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Vozes, 1981.
O racismo contido na “fábula das três raças”, que floresceu do final do século até hoje,
tanto no campo erudito como no popular decorre da dificuldade de se pensar o Brasil e
nossa hierarquia social.
É uma faceta da história do Brasil vista pelo seu prisma mais reacionário: como uma
história de “raças”, não de homens.
O conhecimento social assim, se reduz a algo “natural”, como “raças”, “miscigenação” e
traços biológicos de raças.
A fábula das três raças junta as 2 pontas da nossa cultura: o popular e o elaborado. Os três
elementos: o branco, o negro e o indígena, claro que foram importantes na nossa história,
mas há uma diferença entre a presença empírica dos elementos e seu uso como recurso
ideológico na construção da identidade social brasileira.
Nos EUA, o recorte branco colonizador, índio e negro, formavam elementos visíveis
empiricamente, negros e índios sendo colocados nos pólos inferiores de uma espécie de
linha perpendicular, onde sempre os brancos figuravam acima- não há escala- ou se é índio
ou negro, ou não é, não há gradações que possam pôr em risco aqueles que têm pleno
direito à igualdade.
Nos EUA, não há um “triângulo de raças” e parece ser sumamente importante considerar
como esse triângulo foi mantido como um dado fundamental na compreensão do Brasil
pelos brasileiros. E mais, como essa triangulação étnica pela qual se arma geometricamente
a “fábula das três raças”, tornou-se uma ideologia dominante, abrangente, capaz de permear
a visão do povo, dos intelectuais, dos políticos e acadêmicos de esquerda e de direita, uns e
outros gritando pela mestiçagem e se utilizando do “branco”, do “negro” e do “índio” como
unidades básicas que explicam a exploração ou a redenção das massas.
Não temos companhias particulares explorando a terra com olho apenas na atividade
produtiva com leis individualizadas e sem independência da Coroa, como nos EUA. Aqui,
era a Coroa portuguesa que, legitimada pela religião, pela política e pelos interesses
econômicos, explorava soberanamente nosso território, gente fauna e flora. O jogo político
estava submetido ao comercial até certo ponto. O rei mantinha o controle sobre os
empreendimentos coloniais (a colonização portuguesa), motivado pela religião e pela
política civilizatória.
Thomas Skidmore considera que o marco histórico das doutrinas raciais brasileiras é o
período que antecede à proclamação da República e a Abolição da escravatura, momento de
crise nacional profunda, que abala as estruturas sociais, a República sendo um movimento
fechado e reacionário destinado a manter o poder dos donos de terra, e a Abolição, um
movimento progressivo e aberto que propõe a igualdade e a transformação das hierarquias
(ameaça ao edifício econômico e social do país). Era necessária uma nova ideologia: ela
foi dada com o racismo, ao lado das cadeias de relações sociais dadas pela patronagem e
que se mantiveram aparentemente intactas. Essa fábula das três raças hoje, tem a força e o
estatuto de uma ideologia dominante que fornece o mito das três raças, as bases de um
projeto político e social para o Brasil através da tese do “branqueamento” como alvo a ser
buscado e finalmente é essa fábula que possibilita visualizar nossa sociedade como algo
singular- especificidade que nos é presenteada pelo encontro harmoniosos das três “raças”.
O fato de termos constituído até final do século XIX, uma sociedade de nobres com uma
ideologia aristocrática e anti igualitária, dominada pela ética do familismo, da patronagem e
das relações pessoais, tudo isso emoldurado por um sistema jurídico formalista e
totalizante, que sempre privilegia o todo e não as partes (os indivíduos e os casos
concretos), deu às nossas relações sociais um caráter especial: a escravidão foi aceita como
algo normal porque não era um fenômeno social regional e localizado, mas nacional.
A lógica do sistema de relações sociais no Brasil é a de que pode haver intimidade entre
senhores e escravos, superiores e inferiores, porque o mundo está realmente hierarquizado,
tal e qual o céu da Igreja católica. O ponto crítico de todo nosso sistema é sua profunda
desigualdade.
Nesse sistema, não há necessidade de segregar o mestiço, o mulato, o índio e o negro
porque as hierarquias asseguram a superioridade do branco como grupo dominante. (Para
Freyre, esse era um dos traços do caráter nacional português).
Nos EUA e na Europa, o problema é que, muito embora se pudesse tomar as “raças”, como
tendo qualidades positivas, colocando a “raça branca” como inquestionavelmente superior,
o que não podia se realizar era a “mistura” ou o “cruzamento” entre elas. Dois pontos a
ressaltar: 1) a doutrina racista estabelece que as “raças humanas”, embora situadas em
escalas de atraso e progresso, tinham qualidades e seriam mesmo até dignas de admiração,
caso não fossem jamais colocadas lado a lado. 2) O segundo é a condenação fundamental
de suas relações.
O problema é considerar cada “raça” em si, mas nunca estudar suas relações porque elas
demandam estruturas de poder diferenciadas e hierarquizadas. (“Racismo cientifico” norte
americano, que corresponde de fato à realidade social daquele país, onde o credo
igualitário, o individualismo e o ideal de igualdade perante a lei, criaram obstáculos
insuperáveis para as uniões entre pretos e brancos em outros planos que não fosse o do
trabalho). O mulato é tão desprezível no credo racial americano, porque é considerado
negro e essa posição se funda na existência concreta de um credo igualitário e
individualista. Como então encontrar lugar para negros (ex-escravos), num sistema que
situava e situa o individuo e a igualdade como principal razão de sua história social? A
resposta foi a discriminação violenta na forma de segregação que, diferentemente do caso
brasileiro, assumiu a forma clara e inequívoca de segregação legal, fundada em leis. Como
uma sociedade individualista pode resolver o problema da desigualdade?
Brasil: EUA:
Negro Índio