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Alternativas para o sistema judicidrio criminal Waiiam Currorp Crimindlogo Internacional (1) ‘Tradugéo de Armas BERCAMINI MioTTO. Coordenadora do Curso de Especialize go em Direito Penitenciério. Facul- dade de Direito, Universidade Federal Existe um livro Bosco conhecido mas (na minha opinido) muito importante, intitulado Social Control in a Simple Society, escrito ha alguas anos por um homem significativamente chamado Gulliver. Preliminarmente, ele foi a uma distante regiao da Tanzania, as margens do Lago Vitéria, com 0 fito de observar um ramo da tribo Arusha, por ser esse um pequeno numero de pessoas vivendo junto com tanta singeleza, a ponto de nao ter formalmente qualquer organizacdo politica. Constitulam o que os antropé- logos sociais denominam “sociedade acéfala”. Como se sabe, até mesmo as tribos constumam ser organizadas de modo bem complicado; essa, porém, nao 0 era. Tratava-se de uns poucos clas convivendo em paz e harmonia; se, po- rém, alguma contenda surgisse entre eles, os ancidos se reuniam, sem. qualquer formalidade, para resolver 0 assunto, fosse ele uma alegada quebra de contrato, um dano ou um fato criminoso. A sango era invariavelmenie uma forma de compensagio: o ofensor ou seu cla tinha de dar um certo miamero de animais ao ofendido, de acordo com a decisdo de informal assembléia dos ancidos. Tudo muito expedito, notando-se que a maior parte das questées se liqiiidavam pacificamente. Gulliver, no entanto, quis saber que € que aconteceria caso o ofensor no pagasse. Afinal, nao havia quem excercesse fungoes de policia, de oficial de justia ou outro funciondrio judiciario, para executar a sentenca; nenhum grupo dominava os demais; nao havia formalidades processuais para sanar erros e omissdes. Descobriu ele que o meio usual para o “litigante” inconformado con- seguir seus direitos era esperar pela subseqiiente assembléia dos ancidos. Entao, logo que os anciaos estir m reunidos, comecava a gritar tio rui- dosamente e com tanto espalhafato, que Jhes impossibilitava tratar de qual- quer outro assunto enquanto nao tivesse sido dada atencao ao seu clamor. Titulo original: Altorntives to the Criminet Court System. ow to. de Prevengto do. crime ian nalltuie of Crielaolosy Gcetinico}, caro ease que tule of ‘National Affaire — ‘Guing. Quando 0 presente texto fol elaboradc, Wr. Cllffors ‘ainda era Diretor do 4 ©. Convém que o leltor tenha presente ossa circunsténcia, Luniversals ot conceltos, as oxemplificagées 88. vores so. relerem express cu impel: Tamonto hquele Pale-Continente, (Nota ca Trad) 305 Os ancifos nada podiam fazer, porque nao tinham processo de execugio. Por outro lado e ao mesmo tempo, nenhum outro assunto podiam examinar, porque a gritaria era de propésito para lhes impedir qualquer atividade. Se ele fosse persistente, o cla do ofensor omisso poderia vir a ser persua- dido por outrem a induzir o velhaco a pagar a sua divida. Isso feito, a assembléia podia passar a outros assuntos. Pois bem: se afastarmos nosso pensamento dessa pequena, insignificante reunido as margens do Lago Vitéria, e o levarmos para a digna de todos os noticiérios Assembléia Geral das Nagoes Unidas, em Nova lorque, have- remos de nos dar conta de que assim ada civilizagao é ainda bem sin- gela no que se refere ao modo de tratar e tentar resolver as controvérsias. Quem quiser que, em Nova lorque, lhe seja dada atengdo, tera de gritar persistir gritando. O cendrio internacional ainda tem suas fontes em leis costumeiras, e quem tem problemas a solucionar tem de valer-se de modos de agir que talvez nao sejam mais eficazes do que os da tribo Arusha, isto é, gritar, vociferar mais alto do que quem quer que seja, para atrair a atengao. ‘A moral desta comparacio é a seguinte: a eficiéncia para solucionar os problemas nao é necessariamente funcdo da nossa sofisticagao legal — embora nao raro sejamos erroneamente levados a crer que assim deva ser. Por mais que sejam inteligentes e bem elaboradas nossas leis, tem muito menos influéncia sobre o comportamento das pessoas, do que certas impo- sigdes ditadas pelos costumes da respectiva sociedade. Uma das razoes de as leis modernas terem tio pouco efeito sobre as gangs de delingiientes € a forca da sua disciplina interna e dos cédigos rigidos que se encontram implicitos nas organizacées expressamente sem lei. E se continuarmos a preparar as criancas para o “desafio da mudanga”, ao invés de para a “conformidade”, outra expectativa nfo podemos ter que a de culturas so- ciais divergentes, com uma variedade de normas e valores diversos que hao de surgir. De fato, é isso que estamos positivamente incentivando, com a nossa falta de orientacao e de lideranca, nesta sociedade pluralista. Quando certo comportamento leva a uma independéncia que, arrogante e destemida, se permite quaisquer iniciativas e empreendimentos, nés 0 premiamos; quando, porém, o mesmo comportamento simplesmente desemboca no cri- me, nés o punimos, e nos admiramos de que nossos condenados nao sé nao se arrependam, mas estejam convencidos de serem vitimas de um sis- tema de dois pesos e duas medidas. O fato é que temos demasiada con- fianga nas nossas leis e nas formalidades processuais e judicidrias. Que & que tudo isso tem a ver com possiveis alternativas do nosso (australiano) sistema judicidrio criminal? Tem muito que ver, simplesmente porque levamos duzentos anos ou mais, buscando modernizar uma sociedade complexa, aberta, liberal e extraordinariamente diversa nos seus valores fundamentais, tolerante quanto 4 auséncia de padrées ou normas de com- portamento. Ao mesmo tempo, temos estado abafando essa variedade social com um enorme volume de pormenorizada legislacao fundada em princfpios claramente uniformes, que j4 nao tém a aceitacdo generalizada que seria de desejar, porque existem divergéncias entre 0 nosso direito e a nossa moral. Enquanto alto e bom som temos defendido a liberdade individual, 306 R. Unf. legis!. Brasilia a, 21 n, 84 out./dex, 1984 até mesmo contra os interesses da comunidade, e procurado controlar nos- sa sociedade cada vez mais atomizada, com um vago poder burocratico e um verdadeiro delirio de legislaco, essa legislagao foi se tornando, neces- sariamente, mal aplicada e cada vez mais ineficaz para controlar ou sequer para orientar 0 comportamento publico. Em realidade, deveria nfo ser surpresa para nés 0 fato de o numero de crimes registrados numa sociedade democratica ser proporcionalmente inverso ao niimero de leis e de pessoal a servigo delas. Olhando, porém, as taxas de crimes através do mundo, vemos que sio mais altas onde existem mais leis escritas, mais advogados, mais juizes, e mais criminélo- gos, enquanto que o crime nao é tido como problema ld onde, no existindo leis escritas, tampouco existem servigos especificos para assegurar a obser- vancia_e a aplicago das leis. Isso tem, certamente, algo a nos ensinar, pois néo se trata de mera coincidéncia ou simples questio de melhores registros. No mundo ocidental, aproximadamente meiade dos crimes jamais sao registrados, constituindo 0 que se denomina “cifras negras do crime”. Nas sociedades tribais, to coesas, um fato de mA conduta néo pode tao facilmente ficar oculto. Em outras palavras: sabe-se que nessas sociedades 0s crimes so controlados mesmo nao sendo formalmente registrados, Durante os dois dltimos séculos, ao mesmo tempo que estivemos buri- Jando a liberdade individual, a partir da lei natural dos estdicos, passando pelos direitos naturais de Rousseau, até a moderna configuragio internacio- nal dos direitos humanos, estivemos desvalorizando a influéncia da familia, do grupo e da comunidade. Garantimos maior independéncia aos indivi duos — nao s6 do ponto de vista legal (civil), como também politico, eco- némico e social — mas os concentramos (muito rapidamente, em termos historicos) em coletividades urbanas extensas, cujos grupos, atomizados, so téo dependentes de servicos de subsisténcia, que nao poucos milhées de pessoas se tém tornado vulnerdveis nao sé aos ventos das mudancas politicas, econdmicas e sociais, como a qualquer dos pequenos mas cruéis grupos terroristas ou até mesmo a alguém, individualmente, capaz de man- ter uma cidade inteira como refém. Com efeito, destruimos os direitos da familia e da comunidade — as melhores fontes de todo e qualquer controle do comportamento — em favor dos apreciados beneficios de uma individualidade relativamente sem Peias e do direito de todos a proceder mal. Entao, no nosso desespero por conter essa massa de individuos libertos dos naturais freios da familia e da comunidade, nés nos precipitamos numa volumosa legislagao e numa reforcada burocracia. Dizem que os americanos atiram dinheiro nos proble- mas, com a esperanca de afugentalos. Parece que nés outros, com a mesma esperanca, atiramos leis neles... ou, como disse certa vez o Juiz Chefe do Tribunal Superior da Australia do Sul: “Deus pode estar morto, mas agora nés temos cingiienta mil assistentes sociais...” Significa, tudo isso, a cada vez maior intromissio do judiciarismo em reas antes deixadas a controles informais. A investida dos procedimentos formais nao apenas eliminou grande parte da responsabilidade que era da comunidade, da familia ou dos particulares, mas, de vez que, por causa R. inf, legitl, Brasilia 0. 21 n. 84 out-/dex. 1984 207 das mudangas sociais, tais grupos se tornaram indefinidos e ineficientes, a lei raramente deixa de se apressar em preencher as lacunas. Surge, assim, uma espécie de paradoxo, isto 6, quanto mais um individuo se emancipa do seu grupo social, mais ele fica submetido a normas e regras provindas de alguma autoridade mais distante, a qual, uma vez que nao pode ter invariavelmente éxito nas suas tentativas de controle, é iniqua- mente manipulada pelos inteligentes ¢ astutos. Sem diivida, a aplicagéo de to grande volume de leis tem de ser discriciondria. Se assim nao for, nés estaremos literalmente impossibilitados de sequer nos mover. Ha poucos anos, no Reino Unido, qualquer policial podia, para o controle do compor- tamento das pessoas em piblico, valer-se de certas normas legais que os proprios policiais denominavam “breathing acts” (leis da respitagao), pois 4 luz delas até a respiracio poderia ser interpretada como transgressao. Logo se vé que exageravam, é claro. Todavia, ninguém ignora quanto e como somos submetidos a normas e regras pelo Estado moderno, Todos nés conhecemos bem o preconceito social que se intromete sorrateiramente na aplicacio da lei. De outro modo nao poderia ser explicado o fato de 30 ou 40 por cento dos nossos presos serem aborigenes, ou o de a maioria dos processados provirem dos grupos de mais baixa renda. Nossas leis nao so somente discriminatérias na aplicagao. Sao tao numerosas e com- plexas que talvez tenhamos de, em breve, reformular o adagio que diz que a ignorancia da lei no escusa. Nos dias que correm, ja se escusa até mesmo a advogados a ignorfncia daqueles ramos do direito a que ndo sé dedicam profissionalmente. Vale frisar: se todas as leis tivessem de ser observadas, nds no pode- riamos sequer nos mover. Podemos, no entanto, sd porque a Policia e a Justiga agem discricionariamente, De vez que chegam ao conhecimento da Policia somente cerca de 50% de todos os crimes cometidos, e de vez que ela exerce a sua discricdo para reduzir a porcentagem dos casos encami- nhados a Justica, a deplordvel procissio daqueles que, todos os dias, sao processados pode ser tao-somente uma fracao do numero total de delingiien- tes. Isso quer dizer que ¢ muito maior o numero dos que permanecem em liberdade. Semelhante situagdo tende a fazer com que aqueles que sao alcancados pela Justia se configurem como os bodes expiatérios do grande problema do crime numa sociedade. Nesse sentido, podemos ver que a Justiga pode rotular pessoas como criminosas, como pessoas diferentes das outras; ademais, a selecdo para essa rotulagem, por ser téo casual, pode ser injusta — nao obstante tenha havido a preocupacdo de ser justa em cada caso concreto. O sentimento de injustica experimentado pelos delin- qlentes punidos por crimes idénticos aos cometidos — como eles sabem — impunemente, por tantas outras pessoas, é muito nitido, tendendo a se acentuar cada vez mais. Acresce que nossas leis, tio técnicas, e o processo contraditorio podem servir melhor a habilidade forense do que ao mérito da causa. A imparcia- lidade e a estrita legalidade nem sempre correspondem 4 Justiga. Os jufzes podem interpretar a lei extensivamente, como as vezes fazem, para alcancar circunstAncias no previstas; esse, porém, é 0 limite da discricionariedade. ‘Assim, a interpretacdo confere apoio legal a casos que nao tinham fun- damento para ser objeto de pleito judicial, passando a télo, Alias, é pro- 208 R. Inf. legisl, Brasitio a, 21 m, 84 cut./dex, 1984 vavel que a discricionariedade judicial nao seja limitada somente pelas normas legais, mas pelo que as proprias partes permitirem. Os reais custos Uma velha maxima dos advogados dizia que “de casos dificeis se originam péssimas leis”. H4 anos, porém, que essa maxima nao tem mere- cido atengéo. O volume de leis est continuamente aumentando, e nés ainda nio nos demos conta, parece, de que, por mais que possam ser vélidas como declaragées de direitos © obrigagoes, esti comprovado que sao lamentavelmente ineficientes para controlar 0 comportamento, Nao & somente pelo seu ntimero e complexidade, que j4 ndo levam em conta © tradicional “homem probo”, que elas estao sendo desacreditadas. Sua respeitabilidade também se compromete quando 0 publico percebe que, em juizo, vale mais a habilidade dos advogados do que a lei, melhor ser- vindo ela a quem é mais capaz de manipulda. Por sua vez, o tradicional poder discriciondrio do juiz, destinado a restabelecer o equilibrio, vai se reduzindo na medida em que as descrigdes legais vao se estendendo. Assim, varias razdes aparecem para, tanto quanto possivel, ser evitado © processo judicial. Uma delas é que a tradigéo da sistematica forense inglesa, de participagio do publico, veio a perder muito do seu carter de participag3o publica propriamente, desde que foi profissionalizada. Nada ha de errado quanto a prestagdes informais, gratuitas, desde que funcionem -- essa é uma realidade que nao pode ser desprezada. Outra das razdes é ue as leis, bem como a sistematica inglesa que as aplica, tém sido, como notério, cada vez mais ineficientes para deveras controlar o comporta- mento. A terceira dessas razdes é a da Obvia questio das despesas e a crescente necessidade de encontrar meios de diminui-las. Entretanto, so- bejam paradoxos. Nao pode, por exemplo, deixar de ser mencionado o fato de que a moderna preocupacao com alternativas para o sistema judi cidrio criminal coincide com uma crescente busca do Judiciario para reivil dicar direitos individuais, busca essa que é tanto mais ampla quanto mais instrugao as pessoas venham recebendo, mais acurada consciéncia tenham dos préprios direitos e, bem assim, mais facil acesso a advogados e as atividades forenses. Talvez seja justamente a sobrecarga dos juizos e tri- bunais 0 que faz com que seja mais urgente encontrar as mencionadas alternativas, Tem sido dito com freqgiiéncia que a questao das custas e demais despe- sas do processo constituem motivo suficiente para impor a necessidade das mesmas alternativas. Por isso, pode ser interessante mencionar aqui © que tem ocorrido na Australia, desde o comeco do século XX até os dii presentes, no que se refere a custas processuais e outras despesas judici rias — em termos latos, com a administragao da Justica. Em linhas gerais, esses gastos, variando um pouco, de um Estado para outros, se viram de- brados a cada periodo de doze a treze anos, Mesmo que ai se entenda inclufda a vartacdo decorrente da inflagdo, é muito, j4 que (no que tange ao délar australiano) tem ela sido diminuta. Os dados fornecidos se referem 4 administragao da Justica em termos latos; todavia, as fontes fornecedoras deles nao esclarecem se entre as despesas esto ou nao incluidos os vencimentos dos juizes. R, Inf, tegisl, Brasilia 0, 21 n, 84 out./dex. 1984 309 A receita para essas despesas tem sido proveniente da cobranga de multas, notando-se que se em um ou outro Estado essa receita, ainda que significativa, tem sido insuficiente, em alguns outros Estados as ul- trapassou. Em sintese, tem havido superavit. Portanto, se forem buscadas alternativas para a Justiga Criminal, tendo em vista somente os gastos, pode ser diffcil encontrar as que sejam mais baratas do que o sistema vigente. Quanto ao nimero de causas apreciadas pelos diversos tribunais da Australia, o Dr. Mukherjee, do Instituto Australiano de Criminologia, re- gistra em livro que, proporcionalmente 4 populacdo, nao tinha aumentado, até o comeco do século XX. Aquele numero deixou de ser mais ou menos estatico apés a Segunda Grande Guerra, quando passaram a proliferar os crimes de transite e os contra o patriménio. A partir dessa época, houve também reformas da organizagao judiciaria, interferindo na competéncia dos diversos tribunais. Tudo parece indicar, pois, que tem sido menos 0 volume de trabalho do que as mudancas no sistema o que tem acarretado ‘os aumentos verificados nos custos (*). Limites das alternativas No direito inglés, tem-se estado constantemente buscando meios de evitar que o tempo dos juizes seja tomado sem necessidade. Nos paises anglo-saxées a sistematica forense sempre contou com a participacio di comunidade, seja que pessoas espontaneamente se disponham a prestaz servigos, seja que obrigatoriamente tenham de dedicar algum tempo a servigo da lei e da ordem. Na aplicagao das leis, nacionais e locais, sempre houve larga margem de discricionariedade; sem duvida a noc&o da Kings Peace (*) é de, essencialmente, um expediente para limitar a discricionarie- dade local em certos tipos de casos. Pode-se notar a participagio de grupos de “pares” (peers — iguais) e a discricionariedade local na pratica da compurgagio (*), bem como na evoluco do jari. O direito inglés consagra o principio do direito de ser julgado pelos seus pares, havendo néo poucos exemplos de casos de os pares deixarem deliberadamente de observar nor- mas legais cuja aplicagéo, naqueles determinados casos, consideravam injusta. Quando centenas de crimes sio punidos com a pena de morte, os juris desclassificam os crimes contra 0 ‘iménio () até um minimo da punibilidade capital, absolvendo apesar da inegével evidéncia, se tiverem sentido a absolvigéo como apropriada no caso. Por outro lado, a participagéo da comunidade pode se exceder, tor- nando-se negativa. O linchamento, por exemplo, ¢ uma forma negativa dessa participacdo; os julgamentos arbitrarios das multidées so abomin4- Dever que este tépico — “Os real custos” — contiaha, no original, muitos pormenores concementes 2’xustralle, multo Inlorossanies para o leltor autrallanc, mas, bem prejulz9 oho. do tanto, lapenstveia para, 9 alter braaiire, « tacvtora ler um resume deeao twamd tee, pare oe Pesce, como um priviléglo para proteger certas 2 protegdo do Monarce, contra i. ‘heseas localidades. Evolulndo, velo jot contra os. abuses de dlecriclonariedade, ‘emt iedade, oT ‘noes “ote de Trad) ieenen igs, sondo civerea da do for! brasisio, 6, concomitantements, maie ample. (Nowe da Trad) 210 R. Inf. legist. Brasilia @. 21 n. 84 out./dex, 1986 veis. Realmente, o direito penal foi, nas suas origens, um expediente para limitar o excesso de vinganca e desenfreada participacio da comunidade. Assim, quando buscamos alternativas, temos de ser cuidadosos para que — procurando o que é mais barato, mais eficiente e menos demorado do que aquilo que atualmente nos € oferecido pela Justiga Criminal — no acon- teca que as pessoas interessadas venham a ser submetidas a uma espécie de justica que padega dos vicios da mesma simplicidade; que padeca de tal auséncia de formalidades capaz de permitir atos tendenciosos e imper- tinentes, jogo de interesses e invejas, de tal modo que se torne impossivel fazer justiga. Sem duvida, existem muitos sistemas de Justiga através do mundo, que nao sao formais no sentido de no terem sistematicas forense e pro- cessual assentadas em leis e regulamentos. O que de melhor se conhece a respeito sio os tribunais costumeiros da Africa, da Asia e da Melanésia, bem como os existentes entre os aborigenes da Australia e entre os indios de varios paises latino-americanos. Todavia, 0 tribunal costumeiro é antes um substitutivo que uma alternativa, sempre que ele exista onde, em razio das condigées locais, no haja tribunais formais para julgar os casos. Uma anélise dos tribunais costumeiros dos barotses, na Africa Central, feita por Max Gluckman, mostrou, hd trinta e poucos ‘anos, que havia muito mais precisdo e formalidade do que poderia parecer 4 primeira vista. Esse pes- quisador identificou, no proceso da tribo barotse, a maior parte dos prin- cfpios fundamentais do direito inglés. Embora tenha ele, possivelmente, c4 e 14, exagerado nas suas afirmagdes de evidéncia da identidade, a sua obra foi uma adverténcia quanto a se tratar com ares de superioridade os processos judiciais costumeiros. Pouco conhecido, porém muito efetivo, foi o funcionamento dos tri- bunais costumeiros como alternativa em relag3o aos tribunais regulares, formais, em Zambia; 14, durante anos, os Tribunais Nativos Urbanos exer- ceram — exceto quanto aos crimes mais graves — jurisdigéo concorrente da que era da competéncia dos tribunais legalmente instituidos. Nos dis- tritos rurais, cada tribo tinha o seu Tribunal Nativo, sob a supervisiio (geral) do encarregado da administracao do Distrito, que era, ao mesmo tempo, o magistrado local. Os Tribunais Nativos Urbanos, porém, eram mais gené- ricos, servindo a pessoas que, oriundas de tribos diversas, viviam nas cida- des. Para compé-los, eram escolhidos anciaos de tribos diversas, a fim de, nos melhores moldes tribais, tratar de disputas e ofensas ocorridas na cidade. Eram eficientes, notando-se que, no seu funcionamento, estavam evoluindo para o que significava uma nova forma de direito costumeira integrado, aplicdvel a todos aqueles que, oriundos de qualquer tribo, viviam na cidade. Tinham, contudo, as suas desvantagens. Assim, por exemplo, se a Policia fosse capaz de produzir provas suficientemente boas para evi- denciar os fatos e, assim, satisfazer um Tribunal formal, a ele encaminhava 0 caso. Quando nao houvesse tais provas, a cuja luz se tornassem evidentes os fatos, encaminhava o caso a um Tribunal Nativo Urbano, onde no se levavam em conta as regras sobre a prova e a evidéncia dos fatos. Desse modo, a auséncia de formalidades muitas vezes servia mais a acusagio do que & defesa. R. Inf, lesial, Brasilia @, 21 n, 84 out./dex. 1986 ant Nossas préprias Cortes de Eqiiidade, do século XVII, se originaram da necessidade de afastar-se do tecnicismo e das demoras do Common Law, mas, afinal, elas mesmas foram ficando t4o técnicas e burocratizadas, que foram incorporadas no Common Law, vindo a, no século XIX, constituir um 86 sistema. A famigerada Star Chamber (*) deve ser vista como outro meio de contornar 0 formalismo das Common Law Courts (Cortes ou Tri- bunais de Direito Comum), mas nao teve cunho popular. Nossa ultima tentativa de suprimir formalidades !egais, por meio de uma série de tribunais administrativos, teve o previsivel resultado. De vez que era permitido recorrer para as cortes comuns, podendo, as partes, valer-se também da lei e comparecer por meio de representante legal, Aqueles tribunais administrativos, tornando-se tio formais como o préprio Sistema de Justica Criminal, acabaram por ser eliminados. Parece que isso convinha aos profissionais. Acresce, como j4 tem sido notado, que esse interesse por tribunais informais anda de maos dadas com uma maior consciéncia dos direitos, mais amplo acesso as leis e maiores facilidades quanto A representacdo legal. Afinal, talvez haja tendéncia a formalizar aquele mesmo informal que se tem procurado aleancar. Nao & o que tem acontecido com as comissées de prejulgamento de menores, constituidas em alguns Estados da Australia, mas pode vir a acontecer, se essas comiss6es tomarem decisdes que as partes considerem causadoras de prejuizos. Até agora, essas comissdes tém tido pouco poder, © que pode ser a razdo de terem ficado livres da intromissao da lei e terem conservado o seu cardter de obra beneficente. Todavia, se, por qualquer motivo de que possa resultar algum prejuizo para quaisquer direitos no mais amplo sentido, tiver de haver intervengdo de advogado, pode-se prever a volta 4s formalidades legais. Foi o que aconteceu com os Conselhos do Bem-Estar do Menor, na Suécia, devendo-se, porém, nao esquecer que ditos Conselhos tinham poderes para decidir sobre o futuro dos menores. O que nao pode deixar de ser levado em conta 6 que a busca de informalidade tem de ser, sempre, limitada pelo senso dos direitos numa dada comuni- dade. A discricionariedade pode ser vista como um necessério lubrificante para qualquer conjunto de normas — ou como uma porta aberta para a discriminagao. Nas Filipinas, nas areas rurais, existem tribunais para resolver dispu- tas, conhecidos como Barangay Courts (). Tendo de dez a vinte membros, seu presidente 6 0 capataz da barangay. Apreciam todos os casos civeis, bem como os criminais quando a pena ena é de prisao prisio por trinta dias, ou de multa até duzentas pesetas. Um decreto presidencial de 1958 instituciona- lizou esses tribunais, nos quais os advogados estao especificamente impedi- dos de exereer qualquer atividade. Parece que esses tribunals dio bon resultado. 8 Gemore Eavelade, Tubural gue exists presse inocu meamo quatquee ‘dsds Que Wot da Trad) (7) Barangay 6 uma ontidade administrativa dos povos primitives dee Filipinas, consttuids por um ndmero ‘do femillas quo veria de cinqlenta a com, @ 6 cheflada por um capaiaz. (Nota da Trad.) m2 R. Inf. legist. Brasifia a. 21 n. 84 cut./dex. 1984 Na India, hd os panchayts ou conselhos locais que, em realidade, esto vinculados ao Governo local, mas tém uma secdo para tratar de disputas e de transgressdes de menor gravidade. Sri Lanka tem seus tribunais de conciliagdo. No mundo socialista, ha muita confianga nas cortes de camaradas, notando-se que ha um amplo rol de comités de fAbrica, de rua, de escola, de vizinhanca e de patio, para tratar ndo somente de disputas e transgressdes de menor gravidade, mas também para estimular a conformidade e inter- pretar a politica do Governo a respeito de comportamento no ambito local. Vieram a ser uma parte téo normal da vida local, que séo de modo geral respeitados e muito eficientes. Tém poder e, se forem desafiados, hao de ser, provavelmente, apoiados pelas autoridades. £ interessante notar que, nesses paises socialistas, onde existem, concomitantemente, as men- cionadas cortes e um sistema forense formal, hd uma preferéncia pela modalidade formal e menos imediata, ao invés da informal e rapida, ainda que a ofensa seja pouco mais que insignificante. © exercicio da discricionariedade Se procurarmos evitar, a qualquer preco, a discriminacdo, acabaremos formalizando. Se contemplarmos 0 exercicio da discricionariedade pela Poli- cia e por aqueles a quem incumbe tomar a decisao de denunciar, como a graxa que faz a moderna maquina da Justica funcionar, poderemos eliminar as formalidades. Realmente, é dificil excluir por completo a discricionarie- dade. Como consta de paginas atrés, a discricionariedade é necessdria para evitar que o grande volume de leis que existem nos esmague. Por que nio estendé-la, pois, para reduzir o numero daqueles que devem comparecer perante os jufzes e tribunais? Por que certos casos que podem ser resolvidos entre a vitima e 0 ofensor nao haveriam de poder ser resolvidos pelo Minis- tério Publico, ao invés de, sempre, ter de ser oferecida denincia A autori- dade judiciaria? & um instrumento nao muito usado no sistema anglo-saxo, mas que é amplamente usado no sistema do direito civil de certos paises, como por exemplo a Holanda, as Filipinas e 0 Japao. Em limitada extensdo, nds (da Australia) estamos fazendo semelhante experiéncia; mas é preciso que se frise, em extensio muito limitada. A discricionariedade da nossa Policia evita que inimeras pequenas desavencas de vizinhos e pequenas agressées cheguem ao Judiciario. Os infratores do transito so advertidos, conhecendo-se, também casos de pequenos furtos nas lojas ou nos locais de trabalho, cujos autores nunca foram processados. Naturalmente, temos (na Australia) também a possibilidade de resolver um pleito por meio de conciliagdo, possibilidade essa que, embora nao sendo aqui tao ampla como nos Estados Unidos, permite selecionar casos a serem ajuizados, Nos demais paises mencionados, entretanto, esse exercicio da discricionariedade ¢ literalmente amplo e sem distingao. Nenhum caso pode tomar o tempo da corte, a nao ser que seja necessario por causa das cir- cunstancias do crime ou da sua gravidade intrinseca. A mim me parece que, na Australia, maior ntimero de audiéncias judiciais poderiam ser evita- das, como também poderia ser diminuido o ntimero de processos, se fosse exercida essa forma de discricionariedade. O Procurador-Geral do Estado R. tof, legisl. Bro 21 n, 84 out./dez, 1984 313 j4 esteve no Australian Institute of Criminology discutindo o assunto conos- co. O problema pode consistir também em reduzir o atual monopélio da Policia — ou virtual monopélio de persecugio — conferindo discricionarie- dade ao Ministério Publico (legal prosecutor), sistema esse, alias, que ja funciona no territério da Capital australiana. Outro fator 6 0 de que, para © exercicio de semelhante discricionariedade, é preciso conquistar a con- fianga publica. Obviamente, ha muito argumento para objegdes a serem apresentadas por quem se sente mal servido pela discricionariedade que j& vem sendo exercida — o que permite crescente formalizacio. Nos paises atrés mencionados, tais exortagdes (nao aos érgaos judicidrios, mas a outras entidades pulicas) tém sido minimas, por causa da confianga no Ministério Publico. & de admitir, porém, que nao se possa ter certeza de que tal apoio publico generalizado dure muito tempo. Pessoalmente, eu confio na qualidade dos profissionais do direito australianos, o que me faz acreditar na pronta aceitagdo da nova proposta. Conclusées Devemos ser extremamente cautelosos a respeito das Propostas que possam fazer malograr o sistema de justica criminal, ou dela subtrair os criminosos. Lutamos durante séculos para alcangar os padrdes de eqiiidade, imparcialidade e justiga que consideramos certos. Por outro lado, a socie- dade — também ela — mudou, e o sistema formal a que damos valor pode tornar-se mais eficiente se tiver menos volume de trabalho. Tantos casos que geracdes passadas jamais teriam imaginado houvessem de chegar aos tribunais, hoje sao corriqueiros! Tantos casos que poderiam ser resolvi- dos rapidamente — em minutos, dir-se-ia — andam lentamente, durante longo tempo, até seu desfecho! Tendo-se uma legislacdo superabundante, excessiva, impondo-se a multiplicagao do numero de juizes e tribunais, é preciso que 0 processo seja simplificado, j4 que quem tem de fazer face a todas as inerentes despesas 6 0 ptblico que paga impostos. Com as devidas precaugses, entdo, havemos de escrutar alternativas — nao aquela via simplista que muitas vezes tem sido sugerida, dos comités de vizinhanga, de fabrica ou de rua, que s4o questiondveis substitutivos informais, de julgamentos imparciais, fundados na eqilidade; ao contrério, tendo 0 devido cuidado e atengio para com tudo que de negativo e de positivo possa caracterizar a mudanca. Afinal, ainda pode ser lembrado o tempo em que, em Londres, os magistrados ficavam sentados durante uma hora, todas as manhas, antes do infcio da sesso do tribunal, para ouvir quem quer que tivesse algo a postular. Desses postulantes, havia os que eram enviados ao Servico Social, havia os que eram encaminhados A Policia. e havia os que eram aconselhados a ndo serem insensatos ou precipitados. Somente a quarta parte deles concediam permissio para ingressar em Juizo. Isso, parece, era distribuir Justiga informalmente, eficazmente, com bom senso e bom coracdo. Posso acreditar que, de minha parte, eu via maior bem piblico e individual alcancado nessas reunides prévias das sessdes dos tribunais, do que o resultante dos processos formais. Cogitar a respeito de alternativas para os processos formais 6 nada mais do que cumprir o dever que incumbe a todos nés que labutamos nesta area, isto é, proporcionar justiga sem temores nem favores. 34 R. Inf. legisl. Browilia a. 21 n. 84 cut./dex. 1984

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