A burguesia de seu lado criou a sua própria ciência social, partindo das
suas próprias necessidades da vida prática.
Eis a razão porque a burguesia precisa duma ciência social que a ajude a
se guiar na complexidade da vida social e que lhe forneça meios para resolver
os problemas práticos da existência.
Está claro, pelo já exposto, que tudo isto é fantasia. Pelo contrario, a
ciência nasce da vida prática. Torna-se assim perfeitamente compreensível que
as ciências sociais tenham caráter de classe. Cada classe tem uma existência
prática que lhe é peculiar; os seus próprios problemas, seus interesses e suas
concepções particulares. A burguesia se esforça antes de tudo em conservar,
consolidar e tornar universal e eterna a dominação do capital. Quanto à classe
proletária, ela se preocupa antes de tudo em destruir o regime capitalista e
assegurar a dominação do proletariado, para reorganizar o mundo. Não é difícil
compreender que a burguesia tenha uma concepção do mundo,
completamente diferente da concepção proletária; que a ciência social da
burguesia seja uma, e que a do proletariado seja completamente diversa.
§ 8.° O caráter das leis na ciência. Formas pelas quais se nos apresenta a
questão.
Como se vê, é mais difícil neste caso combater o ponto de vista teológico,
"o elemento divino" não aparece de uma maneira clara nesta teoria. No entanto
não é difícil compreender em que se baseia esta teoria, se estudarmos o
processo de sua evolução em conjunto, isto é, se estudarmos não somente as
formas e as espécies (dos animais, das plantas, dos homens, da natureza
inorgânica), que sobreviveram, mas ainda aquelas que têm perecido ou estão
perecendo. O famoso progresso aplicar-se-á forçosamente a todas estas
formas? Certamente que não. Os "mamutes" que já existiram não existem
mais; é dos nossos tempos o desaparecimento dos "uros", e em geral, pode-se
dizer que uma infinita quantidade de formas vivas desapareceram. E os
homens? Dá-se o mesmo com eles. Onde estão os Incas e os Aztecas, que
viveram outrora na America? Já nem nos lembramos deles. Entretanto, dentre
as inúmeras sociedades e de espécies, algumas sobrevivem e "se
aperfeiçoam". Que significa por conseguinte "o progresso"? Significa
simplesmente que entre, digamos, 10.000 combinações desfavoráveis à
evolução (combinações diferentes de condições), há uma ou duas favoráveis.
Marx traça aqui uma nitida linha de demarcação entre o homem e o resto
do mundo. Tem ele razão? Certamente, pois ninguém pode contestar que o
homem se propõe a fins determinados. Veremos agora quais as conclusões
que disso tiram os partidários do "método de finalidade" nas ciências sociais.
Como já vimos, certas leis são observadas na vida social como também na
vida da natureza. Entretanto, algumas duvidas sérias podem subsistir a este
respeito. São, com efeito, os homens que determinam os fenômenos sociais. A
sociedade é composta de homens que pensam, que refletem, que sentem, que
se propõem fins, que agem. Um faz uma coisa, um outro ás vezes faz o
mesmo, um terceiro age de maneira diferente, etc... O resultado destes atos
constitui um fenômeno social. Sem homem, não haveria nem sociedade nem
fenômenos sociais. Vejamos o resultado disto. Se os fenômenos sociais
obedecem a certas leis, e são o resultado das ações humanas, é evidente que
os atos de qualquer homem dependem também de alguma coisa. Assim, o
homem e sua vontade não são livres, mas ligados e submetidos por sua vez a
certas leis. Se assim não fosse, se cada homem e sua vontade de nada
dependessem, qual seria então a origem da regularidade dos fenômenos
sociais? Ela não poderia existir. Isto é evidente. Se todos os homens,
mancassem a sociedade seria uma sociedade de mancos: não poderia existir
sociedade diferente.
Se a gota de chuva
Pensasse como você,
Ao cair na hora fatal
Do alto dos céus,
Ela diria:
"Não é uma força inconsciente
Que me dirige
É pela minha própria vontade
Que eu caio em orvalho
Sobre um campo sedento."
Ele sabe que lá fará o comercio e negociará, que cada comerciante pedirá
os seus preços, que os compradores se esforçarão para comprar o mais barato
possível, etc. Mas ele não espera encontrar no mercado homens que andem
sobre quatro pés ou que uivem como lobos. Poderão objetar que este exemplo
não tem significação. Absolutamente. Analise-mo-lo convenientemente. Porque
não andam os homens de quatro pés?
Mas aqui, podemos estar em presença de dois casos diferentes que têm
as suas particularidades. Vejamos quais são: No primeiro, estamos em
presença duma sociedade desorganizada, isto é, por exemplo, uma sociedade
baseada sobre a troca de mercadorias ou capitalista; no outro, estamos em
presença de uma sociedade organizada: Comunista. Vamos antes estudar o
primeiro caso, vamos tomar para isto um exemplo típico que já foi citado: a
fixação do preço. Qual é a relação entre o preço fixado no mercado e o desejo,
avaliação e as intenções de cada um dos indivíduos que vai ao mercado? Está
claro que este preço não corresponde exatamente aos seus desejos. Para uma
grande parte das pessoas que vieram ao mercado ele é simplesmente
desastroso: seja para aqueles que, "a esse preço", nada podem comprar, e se
vão embora com os seus níqueis e com a barriga vazia, seja para aqueles que
se arruínam, por ser o preço muito baixo para eles. Todo o mundo sabe que
uma massa de artesãos, de pequenos comerciante e de pequenos
proprietários arruinou-se porque os grandes fabricantes inundaram o mercado
de mercadorias a preço vil; os pequenos comerciantes se arruinaram porque
não podiam sustentar a concorrência com os preços estabelecidos sob a
influencia da grande quantidade de mercadorias atiradas ao mercado pelos
grandes capitalistas.
Examinemos o fato seguinte: Uma vez obtido uma certa resultante social
das vontades particulares, esta resultante social determina a conduta do
indivíduo. É necessário sublinhar esta proposição, pois ela é muito importante.
Comecemos ainda pelo mesmo exemplo de que nos servimos duas vezes,
o da fixação dos preços. Vamos supor que uma libra de cenoura no mercado
custa um tanto. É evidente que os novos compradores e vendedores encaram
de antemão os preços e fazem deles aproximadamente a base dos seus
cálculos. Em outros termos, o fenômeno social (preço) determina fenômenos
particulares ou individuais (a avaliação). O mesmo acontece em outros casos.
Um artista principiante se apóia para realizar sua obra, sobre toda a evolução
da arte, assim como sobre os sentimentos e tendências do seu meio. Qual é a
fonte de ação de um político? Ela é determinada pelo ambiente em que ele
age; ele quer, ou fortificar um determinado regime, ou combatê-lo. Isto depende
do lado em que ele se coloca, do meio no qual ele vive, da classe social ou
então dos desejos sociais que o inspiram. Assim sua vontade é determinada
pelas condições sociais.
Vamos tomar outro exemplo: Encontrei na rua, por acaso, um amigo que
não via há vinte anos. Haverá causas para este encontro? Certamente que sim:
É sob a influencia de causas definidas que saí em um dado momento, que
segui um certo caminho com uma determinada velocidade; sob a influencia de
outras causas, meu amigo havia começado a sua caminhada seguindo um
certo itinerário, com determinada velocidade. Está claro que a ação paralela
destas duas causas diferentes deveria infalivelmente produzir o nosso
encontro. Por que, chamo eu a este encontro de "acaso"? Por uma razão muito
simples: Porque eu não conhecia as causas que haviam feito agir o meu
amigo, porque eu não sabia que ele morava na mesma cidade e por
conseguinte, eu não pude prever o nosso encontro.
Se de duas ou mais correntes (séries) de causas que se entrecruzam, e
nós só conhecemos uma delas, o fenômeno devido a este cruzamento nos
parece "acaso", bem que na realidade ele esteja submetido à uma lei. Eu só
conheço uma das correntes (uma só série) de causas, daquelas que agem
sobre a minha caminhada; a outra série, que influi sobre a ação de meu amigo
me é desconhecida. É por essa razão que eu não prevejo cruzamento das
duas séries, é por essa razão que o cruzamento (o encontro) me parece devido
ao "acaso". Assim, no sentido próprio da palavra, nenhum fenômeno é produto
do acaso, isto é, sem causa. Pode-nos tão somente parecer, enquanto
ignoramos a sua causa, que ele seja produto do acaso.
Mas aqui trata-se de coisa muito diferente, que nenhum relação tem com a
teleologia. Com efeito, partimos aqui da proposição que a sociedade aumentou
(no caso presente, partimos mesmo do fato da sociedade ter aumentado). Mas
ela poderia também não ter aumentado. E se ela não se tivesse desenvolvido,
se por exemplo, ela tivesse diminuído de metade, poderíamos tirar, seguindo o
mesmo método, a seguinte conclusão: A sociedade tendo diminuído de
metade, e isto, por efeito de uma sub-alimentação, é evidente que a produção
diminuiu. No entanto ninguém se lembrará de ver um "fim" na destruição da
sociedade. Ninguém poderá dizer neste caso: o fim é de diminuir a sociedade
pela sub-alimentação; o meio que conduz a este fim é a redução da produção.
Não temos portanto no caso presente, nada a ver com a finalidade
(teleológica). Trata-se simplesmente de um método particular de investigação
de condições (causas), de acordo com os resultados.
Resulta de tudo que precede que para as ciências sociais, tanto quanto
para as ciências naturais, as previsões são possíveis, previsões não
charlatanescas, mas cientificas. Sabemos, por exemplo, que os astrônomos
podem, com a maior exatidão, predizer os eclipses do sol ou da lua, o
aparecimento dos cometas e de um grande numero de estrelas cadentes. Os
meteorologistas podem prever o tempo: o sol, o vento, a tempestade, a chuva.
Nada há de misterioso nestas previsões. Assim, o astrônomo conhece as leis
que determinam o movimento dos planetas. Ele conhece as órbitas do sol, da
terra,da lua, etc. Ele sabe também com que velocidade eles se movem e onde
se acham em um dado momento. O que há de admirável portanto que se
possa, nestas condições calcular o momento em que a lua, colocando-se entre
a terra e o sol, produza um eclipse? Será possível a mesma coisa nas ciências
sociais? Certamente que sim. Com efeito, se conhecemos as leis de evolução
social, isto é, as vias que seguem inevitavelmente as sociedades, a direção da
evolução, não teremos dificuldade em definir o futuro social. Varias vezes tais
previsões já foram feitas na ciência social, previsões estas que se realizaram
inteiramente. Graças ao conhecimento das leis de evolução social, foram
previstas as crises econômicas, a desvalorização da moeda, a guerra
universal, a Revolução social como resultado da guerra; previmos a conduta de
diversos grupos, classes e partidos durante a Revolução; previmos por
exemplo, que os socialistas-revolucionários russos, depois da Revolução
proletária, se transformariam num partido contra-revolucionário; muito tempo
antes da Revolução, mais ou menos em 1890, os marxistas russos previram o
desenvolvimento inevitável do capitalismo na Rússia, e, ao mesmo tempo, o
aumento do movimento operário. Centenas de exemplos de previsões desta
natureza poderiam ser citadas. Não há nada de extraordinário nisto se
conhecemos as leis do processo histórico. Não podemos por enquanto prever a
data em que um certo acontecimento se realizará. De fato, não conhecemos
ainda as leis de evolução social a ponto de as podermos exprimir em
algarismos exatos. Ignoramos a velocidade dos processos sociais, mas já
podemos indicar a sua direção.
Não é difícil ver, depois do que ficou dito, no que consiste o erro de
Stammler. O eclipse de lua não depende nem direta nem diretamente da
vontade humana, ele não depende de nenhum modo dos homens. Todos os
homens, sem distinção de classe, de sexo, de idade, ou de nacionalidade,
poderiam morrer que isto não impediria a realização de um eclipse de lua. O
caso se passa diferentemente nos fenômenos sociais. Estes se realizam pela
vontade dos homens. Um fenômeno social sem os homens, sem a sociedade,
é a mesma coisa do que um quadrado redondo, ou gelo frito. O socialismo se
realizará inevitavelmente, porque os homens, as diversas classes da sociedade
humana agirão infalivelmente de maneira a realizá-lo, e em condições que
determinarão sua vitória. O marxismo não nega a vontade; ele a explica.
Quando os marxistas organizam e conduzem à batalha o partido comunista,
isto não é mais do que uma expressão da necessidade histórica, que é
determinada pela vontade e pelos atos dos homens.
Vamos tentar examinar esta questão, tanto quanto possível, sob todos os
aspectos. Devemos antes de tudo ter em vista que o homem faz parte da
natureza. Não sabemos com certeza se existem outros seres organizados de
uma maneira superior, sobre outros planetas. Certamente que existem, pois
que o numero de planetas é infinito. Mas vemos claramente que o ser pensante
que se chama homem nada tem de divino, de exterior ao mundo, e que ele não
caiu na terra vindo de um mundo desconhecido, misterioso. Ao contrario,
sabemos pelas ciências naturais que o homem é um produto da natureza, uma
parte desta natureza submetida às leis gerais. É pelo exemplo deste mundo
que nós conhecemos, vemos que os fenômenos psíquicos, que o pretendido
"espírito", constituem uma parcela ínfima de todos os fenômenos. De outro lado
sabemos que o homem descende de outros animais e que no fim de contas "os
seres viventes" não apareceram sobre a terra senão no fim de um certo tempo.
Quando a terra não era ainda um planeta extinto, mas um globo incandescente,
no gênero do nosso atual sol, não havia vida sobre ela, nem seres pensantes.
Foi da natureza "morta" que se desenvolveu a natureza viva e foi da viva que
saiu aquela que pensa. Existia a princípio uma matéria que não podia pensar, e
dela se formou a natureza pensante: o homem. Se assim é — e as ciências
naturais o provam, — está claro que foi a matéria que gerou o espírito e não o
espírito a matéria. Pois não acontece nunca e em nenhum lugar, que os filhos
sejam mais velhos que os pais. O "espírito" apareceu mais tarde. Foi ele, por
conseguinte, que foi o filho e não o pai, ao contrario do que desejam dele fazer
os admiradores demasiadamente fervorosos do "espiritual". Sabemos também
que o espírito aparece ao mesmo tempo que a matéria quando organizada de
certa maneira.
Não é um balão vazio nem um buraco, nem o "espírito" sem matéria que
pensa, e sim o cérebro humano, uma parte do organismo humano. E o
organismo humano é a matéria organizada de uma maneira extremamente
complexa.
Em quarto lugar explica-se claramente pelo que precede, por que motivo a
matéria pode existir sem o espírito, enquanto que o espírito não pode existir
sem a matéria. A matéria existiu antes que o homem pensante tivesse
aparecido; a terra existiu bem antes da aparição de qualquer "espírito" sobre
esta terra.
Assim, o espírito, não pode existir sem a matéria, a matéria pode existir
muito bem sem o espírito, pois que existiu antes dele, o (espírito) é uma
qualidade particular da matéria, organizada de uma maneira particular.
Não é difícil ver que o idealismo, isto é, a doutrina que considera as idéias,
"o espírito", como base de tudo que existe, não é outra coisa senão uma forma
amenizada das concepções religiosas. O sentido destas concepções religiosas
consiste precisamente no fato de uma força divina e misteriosa estar colocada,
acima da natureza, de que a força humana é considerada como uma faísca
dessa força divina, e de que o homem é um ser eleito por Deus. O ponto de
vista idealista conduz no seu desenvolvimento a uma série de absurdos, que os
filósofos das classes dominantes defendem muitas vezes com muita seriedade.
Neste caso estão principalmente as concepções que negam o mundo exterior,
isto é a existência objetiva das coisas e dos outros homens independentemente
da consciência humana. A forma extrema deduzida do idealismo é o solipismo
(da palavra latina "solus" — só). Os solipsistas raciocinam da seguinte maneira:
O que me é dado diretamente? Minha consciência e nada mais, a casa que eu
vejo é minha sensação, o mesmo acontece com o homem a quem eu falo. Em
uma palavra, nada existe fora de mim mesmo; somente meu "eu" existe, minha
consciência, minha essência espiritual; nenhum mundo exterior independente
de mim existe: Tudo isto, é criação do meu espírito. Pois eu não conheço
senão a minha vida interior, da qual eu não posso me desembaraçar.
Tudo o que eu vejo, ouço, provo, tudo que eu penso, tudo isto, são minhas
sensações, minhas imagens, meus pensamentos. Esta filosofia absurda, da
qual Schopenhauer disse que não poderia encontrar adeptos sinceros senão
num hospício de alienados (o que não impediu ao mesmo Schopenhauer de
considerar o mundo como vontade e representação, isto é, de ser um idealista
da mais pura essência) é desmentido a todo momento pela prática humana. Os
homens comem, empreendem uma luta de classes, calçam os sapatos, colhem
flores, escrevem livros, casam-se; ninguém duvida um só instante que o mundo
exterior exista, isto é, ninguém duvida da existência da comida que se come,
dos sapatos que se calçam, das mulheres com que nos casamos, etc.
Entretanto, todos estes absurdos decorrem das proposições essenciais do
idealismo. Com efeito, se o "espírito" é a base de tudo, o que faremos do
tempo em que o homem não existia ainda? De duas uma: Ou bem é preciso
admitir que existiu um espírito não humano, divino, no gênero daquele ao qual
se referem os antigos contos judaicos e a Bíblia, ou então é preciso dizer que a
própria época antiga não é senão o fruto do trabalho de minha imaginação. A
primeira hipótese conduz ao que chamamos de "idealismo objetivo". O
idealismo objetivo admite a existência de um mundo exterior independente de
"minha" consciência. Mas ele vê a essência deste mundo no princípio
espiritual, em um Deus ou numa "razão superior" que substitui às vezes o
Deus; numa "vontade universal" e em outras fantasias diabólicas deste gênero.
A segunda hipótese conduz diretamente ao solipsismo através do idealismo
subjetivo, que não admite senão a existência dos seres espirituais, dos seres
pensantes individuais. Não é difícil ver que o solipsismo constitui a forma mais
consequente do idealismo. Com efeito, qual é a fonte, qual é a base do
idealismo? Porque crê ele que o princípio espiritual é o primeiro e o essencial?
Por que ele considera, no fim de contas, que só existem as sensações, que me
são fornecidas diretamente. Mas se assim é, a minha própria existência fica tão
duvidosa como a de um objeto qualquer, como a de qualquer outro homem, e
entre eles a de meus próprios pais. Aqui, o solipsismo se mata a si mesmo,
mas ele mata ao mesmo tempo todo o idealismo na filosofia, pois
desenvolvendo logicamente as concepções idealistas, ele conduz ao absurdo
mais completo, que contradiz a cada passo a prática humana.
E é assim que, nas ciências sociais por sua vez, o único ponto de vista
justo é o ponto de vista materialista.
Em terceiro lugar, é preciso estudar cada forma social nas suas origens e
na sua desaparição inevitável, isto é, relativamente a outras formas sociais.
Nenhuma forma social cai do céu; ela constitui uma consequência necessária
do estado precedente. É difícil às vezes determinar exatamente os limites onde
uma acaba e a outra começa; um período superpõe-se ao outro. Em geral, as
etapas históricas não têm tamanhos fixos e imóveis; são processos, formas de
flutuação vital que mudam continuamente. Para compreender
convenientemente uma destas formas, é preciso encontrar esta raiz no
passado, examinar as causas de seu aparecimento, as condições de sua
formação, as formas motrizes de seu desenvolvimento. É também necessário
estudar as causas de seu fim inevitável, a direção do movimento ou, como se
diz, as "tendências da evolução" que determinam a desaparição inevitável
dessa forma e preparo á sua substituição por um regime social novo. Assim,
cada etapa constitui um elo que se liga por suas duas extremidades a outros
elos. Mas se os sábios burgueses o compreendem às vezes, quando se trata
do passado, é-lhes completamente impossível admitir que no presente, o
capitalismo, está destinado a morrer. Eles aceitam a pesquisa das raízes do
capitalismo, mas têm medo de pensar que também é preciso procurar as
condições que conduzirão o capitalismo à sua ruína.
1.º: O Estado. Sabemos muito bem hoje em dia que o Estado é uma
organização de classe, que ele não pode existir sem classes; que o Estado
acima de todas as classes, é uma fantasia como um quadrado redondo, e que
o Estado nasceu em um certo período da evolução humana.
E. Mayer escreve:
Nada admira, que depois disto Meyer considere o Estado como uma
propriedade imutável da sociedade humana! Se até os cães têm os seus
Estados (e, por conseguinte, leis, direitos, etc.) como poderiam os homens
dispensá-los?
Por outro lado, vemos também aqui a forma destes processos: em primeiro
lugar, o estado de equilíbrio, em segundo lugar a ruptura deste equilíbrio, em
terceiro lugar o restabelecimento do equilíbrio em uma base nova. Em seguida,
a história recomeça: o novo equilíbrio torna-se o ponto de partida de uma nova
ruptura de equilíbrio, e assim por diante, até o infinito. Temos diante dos olhos,
em conjunto, o processo dum acontecimento determinado pelo
desenvolvimento das contradições internas.
Mas o problema apresenta ainda um outro aspecto. Não falamos até este
momento senão nas contradições entre o meio e o sistema, nas contradições
externas. Mas existem também contradições internas, no interior do próprio
sistema. Cada sistema é composto de diferentes elementos ligados entre si; a
sociedade humana é composta de homens; a floresta, de arvores e arbustos;
um rebanho, de animais; um monte, de pedras, etc... É entre estes elementos
componentes que se encontra um grande numero de oposições, de encontros,
de conflitos. Um equilíbrio absoluto não prevalece. Se, estritamente falando o
equilíbrio absoluto entre o meio e o sistema nunca se realiza, não existe tão
pouco um tal equilíbrio entre os elementos do mesmo sistema.
É preciso não esquecer entretanto que todas estas diferenças são muito
relativas. Com efeito, estritamente falando, as unidades "simples" não existem.
Um senhor fulano de tal, é realmente, uma colônia de células, isto é, um corpo
extremamente complexo. Um átomo, como sabemos, também se decompõe. E
nenhum limite de divisibilidade existindo em princípio, nenhuma "simplicidade"
existe tão pouco, no fim de contas. As diferenças que nós verificamos não
deixam de ter, apesar disso, um certo valor dentro de certo limite: um indivíduo
é um corpo simples e não agregado, quando considerado em relação à
sociedade; ele é um corpo composto, um agregado real, relativamente a uma
célula, etc. Quando queremos falar destas coisas sem as comparar, servimo-
nos do nome de sistema. De acordo com a sua essência, os termos "sistema" e
"agregado real" significam para nós a mesma coisa. A relatividade deste
"distinguo" aparece ainda de outro modo: estritamente falando, o mundo inteiro
é um agregado real e infinito, cujas partículas agem continuamente umas sobre
as outras. É assim que quaisquer objetos e elementos do mundo exercem uns
sobre os outros uma ação contínua. Entretanto, esta ação recíproca pode ser
mais ou menos direta ou indireta. Sobre isto é que se baseiam as diferenças a
que nos referimos acima; elas têm, repitamo-lo, o seu valor, se as
compreendermos dialeticamente, isto é, relativamente, dentro de certos limites
e "segundo as circunstancias".
Tudo isto são relações de ordem material, física. Certamente, todas estas
relações materiais e físicas têm também o seu lado "espiritual": os homens
pensam, trocam idéias, conversam, etc. Mas isto está determinado pela
maneira com que estão dispostos nos edifícios da usina, pelas maquinas em
que eles trabalham, etc.. Em outros termos, eles estão dispostos na usina
como corpos físicos determinados, e acham-se assim em relações físicas e
materiais definidas no espaço e no tempo. Isto é a organização material do
trabalho dos operários da usina, organização a queMarx dá o nome de
"operário coletivo"; temos diante de nós um sistema material de trabalho
humano. Quando este sistema de trabalho está em movimento, temos um
processo de trabalho material; os homens despendem a sua energia e fabricam
um produto material. Trata-se de um processo material que tem o seu lado
"espiritual".
Tudo isto está perfeito. Mas, vejamos um pouco em que ponto os sábios
burgueses, mesmo os melhores, tornam-se tímidos, quando chegam a tocar no
materialismo em sociologia! O professor E. Durkheim, por exemplo, no seu livro
sobre a "Divisão do Trabalho", depois de ter introduzido a concepção de
"densidade moral" (ele entende por este termo a frequência e a intensidade das
relações psíquicas recíprocas entre os homens) escreve:
Assim, são os laços sociais que dão a força aos indivíduos — esta é a
conclusão dos exemplos precedentes.
Resulta do que foi dito anteriormente que um indivíduo age sempre como
indivíduo social, como membro, parte de um agrupamento de uma classe da
sociedade. O "indivíduo" tem sempre um conteúdo social; assim, para
compreender a evolução da sociedade é preciso partir do estudo das
condições sociais e passar em seguida, si for necessário, ao indivíduo, e não
proceder de maneira inversa. É pelo estudo das relações sociais, pelo exame
das condições de qualquer vida social, da vida de uma classe, de um
agrupamento profissional, da família, da escola, etc., que nós podemos explicar
mais ou menos bem a evolução do indivíduo; mas não poderíamos explicar a
evolução da sociedade pelo estudo do desenvolvimento do indivíduo, porque
cada indivíduo agindo de uma maneira qualquer deve levar em conta, antes de
tudo, aquilo que já foi feito na sociedade. Assim, por exemplo, um comprador
que vai ao mercado para procurar calçados ou pão. Como os avalia ele? É
evidente que ele adapta de ante-mão a sua avaliação pessoal ao preço que já
existe ou que já foi estabelecido no mercado. Um inventor constrói uma nova
maquina; ele parte daquilo que já existe, da técnica e da ciência dadas, das
exigências que apresenta o seu trabalho prático, etc. Em uma palavra, se nós
esforçarmos, como o fazem certos sábios burgueses, em explicar os
fenômenos sociais segundo os fenômenos pessoais (psicológicos ou
individuais) nós chegaremos, não a uma explicação, mas a um círculo vicioso:
Um fenômeno social (o preço, por exemplo), será explicado por um fato
pessoal (por exemplo, pela avaliação da mercadoria por um fulano qualquer), e
esta avaliação deverá ser explicada pelo preço com que o mesmo fulano teve
que contar. Qual seria o resultado de uma explicação destas? "A terra repousa
sobre uma baleia, a baleia está sobre a água e água sobre a terra" — como diz
uma fábula russa. Chegaremos forçosamente ao mesmo resultado, cada vez
que quisermos estabelecer o caráter da sociedade pelo estudo dos indivíduos e
pela sua conduta. Por consequência, é necessário partir da sociedade, pois,
como já vimos, é no meio social que o indivíduo encontra os móveis para a sua
ação; é no meio social e nas condições de seu desenvolvimento que ele
encontra os limites da sua atividade: são as condições sociais que determinam
o seu papel, etc. A sociedade domina o indivíduo, ou, como dizem os sábios,
existe uma supremacia da sociedade sobre o indivíduo.
Herkner chama a isto trabalho "no sentido objetivo". Por outro lado, pode-
se estudar o mesmo processo do ponto de vista dos pensamentos e dos
sentimentos que animam o trabalhador. Isto será o estudo "do trabalho no
sentido subjetivo". Como procuramos as relações entre a sociedade e a
natureza, e como estas relações se exprimem justamente pelo trabalho objetivo
(material), podemos por enquanto deixar de lado a parte "subjetiva" do
processo. Assim, precisamos estudar a produção material de todos os
elementos materiais (componentes, objetos) necessários para o processo da
reprodução.
Vamos supor que uma sociedade qualquer seja obrigada a gastar todo o
seu tempo de trabalho para satisfazer as suas necessidades essenciais. Isto
significa que à medida que os produtos obtidos são consumidos, uma
quantidade igual é fabricada novamente, mas não em número maior. Neste
caso, a sociedade não tem o tempo necessário para criar uma quantidade
suplementar de produtos, para aumentar as suas necessidades, para criar
alguns produtos novos: ela consegue apenas manter o equilíbrio: ela vive para
o seu pão de cada dia; ela come aquilo que produz; come-se justamente o
necessário para poder trabalhar; todo o tempo é empregado na fabricação de
uma quantidade de produtos sempre constante. A sociedade marca passo num
nível miserável de vida. Não é possível aumentar as necessidades, vive-se
segundo os seus meios, e estes são muito restritos.
Admitamos agora que, devido a certas causas, a mesma quantidade de
produtos necessários seja obtida sem que o tempo de trabalho seja empregado
inteiramente; que seja suficiente a metade deste tempo (assim, por exemplo, a
tribo primitiva se transportou para um lugar onde a caça é duas vezes mais
abundante, e a terra duas vezes mais fértil; ou que o método de trabalhar a
terra se modificou, ou que foram inventados novos instrumentos de trabalho,
etc. etc.).
Está claro que não se pôde criar uma "riqueza intelectual" sobre uma tal
base técnica: a sociedade dispunha de muita pouca seiva para viver "uma vida
intensa". O progresso feito pela Europa corresponde ao desenvolvimento da
técnica capitalista (entre 1750 e 1850 a técnica sofreu uma verdadeira
revolução; inventou-se a maquina a vapor, os transportes a vapor, utilizou-se o
carvão, trabalhou-se o ferro por meio de processos mecânicos, etc...). Em
seguida aplicou-se a eletricidade, a técnica das turbinas, os motores Diesel, os
automóveis, a navegação aérea. Os meios técnicos da sociedade e as suas
forças produtivas atingem um nível sem precedentes. Não é de admirar que a
sociedade humana tenha podido nestas condições desenvolver "uma vida
espiritual" muito complexa e muito variada. Com efeito, se considerarmos o
florescimento das antigas culturas com a sua vida espiritual relativamente
complexa, veremos imediatamente como era atrasada a sua técnica em
comparação com a técnica capitalista da Europa moderna e da America. A
principal aplicação dos instrumentos mais ou menos complicados se limitava
aos trabalhos de construção, às aduções de água e às minas. A própria
obtenção da produção máxima era baseada, não sobre a perfeição dos
instrumentos, mas pela aplicação de uma massa colossal de forças vivas de
trabalho.
Basta, porém, examinar este problema mais de perto para ver a que ponto
são pouco convincentes as provas apresentadas por Cunow. Sem minas de
carvão, evidentemente, não será possível extrair a hulha do solo. Mas,
infelizmente não se extrairá muito mais, se utilizarmos o dedo para cavar a
terra. E sobretudo será difícil procurar, pois os homens desconhecem até a sua
utilidade. As matérias primas não se encontram, como o pretende Cunow, na
natureza. As matérias primas, segundo Marx, são um produto do trabalho e
não se encontram no seio da natureza, como também não se encontra um
quadro de Rafael ou o colete do sr. Cunow. Cunow confunde as matérias
primas com o objeto de trabalho "possível"(3).Cunow esquece completamente
que uma técnica apropriada é necessária para que as arvores, o minério, as
fibras, etc, possam desempenhar o papel de matérias primas. O carvão não se
torna matéria prima senão quando a técnica se desenvolve ao ponto de
penetrar nas profundezas do subsolo e o extrair do reino das trevas para o
trazer à luz do dia.
Zeus,
cobre
o teu
céu
Com
as
nuven
s
E,
semel
hante
a uma
crianç
a
Que
corta
as
cabeç
as
dos
cardo
s,
Divert
e-te
com
os
carval
hos e
os
cume
s das
monta
nhas;
E,
entret
anto,
tu és
obriga
do
A me
deixar
a
minha
terra
E a
minha
choup
ana,
que
não
constr
uíste,
E a
minha
lareira
,
Da
qual
tu
inveja
s
O
calor.
Assim, está claro que as diferenças nas condições naturais podem explicar
as diferenças que existem na evolução dos diferentes povos, mas elas não
podem explicar a evolução da mesma sociedade. As diferenças naturais
tornam-se em seguida, depois da união destes povos em uma só sociedade, a
base da divisão social do trabalho.
Mas não é difícil verificar que a lei funciona aqui em sentido contrario: é do
grau de desenvolvimento das forças produtivas, ou o que vem a dar ao mesmo,
é do grau do desenvolvimento da técnica que depende a própria possibilidade
do acréscimo da população. O aumento do número de homens (aumento mais
ou menos estável) não é outra coisa senão um alargamento, um acréscimo do
sistema social. E este acréscimo não é possível senão quando as relações
entre a sociedade e a natureza variam de maneira favorável. Um maior número
de homens não pode existir sem que a base vital da sociedade se alargue. Ao
contrario, o retraimento desta base vital deve trazer fatalmente como
consequência uma diminuição do número de homens. Como se produzirá este
fato, isso é uma outra questão: será pela baixa da natalidade, ou pela
regulamentação da mesma, pela morte, pelo aumento da mortalidade como
consequência de moléstias, pelo desgaste prematuro dos organismos e uma
diminuição da longevidade? Pouco importa: esta relação essencial entre a base
vital da sociedade e a sua grandeza encontrará a sua expressão de uma ou de
outra maneira.
Além disto, é um erro representar o aumento da população como um
processo de multiplicação biológica e "natural". Este processo depende das
condições sociais as mais variadas: da divisão em classes, da separação
destas classes e, por conseguinte, da forma da economia social.
E diz ainda:
O maior número de absurdos foi dito pelos partidários da teoria das raças
durante a guerra, que eles quiseram também explicar pela luta das raças, bem
que a inépcia destas explicações fosse evidente para qualquer homem de
espírito são. (Os sérvios aliados aos japoneses guerreavam contra os búlgaros:
os ingleses com os russos contra os alemães, etc...). O representante mais
autorizado da teoria das raças, na sociologia, é Gumplowicz.
Capítulo VI - O Equilíbrio Entre os Elementos da Sociedade
§ 35. Laços que unem os diversos fenômenos sociais. Como deve ser
colocada a questão
Quem está com a razão? Qual das medidas é a verdadeira? E por que são
dadas tantas respostas disparatadas â mesma questão?
Por que motivo percebe o capitalista lucro? Porque ele possui os meios de
produção, porque ele é capitalista.
Em outros termos:
M. Zetterbaum desnorteia-se pelo fato das máquinas não serem feitas por
homens desprovidos de alma. Mas como os próprios homens não são
tampouco feitos por mortos, segue-se que tudo na sociedade é o produto do
espírito desprovido de corpo, de um espírito benfazejo. Por conseguinte, a
maquina é alguma coisa de psíquica; por conseguinte a sociedade não dispõe
de nenhuma "matéria". E entretanto percebe-se que a coisa não é exatamente
assim. Com efeito, mesmo o espírito mais puro não poderia ter criado nem os
homens, nem as máquinas sem a carne pecadora. E mais ainda, sem essa
carne pecadora, ele não teria ardido de desejo de fazer coisas semelhantes.
Mas o que fazer da "relação"? Explicá-lo-emos ainda uma vez ao Sr.
Zetterbaum. Esperamos que o Sr. Zetterbaum não protestará se falarmos do
sistema solar como sendo um sistema material. Mas o que é esse sistema e
porque é ele um sistema? Por uma razão muito simples, a saber que suas
partes integrantes (o sol, a terra e todos os outros planetas) se acham em
relações definidas uns com os outros, pois ocupam a cada momento dado um
lugar determinado no espaço. E do mesmo modo pelo qual o conjunto dos
planetas que estão em relações definidas entre si forma o sistema solar, assim
também o conjunto dos homens ligados pelas relações de produção forma a
estrutura econômica da sociedade, sua base material, seu aparelho humano.
Encontramos também emKautsky, que confunde sem razão a técnica e a
economia, passagens muito duvidosas (por exemplo na pagina 104 da obra
mencionada acima). A estas afirmações podemos opor a seguinte passagem
do escritor arquiburguês W. Sombart. Vejamos o que diz este sábio muito
pouco materialista:
A família não aparece como uma coisa solida... senão como consequência
de modificações do regime da tribo, que oferecia o caráter do comunismo
primitivo. (As formas primitivas das relações sexuais eram as de "relações
sexuais desordenadas", isto é, de ajuntamento livre e instável do homem e da
mulher). Vejamos como o Sr. N. Pokrovsky caracteriza a família primitiva dos
eslavos ("a grande família", a "zadruga" servia, "vélika kutsia", "a grande casa"
em sérvio); os membros de uma família destas, — operários da mesma
exploração, soldados dos mesmos destacamentos, enfim adoradores dos
mesmos deuses, participantes do mesmo culto ("Historia da Rússia", tomo 1,
1920). As bases econômicas de uma tal família são ainda melhor
caracterizadas pelo fato seguinte:
Para explicar o que foi dito acima, citemos alguns exemplos. No domínio
sexual, em um certo estágio de desenvolvimento, quando o clã se apoiava
também sobre o lado do sangue e que os homens de um outro clã (isto é, na
realidade de outra sociedade) eram inimigos, não se considerava mal o
casamento entre parentes próximos e era considerado particularmente sagrada
a união com a própria mãe ou a filha (como, por exemplo, na antiga família
iraniana).
Ela
vingo
u
seus
irmão
s,
Ela
soltou
os
cães,
Ela
derra
mou o
sangu
e
Com
a
ponta
de
seu
sabre.
(O
canto
de
Sigur
d)
Fora da moral de classe existem ainda outras formas de moral, como por
exemplo a moral profissional dos médicos, advogados, etc... Do mesmo modo
existe igualmente a moral dos ladrões, que é rigorosamente observada por
eles, de não se denunciar os seus. Assim, todas as normas que examinamos
acima constituem os laços que mantêm a unidade da sociedade, de uma
classe, de um grupo profissional determinado.
...
pavon
ear-se
Com
a
boca
aberta
,
monst
ruosa
Baleia
Cujos
flanco
s
gretad
os,
De
paliça
das
eriçad
as,
Abre
m-se
como
uma
planíc
ie
Cober
ta de
barba
s,
Onde
as
menin
as e
os
rapaz
es
Vão
colher
cogu
melos
...
Bela
solidã
o, ó
Mãe,
Longe
dos
rumor
es da
terra,
Seja
meu
asilo
e
reconf
orto...
Ou:
Num
ataúd
e feito
de
pinho,
Quero
esper
ar a
jazer
A
tromb
eta do
Julga
mento
...
Vemos assim que, examinando de perto a psicologia classe, encontramo-
nos em presença de um fenômeno mui complexo que não pode ser reduzido
somente ao interesse, mas que, entretanto, explica-se sempre pelas
circunstancias concretas nas quais a classe encontrou seu destino.
Assim a escola nos revela, primeiro, o sentido prático, a raiz real de todas
as ideologias. Suponhamos que um matemático se insurja contra a nossa
opinião de que a sua ciência pura «tem um sentido absolutamente terrestre»,
nós lhe perguntaremos: por que então se ensinam estas matemáticas aos
filhos de comerciantes nas escolas comerciais, aos futuros geômetras nos
estabelecimentos de ensino agronômico, aos futuros técnicos nas escolas
técnicas, etc.? E se pretende que isto não são senão as migalhas da ciência,
perguntemos: por que os «matemáticos puros», que efetivamente não
representam nenhum papel na vida prática, não compreendem dela coisa
alguma e atrapalham todas as coisas? Por que fazem preleções a pessoas que
estudam «para serem engenheiros» ou «para serem geômetras»? E se,
cedendo ainda um passo, nosso contraditor nos opõe que existem sábios que
não ensinam a ninguém e não fazem conferencias, nós retrucaremos ainda:
sim, mas estes sábios não escreverão livros? Nesses livros, quem os lê, senão
os professores que ensinam os futuros engenheiros, os quais, com a sua
ciência, farão cálculos e planos para construção de pontes, de caldeiras a
vapor ou de estações elétricas? Em segundo lugar, a escola nos revela as
necessidades relativas que sente uma sociedade dada para as diferentes
formas do trabalho qualificado, inclusive as mais elevadas.
Portanto, de fato, o mesmo laço econômico que liga tojos os ramos do
trabalho material liga também todas as ciências entre si. E o mesmo se dá em
todos os ramos do trabalho intelectual. O trabalho material constitui sua base
constante e geral.
Eis aqui, para dar uma idéia da "refutação" (do mesmo professor):
Esta unidade do estilo da vida salta de tal forma aos olhos, que uma série
de sábios mesmo burgueses subscrevem integralmente esta idéia. É assim,
por exemplo, que Carl Lamprecht edifica uma doutrina "dominante", isto é, do
tipo dominante de psicologia, o qual muda com as condições de cada época; a
antiga dominante desaparece e uma nova aparece, um novo "estilo de vida" se
constitui (A ciência moderna e a história).
Pelo contrário, a vida real nos mostra em cada tipo social, em cada nova
estrutura social, os restos de antigas formações econômicas às vezes muito
consideráveis e que representam um grande papel. Se tomarmos, por exemplo,
a sociedade capitalista contemporânea, encontraremos uma grande quantidade
de vestígios de antigas instituições econômicas. Toda a importante camada
camponesa com sua economia particular é essencialmente o resto da época
feudal, da mesma forma o artesanato, etc.. O capitalismo «puro» supõe uma
burguesia e um proletariado, e não supõe nem camponeses nem artesãos,
nem nada de parecido. Portanto, se na estrutura econômica uma tal «pureza»
não pode existir, está claro que no domínio ideológico também haverá
inevitavelmente uma certa «mistura de idéias». Noutras palavras, podem-se
encontrar na sociedade capitalista tantos traços de ideologia feudal quantos se
quiser; na aristocracia fundiária, no campesinato, nas «classes rurais» que se
apóiam sobreantigas relações agrárias, onde se conservou um certo número
de traços antigos.
Para procurar a solução deste problema de outra forma que pelo simples
chuchar de dedos, e resolve-lo de acordo com a realidade, convém considerar
como, de fato, se realizaram as revoluções, isto é, como se resolveu a
contradição entre a evolução das forças produtivas e a base econômica da
sociedade. É inútil lembrar que este conflito sempre se resolveu pelos
homens, e isto por uma cruel luta de classes. Que resultado se obtinha depois
da vitória da revolução? Em primeiro lugar, um deslocamento do poder
político. Em segundo lugar, um deslocamento das classes no processo da
produção, uma transformação na repartição dos meios de produção que, como
sabemos, está na mais estreita ligação com a situação das classes. Noutras
palavras: a luta no tempo da revolução tem por objetivo a apropriação dos
meios de produção mais importantes que, numa sociedade fundada sobre
classes, estão nas mãos de uma classe, a qual consolida ainda esta
dominação sobre as coisas, e por conseguinte sobre as pessoas, pelo poder da
sua organização política.
Eis aqui mais alguma coisa que nos deve esclarecer. Vimos mais acima
que a camada de uma revolução reside no conflito entre as forças produtivas e
as relações fundamentais de produção ou relações de propriedade.
Vimos agora que esta contradição de base encontra sua expressão numa
contradição de produção, a saber, na contradição entre uma parte das relações
de produção do capitalismo e uma outra parte destas relações. Com efeito.
Está claro que o trabalho social e centralizado, encarnado pelo proletariado,
torna-se cada vez menos compatível com a dominação econômica (e por
conseguinte política) dos capitalistas. Este «trabalho socializado» exige uma
economia metódica e não suporta a anarquia das classes. Ele exprime a
tendência da sociedade moderna para a organização; ora, esta organização
não pode ser obtida da sociedade capitalista. Isto porque a sociedade fundada
sobre classes é uma sociedade contraditória, portanto inorganizada. Ora, está
claro que os capitalistas não podem, não querem aniquilar seu domínio de
classe. Por conseguinte, para que surjam possibilidades de organização «em
toda linha», é preciso acabar com a dominação dos capitalistas. Temos assim
sob nossas vistas um conflito entre estas relações de produção que são
encarnadas no proletariado, e as que se encarnam na burguesia.
Estas idéias foram expostas pelo autor da presente obra no seu livro A
Economia do período de transição (veja-se especialmente o capítulo III), ao
qual remetemos os camaradas que queiram conhecer mais em detalhe as
considerações desenvolvidas a este respeito. Não faremos aqui senão uma
série de reparos complementares. Antes do mais, até que ponto pode esta
opinião ser considerada como ortodoxa? Pensamos que é precisamente este o
ponto de vista de Marx sobre a questão. Um fato
característico: Marx empregava aqui exatamente a mesma expressão que a
propósito da destruição do Estado. Escrevia que o invólucro das relações de
produção capitalista "saltava" (Capital, tomo I); em outras passagens fala da
"decomposição" e da "refundição". Compreende-se bem que quando as
relações de produção "saltam", isto não pode deixar de agitar a "continuidade
do processo de produção", o que seria, é natural, muito mais agradável. É
provavelmente também esta idéia que transparece em Marxquando diz que "a
irrupção despótica" do proletariado é economicamente "insustentável", mas em
seguida ela se justifica e, por assim dizer, encontra sua compensação.
A este propósito, Cunow observa o seguinte (ob. cit, vol. I, pag. 321):
Não, certamente, não tem razão. Ele não faz mais que falsificar Marx, e
age como um vulgar falsário.
É indispensável não perder de vista o que aqui se segue. Toda força que
se prende às superestruturas, e entre outras, o poder concentrado de uma
classe, um poder de Estado, é uma força. Mas esta força não é
ilimitada. Nenhuma força pode fazer o que está acima dela. Por que então, se
acha limitada a força política da nova classe que vem tomar o poder? Pelo
estado das forças econômicas dadas e, por conseguinte, das forças produtivas.
Noutras palavras: esta transformação das relações econômicas, que pode ser
realizada com o auxilio da alavanca política, depende ela mesma do estado
anterior das relações econômicas. Não se poderia melhor explicá-lo que com o
exemplo da revolução proletária russa. A classe operária tomou em 1917 o
poder nas suas mãos. Ela, porém, não poderia nem pensar em centralizar e
socializar a economia pequeno-burguesa, particularmente a economia
camponesa. Tornou-se claro em 1921 que a economia russa resistira ainda
mais do que se esperava, e que as forças do Estado proletário bastavam
apenas para conservar socializada a grande indústria, e assim mesmo nem
toda ela.
Pelo que foi exposto mais acima, já demos, em tragos largos, a resposta a
esta pergunta. Precisamos agora examinar o assunto mais de perto. Já vimos
que por classe social se entende um conjunto de pessoas desempenhando um
papel análogo na produção, tendo no processo da produção, relações idênticas
com outras pessoas, sendo essas relações expressas também nas
coisas (meios de trabalho). Daí decorre que, no processo de repartição dos
produtos, cada classe é unida pela identidade de sua fonte de rendimentos,
pois as relações de repartição dos produtos são determinadas pela relação de
sua produção. Os trabalhadores têxteis e metalúrgicos não constituem duas
classes diferentes, porém uma únicaclasse, pois diante de outros homens
(engenheiros, capitalistas) eles se encontram em relações idênticas. Do
mesmo modo os possuidores de uma mina de carvão, duma usina de ladrilhos
e duma fabrica de espartilhos formam uma única categoria de classe: pois,
mau grado as diferenças físicas entre as coisas com as quais se ocupam, eles
estão perante os homens, no processo da produção, em relações idênticas (de
«domínio»), as quais se exprimem também nas coisas (O Capital).
Ouçamos antes de tudo o que diz sobre esta questão o professor Solntsev,
o autor do trabalho mais solido sobre as classes:
Por outro lado, a não coincidência entre a classe e a condição pode ser de
gênero diverso, como já falamos mais atrás: um homem pode pertencer a uma
«classe inferior» e a uma «condição superior» (por exemplo, um nobre
economicamente arruinado servindo de porteiro ou de chauffeur); e vice-versa,
ele pode pertencer a uma condição inferior, e à classe dirigente superior (tal um
grande comerciante, saído dos camponeses abastados, dos «kulaks»). Isto,
que quer dizer? Onde haverá aqui um «conteúdo de classe sob uma crosta
econômica»? É claro que isso não existe. Como pois exprimir teoricamente
este «fato irredutível»?
Entretanto, não se pode dizer que não se trata aqui senão de coisas, pois
a profissão é, apesar de tudo, ao mesmo tempo uma relação social;no
processo da produção, em que operários de profissões diversas são ligados
entre si pelas normas do processo da produção, há evidentemente entre os
homens relações determinadas. Porém, por mais diferentes que sejam estas
relações, todas elas se apagam diante das diferenças existentes sob o ponto
de vista principal e fundamental: as diferenças entre o trabalho dirigente e o
trabalho executante, as diferenças expressas pelas relações de propriedade.
Mas do fato de que o grupo dos proprietários fundiários forma uma grande
"classe", não se segue que ela seja uma das classes fundamentais. Assim,
em Marx, nós encontramos a seguinte passagem, à qual se refere também mui
judiciosamente o professor Solntsev:
Toda classe nova que é capaz não somente de destruir o antigo sistema
de relações sociais, mas também de construir novo sistema, que por
consequência é capaz de se tornar a organizadora de uma sociedade nova,
deve inevitavelmente dar a seus interesses uma cor de produção, isto é,
abordar as questões sociais não do ponto de vista da partilha e da simples
repartição, mas do ponto de vista da destruição das antigas formas, em nome
da construção de formas que implicam uma produção mais perfeita,
e forças produtivas mais poderosas.
2.º Segue-se que essa classe deve também, numa expressão simplista,
ser uma classe pobre; senão ela não poderá comparar sua pobreza à riqueza
das outras classes.
3.º Ela deve ser uma classe produtora. Senão, se ela não tomar parte
direta na criação dos valores, ela pode, na hipótese mais favorável, destruir,
mas nunca construir, criar, organizar.
4.º Ela não deve estar ligada à propriedade privada. Pois, se tivermos uma
classe cuja existência material estiver vinculada à propriedade privada, é
facilmente compreensível que ela aspirará ao aumento do que é «seu», sua
propriedade, e nunca na abolição da propriedade privada, queé o objetivo do
comunismo.
5.º Ela deve enfim ser uma classe unificada pelas condições de sua
existência, e habituada ao trabalho em comum, ao trabalho feito ombro a
ombro, um ao lado do outro. Pois, doutro modo, ela não será capaz nem de
desejar e nem de realizar uma sociedade tal que seja a encarnação do trabalho
social, do trabalho de camaradagem. E ainda mais, ela não seria mesmo capaz
de levar adiante uma luta organizada, ela não seria capaz de organizar um
novo poder político.
1. Exploração econômica + — +
2. Opressão política + + +
3. Pobreza + + +
4. Produtividade + — +
mas ele não se regozija pelo fato de que esse espírito limitado, esta
"idiotice" que não é a falta, mas a desgraça dos camponeses, seja quebrado
pelo vapor e pela eletricidade, pois, admirai! este princípio de tradição conduz
"à simples, à antiga e grandiosa existência". A gravidade, a desconfiança e a
avareza, a cupidez do proprietário, etc., são, bem entendido, louvados por
todas as maneiras por este pastor (ex. pag. 63), e isto ocupando páginas e
páginas inesgotáveis.
Convém fazer aqui mais uma observação. De tudo que nós dissemos
ressalta claramente que a psicologia das classes intermediarias é
igualmente intermediaria, a dos grupos mistos, igualmente mista, etc.. É isto
que explica que, por exemplo, a pequena-burguesia e o campesinato
«hesitem» constantemente entre o proletariado e a burguesia, que «tem nelas
duas almas», e assim por diante.
«Sobre as diferentes formas da propriedade, sobre o que
se chama as condições de existência, se eleva toda uma
superestrutura de sentimentos diversos e originalmente
constituídos, de ilusões e modos de pensar e conceber a
vida. Toda a classe as cria e as forma sobre a base
material e sobre as relações sociais correspondentes».
(Marx, Le 18 Brumaire).
Em primeiro lugar, essa solidariedade pode ser tal que ela una o interesse
permanente de uma classe com o interesse temporário de outra, esse interesse
temporário contradizendo os interesses gerais dessa classe.
O sr. Cunow (op. cit., vol. IL pag. 78-79) cita esta passagem de Tugan e a
aprova, afirmando somente que aí Tugan confunde interesses sociais e
interesses do Estado. Mas, realmente, Cunow confunde o ponto de vista
revolucionário de Marx com o ponto de vista de traição da social-democracia
de Scheidemann. A argumentação de Tugan—Cunow é pueril. Desde o
momento em que o Estado não se preocupa somente de opressão,mas
também de..., então todas as classes aí estão interessadas. Brava gente!
Deste modo, pode-se provar tudo que se deseja. Depois que os trustes não se
preocupam somente de exploração, mas também de produção, eles são de
utilidade publica. E assim por diante. Aí vê-se com que tolices o
sr. Cunow enche dois volumes "de estudos" sobre a sociologia
marxista! Cunow, deste modo, bate o record sobre todos os falsificadores do
marxismo, por sua cínica insolência.
Mas as este exemplo nos conduz, desde já, fora dos limites da primeira
forma de solidariedade relativa das classes, porquanto na realidade ela
constitui pouco a pouco no seio da classe camponesa uma verdadeira
burguesia agrícola, que em nada se distingue da burguesia agrícola hereditária.
Assim, por luta de classe entende-se uma luta em que uma classe se opõe
à ação de outra. Daí deduz-se um axioma de grande importância, que«toda
luta de classe é uma luta política» (Marx). Com efeito, o que se passa quando a
classe oprimida se dirige como força de classe contra a classe opressora? Isto
significa que a classe oprimida procura minar as bases da «ordem existente».
E como a organização do poder da «ordem existente» é a organização de
Estado da classe dirigente, compreende-se perfeitamente que toda ação
da classe oprimida é objetivamente dirigida contra a máquina estatal da classe
dirigente, mesmo que aqueles que tomam parte na luta da classe oprimida
disto não tenham consciência no princípio.
É que por luta política, como bons oportunistas ingênuos que são, eles só
entendem a luta parlamentar. Suponhamos, portanto, que os I. W. W.
organizem, não uma greve geral, mas apenas uma greve de foguistas, mineiros
e metalúrgicos. Quem não compreenderia toda a enorme
importânciapolítica que tomaria inevitavelmente esta greve? Por que? Porque
neste caso os quadros do proletariado seriam atirados à luta. Porque uma
semelhante greve seria perigosa para a burguesia como classe. Porque ela
ameaçaria fazer uma brecha na máquina da burguesia organizada. Porque
consequentemente ela seria objetivamente dirigida contra o poder de Estado
da burguesia.
Nas Cartas a Sorge (em alemão, pag. 42) Marx define da seguinte maneira
esta transformação dos conflitos separados em luta de classes, isto é, em luta
política. (A carta é escrita em alemão misturado com palavras em inglês):
O sr. Cunow, que fez essa citação (op. cit., t. II, pag. 59), assim o explica:
Portanto, vimos acima que as classes oprimidas não levam sempre a uma
luta de classes no sentido próprio da palavra. Mas isso, como vimos mais
adiante, não implica absolutamente que em períodos de relativa calma «tudo
esteja calmo, apaziguado, sob a vigilância divina». Isso significa apenas que a
luta de classes lá está, em seu estado latente, ou no estado embrionário: é daí
que se desenvolve a luta de classes no sentido próprio da palavra. Precisamos
então nos recordar da dialética que considera tudo em movimento, em vias de
acontecer; momentaneamente pode não haver luta de classes, mas «ela se
prepara». É assim que as coisas se passam do lado das classes oprimidas. E
do lado das classes dominantes? Estasdirigem constantemente a luta de
classes. Pois o caráter aparente da organização de Estado mostra que a classe
dominante se constituiu como uma classe para si mesma, quanto ao poder
político. Isto faz supor uma plena consciência dos interesses fundamentais da
classe que guia a luta contra as classes opostas aos seus interesses (contra a
sua ameaça direta e contra a sua ameaça possível) e isto por todos os meios
que lhe fornece a máquina do Estado.
Não está claro, com efeito, que o operário de uma grande usina
magnificamente instalada e o operário de uma pequena oficina sejam duas
cousas diferentes? Aqui a causa da heterogeneidade é a heterogeneidade das
empresas e de todo o seu regime de trabalho. Uma outra causa é o tempo da
permanência na classe proletária: Um camponês que acaba de entrar numa
usina é diferente dum operário que ali trabalha desde a sua infância.
O partido não é uma classe, mas uma parte da classe, talvez uma parte
muito restrita, mas o partido é a cabeça da classe. Eis porque é o cumulo
do absurdo opor o partido à classe. O partido da classe operária é o que
exprime do melhor modo os seus interesses de classe. Pode-
sedistinguir classe e partido do mesmo modo que se distingue a cabeça do
resto do corpo. É impossível opô-los, da mesma forma que é impossível
decapitar um homem sob o pretexto de lhe prolongar a vida.
Retomamos aqui, ponto por ponto, o mesmo raciocínio que há pouco para
a classe.
É contudo isto que temos feito, quando opunhamos a classe operária aos
partidos social-democratas ou às massas organizadas de operários a seus
chefes. Mas nós o fizemos e o fazemos para destruir a social-democracia,
para destruir a influência da burguesia, que toma por seus intermediários os
chefes social-traidores. Mas seria estranho transportar tais métodos de
destruição das organizações inimigas para nós mesmos, e apresentar isto
como expressão do nosso espírito revolucionário por excelência.
Isto mostra bem, entre outras coisas, a inépcia das lamentações proferidas
contra a ditadura do partido bolchevista na Rússia, ditadura que os inimigos da
revolução opõem à ditadura da classe operária. Depois do que acabamos de
dizer, compreende-se bem que uma classe dirige por intermédio da sua
cabeça, isto é, do partido. E é somente desta forma que pode dirigir. Portanto,
suprimindo-se a cabeça, isto é, o partido, atinge-se com o mesmo golpe a
própria classe, como classe para si, fazendo dela, invés duma força social
consciente e independente, um simples fator de produção, nada mais.
Tocamos aqui numa questão que tem sido pouco esclarecida pela
literatura marxista. Eis no que ela consiste. Vimos mais acima que a classe
dirige por intermédio do partido, o partido por intermédio dos chefes; que classe
e partido têm, por assim dizer, o seu quadro de comando. Este quadro é
tecnicamente indispensável, porque, como vimos, ele nasce da
heterogeneidade da classe e da não-homogeneidade intelectual dos membros
do partido. Noutras palavras, cada classe tem seus organizadores. Se se
encara por este lado a evolução da sociedade, chega-se naturalmente a propor
esta questão: é possível a sociedade sem classes de que falam os marxistas?
Importa examinar esta questão. Pois se esta teoria é certa, a dedução que
R. Michels tira, a saber, que os socialistas podem vencer, mas não
osocialismo, também o é.
Mas então ter-se-á uma teoria que antes de tudo nada absolutamente
explica e por conseguinte nada tem de marxista.
Está aí uma das leis gerais que regem a dialética da forma em movimento.
É o quadro no qual se produzem os deslocamentos moleculares das forças e
onde se atam, se desatam e se entrecruzam as inúmeras ações, reações e
contradições. Que as forças produtivas sofram modificações sob a influência da
«base» e das «superestruturas», a constatação dessas influencias não altera
em nada este fato fundamental: a correlação entre a sociedade e a natureza, a
quantidade de energia material sobre a qual vive e sociedade e que é
susceptível de toda a sorte de transformações no processo da vida social, é
cada vez uma grandeza determinante.
Eu afirmo que a esta argumentação nada foi oposto em nossos meios. Eis
porque eu proponho uma solução nova, materialista, do problema, solução
conforme as de Marx. Ei-la:
Daí uma série de mal entendidos, erros, assim como impasses teóricos e
explicações falsas ou fictícias. Por exemplo, caía-se sobre um laboratório
cientifico, com seus instrumentos de trabalho, suas relações particulares de
trabalho, etc.. Concluia-se daí que o trabalho de laboratório (por extensão, todo
trabalho cientifico) se refere à produção. Proseguindo mais longe o
desenvolvimento desta tese, acabava-se por achar que todo o trabalho
socialmente útil é um trabalho produtivo. Resultado: tudo reentrava na
«produção», e a teoria marxista se transformava em explicação absurda da
parte pelo todo, nada mais do que isso. Ou melhor, não se sabia onde colocar,
no esquema arquitetural de Marx, fenômenos tais como uma associação
científica, um aparelho burocrático, uma sociedade filosófica, um observatório
astronômico.
Como teórico, eu julguei dever pôr em primeiro plano a tese de Marx sobre
o «modo de representação» (Vortstellimgsweise), tese que todo mundo
esqueceu. Não resta dúvida que, em Marx, esta concepção era correlativa à do
«modo de produção». Em outros termos, a um modo dado de produção
corresponde um modo de representação adequado a este último e determinado
por ele. Marx não expôs a questão do modo de representação com uma lógica
tão clara e tão precisa como a do modo de produção. Mas, várias notas
isoladas (por exemplo, sobre a necessidade de estudar a questão dos «clãs
intelectuais», etc..) mostram claramente seu ponto de vista sobre a maneira de
colocar estes problemas. Assim se resolve a questão concernente ao «estilo»
fundamental único da vida social, da base à cumeeira, assim como o caráter
historicamente relativo de todas as ideologias, consideradas não do ponto de
vista de seus princípios (que podem ser eternos), mas do ponto de vista
dos tipos de ligaçãoexistentes entre elas, dos princípios particulares de
coordenação que são o índice constitutivo da concepção do «modo de
representação».
Eis porque, ainda aqui, como teórico, eu julguei de meu dever fazer a
análise da lei destes fenômenos que têm desempenhado um papel importante.
E isto é tanto mais necessário fazê-lo, quanto, sem esta análise, é impossível
compreender o período atual. Assim pois caracterizei socialmente com
precisão, e nos quadros gerais da teoria, estes períodos como período de
regressão das forças produtivas sob a influência das superestruturas, com
limitação constante deste fenômeno pelo estado anterior das forças
produtivas; em outros termos, caracterizei a lei fundamental destes períodos
como o processo temporário da reação das superestruturas (nos casos de
período transitório até o momento em que se estabelece um novo equilíbrio
social).
Por outra parte, esforcei-me por dar a fórmula das fases necessárias no
processo da revolução, apoiando.me em parte, (como na Economia do período
de transição) sobre as observações do camarada Kritzman, a quem cabe a
prioridade da solução deste problema. Deste modo a teleologia foi expulsa do
seu último refugio.