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Mar Sem Fim

Caravelas, o Brasil deve um favor a elas, conheça


Por

João Lara Mesquita

2 de Abril de 2018

Caravelas, o Brasil deve um favor a


elas, está na hora de conhecê-las
“Foi a partir das experiências feitas em barcos de pesca construídos pelos ‘fatimidas’
nos célebres estaleiros muçulmanos da ilha de Rawda, no Nilo, onde hoje fica a
cidade do Cairo, que os carpinteiros árabes devem ter construído o primeiro cárabo
latino de pesca que, através de simples adaptações do aparelho (sistema vélico) e
pouco mais, deu lugar às caravelas latinas, sabiamente aproveitadas pelo Infante
D. Henrique. Mas a vela latina triangular já existia no Egito, quando
os árabes aproveitaram para aparelhar o seu cárabo de pesca.” Assim escreveu
José Quirino da Fonseca, em As Origens da Caravela Portuguesa.

Os barcos que vieram dar nas costas da Bahia há muito já existiam. Foram, apenas,
melhorados pelo gênio lusitano, que adaptou-os para o seu périplo marítimo entre
os séculos 15 e 16.

A invasão da Península Ibérica pelos


mouros
A invasão da península Ibérica começou a partir de 711. Tropas muçulmanas
oriundas do Norte da África cruzaram o estreito de Gibraltar, penetrando
na península Ibérica onde ficaram até 1492.
Ilustração: http://www.causamerita.com/

Todos os historiadores lusos, incluso o maior, Jaime Cortesão, não se cansam de


explicar que foi a partir deste movimento que os portugueses avançaram na
ciência náutica como um todo, especialmente na arte da construção naval.

Os avanços náuticos dos lusos através de sua


convivência com os muçulmanos
Os mouros foram a cadeia transmissora das técnicas e saberes orientais para
o Ocidente, escreveu Quirino da Fonseca. Cortesão foi além. Em sua agora
máxima, Os Descobrimentos Portugueses, explicou a influência árabe: “os
descobridores portugueses sulcarão os mares em caravelas, e ao ‘pesar o sol‘
(mediar a altura do astro) para saber a ‘ladeza’ (latitude) dum lugar, farão girar
a alidade do astrolábio e consultarão o almanaque para conhecer a declinação
solar. E nestas palavras ouvirão o eco da cultura (referindo-se à cultura que os
árabes trouxeram) dum povo que agora, combatem, mas cujos ensinamentos,
sem o saberem, testemunham a cada hora.”

Todas as palavras grifadas foram invenções dos árabes, como o astrolábio, ou


conceitos que eles trouxeram do Oriente para o Ocidente, acelerando o
conhecimento luso.

E os árabes também foram influenciados por outros povos navegadores. Jaime


Cortesão:”… a multiplicação e o fracionamento do velame, progresso imenso, que
se estendeu ao Mediterrâneo, durante os últimos séculos da Idade Média,
provavelmente sob influência dos árabes, que o haviam recebido dos chineses.”
Barcos que precederam as caravelas
portuguesas
Mário de Vasconcelos e Sá, capítulo A Arquetetura Naval dos Séculos 15 e 16,
do livro, O Século dos Descobrimentos: “Os primeiros achamentos no tempo
do Infante D. Henrique, foram realizados em barchas, barcas, e barinéis.

Já imaginou dobrar o Bojador num tróço destes?


(Ilustração:http://wwwblogdidi.blogspot.com.br/)

“A barcha em que Gil Eanes cometeu a proeza de passar o Cabo Bojador, em


1434, tinha uma só coberta e um só mastro. Com vela redonda e cesto de
gávea. Teve origem nas nossas barcas costeiras como se vê no Chafariz de
Arroios, em Lisboa, sem castelo, com um só mastro para vela quadrangularar.”

Eis o relevo mencionado e a Barcha (Foto:ruasdelisboacomhistria.blogspot.com)

“No século 13 a palavra caravela, no sentido de barco de pesca e transporte, tal


como os cárabos mouriscos (aportuguesamento do grego κάραβος, um barco
ligeiro usado no mediterrâneo), aparece por três vezes, já no foral que D. Afonso
III, em 1255, doou à Vila Nova de Gaia. Palavras do historiador Mário de
Vasconcelos e Sá.
O cárabo mouro (Ilustração:Vasconcelos e Sá explica as modificações impostas: ” o caso
foi alterado na largura e comprimento. O fundo era pouco mais estreito que o dos
navios redondos, e o casco, provido de esporão, era como as galés e os navios a
remos. Não tinha castelo à proa, ao contrário da galé.”

A galé
(Ilustração:https://pt.wikipedia.org/wiki/Gal%C3%A9)

Continua Vasconcelos e Sá, “na forma e proporção do comprimento e de boca do


casco das caravelas foram felizes os portugueses. Pois que, opondo menor
resistência à deriva, maior facilidade tinham de virar, como se tratasse de navios de
remos. Assim se explica o motivo por que esta forma de casco, aliado ao
aparelho, permitia virar rapidamente de bordo, com segurança e facilidade.”

Repúblicas italianas também dão sua contribuição a


Portugal
Jaime Cortesão: “São de sobra conhecidas as relações entre a marinha portuguesa
e a escola náutica e cartográfica de Genova, personalizada de princípio
pelos almirantes genoveses que reorganizaram, no primeiro quartel do século
14, a marinha de guerra portuguesa.
As primeiras caravelas portuguesas
E assim, como essa mistura que remonta a quase todos os povos
navegadores antigos, nasce, aos poucos, a caravela. Depois de seu uso inicial, ela
continuou a passar por modificações, desta feita em razão das observações dos
próprios lusos.

A Caravela: origens do tipo de vela


Sabemos que o sistema de velas veio dos muçulmanos. “Uma das principais
características dos barcos muçulmanos estava na vela latina triangular, no que diz
respeito ao Mediterrâneo. Quanto ao tipo usado no Golfo Pérsico e Mar
Vermelho, era do tipo bastardo trapezoidal-, em que um dos lados, o da amura,
era tão pequeno que a vela apresentava-se aparentemente triangular. Para além
disso,” diz Quirino da Fonseca, “tem uma verga comprida e um mastro curto e
inclinado para a ré ou para avante, conforme o tipo de barco e a região a que
pertencesse.” E prossegue o historiador “deve-se aos indianos (com barcos
conhecidos como ‘pangaios’) e árabes a navegação a bolina no Índico, isto é, a
custa da vela bastarda latina.”

O pangaio e sua vela latina bastarda, a mesma das caravelas


(ilustração:http://etc.usf.edu/)

O mesmo sistema foi adotado nas caravelas portuguesas.


Mário Vasconcelos e Sá, em as caravelas de Bartolomeu Dias (o real descobridor
do Brasil, segundo Cortesão) diz o seguinte: “os navios em que Bartolomeu Dias
executou a façanha da passagem do Cabo das Tormentas ou do Diabo eram
embarcações resistentes e construídas conforme ensinamentos de exploração
marítima de Diogo Cão. O casco aproximou-se da forma da nau. O aparelho passou
a ter mais um ou dois mastros. As caravelas navegavam, em média, a 7 nós de
velocidade.

Ilustração:pt.slideshare.net

A conquista do Atlântico começou com o aperfeiçoamento dos veleiros.


Aperfeiçoando o navio, os portugueses inventaram a caravela de aparelho-
duplo: velas quadradas para andamento do vento traseiro, velas latinas para
o vento de frente. Sem essa combinação é natural que os portugueses nunca
tivessem podido descer e subir a eterna corrente dos alisados (ventos alísios). As
embarcações que Vasco da Gama atingiu a Índia, em 1497, eram do novo tipo: naus
São Gabriel e São Rafael.”
Nau São Rafael (Ilustração:http://www.notapositiva.com/)

Outra ilustração dos navios de Gama.

Atenção às velas bastardas latinas, como as dos Pangaios, e ainda usadas até hoje no
Brasil e no Índico.

A frota cabralina
“No que diz respeito às naus é de aceitar-se que as maiores, como capitânia e
El-Rei, excedessem os 200 tonéis. Sem ultrapassar no entanto o limite de 300.
E as menores, como a Anunciada, ficassem entre 100 e 200 tonéis. A média de
sua arqueação orçaria o dobro das naus de Vasco da Gama, a maior das quais não
passava de 100 tonéis, conforme Duarte Pacheco Pereira. O que mostra a rápida
evolução da marinha portuguesa em três anos apenas, de 1497 a 1500.” Esta, a
descrição da frota de Luis Adão da Fonseca, no livro Pedro Álvares Cabral-
Uma Viagem.
As naus e caravelas de Cabral

Adão da Fonseca: “A armada de Cabral, a maior até então reunida, contava com
13 navios. As naus constituem o grosso da frota. São ao todo dez navios. As
maiores capitaneadas por Cabral e Sancho de Tovar, aproximam-se dos 300
tonéis. As caravelas, em número de três, seriam redondas, de cerca de 100
tonéis, com comprimento total de cerca de 25 metros. “Note a ousadia dos
lusos: cruzar o ‘Diabo’, ou Boa Esperança; de lá atravessar o Índico e atingir
as Índias, em barcos de 25 metros!!

Ilustração:

Descendentes das caravelas ainda navegam


São barcos típicos que podem ser vistos no mar do Brasil, ou no Índico, como os
famosos Dhows. Esta é outra das riquezas desconhecidas da costa brasileira:
as embarcações típicas, recentemente tombadas pelo Iphan. Veja o saveiro de
pena.
O saveiro de pena baiano, sistema vélico igual ao das caravelas.

Mas, o gesto do órgão de nada adianta sem divulgação. A maior parte dos
brasileiros sequer cogita esta riqueza. E no entanto eles estão por aqui, navegando
até hoje. O mesmo ‘aparelho’ continua sendo a propulsão dos saveiros de pena
da Bahia, ou dos botes bastardos, do Ceará e Rio Grande do Norte. Veja a
semelhança:

O bote bastardo, do Ceará e Rio Grande do Norte.

Agora, o Dhow, do Índico…

Dhow no Índico (Foto: wikipedia)

Finalmente, o desenho da caravela do mapa de Juan de la Cosa (1500). Qualquer


semelhança NÃO é mera coincidência…
As caravelas portuguesas, Juan de la Cosa

Fontes literárias: O Século dos Descobrimentos, vários autores, ed. Anhambi;


Pedro Álvares Cabral – Uma Viagem, Luis Adão da Fonseca, Ed.INAPA; As Origens
da caravela Portuguesa, Pedro Quirino da Fonseca, Ed. Chaves Ferreira –
Publicações.

Fontes virtuais: http://ruilyra.blogspot.com.br/2014/12/caravelas-e-naus-um-


choque-
tecnologico.html; https://www.google.com.br/search?dcr=0&biw=1600&bih=738&tb
m=isch&sa=1&ei=BrPCWvSpMYOvwgT7j524AQ&q=a+frota+de+Cabral&oq=a+frot
a+de+Cabral&gs_l=psy-
ab.12…3348405.3353196.0.3356217.19.17.1.0.0.0.384.2359.0j8j2j2.12.0….0…1c.
1.64.psy-
ab..6.9.1116…0j0i67k1j0i24k1j0i8i30k1.0.squRSzdmkCU#imgrc=WuP733UjfCWp
OM; http://ahistoriaeofato.blogspot.com.br/2015/01/cabral-1467-1520-cabralmoco-
oleo-de.html; https://stravaganzastravaganza.blogspot.com.br/2017/06/a-viagem-
de-pedro-alvares-cabral-
25.html; http://etc.usf.edu/clipart/28700/28726/baggala_28726.htm.

Exploração marinha e a nova tecnologia: os drones

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COMENTÁRIOS COMENTÁRIOS DO FACEBOOK
5 COMENTÁRIOS

1. JAOliv26 de Maio de 2018 at 8:33

Excelente matéria, parabéns.

Responder

2. Ronaldo Pereira Barreto Sheldon15 de Abril de 2018 at 20:08

João e Sílvio,

Ótimos artigos. Sílvio, seria interessante que postasse também as imagens a que se
referem as notas constantes do seu artigo.
Obrigado por compartilharem seus trabalhos de pesquisa e conhecimento.
Ronaldo.

Responder

o João Lara Mesquita16 de Abril de 2018 at 0:00


Nós é que agradecemos, Ronaldo, grande abraço. Saudades de um bom
bate- papo.

Responder

3. Silvio dos Santos3 de Abril de 2018 at 8:42

A Carreira das Índias


A principal consequência dos descobrimentos portugueses no século XVI foi
estabelecer uma ligação anual entre Lisboa e os portos do Oriente, Goa, Cochim e
Malaca. A Carreira da Índia tornou-se um elo fundamental no comércio de especiarias
de Portugal com seu Império Asiático.
A nau foi o navio padrão da Carreira, sendo também utilizados galeões e fragatas
(estas apenas no final do século XVII e no século XVIII), bem como outros tipos como
a urca, a caravela redonda ou a naveta.
O tamanho ou capacidade das naus foi uma das características que mais variaram
desde a viagem de Vasco da Gama, com 100 toneladas de média até 200 t a 300 t
com Pedro Álvares Cabral e às 1000 t de 1518. A média durante os séculos de
navegação é estimada entre 400 t a 600 t no século XVI e 800 t a 1000 t no século
seguinte.
As tripulações podiam atingir até 200 homens, embora o número médio fosse de 120
a 150. No topo dessa hierarquia estava o capitão, que desempenhava funções
essencialmente judiciais, militares e administrativas. Quem verdadeiramente
governava e conduzia o navio era o piloto. Este era o posto de maior
responsabilidade a bordo, cabendo-lhe traçar a rota com a ajuda dos regimentos, das
cartas náuticas e da observação astronômica e escrever o diário de bordo. O
elemento que se seguia nesta estrutura era o mestre. Cuidava da manobra dentro do
navio, orientando e comandando tanto marinheiros como grumetes.

Selo de uma nau da Carreira das Índias na comemoração dos 500 anos do Brasil

Além da condução da embarcação, a manutenção da nau era imprescindível, e para


executá-la os seguintes postos eram ocupados por uma série de profissionais que se
dividiam por atividades e funções bem distintas, desde o guardião a carpinteiros,
calafetes ou tanoeiros.
Com funções não ligadas especificamente ao mar, seguiam o meirinho ou alcaide, o
capelão, o escrivão e um ou vários despenseiros, e por vezes o boticário e o
cirurgião/médico, substituído ocasionalmente por um barbeiro que prestava os
primeiros socorros
Além da tripulação, o contingente mais importante era o dos soldados. Nas naus
viajavam também os fidalgos e nobres e suas famílias, que iriam assumir cargos
administrativos ou militares, os religiosos, homens de negócios ou simples
aventureiros.
Antes da partida era necessário preparar o navio, como os reparos, fornecimento de
todo o tipo de materiais necessários para a viagem, desde velas a mastros e
cordame. A seguir escolher e nomear a tripulação. Fazer os abastecimentos, desde a
alimentação, à água, à artilharia e à botica. Por fim o registro de tudo e controle do
embarque das mercadorias com destino ao Oriente, só depois se podia dar a ordem
de partida. Tudo isto era gerido pela máquina administrativa e logística do Estado
onde se destacavam duas instituições: a Casa da Índia como base comercial,
administrativa e de gestão de todos os aspectos comerciais e financeiros; e os
Armazéns da Índia que tinham alçada sobre toda a logística, fornecendo todos os
materiais e produtos necessários para o sucesso da viagem.
A data de partida dependia das diversas condicionantes da navegação à vela. Ventos,
correntes e marés eram escolhidos por forma a encurtar o tempo e os perigos da
viagem. Os limites mais comuns para a partida de Lisboa eram entre os meses março
até abril para que os navios pudessem acompanhar os ventos favoráveis no Atlântico
e chegar ao Índico na época da monção grande de sudoeste no Oceano Índico. Para
o retorno, a melhor época era entre dezembro até março, quando sopra a monção de
Nordeste.
De Lisboa até Cabo Verde não havia grandes dificuldades. No Atlântico Sul que
surgiam os primeiros problemas. Era preciso escolher a longitude certa para se
aproximar da costa brasileira iniciando a volta para leste, contornando o alísio no
Atlântico Sul. O cuidado tinha de ser extremo porque se a viragem fosse feita muito
tarde podiam as naus ensacar-se no Golfo da Guiné e se a fizesse muito cedo
podiam atingir a costa brasileira. Da costa brasileira seguia-se em direção ao cabo da
Boa Esperança. A passagem era sempre bastante complicada, porque junto à costa
as fortes correntes contrárias, e mais a sul as tempestades e o mar revolto eram uma
constante no período habitual de passagem que coincidia com o Inverno Austral.

Rotas marítimas das Carreiras das Índias

Após o descobrimento do caminho para as Índias por Vasco da Gama, os


portugueses aprimoraram a navegação pelos oceanos Atlântico e Índico em função
dos regimes dos ventos e das correntes marítimas ao longo do ano.
A navegação no Atlântico foi descrita no artigo anterior. No Oceano Índico, após o
Cabo da Boa Esperança, era importante também a questão de datas. As naus
seguiam em direção ao norte e tinham que escolher entre fazer a viagem por dentro,
pelo canal de Moçambique, ou por fora, passando a leste da ilha de Madagascar.

Comparação entre rotas portuguesas e as árabes/venezianas


Essa escolha tinha de ser feita, segundo os regimentos da navegação portuguesa, de
acordo com a data em que se ultrapassava o Cabo da Boa Esperança, sendo meados
de julho à data de transição. A viagem por dentro seguia então a costa de
Moçambique onde se podia, ou não, fazer escala ou seguir diretamente para Goa ou
Cochim.
A alternativa a leste exigia alargar a rota, após dobrar o Cabo da Boa Esperança, até
se estar a 100 léguas da ponta sul de Madagáscar, seguindo pelo Índico Central até
Goa ou Cochim. Uma outra rota seguida era em direção a Malaca, quando o destino
era a China, seguindo diretamente para aquela cidade.
Pedro Álvares Cabral na torna-viagem, isto é a viagem de volta, já efetuou uma das
variantes possíveis no Índico: a viagem por dentro. Esta era a rota inversa da que se
fazia à ida. A viagem de volta por fora também era simétrica à ida.

Selo do centenário do nascimento de Vasco da Gama


Dentro desse contexto das navegações portuguesas, que tão fortemente marcou a
civilização lusitana, podemos apreciar o poema “Mar Português”, de Fernando
Pessoa.

Ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Farol do Cabo Bojador, Saara Ocidental, África

As naus da Carreira das Índias, embarcações utilizadas na viagem Lisboa – Índia –


Lisboa, eram construídas quase exclusivamente na Ribeira das Naus, em Lisboa, ou
na Índia, nas cidades de Goa ou de Baçaim, estas responsáveis pelos devidos
reparos para a viagem de retorno. Existem, no entanto, registros de naus da Índia
construídas, esporadicamente, em outros locais, como por exemplo, na Terceira do
Arquipélago dos Açores.
A vida útil destas naus era curta, raramente a sua construção resistia a mais de 2 ou
três viagens, perdendo-se mesmo uma parte substancial das embarcações na
primeira viagem de retorno, devido às deficientes condições de estiva da carga. O
testemunho do navegador Duarte Gomes de Sólis, quando regressava da Índia, em
1591, relata que a causa do naufrágio, além das condições adversas do mar, foi o
excesso de carga mal arrumada nos conveses da nau.
Outra causa de naufrágio era a utilização, na construção das naus, de madeiras ainda
verdes como aconteceu, em 1593, com a nau São Cristóvão que se foi a pique devido
à entrada da água por entre os vãos das pranchas de madeiras.
Geralmente, as naus de maior porte possuíam quatro cobertas onde cabia um homem
de pé, sem tocar com a cabeça no teto e ainda sobram mais de dois pés, conforme
testemunha Pyrard de Laval, mas convém lembrar que a estatura média do homem,
principalmente o português, não era alta. Possuíam igualmente dois castelos, de proa
e de popa, que tornavam a nau muito pouco manobrável em condições de vento
moderado. Eram armadas, geralmente, com 35 a 40 peças de bronze, havendo
outras peças de menor calibre. Os mastros eram de grande dimensão, sendo
aparelhados a partir de várias madeiras, cintados com anéis de ferro e cordoalha.
Segundo relato de Montalvo: “para combater o teredo, um verme xilófago que se
destrói a madeira dos cascos, os portugueses inseriam pedaços de chumbo nas
juntas e revestiam o casco com uma nova fiada de tábuas de pinho, após o que o
cobria com uma mistura de enxofre e sebo, o que conferia um aspecto escuro ao
navio, causando um enorme espanto aos povos asiáticos”.

As rotas de ida em vermelho e as de volta em verde, com as variações em torno da


Ilha de Madagascar

Estaleiros em Ribeira das Naus em Lisboa no Século XV


Ribeira das Naus: “Em Portugal e nos seus domínios ultramarinos existiram, ao longo
dos tempos, dezenas de estaleiros com alguma importância. Um associado à
iniciativa privada quer em termos de produção, quer em termos de encomendas, e
outros controlados pela Coroa, vocacionados para a satisfação das encomendas da
marinha real”.

Responder

4. Silvio dos Santos3 de Abril de 2018 at 8:24

João Lara Mesquita

muito bom o artigo


parabéns

vc conhece A Carreira da Índias?

um texto muito bom relacionado com o seu artigo

abraços

Sílvio dos Santos

Responder

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