximar das drogas? Porque algumas são legais e outras ilegais? Perguntar e deixar rolar
respostas.

Nossa sociedade é fundada em regras, normas, leis. Acordos coletivos de que


comportamentos e ideias exercer para o bem comum. Essas regras são guiadas por valores
comuns à nossa nação. Esses valores foram ratificados em nossa constituição. Quem pratica a
constituição são as instituições, e essas são várias. Familia, Centro Comunitário, Associações,
Empresas, Igrejas, Terreiros, Crime Organizado e por ai vai.

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

2 - Porque então as instituições difundiram entre a sociedade os valores que nos


faz sentir medo de algumas drogas, até mesmo de falar sobre elas

Pra entender essa questão é preciso lembrar que nosso acordo social é pautado no
medo. Foi thomas Hobbes que disse que o Homem é o Lobo do homem. Segundo Ele, O que nos
faz obedecer a lei é o medo. É preciso temer aquilo que foge da regra, da lei, e aquele que inflige
a lei deve temer os seus defensores. Apesar de não vivermos mais o estado absolutista de
hobbes, nossos governantes ainda moram em palácios e palacetes. Essa política que vivemos
hoje tem seus fundamentos no século XVIII, quando a revolução industrial colocou as pessoas
nas cidades e fomos criando meios de controlar, de acondicionar, e de moldar os sujeitos parar
viver em sociedade. Três dessas instituições se destacam por influenciar nossa relação com as
drogas.

A igreja
Sistema Judiciário-Policial-Militar/Educacional
Sistema de Saúde

O que acontece é que apesar de servirem para o bem comum essas instituições são
meios de dominação antes do que de garantia de direitos, juntas fundaram o Brasil, a base de
genocídio e escravidão. Gerando uma dominação cultural, étnica, religiosa, social e de gênero.
Em geral existe uma personificação da perfeição da regra, que é ser Branco, Homem, Cristão,
Heterossexual, 1,75 de Altura, 70kg. Esse o modelo de cidadão tanto paro sistema comum às
três instituições. Elas atuam em redes sobre nós e se misturam na responsabilidade de manter
a produtividade e o desenvolvimento da sociedade, sempre alinhada a ideia de normalidade.
Essa atuação é uma força de manutenção das desigualdades sociais. E considera que todo
comportamento que não seja autorizado pela igreja, pelo sistema punitivo, ou pelo sistema de
saúde deve ser eliminado, tal como o uso de drogas. Surge ai a ideia de abstinência e de combate
as drogas como política pública.

A situação se torna mais complexa quando pensamos que as drogas estão


presentes na vida dos seres humanos há muito tempo, em diversos contextos culturais,
cerimoniais, religiosos e de celebrações. Faz parte da cultura das pessoas. Observando isso
tiramos a máxima: Não existe guerra as drogas, existe guerra às pessoas. E quais são as pessoas
que estão morrendo, sendo presas ou adoencendo por conta do uso e abuso de substâncias?
São as pessoas que vivem em condições injustas impostas pelo estado e se revoltam e
desobedecem a norma. Por isso seus comportamentos são sempre enquadrados na lógica do
crime, do pecado, ou do sintoma, e assim vivemos com medo da punição, da morte, e do inferno.

3- E porque continuamos a usar drogas?

Porque dá prazer ou nos produz saúde. Da maconha à dipirona. Pra começar esse
entendimento é inaceitável para o proibicionismo, não é possível que uma droga faça bem a
ninguém, a gente ouve muito. A droga é associada ao fruto proibido, ao sexo, aos prazeres da
carne, e segundo o cristianismo foi esse desejo que nos tirou do paraíso, por isso somos todos
culpados logo ao nascer e precisamos sofrer para pagar nossos pecados. Por isso, aquele que
usa droga e não se arrepende pode ir pro inferno.

A droga também é associada a comportamentos criminosos e por isso não se pode


assumir que um criminoso seja uma boa pessoa, ou tenha boas condutas. Principalmente
porque o uso de droga parece ser um comportamento contrário à ética do trabalho, aquilo que
você não gosta de fazer, mas faz sofridamente para contribuir para a sociedade e para ter uma
vida melhor, afinal Adão foi condenado a ganhar o pão do suor do seu rosto quando saiu do
Éden, quem não trabalha é vadio, e sabe né, mente vazia é oficina do diabo. Por isso prendemos
os usuários.

E mesmo assim as pessoas continuam usando, por isso uma das questões da
redução de danos é como permitir que as pessoas trilhem caminhos não autorizados e que não
se enquadrem lógica do crime, pecado, sintoma. Assim podemos oferecer um tratamento
adequado sem interferir nos direitos civis dos cidadãos. Para a RD abstinência é uma
possibilidade, não uma meta, nesse tratamento cabem aquelas pessoas que não querem ou não
conseguem parar de usar as substâncias. Pois estão dependentes dela.

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