Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Não posso também deixar de agradecer a um conjunto de investigadores com quem fui
contactando ao longo deste processo e que foram, cada um à sua maneira, uma grande ajuda.
Assim, um muito obrigada a Martin Bommas, Nicolas Picardo, Ana Tavares, Kasia
Szpakowska, Tetsu Hanasaka, Matthew Douglas Adams, Penelope Wilson, Joan Knudsen,
Carol Redmount, Barry Kemp, Anna Stevens, David Anderson, Georges Soukiassian, Laure
Pantalacci, Deborah Sweeney, Burkhard Backes, Nicola Harrington, Petra Verlinden,
Krzysztof Ciałowicz e James Hoffmeier. E também um agradecimento a Ronaldo Gurgel
Pereira pelas traduções das inscrições de Deir el-Medina.
Para a minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Maria Helena Trindade Lopes um agradecimento
especial por ter empreendido comigo está viagem faraónica pela Religião Doméstica no
Egipto antigo. Sabíamos que ia ser difícil, não só pela dimensão do tema, mas também pelas
condições em que me dispus a faze-lo. Mas cá estamos. Mais uma etapa. Obrigada por
acreditar em mim, por me dizer sempre que eu ia conseguir.
O sagrado num espaço profano: a Religião Doméstica no Egipto antigo
RESUMO
ABSTRACT
KEYWORDS: Household Religion, ancient Egypt, home, family, ancestors, gods, magic,
material sources
ÍNDICE
Introdução ........................................................................................................................................ 1
I. 3. Problemáticas e condicionalismos.................................................................................14
II.3.3.2. Decorações..............................................................................................80
Conclusão..................................................................................................................................... 265
Anexos .............................................................................................................................................. i
Anexo 3 – Mapa do Egipto antigo com os povoados considerados no estudo ............... xvi
Anexo 4 – Base de dados com as fontes materiais para o estudo da Religião Doméstica xvii
Anexo 5.4.3 – Fontes materiais: objectos – Estátuas, estatuetas e bustos ........ cvi
“ (…) como diz Temistio, o nosso saber he a mais pequena parte do que ignoramos.”
Garcia d’Orta, Colóquio dos simples e drogas:
Colóquio XIII do cardamomo e das carandas, Vol. I, 1981, p. 179.
Esta prática é parte integrante do fenómeno religioso do Egipto antigo e, como tal,
estudá-la e compreendê-la de forma mais completa e aprofundada é contribuir, activamente,
para um mais efectivo conhecimento desta civilização. Todavia, a verdade é que este tema
não foi, até agora, alvo de uma investigação de fundo, integral, que permita ter dela uma
imagem clara e definida. E é neste vazio que nos posicionamos.
Com vista a atingir o nosso propósito iremos dividir esta tese em quatro capítulos.
1
Seguidamente, faremos uma identificação e apresentação das problemáticas e
condicionalismos que, de início, se posicionam como potenciais entraves ao tipo que nos
tencionamos realizar.
A segunda parte deste capítulo será dedicada às fontes materiais. Começaremos por
expor a metodologia e os critérios usados para a selecção dos vestígios e por explicar a lógica
de funcionamento da base de dados. Seguidamente, identificaremos os povoados onde foram
encontrados os vestígios e finalizaremos com uma breve apresentação de cada tipo de fonte.
2
Começaremos por abordar a dispersão espacial tendo por base a localização geográfica
dos povoados onde forem identificados os vestígios materiais estudados. Este enquadramento
procurará, por um lado, identificar a dispersão geográfica da Religião Doméstica pelo
território considerado. E, por outro lado, visará detectar se esta prática esteve presente, de
forma mais óbvia e premente, em determinada zona ou zonas.
Num segundo momento daremos atenção à dispersão temporal desta prática tendo em
conta a datação das fontes que resulta, obviamente, dos períodos de presença dos povoados de
onde provêm. Este enquadramento temporal clarificará a expressão da Religião Doméstica ao
longo do tempo (nos períodos considerados), e elucidará sobre a sua incidência em
determinado(s) momento(s). Daqui decorre a possibilidade de se confirmar se existiu, ou não,
uma época ou épocas predominantes.
O ponto dedicado aos deuses terá por objectivo a identificação, através das fontes
materiais, das divindades que o crente egípcio evocou no contexto das suas práticas religiosas
em casa. O recurso a uma análise quantitativa permitirá, ainda, perceber se existiam
divindades que se destacassem nas preferências do crente em contexto doméstico.
3
As manifestações da Religião Doméstica, ou, por outras palavras, as condutas mágico-
religiosas que foram levadas a cabo pelo crente egípcio, serão o tema do quarto e último
ponto. No seu âmbito consideraremos o culto dos antepassados, o culto a divindades, a magia
e outros (inclui a onomástica, os enterramentos infantis em espaço doméstico e a transmissão
de valores morais). Este é o ponto que, efectivamente, nos porá em contacto com o que era a
Religião Doméstica, com aquilo a que esta prática correspondia, com as suas expressões em
termos concretos e funcionais.
Importa ainda clarificar que o estudo que pretendemos produzir se foca numa
perspectiva geral sobre a Religião Doméstica no Egipto antigo. Ao contrário do que tem sido
feito até agora em que as investigações privilegiam algum tipo de vestígio, manifestação,
motivação e/ou proveniência, o nosso trabalho visa um panorama global e inclusivo.
Por fim, é também necessário estabelecer balizas temporais e espaciais. Assim, esta
investigação irá cobrir o período temporal entre o início do Período Dinástico e a Época
Baixa. Geograficamente, circunscrevemos o estudo ao território egípcio com expansão para a
zona da Núbia quando sob domínio egípcio. Estes critérios são, essencialmente, aplicados à
selecção a fazer no que respeita às fontes materiais e aos povoados de onde estas são
provenientes e tem, obviamente, repercussão na definição do período da caracterização.
Como fica claro nesta apresentação introdutória à nossa investigação, não existe uma
questão específica para a qual se ambicione encontrar uma resposta. O cenário que se nos
apresenta é o da ausência de um estudo de fundo, de uma análise global de uma prática
religiosa, a Religião Doméstica, que é parte integrante do fenómeno religioso no Egipto
antigo. Assim sendo, o que se pretende é preencher esta ausência.
4
CAPÍTULO I: Reflexão Teórica. Problemáticas e Condicionalismos
A Religião Doméstica é uma faceta do fenómeno religioso no Egipto Antigo que tem
sido relegada para segundo plano pelos estudiosos, facto que é evidenciado pelo pequeno
número de títulos que, na bibliografia, são dedicados ao tema. Esta prática religiosa, a forma
encontrada pelos antigos egípcios para, em sua casa, dar resposta à sua necessidade de
contactar com o divino, é uma temática que não foi ainda alvo de um estudo geral e
aprofundado. É um assunto cujas diferentes premissas não foram ainda exploradas na sua
totalidade, sendo que, algumas delas, estão mesmo totalmente ausentes da bibliografia. Ou
seja, no geral, é um tema em torno do qual existe um grande vazio que conduziu,
inclusivamente, a algumas ideias e conclusões menos exactas.
Assim sendo, serve este primeiro capítulo para oferecer uma perspectiva prévia das
questões que se colocam ao iniciar o estudo da Religião Doméstica no Egipto antigo. Antes de
avançarmos para a exploração da temática vamos começar por desconstruir as problemáticas e
condicionalismos que dificultaram, até aqui, a concretização de uma análise completa deste
fenómeno religioso. Para isso iremos identificar e enquadrar o tema em estudo, apresentando
seguidamente o “estado da arte”, isto é, o que já foi feito e o que falta fazer e, por fim,
concretizaremos as problemáticas e condicionalismos em causa. Esta análise introdutória irá,
também, delimitar alguns dos vectores subjacentes à investigação realizada.
É comum citar Heródoto, que dizia serem os egípcios os mais religiosos de todos os
homens, para ilustrar a preponderância da religião na civilização egípcia. No Egipto antigo
todos os aspectos da vida quotidiana eram medidos, codificados, inspirados e justificados por
um elaborado, complexo e quase omnipresente sistema religioso. A religião estava presente
em todos os âmbitos da vida com uma interferência tanto no domínio público como privado,
5
tanto na vida como na morte. Mas aquilo que geralmente aparece sob a designação de
Religião egípcia corresponde, na verdade, a apenas uma das suas facetas, aquela que
designaremos aqui de Religião Oficial1.
A Religião Oficial não tem correspondência com a ideia actual de uma assembleia de
crentes que presta culto a uma divindade no espaço que lhe é dedicado. No Egipto antigo o
templo era a morada do deus e o acesso do crente ao seu interior era restrito2. Ou seja, o
contacto, a interacção entre o crente egípcio e o divino, no seio da Religião Oficial, era
limitado3. A. Sadek afirma: “This was a religion for, on behalf of, the people – but not a form
of religion practised by the people.”4
Porém, os egípcios aspiravam a mais, a uma experiência mais directa, mais concreta
com o sagrado5, a uma relação de amor, de protecção, de comunicação com o divino de modo
a assegurar o seu apoio nas dificuldades do quotidiano, a sua interferência no destino do
crente e da sua família. Assim, vamos identificar, no seio da Religião Egípcia, um outro
conjunto de práticas religiosas, mais flexíveis, informais, pessoais, de resposta directa e
benefício individual6 que tinham por finalidade responder a estas necessidades espirituais do
Homem egípcio.
1
O que designamos de Religião Oficial aparece na bibliografia também como Religião Estatal.
2
Cf. A. Stevens, Private religion at Amarna: the material evidence, British Archaeological Reports International
Series 1587, Oxford, Archaeopress, 2006, p. 17; B. Kemp, “How religious were the ancient Egyptians?” in
Cambridge Archeological Journal, 5, (1), Cambridge, 1995, p. 26; J. Baines, “Society, morality, and religious
practice” in B. Shafer (ed.), Religion in ancient Egypt: gods, myths and personal practice, Ithaca, Cornell
University Press, 1991, p. 126.
3
Cf. J. Baines, Op. Cit., pp. 149 e 172.
4
A. Sadek, Popular religion in Egypt during the New Kingdom, Hildesheimer ägyptologische Beiträge, 27,
Hildesheim, Gernstenberg, 1987, p. 1.
5
Cf. J. Baines, Op. Cit., p. 172.
6
Cf. A. Stevens, Op. Cit., p. 20.
6
Estas práticas surgem na bibliografia sob diferentes designações 7. A. Erman em 1911,
na obra Denksteine aus der thebanischen gräberstad, e em 1912, na obra Development of
Religion and thouhgt in ancient Egypt, optou por chamar-lhes Piedade Pessoal. Em 1916 B.
Gunn chamou-lhes ‘Religião dos pobres’8, contudo, se a segunda caiu em desuso por se ter
provado errónea9, a primeira levanta ainda discussão entre os estudiosos que consideram que
Piedade Pessoal pode ser uma expressão ‘perigosa’ por poder induzir a paralelos enganadores
com o Cristianismo10. Assim, foram surgindo na bibliografia outras propostas, com diferentes
justificações, baseadas ou no tipo de fontes utilizado ou na opção da abordagem realizada.
Mais concretamente, vemos este conjunto de práticas religiosas ser designado por Religião
Popular11, Religião Prática12 ou Religião Privada13. J. Assmann, que considera Piedade
Pessoal um blanket term14, propõe Gottesnähe15, expressão que podemos traduzir por
‘proximidade com um deus’ e que clarifica o estado a que se aspira quer através da prática
religiosa quer através da emoção.
Ainda que Gottesnähe seja a expressão que melhor explica o objectivo destas práticas,
optamos por usar a designação original, Piedade Pessoal, considerando que é a que, sem
explicações adicionais, mais facilmente permite a compreensão global do que está em causa16.
7
Questão analisada em detalhe por M. Luiselli, “Personal piety (Modern theories related to)” in J. Dielman, W.
Wendrich (eds.), UCLA - Encyclopedia of Egyptology, Los Angeles, 2008.
8
Cf. Gunn, B., “The religion of the poor in ancient Egypt” in Journal of Egyptian Archaeology, 3, London,
1916, pp. 81 – 94.
9
Cf. R. Ritner, “Household religion in ancient Egypt” in J. Bodel, S. Olyan (eds.), Household religion in
antiquity. The ancient world: comparative histories, Oxford, Blackwell Publishing, 2008, p. 172; P. Vernus,
Affaires et scandales sous les Ramsés, Paris, Pygmalion / Gérard Watelet, 1993, p. 192.
10
Cf. M. Luiselli, Op. Cit., p. 4.
11
Cf. A. Sadek, Op. Cit..
12
Cf. J. Baines, Op. Cit.; J. Baines, “Practical religion and piety” in Journal of Egyptian Archaeology, 73, 1987.
13
Cf. A. Stevens, Op. Cit.
14
Cf. J. Assmann, The mind of Egypt. History and meaning in the time of the Pharaons, New York, Metropolitan
Books – Henry Holt Company, 2002, p. 229.
15
Cf. J. Assmann, Ägypten: theologie und frömmigkeit einer früheren hochkultur, Stuttgart, Berlin, Köln, Mainz,
Kohlhammer, 1984. Expressão também usada por H. Brunner, “Gottesnähe und –ferne”in W. Helck, E. Otto
(eds.), Lexikon der Ägyptologie, Vol. 2, Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1977, cols. 817 – 819; M. Luiselli, Op.
Cit., p. 4.
16
Ph. Derchain, que usa a mesma expressão, aplica-a para falar de “(…) tout ce qui nous parle des rapports
personnels entre les dieux et les croyants (…).” Cf. Ph. Derchain, “La religion égyptienne” in Histoire des
Religions I, Encyclopédie de la Plèiade, Paris, Éditions Gallimard, 1970, p. 119.
17
A questão da diacronia do fenómeno da Piedade Pessoal será analisada posteriormente.
7
Estas práticas assumem diferentes formas como, por exemplo, as visitas e oferendas
nas zonas acessíveis dos grandes templos18, e nas capelas exteriores aos templos como em
Karnak ou em pequenas capelas em povoados, como é o caso de Deir el-Medina. Em Deir el-
Bahari, no complexo funerário de Hatchepsut, foi identificado um grande número de ex-votos
dedicados a Hathor19.
18
A título de exemplo podemos apontar a zona da muralha do templo que era entendida como um ponto de
contacto com o divino. No templo de Ptah em Mênfis pode ler-se: “(...) ao pé da grande muralha, porque é o
local onde os pedidos são atendidos.” Cf. F. Dunand, Ch., Zivie-Coche, Dieux et hommes dans l’Egypt. 3000 av.
J.-C. Anthropologie religieuse, Paris, Armand Colin Éditeur, 1991, p. 118.
19
Cf. G. Pinch, Votive offerings to Hathor, Oxford, Griffith Institute, Ashmolean Museum, 1993; G. Pinch,
“Offerings to Hathor” in Folklore, Vol. 93, No. 2, Milton Park, Abingdon, Oxfordshire, 1982, pp. 138 – 150.
20
De acordo com P. Vernus os oráculos eram uma outra forma de relação com a divindade. Cf. P. Vernus, “Le
dieu personnel dans l’Egypte pharaonique” in Colloque de la société Ernest Renan, Orsay, 1977, p. 146.
21
Cf. A. Sadek, Op. Cit., p. 2.
22
Cf. Ibidem, pp. 2 e 294.
8
Dentro do conjunto da Piedade Pessoal deixámos, propositadamente, para o fim a
prática que é o mote de toda esta exposição: a Religião Doméstica.
No Egipto antigo a casa foi também um espaço de contacto com o divino. O indivíduo,
só ou em família, usou a sua casa para realizar rituais e/ou dar forma a procedimentos que
expressavam a sua religiosidade e a sua necessidade de contactar com o sagrado. É no
contexto mais íntimo e familiar que a Piedade Pessoal se vai revelar nos seus procedimentos
mais específicos e particulares.
Começámos por dizer que umas das fraquezas da Religião Doméstica, em termos de
estudo, é o grupo onde ela se insere. Concretizando agora: é também pelo facto de a Religião
Doméstica ser parte deste fenómeno religioso mais proeminente que é a Piedade Pessoal que
ela tem sido relegada para segundo plano e nunca abordada na sua totalidade mas apenas
referida ou brevemente caracterizada enquanto manifestação da Piedade Pessoal. R. Ritner
afirma: “For Egyptology, all discussion of household or family religion is but a minor facet
subsumed within a broader classification termed ‘popular’ or ‘personal’ religion, or far less
accurately ‘the religion of the poor”23. E o autor concretiza esta ideia oferecendo o exemplo
da obra de A. Sadek: “An illustrative example of the relatively diminished interest accorded
the household religion is provided by the 1987 study by Ashraf Sadek entitled ‘Popular
Religion in Egypt during the New Kingdom’, which opens by noting that ‘the focus of
personal worship is multiple: at home, in minor shrines and cult places [...] and at the outer
fringes of the great official temples.’ Aside from this initial mention of ‘at home’, the house
and its religious role are cited on only five additional pages within the 296 page volume.”24
23
R. Ritner, Op. Cit., p. 172.
24
Ibidem.
25
Cf. A. Stevens, “The material evidence for domestic religion at Amarna and preliminary remarks on its
interpretation” in Journal of Egyptian Archaeology, 89, 2003, p. 143; A. Stevens, “Domestic religious practices”
in J. Dielman, W. Wendrich (eds.), UCLA, Encyclopedia of Egyptology, Los Angeles, 2009, p. 1.
26
Cf. F. Friedman, “Aspects of domestic life and religion” in L. Lesko (ed.), Pharaoh's workers: the villagers of
Deir el Medina, New York, Cornell University Press, 1994, p. 96.
9
religion, defined here as religious conduct undertaken strictly within the confines of the
house.”27 E F. Friedman sintetiza: “[...] Domestic religion, practices carried on the
household.”28
Na prática, estas duas formas de entender a Religião Doméstica traduzem dois tipos de
critérios: para uns ela é uma prática específica com características próprias e para outros ela é
o próprio conjunto das diferentes práticas religiosas do crente egípcio33.
Uma vez que é necessário estabelecer, desde início, os critérios de abordagem ao tema
foi imperativo fazer uma escolha entre estas duas perspectivas e esclarecer exactamente de
que falamos quando falamos de Religião Doméstica no Egipto antigo. Assim, assumindo uma
proximidade nas motivações e até nos gestos, assumimos o factor espaço como elemento
diferenciador e portanto definidor de uma identidade própria. Consideramos que o espaço de
ocorrência deve assumir primazia quando se pretende definir o que é a Religião Doméstica.
Este factor apresenta-se como aquele que pode garantir que esta temática recebe a atenção há
muito devida e que esta não se dispersa pelas restantes manifestações da Piedade Pessoal.
Deste modo, aqui falaremos de Religião Doméstica enquanto o conjunto das práticas
de cariz religioso que tinham lugar no espaço doméstico, assumindo-a como parte integrante
do fenómeno mais lato e abrangente que é a Piedade Pessoal.
27
A. Stevens, Op. Cit., 2003, p. 143.
28
F. Friedman, Op. Cit., p. 96.
29
Cf. R. Ritner, Op. Cit..
30
Cf. B. Lesko, “Household and domestic religion in ancient Egypt” in J. Bodel, S. Olyan (eds.), Household
religion in antiquity. The ancient world: comparative histories, Oxford, Blackwell Publishing, 2008.
31
R. Ritner, Op. Cit., p. 186.
32
B. Lesko, Op. Cit., p. 197.
33
Neste âmbito podemos ainda referir outro caso em que a definição do que se entende por Religião Doméstica
pode ser considerada enganadora: B. Kemp identifica a Religião Doméstica exclusivamente com a magia, numa
perspectiva bastante redutora das manifestações desta prática religiosa. Cf. B. Kemp, Op. Cit., pp. 26 e 32.
10
I.2. “Estado da arte”
Começámos por afirmar que a Religião Doméstica é um tema que não foi ainda alvo
de um estudo geral e aprofundado, contudo, o vazio na produção bibliográfica e na
investigação do tema não é absoluto e portanto, é importante conhecer o que já foi feito antes
de avançar para o que falta fazer.
Os estudos de carácter geral, aqueles que dão sobre a temática uma perspectiva mais
ou menos abrangente e generalista, são os mais escassos, estando reduzidos a três exemplos:
Household Religion in Ancient Egypt de R. Ritner de 2008, Household and domestic religion
in Ancient Egypt de B. Lesko de 2008 e de A. Stevens Domestic Religious Practices de 2009.
De notar que são três trabalhos bastante recentes, 2008 e 2009, e os dois primeiros
pertencem à mesma obra que por sua vez é totalmente dedicada à Religião Doméstica34.
Vejamos, então, estes três artigos em detalhe.
R. Ritner começa por chamar a atenção para a ausência do tema Religião Doméstica
na bibliografia, apontando algumas causas para esta situação tais como o desconhecimento da
arquitectura doméstica e a dificuldade de clarificar a noção de família. Seguidamente o autor
explora com mais detalhe algumas motivações e práticas da Religião Doméstica com especial
enfoque para as que estão relacionadas com momentos chave da vida familiar como a
gravidez e o nascimento. Apesar de explorar algumas condutas, o artigo acaba por estar
principalmente direcionado para as motivações que lhe estão subjacentes.
34
J. Bodel, S. Olyan (eds.), Household religion in antiquity. The ancient world: comparative histories, Oxford,
Blackwell Publishing, 2008.
11
no que respeita à funcionalidade das chamadas Box Bed35 e são, ainda, referidos
procedimentos como a difusão dos valores morais e a protecção contra o mau-olhado.
Por fim, referimos o artigo de A. Stevens, que pode ser considerado absolutamente
fundamental, pois apresenta uma verdadeira síntese crítica da questão. A autora começa por
fazer uma análise das fontes disponíveis, textuais e arqueológicas, com especial enfoque para
estas últimas. Com esta caracterização avança para a identificação de tipos de ritos e
performances, motivações, divindades, etc. Essencial para a presente investigação foi a
listagem que é apresentada no fim com os povoados onde foram identificadas fontes materiais
para o estudo do tema.
35
Devido à ausência de uma expressão em português que traduza correctamente a ideia subjacente à designação
Box Bed, optamos por utilizar a expressão em inglês. Reconhecemos ainda a existência na bibliografia de outras
terminologias para designar a mesma estrutura. Em francês ‘lit clos’ e traduzindo do inglês: ‘camas elevadas’,
‘construções semelhantes a camas’ e ‘camas fechadas’, sendo que todas elas apresentam o mesmo problema.
12
Dedicados a um tipo de fonte ou manifestação identificamos trabalhos como o de J.
Demarée de 1983, 3ḫ iḳr n R’-stelae: on ancestor worship in ancient Egypt, um estudo sobre
as estelas dedicadas ao culto dos antepassados e, com uma proximidade temática, podemos
referir outros títulos como Ancestor busts de K. Exell (2008) e Anthropoid busts of Deir el-
Medineh and other sites and collections: analyses, catalogue and appendices de J.L. Keith
Bennett (2011), ambos trabalhos de recolha e análise dos bustos antropóides, um tipo de
vestígio também associado ao culto dos antepassados.
No caso dos estudos que conjugam determinada fonte e povoado temos, por exemplo,
de S. Ikram Domestic shrines and the cult of Royal family at Tell el-Amarna de 1989 que trata
dos altares domésticos de Amarna usados no culto da família real; de F. Friedman On the
meaning of some anthropoid busts from Deir el-Medina de 1985, um artigo sobre os bustos
antropóides provenientes de Deir el-Medina; de A. Koltsida Birth-bed, sitting place, erotic
corner or domestic altar?, de 2006, uma análise sobre as Box Bed de Deir el-Medina; de K.
Spence A contextual approach to ancient egyptian domestic cult: the case of the lustration
slabs at el-Amarna de 2007, um trabalho dedicado a uma estrutura doméstica de potencial
cariz cultual identificada em Tell el-Amarna e, por fim, de E. Teeter Baked clay figurines and
votive beds from Medinet Habu de 2010, sobre diferentes figuras de barro (animais, figuras
humanas e camas votivas) provenientes de Medinet Habu.
Referimos apenas alguns exemplos de uma vasta panóplia mas estes são ilustrativos do
cenário actual da investigação: há um claro enfoque sobre o estudo dos vestígios provenientes
de Tell el-Amarna e Deir el-Medina, o que apesar de se justificar pela riqueza dos dados daí
provenientes, acaba por deixar de parte outros períodos temporais para além do Império Novo
assim como os tantos outros povoados que, com maior ou menor peso, acabam também por
dar o seu contributo para um mais completo entendimento desta prática religiosa. Ou seja, até
podemos considerar que há bastante trabalho feito e que alguns aspectos estão já bastante
explorados, como é, por exemplo, o caso das estelas e bustos associados ao culto dos
antepassados ou as Box Bed de Deir el-Medina. Contudo, se olharmos para a lista de A.
Stevens do seu artigo de 2009 e compararmos a produção bibliográfica existente com os
vestígios e povoados por ela listados percebemos que há ainda muito deixado de fora, a
merecer um primeiro olhar ou um estudo mais exaustivo.
Neste mapeamento que estamos a fazer sobre a bibliografia produzida sobre a Religião
Doméstica no Egipto antigo parece-nos importante abrir um espaço para incluir uma
referência às obras que, não sendo directamente dedicadas ao tema, são essenciais para ajudar
13
a entender, interpretar, complementar as informações que as fontes da Religião Doméstica nos
fornecem. Podemos incluir aqui, por exemplo, trabalhos sobre a magia, os sonhos, a mulher,
crianças e família, sobre os deuses, a arquitectura doméstica, entre outros. Não são
investigações sobre a Religião Doméstica mas tornam possível que esta seja desenvolvida.
36
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, pp. 1 – 2.
14
subjacentes37. E é neste conjunto de fontes onde vamos identificar as maiores dificuldades, os
factores que se apresentam como potenciais dissuasores à concretização do objectivo.
De um modo geral, podemos dizer que o conjunto das fontes materiais tem uma
natureza fragmentária, dispersa e até indirecta38 e, apesar de se tratar de uma colecção
bastante diversificada que abrange diferentes tipologias de objectos e estruturas, no seu total
corresponde a uma quantidade bastante reduzida quando comparada com, por exemplo, as
fontes disponíveis para o estudo da Religião Oficial. Em suma, as fontes materiais a que
podemos recorrer para o estudo da Religião Doméstica no Egipto antigo apresentam-se, logo
à partida, como um grupo limitado ainda que diversificado, desordenado e complexo.
Além desta questão dos registos imprecisos, somos também por vezes confrontados
com critérios de selecção de informação que consideram que uma peça tão simples como, por
exemplo, um animal de barro, não é digno de nota e que, como tal, o seu achamento é omitido
ou apenas brevemente referido. Podemos a perder dados de grande valor no contexto desta
temática só porque, à partida, estes foram desvalorizados. Um pequeno animal de barro não
tem o mesmo impacto que uma estátua de granito.
37
Cf. Ibidem, p. 3.
38
Cf. Ibidem, p. 1.
39
Cf. Ibidem, p. 3.
15
As problemáticas e condicionalismos no tratamento das fontes materiais focam-se em
três pontos essenciais: a diacronia, a localização espacial e as dificuldades de classificação e
interpretação.
Deste modo, a ideia com que se parte para esta pretendida caracterização geral da
Religião Doméstica no Egipto antigo é a de que ela só poderá ser efectivamente concretizada
sobre a sociedade egípcia a partir do Império Novo, pois as fontes existentes para os períodos
anteriores serão muito mais escassas e lacónicas.
E este aspecto é reforçado pela segunda questão apontada: a localização espacial, isto
é, os locais de origem das fontes.
A grande maioria das fontes não só será datada do Império Novo e períodos seguintes
como, supostamente, é proveniente maioritariamente de dois povoados em particular: Tell el-
Amarna e Deir el-Medina. Assim, não só dificilmente poderemos entender a Religião
Doméstica antes do Império Novo como, mesmo para este período, não conseguiremos obter
conclusões de grande monta uma vez que a maioria das fontes disponíveis provêm de dois
povoados em particular e bastante particulares. Estamos, mais uma vez, aparentemente,
perante um amplo impedimento à realização da investigação aprofundada sobre o tema.
Sobre esta questão, C. Renfrew afirma: “Places set aside for religious observances
and objects used specifically for cult purposes may, in favourable circumstances, be
recognized as such. Such identification is much less easy when locus of religious activity has
40
Cf. Ibidem, pp. 1 e 3.
16
a whole range of other functions, or when the artefacts used there also have other, secular
uses.”41 E também: “One problem that archaeologists face is that these belief systems are not
always given expression in material culture. And when they are – in what one might term
‘archaeology of cult’ defined as the system of patterned actions in response to religious
beliefs – there is the problem that such actions are not always clearly separated from other
actions of everyday life: cult can be embedded within everyday functional activity, and thus
difficult to distinguish from it archaeologically.”42
C. Refrew refere: “(…) the inference of cult significance may plausibly be carried
from one context to another in favourable circumstances. If a particular symbol has been
41
C. Renfrew, “The archaeology of religion” in C. Renfrew, E. Zubrow (eds.), The ancient mind. Elements of
cognitive archaeology, Cambridge, Cambridge University Press, 1994, p. 47.
42
C. Renfrew, P. Bahn, Archaeology. Theories, methods and practice, London, Thames & Hudson, 1996, p. 388.
43
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 3; A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 22.
44
A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 28.
17
identified as of cult significance, through an analysis of a context in one assemblage, its
occurrence in another may well carry some presumption of a ritual context there also.”45
Porém, no caso dos objectos, mesmo aferida com alguma certeza a sua natureza
religiosa, existem ainda outras dificuldades. Por um lado, apesar de terem sido encontrados
em casas esse poderia ser um ponto de passagem, isto é, estavam guardados em casa mas para
serem usados noutro local, e, por outro lado, o objecto em casa poderia estar a ser reutilizado,
com um fim não necessariamente religioso, depois de ter sido recolhido num templo ou
túmulo. Por exemplo, em Qasr el-Sagha foram identificadas estelas em contexto doméstico
que, na interpretação do arqueólogo, teriam sido trazidas de um cemitério próximo46. Ainda
que se possa argumentar que o arqueólogo poderá estar a fazer uma assumpção com base no
desconhecimento da possível utilização de estelas em casa.
Assim, partimos para esta investigação com ideias concretas, veiculadas pela
bibliografia existente, acerca das grandes dificuldades a ultrapassar para atingir o objectivo
final47. Contudo, reconhecendo o peso dos diferentes condicionalismos das fontes para o
estudo da Religião Doméstica, acreditamos ser possível contornar estes entraves e potenciar o
contributo destes vestígios de modo a conseguir traçar uma panorâmica da vida religiosa em
espaço doméstico na civilização do Egipto antigo. E para tal começamos exactamente por
reunir as parcas fontes textuais e as diversas fontes materiais.
45
C. Renfrew, The archaeology of cult: the sanctuary at Phylakopi, Athens, British School of Archaeology,
1985, p. 15.
46
Cf. J. Šliwa, “Die siedlung des Mittleren Reiches bei Qasr el-Sagha. Grabungsbericht 1987 und 1988” in
Mitteilungen des Deutschen Archaölogischen Abteilung Kairo, 48, 1992, p. 185.
47
R. Ritner acrescenta a esta lista o desconhecimento da arquitectura doméstica como causa para o não
tratamento deste tema pela bibliografia. Cf. R. Ritner, Op. Cit., p. 171. Contudo, não exploramos aqui essa
questão por consideramos que, actualmente, este já não é efectivamente um problema com uma dimensão
significativa, se levarmos em conta não só o que nos é veiculado pela bibliografia mas também o trabalho em
curso nos mais diversos povoados e zonas residências. Cf. I. Shaw, “Egyptian patterns of urbanism. A
comparison of three new kingdom settlement sites” in C. J. Eyre (ed.), Proceeding of the seventh International
Congress of Egyptologists, Cambridge, 3 – 9 September 1995, Orientalia Lavaniensia Analecta 82, Leuven,
Uitgeverij Peeters, 1998, pp. 1049 – 1060; F. Arnold, “A study of Egyptian domestic buildings” in Varia
Aegyptiaca, 5, 1989, pp. 75 – 93.
18
CAPÍTULO II: As fontes
As fontes textuais são, regra geral, a melhor forma de aceder a informações concretas
sobre a civilização egípcia. No entanto, no caso da Religião Doméstica, o conjunto de
material escrito que chegou até nós e de onde é possível retirar informações, assume, no
essencial, a natureza de uma fonte indirecta. Salvo raras excepções, a produção e finalidade
dos textos não estava relacionada com esta prática. Assim, a análise não se baseia,
maioritariamente, em afirmações directas e explícitas, mas sim em inferências que permitem
perceber pistas sobre usos, crenças e motivações relacionados com a Religião Doméstica.
48
Cf. W. Wendrich, “Egyptian archaeology. From text to context” in W. Wendrich (ed.), Egyptian archaeology,
Malden, Oxford, Blackwell Publishing Ltd, 2010, p. 1.
19
R. Ritner49 e A. Stevens50 sugerem-nos um conjunto diversificado de fontes para o
estudo desta temática: textos da literatura oficial, textos administrativos e transaccionais,
textos teológicos, cenas e autobiografias em túmulos, cartas, calendários de dias fastos e
nefastos, decretos oraculares em forma de amuleto, estelas de Hórus sobre crocodilos,
feitiços, o Livro dos sonhos, hinos e inscrições em estelas e estruturas domésticas. Esta é,
aparentemente, uma extensa lista de fontes. Contudo, é preciso ter em conta os critérios
subjacentes à selecção que os autores em causa fizeram dos textos a considerar.
A linha, por vezes ténue, que separa a Religião Doméstica das outras práticas
religiosas é, talvez, uma das maiores limitações com que lidamos na selecção das fontes
textuais, pois nestas fontes é complexo definir até que medida o contexto doméstico pode
estar efectivamente em causa. Assim sendo, tentaremos sempre que possível, fazer a
separação entre o que é devoção pessoal sem espaço de ocorrência associado e o que é um
uso, crença ou motivação clara ou potencialmente ligada ao espaço doméstico.
Por outro lado, o contacto com as fontes textuais fez-nos perceber que o elevado nível
de subjectividade presente na selecção das fontes materiais acaba por se manifestar também,
ainda que em menor grau, nas fontes textuais. Perante um texto, fonte primária ou secundária,
em que o objectivo final não está relacionado com a Religião Doméstica, temos, muitas vezes,
que inferir informações que podem estar relacionadas com a questão em causa, mas essa pode
também ser uma conclusão errónea. Por outras palavras, também aqui, quando o que está
escrito não é directo e explícito, corremos o risco de fazer uma má interpretação do texto.
Deste modo, seleccionámos um conjunto de fontes que, de um modo geral, não só nos
elucidam sobre a religiosidade pessoal como exprimem alguns aspectos, mais ou menos
concretos, da Religião Doméstica no Egipto antigo. Este conjunto é composto por cartas, o
Livro dos sonhos, calendários dos dias fastos e nefastos, textos de cariz mágico e, por fim, um
grupo designado de outros que inclui ensinamentos, autobiografias, hinos, documentos
transaccionais e inscrições em estelas e estruturas domésticas.
49
Cf. R. Ritner, Op. Cit., p. 172.
50
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, pp. 1 – 3.
20
Começaremos por apresentar cada um destes elementos em separado e depois
avançaremos para um olhar de conjunto, de modo, a identificar o seu contributo para o estudo
do tema. De notar que, não cabe aqui realizar uma análise detalhada de cada fonte, das suas
características e questões abordadas, mas sim olhá-las enquanto ‘fornecedoras’ de pistas para
o estudo e entendimento da Religião Doméstica no Egipto antigo.
II.2.1.1. As cartas
As cartas são um conjunto composto por dois diferentes tipos de documentos: por um
lado, temos as cartas enquanto textos do quotidiano, escritas por pessoas comuns, no decorrer
da sua vida, como forma de tratar os mais variados assuntos51 e, por outro lado, temos as
chamadas ‘cartas aos mortos’52, atestadas desde o Império Antigo53 e escritas em materiais
diversos como linho, papiro, óstraco, estelas, taças, placas e suportes, que eram colocados em
túmulos numa prática ritual que ocorre num contexto em que se entende o morto como uma
entidade com capacidade para intervir, positivamente ou não, no quotidiano dos vivos54.
51
Cf. J. Baines, “Egyptian letters of the New Kingdom as evidence for religious practice” in Journal of Ancient
Near Eastern Religions, 1, 2002, pp. 1 – 31; E. Wente, Late Ramesside letters, SAOC 33, Chicago, The
University of Chicago Press, 1967; E. Wente, Letters from ancient Egypt, Atlanta, Scholars Press, 1990. J.
Baines aponta a necessidade de uma análise que tenha em conta que as cartas respondiam a regras de convenção,
género e decoro. E questiona ainda uma correspondência efectiva entre as palavras e os actos, isto é, se o que era
escrito correspondia realmente ao que era feito. J. Baines, Op. Cit., 2002, pp. 4 e 28.
52
CF. E. Teeter, Religion and ritual in ancient Egypt, New York, Cambridge University Press, 2011, pp. 153 –
158; R. Demarée, The 3ḫ iḳr n R’- Stelae: on ancestor worship in ancient Egypt, Egyptologische Uitgaven 3,
Leiden, Nederlands Instituut voor het Nabije Oosten, 1983, pp. 213 – 6.
53
Cf. J. Baines, P. Lacovara, “Burial and the dead in ancient Egyptian society. Respect, formalism, neglect” in
Journal of Social Archaeology, Vol 2(1), 2002, p. 22.
54
Cf. J. Janàk, “Revealed but undiscovered: a new letter to the dead” in Journal of Near Eastern Studies, 62, nº
4, 2003, p. 3.
55
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1967 e E. Wente, Op. Cit., 1990.
56
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 198, p. 147.
57
Cf. Ibidem, nº 138, p. 138.
21
O. DM 551 – XIX Dinastia58
O. BM 5631, rt – XIX Dinastia59
O. Cerny 19 – XIX Dinastia60
LRL, nº14 – XX Dinastia61
O. Gardiner 5 – XX Dinastia62
P. DM 6 – XX Dinastia63
No caso das ‘cartas aos mortos’, do conjunto das quinze conhecidas64, sendo todas
elas, só por si, ilustrativas de um determinado tipo de pensamento religioso, seleccionámos
algumas onde se identificam referências mais significativas:
58
Cf. Ibidem, nº 173, p. 139.
59
Cf. Ibidem, nº 196, p. 146.
60
Cf. Ibidem, nº 218, p. 153.
61
Cf. Ibidem, nº 296, p. 179.
62
Cf. Ibidem, nº 177, p. 140.
63
Cf. Ibidem, nº 211, p. 151.
64
Cf. R. Demarée, Op. Cit., p. 213, nota 97; S. Donnat, “Contacts with the dead in pharaonic Egypt. Ritual
relationships and dead classification”, Strasbourg, Marc Bloch University, 2007, p. 5. N. Harrington fala de
valores diferentes com indicadores mais complexos. Cf. N. Harrington, Living with the dead. Ancestor worship
and mortuary ritual in ancient Egypt, Oxford, Oxbow books, 2013, p. 134.
65
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 350, pp. 215 – 6; A. H. Gardiner, K. Sethe, Egyptian letters to the dead from
the Old and Middle kingdoms, London, Egypt Exploration Society, 1928, pp. 7 – 8.
66
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 343, pp. 212 – 3.
67
Cf. Ibidem, 1990, nº 343, pp. 212; A. H. Gardiner, K. Sethe, Op. Cit., pp. 3 – 4.
68
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 349, p. 215.
69
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 347, p. 214; A. Piankoff, J. Clère, “A letter to the dead on a bowl in the
Louvre” in Journal of Egyptian Archaeology, 20, 1934, pp. 157 – 171; R. Demarée, Op. Cit., p. 215. Ver Anexo
2.2, Fig. 1.
70
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 352, pp. 216 – 7; R. Demarée, Op. Cit., p. 268 ; A. H. Gardiner, K. Sethe, Op.
Cit., pp. 8 – 9.
71
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº344, p.213; R. Demarée, Op. Cit., p. 216; W.K. Simpson, “A Late Old
Kingdom letter to the dead from Nag’ed-Deir N3500” in Journal of Egyptian Archaeology, 56, 1970, pp. 58– 64.
72
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº348, p. 215; R. Demarée, Op. Cit., p. 214; A. H. Gardiner, K. Sethe, Op. Cit..
22
Suporte de jarro de Chicago – Carta de um filho ao pai – Primeiro Período
Intermédio73
O Livro é composto por onze colunas de texto, em forma de tabela, sendo cada coluna
precedida pelo título “se um homem se vê num sonho”. De seguida são apresentadas breves
descrições dos sonhos, a indicação se é ou não um sonho favorável e a interpretação do
mesmo. As temáticas abrangidas pelos sonhos e pela sua interpretação são diversas78.
No que respeita à questão da religião, o Livro dos sonhos é, também, uma fonte que
evidencia principalmente questões relacionadas com a Piedade Pessoal e não com a Religião
Doméstica. De um modo geral, neste texto, identificamos dados sobre a relação com os
deuses e com os antepassados e também uma referência à magia.
73
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 345, p. 213.
74
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 2.
75
Cf. R. Ritner, “Dream book” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. I, Cairo,
The American University in Cairo Press, 2001, p. 410.
76
Ver Anexo 2.2, Fig. 2.
77
A datação do texto é alvo de debate, havendo quem defenda que na versão original o texto do Livro date do
Império Médio. Cf. A. H. Gardiner, Hieratic Papyri in the British Museum, Third series: Chester Beatty, Vol.1,
London, The British Museum Press, 1935, p. 7; K. Szpakowska, Behind closed eyes: dreams and nightmares in
ancient Egypt, Swansea, Classical Press of Wales, 2003, pp. 69 – 70; Cf. R. Ritner, Op. Cit., 2001, p. 410.
78
Para tradução do texto completo ver A. H. Gardiner, Op. Cit., pp. 9 – 23 e para tradução e análise ver K.
Szpakowska, Op. Cit., 2003.
23
negativamente, poderiam também ser feitas recomendações acerca das actividades a fazer ou
evitar nesses dias79.
Ainda nesta lógica de calendários mensais temos outros dois exemplos, ambos datados
do Império Novo, e que apresentam informações mais elaboradas. Trata-se do O. Gardiner
109 e do calendário mensal do final do chamado Livro II no verso do P. Cairo 86637 82. Estes
dois exemplares são, também, constituídos por trinta dias mas, nestes casos acrescem à
classificação do dia, informações do que deve ou não ser feito no seu decurso. Estas
recomendações podem incluir situações banais do dia-a-dia como o permitir a um homem que
durma com a sua esposa, o desaconselhar a sair de casa, o recomendar comer pão em casa, e
também procedimentos de cariz religioso como realizar ou não oferendas aos deuses83.
Uma versão mais complexa da valoração dos dias tem expressão nos três calendários
anuais: P. Budge (BM 10474 v.), P. Sallier IV (BM 10184 r.) e calendário do Cairo (P. Cairo
86637)84. Os três calendários apresentam grande proximidade, em termos temporais e de
conteúdo85. Tendo este aspecto em conta centraremos a nossa atenção no calendário do Cairo.
Este calendário está subdividido nas três estações do ano e cada uma delas nos quatro
meses que a compõem. Os dias eram divididos em três partes às quais são atribuídas
79
Cf. R. Drenkhahn, “Zur Anwendung der ‘Tagewählkalender” in Mitteilungen des Deutschen Archäologischen
Instituts, Abteilung Kairo, 28, 1972, pp. 85 – 94; B. Kemp, P. Rose, “Proportionality in mind and space in
ancient Egypt” in Cambridge Archaeological Journal, 1(1), 1990, pp. 105 – 7.
80
Ver Anexo 2.2, Fig. 3.
81
Cf. M. Collier, S. Quirke (eds.), The UCL Lahun Papyri: religious, literary, legal, mathematical and medical,
British Archaeological Reports International Series 1209, Oxford, Archaeo-Press, 2004, pp. 27 – 8; F. L.
Griffith, Hieratic papyri from Kahun and Gurob (principally of the Middle Kingdom), Plates, London, Bernard
Quaritch, 1898, 62, Pl. XXV; B. Kemp, P. Rose, Op. Cit., pp. 105 – 6.
82
Cf. A. Bakir, The Cairo calendar no. 86637, Cairo, General Organisation for Govt. Print Offices, 1966, pp. 52
– 3; T. A. Bács, “Two calendars of lucky and unlucky days” in Studien zur Altägyptischen Kultur, Bd. 17, 1990,
pp. 41 – 64.
83
Cf. A. Bakir, Op. Cit., pp. 52 – 3; T. A. Bács, Op. Cit., pp. 55 – 6.
84
Ch. Leitz realizou uma tradução e análise comparativa destes três calendários. A. Bakir é o responsável pela
tradução e análise de todo o P. Cairo 86637. Cf. Ch. Leitz, Tagewählerai: Das Buch HAt nHH pH.wy Dt und
verwandte Texte, Ägyptologische Abhandlungen 55, Wiesbaden, Harrassowitz, 1994; A. Bakir, Op. Cit..
85
Cf. Ch. Leitz, Op. Cit., pp. 1 – 2.
24
qualificações de favorável ou desfavorável. Assim, o dia poderia ser totalmente bom, mau ou
ter períodos bons e outros maus.
A classificação dos dias é seguida por uma associação, mais ou menos elaborada, a um
episódio mitológico86 e, seguidamente, são feitas as recomendações do que devia ou não ser
feito nesse dia.
II.2.1.4. Textos de cariz mágico: feitiços, decretos oraculares e estelas de Hórus sobre
crocodilos
A magia, parte integrante da vida dos antigos egípcios87, era entendida como uma
oferenda dos deuses aos homens88 e assumida como uma forma essencial de protecção89 tanto
para vivos como para mortos90. E é neste contexto que vamos identificar um conjunto de
fontes escritas, de diferentes naturezas, que demonstram não só a importância da própria
magia, como são extremamente valiosas na apreensão de motivos e compreensão de práticas.
Comecemos por considerar os feitiços91. Os feitiços são, regra geral, compostos por
três partes: um título que anuncia o objectivo do feitiço, o próprio feitiço ou encantamento no
86
A ligação entre o evento e a recomendação que é feita nem sempre é clara mas ela é explícita no caso do dia
22, mês Tot, estação Akhet: “Re calls every god and every goddess, and they await his arrival. He let them enter
into his belly. Then they began to move about him; then he killed them all, the he vomited them into water. They
turned into fish, and the souls became birds which flew to heaven. The bodies (became) fish, and the souls into
birds which are not caught (and) fish on ... as far as this day. Do not eat fish on this day. Do not warm oil; (do
not eat) birds.” A. Bakir, Op. Cit., p. 16. Este episódio mitológico não é claro. G. Pinch refere-se a ele de forma
distante com a expressão “In one myth”. Ch. Leitz considera que se trata de um segundo estádio da criação de Ré
após a ‘Primeira Vez’, um episódio associado à cosmogonia Heliopolitana. P. Vernus aponta que este mito
revela que foram os deuses a fornecer a matéria de que foram feitos as aves e os peixes. Cf. G. Pinch, Handbook
of Egyptian mythology”, Sta Barbara, Denver, Oxford, ABC-Clio, 2002, p. 121; Ch. Leitz, Op. Cit., p. 39; P.
Vernus, J. Yoyotte, Bestiaire des Pharaons, Paris, Librairie Académique Perrin, 2005, p. 199.
87
Cf. E. Teeter, Op. Cit., p. 163; K. Szpakowska, Daily life in ancient Egypt: recreating Lahun, Oxford,
Blackwell, 2008, p. 122.
88
Nos Ensinamentos para Merikaré pode ler-se: “De même il [o deus] a fait pour eux la magie comme arme.
Pour repousser le coup de ce qui advient.” P. Vernus, Sagesses de l’Égypte Pharaonique, Paris, Éditions
Imprimerie National, 2001, p. 151.
89
Cf. J. F. Borghouts, “Magical practices among villagers” in L. Lesko (ed.), Pharaoh's workers: the villagers of
Deir el Medina, New York, Cornell University Press, 1994, p. 120; E. Teeter, Op. Cit., pp. 167 – 8; G. Pinch,
Magic in ancient Egypt, London, British Museum Press, 1994, p. 14.
90
Cf. R. A. Caminos, “Magic for the dead” in A. Roccati, A. Siliotti (eds.), La Magia in Egitto aí tempi dei
faraoni, Atti convegno internazionale di studi, Milan, Panini, 1987, p. 147.
91
Os feitiços são normalmente adjectivados de médicos e mágicos pois frequentemente conciliam magia com
medicina. Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 2; J. F. Nunn, Ancient Egyptian medicine, Norman, University of
Oklahoma Press, 1996, p. 96. J. Baines considera mesmo que “it is not meaningful to draw a sharp distinction
25
qual o indivíduo evoca e assume o papel de um deus (ou vários) no contexto de um episódio
mítico potencialmente relacionado com o objectivo pretendido e, por fim, as informações
práticas sobre a aplicação do feitiço92. Estes feitiços acabam por ser uma conjugação de
palavras, gestos e até objectos93, num contexto de evocação mitológica que tem por finalidade
a resolução de problemas das mais diversas naturezas.
No corpus dos feitiços identificamos respostas para questões como: amor (O. Deir el-
Medina 105794), mau-olhado (Tabuinha de madeira de Berlin, Inv. 2330895), pesadelos (O.
Gardiner 36396; P. Leiden I 34897; P. Chester Beatty III98), protecção da casa (P. Chester
Beatty VIII99), demónios que causam doenças diversas (O. Berlim P.1269100; P. Ebers101; P.
BM 10059102; P. Chester Beatty VI103; P. Hearst104; O. Gardiner 300; O. Leipzing 42; P. BM
10731105; P. Leiden I 343 + I 345106; P. BM 10059107; P. Leiden 348108), remover espinha da
garganta (P. Turin 54003109), hemorragias (P. BM 10059110), queimaduras (P. BM 10059111;
P. Leiden I 348112), dor de cabeça (P. Leiden I 348113), dor de barriga (P. Leiden I 348114),
cegueira (P. Ebers115), protecção da mulher e da criança (P. Leiden I 348116; P. Ebers117, P.
between magic and medicine. Rather, the two are poles on a continuum of approaches to helping the afflicted
and bringing about what one desires to happen.” J. Baines, Op. Cit., p. 168.
92
Cf. E. Teeter, Op. Cit., p. 166.
93
Cf. G. Pinch, Op. Cit., 1994, p. 76.
94
Cf. P. Smither, “A Ramesside love charm” in Journal of Egyptian Archaeology, 27, 1941, pp. 131 – 2; J. F.
Borghouts, Ancient Egyptian magical texts, Leiden, Brill, 1978, nº 1, p. 1.
95
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., nº 3, p. 2.
96
Cf. R. Ritner, “O. Gardiner 363: a spell against night terrors” in Journal of the American research center in
Egypt, 27, 1990, pp. 25 – 41.
97
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., nº 6, p. 3; J. F. Borghouts, The magical texts of Papyrus Leiden I 348, Leiden,
Brill, 1971, p. 32
98
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº7, pp. 3 – 4; A. H. Gardiner, Hieratic Papyri in the British Museum,
Third series: Chester Beatty, Vol. 1, London, The British Museum Press, 1935, p. 19.
99
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 11, pp. 10 – 1; A. H. Gardiner, Op. Cit., p. 71.
100
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 50, pp. 33 – 4.
101
Cf. Ibidem, nº 51 e 52, pp. 34 – 6.
102
Cf. Ibidem, nº 53 e 57, pp. 35 – 7.
103
Cf. Ibidem, nº 54, p. 36; A. H. Gardiner, Op. Cit., p. 54.
104
Cf. Ibidem, nº 56, p. 37.
105
Cf. Ibidem, nº 22, pp. 17 – 8.
106
Cf. Ibidem, nº 23 e 24, pp. 18 – 21; A. Massart, The Leiden Magical Papyrus I 343 +345, Leiden, Brill, 1954.
107
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 25, p. 21. Ver Anexo 2.2, Fig. 4.
108
Cf. Ibidem, nº 26 e 27, pp. 22 – 3.
109
Cf. Ibidem, nº 28 e 29, p. 23.
110
Cf. Ibidem, nº 30 a 33, pp. 23 – 4.
111
Cf. Ibidem, nº 34 e 35, pp. 24 – 5.
112
Cf. Ibidem, nº 36, pp. 25 – 6.
113
Cf. Ibidem, nº 37 a 40, 42, 43, 45, pp. 26 – 31; J. F. Borghouts, Op. Cit., 1971, pp. 16 – 22.
114
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 48 e 49, pp. 32 – 3; J. F. Borghouts, Op. Cit., 1971, pp. 25 – 6.
115
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 58, pp. 37 – 8.
116
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 60 a 63, pp. 39 - 40; J. F. Borghouts, Op. Cit., 1971, pp. 29 – 31.
117
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 64, p. 40.
26
Berlin 3027118; R. Ramesseum III119), acompanhar medicamentos (P. Ebers120; P. Hearst121; P.
Berlin 3038122; P. BM 10059123), proteger dos perigos dos dias suplementares (P. Leiden I
346124; P. Edwin Smith125; P. Cairo 86637126) e, por fim, um grande número de feitiços para
proteger contra animais perigosos como escorpiões, crocodilos e cobras (alguns exemplos
apenas: P. Chester Beatty VII127, P. Leiden I 349128, P. Turin 1993129, O. Deir el-Medina
1213130, P. BM 10042131).
Os decretos oraculares em forma de amuleto são textos ditos oraculares por terem sido
declarados por um ou vários deuses132 e tinham por objectivo proteger o usuário contra todo o
tipo de males133. Estes textos eram escritos em tiras de papiro com cerca de 6 cm de largura134
118
Cf. Ibidem, nº 65 a 68, pp. 41 – 43; A. Erman, Zaubersprüche für mutter und kind. Aus dem papyrus 3027 des
Berliner Museuns, Berlin, Verlag der Königl Akademie der Wissenschaften, 1901.
119
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 69 e 70, pp. 43 – 4.
120
Cf. Ibidem, nº 71, 72 e 80 a 68, pp. 44 – 45, 50.
121
Cf. Ibidem, nº 75 a 80, pp. 47 – 9.
122
Cf. Ibidem, nº 73 e 74, pp. 45 – 6.
123
Cf. Ibidem, nº 77, pp. 47 – 8.
124
Cf. Ibidem, nº 13, pp. 12 – 4.
125
Cf. Ibidem, nº 14 a 21, pp. 14 – 7; J. H. Breasted, The Edwin Smith surgical papyrus, Chicago, The University
of Chicago Press, 1930, pp. 471 – 87.
126
Cf. A. Bakir, Op. Cit., pp. 51 – 5.
127
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 85, 86 e 89, pp. 55 – 6, 59; A. H. Gardiner, Op. Cit., p. 59.
128
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 59, p. 89.
129
Cf. Ibidem, nº 104 e 136, pp. 75 – 6, 91.
130
Cf. Ibidem, nº 105, pp. 76 – 7.
131
Cf. Ibidem, nº 125, pp. 86 – 7.
132
T.1 (Turin Museum 1983): “Mut, the great one, Lady of Isheru, the great goddess, the eldest who was the first
to come-into-existence, said – Khons in Thebes Neferḥotep, the great god, the eldest who was the first to come-
into-existence, said – Amun, (lord of) the thrones-of-the-two-lands, the Defender of the Oppressed, the great
[god], the eldest who was the first to come-into-existence, said: (...)”. I. E. S. Edwards (ed.), Oracular amuletic
decrees of the late New Kingdom, Vol. 1, London, Trustees of the British Museum, 1960, p. 52.
133
Cf. B. Bohleke, “An Oracular Amuletic Decree of Khonsu in the Cleveland Museum of Art” in Journal of
Egyptian Archaeology, 83, 1997, p. 155; R. Lucarelli, “Popular beliefs in demons in the Libyan Period: the
evidence of the Oracular Amuletic Decrees” in G. P. F. Broekman, R. Demarée, O. E. Kaper (eds.), The Libyan
Period in Egypt historical and cultural studies into the 21th – 24th Dynasties: Proceedings of a Conference at
Leiden University, 25-27 October 2007, Nederlands Instituut Voor Het Nabije Oosten, Leiden, Peeters Leuven,
2009, p. 231.
134
Cf. I. E. S. Edwards, Op. Cit., p. xi. Ver Anexo 2.2, Figs. 5, 6 e 7.
27
e eram depois colocados em pequenos pendentes que seriam usados como amuletos ao
pescoço. Os principais destinatários seriam crianças e recém-nascidos135.
Por fim, consideramos as estelas de Hórus sobre crocodilos ou Hórus cippi como outra
forma que os egípcios tinham de aproveitar a protecção que a magia fornecia contra a doença
e ameaças diversas140.
Estas estelas representam o deus Hórus criança, usualmente encimado pela cabeça do
deus Bes, colocado sobre crocodilos e geralmente rodeado de outros animais como cobras,
escorpiões e leões141. Apresentam formas e tamanhos diversos, sendo a mais conhecida a
estela de Metternich142.
Além das imagens, as estelas teriam também textos inscritos e estes poderiam cobrir até
a totalidade dos lados. Os textos e a iconografia tornam claro que o seu principal objectivo era
garantir a protecção contra animais perigosos como cobras, escorpiões e crocodilos e curar as
mordidelas destes143.
Por serem vestígios de cariz mágico estas estelas continuam a reforçar a relevância da
magia neste contexto. No que respeita ao contributo destas para o estudo da Religião
Doméstica, mais uma vez, são as motivações religiosas e as preocupações da vida quotidiana
as questões possíveis de identificar. De notar que as Hórus cippi são também vestígios da
cultura material e temos um exemplar no levantamento que foi feito destas fontes. A sua
presença em casas levanta a hipótese de uma utilização doméstica148.
Por fim apresentamos um grupo composto por textos de diferentes naturezas, que têm
em comum, na maioria dos casos, a expressão de uma religiosidade pessoal. São, no entanto,
menos esclarecedores no que respeita à Religião Doméstica149.
147
Cf. R. Ritner, Op. Cit., 1989, p. 106; E. Teeter, Op. Cit., p. 176.
148
Um exemplar identificado em Tell el-Muqdam. Ver base de dados, anexo 4, entrada 2495.
149
A. Stevens afirma que eles “can reveal something of the broader context of domestic religion”. A. Stevens,
Op. Cit., 2009, p. 3.
150
Cf. P. Vernus, Op. Cit., 2001, pp. 363 – 5.
151
Cf. J. Janssen, Commodity prices from the Ramessid Period: an economic study of the village of necropolis
workmen at Thebes, Leiden, Brill, 1975.
152
Cf. Ibidem, p. 246.
153
Cf. Ibidem, pp. 246 – 7.
154
Cf. Ibidem, p. 310.
29
Estes documentos apresentam ordens de compra e neles a finalidade dos objectos não
é referida. Assim, a sua utilização na esfera da casa é apenas uma hipótese.
No caso das estelas é necessário fazer uma ressalva. Não cabe na concepção desta
investigação uma análise a todas as estelas conhecidas no Egipto antigo. Assim, optámos por
nos cingir a estelas mais relacionadas com o tema central e preferencialmente encontradas em
casas. Incluímos, ainda, uma referência a um tipo de estela específico: as estelas dos
antepassados ou estelas 3ḫ iḳr n R’155. São estelas dedicadas ao culto dos antepassados e que
apesar de estarem estreitamente ligadas ao culto funerário também foram localizadas em casa
e, como veremos, também aí seriam usadas. Estas estelas são muito relevantes enquanto
155
Cf. R. Demarée, Op. Cit..
30
fontes materiais e são aqui referidas devido a essa importância. No que respeita às inscrições
elas não são particularmente reveladoras de dados relacionados com a Religião Doméstica.
Apresentadas que estão as diferentes fontes textuais, e agora que já sabemos qual a
realidade em causa, fazemos uma breve síntese do seu conteúdo no que à Religião Doméstica
diz respeito, isto é, que tipo de informação sobre o nosso tema é possível retirar das fontes
selecionadas.
Para um olhar mais sistemático consideremos a tabela 1. Nela podemos ver, de forma
clara, as temáticas em causa e as fontes onde elas estão, directa ou indirectamente, presentes.
De um modo geral, as diferentes questões que foram identificadas nas fontes textuais
podem ser agrupadas em quatro grandes conjuntos a que chamaríamos de relação com os
deuses, relação/contacto com os antepassados, ameaças e práticas e recursos. Deixamos os
sonhos e pesadelos separados destas categorias pelo facto de que eles acabam por marcar
presença nas restantes questões abordadas.
31
Tabela 1: Questões identificadas através das fontes textuais
32
II. 3. As fontes materiais
Recaindo o enfoque sobre as fontes materiais, a tarefa não se limita à sua análise, uma
vez que a própria reunião dos vestígios a considerar estava ainda por fazer. Assim, e tendo em
conta as problemáticas e condicionalismos já esclarecidas no Capítulo I, levou-se a cabo o
levantamento, tão completo e exaustivo quanto possível, das fontes materiais disponíveis para o
estudo do tema. E será partindo daqui, e com o complemento das fontes textuais, que será
possível perceber as motivações e os procedimentos da Religião Doméstica no Egipto antigo.
Neste ponto começaremos por uma clarificação do processo de levantamento das fontes,
abordando a metodologia de trabalho, os critérios de selecção e a base de dados que daqui
resultou. Seguidamente iremos apresentar brevemente os povoados de onde são provenientes
estas fontes. Terminamos com um olhar sobre as fontes propriamente ditas considerando tipos,
quantidades, dispersão e também o que sobressai e as questões que levantam.
Metodologias
156
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 1.
33
trabalho foi inicialmente facilitado pelo artigo de A. Stevens, publicado em 2009, onde a
autora apresenta uma lista de povoados com as fontes aí identificadas e a bibliografia
associada157. Seguiu-se a leitura e análise dos relatórios de escavações destes povoados e das
obras decorrentes. Deste processo resultou não só a obtenção dos dados dos povoados já
conhecidos, como também pistas para novos locais como foi o caso da grande maioria dos
fortes da Núbia158 e também de Elefantina.
Qantir, Tell Abqa’in e Akoris são resultado de informações cedidas por Kasia
Szpakowska (Universidade de Swansea) no âmbito da sua investigação sobre as cobras de
barro. Kom el-Fakhry (Mênfis) foi indicado por A. Tavares, uma das directoras da Mit Rahina
Beginners Field School: 2011, responsável pelo trabalho arqueológico no local.
Por fim, devemos ainda referir que foi, felizmente, possível contar com a ajuda
preciosa de muitos investigadores que, não tendo publicado ainda os dados das suas
investigações, os partilharam e permitiram, assim, que a base de dados fosse mais completa e
actual. Foi o caso, por exemplo, de Nicolas Picardo (Universidade de Harvard) com
informações sobre Abidos Sul (Wah-Sut), Carol Redmount (Universidade da Califórnia,
Berkeley) com dados sobre Tell el-Muqdam, Anna Stevens (Amara West Project Curator –
157
Cf. Ibidem, pp. 12 – 20.
158
Mirgissa, Uronarti, Shalfak, Semna e Kumma.
159
K. Bard (ed.), Encyclopedia of the archaeology of ancient Egypt, London, Routledge, 1999.
34
British Museum | Amarna project) com clarificações sobre Amara Oeste e também sobre Tell
el-Amarna e Penelope Wilson (Universidade de Durham) com elementos sobre Saís.
Critérios de selecção
Neste contexto e tendo em conta os poucos trabalhos produzidos sobre o tema e, como
tal, a ausência de linhas de pensamento pré-definidas, foi necessário estabelecer um conjunto
de critérios que facilitasse o levantamento e que garantisse uniformidade ao resultado final:
35
Foram excluídos os vestígios que não ofereciam algum tipo de garantia da sua
ligação à Religião Doméstica. Este é o caso dos escaravelhos, cuja natureza é
essencialmente funerária e que, como tal, foram apenas considerados quando a
decoração, a inscrição ou a associação a outro vestígio permitisse assumi-lo como
potencialmente associado ao tema.
Devemos aqui relembrar que são também critérios os limites temporais e espaciais que
foram necessariamente estabelecidos para a investigação. Foram incluídos apenas povoados
no território egípcio com expansão para a Núbia, quando sob domínio egípcio. Isto levou à
exclusão de alguns povoados onde temos conhecimento da existência de vestígios que
potencialmente cumpririam os critérios estabelecidos no que respeita às fontes mas não em
termos geográfico. Foi o caso de Tell el-Borg160, Tell Heboua161 e Haruba162 (Norte do Sinai –
nos chamados ‘Caminhos de Hórus’), Zawiyet Umm el-Rakham163 (costa do Mediterrâneo na
fronteira com a Líbia), Beth Shean164 (Levante), Kamid el-Loz165 (Líbano) e Ayn Asil166
(Oásis de Dakhla).
Em termos temporais, foram deixados de fora todos os vestígios com datação anterior
ao Início do Período Dinástico e posterior à Época Baixa, como é o caso de Karanis com
vestígios do período greco-romano167.
Devemos ainda referir o caso de dois povoados que, mesmo cumprindo as exigências
geográficas e temporais, foram deixados de fora por não apresentarem garantias quanto à
natureza do local onde os potenciais vestígios foram identificados. É o caso de Kom Tuman
(Mênfis)168 e Kom Firin (Delta)169.
160
Cf. K. Szpakowska, “Snake cults and military life in New Kingdom Egypt” in E. B. Banning, T. P. Harrison
(eds.), Walls of the Prince: Egyptian Interactions with Southwest Asia in Antiquity. Essays in Honour of John S.
Holladay Jr., Leiden, Brill, 2013 (no prelo); J. Hoffmeier, “Deities of the Eastern Frontier” in Cahiers
supplémentaires des ASAE, 39, 2011, pp. 1 – 20.
161
Cf. C. Boutantin, “Les figurines en terre cuite de la ville d’Ayn Asil” in Bulletin de l'institut Français
d'Archéologie Oriental, 101, 1999, nota 49.
162
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2013.
163
Cf. Ibidem.
164
Cf. Ibidem; L. Giddy, Kom Rabi'a: the New Kingdom and post-New Kingdom objects. The survey of Memphis
II, London, Egypt Exploration Society, 1999.
165
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2013.
166
Cf. C. Boutantin, Op. Cit.
167
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 20.
168
M. H. T. Lopes, Mênfis: o rosto de Apriés, Lisboa, Tinta da China, 2010.
169
N. Spencer, Kom Firin I: the Ramesside temple and the site survey, British Museum Research Publication
170, 2008.
36
A base de dados
A elaboração desta base de dados surge como forma de dar resposta à ausência da
identificação das fontes materiais existentes para o estudo da Religião Doméstica no Egipto
antigo, mas também como um meio para organizar e sistematizar estas fontes, não só para uso
nesta investigação mas, também, para as tornar acessíveis a trabalhos futuros. Esta base de
dados é apresentada no anexo 4 em formato CD.
A base de dados foi construída em Microsoft Office Access 2007 e permite uma
análise por tabelas170 onde são mostradas a totalidade dos dados ou a selecção pretendida para
o estudo a fazer, ou em fichas individuais171 que correspondem a cada entrada apresentada.
A inserção está organizada por povoado (por ordem alfabética), depois por categoria,
por designação e finalmente por tipologia 1 e 2. Sendo que esta organização será ajustada de
acordo com os critérios de pesquisa. Para cada inserção foram incluídos as seguintes
informações: povoado, categoria, designação, tipologia 1, tipologia 2, quantidade, descrição,
proveniência, datação, materiais, cores, medidas, relação com outras peças, localização actual,
número de inventário, referências bibliográficas e observações. De notar que nem todas as
inserções contemplam a totalidade dos dados pois nem sempre foi possível obter todas as
informações. Esta situação é mais frequente nas cores, medidas e localização actual.
Nesta base de dados estão contemplados cerca de 3609 vestígios que correspondem a
2699 entradas. O número de vestígios resulta das situações em que é possível obter um valor
concreto. No entanto, existem trinta e três situações em que, apesar de ter sido identificada a
170
Ver anexo 4.1.
171
Ver anexo 4.2.
37
existência da(s) fonte(s) não é possível fazer uma contabilização172. Por exemplo, em Lisht
temos sete entradas e em apenas três casos foi possível obter um valor. A descrição que A.
Mace faz sobre os altares, é bastante ilustrativa da situação: “In many of the houses seems to
have been a shrine, in which was placed the rough limestone figure of the household god.”173
Este afunilar das classificações tem por finalidade abrir e facilitar o maior número
possível de opções de pesquisa. Se a secção tipologia 2 não tivesse sido incluída, e
continuando a considerar o exemplo anterior, o nome do deus só apareceria na descrição o
que não permitiria uma selecção para o estudo de uma divindade em particular.
172
Ao longo do texto, quando esta situação se colocar, iremos referir-nos a ela com a expressão ‘sem valores
concretos’. Na base de dados foi colocado no espaço da informação sobre quantidade a referência ‘Não
identificado’.
173
A. Mace, “The Egyptian expedition 1920-1921 I: excavations at Lisht” in Bulletin of the Metropolitan
Museum of Art, 16, 1921, p. 12.
174
Tendo em conta a abrangência da tipologia 2 ela não é incluída na tabela 2.
38
Tabela 2 – A classificação das fontes
39
II.3.2. Os povoados
Da investigação levada a cabo em busca das fontes materiais que chegaram até nós e
que nos permitem estudar a Religião Doméstica no Egipto antigo, resultou uma lista de
povoados onde foram identificadas fontes datadas de períodos compreendidos entre o início
do Período Dinástico e a Época Baixa e com uma dispersão pelo território desde o Delta até à
zona da III catarata na Núbia.
175
Ver mapa em Anexo 3.
40
Sesebi Império Novo
Tell el-Amarna Império Novo
Amara Oeste Império Novo
Deir el-Medina Império Novo
Império Novo
Medinet Habu
Terceiro Período Intermédio
Medinet el-Gurob Império Novo
Império Novo
Saís (Kom Rebwa)
Terceiro Período Intermédio
Qantir Império Novo
Tell Abqa’in Império Novo
Akoris Terceiro Período Intermédio
Império Novo
Kom Rabia (Mênfis)
Terceiro Período Intermédio
Império Novo
El-Ashmunein
Terceiro Período Intermédio
Karnak Época Baixa
Tell el-Muqdam Época Baixa
Em Kom es-Sultan foram contabilizados vinte e sete vestígios (0.75% do total) e duas
entradas (figuras e modelos e peças de cerâmica) sem valores concretos. O grupo é composto
por vinte e um objectos onde se incluem dez figuras e modelos (animais e figuras
antropomórficas e partes do corpo), nove peças de joalharia e amuletos (animais e
miscelânea), uma peça de mobiliário e equipamento ritual (mesa de oferendas) e um objecto
de designação outros – um selo com fórmula de oferenda. E ainda seis casos de enterramentos
infantis em casas datados do Primeiro Período Intermédio.
176
Ver Anexo 5.1 – Fig. 14.
177
Cf. D. O’Connor, Abydos, Egypt’s first Pharaohs and the cult of Osiris, London, Thames & Hudson, 2009,
p.15.
178
Cf. W. F. Petrie, Abydos I, London, Egypt Exploration Fund., 1902.
41
por M. Adams179. Porém, cerca de quarenta anos antes de W. F. Petrie já A. Mariette estivera
em Abidos. Infelizmente, os relatos que nos deixa são parcos em referências espaciais, a
datação é pouco fidedigna e a proveniência das peças não foi devidamente registada180.
Contudo, porque M. Adams refere o facto de Mariette ter escavado em Kom es-Sultan181 e
porque a descrição que Mariette nos deixou se aproxima da realidade que as fontes apontam
para a Religião Doméstica no Egipto antigo, deixamos aqui as suas palavras: “Ruines des
villes – les images de divinités recueillies dans les ruines des villes sont de deux sortes. On
disposait dans une niche, au fond dune chambre, dans un édicule taillé en forme de naos, une
statue de divinité devant laquelle était debout une sorte de table rectangulaire. Aux jours
prescrits, cette table servait au dépôt des offrandes, consistant en fleurs, en fruits, en liquides,
en viandes, en légumes, qu'on apportait en nature. Nul doute que cet ensemble ne représentât
un oratoire privé. Le maître de la maison conservait chez lui, comme souvenir pieux, l'image
de la divinité à laquelle il avait voué un culte spécial, ou dont il était tout simplement un des
prêtres. Plus souvent, une pierre ou une brique, enlevée dans la muraille de l'une des
chambres intérieures, laissait un petit trou béant dans lequel on plaçait, non plus une statue,
mais une figurine représentant principalement une des divinités qui passaient pour exercer
une influence magique. […] Elles sont destinées à tenir à l’écart le mauvais œil, les esprits et
même les animaux malfaisants. Les fouilles exécutées dans les ruines des habitations privées
fournissent une multitude de statuettes de divinités qui n'ont pas d'autre origine.182
Elefantina
179
Cf. M. Adams, Community and society in Egypt in the First Intermediate Period: an archaeological
investigation on Abydos settlement site”, dissertation in Anthropology and Near Eastern Language and
civilization presented to the faculties of the University of Pennsylvania in partial fulfillment of the requirements
for the degree of Doctor of Philosophy, 2005; M. Adams, “The Abydos settlement site project: investigation of a
major provincial town in the Old Kingdom and First Intermediate Period” in Ch. Eyre (ed.), Proceedings of the
Seventh International Congress of Egyptologists, Cambridge, 3 - 9 September 1995, Orientalia Lovaniensia
Analecta 82, Leuven, Peeters, 1998, pp. 19 – 30; M. Adams, “Community and societal organization in early
history Egypt: introductory report on 1991-92 fieldwork conducted at Abydos settlement site” in Newsletter of
the American Research Center in Egypt, 158/159, New York, Cairo, 1992, pp. 1 – 10.
180
Cf. D. O’Connor, Op. Cit., p. 26.
181
Cf. M. Adams, Op. Cit., 2005, p. 68.
182
A. Mariette, Catalogue général des monuments d'Abydos découverts pendant les fouilles de cette ville, Paris,
L'imprimerie nationale, 1880, pp. 1 – 2. De ressalvar que os objectos apresentados por A. Mariette não foram
incluídos no estudo por não apresentarem qualquer tipo de garantia quanto à sua origem e datação.
42
Sul. Além das diferentes zonas residenciais, o povoado tinha também edifícios
administrativos, ‘industriais’ e religiosos como um templo a Khnum e a Satet.
Elefantina é um dos povoados onde ainda decorrem escavações pelo que os vestígios
indicados podem não corresponder a dados definitivos. Infelizmente, não foi, também,
possível obter dados mais concretos sobre algumas das peças tratadas.
Mirgissa é um dos maiores fortes construídos por Senuseret III. Estende-se por uma
área de cerca de quatro hectares, divididos por zonas residenciais, cemitérios e um templo a
Hathor186. Foi ocupado do Império Médio ao Império Novo mas as fontes são identificadas
como datando apenas do Império Médio. Mirgissa deixou-nos catorze exemplos de fontes
183
Existem, também, registos de vários outros enterramentos infantis em espaço doméstico em Elefantina, no
entanto, estes terão ocorrido em momentos em que as casas estariam já abandonadas, o que os afasta da lógica
que leva à inclusão destes vestígios na nossa análise. Voltaremos a esta questão mais à frente. Cf. R. Zillhardt,
Kiderbestattungen und die soziale Stellung des Kindes im Alten Ägypten: unter besonderer Berücksuschtugung
des Ostdriedhofes von Deir el-Medine, Göttingen, Univ. Seminar für ägyptologie und koptologie, Göttinger
Miszellen, 6, 2009, pp. 58 – 70.
184
Para as fontes de Elefantina ver: M. Bommas, “Nordoststadt: siedlungsbebauung der 1. zwischenzeit und des
Mittleren Reiches nordwestlich des Inselmuseums” in W. Kaiser, et al. (eds.) Stadt und tempel von Elephantine,
21./22. Grabungsbericht, Mitteilungen des Deutschen Archäologischen Institutes Kairo, 51, 1995, pp. 141 – 147;
D. Rave, C. Von Pilgrim, et al., “Report on the 33rd season of excavation on the island of Elephantine”, 2003/4.
[http://www.dainst.org/sites/default/files/medien/en/daik_ele33_rep_en.pdf?ft=all]; F. Arnold, D. Katzjäger, et
al, “Report on the excavations at Elephantine by the German Archaeological Institute and the Swiss Institute
from autumn 2011 to spring 2012”, 2012.
[http://www.dainst.org/sites/default/files/media/abteilungen/kairo/projekte/daik_ele41_rep_en.pdf?ft=all ]
185
Ver Anexo 5.1, Fig. 15.
186
Ver Anexo 5.1, Fig. 16.
43
(0.39% do total). O conjunto compreende dez objectos (figuras e modelos, mobiliário e
equipamento ritual), dois enterramentos infantis e dois dos primeiros exemplos de altares
domésticos.
Uronarti, construída numa ilha no Nilo, era, como Mirgissa, composta por uma zona
residencial, cemitérios e um templo do Império Novo187. A diferença nota-se nos vestígios.
Mirgissa destaca-se pelo tipo de fontes (altares) e Uronarti pela quantidade – sessenta e sete
objectos (1.86% do total) – sendo o terceiro povoado com mais fontes do Império Médio.
Identificámos quarenta e oito figuras e modelos (animais e antropomórficas), oito estátuas,
estatuetas e bustos, uma estela, um instrumento, cinco peças de mobiliário e equipamento
ritual (bandejas de oferendas) e quatro exemplos de joalharia e amuletos.
Semna, cuja construção terá sido iniciada por Amenemhat I (c. 1985 – 1956 a. C.)
porém só concluída por Senuseret III, teria também uma zona habitacional, cemitérios e um
templo do Império Novo. As fontes são vinte e cinco (0.69% do total) e apresentam grandes
variações: uma estátua feminina, cinco figuras de animais, uma figura de Isis, uma figura
feminina, uma figura masculina, uma figura humana, um par de castanholas, um amuleto em
forma de macaco190, seis amuletos com figuras de deuses, quatro mesas de oferendas, dois
pedestais de oferendas e uma peça de cerâmica decorada com imagem do deus Bes. A
vigésima sétima entrada corresponde a um conjunto de amuletos diversos sem valores
concretos.
Por fim, referimos Kumma, forte cuja origem é atribuída a Senuseret I (c. 1956 – 1911
a. C.) e a Senuseret III. Também aqui se repete a lógica de ocupação, neste caso com dois
templos do Império Novo, um dedicado a Khnum e outro a Senuseret III deificado. Este
povoado é um dos menos representativos em termos de quantidade de fontes tendo apenas três
187
Ver Anexo 5.1, Fig. 17.
188
Designa-se por ‘figuras humanas’, em tipologia 2, todas as figuras antropomórficas em que não é possível
identificar o género representado.
189
Para as fontes de Mirgissa, Uronarti e Shalfak ver: D. Dunham, Second cataract forts: Uronarti, Shalfak,
Mirgissa, Vol. II, Boston, Museum of Fine Arts, 1967.
190
De notar que se optou por designar por macacos todos as representações de primatas não humanos.
44
(0.08% do total) exemplos de figuras e modelos – um animal (macaco) e duas figuras
femininas191. Ainda assim, é um local cujos vestígios se enquadram na lógica expectável.
Lahun
191
Para as fontes de Semna e Kumma ver: D. Dunham, J. Janssen, Second cataract forts: Semna, Kumma, Vol. I,
Boston, Museum of Fine Arts, 1960.
192
Cf. S. Quirke, Lahun: a town in Egypt 1800 BC, and the history of its landscape, London, Golden House
Publications, 2005, p. 1.
193
Cf. N. Picardo, “Egypt’s well-to-do. Elite mansions in the town of Wah-Sut” in Expedition Magazine, Vol.
48, Nº 2, 2006, p. 38.
194
Cf. D. O'Connor, “The elite houses of Kahun” in J. Phillips (ed.) Ancient Egypt, the Aegean, and the Near
East: Studies in honor of Martha Rhoads Bell, San Antonio Van Siclen Books, 1997, p. 389.
195
Cf. B. Kemp, Ancient Egypt: anatomy of a civilization, London, Routledge, 1989, p. 155.
196
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 6.
197
Ver Anexo 5.1, figs. 18 e 19.
198
Cf. S. Quirke, Op. Cit., p. 69.
45
Tabela 4 – Fontes provenientes de Lahun
Categoria Designação Tipologia 1 e 2 Valor
Decorações (1) Pinturas 1
Deuses 1
Joalharia e amuletos (3)
Animais 2
Deuses 1
Figuras e modelos (104) Figuras antropomórficas e partes do corpo 51
Animais 52
Deuses 4
Estátuas, estatuetas e
Animais 5
Objectos bustos (13)
Humanas / Privadas 4
(143)
Estelas (2) Humanas / Privadas 2
Castanholas 1
Instrumentos (3)
Varinhas / "Wands" 2
Bacias 1
Mobiliário e Pedestais / Suportes / Queimadores de incenso 9
equipamento ritual (18) Mesas de oferendas / Bandejas de Oferendas 3
Miscelânea 4
Sem valores
Outros (?) Enterramentos Infantis concretos
Qasr el-Sagha
Mantemo-nos na região do Fayum mas subimos um pouco para chegarmos a Qasr el-
Sagha, sítio composto por duas zonas habitacionais, um templo e um cemitério do Império
Médio. Na zona existem também ricos depósitos minerais200. Neste caso focamo-nos na zona
habitacional ocidental que albergaria pessoal ligado ao templo e/ou à exploração mineira. A
199
Para as fontes de Lahun ver: W. F., Petrie, Kahun, Gurob, and Hawara, London, Kegan Paul, Trench,
Trübner & Co., 1890; W. F., Petrie, Illahun, Kahun, Gurob: 1889 – 1890, London, David Nutt, 1891; F. Arnold,
Op. Cit., 1989, pp. 75 – 93; S. Quirke, “Figures of clay: toys or ritual objects?” in S. Quirke (ed.), Lahun Studies,
Reigate, SIA Press, 1998, pp. 141 – 151; S. Quirke, Op. Cit, 2005; J. Bourriau, Pharaohs and mortals: Egyptian
art in Middle Kingdom, Cambridge, New York, Cambridge University Press, 1988; D. B. O'Connor, Op. Cit.,
1997, pp. 389 – 400; Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008.
200
Cf. J. Śliwa, “The Middle Kingdom settlement at Qasr el-Sagha, 1979-1988” in Studies in Ancient Art and
Civilization, 5, 1992, p. 20.
46
área apresenta um plano organizado e semelhante a Lahun, sendo composta por trinta
unidades residenciais agrupadas ao longo de ruas que dividiam e organizavam o espaço, e
onde terão residido cerca de 1200 pessoas201.
No que respeita aos vestígios relacionados com a Religião Doméstica, chegaram até
nós catorze exemplos (0.39% do total): duas estátuas, uma estela, sete figuras e modelos de
animais, um amuleto de dupla face, uma mesa de oferendas e dois casos de enterramentos
infantis205.
A lista apresentada enquadra este povoado numa certa normalidade por comparação
com outros locais do mesmo período. Mas a verdade é que Kom el-Fakhry tem duas
particularidades. Primeiro este é o único local onde se identificou um exemplar de uma figura
com um aspecto muito semelhante aos suportes com anões de Lahun206, peças tidas como
exclusivas deste local. Segundo, a estela, a mesa de oferendas e a pequena estátua com um
casal sentado constituem um conjunto que foi encontrado associado e que ilustra muito
claramente a existência de um espaço doméstico de cariz religioso, neste caso claramente
201
Ibidem, pp. 21 e 25.
202
Como já foi referido J. Śliwa considera que as estelas serão provenientes dos cemitérios da zona. Ignoramos
se o autor dispõem de dados que sustentem a afirmação ou se se trata de desconhecimento da possibilidade
destas poderem efectivamente ser usadas em casa.
203
Para as fontes de Qasr el-Sagha ver: J. Śliwa, “Die siedlung des Mittleren Reiches bei Qasr el-Sagha.
Grabungsbericht 1987 und 1988”, Op. Cit.; J. Śliwa, “The Middle Kingdom settlement at Qasr el-Sagha, 1979—
1988”, Op. Cit..
204
Ver Anexo 5.1, Figs. 20 e 21.
205
Para as fontes de Kom el-Fakry ver: A. Tavares, M. Kamel, “Memphis, a city unseen: joint AERA-ARCE-
EES Beginners Field School Excavates Oldest Part of Egypt’s Ancient Capital City” in AERAGRAM, Volume
13, No. 1, 2012, pp. 2 – 7 e A. Tavares, M. Kamel, “Short end-of-season Report to the Supreme Council of
Antiquities (SCA). Mit Rahina Field School, 2011, AERA/ARCE”, Ancient Egypt Research Associates, 2011.
206
Cf. A. Tavares, M. Kamel, Op. Cit., 2012, p. 6 e A. Tavares, M. Kamel, Op. Cit., 2011, p. 12. Comparação
com UC 16523 e UC 16526. Ver Anexo 5.4.6, Fig. 285.
47
dedicado ao culto dos antepassados. Este é um dos espaços que menos dúvidas levanta quanto
à sua função e que melhor ilustra a finalidade que servia207.
Buhen
Buhen é outra fortaleza construída na região da II Catarata. O local foi habitado desde
o Império Antigo, contudo só na XII dinastia, Senuseret I (c. 1956 – 1911 a. C.) fez construir
o grande forte e um templo dedicado a Hórus. O local foi integrado no reino de Kush no
Segundo Período Intermédio e recuperado e reconstruido no Império Novo. Buhen foi um
centro de grande importância administrativa, militar e comercial da zona fortificada da II
Catarata. O interior do forte compunha-se também de diversas zonas habitacionais208.
Este forte fez chegar até nós cento e vinte seis objectos (3.49% do total) e é o segundo
povoado mais significativo em fontes do Império Médio, sendo que temos também cinco
situações possivelmente datadas de períodos posteriores. No conjunto apresentado merecem
especial destaque as figuras e modelos com setenta e seis exemplares divididos entre figuras
animais e figuras antropomórficas e partes do corpo209.
207
Ver Anexo 5.2. Fig. 52.
208
Ver Anexo 5.1, Fig. 22.
209
Para fontes de Buhen ver: W. Emery, H. S. Smith, A. Millard, The fortress of Buhen: the archaeological
report, Excavation Memoir 49, London, Egypt Exploration Society, 1979.
210
Ibidem, p. 148.
48
Lisht
Lisht é o nome do local que compreende uma grande necrópole do Império Médio que
inclui os complexos funerários de Amenemhat I (c. 1985 – 1956 a. C.) e Senuseret I (c. 1956
– 1911 a. C.), e uma grande zona residencial associada à pirâmide de Amenemhat I211.
Originalmente a ocupação do local estava associada aos complexos funerários mas esta
prolongou-se até ao Império Novo tendo o espaço crescido e a população diversificado.
Este povoado tem uma grande diversidade de vestígios, contudo, das sete entradas
apenas três (0.08% do total) contêm dados contabilizáveis: um altar, uma estela e um
enterramento infantil. As restantes referem a existência de figuras e modelos e/ou estátuas e
estatuetas sem que seja possível contabiliza-las assim como a já referida situação dos
altares212. Este é um caso em que não podemos deixar-nos enganar pelos números, ou pela
ausência deles. O facto de não termos valores concretos não desvaloriza o contributo do
povoado.
Tell el-Dab’a é um dos mais complexos locais da lista dos povoados considerados, isto
porque, na verdade, não se trata de um povoado mas sim de uma zona onde se desenvolveram
diferentes zonas residenciais entre o Império Médio e o Império Novo213, sendo que o local
foi especialmente activo durante o Segundo Período Intermédio, época em que foi a capital
dos Hicsos – Avaris. A complexidade agrava-se exactamente pelo cruzamento cultural que se
deu no local e que dificulta a compreensão de certas práticas que são aí identificadas.
No que respeita às fontes, Tell el-Dab’a tem uma situação semelhante a Lisht: seis
entradas com apenas três vestígios (0.08% do total) contabilizados214: dois nichos e um vaso
de libações. As restantes entradas correspondem a referências não contabilizáveis de altares,
211
Ver Anexo 5.1, Fig. 23.
212
Para as fontes de Lisht ver: A. Mace, Op. Cit.; F. Arnold, “Settlement remains at Lisht-North” in M. Bietak
(ed.), Haus und palast im alten Ägypten, Untersuchungen der Zweigstelle Kairo des Österreichischen
Archäologischen Institutes 14, Wien, Österreichische Akademie der Wissenschaften, 1996.
213
Ver Anexo 5.1, Fig. 24.
214
Em Setembro de 2014 foi tornada pública a descoberta, na área R/III (centro residencial e administrativo do II
Período Intermédio) de diferentes vestígios nos quais se incluem figuras humanas e animais, uma placa de
oferendas e o olho de uma estátua em forma de hipopótamo. Infelizmente, estes dados não foram até à data
publicados e assim não foi possível obter informações mais concretas sobre estas peças. Contudo, elas deixam
em aberto a necessidade futura de completar os dados sobre este povoado. Cf.
https://ancientavaris.wordpress.com/2014/09/18/die-faszinierende-welt-der-kleinen-dinge-the-fascinating-world-
of-small-things/ [acedido em 23/12/14].
49
depósitos de oferendas e enterramentos infantis215. Outro problema neste caso é a datação dos
vestígios. Os altares são datados do Império Médio e o vaso de libações do II Período
Intermédio, os restantes poderão datar de qualquer momento entre o Império Médio e o
Império Novo.
Askut
Askut é o último forte da cadeia de fortalezas que fechavam a fronteira Sul do Egipto
na II Catarata, que consta da nossa lista. Foi construído também por Senuseret III (c. 1870 –
1831 a. C.) e ocupado, em duas fases diferentes, entre o Império Médio e o Império Novo.
Askut era a mais pequena fortaleza do conjunto e estava localizada numa ilha no Nilo.
O forte tem duas fases fundamentais de construção: uma fase original no Império
Médio com um cariz militarista, de defesa, e, também, de celeiro que apoiava a cadeia de
fortalezas da região e uma fase de reconstrução no Império Novo em que a fortaleza perde a
sua relevância militar com a deslocação da fronteira para Sul, sendo os militares substituídos
por colonos216.
De um modo geral, este é mais um caso em que também se destacam as situações para
as quais não há um valor absoluto. Temos catorze entradas mas só dez vestígios
contabilizados (0.28% do total). Neste caso acresce, tal como em Tell el-Dab’a, a dificuldade
de datação das fontes consideradas, pois nem sempre temos informação suficiente para o
fazer.
Askut, no que respeita às fontes, destaca-se pelos dois exemplos de altares. Um mais
simples, composto por um nicho para estela nos alojamentos do Império Médio217 e outro
mais complexo e elaborado numa casa no sector sudoeste que terá sido ocupada entre o
Segundo Período Intermédio e o Império Novo218.
215
Para fontes de Tell el-Dab’a ver: M. Bietak, Tell el-Dab’a V: ein friedhofsbezirk der mittleren
bronzezeitkultur mit totentempel und siedlungsschichten, Wien, Österreichische Akademie der Wissenschaften,
1991; V. Müller, “Offering deposits at Tell el-Dab'a” in Ch. Eyre, Proceedings of the Seventh International
Congress of Egyptologists, Cambridge, 3-9 September 1995, Orientalia Lovaniensia Analecta 82, Leuven,
Peeters, 1998, pp. 793 – 803; I. F. Müller, P. Rose, Ch. Reali, H. Tronchère, “Preliminary Report on the season
2012 at Tell el-Daba'a/Sharqeya” in http://www.auaris.at/downloads/Report_SCA_engl_arabic_small.pdf.
216
Cf. S. T. Smith, Wretched Kush: ethnic identities and boundaries in Egypt's Nubian empire, London, New
York, Routledge, 2003, pp. 97 e 99. Ver Anexo 5.1, Fig. 25.
217
Cf. Ibidem, p. 127.
218
Cf. S. T. Smith, “The house of Meryka at Askut and the beginning of the New Kingdom in Nubia” in G. M.
Zaccone, T. R. Netro (eds.), Sesto congress internazionale di egittologia (6th 1992 Turin, Italy), Vol. 2, Turin,
Società Italiana per il Gas., 1993, pp. 497 – 509.
50
O conjunto de fontes contabilizadas compreende os dois altares, duas estelas, uma
figura de uma deusa, uma figura de fruta pérsea e três amuletos. Sem valores estão conjuntos
de figuras de animais de barro, de figuras femininas de tipo egípcio e de tipo núbio, figuras de
frutos, mesas e bandejas de oferendas e queimadores de incenso219.
Em Abidos Sul localiza-se o complexo funerário de Senuseret III (c. 1870 – 1831 a.
C.) e uma zona residencial que estaria ligada à construção do local e à manutenção necessária.
O povoado foi habitado até ao Império Novo. Este local aproxima-se, em termos de finalidade
e organização, de Lahun ainda que com menores dimensões222. E tal como Lahun tem
também casas de diferentes tamanhos.
219
Para fontes de Askut ver: A. Badawy, “Preliminary report on the excavations by the University of California
at Askut (first season, October 1962 - January 1963)” in Kush, 12, 1964, pp. 47 – 56; A. Badawy, “Askut: a
Middle Kingdom fortress in Nubia” in Archaeology, 18, New York, 1965, pp. 124 – 131; S. T. Smith, Op. Cit.,
1993; S. T. Smith, Askut in Nubia: the economics and ideology of Egyptian imperialism in the second
millennium B.C., London, New York, Kegan Paul International, 1995; S. T. Smith, Op. Cit., 2003.
220
Ver Anexo 5.1, Fig. 14.
221
Cf. J. Wegner, “The town of Wah-sut at South Abydos: 1999 excavations” in Mitteilungen des Deutschen
Archäologischen Instituts, Abteilung Kairo, 57, 2001, p. 281.
222
Cf. J. Wegner, “Excavations at the town of Enduring-are-the-Places-of-Khakaure-Maa-Kheru-in-Abydos: a
preliminary report on the 1994 and 1997 seasons” in Journal of the American Research Center in Egypt, 35,
1998, pp. 1 - 44. Ver Anexo 5.1, Fig. 26.
223
Para fontes de Abidos Sul ver: E. R. Ayrton, C. Currelly, A. E. P., Weigall, Abydos, 3 vols., London, Egypt
Exploration Fund, 1904; J. Wegner, Op. Cit., 1998; J. Wegner, Op. Cit., 2001; J. Wegner, “Echoes of power.
The mayor’s house of ancient Wah-Sut” in Expedition Magazin Vol. 48, No 2, 2006, pp. 31 – 36; J. Wegner “A
decorated birth-brick from South Abydos: new evidence on childbirth and birth magic in the Middle Kingdom”
in D. P. Silverman, W. K. Simpson, J. Wegner (eds.), Archaism and innovation: studies in the culture of Middle
Kingdom Egypt, Philadelphia, New Haven; Department of Near Eastern Languages and Civilizations, Yale
University and University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, 2009, pp. 447 – 491.; J.
Wegner, “Tradition and innovation. The Middle Kingdom” in W. Wendrich (ed.), Egyptian archaeology,
Malden, Oxford, Blackwell Publishing Ltd, 2010, pp. 119 – 141; N. Picardo, Op. Cit..
51
Tabela 6 – Fontes provenientes de Abidos Sul (Wah-Sut)
Deir el-Ballas
Deir el-Ballas localiza-se na margem ocidental do Nilo na zona Norte do Alto Egipto
(cerca de 45 Km acima de Tebas), e aí foram identificados um palácio real, cemitérios e
diferentes zonas habitacionais ocupadas do fim do Segundo Período Intermédio até ao início
do Império Novo. P. Lacovara considera que o espaço terá sido usado como palácio de
campanha durante a expulsão dos Hicsos e abandonado depois225.
Este povoado apresenta um conjunto bastante uniforme de fontes sendo composto por
onze entradas que correspondem a onze (0.30% do total) figuras e modelos: um animal não
identificado, oito figuras femininas e duas figuras humanas226.
Sesebi
Sesebi leva-nos de volta à Núbia, acima da III Catarata, a um povoado construído nos
primeiros anos de reinado de Amenhotep IV / Akhenaton (c. 1352 – 1336 a. C.).
224
Cf. J. Wegner, Op. Cit., 2009 e 2010. Ver anexo 5.4.6, Figs. 289 A e B.
225
Cf. P. Lacovara, “Deir el-Ballas” in K. Bard (ed.), Encyclopedia of the archaeology of ancient Egypt,
London, Routledge, 1999, p. 291. Ver também sobre o local: P. Lacovara, Deir el-Ballas: preliminary report on
the Deir el-Ballas expedition, 1980 – 86, Winona Lake, Eisenbrauns, 1990.
226
Para fontes de Deir el-Ballas ver: P. Lacovara, Op. Cit..
227
Ver Anexo 5.1, Fig. 27.
52
dedicado à tríade tebana, ocupava um terço do espaço. A funcionalidade do local estaria
relacionada com os templos mas também com a exploração do ouro da região.
Tell el-Amarna
Akhetaton, hoje Tell el-Amarna, foi a nova capital do Egipto fundada por Amenhotep
IV / Akhenaton (c. 1352 – 1336 a. C.), no quinto ano do seu reinado, quebrando as ligações
com Amon e com a capital religiosa tradicional. A nova capital, construída em solo virgem de
deuses, seria, supostamente, devotada unicamente a Aton. Dado o vasto conhecimento que
temos sobre a história deste local é desnecessário alongarmos a exposição sobre ele, sendo
preferível olharmos para os dados com relevo para a investigação.
Amarna, com um recinto urbanizado de cerca de 5Km ao longo do Nilo, é a maior área
de povoado conhecido no Egipto, sendo composta por diferentes zonas que teriam diferentes
tipos de ocupação, função e composição social229.
228
Para fontes de Sesebi ver: A. Blackman, “Preliminary report on the excavations at Sesebi, Northern Province,
Anglo-Egyptian Sudan” in Journal of Egyptian Archaeology, 23, 1937, pp. 145 – 151; H. W. Fairman,
“Preliminary report on the excavations at Sesebi (Sudla) and Amarāh West, Anglo-Egyptian Sudan” in Journal
of Egyptian Archaeology, 24, 1938, pp. 151 – 156; J. Keith-Bennett, “Anthropoid busts: II: not from Deir el
Medineh alone” in Bulletin of the Egyptological Seminar, 3, New York, 1981, pp. 43 – 72; J. Keith-Bennett
“Catalogue of anthropoid busts from Egyptian sites other than Deir el Medineh” in Bulletin of the Egyptological
seminar, 3, New York, 1981, pp. 51 – 71; R. Morkot, “The excavations at Sesebi (Sudla) 1936 – 1938” in
Beiträge zur Sudanforschung, 3, 1988, pp. 159 – 164; B. Peterson, “Archäologische funde aus Sesebi (Sudla) in
Nord-Sudan” in Orientalia Suecana, 16, 1967, pp. 3 – 15.
229
Ver Anexo 5.1, Fig. 28.
230
O nome das diferentes zonas de Tell el-Amarna será mantido em inglês pois consideramos que assim serão
mais facilmente identificadas na bibliografia.
53
também algumas casas de habitação231. As zonas conhecidas por ‘Main city’, ‘North city’,
‘North suburb’ e ‘South suburb’232 são as principais áreas residenciais. Mais afastados ficam
dois povoados de trabalhadores o ‘Workmens village / Eastern village’233, com uma estrutura
semelhante à dos povoados planeados comuns e a ‘Stone village’.
231
Ver Anexo 5.1, Fig. 29.
232
Ver Anexo 5.1, Figs. 30 e 31.
233
Ver Anexo 5.1, Fig. 32.
234
Para fontes de Tell el-Amarna ver: D. Arnold, The royal women of Amarna: images of beauty from ancient
Egypt, New York, Metropolitan Museum of Art, 1996; L. Borchardt, Porträts der Königin Nofret-ete aus den
Grabungen 1912/13 in Tell el-Amarna, Leipzig, Hinrichs, 1923; L. Borchardt, H. Ricke, Die Wohnhäuser in Tell
el-Amarna, Berlin, Mann, 1980; COA I; COA II; COA III; S. Ikram, “Domestic shrines and the cult of the royal
family at el-Amarna” in Journal of Egyptian Archaeology, 75, 1989, pp. 89 – 101; B. Kemp, “Wall paintings
from the Workmen's Village at el-'Amarna” in Journal of Egyptian Archaeology, 65, 1979, pp. 47 – 53; B.
Kemp, A. Stevens, Busy lives at Amarna: excavations in the Main City (Grid 12 and the house of Ranefer,
N49.18), London, Egypt Exploration Society and Amarna Trust, 2012; K. Spence, “A contextual approach to
ancient Egyptian domestic cult: the case of the “lustration slabs” at el- Amarna” in D. Barrowclough, C. Malone
(eds.), Cult in context: reconsidering ritual in archaeology, Oxford, Oxbow, 2007, pp. 285 – 292; A. Stevens,
Op. Cit., 2003; A. Stevens, Op. Cit., 2006; A. Stevens, Akhenaten’s Workers. The Amarna Stone Village Survey,
2005–2009. Volume I: the Survey, excavations and architecture, London, Egypt Exploration Society and Amarna
Trust, 2012; F. Griffith, “Excavations at el-'Amarnah, 1923-24” in Journal of Egyptian Archaeology, 10, 1924,
pp. 299 – 305; F. Griffith, “Excavations at Tell el-'Amarnah, 1923-4. - A. Statuary” in Journal of Egyptian
Archaeology, 17, 1931, pp. 179 – 184; B. Kemp, “A wall painting of Bes figures from Amarna” in Egyptian
Archaeology, 34, 2009, pp. 18 – 19; F. Newton, “Excavations at El-'Amarnah, 1923-24” in Journal of Egyptian
Archaeology, 10, 1924, pp. 289 – 298.
235
Cf. K. Spence, “Ancient Egyptian houses and households: architecture, artifacts, conceptualization, and
interpretation” in M. Müller (ed.), Household Studies in complex societies. (Micro) archaeological and textual
approaches. Papers from the Oriental Institute Seminar Household studies in complex societies held at Oriental
Institute of the University of Chicago, 15-16 March 2013, Oriental Institute Seminars 10, Chicago, The
University of Chicago, 2015, p. 100.
54
Tabela 7 – Fontes provenientes de Tell el-Amarna
Tell el-Amarna faz chegar até nós um grande número de fontes da cultura material
extremamente úteis para o estudo da Religião Doméstica no Egipto antigo. Curiosamente,
55
estas fontes mais do que ilustrar a originalidade do local, acabam por fazer de Amarna um
povoado cujos vestígios se enquadram perfeitamente no que se pode considerar expectável no
que respeita a esta prática religiosa.
Amara Oeste
Amara Oeste, local muralhado posicionado numa ilha no Nilo a norte da III Catarata e
acima de Sesebi, alberga zonas residenciais (actualmente conhecem-se três, uma extramuros)
e um templo236. Não existem vestígios de ocupação anteriores a Seti I (c. 1294 – 1279 a. C.) e
partindo daqui terá durado até ao reinado de Ramsés IX (c. 1126 – 1108 a. C.). No total terá
tido quatro fases de ocupação entre a XIX e XX Dinastias. O local seria a capital
administrativa da Núbia Superior (Kush) onde residiria o representante do faraó na zona.
Amara Oeste é, desde 2008, alvo de trabalhos arqueológicos levados a cabo por uma
equipa do British Museum dirigida por Neal Spencer e o trabalho tem-se mantido, tendo a
236
Ver Anexo 5.1, Figs. 33 e 34.
237
Para as fontes de Amara Oeste ver: H. W. Fairman, “Preliminary report on the excavations at 'Amārah West,
Anglo-Egyptian Sudan, 1938-9” in Journal of Egyptian Archaeology, 25, No. 2, 1939, pp. 139 – 144; H. W.
Fairman, “Preliminary report on the excavations at Amarah West, Anglo-Egyptian Sudan, 1947-8” in Journal of
Egyptian Archaeology, 34, 1948, pp. 3 – 11; P. Spencer, Amara West I: the architectural report, Egypt
Exploration Society Excavation Memoir 63, London, Egypt Exploration Society, 1997; N. Spencer, “British
Museum Expedition to Amara West. Preliminary report: 2009” in www.amarawest.org; N. Spencer, “Amara
West: capital of Egyptian Kush” in Sudan & Nubia, 1, 1997, pp. 34 – 39; N. Spencer, “Cemeteries and a
Ramesside suburb at Amara West” in Sudan & Nubia 13, 2009, pp. 47 – 61; N. Spencer, “Nubian architecture in
an Egyptian town? Building E12.11 at Amara West” in Sudan & Nubia 14, 2010, pp. 15 – 24; N. Spencer, S.
Hay, “Amara West: remote sensing at a pharaonic town in northern Sudan” in Proceedings of the conference,
Archaeological Survey and the City, University of Cambridge, 2013, pp. 176 – 201.
56
última campanha ocorrido no início de 2015. Assim, este é outro local onde, tendo em conta o
que tem acontecido nos últimos anos, é possível que venham ainda a ser identificados outros
vestígios relevantes para o tema.
Deir el-Medina
Deir el-Medina, localizada na margem Ocidental do Nilo, entre o Vale dos Reis e o
Vale das Rainhas238, é um dos povoados mais conhecidos e que mais nos deu a conhecer a
civilização do Egipto antigo. Parece pouco relevante, por isso, descrever detalhadamente as
características do local. Limitamo-nos a dizer que se trata do povoado onde residiam os
trabalhadores, e suas famílias, ligados à construção e decoração dos túmulos do Vale dos
Reis. O local terá sido estabelecido por Tutmés I (c. 1504 – 1492 a. C.) e esteve ocupado até à
fase final do Império Novo com excepção da fase correspondente ao período de Amarna.
Além da zona residencial composta por um recinto muralhado com cerca de setenta
casas e algumas outras fora dos muros, em Deir el-Medina encontram-se também cemitérios,
capelas votivas, dois templos dedicados a Hathor entre outras estruturas239.
No que à Religião Doméstica diz respeito Deir el-Medina é, regra geral, apontada
como um dos locais de excelência para conhecer esta prática religiosa 240 e como tal, é um dos
locais aos quais mais estudos sobre o tema foram dedicados241. Contudo, e
surpreendentemente, não só não atinge valores sequer próximos dos de Tell el-Amarna como
perde o segundo lugar para Akoris.
238
Ver Anexo 5.1, Fig. 35.
239
Ver Anexo 5.1, Figs. 36 e 37.
240
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 3.
241
Referimos alguns a título de exemplo: L. Weiss, “Some thought on the ‘false doors’ at Deir el-Medina” in M.
Horn, J. Kramer, D. Soliman, N. Satring, C. Hoven, L. Weiss (eds.), Current research in Egyptology 2010,
Proceedings of the Eleventh Annual Symposium which took place at Leiden University, The Netherlands,
January 2010, Oxford, Oakville, Oxbow books, 2010, pp. 197 – 205; L. Weiss, “Personal religious practice:
house altars at Deir el-Medina” in Journal of Egyptian Archaeology, 95, 2009, pp. 193 – 208; F. Friedman,
“Aspects of domestic life and religion” in L. Lesko (ed.), Pharaoh's workers: the villagers of Deir el Medina,
New York, Cornell University Press, 1994, pp. 95 – 117; F. Friedman, “On the meaning of some anthropoid
busts from Deir el-Medina” in Journal of Egyptian Archaeology, 71, 1985, pp. 82 – 97.
242
Para fontes de Deir el-Medina ver a bibliografia referida nas restantes notas de rodapé sobre o povoado e B.
Bruyére, “Un fragment de fresque de Deir el-Médineh” in Bulletin de l'Institut français d'archéologie orientale,
22, 1923, pp. 121 – 133; R. Demarée, Op. Cit.; D. Valbelle, “Les ouvriers de la tombe”: Deir el-Médineh à
l'époque Ramesside, Bibliothèque d'étude 96, Cairo, Institut français d'archéologie orientale, 1985; Ch. Bonnet,
57
antropomórficas, possivelmente femininas, acreditamos que um valor concreto poderia
reposicionar Deir el-Medina na lista em termos de quantidades243. Vejamos a tabela 9.
Deir el-Medina, não sendo o povoado com o maior número de fontes, é o local onde
foram identificados vestígios de naturezas diversas que, em alguns casos, se destacam pela
diferença, como as Box Bed, mas que de um modo geral, pela sua abrangência e diversidade,
ajudam a construir uma imagem bastante nítida das práticas religiosas em casa.
D. Valbelle, “Le village de Deir el‑Medineh: étude archéologique (suite)” in Bulletin de l'institut Français
d'Archéologie Oriental, 76, 1976, pp. 317 – 342; Ch. Bonnet, D. Valbelle, “Le village de Deir el-Medineh:
Reprise de l’Étude archéologique” in Bulletin de l'institut Français d'Archéologie Oriental, 75, 1975, pp. 429 –
446. A. Sadek, Op. Cit.; A. Koltsida, “Domestic space and gender roles in ancient Egyptian village households: a
view from Amarna workmen's village and Deir el-Medina” in British School at Athens Studies, 15, 2007, pp. 121
– 127; A. Koltsida, “Birth-bed, sitting place, erotic corner or domestic altar? A study of the so-called ‘elevated
bed’ in Deir el-Medina houses” in Studien zur altägyptischen Kultur, 35, Hamburg, 2006, pp. 165 – 174.
243
J. Backhouse afirma, com base no trabalho de B. Bruyère: “The evidence suggests that figurines were
endemic to the site, found in houses, the debris of the village and tombs.” J. Backhouse, “Female figurines from
Deir el-Medina: a review of evidence for their iconography and function” in C. Graves, G. Heffernan, L.
Mcgarrity, E. Millward, M. Bealby (eds.), Current Research in Egyptology 2012, Proceedings of the Thirteenth
Annual Symposium, University of Birmingham, Oxbow Books, 2012, p. 23.
244
B. Bruyére, Op. Cit., p. 55.
58
Medinet Habu
No que respeita às fontes, chegaram até nós vinte e seis vestígios 248 (0.72% do total).
Três datam do Império Novo: dois altares e uma estela, e vinte e dois do III Período
Intermédio: um altar, treze figuras e modelos (nove figuras femininas, um animal e três camas
votivas249), oito estelas e um descanso de cabeça.
Salientamos, neste povoado, os altares pela sua semelhança com as Box Bed de Deir
el-Medina, o que será, muito provavelmente, resultado da população que aí residia250.
Medinet el-Gurob
245
Ver Anexo 5.1, Fig. 38.
246
Cf. E. Teeter, Baked clay figurines and votive beds from Medinet Habu, Oriental Institute Publications 133,
Chicago, The Oriental Institute, 2010, p. 7.
247
Cf. Ibidem, p. 8.
248
Para as fontes de Medinet Habu ver: U. Hölscher, The excavation of Medinet Habu II: the temples of the
Eighteenth Dynasty, Oriental Institute Publications 41, Chicago, The University of Chicago Press, 1939; U.
Hölscher, The excavation of Medinet Habu V: Post Ramessid remains, Oriental Institute Publications 66,
Chicago, The University of Chicago Press, 1945; E. Teeter, Op. Cit., 2010; E. Teeter, “Piety at Medinet Habu”
in Oriental Institute News and Notes, 172, 2002, pp. 1 – 6; P. del Vesco, Letti votivi e culti domestici. Tracce
archeologiche di credenze religiose nell'Egitto del Terzo Periodo Intermedio, Pisa, Pisa University Press, 2011.
249
O trabalho de E. Teeter, referido nas notas anteriores, inventaria detalhadamente e analisa este tipo de
vestígios. Eles foram identificados em grande número neste local, contudo, só alguns serão provenientes das
zonas residenciais. Quanto às camas votivas ver: P. del Vesco, Op. Cit..
250
Cf. U. Hölscher, Op. Cit., pp. 89 – 70; E. Teeter, Op. Cit., 2010, p. 7.
59
III (c. 1479 – 1425 a. C.) e que terá sido ocupado pelo menos até à XX Dinastia251. Na zona
existe também um templo dedicado a Sobek.
Os vestígios relacionados com a Religião Doméstica que chegaram até nós decorrem
de duas fases distintas de trabalho arqueológico na região. Primeiro, W. F. Petrie escavou
Gurob entre 1888 e 1890252 e mais recentemente – desde 2005 e ainda em curso – uma equipa
internacional da Universidade de Liverpool, de Copenhaga e do University College of
London, liderada por I. Shaw, tem trabalhado na zona urbana e funerária.
As fontes consideradas deram origem a vinte e cinco entradas na base de dados que
correspondem a oitenta e nove vestígios (2.47% do total) todos datados do Império Novo, e
ainda três situações não contabilizadas253. Vejamos a tabela seguinte.
Tabela 10 – Fontes provenientes de Medinet el-Gurob
251
Ver Anexo 5.1, Fig. 39.
252
Cf. W. F. Petrie, Op. Cit., 1890 e 1891.
253
Para as fontes de Medinet el-Gurob ver: W. F. Petrie, Op. Cit., 1890 e 1891; B. Kemp, “The harîm-palace at
Medinet el-Ghurab” in Zeitschrift für Ägyptische Sprache und Altertumskunde, 15, 1978, pp. 122 – 133; J. Politi,
“Gurob: the papyri and the ‘burnt groups’“ in Göttinger Miszellen, 182, 2001, pp. 107 – 111; A. P. Thomas,
Gurob, a New Kingdom town: introduction and catalogue of objects in the Petrie Collection, Egyptology Today,
5, Warminster, Aris and Phillips, 1981; L. Habachi, “Varia from the reign of King Akhenaten” in Mitteilungen
des Deutschen Archäologischen Instituts, Abteilung Kairo, 20, 1965, pp. 70 – 92; P. Lacovara, “Gurob and the
New Kingdom 'Harim' Palace” in J. S. Phillips (ed.), Ancient Egypt, the Aegean and the Near East Studies in
Honour of Martha Rhoads Bell, San Antonio, Van Siclen Books, 1997 pp. 297 –306; I. Shaw, “Gurob: an
Egyptian harem?” in Current World Archaeology, 16, 2007, pp. 2 – 9; I. Shaw, “A royal harem town of the New
Kingdom: new fieldwork at Medinet el-Gurob” in C. Ziegler (ed.), Queens of Egypt from Hetepheres to
Cleopatra, Paris, Somogy Art Publishers, 2008, pp.104 – 115; I. Shaw, “New fieldwork at the Medinet el-Gurob
New Kingdom settlement: investigating a harem palace town in the Faiyum (summary of the 2009-10 seasons)”
in G. A. Belova (ed.), Achievements and problems of modern Egyptology, Proceedings of the International
Conference Held in Moscow on September 29–October 2, 2009, Moscow, Russian Academy of Sciences, Center
for Egyptological Studies, 2011, pp. 348 – 364; I. Shaw, “Report to the SCA on archaeological survey
undertaken at Medinet el-Gurob, 4-1 April 2010” in http://www.gurob.org.uk/reports/SCAReport2010.pdf; I.
Shaw, “Report to the SCA on archaeological survey undertaken at Medinet el-Gurob, 4-19 April 2007” in
http://www.gurob.org.uk/reports/SCAReport2007.pdf; I. Shaw, “Seeking the Ramesside royal harem: new
fieldwork at Medinet el-Gurob” in M. Collier, S. Snape (eds.), Ramesside Studies in Honour of Ken
Kitchen, Bolton, Rutherford Press, 2009, pp. 207 – 17; I. Shaw, “The Gurob Harem Palace Project, Spring
2012” in Journal of Egyptian Archaeology, 98, 2012, pp. 43 – 54.
254
Este valor corresponde ao número de peças que foi possível contabilizar através dos trabalhos publicados.
60
Em Medinet el-Gurob são de referir, pela sua singularidade, os chamados ‘grupos de
queimas’ que W. F. Petrie descreve assim: “A very remarkable custom existed in this town,
which I believe is unknown as yet elsewhere in ancient Egypt. In many instances the floor of a
room has been taken up; a hole about two feet across and a foot deep was dug in the ground.
A large quantity of distinctly personal property, such as clothing, a stool, a mirror, necklaces,
kohl tubes, and toilet vases of stone and pottery, were thrown in, and then all burnt in the
hole. The fire was smothered by potsherds laid flat over it; and lastly the floor was relaid.
Such was the arrangement of one instance which I examined in detail.”255
Tal como Amara Oeste, Elefantina, Amarna e Gurob, também em Saís o trabalho
arqueológico não foi ainda dado por concluído e, como tal outros, vestígios poderão surgir.
255
W. F. Petrie, Op. Cit., 1891, p. 16. Cf. J. Politi, Op. Cit.
256
Ver Anexo 5.1, Fig. 40.
257
Para fontes de Saís ver: P. Wilson, The survey of Sais (Sa el-Hagar),1997-2002, Excavation Memoir 77,
Egypt Exploration Society, London, 2006; P. Wilson, Sais I. The Ramesside-Third Intermediate Period at Kom
Rebwa, EES Excavation Memoir 98, London, Egypt Exploration Society, 2011.
61
Qantir
Qantir é o nome moderno da capital no Nordeste Delta fundada por Ramsés II (c. 1279
– 1213 a. C.) conhecida por Piramés. O local, que tem vestígios desde o início da XVIII
Dinastia até ao Segundo Período Intermédio, é composto por um palácio, povoado e
cemitérios, tendo muitos dos monumentos do local foram removidos e reutilizados em Tanis.
Tell Abqa’in
Tell Abqa’in era um povoado fortificado no Delta Ocidental 259. Supõe-se que pudesse
fazer parte de cadeia de fortes mandados construir por Ramsés II (c. 1279 – 1213 a. C.). As
fontes limitam-se a três entradas que contêm cinco vestígios (0.14% do total) de figuras e
modelos de animais (uma ave, três cobras e um animal não identificado)260.
Akoris
Akoris, uma cidade local261 posicionada na margem Este do Nilo, no Médio Egipto,
tem vestígios desde o Império Antigo até ao Período Copta. Na origem terá sido um local com
cariz militar mas depois terá evoluído para uma zona residencial comum. Em causa está a
chamada zona Sul262, um espaço residencial cuja ocupação pode remontar ao fim do Império
Novo. Na zona Oeste encontram-se essencialmente cemitérios, ainda que a dada altura certas
casas da zona Sul tenham sido usadas também para enterros.
258
Para fontes de Qantir ver: D. A. Aston, Die keramik des grabungsplatzes Q I. Teil 1, corpus of fabrics, wares
and shapes, forschungen in der Ramses-Stadt. Die Grabungen des Pelizaeus-Museums Hildesheim in Qantir-Pi
Ramesse,Vol. 1, Mainz, Zabern, 1998.
259
Ver Anexo 5.1, Fig. 41.
260
Para fontes de Tell Abqa’in ver: S. Thomas, “Chariots, cobras and Canaanites: a Ramesside miscellany from
Tell Abqa'in” in M. Collier, S. Snape (eds.), Ramesside Studies in Honour of K.A. Kitchen, London, Rutherford
Press Ltd, 2011, pp. 119 – 31.
261
Cf. H. Kawanishi, S. Tsujimura, T. Hanasaka (eds.), Preliminary report Akoris 2007, Japan, Institute of
history and anthropology, University of Tsukuba, Nakanishi Printing co, ltd, 2008, p. 3.
262
Ver Anexo 5.1, Fig. 42.
62
fontes263. Este conjunto não apresenta novidades em relação aos restantes, destaca-se apenas
pela quantidade de figuras e modelos, principalmente cobras, mas também figuras humanas.
Kom Rabia é o segundo povoado da região de Mênfis que incluímos neste estudo264. A
zona terá tido uma ocupação intensiva desde o Império Médio até à Época Baixa ainda que as
nossas fontes datem apenas do Império Novo e III Período intermédio. As duas estruturas
principais do local são dois templos, a Ptah e Hathor, mandados construir por Ramsés II.
Das zonas habitacionais foram recuperados cento e cinquenta e oito (4.38% do total)
vestígios potencialmente relacionados com a Religião Doméstica, o que faz de Kom Rabia um
dos povoados com maior número de vestígios265. Vejamos a tabela 13.
263
Para fontes de Akoris ver: H. Kawanishi, S. Tsujimura (eds.), Preliminary report Akoris 2006, Japan, Institute
of History and Anthropology, University of Tsukuba, Nakanishi Printing Co, Ltd, 2007; H. Kawanishi, S.
Tsujimura, T. Hanasaka (eds.), Op. Cit., 2008; H. Kawanishi, S. Tsujimura, T. Hanasaka (eds.), Preliminary
report Akoris 2008, Japan, Institute of History and Anthropology, University of Tsukuba, Nakanishi Printing Co,
Ltd, 2009; H. Kawanishi, T. Hanasaka (eds.), Preliminary report Akoris 2009, Japan, Institute of History and
Anthropology, University of Tsukuba, Nakanishi Printing Co, Ltd, 2010; H. Kawanishi, S. Tsujimura, T.
Hanasaka (eds.), Preliminary report Akoris 2010, Japan, Institute of History and Anthropology, University of
Tsukuba, Nakanishi Printing Co, Ltd, 2011; H. Kawanishi, S. Tsujimura, T. Hanasaka (eds.), Preliminary report
Akoris 2011, Japan, Institute of History and Anthropology, University of Tsukuba, Nakanishi Printing Co, Ltd,
2012; H. Kawanishi, S. Tsujimura, T. Hanasaka, (eds.) Preliminary report Akoris 2012, Japan, Institute of
History and Anthropology, Nakanishi Printing Co, Ltd, 2013; T. Hanasaka: “Archaeological interpretation of
clay cobra figurines: based on the study of objects from Akoris” in Journal of West Asian Archaeology, 12,
2011, pp. 57 – 78 [Apenas em japonês].
264
Ver Anexo 5.1, Fig. 20.
265
Para fontes de Kom Rabia ver: D. Jeffreys, Survey of Memphis V: Kom Rabia: the New Kingdom settlement
(levels II - V), Egypt Exploration Society Excavation Memoir 79, London, Egypt Exploration Society, 2006; L.
Giddy, Op. Cit.
63
Tabela 13 – Fontes provenientes de Kom Rabia
Categoria Designação Tipologia 1 / 2 Valor
Estruturas arquitectónicas Altares 2
(3) Nichos 1
Deuses 7
Joalharia e amuletos (13) Animais 5
Miscelânea 1
Estelas (2) Humanas / Privadas 2
Objectos Animais 73
(155) Figuras e modelos (132) Deuses 7
Figuras antropomórficas e partes do corpo 52
Estátuas, Estatuetas e Bustos (1) Busto 1
Mobiliário e equipamento ritual (4) Mesas e bandejas de oferendas 4
Placas decoradas e figurativas (3) Deuses 3
El-Ashmunein
266
Ver Anexo 5.1, Figs. 43 e 44.
267
Para fontes de el-Ashmunein ver: G. Roeder, Hermopolis 1929-1939: ausgrabungen der deutschen
Hermopolis-expedition in Hermopolis Ober-Ägypten, Hildesheim, Gebrüder Gerstenberg, 1959; A. J. Spencer,
Excavations at el-Ashmunein III: the town, London, The British Museum Press, 1993.
64
Karnak
Karnak, apesar da sua ligação à religião Oficial, é aqui olhada de forma mais
abrangente e a sua zona residencial dá também o seu contributo para o conhecimento da
Religião Doméstica.
Entende-se por Karnak a zona dos três templos – Montu, Amon e Mut – e as diversas
construções que lhes estão associadas, como armazéns, oficinas e casas de habitação268.
Tell el-Muqdam
Tell el-Muqdam, ou Leontopolis, foi uma importante cidade do 11º nomo do Baixo
Egipto, principalmente durante a XXIII Dinastia e capital durante o Período Ptolemaico. O
local compreende uma zona doméstica, cemitérios e um templo dedicado ao deus Mihos. A
cidade terá sido, provavelmente, fundada no final do Império Novo ou início do Terceiro
Período Intermédio. Tem um grande número de vestígios do Período Greco-romano.
268
Cf. A. Masson, M. Millet, “Karnak: settlements” in W. Wendrich (ed.), UCLA, Encyclopedia of Egyptology,
Los Angeles, 2011, p. 1. Ver Anexo 5.1, Figs. 45 e 46.
269
Para fontes de Karnak ver: P. Anus, S. Ramadan, “Habitations de prêtres dans le temple d'Amon de Karnak”
in Kêmi: Revue de philologie et d'archéologie égyptienne et coptes, 21, 1971, pp. 217 – 238; A. Masson, “Le
quartier des prêtres du temple de Karnak: rapport préliminaire de la fouille de la maison VII, 2001-2003” in
Cahiers de Karnak XII, 2007, pp. 593 – 655; A. Masson, “Un nouvel habitant de la rive est du lac Sacré. Le
prophète du pieu sacré Pa-sheri-n-aset” in Cahiers de Karnak, 13, 2010, pp. 345 – 357; A. Masson, “Vivre à la
porte du sacré: les maisons des prêtres dans le sanctuaire d’Amon” in Dossier d’Archéologie HS n°16, 2009, pp.
48 – 55; A. Masson, M. Millet, Op. Cit.
65
As fontes, datadas da Época Baixa, fazem deste local o quarto com mais
representatividade com cento e setenta e seis vestígios (4.88% do total)270. Pela quantidade
merecem realce as figuras e modelos, principalmente as figuras antropomórficas. Pela sua
relevância destacamos os três altares e pela sua singularidade o conjunto das figuras
masculinas eróticas. Vejamos a síntese abaixo.
Notas Finais
Esta apresentação dos povoados onde foram identificadas as fontes materiais para o
estudo da Religião Doméstica permite-nos ficar com dados que serão analisados no capítulo
III sobre o tempo e o espaço. Em simultâneo este ponto adianta também valores que é preciso
clarificar antes de avançar para a análise das fontes propriamente dita.
270
Para fontes de Tell el-Muqdam ver: C. Redmount, R. Friedman, “The 1993 field season of the Berkeley Tell
el-Muqdam Project: preliminary report” in Newsletter of the American Research Center in Egypt, 164, New
York, Cairo, 1994, pp. 1 – 10; C. Redmount, “Tales of a Delta site: the 1995 field season at Tell el-Muqdam” in
Journal of the American Research Center in Egypt, 34, 1997, pp. 57 – 83.
66
em conta as ausências, isto é, as variáveis que desconhecemos e que por isso não podem ser
ponderadas. Por exemplo, o número de casas existente em cada povoado é um de dado que,
na maioria dos casos, não dispomos. E a isso acresce a imparidade entre o número de casas
existentes, escavadas e onde foram encontrados vestígios.
A comparação, que pretende apenas ilustrar esta ideia, vem colocar em causa a
primazia de Tell el-Amarna, isto é, o número de vestígios deixa de ser tão significativo
quando ponderado com o número de casas conhecidas. Contudo, esta ponderação não é
possível de fazer para a grande maioria dos povoados considerados.
O número de povoados poderá também ser enganador. Por um lado, trinta povoados
parece ser um número significativo e relevante, por outro lado, contudo, o facto de
desconhecermos o número total de povoados existentes nos períodos considerados não nos
permite aferir a representatividade deste valor, isto é, não conseguimos saber se trinta
povoados são muitos ou poucos povoados com vestígios materiais da Religião Doméstica.
Assim, partindo do número de povoados onde identificámos fontes para o estudo desta
prática não podemos concluir se esta era, ou não, uma prática religiosa comum ou uma
excentricidade. Obviamente, se não forem feitas estas ponderações e olharmos apenas para o
conjunto de fontes que chegou até nós há valores significativos, informações relevantes e
ideias passíveis de serem construídas acerca da Religião Doméstica no Egipto antigo.
67
III.3.3. Categorias, designações e tipologias
Altares
Foram identificados altares em nove povoados (Askut, Mirgissa, Lisht, Tell el-Dab’a,
Deir el-Medina, Kom Rabia, Medinet Habu, Tell el-Amarna e Tell el-Muqdam) e estes
formam um conjunto de cerca de 127 vestígios que englobam não só as construções
propriamente ditas mas também fragmentos e vestígios das mesmas.
68
Não existem altares anteriores ao Império Médio. No entanto, Askut, Mirgissa, Lisht,
Tell el-Dab’a fizeram chegar até nós exemplos de altares datados deste período. Não é
possível obter um valor concreto devido aos casos de Lisht e Tell el-Dab’a, como vimos.
Askut tem ainda um modelo de um altar mais elaborado datado do final do Segundo
Período Intermédio / início do Império Novo275. Este caso afasta-se da lógica dos pedestais e
apresenta um nicho (onde estava colocada uma estela), associado a uma plataforma para
libações que tinha na base um dreno para que os líquidos escorressem para vasos que aí
seriam colocados para esse efeito. O nicho seria protegido por uma estrutura de madeira276.
Este altar goza de uma certa singularidade não tendo equivalentes noutros povoados e
períodos posteriores. Além disso, destaca-se também pelas informações complementares que
271
Ver Anexo 5.2, Fig. 47.
272
CF. F. Arnold, Op. Cit., 1996, p. 17.
273
Cf. D. Dunham, Op. Cit., p. 149, Pl. LXXVIII.B e LXXIX.A. Ver Anexo 5.2, Fig. 48.
274
Cf. S. T. Smith, Op. Cit., 1993, p. 66.
275
Cf. S. T. Smith, Op. Cit., 2003, p.129.
276
Ver Anexo 5.2, Fig. 49.
69
disponibiliza. Esta estrutura, não só atesta a existência de altares domésticos como a presença
nela de uma estela (ligada ao culto dos antepassados) posiciona este tipo de vestígio em casa e
num espaço ritual concreto. O facto de o altar estar preparado para a realização de libações
demonstra esta conduta enquanto procedimento ritual doméstico.
Do Império Novo, chegaram até nós, de Deir el-Medina, Kom Rabia, Tell el-Amarna e
Medinet Habu, diferentes exemplos de altares. E de períodos posteriores temos também
exemplares em Medinet Habu (III Período Intermédio) e em Tell el-Muqdam (Época Baixa).
O povoado dos trabalhadores do Vale dos Reis, para além dos altares em forma de
pedestal, apresenta ainda outros tipos de estruturas arquitectónicas que incluímos aqui sobre a
designação de altares278.
Estas estruturas exibem dois tipos de contributo para o tema. Por um lado, o mais
óbvio, que é a presença em habitações de um vestígio cuja função é obviamente religiosa e
como tal atesta a casa enquanto espaço com um efectivo potencial ritual. Por outro lado, as
inscrições e a riqueza das decorações destas estruturas ajudam a identificar devoções, gestos e
divindades envolvidas. Por exemplo, no Anexo 5.2, Fig. 56, vemos a armação da porta de um
altar (Bairro SO – Casa I) composta por lintel com cornija e ombreiras em calcário decoradas
em cada lado com uma cobra envolta numa coluna papiriforme usando de um lado a dupla
coroa e de outro a coroa vermelha. As imagens são acompanhadas por uma inscrição em
hieróglifos: “Renenutet, a bela senhora da fartura, que oferece alimentos aos devotos;
277
Ver Anexo 5.2, Fig. 75.
278
Ver Anexo 5.2, Fig. 54.
279
Cf. B. Bruyère, Op. Cit., 1939, p. 45.
280
Cf. Ibidem, Pls. XV – XVIII.
281
Ver Anexo 5.2, Figs. 55, 56 e 57.
70
Renenutet, a nobre senhora do sorriso […] o teu amado numerosos alimentos. Toda a
segurança, vida, vigor, sorte e desejos, como o grande […]”.
Destas propostas têm ganho mais força as que olham para este espaço como um
espaço feminino relacionado com a maternidade292 e as que o veem como um altar doméstico
por comparação com Tell el-Amarna293.
282
Ver pág. 32 e Anexo 5.2, Fig. 11.
283
Bairro SE – Casa IX. Cf. B. Bruyère, Op. Cit., 1939, p. 277, Pl. XVI.
284
Bairro NO – Casa XII. Cf. B. Bruyère, Op. Cit., 1939, p. 287, Pl. XV.6. Ver Anexo 5.2, Fig. 57.
285
Bairro SO – Casa VI. Cf. B. Bruyère, Op. Cit., 1939, p. 332, Fig. 204. Ver Anexo 5.2, Fig. 55.
286
Ver Anexo 5.2, Fig. 58 A e B.
287
Em alguns casos a sala em que a estrutura foi identificada não corresponde à primeira divisão da casa,
contudo, B. Bruyère considera que esta situação se fica a dever a alterações no formato da casa e que na versão
original a sala onde se encontra a Box Bed seria a primeira.
288
Ver Anexo 5.2, Fig. 54.
289
Cf. B. Bruyère, Op. Cit., 1939, p. 56.
290
Ver Anexo 5.2 – Figs. 59, 60, 61, 62 A, B e C.
291
Por exemplo: M. L. Brooker, Op. Cit.; L. Weiss, Op. Cit.; F. Friedman, Op. Cit., 1994; A. Koltsida, Op. Cit.,
2006; A. Koltsida, Op. Cit., 2007.
292
Cf. B. Lesko, Op. Cit., p. 205; R. Ritner, Op. Cit., 2008, p. 179; D. Valbelle, Op. Cit., p. 261; L. Meskell, Vies
privées des Égyptiens. Nouvel Empire 1539-1075, Paris, Éd. Autrement, 2002, pp. 134 – 5.
293
Cf. F. Friedman, Op. Cit., 1994; A. Koltsida, Op. Cit., 2006; A. Koltsida, Op. Cit., 2007.
71
Nós optámos por incluir as Box Bed no conjunto dos altares, isto é, seguimos a linha
de pensamento que lhes atribui uma função religiosa mas isso não significa que excluamos a
vertente da vida feminina, da fertilidade e da maternidade.
A conjugação dos dois aspectos é a que já a B. Bruyére fazia mais sentido quando
falava das salas onde as Box Bed, neste caso o Lit Clos, se encontravam: “En résumé, la salle
du lit clos (…) est une sorte de gynécée, de chambre de la naissance, analogue au sanctuaire
de la déesse dans le temple de triade. C’est le lieu de l’initiation pour la purification et la
communication avec les ancêtres.”294
Tal como os altares anteriores, no caso das Box Bed, as estruturas em si atestam
potencialmente uma realidade mas pouco dizem sobre ela. No entanto, mais uma vez as
decorações e agora também os vestígios associados, ajudam-nos não só a perceber a própria
estrutura como também um pouco do que estará subjacente à própria Religião Doméstica.
Nas proximidades (associado?) das Box Bed foram identificados objectos como mesas
de oferendas297, estelas298, busto299 e figuras femininas, animais e ex-votos (Hathor)300.
Podemos ainda considerar outras estruturas arquitectónicas como: nichos301, cavidades para
mesas de oferendas302 e armários303.
Sobre as decorações das Box Bed uma nota inicial para clarificar que estas não foram
incluídas na categoria das decorações por considerarmos que a sua análise deve ser feita em
ligação com as estruturas à qual pertencem.
Nem todas as Box Bed eram decoradas. As que tinham decoração apresentam
situações diversas. As mais simples seriam apenas pintadas de branco, outras teriam painéis
294
Cf. B. Bruyère, Op. Cit., 1939, p. 64.
295
Cf. Ibidem, p. 256.
296
Cf. Ibidem, p. 312.
297
Bairro SE, Casa IX e Bairro NE, Casa XI. Cf. Ibidem, pp. 77, 276 e 256.
298
Bairro C, Casa VI e Bairro SO, Casa VI. Cf. Ibidem, pp. 309 e 334 – 5.
299
Bairro C, Casa VI. Cf. Ibidem, p. 309.
300
Bairro SO, Casa VI. Cf. Ibidem, pp. 276 – 7.
301
Bairro C, Casa V, Bairro C, Casa VI, Bairro SE, Casa III e Bairro SE, Casa VIII. Cf. Ibidem, pp. 60, 272,
275, 305 e 308.
302
Bairro SE, Casa VII. Cf. Ibidem, pp. 60 e 275.
303
Usados para guardar material de culto? Bairro NE, Casa XV e Bairro SO, Casa VI. Cf. Ibidem, pp. 262 e 330.
72
de cor cinza com limites pretos e cercados por bandas brancas. Estes painéis poderiam, ou
não, ter desenhos. Os que tinham eram geralmente desenhados a branco com linhas finas.
Infelizmente a maioria das imagens preservadas está bastante danificada o que dificulta o seu
entendimento. Ainda assim é possível identificar algumas das imagens presentes na decoração
destas construções.
Uma das representações mais frequente é a figura do deus Bes que aparece a dançar, a
tocar instrumentos musicais ou imobilizado e alado. Em alguns casos a decoração foi
identificada através de meros detritos encontrados nas proximidades304.
No Bairro NO, Casa XII identificou-se, no fundo da parede lateral da Box Bed um
painel policromático com a representação de uma figura humana de pé sobre um esquifo de
papiro nos pântanos do Nilo305. B. Bruyère acredita tratar-se de um homem mas L. Meskell
pensa que é uma mulher306. O significado desta imagem é obscuro.
No Bairro SE, Casa VIII a Box Bed estava rodeada por painéis policromáticos restando
preservado apenas a parte de baixo de um desenho que representa uma dançarina a tocar
flauta dupla rodeada por folhas de convólvulos. A figura apresenta uma tatuagem em cada
perna que B. Bruyère identifica como sendo o deus Bes308.
Por fim, no Bairro SE, Casa I encontrou-se a Box Bed que B. Bruyère descreve como:
“(…) le plus sumptueusement construit et décoré de tous.”309 Dois painéis policromáticos
rodeariam a entrada da construção, sendo que restava apenas a parte de baixo do painel
esquerdo. Este painel é composto por quatro figuras femininas, uma das quais se encontra
sentada, envoltas em folhas de convólvulos. Duas colunas papiriformes rodeiam a cena310.
304
Bairro NE, Casa X; Bairro NE, Casa XII; Bairro NE, Casa XIII; Bairro SE, Casa IX; Bairro C, Casa V e
Bairro SO, Casa VI. Cf. Ibidem, pp. 254-5, 257, 259, 276, 305 e 303, Figs. 131, 133, 136 e 202. Ver Anexo 5.2,
Figs. 63, 64 e 65.
305
Cf. Ibidem, pp. 59 e 286, Fig. 157. Ver Anexo 5.2, Fig. 66.
306
Cf. L. Meskell, “Re-em(bed)ing sex: domesticity, sexuality, and ritual in New Kingdom Egypt” in R. A.
Schmidt, B. L. Voss (eds.), Archaeologies of sexuality, London, New York, Routledge, 2000, p. 259.
307
Cf. B. Bruyère, Op. Cit., 1939, pp. 59 e 311, Pl. IX. Ver Anexo 5.2, Fig. 67.
308
Cf. Ibidem, pp. 60 e 274-5, fig. 145, Pl. X.3. Ver Anexo 5.2, Fig. 68.
309
Ibidem, p. 59.
310
Cf. Ibidem, pp. 59, 60, 264, Pl. X. Ver Anexo 5.2, Figs. 69, 70 e 71.
73
B. Bruyère fez uma análise detalhada desta cena311 comparando-a à imagem
representada no ostraco EA 8506312 que tem uma figura feminina a amamentar também
rodeada de folhas de convólvulos. O autor conclui tratar-se de uma representação de uma
deusa-mãe a amamentar rodeada de servas. Mas esta é apenas uma teoria proposta por
Bruyère. Todavia, tudo parece indicar que se trata efectivamente de uma cena de
amamentação e talvez, numa perspectiva mais abrangente, uma cena de nascimento313.
Deixamos agora Deir el-Medina e descemos para Medinet Habu, num percurso
semelhante ao que terão feito os “servidores no lugar da verdade” e como tal não é de
estranhar encontrarmos aí altares que, não sendo iguais às Box Bed, têm uma lógica
semelhante apresentando uma plataforma elevada a que se podia aceder através de degraus314.
Por fim, no que respeita aos altares, falta-nos referir Tell el-Amarna onde
identificámos quarenta exemplos que se agrupam em diferentes modelos:
311
Cf. B. Bruyère, Op. Cit., 1923.
312
Ver Anexo 5.2, Figs. 72 A e B.
313
Cf. B. Lesko, Op. Cit.
314
Ver Anexo 5.2, Figs. 73 e 74.
315
Cf. U. Hölscher, Op. Cit., 1939, pp. 68 – 9, Figs. 54 e 56.
316
Cf. U. Hölscher, Op. Cit., 1945, p. 7, Fig. 6, Pl. 6 I.
317
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 222. Ver Anexo 5.2, Figs. 76, 77, 78 e 79.
74
Altares sem degraus – (dezassete) – estruturas de tijolos de barro semelhantes
às anteriores mas sem escada ou rampa de acesso. Não sabemos, contudo, se não existiam de
todo ou se não se preservaram. Teriam entre 25 a 90cm de altura. Algumas estruturas
apresentam vestígios de gesso. Neste caso a classificação como altar é mais complexa.
Pedestais – (nove) – com algumas variantes, este conjunto é composto
essencialmente por pedestais de tijolos de barro. Não apresentam decoração a não ser,
pontualmente, vestígios de gesso. Alguns casos têm estruturas associadas como nichos
verticais318 ou lajes de lustração319. Numa situação existem decorações parietais associadas320.
O exemplo de pedestal duplo que rodeia uma mastaba inclui-se neste conjunto321.
Capela – um exemplar único, sendo também o mais elaborado, encontra-se na
casa da Central City – T.41.1, residência oficial do Alto Sacerdote de Aton, Pahesy. É um
altar em forma de capela, feito em calcário, achado in situ322, com a porta com lintel aberto,
cornija e originalmente acedido por escadas ou rampa. Além da estrutura em si este altar
destaca-se pela fachada decorada com figuras incisas, pintadas, com figuras da família real –
Akhenaton, Nefertiti e três filhas – em adoração a Aton323.
Nichos
318
Casa O.48.8 na Main City.
319
Casas U.35.3 e U.36.22 no North Suburb.
320
Casa 10 na Workmens village.
321
Ver Anexo 5.2, Fig. 75.
322
Cf. H. Frankfort, Op. Cit., p. 213, Fig. 2, Pl. XLVII 1 – 2; COA III, p. 26, Fig. 6, Pl. XXX1 e XXXI.
323
Ver Anexo 5.2, Figs. 80, 81 e 82.
324
Cf. A. Koltsida, Op. Cit., 2006, pp. 170 – 1; F. Friedman, Op. Cit., 1994, p. 110.
75
Amara Oeste, Kom Rabia e Karnak) num total de vinte e dois exemplares. Sob a designação
de nicho mas com um formato surgem, também, os 191 casos de Tell el-Amarna.
Os exemplares mais antigos destas estruturas são dois nichos de Tell el-Dab’a que
datam do Império Médio/II Período intermédio. O mais recente é um nicho identificado em
Karnak que data da Época Baixa. Entre as duas balizas temporais temos um nicho em Amara
Oeste, um em Kom Rabia, dezasseis em Deir el-Medina e os casos de Amarna.
Não há muito a dizer sobre esta estrutura ainda que seja a que tem maior
representatividade. Tal como no caso dos altares, os nichos falam por si, uma vez mais
atestando a casa enquanto espaço com um cariz religioso.
Tendo já sido vistos como uma estrutura que serviria para contrabalançar as portas das
divisões327, estes nichos verticais, pela decoração que apresentam, pelos objectos
associados328 e também pelo paralelo estabelecido com as portas falsas de Deir el-Medina,
são, actualmente, entendidos como espaços com um enfoque religioso. Não sabemos,
contudo, qual seria exactamente o papel que desempenhariam, isto é, se haveria práticas
rituais que lhes estavam associadas ou se seriam válidos por si só.
Capelas
325
Ver Anexo 5.2, Fig. 89.
326
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, pp. 235 – 8.
327
Cf. COA I, p. 43.
328
Cf. Ibidem, pp. 42 – 3.
329
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 253.
76
Estas estruturas localizavam-se nos jardins ou pátios das casas e contabilizámos
quarenta e dois exemplares330. As capelas são difíceis de identificar nos relatórios de
escavação, principalmente nos primeiros, pois são chamadas de quiosques ou casas de Verão.
Vejamos um trecho de F. Griffith de 1924 sobre a capela da casa Q.44.1: “The kiosk is
much destroyed as indeed is the case with every kiosk so far excavated at El-‘Amarna. Every
large house had in its garden one of these buildings, which have hitherto been called kiosks,
as their shape and position suggests a sort of summer-house, but it would seem more
probable that they were covered shrines for the adoration of the Aten, and the fact that they
have all been so completely destroyed and nothing found in them strengthens this idea331.
330
No estudo que dedica a estas estruturas S. Ikram identifica quarenta e seis exemplares. Esta diferença fica a
dever-se a critérios de contabilização, uma vez que a autora contabiliza em separado estruturas que estariam
associadas. Cf. S. Ikram, Op. Cit.. Ver Anexo 5.2, Figs. 83, 84 e 85.
331
F. Griffith, Op. Cit., 1924, p. 290. Ver Anexo 5.2, Fig. 86.
332
Cf. S. Ikram, Op. Cit., pp. 89 – 91, Fig. 1a. Ver Anexo 5.2, Figs. 87 A e B.
333
Cf. Ibidem, pp. 91 – 2, Fig. 1c. Ver Anexo 5.2, Figs. 86 e 87 C.
334
Cf. Ibidem, pp. 92 – 3, Fig. 1d., e., f.
335
Cf. Ibidem, pp. 93 – 4.
336
Cf. Ibidem, pp. 94 – 5, Fig. 2. Ver Anexo 5.2, Fig. 88.
337
Cf. Ibidem, p. 100.
77
Lajes de lustração
Portas falsas
338
Ver Anexo 5.2, Figs. 89, 90 e 91.
339
A. Stevens fala de mais de quarenta lajes de lustração, K. Spence fala de oitenta. Nós identificámos apenas
trinta e nove. Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 234 e K. Spence, Op. Cit., p. 286.
340
Cf. K. Spence, Op. Cit., p. 285.
341
L. Borchardt e H. Ricke chamam-lhes standplatz für wasserkrüge. Cf. L. Borchardt, H. Ricke, Op. Cit., pp.
22, 56, 85, 93, etc.
342
Cf. Ibidem, p. 287.
343
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 235.
344
Cf. K. Spence, Op. Cit., p. 291.
345
Ver Anexo 5.2, Fig. 89.
78
As portas falsas são, tal como o nome indica, estruturas semelhantes a portas346,
estilizadas, que eram construídas nas paredes das casas, ainda que fossem maioritariamente
conhecidas do contexto funerário onde eram entendidas como um ponto de contacto entre os
vivos e os mortos347.
As portas falsas domésticas poderiam ser únicas ou até quatro por casa e poderiam ter
ou não decoração. Normalmente tinham painéis pintados de vermelho e amarelo, e também
inscrições. Na Casa V, Bairro SO encontra-se o exemplar mais elaborado que apresenta uma
decoração composta por uma pintura vermelha com uma banda central amarela com um
quadrado adornado com pinturas policromadas onde são representadas duas figuras humanas
rodeando, em postura de adoração, uma cartela de Ahmés Nefertari348. Na casa XV, Bairro
NE, a porta falsa tinha à frente um estrado para oferendas.
No entanto, no mesmo artigo L. Weiss avança para uma interpretação mais lata destas
estruturas propondo a ideia de que as portas falsas seriam um local de culto genérico, isto é,
possíveis capelas bidimensionais cujo enfoque ritual não recairia apenas num culto dos
antepassados mas em algo mais abrangente351. Esta ideia parece fazer sentido considerando
até a decoração identificada na Casa V, Bairro SO, anteriormente referida.
Deste modo, as portas falsas, cuja natureza religiosa é clara, poderiam estar
direccionadas para o culto dos antepassados ou assumir uma função mais abrangente
semelhante à de um altar.
346
Ver Anexo 5.2, Fig. 92.
347
Cf. L. Meskell, Object worlds in ancient Egypt, material biographies, past and present, New York, Berg,
2004, p. 69. Ver Anexo 5.2, Figs. 93 A, B, C, D.
348
Ver Anexo 5.2, Fig. 94.
349
Cf. L. Weiss, Op. Cit., p. 197.
350
Cf. L. Meskell, Op. Cit., 2004, p. 69.
351
Cf. L. Weiss, Op. Cit., p. 203.
79
Em conclusão, sobre as estruturas arquitectónicas, podemos dizer que temos um
conjunto diverso, constituído por diferentes construções que, em alguns casos, são
obviamente religiosas mas que noutros deixam espaço para dificuldades de interpretação.
Ainda que estas dificuldades se revelem mais no entendimento do tipo de utilização que lhe
era dada e menos no seu carácter ritual. Há uma clara predominância de Deir el-Medina e Tell
el-Amarna neste domínio mas, principalmente no caso dos altares, o contributo de outros
povoados como Mirgissa, Askut e Lisht é muito relevante para entender a casa como um
espaço com um cariz religioso desde o Império Médio.
III.3.3.2. Decorações
De Lahun chegou-nos o exemplo mais antigo (Império Médio) que corresponde a uma
pintura parietal policromática (vermelho, amarelo, branco e preto) de uma composição
entendida como uma cena de oferendas. Trata-se de uma imagem complexa, com diferentes
elementos, onde o enfoque recai sobre duas figuras que se encontram no centro do primeiro
nível da imagem, uma sentada, de maior dimensão, e a outra mais pequena. A figura sentada
estará a receber oferendas colocadas em mesas à sua frente352. Este é o único exemplo anterior
ao Império Novo353, ainda que se acredite que estas pinturas pudessem ser mais comuns e
apenas não se tenham preservado354.
352
Cf. W. F. Petrie, Op. Cit., 1891, p. 7, Pl. XVI-6. Ver Anexo 5.3, Fig. 95.
353
O único com conotação religiosa, uma vez que F. Petrie refere a existência de uma outra pintura parietal em
Lahun que o autor acredita representar algum tipo de edifício. Cf. W. F. Petrie, Op. Cit., 1891, p. 7, Pl. XVI-4.
354
Cf. S. Quirke, Op. Cit., pp. 85 – 6.
80
Em Amara Oeste (Império Novo) e Karnak (Época Baixa) temos três casos de lintéis
de portas de casas com inscrições e relevos. No caso de Amara Oeste trata-se de uma
inscrição dedicada a Amon355, em Karnak temos uma inscrição dedicada a Amon, Min e Isis e
um relevo que representa o proprietário da casa de joelhos perante Montu356.
355
Cf. http://blog.britishmuseum.org/2012/01/18/amara-west-2012-inscribed-lintel-discovered-under-rubble/ [11
de Junho 2014] Ver Anexo 5.3, Fig. 96.
356
Ver Anexo 5.3, Fig. 97.
357
Ver Bairro NE, Casa VII, Bairro SO, Casa V e Bairro NE, Casa VIII.
358
Cf. B. Bruyére, Op. Cit., p. 273, Fig. 12.
359
Cf. Ibidem, p. 299, Pl. XVII.9.
360
Ver Anexo 5.3, Fig. 98.
361
Cf. A. Stevens, Op. Cit., pp. 215 – 6.
362
Por exemplo, North Suburb, Casa T.35.19 e Main City, Casa O.49.1.
363
Por exemplo, Main City, Casas P.44.23, M.47.3, P.49.15.
364
Por exemplo, Main City, Casa K.50.1.
81
Os temas da Religião Oficial de Amarna não esgotam os motivos de decoração das
casas deste povoado. Destacam-se, em duas casas da Eastern Village / Workmens Village (3 e
10) dois frescos367. Na casa 3 foi descoberta a parte inferior de uma pintura que representa um
grupo de figuras do deus Bes a dançar acompanhado por uma representação da deusa Taueret
na extremidade direita, desenhados a branco sobre fundo de barro368. Na casa 10 mantem-se o
cenário de fundo de barro com desenho branco, mas neste caso identifica-se a parte de baixo
de uma cena composta por figuras humanas, que o vestuário leva a crer serem femininas,
alternadamente de grandes e pequenas dimensões, caminhando para o lado direito369.
III.3.3.3. Objectos
A categoria dos objectos, que engloba nove designações (joalharia e amuletos, figuras
e modelos, estátuas, estatuetas e bustos, estelas, peças de cerâmica, instrumentos, mobiliário e
equipamento ritual, placas decoradas e figurativas e outros) é composta por 3099 vestígios
contabilizados e vinte e seis situações para as quais não foi possível obter um valor concreto.
Esta é a categoria com maior representatividade sendo composta por mais de 85% das
fontes materiais consideradas. E é também, das quatro, a que mais dificuldades levantou no
que respeita à selecção dos vestígios a examinar pois são os que melhor representam as
365
Por exemplo, Main City, Casa N.49.34, T.34.1. Ver Anexo 5.3, Figs. 99 A, B e C.
366
Por exemplo, Main City, Casa N.49.18, P.47.24.
367
Para análise detalhada destas decorações ver B. Kemp, Op. Cit., 1979, pp. 47 – 53.
368
Ver Anexo 5.3, Fig. 100.
369
Ver Anexo 5.3, Fig. 101.
370
Cf. B. Kemp., Op. Cit., 1979, p. 50.
82
problemáticas e condicionalismos apresentados no Capítulo I. Contudo, os critérios que
definimos para a realização desta selecção, fundamentados nos estudos já realizados e
também no tipo de catalogação que é actualmente feita destas peças, permitiu-nos avançar
com segurança na reunião deste conjunto de vestígios. Embora o nosso entendimento de
certas tipologias não seja definitivo, uma utilização de cariz mágico-religioso parece segura.
1400
1200
1000
800
1401
600
1076
400
200 133
312 73 47 9 21 27
0
Joalharia e Figuras e Estátuas, Estelas Peças de Instrumentos Mobiliário e Placas Outros
amuletos modelos estatuetas e cerâmica equipamento decoradas e
bustos ritual figurativas
Ao olhar para esta categoria devemos ter em conta não apenas o conjunto – ilustrativo
pela quantidade e diversidade – mas, também, cada uma das designações individualmente,
pois elas ajudam a uma imagem mais clara e próxima do que seriam os usos e motivações da
Religião Doméstica no Egipto antigo. Assim, consideramos agora os aspectos essenciais de
cada uma delas.
Joalharia e amuletos
A designação joalharia371 e amuletos, que inclui os objectos usados como adorno e/ou
amuleto, com um cariz mágico-religioso que pode ser identificado pela forma, decoração e/ou
371
Usamos esta expressão por a consideramos clara, no entanto, apontamos a perspectiva de L. Giddy que
prefere ‘personal adornment’ por considerar que o termo joalharia tem uma conotação essencialmente de adorno
e vaidade e marcadamente feminina, o que não é aplicável a toda a categoria onde certas peças tinham um
carácter funcional. Nós consideramos que a expressão de L. Giddy não se afasta muito desta ideia. Cf. L. Giddy,
Op. Cit., p. 53. A. Stevens aponta ainda a questão da dificuldade de diferenciar a joalharia que teria um carácter
religioso da que teria uma finalidade meramente de enfeite, apontando como solução para isto o recurso ao
possível simbolismo da peça. Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 29. Esta questão não se coloca no caso dos
amuletos, onde a funcionalidade é clara, no entanto no caso de peças como, por exemplo, anéis, só a presença de
informação concreta como o nome/imagem de um deus ou outra figura com um cariz religioso pode atestar um
possível uso com objectivos não só de adorno mas também religioso.
83
inscrições, é composta por 1076 vestígios contabilizados e por três casos (Semna, Medinet el-
Gurob, Karnak) onde não foi possível obter um número concreto. Este conjunto é o segundo
mais representado com cerca de 34% do total dos objectos e foi identificado em dezanove dos
trinta povoados considerados (Abidos-Kom es-Sultan, Akoris, Amara Oeste, Askut, Buhen,
Deir el-Medina, El-Ashmunein, Karnak, Kom Fakhry, Rom Rabia, Lahun, Medinet el-Gurob,
Saís, Semna, Sesebi, Shalfak, Tell el-Amarna, Tell el-Muqdam e Uronarti).
Tipologia 1 Valores
Animais 219
Deuses 588
Figuras antropomórficas e partes do corpo 60
Nomes reais 82
Miscelânea 127
Cada uma destas tipologias 1 é composta por diferentes tipologias 2 que ajudam a
caracterizar melhor o conteúdo deste conjunto. As tipologias dos animais, deuses e figuras
antropomórficas e partes do corpo são apresentadas nos gráficos abaixo:
372
Ver Anexo 5.4.1, Figs. 102 a 109.
84
Gráfico 4 – As tipologias 2 das peças de joalharia e amuletos em forma de deuses373
400 375
350
300
250
200
150
100 85
49
50 17
1 2 4 2 4 1 2 5 1 1 1 3 1 1 2 4 8 5 1 9
3
0
As peças de joalharia e amuletos com nomes reais, todas provenientes de Tell el-
Amarna, representam oitenta e dois exemplares e compõem-se de nomes como o de
Akhenaton, Tutankhamon, e Amenhotep III. O conjunto designado miscelânea375, com 127
peças contabilizadas e três casos sem valores concretos, é composto por variadas tipologias 2,
por amuletos em forma de objectos (mastro, machado, concha, etc.), Olho de Hórus, coração,
nó de Ísis, lua e formas não identificadas.
373
Ver Anexo 5.4.1, Figs. 110 a 125.
374
Ver Anexo 5.4.1, Figs. 126 e 127.
375
Ver Anexo 5.4.1., Fig. 128 a 132.
85
Esta designação coloca-nos perante um hábito bem conhecido da civilização
egípcia376: o uso de amuletos e joalharia mágico-religiosa ou amulética. C. Andrews afirma:
“Amulets and jewellery that incorporated amuletic elements were an essential adornment
worn by ancient Egyptians at every level of society, both in life and in the hereafter.”377
Os amuletos eram usados por vivos e mortos, contudo, a sua vertente funerária é muito
mais conhecida do que o seu uso quotidiano380. No entanto, os dados aqui estudados atestam
uma forte presença destes objectos em casa e ajudam até a identificar algumas preferências.
Figuras e modelos
376
Cf. G. Pinch, Op. Cit., 1994, p. 104.
377
C. Andrews, “Amulets” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. I, Cairo, The
American University in Cairo Press, 2001, p. 75.
378
Cf. C. Andrews, Amulets of ancient Egypt, London, British Museum Press, 1994, p. 6.
379
Cf. C. Andrews, Op. Cit., 2001, p. 77.
380
Cf. G. Pinch, Op. Cit., 1994, p. 105.
381
Cf. D. Devauchelle, “À propos des figurines animales dans l'Égypte ancienne” in Anthropozoologica, 38,
2003, p. 71.
382
Cf. L. Giddy, Op. Cit., p. 13; A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 79; E. Teeter, Op. Cit., 2010, p. 5.
86
Ainda assim, confessamos algum seguidismo aquando da classificação destas peças,
uma vez que optámos, na maior parte dos casos, por seguir a catalogação feita pelo
arqueólogo / estudioso que lidou directamente com cada vestígio considerado. Até porque,
ainda que o rigor seja um critério obrigatório, a verdade é que o valor da peça está em si
própria e não no nome que lhe atribuímos.
Numa perspectiva mais concreta, o conjunto das figuras e modelos é composto por
quatro tipologias 1 com a distribuição ilustrada na tabela abaixo:
Tipologia 1 Valores
815
Animais
(5 casos sem valores concretos)
Deuses 62
503
Figuras antropomórficas e partes do corpo
(5 casos sem valores concretos)
21
Miscelânea
(5 casos sem valores concretos)
As 1401 peças são provenientes de vinte e sete dos trinta povoados considerados:
Abidos (Kom es-Sultan), Mirgissa, Uronarti, Shalfak, Semna, Kumma, Lahun, Kom el-
Fakhry, Buhen, Lisht, Askut, Abidos Sul, Deir el-Ballas, Sesebi, Tell el-Amarna, Amara
Oeste, Deir el-Medina, Medinet Habu, Medinet el-Gurob, Saís, Qantir, Tell Abqa’in, Akoris,
Kom Rabia, El-Ashmunein, Karnak e Tell el-Muqdam. Ou seja, abrangem não só todo o
território como também todos os períodos considerados. Na questão temporal é mais do que
evidente o desenvolvimento das tipologias a partir do Império Novo, no entanto, as peças de
períodos anteriores não podem ser depreciadas pois ilustram que o que temos no Império
Novo é uma evolução de práticas de períodos anteriores.
Datação Valores
11
Até ao Império Médio
(1 caso sem valores concretos)
290
Império Médio até ao Império Novo
(5 casos sem valores concretos)
1100
A partir do Império Novo
(9 casos sem valores concretos)
87
Gráfico 6 – As tipologias 2 das peças de figuras e modelos em forma de animais383
500 474
450
400
350
300
250
200
150
100 63 73
35
50 15 7 1
14 5 1 1
19
5 1 2 2 11 2 1
18 6 2 9 4 10 1 11 6 1 4 2 9
0
35 31
30
25
20
15
10 8
3 4 3
5 2 1 2 1 2 2 1 1 1
0
300 284
250
200 171
150
100
47
50
0
Figuras Femininas Figuras Masculinas Figuras Humanas
383
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 133 a 187.
384
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 193 a 195.
385
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 196 a 221.
88
A tipologia miscelânea, com vinte peças contabilizadas e cinco casos sem valores
concretos, é composta por peças diversas: frutos, uma orelha e quinze figuras de camas386
com características diferentes387.
De um modo geral, as peças que compõem esta designação são aceites como tendo um
cariz / função mágico-religiosa. No caso das figuras de deuses a justificação é evidente. Já nos
restantes podem surgir algumas questões, principalmente no caso dos animais, figuras
antropomórficas e dos modelos de camas e camas votivas.
E. Teeter afirma sobre as figuras de barro: “It is generally accepted that many of the
clay figurines are votives that document the cult practices of people who could not afford a
stone statue, or people whose religious experience simply was in a different realm from the
elite.”388 Contudo, esta aceitação não é absoluta e nem sempre estas peças foram vistas desta
forma. Como tal, pelo facto de o grupo dos animais e das figuras femininas serem
especialmente problemáticos no que respeita à sua função iremos identificar as problemáticas
e teorias existentes sobre estas figuras e também clarificar os critérios que justificam a sua
inclusão nas fontes domésticas de cariz mágico-religioso.
386
Para um estudo detalhado sobre as chamadas camas votivas de Medinet Habu ver: E. Teeter, Op. Cit., 2010 e
P. del Vesco, Op. Cit..
387
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 228 a 230.
388
E. Teeter, Op. Cit., 2010, p. 5.
389
W. F. Petrie, Op. Cit., 1890, p. 30.
390
COA II, p. 78.
391
Ibidem, p. 118.
89
Assim, estas figuras, quando preservadas, foram catalogadas como brinquedos392. No
caso dos animais este rótulo, em algumas situações, ainda vigora. R. David defende a teoria
que os vê como brinquedos feitos pelas próprias crianças393 e num relatório de escavação de
2011 vemos um animal de barro a ser inventariado como brinquedo394. Já no caso das figuras
femininas, o afastamento em relação a esta teoria já está concretizado, o que não significa que
se tenha atingido uma certeza quanto à sua utilização. Vejamos cada caso individualmente.
As figuras de animais
Sobre as figuras de animais E. Teeter afirma que estão “among the most common
themes for terracotta figurines and among the most difficult to date and interpret.”395 K.
Szpakowska confirma também que não é fácil classifica-los396 e S. Quirke diz “Yet it remains
difficult to isolate specific criteria by which ritual objects might be distinguished from toys
made for or by children.”397 E a verdade é que não existe ainda um estudo completo e
aprofundado sobre estes vestígios. Vestígios esses que não são exclusivos de contextos
domésticos – também foram identificados em contextos funerários398 – não são exclusivos dos
períodos em estudo – por exemplo, também foram identificados num povoado Pré-Dinástico:
el-Mahâsna399 – e não são exclusivos da civilização egípcia – também foram identificados em
povoados Mesopotâmicos como, por exemplo, Tepe Gawra, Tell Nader e Tell Baqrta400.
Para já, com base nos dados disponíveis e, pesem embora as dúvidas que permanecem
e a certeza de que nem todos terão cumprido a mesma função, isto é, de que não podemos
assumir generalizações, a verdade é que existem dois aspectos essenciais que apontam de
392
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 54.
393
Cf. R. A. David, The pyramid builders of ancient Egypt. A modern investigation of Pharaohs workforce,
London, New York, Routledge, 1996, pp. 162 – 3.
394
Cf. A. Tavares, M. Kamel, Op. Cit., 2011, p. 11.
395
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2010, p. 110.
396
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 55.
397
S. Quirke, Op. Cit., 1998, p. 144.
398
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 189 e 190.
399
Ver Anexo 5.4.2, Fig. 188.
400
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 191 e 192.
90
forma clara para uma utilização mágico-religiosa destes objectos: a sua presença em contextos
funerários e algumas pistas das fontes textuais.
Como vimos, a comparação é uma das hipóteses de que dispomos para validar a
função de uma fonte e, neste caso, a ideia de que estes objectos pudessem ser apenas
brinquedos perde a força quando percebemos que eles estão também presentes em contextos
funerários e não exclusivamente em túmulos de crianças. Olhemos, apenas a título de
exemplo, para Lisht. Através da obra de D. Arnold401 e de peças presentes no Metropolitan
Museum of Art402 conseguimos identificar alguns exemplos de figuras de animais – e também
de figuras femininas – em diversos túmulos de diferentes naturezas. São objectos muito
próximos dos que foram encontrado em casas, tanto nos materiais como nas formas, e nada
aponta a função de brinquedos neste contexto.
401
D. Arnold, The Pyramid complex of Senwosret I. Vol.III. The South cemeteries of Lisht, New York, The
Metropolitan Museum of Art, Egyptian Expedition, 1992.
402
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 189 e 190.
403
Ver http://www.hierakonpolis-online.org/.
404
© The Metropolitan Museum of Art – MMA 03.4.1, 2, 4 e 8.
405
J. E. Quibell, Hierakonpolis I, Egyptian Research Account 4, London, 1900 e J. E. Quibell, F. W. Green,
Hierakonpolis II, Egyptian Research Account 5, London, 1902.
406
Cf. J. E. Quibell, F. W. Green, Op. Cit., p. 33.
407
Ver anexo 5.4.2, Fig. 188.
408
Cf. D. Anderson, “Evidence for early ritual activity in the Pre-dynastic Settlement at el-Mahasna” in R.
Friedman, P. Fiske (eds.), Egypt at its Origins 3, Proceedings of the Third International Conference "Origin of
the State. Predynastic and Early Dynastic Egypt", London, 27th July - 1st August 2008, Orientalia Lovaniensia
Analecta, Leuven, Paris, Walpole, Peeters, 2011, pp. 14 – 16.
91
Por fim, S. Quirke optou ainda por analisar o contexto dos fortes da Núbia, um
ambiente marcadamente militarista, e ainda que assumindo a presença de mulheres e crianças
no local o autor considera: “My own subjective reading of this observation would be to
interpret the figures as objects produced not for the amusement of children, but in support of
the prevailing, textually abundant preoccupation with health as self-defence. The figures seem
to me more likely to have been used by Egyptian adults to defend themselves, than by
Egyptian children to amuse themselves.”409
Feitiço contra dor de cabeça: “(…) Come ye to remove that enemy, dead man or dead
woman, adversary male or female which is in the face of N, born of N. To be recited over a
crocodile of clay with grain in its mouth, and its eye of faience set [in] its head. (…)”410
Feitiço contra pesadelos: “(…) Recite over [ura]ei made of pure clay with flames in
their mouths. One is placed in [each] corner [of every room/of any bedroom] in which there
is a man or woman sleeping with a man [or woman].”411
Existe ainda uma outra perspectiva que busca uma identificação entre os animais
representados e divindades, por exemplo, os crocodilos412 seriam associados a Sobek e os
hipopótamos413 a Taueret414, no entanto, aventa também que no caso de não ser possível
encontrar uma identificação de determinado animal com um deus esse deve ser considerado
um brinquedo415. Esta perspectiva parece um pouco redutora e não tem verdadeiros
fundamentos para estabelecer uma exclusão que pode estar a ser feita com base em
argumentos a silentio.
409
S. Quirke, Op. Cit., 1998, p. 149.
410
P. Chester Beatty V. A. H. Gardiner, Op. Cit., p. 51.
411
R. Ritner, Op. Cit., 1990, p. 26.
412
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 146, 159 a 164, 168 e 178.
413
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 144, 165, 170, 171 e 187.
414
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 57; E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 90.
415
E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 90.
416
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 180, 181, 182, 183 e 184.
92
partida parece estar mais delimitada e assumida como religiosa. K. Szpakowska, que conduz
actualmente uma investigação aprofundada sobre estas figuras, afirma sobre elas: “The cobra
represents the fiery power of the sun, illuminating the night, and effectively destroying
enemies, whether the cobra is associated with a particular deity at the time or is used as a
powerful protective icon on its own. One can imagine an individual, distraught after yet
another sleepless night and perhaps on the recommendation of a priest, going to her local
potter to obtain four of these figures or perhaps crudely fashioning them herself. She would
then place them in the corners of her room where they could act as an ancient type of dream
catcher. Once the nightmares were relieved, the figures could also be used to repel scorpions,
or as channels to ask for forgiveness from Meretseger, or to pray for a good harvest from
Renenutet. Alternatively, they might be stored until the time when the fierce fiery power of the
uraeus was needed once again.”417
As figuras femininas
417
K. Szpakowska, “Playing with fire: initial observations on the religious uses of clay cobras from Amarna” in
Journal of the American Research Center in Egypt, 40, 2003, p. 122.
418
COA II, p. 99.
419
Cf. A. Tooley, “Child’s toy or ritual object” in Göttinger Miszellen, 123, 1991, pp. 101 – 11.
420
UC 16148. Ver Anexo 5.4.2, Fig. 222 A.
93
pois, sob a suposição errónea de que era o túmulo de uma criança, J. Janssen e R. Janssen
afirmaram: “A clear indication that the human figure was indeed a toy is when it was found in
a child’s grave.”421 Porém, o dito túmulo não seria de uma criança mas sim de uma mulher
em idade fértil422.
A mesma autora aponta ainda outros casos de figuras femininas do mesmo tipo
encontradas em túmulos423. Na realidade, a presença em contexto funerário não é um
exclusivo deste modelo, uma vez que, por exemplo, voltando a Lisht, nos túmulos da região
identificámos pelo menos mais três tipos diferentes. O primeiro tipo é muito semelhante a
figuras localizadas em Lahun – peças de cerâmica azul com ‘tatuagens’ a preto424 – e o outro
– figuras de mulheres com criança ao colo425 – é de um tipo apenas identificado neste local,
ainda que existam outros de mulheres acompanhadas de crianças426.
O facto de estas figuras não serem exclusivas de túmulos de homens e de terem sido
também encontradas em templos e capelas430 – por exemplo, de Mut em Karnak e de Hathor
em Deir el-Bahari – pôs em causa esta teoria por falta de sustentação.
Para além do local de proveniência, as próprias características das figuras foram tidas
em conta na tentativa de analisar a sua função. E se a verdade é que encontramos formas
421
J. J. Janssen, R. M. Janssen, Growing up in ancient Egypt, London, The Rubicon Press, 1990, p. 46, Fig. 20.
422
Cf. A. Tooley, Op. Cit., pp. 102 – 3.
423
Cf. Ibidem, p. 104. Ver Anexo 5.4.2, Figs. 222 B, C, D.
424
Ver Anexo 5.4.2, Fig. 208.
425
Ver Anexo 5.4.2, Fig. 224.
426
Ver Anexo 5.4.2, Fig. 219.
427
Cf. Ch. Desroches Noblecourt, “’Concubines du Mort’ et mères de famille au Moyen Empire. À propôs d’une
supplique pour une naissance” in Bulletin de l’Institut Français d’Archéologie Orientale, 53, 1953, p. 17.
428
Cf. G. Pinch, “Offerings to Hathor” in Folklore, No. 2, 1982, p. 146; E. Waraksa, Op. Cit., 2009, p. 13.
429
Cf. G. Pinch, Op. Cit., 1982, p. 146.
430
Cf. G. Pinch, Op. Cit., p. 146; E. Teeter, Op. Cit., 2010, p. 3; E. Waraksa, Op. Cit., 2009, p. 14. Ver Anexo
5.4.2, Fig. 225.
94
muito diversas431, elas têm em comum, regra geral, o facto de estarem nuas e de haver um
destaque do peito e na zona púbica432. Mesmo nas figuras mais estilizadas esses são os
elementos mais distintivos, como acontece nas figuras tipo bloco de Lahun e Buhen433.
431
Tanto G. Pinch como E. Waraksa identificam seis diferentes formatos. Sendo que E. Waraksa acrescenta um
sétimo para as figuras que não cabem nas restantes catalogações. Cf. G. Pinch, Votive offerings to Hathor,
Oxford, Griffith Institute, Ashmolean Museum, 1993, pp. 198 – 209; E. Waraksa, Op. Cit., 2009, pp. 20 – 30.
432
Cf. G. Pinch, Op. Cit., 1982, p. 146; E, Teeter, Op. Cit., 2010, p. 3. Algumas figuras apresentam também
tatuagens. Sobre esta questão ver: G. J. Tassie, “Identifying the practice of tattooing in ancient Egypt and Nubia”
in Papers from the Institute of Archaeology, 14, 2003, pp. 85 – 101.
433
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 209 e 210.
434
G. Pinch, Op. Cit., 1982 e Op. Cit., 1993.
435
E. Waraksa, Op. Cit., 2008 e Op. Cit., 2009.
436
Cf. J. Backhouse, Op. Cit.
437
G. Pinch, Op. Cit., 1993, p. 225.
438
Cf. Ibidem, p. 223; E. Teeter, Op. Cit., 2010, pp. 3, 26, 196.
439
Ver Anexo 2.2, Fig. 13.
440
Cf. E. Waraksa, Op. Cit., 2008, p. 3; S. Von Schott, Op. Cit., p. 23.
441
Cf. E. Waraksa, Op. Cit., 2009, pp. 15 – 20.
442
Cf. Ibidem, p. 15.
443
Cf. E. Waraksa, Op. Cit., 2008, p. 3.
95
recorre a um feitiço444 que já referimos mas que recuperamos agora: “ (…) To be recited over
a woman’s statue of clay. As for any suffering of his in the belly, the affliction will send down
from him into the Isis-statue, until he is healthy.”445
Assim, a autora acredita que a utilização destas figuras seria mais abrangente do que o
defendido por G. Pinch, ou seja, que a fertilidade, mesmo numa lógica abrangente, não seria a
sua única função, sendo que E. Waracksa sustenta a sua perspectiva com o facto dessas
figuras serem também requisitadas no contexto de práticas mágicas que nada tinham a ver
com questões de fecundidade, como é o caso do feitiço apresentado.
444
Cf. E. Waraksa, Op. Cit., 2009, pp. 149 – 154.
445
P. Leiden I 348. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 20, p. 25.
446
Cf. J. Backhouse, Op. Cit., p. 37.
447
Ibidem, p. 38.
96
Estátuas, estatuetas e bustos
Esta designação foi identificada em dezasseis dos trinta povoados, todos datados a
partir do Império Médio: Abidos Sul, Akoris, Amara Oeste, Buhen, Deir el-Medina, el-
Ashmunein, Kom el-Fakhry, Kom Rabia, Lahun, Medinet el-Gurob, Saís, Semna, Sesebi,
Shalfak, Tell el-Amarna, Tell el-Muqdam e Uronarti.
Tipologia 1 Valores
Animais 98
Deuses 83
110
Humanas/Privadas
(1 caso sem valores concretos)
Família Real 21
100
89
90
80
70
60
50
40
30
20
10 4 2 1 1 1
0
Macaco Cobra Hipopótamo Falcão Leão Não identificado
448
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 121.
97
Gráfico 10 – As tipologias 2 das peças de estátuas, estatuetas e bustos em forma de deuses
70 64
60
50
40
30
20
10 2 2 2 4 3 4 2
0
Bes Hórus Ísis Isis e Hórus Osíris Ptah Taueret Não
identificado
60 55
50
40
30
20 15 14
12
10
0
Bustos de antepassados Femininas Masculinas Humanas
449
Ver Anexo 5.4.3, Figs. 234 e 235.
450
Ver Anexo 5.4.3, Figs. 231, 232 e 233.
451
Para um estudo e catálogo sobre estas peças ver J. L. Keith-Bennett, Anthropoid busts of Deir el Medineh and
other sites and collections: analyses, catalogue and appendices, Cairo, Institut Français d'archéologie, 2011.
452
J. L. Keith-Bennett afirma que dos setenta e sete identificados em Deir el-Medina apenas onze foram
identificados com certeza como tendo sido achados em casa e mais cerca de treze em detritos do povoado. Cf. J.
L. Keith-Bennett, Op. Cit., 2011, pp. 11 – 2.
453
S. Donnat afirma: “La fonction de ces objectes n’est pas clairement établie.” J. L. Keith-Bennett, Op. Cit., p.
94. Ver Anexo 5.4.3, Figs. 244, 245 a 248.
98
Sobre a presença destes bustos em casa N. Harrington afirma: “(…) the principal role
of the busts in the home was perhaps to maintain the wellbeing and protection of the
inhabitants. They provided an immediate medium for communication with deceased family
members, particularly in cases of potential crisis, such as sickness and childbirth, and an
alternative to domestic deities such as Bes and Taweret.”454
Existem várias questões em torno dos bustos antropóides e não existem conclusões
absolutas455. Os estudos sobre o assunto têm em conta o aspecto físico do busto (design,
cabeleiras/penteados, ornamentos, cores, etc.), inscrições e proveniência, de modo a procurar
resposta para questões de identidade, género, função e relação com divindades.
Em suma, há bastantes questões em torno destes bustos mas, de acordo com S. Donnat
uma coisa parece certa: “Une chose semble cependant assurée par l’archéologie et
l’iconographie: les bustes anthropoïdes étaient les supports d’un culte pratique à l’interieur
du foyer ou dans les chapelles.”459
Por fim, a tipologia das estátuas e estatuetas da família real, exclusiva de Tell el-
Amarna, inclui imagens do rei460, da rainha e das princesas. Neste caso, somos conduzidos
454
N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 59.
455
N. Harrington afirma: “(…) the busts remain enigmatic.” N. Harrington, “From the cradle to the grave:
anthropoid busts and ancestor cult at Deir el Medina” in K. E. Piquette, S. Love (eds.), Current research in
Egyptology 2003 proceeding of the fourth annual symposium which took place at the Institute of Archaeology,
University College London 18-19 January 2003, Oxford, Oxbow, 2005, p. 74.
456
J. L. Keith-Bennett, Op. Cit., p. 96.
457
Cf. Ibidem; N. Harrington, Op. Cit., 2005, pp. 74 e 78.
458
Cf. Ibidem, pp. 97 e 100.
459
Ibidem, p. 94.
460
Ver Anexo 5.4.3, Fig. 239.
99
para a especificidade da Religião Doméstica Amarniana em que a família real desempenha
um papel fulcral no contacto com Aton.
De um modo geral, as 312 estatuetas e bustos que compõem esta designação ajudam-
nos a perceber preferências em termos de divindades e também alguns usos levados a cabo em
contexto doméstico.
Estelas
As estelas são peças que pela sua natureza religiosa ser tão evidente levaram a que,
como já referimos, tenham sido levantadas dúvidas quanto a uma possível utilização em
contexto doméstico, sendo proposto que a sua localização aí fosse secundária e de
reaproveitamento. Contudo, no âmbito das fontes disponíveis e das informações de que
dispomos sobre as práticas religiosas em casa, não é por certo descabido aceitar que a sua
presença aí não seria provisória ou de reutilização mas sim que as estelas ali estivessem para
cumprir uma função religiosa461.
No total foram identificadas setenta e três estelas em catorze dos trinta povoados –
Amara Oeste, Askut, Deir el-Medina, Karnak, Kom el-Fakhry, Kom Rabia, Lahun, Lisht,
Medinet Habu, Qasr el-Sagha, Shalfak, Tell el-Amarna, Tell el-Muqdam e Uronarti – e estas
foram agrupadas em seis tipologias 1 e diversas tipologias 2 com a seguinte distribuição:
461
De notar também a referência à presença das estelas em casa explorada por R. Demarée no artigo “’Remove
your stela’. O. Petrie 21 = Hier. Ostr. 16,4” in R. Demarée, J. Janssen (eds.), Gleanings from Deir el Medina,
Leiden, Nederlands Instituut voor het Nabije Oosten, 1982, pp. 101 – 108.
462
Para um estudo aprofundado sobre estas estelas ver J. Demarée, Op. Cit.. Ver Anexo 5.4.4, Figs. 255 a 257.
100
that the 3ḫ Ỉḳr n Rʻ-stelae had an important function especially in the house-cult for deceased
relatives. This aspect of the house-cult […] consisted of the bringing of offerings to place in
front of the stelae for the benefit of the deceased represented on the stelae, at same time in the
expectation of reciprocation in the form of help from the side of the deceased whenever it
should be deemed necessary.”463
Em contexto doméstico identificaram-se apenas oito destas estelas, cinco em Deir el-
Medina. Contudo, de acordo com as palavras de J. Demarée, é possível que existissem muitas
mais estelas 3ḫ Ỉḳr n Rʻ em espaço doméstico pois o autor afirma que as estelas de Deir el-
Medina seriam, na sua maioria, provenientes das casas e não de cemitérios464.
Em suma, consideramos que as estelas, quer direccionadas para o culto dos deuses
quer para o culto dos antepassados, sendo objectos de natureza religiosa comummente aceite,
atestam mais uma vez a casa como um espaço com um potencial religioso.
Peças de cerâmica
Identificámos quarenta e sete vestígios e dois casos sem valores concretos, em doze
dos trinta povoados estudados: Abidos (Kom es-Sultan), Shalfak, Semna, Buhen, Abidos Sul,
Deir el-Medina, Medinet el-Gurob, El-Ashmunein, Tell el-Muqdam, Tell el-Amarna, Qantir.
463
J. Demarée, Op. Cit., p. 287.
464
Cf. Ibidem.
465
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2010, p. 168. Ver Anexo 5.4.4, Figs. 261 e 262.
466
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 228 e 229.
467
E. Teeter, Op. Cit., 2010, p. 168.
101
As peças de cerâmica dividem-se em quatro tipologias 1.
Instrumentos
468
Ver Anexo 5.4.5, Figs. 292 a 294.
469
Ver Anexo 5.4.5, Figs. 290 e 291.
470
Sobre a terminologia e uso destas peças ver: K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 27.
102
consideradas por se entender que a sua utilização estaria ligada a acções com um cariz ritual
ou que a sua utilização lhes conferia essa natureza.
O conjunto compreende 133 peças contabilizadas e três casos, todos de Askut, sem
valores concretos. Este tipo de vestígio foi identificado em dezoito dos trinta povoados
considerados: Abidos (Kom es-Sultan), Abidos Sul, Askut, Buhen, Deir el-Medina,
Elefantina, Karnak, Kom el-Fakhry, Kom Rabia, Lahun, Medinet Habu, Mirgissa, Saís,
Semna, Shalfak, Tell el-Amarna, Tell el-Dab’a e Uronarti.
Tipologia 1 Valores
Altares/nichos portáteis 1
Bacias 8
Descansos de cabeça 6
Mesas e bandejas de oferendas 95
Pedestais, suportes e queimadores de incenso 11
Miscelânea 12
471
W. Emery, H. S. Smith, A. Millard, Op. Cit., p. 151.
103
reutilizar em casa, ou podemos supor que a sua presença em catorze diferentes povoados, de
diferentes períodos e zonas, indica uma efectiva utilização doméstica. E, obviamente, o já
falado conjunto de Kom el-Fakhry parece validar muito claramente esta segunda hipótese472.
Em termos de fontes textuais, para atestar o uso doméstico destas peças, podemos
referir uma carta que inventaria os bens deixados em casa por alguém e entre eles estão
incluídas três tabuinhas de oferendas: carta do O. Cairo 25670 – “To inform you the items left
behind by me in the village: (...) two offering tablets, one small offering tablet, (...)”473
Pela sua particularidade chamamos a atenção para os pedestais de forma humana, sós
ou em pares, que tinham sobre a cabeça uma taça para colocação de oferendas ou para
queimar incenso. A forma do corpo destas peças é arredondada e as pernas curtas pelo que são
geralmente identificados como anões e associados ao deus Bes ou Aha474. Pensava-se, que
estas peças eram únicas de Lahun, no entanto em 2011, em Kom el-Fakhry foram
identificados dois fragmentos de uma peça com características muito semelhantes475.
Por fim, referimos a descoberta que a equipa dirigida por J. Wegner da University of
Pennsylvania fez, em 2001, em Abidos Sul: “A polychrome magical birth brick painted with
childbirth imagery.”476 Esta foi a primeira descoberta, em contexto doméstico, de uma peça
cuja funcionalidade já era conhecida através da sua associação a Meskhenet, uma deusa do
nascimento. Os tijolos eram um símbolo identificador desta deusa e seriam usados para a mãe
se ajoelhar no momento do parto. O tijolo é feito de barro, tem 36cm de comprimento, e está
decorado em todos os lados com imagens relacionadas com o nascimento o que inclui
diversas divindades e demónios477.
472
Ver Anexo 5.2, Fig. 52.
473
E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 138, p. 138.
474
Cf. F. W. Petrie, Op. Cit., 1890, p. 26 e 1891, p. 11, Pl. Vi-9 e 10; S. Quirke, Op. Cit., 2005, p. 97; K.
Szpakowska, Op. Cit., 2008, pp. 133 – 5. Ver Anexo 5.4.6, Figs. 280 a 284.
475
Ver Anexo 5.4.6, Fig. 285.
476
J. Wegner, Op. Cit., p. 35.
477
Para uma descrição e estudo aprofundado sobre o tijolo de nascimento de Abidos Sul ver: J. Wegner, Op.
Cit., 2009, pp. 447 – 491. Ver Anexo 5.4.6, Fig. 289.
104
Placas decoradas e figurativas
As placas são de materiais diversos como xisto, cerâmica, faiança, bronze, calcário,
madeira, etc., e estão decoradas com motivos que incluem deuses como Ptah, Amon-Ré, Isis,
Aton, Bes, Hórus, Min, Hathor478, Hapi479 e Tot e também animais, principalmente cobras e
figuras antropomórficas com destaque para representações de Akhenaton e Nefertiti. Estas
peças, em termos de funcionalidade, posicionam-se entre as figuras e modelos e as estelas,
tendo um potencial cariz de oferenda480.
Outros
Para finalizar, o grupo dos outros – com vinte e sete vestígios contabilizados e dois
casos sem valores concretos – compreende todos os elementos que não foi possível classificar
nas designações anteriores, sendo composto por sete óstracos decorados com figuras
humanas, animais e deuses, dezassete bolas e discos de barro com impressões e/ou cabelos,
uma cobra em liga de cobre, um selo com uma fórmula de oferenda e também os conjuntos de
depósitos de oferendas de Tell el-Dab’a e de grupos de queimas de Medinet el-Gurob.
478
Ver Anexo 5.4.8, Figs. 296 e 297.
479
Ver Anexo 5.4.8, Fig. 295.
480
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, pp. 165 – 6.
105
III.3.3.4. Outros - Enterramentos infantis
Pouco podemos concluir acerca destas fontes em particular. O tema dos enterramentos
infantis em espaço doméstico, nas suas diferentes versões, não foi ainda estudado de forma
completa e aprofundada. Os trabalhos que existem são dedicados a situações concretas e não a
perspectivas abrangentes. Por exemplo, o trabalho de R. Zillhardt é dedicado a apenas três
povoados – Adaïma, Deir el-Medina e Elefantina – e inclui tanto casos domésticos como
481
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 12.
482
Ver Anexo 5.5, Figs. 298 a 301.
483
W. F. Petrie, Op. Cit., 1890, p. 24.
484
R. David, Op. Cit., 1986, p. 137.
485
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 33; A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 210.
106
enterramentos em cemitérios486. Já o estudo de L. R. Britton dedica-se exclusivamente ao
estudo de enterramentos infantis em vasos de cerâmica encontrados em Askut487. Deste modo,
não existe nem um levantamento nem uma análise exaustiva do como e do porquê dos
enterramentos infantis em espaço doméstico no Egipto antigo.
Estes três casos apresentam diferentes opções de colocação dos corpos no espaço
residencial do povoado e atestam também a dispersão temporal, fazendo recuar a prática ao
Império Antigo. Mas, se recuarmos um pouco mais, e se sairmos também dos nossos limites
temporais, iremos descobrir que em povoados Pré-Dinásticos como Adaïma491, Ballas492 e el-
Badari/Hemamieh493, esta prática também já existia, e apresenta características semelhantes
aos períodos posteriores.
486
Cf. R. Zillhardt, Op. Cit..
487
Cf. L. R. Britton, A biocultural analysis of Nubian fetal pot burials from Askut, Sudan, a thesis submitted in
partial fulfilment of the requirements for the degree of Master of Arts in the department of Anthropology in the
College of Sciences at the University of Central Florida, Orlando, 2009.
488
Cf. R. Zillhardt, Op. Cit., pp. 58 – 67.
489
Cf. L. R. Britton, Op. Cit.
490
Cf. C. Gobeil, “Inhumations d’enfants en zone d’habitat à Balat” in Bulletin de l'institut Français
d'Archéologie Oriental, 109, 2009, pp. 161 – 175.
491
Cf. J. L. Bohac, Adaïma settlement burials: giving the burial context, submitted to the Faculty of the
Archaeology studies program Department of Sociology and Archaeology in partial fulfilment of the
requirements for the degree of Bachelor of Arts, University of Wisconsin – La Crosse, 2013.
492
Cf. W. F. Petrie, J. E., Quibell, Naqada and Ballas, London, 1896, p. 2.
493
Cf. G. Brunton, G. Caton-Thompson, The Badarian civilization and predynastic remains near Badari,
London, British School of Archaeology, 1928, pp. 44 – 46, 89.
107
Enterramentos directamente no solo cobertos por taça de cerâmica – Abidos
(Kom es-Sultan)494, Abidos Sul (Wah-Sut)
Enterramentos em caixas de madeira – Abidos (Kom es-Sultan), Lahun495, Deir
el-Medina
Enterramento em estrutura de tijolo de barro em casa – El-Ashmunein
Enterramento com corpo embrulhado em esteira – Tell el-Amarna
Os estudiosos têm, para este tipo de enterramento, diferentes interpretações. Uns veem
neles uma solução económica para o enterramento das crianças497, outros uma resposta
específica para a inumação de crianças, isto é, de pessoas até certa idade498, e outros ainda
olham-nos como sendo uma metáfora para o útero da mãe499.
Nos estudos sobre os enterramentos infantis são tidos em conta aspectos como a idade
da criança, a posição do corpo na cova, o tipo de enterro, a presença ou não de objectos, entre
outros500. Porém, no caso particular dos enterramentos infantis em espaço doméstico no
Egipto antigo, para podermos entender esta prática de forma mais completa, será necessária
uma investigação que inclua os diferentes tipos de posição no espaço residencial (casas
habitadas, casas abandonadas, fora das casas), os diferentes tipos de enterros, a evolução do
costume ao longo do tempo, a expansão geográfica, as semelhanças com outras culturas em
paralelo com uma perspectiva sobre a criança nesta civilização.
Ainda assim, na ausência deste estudo, existem já algumas deduções que explicam a
inclusão desta prática num trabalho sobre a Religião Doméstica. As perspectivas actuais
494
Ver anexo 5.5, Fig. 298.
495
Ver anexo 5.5, Fig. 301.
496
Cf., por exemplo, K. Birney, B. R. Doak, “Funerary iconography on an infant burial jar from Ashkelon” in
Israel Exploration Journal, Vol. 61, nº 1, 2011, pp. 32 – 53.
497
Cf. C. Gobeil, Op. Cit., p. 169.
498
Cf. L. R. Britton, Op. Cit., pp. 75 – 77. Esta teoria pode ser contrariada pela existência de casos de
enterramentos de adultos em potes, por exemplo, em el Amrah (Pré-Dinástico). Cf. D. Randall-Maciver, A.
Mace, El Amrah and Abydos, 1899 – 1901, London, The Egypt Exploration Fund, 1902, pp. 10 – 11.
499
Cf. R. Zillhardt, Op. Cit., pp. 50 – 51, Fig. 48; D. Ilan, “Mortuary practices at Tell Dan in the Middle Bronze
age: a reflection of Canaanite society and ideology” in S. Campebell, A. Green (eds.), The Archaeology of death
in the Ancient Near East, Oxford, Oxbow Books, 1995, p. 135; S. Kulemann-Ossen, M. Novák, “Kubu und das
‘Kind in Topf’” in Altorientalische Forschungen, 27, 2000, pp. 121 – 131.
500
Cf. P. Verlinden, Child burials in the Middle Period and Second Intermediate Period, MA Thesis, Katholique
University, Leuven, 2008.
108
apontam para que a criança/recém-nascido fosse entendida como um ser que seria visto como
estando no limite entre o mundo humano e o divino e como tal, mantê-lo por perto podia
facilitar o contacto com os deuses. Isto é, a presença da criança em casa seria vista como um
meio facilitador/propiciador de uma relação com o divino501. Por outro lado, a escolha poderia
também dever-se a uma vontade de continuar a ter a criança falecida por perto de modo a
cuidá-la e a até a prestar-lhe algum tipo de culto502.
Notas finais
Fica claro, principalmente através do ponto II.3.3, que lidamos com um complexo mas
valoroso e diversificado conjunto de fontes que, em conjugação com os dados obtidos das
fontes textuais, nos permite avançar para uma caracterização geral da Religião Doméstica no
Egipto antigo.
501
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 12; Op. Cit., 2006, p. 210; K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 34.
502
Cf. R. Zillhardt, Op. Cit., p. 70.
109
CAPÍTULO III – O tempo e o espaço: enquadramento espacial e temporal
Assim, comecemos por sistematizar a distribuição dos trinta povoados pelas cinco
zonas principais – Delta, Baixo Egipto, Médio Egipto, Alto Egipto e Núbia – e apontar o
número de vestígios por cada zona:
Nº de
Zona Povoados Nº de vestígios
povoados
Tell el-Muqdam, Saís, Qantir, Tell Abqa’in, 292
Delta 5
Tell el-Dab’a (6 não contabilizados)
Lahun, Qasr el-Sagha, Kom el-Fakhry, Lisht, Medinet 411
Baixo Egipto 6
el-Gurob, Kom Rabia (8 não contabilizados)
2244
Médio Egipto Akoris, El-Ashmunein, Tell el-Amarna 3
(1 não contabilizado)
Abidos (Kom es-Sultan), Abidos Sul, Elefantina, Deir 330
Alto Egipto 7
el-Balas, Deir el-Medina, Medinet Habu, Karnak (9 não contabilizados)
Buhen, Mirgissa, Shalfak, Semna, Askut, Uronarti, 332
Núbia 9
Kumma, Amara Oeste, Sesebi (8 não contabilizados)
A tabela revela, mais uma vez, que uma análise quantitativa pode ser enganadora.
Embora o Médio Egipto tenha o menor número de povoados tem o maior número de fontes.
110
No entanto, demonstra também que embora na Núbia contabilizemos o maior número de
povoados e no Médio Egipto o menor, nenhuma das zonas consideradas se destaca de modo
efectivo, nenhuma é realmente preponderante. Deste modo, parece lógico inferir que não
existe uma zona do território ‘típica’ da Religião Doméstica, aliás, as práticas da Religião
Doméstica cobrem o território de Norte a Sul, desde o Delta até próximo da III Catarata503.
É importante, para aprofundar esta questão, fazer uma breve incursão ao ponto da
dispersão temporal de modo a perceber se a distribuição espacial terá uma relação com o
passar do tempo. Consideremos a tabela abaixo que relaciona as zonas consideradas com os
períodos das fontes aí identificadas504.
Início do Período
I Período Império II Período Império III Período Época
Dinástico
Intermédio Médio Intermédio Novo Intermédio Baixa
Império Antigo
Delta 1 1 4 1 1
Baixo Egipto 4 2 1
Médio Egipto 1 2
Alto Egipto 2 1 2 1 4 1 1
Núbia 7 4
Este aspecto leva-nos a questionar: poderá o Alto Egipto ser considerada uma zona
‘típica’? Isto é, o facto de ser uma região onde os vestígios mais se prolongam no tempo fará
do Alto Egipto um espaço com uma especial incidência desta prática religiosa? A resposta
será: provavelmente não. Em termos de número de vestígios contabilizados o Alto Egipto
ocupa apenas a penúltima posição e no conjunto de povoados em causa salienta-se Deir el-
Medina o que reduz para apenas cerca de cem vestígios o contributo dos restantes seis
503
Ver mapa em anexo 3.
504
Correspondentes a períodos de ocupação dos povoados.
111
povoados, o que não é verdadeiramente significativo no total. Outro aspecto a apontar é o
número de povoados por cada período – no Império Novo existem quatro povoados, mas nos
restantes períodos os valores posicionam-se entre um e dois, ou seja, excluindo o Império
Novo, a presença de povoados com fontes não se evidencia.
Ainda assim, não a elegendo como zona ‘típica’, detemo-nos nela para abordar a
questão da possível existência de um ponto de origem, isto é, um lugar e um momento onde
as práticas da Religião Doméstica terão tido início, desenvolvimento, e de onde terão
irradiado para o resto do território.
Não é uma certeza que esta questão seja válida uma vez que pode não ter existido um
‘ponto de origem’ mas sim vários e em diferentes tempos e espaços. Ou podemos também
considerar a possibilidade de uma importação do exterior, considerando, por exemplo, as
figuras animais da Mesopotâmia505, ainda que mesmo assim fosse necessário um ponto de
entrada e de subsequente propagação. E ainda aceitar a possibilidade de um desenvolvimento
espontâneo, ainda que análogo, baseado nas mesmas motivações e fundo cultural.
Assim, se, uma vez mais, sairmos dos limites temporais do nosso estudo e recuarmos
ao período Pré-Dinástico, vamos perceber que na zona do Alto Egipto existem diversos locais
onde foram identificados vestígios que, ainda que provenientes de contextos religiosos –
templos e túmulos – apresentam características semelhantes ao que vamos identificar
posteriormente em contexto doméstico: el-Mahâsna507, Hierakonpolis508, El-Amra509, Região
Pré-dinástica de Abidos510 e Badari/Hammamieh511.
505
Ver Anexo 5.4.2, Figs. 191 e 192.
506
Ver, por exemplo, as figuras femininas em forma de bloco de Buhen e Lahun (Anexo 5.4.2, Figs. 209 e 210) e
o tipo de altar de Mirgissa e de Lisht (Anexo 5.2, Figs. 47 e 48).
507
Cf. D. Anderson, Op. Cit., 2011. Ver Anexo 5.4.2, Fig. 188.
508
Cf. W. Needler, Predynastic and Archaic Egypt in the Brooklyn museum, Brooklyn, The Brooklyn Museum,
1984, pp. 357, 359, 362, 365; http://www.hierakonpolis-online.org/index.php/explore-the-predynastic-
cemeteries/hk6-elite-cemetery [acedido a 12/01/2015]
509
Cf. D. Randall-Maciver, A. Mace, Op. Cit., pp. 16 – 7, Pl. IX.
510
Cf. W. Needler, Op. Cit., pp. 284, 367, 370.
511
Cf. G. Brunton, G. Caton-Thompson, Op. Cit., pp. 45, 46, 100, 103; Pl. LIII.46, LVIII.5, LIII.47, LXX.36,
LXXIII.16. Neste caso é necessário referir a hipótese, levantada pelos autores, de alguns dos objectos
referenciados serem provenientes de contexto doméstico.
112
Será coincidência ou podemos pensar que as práticas que encontramos posteriormente
em casa são influência do que anteriormente era feito em templos e túmulos? E, se assim for,
terá este processo decorrido, de forma mais evidente, nos povoados do alto Egipto?
Contudo, parece-nos evidente que esta questão torna clara a necessidade de um estudo
aprofundado das fontes do período Pré-Dinástico, sendo que esta é uma questão, obviamente,
relevante para um enquadramento temporal.
É uma verdade incontornável que em conjunto estes povoados têm mais de metade das
fontes identificadas e consideradas (54%), sendo que os restantes vinte e oito povoados têm
apenas cerca de 46%. Mas, mais uma vez, são só números. Se olharmos para as fontes
propriamente ditas, para todas as categorias e tipologias representadas nesses 46%
percebemos que, mais do que pensar nos números, devemos conhecer e analisar os vestígios.
Se excluirmos Deir el-Medina e Tell el-Amarna continuamos a ter as quatro categorias
representadas, e estão presentes todas as designações e uma enorme diversidade de tipologias
1 e 2. Ou seja, este conjunto não contém efectivamente o maior número de fontes contudo,
reúne material suficiente para uma análise concreta. Ao que acresce o facto de se tratar de
vinte e oito povoados, de diferentes zonas geográficas e períodos históricos o que, sem
dúvida, atesta não só a existência desta prática para além dos ditos dois povoados como
também a sua abrangência territorial e temporal.
Por fim, e ainda que não seja exactamente uma questão geográfica, parece-nos
importante referir que os povoados onde foram identificadas fontes não só estão dispersos, de
forma bastante equilibrada, por todo o território, como os próprios povoados são diferentes
entre si no que respeita à sua tipologia, motivação/função e ocupação. No capítulo anterior
fizemos uma breve caracterização de todos os povoados em causa, mas importa agora
sintetizar, de modo a clarificar que lidamos com povoados com um carácter defensivo como
os fortes da Núbia e Tell Abqa’in no Delta, povoados associados ao culto funerário de um
512
Cf. M. K. M. Chlodnick, A. Cialowicz, A. Maczynska, Tell el-Farkha I. Excavations 1998 – 2011, Krakow,
Institute of Archaeology, Jagellonian University, 2012 (capítulo 14).
113
faraó, como Lahun e Lisht, associados a templos, como Medinet Habu e Karnak, povoados
que eram postos fronteiriços e comercias, como Elefantina, povoados associados à realeza e à
corte, como Medinet el-Gurob, Qantir e Saís, e povoados que devem ser vistos como tendo
uma natureza especial e diferenciadora, como Deir el-Medina e Tell el-Amarna.
Assim, podemos inferir ainda que, tal como a localização geográfica, a tipologia do
povoado também não influenciava a existência ou não desta prática religiosa. Qualquer que
fosse a natureza do povoado em causa ele era passível de ser um espaço que abrigava a
concretização de manifestações religiosas.
O enquadramento temporal tem por objectivo analisar a dispersão das fontes e dos
povoados pelos períodos considerados de modo a perceber, também, se existiu uma época
‘típica’ da Religião Doméstica no Egipto antigo.
Início do
Período I Período Império II Período Império III Período Época
Dinástico Intermédio Médio Intermédio Novo Intermédio Baixa
Império Antigo
2 1 14 3 16 5 2
513
É necessário ter em conta nas contagens na tabela e no gráfico as sobreposições, isto é, a existência de
povoados onde foram identificadas fontes de diferentes períodos, como por exemplo Tell el-Dab’a cujos
vestígios identificados datam do Império Médio, do Segundo Período Intermédio e do Império Novo. Assim, um
mesmo povoado pode ser contabilizado para o antes e a partir do Império Novo.
514
Estes três casos de datação incerta ficam a dever-se à inexistência de dados concretos sobre a datação dos
vestígios. Optámos por posicioná-los nos limites temporais da ocupação do povoado de onde são provenientes.
114
Gráfico 12 – Número de povoados onde foram identificadas fontes em dois intervalos
de tempo principais515
25
20
20
15
16
10
0
Povoados com vestígios Povoados com vestígios a partir
anteriores ao Império Novo do Império Novo
Os dados apresentados permitem duas leituras com base em diferentes premissas. Por
um lado podemos basear-nos no número de povoados e por outro podemos fundamentar-nos
no número de fontes por período. Comecemos pela primeira.
515
Ver tabela 3 – Lista de povoados e datação das fontes, páginas 40 – 1.
115
Assim, percebe-se as palavras de A. Stevens: “As regards the diachronic distribution
of source materials, the New Kingdom is best represented archaeologically. (...) While
exposures of pre-New Kingdom settlements are not insubstantial, material evidence for
religion has been less forthcoming here, especially from Old Kingdom contexts. (...) sites of
such antiquity also tend to be more denuded.”516 Contudo, se olharmos com atenção, notamos
que a diferença entre os dois intervalos estabelecidos por nós é de apenas quatro povoados,
isto é, o período anterior ao Império Novo tem apenas menos quatro povoados com fontes
para o estudo da Religião Doméstica que o intervalo posterior. Assim, no que respeita à
análise baseada no número de povoados devemos questionar-nos se esta diferença é
verdadeiramente significativa, se ela tem uma proporção que justifique pensar-se não ser
possível fazer uma caracterização na Religião Doméstica antes do Império Novo.
Todavia, olhando para a tabela 19 com a contabilização dos vestígios por período517, a
situação altera-se e a diferença entre os dois intervalos torna-se evidente. Do início do Período
Dinástico ao Segundo Período Intermédio foram contabilizados 489 vestígios, enquanto do
Império Novo à Época Baixa temos 3102. Ou seja, uma leitura da distribuição temporal com
base na contabilização das fontes faz o segundo intervalo destacar-se claramente, mais uma
vez com grande relevo para o Império Novo com 2337 vestígios. A título de curiosidade
relembramos que destes 1738 são provenientes de um único povoado: Tell el-Amarna.
Deste modo, as duas leituras possíveis, apesar de apontarem para a mesma realidade,
fazem-no com ênfases muitos diferentes. Em termos de presença de fontes em povoados, o
Império Novo e períodos seguintes são vencedores mas não se destacam, já em termos de
número de fontes a situação torna-se muito clara e este intervalo de tempo assume um
primeiro lugar incontestável tendo provido cerca de 86% das fontes disponíveis para o estudo
da Religião Doméstica no Egipto antigo.
Se estes dados parecem, à partida, justificar claramente a ideia com que se partiu para
esta investigação no que respeita à diacronia, a verdade é que os vestígios reunidos nos levam
a concordar com as palavras de R. Ritner sobre o contributo de Deir el-Medina e
consequentemente do Império Novo: “Nevertheless, it is possible to expand upon the
contributions of Bruyère and to extend the discussion well beyond New Kingdom Deir el-
Medina, both geographically and temporally.”518 A existência de dezasseis povoados com
516
A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 3.
517
Uma vez que estamos novamente a fazer considerações de cariz quantitativo, para evitar ambiguidades, foram
excluídas desta análise as fontes de datação incerta e os dados sem valores concretos.
518
R. Ritner, Op. Cit., 2008, p. 172.
116
fontes anteriores ao Império Novo, ainda que com um número significativamente inferior aos
períodos seguintes, atesta que a Religião Doméstica era uma prática com presença efectiva em
épocas mais recuadas e, recuperando as informações do ponto anterior, com uma distribuição
por todo o território. Ainda assim, pode argumentar-se que os poucos vestígios produzidos
não são suficientes para se construir uma imagem desta prática religiosa. Neste caso,
consideramos que o facto das cerca de 500 fontes existentes estarem distribuídas por todas as
categorias previstas, de incluírem oito das nove designações e de cobrirem uma grande
variedade de tipologias 1 e 2, possibilita, pelo menos, perceber usos e motivações. Por
exemplo, o uso de mesas de oferendas em contexto doméstico está atestado desde o Primeiro
Período Intermédio (Abidos – Kom es-Sultan), os enterramentos infantis em casas existem
desde o Império Antigo (Elefantina), as figuras e modelos, tanto humanas como animais, quer
usadas como oferendas quer em práticas mágicas, são extremamente comuns no Império
Médio (por exemplo, povoados na Núbia e Lahun) e as estruturas como altares existem em
quatro dos povoados do Império Médio e Segundo Período Intermédio considerados (Askut,
Lisht, Mirgissa e Tell el-Dab'a).
No entanto, se se justifica fazer uma divisão entre antes e a partir do Império Novo,
também é necessário fazer uma diferenciação do contributo dos diferentes períodos que
compõem o primeiro intervalo – início do Período Dinástico, Império Antigo, Primeiro
Período Intermédio, Império Médio e Segundo Período Intermédio. Infelizmente, os dados
que recolhemos não nos permitem a obtenção do mesmo tipo de informação para todos estes
períodos. Dos dezasseis povoados com fontes anteriores ao Império Novo catorze têm
vestígios datados do Império Médio, dois do início do Período Dinástico e Império Antigo,
um do Primeiro Período Intermédio e três do Segundo Período Intermédio. Ou seja, o Império
Médio é o único período deste intervalo do qual temos dados suficientes para concretizar uma
análise efectiva sobre o tema.
Este facto levanta algumas questões que devemos colocar aqui mas para as quais, não
temos respostas, apenas propostas.
No entanto, qualquer que seja a explicação para a ausência de fontes, há uma outra
questão que é necessário colocar. Presumindo uma não existência ou muito parca existência
de práticas religiosas em casa antes no Império Médio, o que é que mudou na realidade da
civilização egípcia que justifique esta ausência até ao Primeiro Período Intermédio e um
eclodir no Império Médio que se percebe numa presença de fontes, algumas bem expressivas
– por exemplo, o ‘altar’ de Kom el-Fakhry – em catorze povoados espalhados de Norte a Sul
do país? Terão sido mudanças em termos de concepções religiosas? Em termos de
mentalidades? Terão sido resultado do contexto político do final do Império Antigo / Primeiro
Período Intermédio? Terá a decomposição do Império Antigo e o subsequente período de
instabilidade contribuído para o crescimento de uma religiosidade doméstica tal como
potenciou a tematização e institucionalização de Maat e o seu desenvolvimento enquanto
conceito ético-moral?519
Lamentavelmente não temos fontes que sustentem qualquer resposta a estas questões.
Temos sim vestígios que atestam a existência de Religião Doméstica no Egipto antigo desde o
Império Antigo com um grande desenvolvimento no Império Médio e um eclodir no Império
Novo. E fica também clara a ideia já expressa por A. Stevens: “The sources tend to be
indirect and unevenly distributed across time, becoming more prominent from the New
Kingdom onwards. As result, their form and the intensity of personal involvement before the
New Kingdom are important research themes.”520 Por outras palavras, há um enorme vazio no
519
Cf. J. Assmann, Maat, L’Egypte Pharaonique et l’Idée de Justice Social, Paris, Julliard, 1989, p. 34.
520
A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 1.
118
entendimento das práticas religiosas pessoais e domésticas anteriores ao Império Novo e,
visto existirem fontes a estudar e espaços a preencher, este parece ser um domínio de estudo
merecedor de ser explorado.
Uma outra questão, que vem até no seguimento do que temos estado a dizer, está
relacionada com a Piedade Pessoal.
No primeiro capítulo começámos por fazer uma breve apresentação deste fenómeno
religioso de modo a fazer uma contextualização da Religião Doméstica no seio das práticas
religiosas a que o crente egípcio tinha acesso. Agora, assumindo a Religião Doméstica como
uma das práticas que compõem a Piedade Pessoal521, vamos usar a aprendizagem
proporcionada pelas fontes reunidas para apontar a necessidade de um novo olhar sobre a
Piedade Pessoal focando-nos na questão temporal que a envolve.
521
Cf. R. Ritner, Op. Cit., 2008, p. 172; A. Sadek, Op. Cit., p. 2.
522
“An age of personal piety and inner aspiration to god.” J. H. Breasted, Development of religion and thought
in Ancient Egypt, Philadelphia, 1912, p. 349.
523
P. Vernus, Op. Cit., 1993, p. 192.
524
J. Assmann, The search for god in ancient Egypt, Ithaca, New York, Cornell University Press, 2001, p. 222.
119
específico, com a sua violência e perseguições525 foi o período latente526 do qual emergiu uma
‘nova religião’.
Além disto, o próprio modelo religioso de Akhenaton pode ter deixado as suas marcas
e ter sido, também ele, uma influência para a Piedade Pessoal. J. Assmann afirma: “Personal
Piety can thus be interpreted as inheriting and continuing to a large extent the royal ideology
of Amarna. The image of Akhenaton as the personal god of the individual is now taken over
by the god (…)”529
No que respeita à origem, aos alicerces, deste fenómeno religioso o autor afirma: “The
movement appears as a kind of under-current in the classical periods of Middle Kingdom and
early New Kingdom to break through into full dominance only after the collapse of the
Amarna religion.”530
525
Cf. J. Assmann, Op. Cit., 2001, pp. 222, 224; J. Assmann, “State and religion in the New Kingdom” in W. K.
Simpson (ed.), Religion and philosophy in ancient Egypt, Yale Egyptological Studies 3, New Haven, CT, Yale
Egyptological Seminar, Yale University, 1989, p. 56.
526
Cf. J. Assmann, Op. Cit., 2001, p. 224.
527
Cf. J. Assmann, Op. Cit., 1989, pp. 74 – 6.
528
Cf. J. Assmann, Op. Cit., 2001, p. 222.
529
J. Assmann, “Theological responses to Amarna” in G. N. Knoppers, A. Hirsch (eds.), Egypt, Israel, and the
ancient Mediterranean world: studies in honor of Donald B. Redford, Probleme der Ägyptologie, 20, Leiden,
Boston, Brill, 2004, p. 191. H. Brunner avança com a mesma ideia: “(…) daß der Durchbruch in der
Ramessidenzeit Eine Reaktion auf die religiöse Revolution in Amarna ist liegt nahe, ist doch in Echnatons Lehre
eine persönliche Verbindung des einzelnen zu Gott durch die zentrale Stellung des Königs als des einzigen
Mittlers zurückgedrängt.” H. Brunner, “Persönliche Frömmigkeit” in H. Wolfgang, O. Eberhard (eds.), Lexikon
der Ägyptologie, Vol. 4, Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1982, cols. 951 – 963.
530
Cf. J. Assmann, Op. Cit., 1989, p. 69.
531
O autor fala de fontes textuais mas não as identifica: “We have traced the beginnings of this new dimension
back into literary sources from the Middle Kingdom (...).” J. Assmann, Op. Cit., 2001, p. 228.
532
Cf. J. Assmann, Op. Cit., 1989, p. 69.
120
laquelle la réussite terrestre et post mortem passait par l’adhésion à un ordre établi, que la
divinité avait pourvu d’une large autonomie et de mécanismes autorégulateurs, subit
l’érosion d’une nouvelle éthique qui ne reconnaissait de salut pour l’individu que dans de
profondes relations personnelles nouées avec une divinité d’élection.”533
533
P. Vernus, Op. Cit., 1993, p. 195.
534
Cf. Ibidem, p. 160.
535
Cf. Ibidem, p. 162.
121
Nota-se que o ambiente de instabilidade e o afastamento crítico proporcionado pela
abertura ao exterior levam o indivíduo a procurar a sua segurança, uma garantia para esta e a
outra vida, numa relação mais próxima com a divindade.
Seguindo esta mesma lógica que assenta na escassez das fontes anteriores ao Império
Novo e que aponta para o eclodir da Piedade Pessoal neste período, J. Baines procura uma
explicação para esta situação e conclui que o limite da expressão da Piedade Pessoal em
períodos anteriores ao Império Novo fica a dever-se ao que chama de “decoro”537, isto é, um
conjunto de regras que definem a organização hierárquica da sociedade e dos
comportamentos, estabelecendo o que é e não é permitido, o que pode e não pode ser expresso
em imagens e textos. Assim, o que era produzido neste contexto em períodos anteriores ao
Império Novo estava submetido a estes princípios. No Império Novo este sistema regulador
terá enfraquecido538 em resultado do contexto apresentado por J. Assmann e P. Vernus. Ou
seja, o desenvolvimento da Piedade Pessoal foi encorajado por um conjunto de factores que
contribuíram para uma queda gradual das barreiras que separavam o indivíduo da divindade.
Estas três perspectivas, além de poderem ser vistas como complementares, têm em
comum o facto de assentarem na pouca abundância de fontes para o estudo da Piedade
Pessoal antes do Império Novo. J. Baines afirma: “The sources for investigating practical
religion and morality are sparse and indirect. Widespread participation in religious practices
that leave archaeological traces is attested from the New Kingdom, from about 1500B.C.E.,
and on a much larger scale in the Late Period (from about 700B.C.E.). In studying earlier
periods, it is necessary to use analogies from these better-documented times.”539 E para ele o
contributo das fontes existentes resume-se assim: “The fragmentary early evidence for piety
does no more than suggest how deities might have related directly to people but it is valuable
in providing a historical context for New Kingdom evidence.”540
536
Ibidem, p. 192.
537
Cf. J. Baines, “Restricted knowledge, hierarchy, and decorum: modern perceptions and ancient institutions”
in Journal of the American Research Center in Egypt, 27, 1990, pp. 1 – 24.
538
Cf. J. Baines, Op. Cit., 1991, p. 179.
539
Ibidem, p. 131.
540
Ibidem, p. 179.
122
Em síntese, os estudiosos aceitam que a Piedade Pessoal tem raízes nos períodos
anteriores ao Império Novo541 mas consideram que as fontes existentes se limitam a práticas
como a onomástica, os oráculos e mesmo algumas oferendas, não obstante, porventura devido
ao “decoro” de que fala J. Baines, a sua expressão é mínima e pouco significativa.
Mais uma vez há, na sequência dos dados reunidos por esta investigação, uma questão
que se impõem: se a Religião Doméstica é uma expressão da Piedade Pessoal e se ela está
significativamente bem atestada para períodos anteriores ao Império Novo, especialmente no
Império Médio, não deveremos repensar o peso da Piedade Pessoal antes do Império Novo?
Assim, as fontes que identificámos para o estudo da Religião Doméstica podem ajudar
a (re)definir melhor as origens da Piedade Pessoal, pois se a predominância do Império Novo
é incontestável – o que é também atestado pela Religião Doméstica – as fontes anteriores não
podem ser ignoradas pois elas demonstram que as práticas religiosas do crente antes do
Império Novo não eram assim tão limitadas e que talvez até nem fossem uma ‘under-current’
como J. Assmann lhes chama.
541
Cf. C. Ausec, Gods who hear prayers: Popular Piety or Kingship in Three Theban Monuments of New
Kingdom Egypt, Dissertation submitted in partial satisfaction of the requirements for the degree of joint doctor of
philosophy with graduate theological Union in Near Eastern Religions, University of California, Berkeley, 2010,
pp. 8 – 15; M. Luiselli, Op. Cit., 2008, p. 2.
123
Um outro aspecto é o facto de os estudos realizados darem sempre um grande primado
às fontes textuais542, contudo, no que respeita à Religião Doméstica são as fontes da cultura
material que assumem a primazia e portanto é também para elas que devemos olhar. As
palavras podem não ter sido escritas mas os objectos foram produzidos e usados.
Notas finais
542
Cf. B. Ockinga, "Piety" in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. III, Cairo,
The American University in Cairo Press, 2001, p. 45.
124
CAPÍTULO IV – A Religião Doméstica
“Hier n’est pas comme aujourd’hui, (étant) sur les mains de la divinité.”
P. Vernus, Sagesses de l’Égypte Pharaonique, p. 293.
De ressalvar que toda a análise será alicerçada nas fontes, textuais e materiais, que
foram apresentadas no Capítulo II e que estão presentes na base de dados, ou seja, quando
abordarmos questões como, por exemplo, o culto dos antepassados ou a magia, elas serão
tratadas, apenas, com base nas fontes que seleccionámos e não recorrendo a todo o
conhecimento que existe sobre estas manifestações de um modo geral. Esse conhecimento
será usado, se se provar necessário, para contextualizar certa manifestação e/ou para
reconhecer a sua relevância na civilização egípcia.
125
IV.1. Os deuses
Amon 2 Merseger 3
Amon ou Khunm 1 Mihos 3
Amon, Ptah 1 Montu 1
Amonet 1 Mut 1
Amon-Ré, Hórus 1 Não identificado 3
Anoukit 1 Nefertum 3
Anubis 2 Nehebka 1
Astarte 2 Osíris 65
Aton 28 Osíris ou Khunm 1
Bes 430 Ptah 13
Bes e Taueret 3 Ptah e Sekhemet 1
Bes e Tot 1 Ptah-Sokar-Osíris 4
Hapi 2 Ptaikos 10
Harpócrates 6 Renenutet e Merseger 2
Hathor 70 Renunetet 4
Hathor e Taueret 3 Satet 1
Hat-Mehyt 1 Sekhemet 16
Hórus 8 Sekhemet ou Bastet 2
Ísis 13 Shu 1
Ísis e Hórus 7 Sobek 4
Ísis ou Hathor 1 Taueret 103
Khenetekhetai 1 Tot 10
Khepri e Aha 1 Tot e Min 1
Maat 1 TOTAL 840
543
Consideramos aqui as representações bidimensionais, tridimensionais e inscrições com o nome do deus.
544
Existem também dois casos de presença de divindades em que não é possível fazer uma contabilização das
mesmas.
126
Gráfico 13 – Os deuses identificados nas fontes materiais
Tot e Min
N=840
Shu
Satet
Ptah e Sekhemet
Osíris ou Khunm
Nehebka
Mut
Montu
Maat
Khepri e Aha
Khenetekhetai
Ísis ou Hathor
Hat-Mehyt
Bes e Tot
Anoukit
Amon-Ré, Hórus
Amonet
Amon, Ptah
Amon ou Khunm
Sekhemet ou …
Renenutet e …
Merseger
Hapi
Astarte
Anubis
Amon
Nefertum
Não identificado
Mihos
Hathor e Taueret
Bes e Taueret
Sobek
Renunetet
Ptah-Sokar-Osíris
Harpócrates
Isis e Hórus
Hórus
Tot
Ptaikos
Ptah
Isis
Sekhemet
Aton
Osíris
Hathor
Taueret
Bes
O deus Bes destaca-se neste conjunto com 430 ocorrências545 em que está sozinho e
quatro acompanhado de outros deuses (Taueret e Tot), o que corresponde a cerca de 52% das
presenças de deuses nas fontes materiais, ou seja, Bes está presente em mais de metade dos
vestígios em que são referidas divindades.
545
As fontes materiais onde foram identificadas referências ou representações do deus Bes são provenientes de
dezasseis dos trinta povoados (Akoris, Deir el-Medina, el-Ashmunein, Karnak, Kom el-Fakhry, Kom Rabia,
Lahun, Medinet Habu, Medinet el-Gurob, Qantir, Saís, Semna, Sesebi, Shalfak, Tell el-Amarna e Tell el-
Muqdam) – desde o Império Médio até à Época Baixa. Destes povoados destaca-se Tell el-Amarna onde foram
identificados cerca de 85% dos vestígios com presença do deus Bes.
127
Este deus é identificado na decoração de sete altares (Box Bed)546 de Deir el-Medina e
na parede de uma casa de Tell el-Amarna547, em duas estatuetas, uma estela, um descanso de
cabeça, trinta e uma figuras e modelos548, 378 peças de joalharia e amuletos549 (amuletos,
contas, anéis, e escaravelho), dez peças de cerâmica550 e uma placa decorada.
Bes, deus com corpo de anão, pernas arqueadas e rosto leonino, tem uma imagem
simultaneamente cómica e aterradora. Mas esta aparência grotesca esconde uma divindade de
natureza benigna e responde, desde logo, a uma finalidade: assustar / afastar os maus espíritos
ou demónios que podiam atacar a casa ou um seu habitante, em particular durante o sono. Bes
não só protegia o lar como guardava a noite dos seus habitantes afastando os espíritos
causadores de pesadelos. Esta função é facilmente identificada pela presença deste deus na
decoração de descansos de cabeça como é o caso do exemplar identificado em Medinet
Habu551. Dois exemplares de Deir el-Medina estão decorados um com um génio armado com
facas e outro com uma figura com um corpo semelhante ao do deus Bes mas com cabeça de
crocodilo, também armado com facas. Em ambos os casos existe a possibilidade da figura
representada ser efectivamente o deus Bes. A presença das facas, um acessório comum na
representação deste deus, reforçava o seu poder na luta contra as forças maléficas.
546
Ver anexo 5.2, Figs. 63 a 65.
547
Ver anexo 5.3, Fig.100.
548
Ver anexo 5.4.2, Fig. 194.
549
Ver anexo 5.4.1, Figs. 113 a 115.
550
Ver anexo 5.4.5, Fig. 267.
551
Ver anexo 5.4.6, Fig. 274.
552
Cf. J. C. Sales, As divindades egípcias. Uma chave para a compreensão do Egipto antigo, Lisboa, Editorial
Estampa, 1999, p. 310.
128
por exemplo, num feitiço do P. Leiden I 348 associado à protecção do parto onde o deus é
identificado através de uma estatueta de um anão de barro: “I am Horus. I came down from
the desert being thirsty, on a shout. I found somebody calling who stood weeping. His wife
was nearing her time. I made the calling one stop his weeping. The wife of the man had cried
for a statuette of a dwarf of clay: ‘Come, let somebody betake himself to Hathor, the lady of
Dendera. Let her amulet of health be fetched for you, that she may cause the one in childbirth
to give birth!’ This spell is to be said [...] times [...] over leaves of [...], placed on the head of
the woman who is suffering from it.”553
Deste modo, Bes estava presente nos momentos mais sérios da vida familiar. Contudo,
este deus, tinha também uma faceta mais descontraída e social uma vez que era também o
patrono da música, da dança, da sexualidade e do divertimento no geral. Bes era, em cada
casa, associado não só à diversão como à própria vida mais íntima do casal. Não é de
estranhar, portanto, vê-lo ser representado a dançar e com instrumentos musicais.
O deus Bes era, em síntese, uma divindade que cuidava de toda a família e da casa
onde esta vivia. Os perigos do quotidiano eram diversos e o deus Bes, com todos os seus
poderes apotropaicos, era uma garantia de segurança555.
Com apenas uma ocorrência numa estela de Deir el-Medina, temos o deus Aha –
acompanhado de Khepri e de uma figura humana em pose de adoração556 – que era um génio
benéfico tido como antepassado do deus Bes557 e partilhava com ele as áreas de actuação558.
A segunda divindade mais representada nas fontes materiais é Taueret com 106
referências (103 sozinha e três acompanhada por Hathor)559. Esta deusa está presente em
553
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 60, p. 39; J. F. Borghouts, Op. Cit., 1971, p. 29.
554
Ver anexo 5.4.6, Figs. 280 a 285.
555
Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op. Cit., pp. 318 – 321; M.
Malaise, “Bes” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. I, Cairo, The American
University in Cairo Press, 2001, pp. 179 – 181.
556
Ver anexo 5.4.4, Fig. 252.
557
Cf. J. C. Sales, Op. Cit., p. 319.
558
Cf. Ibidem, p. 322.
129
estatuetas560, estelas561, figuras e modelos562, mobiliário e equipamento ritual (grelha de
oferendas e bacia), peças de cerâmica563, mas principalmente em joalharia e amuletos564.
Taueret era muitas vezes representada ou com o signo hieroglífico S3, símbolo de
protecção, ou, tal como Bes, com facas para lutar contra as ameaças. A ‘grávida’, a ‘pesada’
ou a ‘grande’, como era conhecida, era uma deusa protectora que granjeou grande apoio nos
lares egípcios por estar tão intimamente ligada à descendência565.
559
Taueret está presente em catorze dos trinta povoados considerados (Abidos Sul, Akoris, Amara Oeste, Buhen,
Deir el-Medina, Karnak, Kom Rabia, Lahun, Medinel el-Gurob, Semna, Sesebi, Shalfak, Tell el-Amarna e Tell
el-Muqdam).
560
Ver anexo 5.2.4, Figs. 236 a 238.
561
Ver anexo 2.2, Figs. 10 A, B e C; anexo 5.4.4, Fig. 253.
562
Ver anexo 5.4.2, Fig. 193.
563
Ver anexo 5.4.5, Figs. 268, 269.
564
Ver anexo 5.4.1, Figs. 116 a 119.
565
Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op. Cit., pp. 322 – 325; J.
Houser-Wegner, “Taweret” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. III, Cairo,
The American University in Cairo Press, 2001, pp. 250 – 251; P. Vernus, J. Yoyotte, Op. Cit., pp. 686 – 692.
566
Ver anexo 5.4.3, Figs. 231 a 233.
567
Ver anexo 5.4.2, Figs. 165, 170, 171 e 187, por exemplo.
130
common people, who did not cease their worship of this popular goddess568.” Ou seja, no que
à Religião Doméstica diz respeito, e apesar da identificação em casa do culto a Aton – este
deus ocupa a quinta posição da lista com vinte e oito ocorrências – numa vertente muito
próxima do que era, na altura, a Religião Oficial, as divindades ditas mais populares e mesmo
outras, com posição de maior destaque no panteão, como Amon, Anúbis, Hathor, Ísis, Osíris,
etc., continuam a marcar presença na casa dos egípcios.
A terceira divindade mais representada nas fontes materiais é Hathor com setenta
vestígios em que aparece sozinha, três em que aparece associada a Taueret e uma situação em
que não é claro se se trata de Hathor ou Ísis569. A presença desta deusa identifica-se em duas
estelas570, três figuras e modelos, um instrumento (máscara), cinquenta e uma peças de
joalharia e amuletos571 (amuletos, anéis e pendentes), uma bacia, treze peças de cerâmica572 e
duas placas decoradas573.
A estes vestígios em que a deusa aparece na sua figura feminina, com cabeça humana,
orelhas de vaca e cornos liriformes com disco solar574 podemos, talvez, acrescentar vinte e
seis representações de vacas (nove figuras e modelos575 e dezassete amuletos) tendo em conta
que esta é outra formulação comum desta deusa. Contudo, por ser uma identificação menos
segura, optámos por não incluir estes dados na contabilização das presenças desta deusa. Se o
fizéssemos, contabilizaríamos cerca de 100 vestígios com esta deusa o que a colocaria muito
próxima de Taueret. E esta presença nas fontes materiais é reforçada por um grande número
de referências nas fontes textuais, principalmente nos feitiços, como é exemplo o que
referimos anteriormente para o deus Bes.
Hathor, ao contrário de Bes e Taueret, não é apenas uma deusa doméstica e familiar.
Hathor é proeminente tanto na esfera privada como na esfera estatal, sendo uma das mais
importantes e populares deusas do panteão egípcio. Hathor, deusa de múltiplos atributos576,
tinha um lado negativo enquanto deusa da destruição e da morte, tinha uma ligação à realeza
estando associada a Hórus como esposa/mãe, realidade ilustrada pelo seu nome – Ḥwt Ḥr: a
568
J. Houser-Wegner, Op. Cit., p. 350.
569
Hathor foi identificada em oito povoados: Abidos Sul, Amara Oeste, Deir el-Medina, Kom Rabia, Qantir,
Semma, Sesebi e Tell el-Amarna.
570
Ver anexo 2.2, Figs. 10 A, B e C.
571
Ver anexo 5.4.1, Fig. 120.
572
Ver anexo 5.4.5, Fig. 270.
573
Ver anexo 5.4.8, Figs. 296 e 297.
574
Ver, por exemplo, anexo 2.2, Fig. 10.
575
Ver anexo 5.4.2, Figs. 175 e 176.
576
Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op. Cit., pp. 174 a 181; S.
Vischak, “Hathor” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. II, Cairo, The
American University in Cairo Press, 2001, pp. 82 – 85.
131
morada de Hórus577 – e era também deusa do amor, da sexualidade, da beleza, da alegria, da
música e da dança. A sua materialização numa vaca dava-lhe uma conotação de fertilidade e
criação, estando assim ligada à concepção e ao nascimento. Hathor estava muito próxima das
mulheres, sendo o modelo feminino nas suas características mais sensuais, mas também em
termos maternais. E será, certamente, este lado de protectora das mulheres e de ligação à
fertilidade e concepção que justificam a presença desta deusa no contexto da Religião
Doméstica. Como veremos, ela ocupa um lugar de destaque nos momentos-chave da vida da
mulher.
Assim, mais uma vez, o facto de uma divindade estar relacionada com a protecção da
mulher e de tudo o que se relaciona com os filhos é um factor motivador na escolha para a sua
presença em casa.
Esta situação está também patente no caso da deusa Ísis que foi identificada em duas
estátuas, quatro figuras e modelos, cinco amuletos e duas placas decoradas, quer só (treze
ocorrências) quer acompanhada por seu filho Hórus (sete ocorrências).
Hórus, deus tutelar da monarquia, está também presente quer nas fontes textuais quer
nas fontes materiais, adulto enquanto o próprio Hórus, criança através de Harpócrates, filho
de Ísis e Osíris. No que respeita às fontes textuais, Hórus surge nos feitiços assumindo a
posição de paciente, isto é, Hórus é identificado com o destinatário do feitiço,
independentemente da causa / motivo. E o mesmo acontece nas estelas de Hórus sobre os
crocodilos, sendo que nesse caso a intervenção é dupla, activada pelo texto inscrito e pela
representação do próprio deus criança na estela. Esta vertente da intervenção de Hórus afasta-
o do distante deus falcão dos céus e do poderoso faraó, fazendo ter uma intervenção num
domínio ritual mais próximo do homem comum que recorre a ele enquanto deus com um
poder de cura. Ou seja, a sua presença em casa pode justificar-se pela sua capacidade de
577
Cf. J. C. Sales, Op. Cit., p. 176.
578
Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op. Cit., pp. 134 – 143.
132
intervenção na doença579.
Para completar a tríade Osiríaca referimos agora o próprio Osíris, esposo de Ísis e pai de
Hórus, faraó morto, divindade funerária, associado à realeza, à morte e à ressurreição e que
ocupa na nossa lista a quarta posição devido a um conjunto de sessenta estatuetas de bronze
identificadas numa casa de Tell el-Amarna. Pelas suas características, nada o aproxima, de
forma evidente, da realidade doméstica e familiar, contudo, numa leitura menos linear, o facto
de Osíris ser um deus com uma grande adesão popular e com uma ligação forte às questões da
fertilidade e fecundidade da natureza, com um carácter agrícola, pode, indirectamente, fazer
dele um deus com uma potencial intervenção ao nível da reprodução humana, ou mais
directamente com as colheitas agrícolas. J. C. Sales refere: “Um antigo costume religioso–
mágico do Egipto antigo […] consistia em regar uma estátua de Osíris feita de barro e trigo
(o ‘jardim de Osíris’). Várias destas estatuetas eram enterradas nos campos com o objectivo
de assegurar uma colheita abundante […].”580
No total, a lista de deuses elaborada a partir das fontes materiais contempla trinta e
cinco divindades e, obviamente, não é possível aqui fazer uma análise da presença de cada
uma delas. Escolhemos começar pelos mais representados – Bes, Taueret e Hathor – a que
acrescentamos a tríada Osíriaca, não só pelo número de vestígios, mas também pela sua
proximidade temática ao universo familiar. De um modo geral, percebemos que, apesar de as
divindades tidas por domésticas e familiares assumirem uma posição de destaque, a verdade é
que a ligação à casa e à família não é requisito de exclusão. Na verdade, qualquer deus parece
poder responder às necessidades do crente. A. Sadek, no âmbito mais abrangente a que chama
de religião popular, afirma: “From the study of deities and personal piety we find that almost
all the state gods enter the field of popular religion with theological adaptations specific to
each deity”.581
Sendo um deus criador, com uma forte ligação à realeza e uma formulação muito
579
Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op. Cit., pp. 162 – 171; E.
Meltzer, “Horus” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. II, Cairo, The
American University in Cairo Press, 2001, pp. 119 – 122.
580
J. C. Sales, Op. Cit., p. 122. Para mais informações sobre as características desta divindade ver pp. 121 – 134.
581
A. Sadek, Op. Cit., p. 85.
582
Ver anexo 5.4.4, Fig. 260.
133
intelectualizada583, Ptah não é uma divindade habitualmente associada a uma religiosidade
pessoal. Contudo, este deus não só tem uma forte presença no domínio genérico da Piedade
Pessoal onde, em estelas, é designado como “aquele que ouve orações”584, como acontece
com diversos exemplares identificados por W. F. Petrie em Mênfis585, como está também
presente em diferentes tipos de objectos identificados em casa. Sendo considerado um deus
que escutava as preces do crente, o recurso a Ptah em casa pode não necessitar de outra
justificação que a própria vontade de recorrer a um deus que ouve e auxilia.
Tendo em conta as fontes, parece-nos ainda relevante referir quatro outras divindades,
neste caso não pelo número de vestígios ou por estarem aparentemente fora de contexto, mas
sim pelas suas características e pelas tipologias em causa.
Comecemos pelo deus Tot. Este deus, também uma divindade maior do panteão egípcio,
conquistou um lugar na religiosidade pessoal. A. Sadek afirma: “Apart from the official cult of
Thot we learn from various inscriptions left by ordinary people (especially from Deir el-
Medina) that Thot was widely worshipped in domestic chapels and private homes, and his
images received offerings as well as hymns to praise him”586.
Tot era um deus lunar ligado à invenção da escrita hieroglífica, da língua falada, das
artes, da ciência, do conhecimento e da magia. Era patrono dos escribas, dos médicos e dos
mágicos588. E será, certamente, a sua ligação à magia e à medicina que fazem dele um deus
com uma actuação doméstica. A magia tinha uma forte presença na vida dos egípcios e,
portanto, nada melhor do que, em caso de necessidade, poder recorrer ao “Grande Mágico”589.
Vejamos um exemplo da sua presença num feitiço contra mau-olhado: “Sakhmet's arrow is in
you, the magic of Thoth is in your body, Ísis curses you, Nephthys punishes you, the lance of
Horus is in your head. They treat you again and again, you who are in the furnace of Horus
in Shenwet, the great god who sojourns in the House of Life! He blinds your eyes, oh all you
583
Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op. Cit., pp. 274 – 282.
584
Cf. A. Sadek, Op. Cit., pp. 16 e 101.
585
Cf. W. F. Petrie, Memphis I, London, School of Archaeology in Egypt, University College, 1909, Pls. 10.10;
11.15. Ver anexo 6, Fig. 302.
586
A. Sadek, Op. Cit., p. 111.
587
Ver anexo 5.4.1, Fig. 125.
588
Cf. J. C. Sales, Op. Cit., p. 181.
589
Cf. Ibidem.
134
people, all nobles, all common people, all the sun-folk and so on, who will cast an evil eye
against Pediamunnebnesuttowi born of Mehtemweskhet, in any bad or ominous manner! You
will be slain like Apap, you will die and not live forever.”590
Os casos apontados referentes ao deus Tot, mesmo como figura animal – íbis ou
macaco – partem de um reconhecimento feito com base na presença de signos identificadores
como, por exemplo, o disco lunar. Contudo, o macaco, desprovido de elementos
complementares, é o segundo animal mais representado com 137 vestígios, 105 dos quais
provenientes de Tell el-Amarna. Assumindo a figura do macaco como uma representação de
Tot591 estes dados aumentam exponencialmente a sua representatividade.
Por outro lado, as reproduções de macacos podem não ser apenas manifestações do deus
Tot594 mas, também, ser usadas com base no comportamento sexual deste animal e assumir
assim as características relacionadas com a sexualidade e a reprodução 595. Esta faceta pode
ser, por exemplo, identificada em composições onde se identifica um conjunto de macacos
representando mãe e filho. Assim, mesmo sendo apenas a representação de um animal e não
de um deus, a figura do macaco continua a ser facilmente posicionado no contexto das
motivações da Religião Doméstica.
Outra divindade que devemos referir é Sekhemet. Esta deusa é identificada vinte vezes
nas fontes materiais (uma estela e dezanove amuletos596 encontrados em Akoris, Amara Oeste,
Askut, el-Ashmunein, Sesebi e Tell el-Amarna) sendo também frequentemente referida nas
fontes textuais (feitiços e decretos oraculares em forma de amuleto).
Sekhemet, habitualmente representada com corpo feminino e cabeça de leoa com disco
solar rodeado por uma uraeus, era uma deusa com uma forte ligação ao deus Ré e ao
590
Tabuinha de madeira de Berlin. Inv. 23308. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 5, p. 2.
591
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 60.
592
J. C. Sales, Op. Cit., p. 181.
593
Ibidem, p. 185.
594
Cf. C. Andrews, Op. Cit., 1994, p. 67.
595
Cf. Ibidem; A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 60.
596
Ver anexo 5.4.1, Figs. 110, 111 e 112.
135
faraonato e que encarnava, de forma clara, a típica dualidade egípcia. “A Poderosa”, era a
deusa da guerra, ligada às batalhas, à chacina, assumindo-se como o olho do deus-sol Ré e
actuando contra os seus inimigos. Este lado ameaçador da deusa é reconhecido pelo crente
comum que a sente como potencial causadora de mal, tal como é patente nos feitiços e nos
decretos oraculares em forma de amuleto. Vejamos um exemplo de um feitiço para os dias
suplementares: “Oh Sakhmet, the great one, mistress of Asheru! Oh Shentit, who sojourns in
Busiris! Oh Ruler, Re, lord of heaven! [Oh] Shesemtet, mistress of Pwenet! Oh Horus, lord of
Behdet! Oh Sobk, lord of the marsh-region! Oh Yer-asheru! Oh Eye of Re, mistress of the Two
Lands, Ruler of the Island of Fire! [Oh] Horus of the glorious spirits of Opet! Oh He-who-is-
under-his-moringa-tree, Horus, lord of Shenet! Oh Glorious Eye of Horus, mistress of wine!
Oh Khnum, lord of the House of Thirty! Hail to [you], gods there, murderers who stand in
waiting upon Sakhmet, who have come forth from the Eye of Re, messengers everywhere
present in the districts, who bring slaughtering about, who create uproar, who hurry through
the land, who shoot their arrows from their mouth, who see [from] afar! Be on your way, [be
distant] from me!”597
Por outro lado, contudo, Sekhemet é também uma divindade pacífica e protectora,
especialmente relacionada com a questão da saúde sendo a deusa da medicina, e assim, não só
potencial causadora de doença como também a propiciadora de cura. Deste modo, o uso dos
amuletos desta divindade poderá estar associado às questões da saúde, isto é, esperava-se que
o poder da deusa actuasse contra a doença quer causada por um animal perigoso, quer
provocada por demónios598.
Viajamos agora até Deir el-Medina para falar de duas deusas encontradas
exclusivamente neste povoado: Merseger e Renenutet. A primeira estava directamente
associada à necrópole tebana, sendo uma deusa protectora dos túmulos reais e da morte. Era
uma deusa cobra, representada apenas como tal ou com corpo ou cabeça feminina e tinha
também, uma dupla natureza. Era perigosa para os que a afrontavam e benéfica para os que a
veneravam. Merseger é identificada em duas ombreiras de altar e numa ombreira de porta, ou
seja, não tendo uma área de actuação especificamente doméstica e familiar, era também
escolhida para estar em casa, provavelmente para propiciar uma protecção geral ou
especificamente relacionada com cobras. A este propósito A. Sadek diz: “Meretseger was the
personification of the dangerous cobra of Upper Egypt; so, by celebrating her cult, the simple
597
P. Leiden I 346. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº13, p. 12.
598
Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op. Cit., pp. 282 – 287.
136
people originally tried to obtain her protection instead of being her victims.”599
Renenutet, também uma deusa cobra, tem já uma identificação mais directa com a vida
doméstica. Genericamente é uma deusa agrícola, associada à produção e à colheita e neste
contexto surge muitas vezes a amamentar Nepri, deus do grão, seu filho600. E, é partindo desta
imagem, que ela ganha espaço em casa. É chamada de “a alimentadora” e identificada como
divindade tutelar da amamentação. A Sadek explica: “The name ‘Renenet’ is originally
derived from a word which means ‘nursing a child’. Hence, Renenet as a goddess was
charged with looking after infants.”601 Assim, esta era uma deusa ligada à protecção da
criança estando também presente no parto e, a seguir ao nascimento, era responsável por
atribuir ao recém-nascido uma personalidade e um destino. Voltemos a A. Sadek: “Renenet
was connected with the goddess Meskhenet in the rite of birth of great personalities; both
deities were charged with planning life and destiny from the moment of the birth.”602
Apesar de não ser uma deusa restrita a Deir el-Medina, os vestígios que a ligam à
Religião doméstica foram exclusivamente encontrados neste povoado: dois lintéis de altar
onde surge associada a Merseger e dois lintéis603 e uma porta de altar604 e um ex-voto de
calcário onde aparece sozinha.
A última citação de A. Sadek remete-nos para outra deusa, também relacionada com o
parto e o destino da criança, que deve também ser aqui apontada: Meskhnet. Ao contrário de
todas as divindades referidas até agora, Meskhnet não se encontra directamente identificada
nem nas fontes materiais nem nas fontes textuais. Mas podemos afirmar que indirectamente
ela está lá presente, ainda que numa única situação.
599
A. Sadek, Op. Cit., p. 119. Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op.
Cit., pp. 362 – 3 e B. Bruyère, Mert Seger à Deir el Médineh, Mémoires publiés par les membres de l'Institut
français d'archéologie orientale 58, Cairo, Institut français d'archéologie orientale, 1930.
600
Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op. Cit., pp. 327 – 9.
601
A. Sadek, Op. Cit., p. 121.
602
Ibidem, p. 122.
603
Ver anexo 2.2, Fig. 11.
604
Ver anexo 5.2, Fig. 56.
605
Para mais informações sobre as características desta divindade ver J. C. Sales, Op. Cit., pp. 326 – 7. Ver texto
da estela de Neferabu dedicada a Merseger na página 161 e ver anexo 6, Fig. 304.
137
doméstico no povoado de Abidos Sul (Wah Sut), datado do Império Médio. Não sendo uma
referência explícita a Meskhenet, este tijolo é um símbolo desta deusa. Deixamos a análise ao
próprio tijolo para o ponto seguinte.
Por fim, referimos Heket. Esta deusa está associada à criação e ao nascimento. É, mais
uma divindade benéfica para as mulheres no momento do parto (era a patrona das parteiras),
estando também relacionada com a própria fecundidade. Contudo, Heket não se encontra
referida na lista de divindades da tabela 20 / gráfico 13, uma vez que, igualmente, não temos
nenhuma identificação directa. No entanto, temos quarenta e sete amuletos 606 e uma figura em
forma de rã607 e esta deusa era, habitualmente, representada como uma rã ou como uma
mulher com cabeça de rã608. Na bibliografia encontramos diversas referências à identificação
da rã com a deusa Heket, por exemplo, C. Andrews afirma: “(...) all frog amulets might be
intended to represent the goddess (Heqet) in her animal manifestation”609. E G. Pinch: “The
frog was a symbol of the birth goddess, Heqet.”610 E A. Stevens: “Some frogs amulets may
have represented Heqet directly”611. Ou seja, é viável assumir que os vestígios encontrados
em forma de rã eram representações de Heket e, portanto, uma outra divindade relacionada
com a fertilidade, gravidez e parto, toma lugar em casa. Pese embora que, dos quarenta e oito
vestígios, quarenta e sete são provenientes de Amarna, onde esta deusa pode assumir, assim, o
lugar de quarta divindade mais representada.
Notas finais
606
Ver anexo 5.4.1, Figs. 103, 104.
607
Para mais sobre este animal ver P. Vernus, J. Yoyotte, Op. Cit., pp. 244 – 247.
608
Ver anexo 6, Fig. 304.
609
C. Andrews, Op. Cit., 1994, p. 63.
610
G. Pinch, Op. Cit., 1994, p. 116.
611
A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 57.
138
IV.2. As Motivações
R. Ritner aborda o tema de forma mais concreta apontando aquilo que chama de
‘transitional stages’ nas quais inclui o nascimento, a puberdade, o casamento, a fertilidade, a
gravidez e a morte, ao que acrescenta ainda a saúde e outros benefícios mais genéricos613.
G. Robins constrói estas ideias de forma bastante explícita: “Evidence from settlement
sites shows that houses contained an area devoted to the domestic cult, which was concerned
with the worship of household deities and deceased family members and to the continuity of
the family through the fertility of its women.”614
Estes autores delimitam, efectivamente, aquelas que são as motivações que as fontes,
textuais e materiais, nos revelam. De um modo geral, podemos dizer que os crentes egípcios
que optavam por levar a cabo condutas mágico-religiosas em casa, e que disso deixaram
vestígios, eram motivados por aquilo que temiam e por aquilo que desejavam. Isto é, quando,
como já vimos e como aprofundaremos à frente, cultuavam os deuses e os antepassados em
suas casas ou levavam a cabo práticas mágicas, os antigos egípcios procuravam, por um lado,
protecção para os muitos e diversificados perigos e ameaças do dia-a-dia, quer num sentido
profilático, quer post eventum, ou seja, recorriam aos deuses tanto para proteger da doença
612
A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 1.
613
Cf. R. Ritner, Op. Cit., 2008, p. 173. O autor faz uma análise detalhada de cada uma das questões apontadas
entre a página 174 e a 186.
614
G. Robins, “Women and children in peril: pregnancy, birth & infant mortality in ancient Egypt” in KMT, A
modern Journal of Ancient Egypt, 5/4, San Francisco, 1995, p. 3.
139
como para a curar, por exemplo. E, por outro lado, os deuses, antepassados e a magia,
poderiam ser propiciadores das coisas boas e desejáveis da vida como o amor, o ter um filho,
ou simplesmente a boa sorte.
L.2 (BM 10251): “I shall keep [her] safe from serpents, from scorpions, and from
every mouth that bites. I shall keep her safe from a wrongdoer who does her a wrong. I shall
keep [her] safe from a disorder. I shall keep her safe [from] sickness. [...] I shall cause [her]
to grow up and shall cause her to be strong. I shall grant her a great and good old age in
strength and health. [...] I shall [grant] her people in her lifetime and I shall provide her
<with> people and provisions, and with apparel and everything which she will require in her
lifetime.”615
Os Filhos
615
I. E. S. Edwards, Op. Cit., pp. 14, 19 e 20.
616
P. Vernus, Op. Cit., 2001, p. 243.
140
Na vida da mulher os momentos relacionados com a concepção de um filho, com a
gravidez e com o parto, são particularmente preocupantes. A isso segue-se o receio com um
saudável crescimento e desenvolvimento da criança nascida. No Egipto antigo estas aflições
eram prementes e são muito claras nas fontes consideradas.
Os filhos eram desejados não apenas por razões do domínio afectivo mas também
devido a aspectos mais práticos. L. Meskell afirma: “Le désir d’avoir des enfants était central
pour les Égyptiens, pas seulement pour des raisons affectives, mais parce que leur système
social reposait sur le soutien que les enfants apportaient aux parents à la fin de leur vie et le
maintien du culte funéraire."617 Assim, o desejo de ter um filho seria expresso junto dos
deuses e dos antepassados.
O desejo do nascimento de um filho saudável é ainda ilustrado numa carta aos mortos
em que o filho pede ao seu pai que o auxilie: Carta de suporte de jarro de Chicago –
“Moreover, let a healthy son be born to me, for you are an able spirit.”620
617
L. Meskell, Op. Cit., 2002, p. 86.
618
C. Spieser, “Femmes et divinités enceintes dans l’Égypte du Nouvel Empire" in V. Dasen (ed.), Naissance et
petite enfance dans l'Antiquité: Actes du Colloque Fribourg 28 Nov -1 Dec 2001, Freibourg, Universitätsverlag,
Göttingen, Vandenhoeck und Ruprecht, 2004, p. 64. Ver anexo 6, Fig. 303.
619
Ibidem, p. 48.
620
E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 345, p. 213.
621
Cf E. Waraksa, Op. Cit., 2009, p. 3.
622
S. Von Schott, “Die bitte um eine kind auf einer grabfigur des frühen mittleren reiches” in Journal of
Egyptian Archaeology, 16, 1930, p. 23. Ver Anexo 2.2, Fig. 13.
141
sobrevivência do recém-nascido. Estes obstáculos eram entendidos como uma ameaça que se
colocava à vontade de ter filhos. Esta ideia é claramente identificada nos decretos oraculares
em forma de amuleto e nos feitiços, sendo que estes últimos além de ilustrarem o problema
apresentam-se também como soluções. As fontes materiais são, igualmente, bastante
ilustrativas no que respeita às condutas mágico-religiosas para contornar as dificuldades que
se poderiam colocar.
Uma das formas mais expressivas, nas fontes materiais, para abordar esta questão são
as figuras femininas. Como explorámos anteriormente, estas peças estarão associadas à
questão da fertilidade, quer fosse em túmulos onde eram colocadas pela sua acção
propiciatória de um novo nascimento, quer nos templos e em casa, onde o enfoque seria a
fertilidade humana e a garantia da concepção de uma nova vida.
Nas suas diferentes formas624, estas figuras eram uma forma de expressar o desejo de
ter filhos juntos dos deuses. G. Pinch e E. Waraksa afirmam: “From the Early Dynastic
Period through the Roman Period, Egyptian votive material included offerings such as
images of children, nude female figurines, with or without children, and models of the male or
female genitals. [...] The desire to conceive and raise children seems to have been the main
motive for depositing such objects in sacred places. Their sexual explicitness was probably
thought to enhance their effectiveness.”625
623
L. Meskell, Op. Cit., 2000, p. 179.
624
Ver anexo 5.4.2, Figs. 208, 209, 210, 218 e 219, por exemplo.
625
G. Pinch, E. A. Waraksa, “Votive practices” in J. Dieleman, W. Wendrich (eds.), UCLA Encyclopedia of
Egyptology, Los Angeles, 2009, p. 6.
142
Apesar desta afirmação remeter para o uso destas peças nos locais sagrados626, a
presença de cerca de 280 figuras em cerca de 130 casas, de treze povoados, aponta para uma
utilização doméstica. O lar familiar seria também um espaço aceite para solicitar aos deuses a
bênção de um filho.
626
Por exemplo, no templo de Mut em Karnak e de Hathor em Deir el-Bahari. Ver anexo 5.4.2, Fig. 225.
627
J. Backhouse, Op. Cit., p. 38.
628
Ver anexo 5.4.2, Fig. 204.
629
Ver anexo 5.4.2, Fig. 201.
630
Ver anexo 5.4.2, Fig. 203.
143
As figuras femininas e as figuras de genitais masculinos são os vestígios que mais
claramente ilustram a problemática da fertilidade. Contudo, outras das nossas fontes podem,
também, ter sido usadas neste âmbito. Por exemplo, se pensarmos nas figuras de animais
como oferendas aos deuses, nada exclui a possibilidade de que o pedido feito no momento da
oblação fosse o da concepção de um filho. Aliás, tentando tirar algum som do silêncio das
fontes, podemos também pensar que o pedido poderia ser colocado apenas por palavras, sem
nada que o ateste, a estátuas de divindades, como Ísis ou Hathor, que estariam colocadas num
espaço selecionado da casa.
P.3 (Louvre E 25354): “We shall cause her to bear (with) a happy delivery.”632
631
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 59, p. 38.
632
Ibidem, p. 86.
144
T.2 (Turin Museum 1984): “We shall (cause her) to conceive male children and
female children.633 We shall keep her safe from a Horus-birth, from a miscarriage, and from
giving birth to twins. We shall keep her safe from any (kind of) death and any (kind of)
sickness in giving birth.”634
“Open for me! I am the one whose offering is large, the builder who built the pylon for
Hathor, lady of Dendera, who lifts up in order that she may give birth. Hathor, the lady of
Dendera is < the> one who is giving birth! This spell is to be said for a woman.”637
“(...) It is not I who have said it, it is not I who have repeated it - it is Ísis that has said
it, it is she that has repeated it to you. For she has (already) spent a time without her son
Horus being born, the avenger of his father. Take care of the child-bearing of NN born of NN
in the same manner!”638
Uma chamada de atenção para a presença da deusa Hathor nestes feitiços. Hathor
encontra-se na mesma situação, ela é a mulher que está em trabalho de parto e também a
deusa que protege a parturiente. Ou seja, existe uma identificação entre a mulher e a deusa
neste momento de grande fragilidade.
633
Ver a mesma ideia no anexo 2.1, linhas 63 – 4.
634
I. E. S. Edwards, Op. Cit, pp. 66 – 7. O autor refere que “Horus-birth” seria algo semelhante a um termo
técnico que estaria relacionado com as circunstâncias indesejáveis associadas ao nascimento de Hórus. Cf.
Ibidem, p. 67, nota 67. Quanto à questão dos gémeos ver: J. Baines, “Egyptian twins” in Orientalia, 54, 1985,
pp. 461 – 482.
635
Ibidem, p. 71.
636
P. Leiden 3027. Cf. A. Erman, Op. Cit.; N. Yamazaki, Zaubersprüche für Mutter und Kind. Papyrus Berlin
3027, Berlin, Achet Verlag, 2003. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nºs 66, 67 e 68, pp. 41 – 3.
637
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 62, pp. 39 – 40.
638
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 63, p. 40; J. F. Borghouts, Op. Cit., 1971, p. 31.
639
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1971, p. 30.
145
Como vimos, também Meskhenet, é uma das divindades associadas ao parto, e é a
deusa associada ao tijolo do nascimento encontrado em Abidos Sul (Wah Sut), uma das mais
belas peças do nosso conjunto640. Estes tijolos eram usados no parto e eram o símbolo
identificador desta deusa. A. M. Roth e C. H. Roehrig afirmam: “Four bricks, stacked in
pairs, were apparently the traditional support for the birthing mother in pharaonic times. [...]
The ancient Egyptians personified the bricks used in birth as a goddess of birth, Meskhenet.
She can be represented as a brick with a woman's head641 or as a woman or a falcon with a
tall split object on her head. Her name is a noun of place formed from the ‘m’ prefix and the
causative form of the verb ‘ḫnj’, 'to alight', hence the bricks are 'the place of alighting’.”642
O aspecto mais relevante deste tijolo é a imagética que apresenta. J. Wegner fez uma
detalhada análise desta peça646 e, portanto, não nos vamos alongar na nossa exposição. De um
modo geral, podemos dizer que se trata da representação, para além da figura de uma mulher
com uma criança ao colo (possível momento pós-parto) acompanhada por outras três
mulheres, de divindades e génios protectores da mulher e da criança no momento do parto.
Identifica-se a deusa Hathor, uma divindade em forma de hipopótamo (Taueret?), uma cobra
enrolada (Renenutet?), entidades não identificadas a agarrar/morder cobras, uma deusa
leonina a decapitar um inimigo humano, entre outras figuras. Todas elas com a função de,
com a presença evocativa do seu poder, afastarem qualquer potencial perigo e ameaça,
humana, animal ou demoníaca, naquele momento potencialmente tão perigoso.
640
Ver 5.4.6, Figs. 289 A e B.
641
Ver anexo 6, Fig. 304.
642
A. M. Roth, C. H. Roehrig, “Magical bricks and the bricks of birth” in Journal of Egyptian Archaeology, 88,
2002, pp. 130 – 1.
643
Ver Ibidem sobre a presença destes objectos em contexto funerário.
644
Ibidem, p. 131.
645
K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 25.
646
Para uma descrição e estudo aprofundado sobre o tijolo de nascimento de Abidos Sul ver: J. Wegner, Op.
Cit., 2009, pp. 447 – 491.
146
J. Wegner afirma: “(…) The Abydos brick articulates a potent blend of magico-
religious symbolism related to childbirth.”647 Este simbolismo decorre das imagens
representadas, da composição escolhida e das próprias cores.
Estes objectos são, regra geral, feitos de presas de marfim de hipopótamo que eram
abertas ao meio e gravadas, de um lado ou dos dois, com imagética e, por vezes, com
inscrições. Estes objectos foram encontrados exclusivamente em túmulos, onde se pensa
terem sido colocados depois de terem sido usados em casa. H. Altenmüller explica: “Fast alle
Apotropaia stammen aus Grabfunden. Sie dienten den Verstorbenen als Grabbeigaben. Trotz
ihrer Zugehörigkeit zur Grabausrüstung weisen sie zahlreiche Gebrauchsspuren auf, die ihre
Handhabung im Leben bezeugen. Eine Häufung von Gebrauchsspuren ist dabei meist in der
Mitte des Gerätekörpers oder am stumpfen Ende festzustellen. Dort wurden die
Zauberinstrumente ursprünglich mit der Hand umfaßt und gehalten, so daß die Ritzzeichnung
häufig abgerieben wurde. Wegen ihres hohen Werts wurden zerbrochene Apotropaia nach
Möglichkeit geflickt.”650 E “Antike reparaturen zerbrochener Apotropaia und Spuren von
Abnützung an ihrer Oberfläche lassen erkennen, dass das magische Gerät für die lebenden
und nicht für die Toten bestimmt war.”651 Por outras palavras, as ‘wands’ têm marcas de
utilização e recuperação que levam a crer que, antes de chegarem ao túmulo do seu
proprietário, teriam sido usadas, talvez desde o seu nascimento, em casa, para sua protecção.
No que diz respeito à finalidade destas peças, ela pode ser identificada não só através
da sua decoração, como também das inscrições que algumas contêm.
647
Ibidem, p. 455.
648
K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 27.
649
Cf. H. Altenmüller, Die apotropaia und die götter Mittelägyptens, PhD dissertation, Ludwing-Maximillians,
Universität zu Müchen, 1965.
650
H. Altenmüller,“Totenglauben und magie” in A. Roccati, A. Siliotti (eds.), La magia in Egitto ai tempi dei
faraoni. Atti del convegno internazionale di studi Milano 29-31 ottobre 1985, 1987, p. 134.
651
H. Altenmüller, Op. Cit., 1965, p. 185.
147
MMA 15.3.197 e 30.8.218: “Schutz bei nacht und schutz bei tag.”652
BM 18175: “Ich bin gekommen damit ich den schutz [über] NN aus breit”653
E 3614: “[Wir sind gekommen, damit] wir den schutz um NN. Herum breite.”654
Brüssel E 2673: “Wir sind gekommen, damit wir schutz um schutz, der gesundheit und
des lebens um NN herum ausbreiten.”655
MMA 22.1.65: “Die Götter, die kommen, um den schutz des lebens, heils und der
gesundheit auszubreiten, des schutz bei nacht und den schutz bei tag um NN. Herum.”656
Copenhagen 7795: “Es wird rezitiert: schneide den kopf des feindes [und der feindin]
ab, die diese kammer der kinder, die nb.t-sh.tj-r geboren hat, betreten!”657
MMA 08.200.19: “Wir sind gekommen, damit wir unseren schutz des [lebens …] über
NN. Ausbreiten.”658
652
Ibidem, p. 65. Ver anexo 6, Figs. 306 e 307.
653
Ibidem, p. 68. Ver anexo 6, Fig. 308.
654
Ibidem, pp. 68 - 9. Ver anexo 6, Fig. 309.
655
Ibidem, p. 69.
656
Ibidem, p. 69.
657
Ibidem, p. 69.
658
Ibidem, p. 68.
659
Signo V17 da lista de Gardiner.
660
Para mais detalhes sobre as ‘wands’ ver as diferentes obras de H. Altenmüller dedicadas ao tema.
148
formaria um perímetro defensivo dentro do qual a progenitora e o seu filho estavam seguros
durante o parto661. Além disso, esta protecção garantida pelos deuses e entidades apotropaicas
presentes no objecto perduraria ao longo da vida e no post mortem quando seria levada para o
túmulo com o seu usuário. H. Altenmüller afirma: “In sekundärer Verwendung werden die
Zaubermesser des Mittleren Reiches im funerären Bereich eingesetzt. Als Grabbeigaben
fallen ihnen ähnliche Schutzaufgaben wie im Lebensbereich zu, allerdings mit dem
Unterschied, daß ihre Schutzfunktion nun nicht dem ungeborenen Wesen im Mutterleib,
sondern dem auf eine Wiedergeburt hoffenden Verstorbenen zugute kommt. Sie beschützen
den Verstorbenen bei seiner Wiederauferstehung und bewahren ihn vor den Gefahren, die ihn
bei der Wiedergeburt bedrohen.”662
Os decretos oraculares em forma de amuleto foram usados por crianças e eram uma
garantia, dada pelo deus que emitiu o oráculo, de segurança da criança nas mais diversas fases
da sua vida, começando, o deus, por assegurar um saudável crescimento da criança.
L.5 (BM 10321): “[I] shall enable him to grow up. I shall enable him to develop. I
shall enable him to become excellent and I shall enable him to become clever.”665
“[...] Turn off, oh you [...]the one who spends the day moulding bricks for her father
Osiris, she who has said about her father Osiris: 'he should live on ḏ3ís-plants and honey!’
661
K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 27.
662
H. Altenmüller, “Ein zaubermesser des Mittleren Reiches” in Studien zur Altägyptische Kultur 13, 1986, p.26.
663
K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 30. Ver anexo 5.4.7, Fig. 290.
664
Ibidem.
665
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 30.
149
Break out, Asiatic woman there, who has come from the hill-country, Nubian woman who has
come from the desert plateau!666 Are you a slave woman? Then come as < his> vomit. Are
you a noblewoman? Then come as his piss. Come as the slime of his nose, come as the sweat
of his limbs! My arms are over this child - the arms of Ísis are over him, as she put her arms
over her son Horus.”667
“You have appeared, Re', you have appeared! Have you seen this male dead who has
come for her, (for) NN born of NN < to> lay a spell over her, while using means to take her
son from her bosom? ‘Save me, my lord Re!’ Says NN born of NN. ‘I will not give you away; I
will not give this burden to a male or female robber of the West! My hand is on you, my seal
is your protection! It is Re' who is going to appear break out! This is a protection!”668
“Are you warm < in> the nest? Are you hot in the bush? Is your mother not with you?
Is there no sister < to> give air? Is there no nurse to afford protection? Let there be brought
to me pellets of gold, balls of garnet, a seal <with> a crocodile and a hand to slay and to
dispel the 'sweet one', to warm the body, to slay this male enemy, this female enemy of the
West. You will break out! This is a protection. This spell is to be said over pellets of gold,
balls of garnet, a seal <with> a crocodile and a hand. To be strung on a strip of fine linen. To
be made into an amulet, applied to the throat of a child. Good.”669
Em termos de fontes materiais, mais uma vez, são os diversos amuletos que parecem
melhor encaixar nesta dinâmica apotropaica. As fontes textuais, especificamente os decretos
oraculares em forma de amuleto, apontam exactamente para o uso de amuletos:
T.2 (Turin Museum 1984): “We shall provide her (with) S3-amulets for physical
protection.”670
C.1 (Cairo Museum 58035): “We shall provide him with a S3-amulet for entire
physical protection on every kind of journey which he will make in every place in which he
may be.”671
Este amuleto, cuja forma corresponde ao hieróglifo que significa protecção, tem a
forma de juncos enrolados e dobrados atados perto da extremidade inferior672. É um amuleto
que surge muito associado à deusa Taueret, como vemos nas ‘wands’, o que reforça o seu
666
Ideia semelhante aparece nos decretos oraculares em forma de amuleto. Ver Anexo 2.1, linhas 51 – 3.
667
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 66, p. 42; A. Erman, Op. Cit., pp. 14 – 5; N. Yamazaki, Op. Cit., p. 16.
668
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 67, p. 42; A. Erman, Op. Cit., pp. 43 – 4; N. Yamazaki, Op. Cit., p. 45.
669
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 68, pp. 42 – 3.
670
I. E. S. Edwards, Op. Cit, pp. 71 – 2.
671
Ibidem, p. 97.
672
Cf. C. Andrews, Op. Cit., 1994, p. 43.
150
cariz protector e sanciona a sua ligação à protecção da criança. Contudo, não foi identificado
nenhum em espaço doméstico.
Por fim, devemos uma referência às Box Bed de Deir el-Medina. Estas estruturas, não
foram ainda completamente descodificadas e são diversas as interpretações relativamente à
sua utilização, contudo, presentemente, tem-se vindo a afirmar a perspectiva que as vê como
um espaço com cariz religioso (altar?) potencialmente relacionado com a vertente da vida
feminina, da fertilidade e da maternidade. Esta associação deve-se, essencialmente, à
decoração que estas construções apresentam.
O deus Bes é a figura mais representada (em pelo menos seis casas) aparecendo a
dançar, a tocar instrumentos musicais ou imobilizado e alado676. Não precisamos repetir os
atributos deste deus para entender a lógica desta relação.
Por outro lado, a decoração da Box Bed da Casa I, Bairro SE, eleva a discussão a um
outro nível uma vez que a representação é interpretada como sendo uma cena de
673
Cf. L. Meskell, Op. Cit., 2002, p. 90; K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 31; G. Robins, Op. Cit., 1994/5, p.
28; N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 139, nota 145.
674
N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 140.
675
L. Meskell, Op. Cit., 2002,p. 92. Cf. B. Bruyère, Rapport sur les fouilles de Deir el Médineh: (1934-1935),
La Nécropole de l'Ouest: La Nécropole de l'est, Fouilles de l'Institut français d'archéologie orientale 15, Cairo,
Institut français d'archéologie orientale, 1937, p. 12.
676
Bairro NE, Casa X; Bairro NE, Casa XII; Bairro NE, Casa XIII; Bairro SE, Casa IX; Bairro C, Casa V e
Bairro SO, Casa VI. Cf. Ibidem, pp. 254-5, 257, 259, 276, 305 e 303, Figs. 131, 133, 136 e 202. Ver Anexo 5.2,
Figs. 63, 64 e 65.
151
amamentação e talvez, numa perspectiva mais abrangente, uma cena de nascimento 677. Ou
seja, aqui a ligação ao nascimento e à criança é directa e evidente.
Vejamos o que diz A. Koltsida: “Having interpreted one scene on such a structure as
showing a breast-feeding woman, the whole structure was then regarded as a birth-bed.
Based on this assumption, the scenes representing Bes were also read as being related to
childbirth, since he was a divine figure associated with fertility and protection during
pregnancy and delivery.”678 Contudo, a autora não concorda com esta perspectiva, com esta
associação tão directa entre as Box Bed e o nascimento e aponta que o parto já tinha modelos
de ocorrência previstos: “Birth giving in ancient Egypt took place either on wooden
structures, specially designed for deliveries, which are most possibly similar to our modern
gynecological tables, or – most commonly, on bricks, in which case the woman was
seated.”679 Assim, A. Koltsida acaba por propor, ao contrário do que era comummente aceite,
que estas estruturas seriam, efectivamente, altares domésticos680. E, nesta perspectiva, tendo
em conta as decorações referidas, o enfoque recairia sobre a questão dos filhos que temos
vindo a considerar.
Em Tell el-Amarna existem também duas casas com decorações que incluem o deus
Bes (e talvez Taueret) e outra com figuras femininas681, nestes casos nas paredes das casas. B.
Kemp aproxima estes motivos decorativos dos das Box Bed de Deir el-Medina e aponta-lhes,
também, a dita função relacionada com a mulher, criança e nascimento.682
677
Ver anexo 5.2, Figs. 69 a 72.
678
A. Koltsida, Op. Cit., 2006, p. 169.
679
Ibidem, p. 170.
680
Cf. Ibidem, p. 171.
681
Ver anexo 5.3, Figs. 100 e 101.
682
Cf. B. Kemp., Op. Cit., 1979, p. 50.
152
As ameaças gerais
Demónios
Decreto oracular em forma de amuleto – L.2 (BM 10251): “I shall keep her safe from
a male demon and I shall keep her safe from a female demon.”687
683
Ver Tabela 1 na página 32.
684
Sobre os demónios no ver: K. Szpakowska, “Demons in ancient Egypt” in Religion Compass, 3 (5), 2009, pp.
799 – 805; K. Szpakowska, “Demons in the dark: nightmares and other nocturnal enemies of ancient Egypt” in
P. Kousoulis (ed.), Ancient Egyptian theology and demonology: studies on the boundaries between the divine
and demonic in Egyptian magic, Leuven, Peeters, 2011, pp. 63 – 76; R. S. Bagnall, K. Brodersen, C. B.
Champion, A. Erskine, S. R. Huebner (eds.), Encyclopedia of Ancient History, Oxford, Wiley-Blackwell, 2010,
pp. 2023 – 2025; R. Lucarelli, “Demons (benevolent and malevolent)” in J. Dieleman, W. Wendrich (eds.),
UCLA Encyclopedia of Egyptology, Los Angeles, 2010; R. Lucarelli, Op. Cit., 2009.
685
Cf. D. Meeks, “Demons” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. I, Cairo,
The American University in Cairo Press, 2001, p. 375.
686
Cf. R. Lucarelli, Op. Cit., 2010, p. 1; K. Szpakowska aponta também a não inclusão destas entidades na
hierarquia egípcia de seres. Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2009, p. 799.
687
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 16.
153
Feitiço contra demónio que causa doenças: “Oh you gods there, who run in front of the
bark of Re who keep the heavens stable for Re' and the earth for Geb, come, that you may see
what an enemy, fiend, male dead female dead has done, who has entered his belly so as to
leave behind the influence of his manifestation, so that the heart would be perverted against
him, as a heart that is reversed. Now that means that his breast would come out <with>
mysterious things!”688
Feitiço contra demónio que causa doenças: “Turn backwards, fall down <on> your
face! You will not be in heaven, you will not be on the earth, nor in the Underworld, nor in
the stream, nor as a ghost, nor as a god or goddess. You will not come for NN born of NN,
nor will you fall upon him. You will not do your usual thing with him. Beware of feeding upon
a limb of NN, born of NN!”689
Neste grupo temos os demónios per si, “(…) entities in their own right (…)”691, de
origem e características distintas, geralmente especializados692 e capazes das mais diversas
interferências na vida dos humanos. Encontramos nas fontes diferentes casos. Os decretos
oraculares referem demónios como, por exemplo, o ḫ3y.ty, o šm3.y693, os demónios dos
canais, dos poços, dos lagos694, das poças deixadas pela inundação, dos pântanos695, do rio e
da terra696 e do céu697, entre outros.
Estes demónios, cuja função e origem nem sempre é clara, poderiam surgir associados
a deuses e actuarem sob as suas ordens698. O decreto oracular L.2 (BM 10251) diz: “I shall
keep her safe from the ḫ3y.ty-demons of [Sakhmet] so as not allow <them> to come against
her”699 e o T.2 (Turin Museum 1984) afirma: “We shall keep her safe from the gods who
make a demon against someone.”700 E num feitiço contra a praga do ano novo lê-se: “Retreat,
688
P. Leiden 348. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 27, p. 22.
689
P. Chester Beatty VI. Ibidem, nº 54, p. 36.
690
Cf. R. Lucarelli, Op. Cit., 2010, p. 1.
691
Ibidem.
692
Cf. Ibidem. K. Szpakowska chama-lhes ‘demónios especializados’. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 161.
693
Ver, por exemplo, L.1 (P. BM 10083), Anexo 2.1, linhas 23, 23 e 33. Para análise sobre os demónios
presentes nos decretos oraculares em forma de amuleto ver R. Lucarelli, Op. Cit., 2009.
694
Ver, por exemplo, L.1 (P. BM 10083), Anexo 2.1, linhas 46 a 48.
695
Ver, por exemplo, T.1 (Turim Museum 1983). Cf. I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 57.
696
Ver, por exemplo, L.4 (BM 10320). Cf. Ibidem, p. 27.
697
Ver, por exemplo, L.2 (BM 10251). Cf. Ibidem, p. 15.
698
Cf. D. Meeks, Op. Cit., p. 377.
699
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 16.
700
Ibidem, p. 71; R. Lucarelli, Op. Cit., 2010, p. 1.
154
murderers! No breeze will reach me so that passers-by would pass on, to rage against my
face. I am Horus who passes along the wandering demons of Sakhmet.”701
Feitiço contra más influências: “Oh you who calculates his spell, prominent in the
East, to wit any male dead, any female dead, any male enemy, any female enemy, any male
opponent, any female opponent, any male spirit, any female spirit, any intruder, to wit any
passer-by, to wit any trembler in <my> neighbourhood (or) as something seen from afar (or)
as a movement of any limb to wit, those living ones, followers of Horus, who are under the
supervision of Osiris who, though having grown old, do not die: let the name of this magic be
known to me which comes for NN born of NN!”702
Feitiço contra demónios que causam doenças: “Turn back, sh3ḳḳ who has come forth
from the heaven and the earth, whose eyes are in his head, whose tongue is in his anus, who
eats bread-of-his-buttocks, his right paw turning away from him, his left paw crossing over
his brow, who lives on dung, whom the gods in the necropolis fear!”703
Feitiço contra demónios que causam doenças: “See, I have outfaced you, samana-
demon! (…) Don't you know me, samana-demon?”704
Feitiço contra demónios que causam doenças: “Words to be said over an instrument of
tamarisk wood. To conjure the 'akhu with it.”705
Percebemos assim que, em alguns casos, a ameaça seria apontada pelo nome, mas
noutros seria a função ou acções que identificavam os demónios em causa.
Para além dos próprios demónios, o conjunto com a mesma designação inclui ainda os
mortos enquanto potencial ameaça, entidade hostil aos humanos. Esta ideia é atestada pelos
feitiços e os decretos oraculares em forma de amuleto.
701
P. Edwin Smith. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº15, p. 15.
702
P. Chester Beatty VIII. Ibidem, nº 10, p. 7.
703
O. Gardiner 300, O. Leipzing 42, P. BM 10731. Ibidem, nº 22, pp. 17 – 8.
704
P. Leiden I 343 + 345. Ibidem, nº 24, pp. 19 – 20.
705
P. BM 10059. Ibidem, nº 25, p. 21.
155
Feitiço contra pesadelos: “You will raise your face as well as your ba, your shapes,
your corpse-like apparitions, your magic as well as your shapes, your forms, oh male spirit,
female spirit, male dead, female dead, male opponent, female opponent in the heavens, on
earth!”706
Feitiço contra pesadelos: "(…) to prevent any male dead, any female dead, any male
opponent or any female opponent which is anywhere in the body of NN born of NN from
killing him."707
L.1 (BM 10083): “We shall keep her safe (...) from a demon of her father and her
mother and from a demon of the relatives of her father and the relatives of her mother.”708
Se é fácil perceber que estes últimos se constituam enquanto uma potencial ameaça, os
primeiros, por serem aqueles que tudo fizerem e a quem tudo foi feito de forma correcta, são
mais difíceis de apreender enquanto entidade hostil. Mas, não só as cartas atestam os mortos
familiares como possíveis ofensores712, no último decreto oracular apontado, o pai e a mãe e
seus familiares surgem como uma ameaça contra a qual o deus protector deve tomar medidas.
Neste contexto, em que os mortos surgem como uma forte e concreta ameaça, como
um perigo a evitar, depende dos vivos o cumprimento dos cuidados necessários de modo a
garantir não só que os mortos não se sintam ofendidos como, uma vez ofendidos, seja
possível apaziguá-los. Falaremos sobre isto adiante.
706
P. Leiden I 348. Ibidem, nº 6, p. 3.
707
P. Chester Beatty VI. Ibidem, nº 8, p. 4.
708
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 10. Ver anexo 2.1, linhas 48 – 50. De notar que existe sempre uma referência aos
dois géneros (feminino e masculino). R. Lucarelli considera que mais do que fazer uma diferenciação de géneros
pretender-se-ia abranger a totalidade das ameaças possíveis. Cf. R. Lucarelli, Op. Cit., 2010, p. 5.
709
Cf. R. R. Demarée, Op. Cit., pp. 189 – 278; G. Posener, Op. Cit., 1981; E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 149.
710
N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 22.
711
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, pp. 160 – 1; K. Szpakowska, Op. Cit., 2009, pp. 801 – 3.
712
Ver, por exemplo, a carta de um marido à esposa do P. Leiden I 371, referida na página 212.
713
Cf. D. Meeks, Op. Cit., p. 377.
156
realizar os rituais de modo a pacificar os espíritos e aniquilar as forças hostis. A casa era um
espaço de perigo mas também um local adequado para precaver / resolver as ameaças.
Os deuses
Aqueles que são o maior recurso dos crentes contra os perigos do dia-a-dia – os deuses
– surgem, curiosamente, nas fontes textuais também como uma ameaça. Aqueles a quem os
Homens recorriam, aqueles nas mãos de quem os crentes depositavam a sua vida, eram
também, em certos momentos, uma força hostil.
O primeiro tipo de acção é muito visível nos decretos oraculares, onde encontramos
extensas descrições de situações em que os deuses surgem como ameaça, por exemplo a que
se encontra no decreto oracular do T.2 (Turin Museum 1984): “(…) We shall keep her safe
from gods of the southern region and from the gods of the northern region. We shall keep her
safe from the gods of (the book) ‘That-which-is-in-the-Years’. We shall keep her safe from the
gods who find someone in (the) country and kill him in the town. We shall keep her safe from
the gods who find someone in the town and kill him in (the) country714. We shall keep her safe
from the gods who find someone and render him speechless. We shall keep her safe from the
gods who seize someone in (a state of) panic. (...)We shall keep her safe from the gods who
seize someone without her [sic] god knowing. (...) We shall keep her safe from Sakhmet and
her son715. We shall keep her safe from the gods of the western desert-edge and from the gods
of the eastern desert-edge. We shall keep her safe from Sothis-Horus on the East and Sothis-
Horus on the West who are the lords of slaughter of the Ennead. We shall keep her safe from
the fierce lion, the son of Bastet, this great god whose sustenance consists of the blood of
people716. We shall keep her safe <from> Prē, Ptah and Bastet. We shall keep her safe from
Amun, Mut, and Khons, the great gods of heaven and earth. We shall keep her safe from the
gods of the North and from the gods of the South. We shall keep her safe from the gods of
714
Ver a mesma ideia em, por exemplo, L.1 (P. BM 10083). I. E. S. Edwards, Op. Cit, pp. 4 – 5.
715
Ver a mesma ideia em, por exemplo, L.1 (P. BM 10083) e T.1 (Turin museum 1983). Ibidem, pp. 2 e 54.
716
Ver a mesma ideia em, por exemplo, T.1 (Turin museum 1983). Ibidem, p. 53.
157
<the> West and from the gods of the East. We shall keep her safe from the gods of what is
outside. We shall keep her safe from every god and every goddess of her mother and every
god and every goddess of her father. (...) We shall keep her safe from Amun, Mut, Khons, Prē,
Ptah, Bastet and every god and every goddess who assume manifestations717 when they are
not appeased. We shall keep her secure from them; we shall cause her to be secure from their
abomination; (...).”718
Contudo algumas referências mais breves são também ilustrativas desta ideia.
T.1 (Turin Museum 1983): “(...) every action of every god who does wrong.”719
L.2 (BM 10251): “I shall keep her safe ... ... any god and any goddess who does
wrong; I shall keep her secure from their hands.”720 “I shall keep her safe from Ísis, the great
one, mother of the god, the goddess who was great at the beginning of time.”721
L.6 (BM 10587): “[I shall keep her safe from] ... [from their] manifestations, from
their ..., from their accusations, [from their] wrongdoing, from their vexations, and [from
their] similar misdeeds.”722
Quanto à figura do deus enquanto castigador, ela está patente em duas passagens do
Livro dos sonhos, em duas situações que apontam para a revolta do deus para com o crente.
“If a man sees himself in a dream breaking apart stone, bad, it means that his god is
angry towards him.”723
“If a man sees himself in a dream placing incense on the flame for god, bad, (it means
that) the power of god will be against him.724
717
I. E. S. Edwards afirma que estas manifestações seriam “external forms in which the gods manifested
themselves.” I. E. S. Edwards, Op. Cit., p. 4, nota 24.
718
Ibidem, pp. 64 – 6.
719
Ibidem, p. 57. Ver a mesma ideia em, por exemplo, L.5 (BM 10321). Ibidem, p. 31.
720
Ibidem, p. 14.
721
Ibidem, p. 15.
722
Ibidem, pp. 44 – 5.
723
K. Szpakowska, Op. Cit., 2003, p. 105.
724
Ibidem, p. 106.
158
Ilustrativas da possibilidade de acção do deus contra os Homens, estas passagens não
nos revelam, contudo, as suas motivações. Essas são mais claras em, por exemplo, três hinos
inscritos em estelas votivas provenientes de Deir el-Medina.
Estela votiva de Neferabu com hino a Merseger (Turin Museum 102 / 50058)725:
“Giving praise to the Peak of the West, Kissing the ground to her ka. I give praise,
hear (my) call, I was a truthful man on earth! Made by the servant in the Place-of-Truth,
Neferabu, justified.
(I was) an ignorant man and foolish, who knew not good from evil. I did the
transgression against the Peak, and she taught a lesson to me. I was in her hand by night as
by day, I sat on bricks like the woman in labor, I called to the wind, it came not to me, I
libated to the Peak of the West, great of strength, and to every god and goddess.
Behold, I will say to the great and small, who are in the troop: beware of the Peak!
For there is a lion within her! The Peak strikes with the stroke of a savage lion, she is after
him who offends her!
I called upon my Mistress, I found her coming to me as sweet breeze; she was merciful
to me, having made me see her hand. She returned to me appeased, she made my malady
forgotten; for the Peak of the West is appeased, if one calls upon her.
So says Neferabu, justified. He says: Behold, let hear every ear, that lives upon earth:
beware the Peak of the West!”726
“(…) I am a man who swore falsely by Ptah, Lord of Maat, and he made me see
darkness by day. I will declare his might to the fool and the wise, to the small and great:
Beware of Ptah, Lord of Maat! Behold, he does not overlook anyone’s deed!Refrain from
uttering Ptah's name falsely, La, he who utters it falsely, he falls! He caused me to be as the
dogs of the street, I being in his hand; He made men and gods observe me, I am being as a
man who has sinned against his Lord. Righteous was Ptah, Lord of Maat, toward me, when he
taught a lesson to me! Be merciful to me, look on me in mercy!So says the servant in the
Place-of-Truth on the West of Thebes, Neferabu, justified before the great god.”727
725
De notar a referência, neste texto, ao uso dos tijolos no parto.
726
M. Lichtheim, Ancient Egyptian literature, Vol. II, Berkeley, Los Angeles, London, University of California
Press, 1975, pp. 108 – 9.
727
Ibidem, p. 110.
159
Estela votiva de Nebré com hino a Amon (Berlin Museum 20377):
“Amen-Re, Lord of Thrones-of-the-Two-Lands, The great god who presides over Ipet-
sut, the august god who hears prayer, who comes at the voice of the poor in distress, who
gives breath to him who is wretched.
(…) “I made for him praises to his name, For his might is great; I made supplications
before him, in the presence of the whole land, On behalf of the draftsman Nakhtamun,
justified, Who lay sick unto death, (In) the power of Amun, through his ‘sin’ I found the Lord
of Gods coming as north wind, Gentle breezes before him; He saved Amun's draftsman
Nakhtamun, justified, Son of Amun's draftsman in the Place-of-Truth, Nebre, justified, Born of
the Lady Peshed, justified.
He says: Though the servant was disposed to do evil, The Lord is disposed to forgive.
The Lord of Thebes spends not a whole day in anger, His wrath passes a moment, and none
remains. His breath comes back to us in mercy, Amun returns upon his breeze. May your ka
be kind, may you forgive, It shall not happen again. Says the draftsman in the Place-of-Truth,
Nebre, justified.
He says: "I will make this stela to your name, and record this praise on it in writing,
for you saved for me the draftsman Nakhtamun, so I said to you and you listened to me. Now
behold, I do what [have said], you are the Lord to him who calls to you, Content with maat, a
Lord of Thebes! Made by the draftsman Nebre and his son, the scribe Khay.”728
No primeiro caso, o crente declara ter transgredido contra a deusa e, por essa razão, foi
castigado. A deusa infligiu-lhe sofrimento. O mesmo acontece no segundo caso, em que a
falta foi um juramento em falso. Contudo, os mesmos exemplos demonstram que os deuses
que punem podem ser apaziguados. E isso seria obtido através de orações, libações e
oferendas. Assim, os deuses castigadores voltavam a ser misericordiosos.
Os deuses, como os demónios, são entidades sobrenaturais729 que, pela sua capacidade
de intervir, positiva ou negativamente, na vida terrena, acabam por ter uma presença constante
na vida dos egípcios. Parece, portanto, lógico considerar que conseguir o seu favor ou afastar
a sua hostilidade seriam potenciais motivações para a realização de práticas religiosas em
contexto doméstico.
728
Ibidem, pp. 105 – 7.
729
Cf. R. Lucarelli, Op. Cit., 2010, p.1.
160
A magia
No Livro dos sonhos encontramos uma passagem que faz referência à magia e que é
entendida como ‘magia hostil’: “If a man sees himself in a dream being bitten by a dog, bad,
(it means that) he will be touched by magic.”730
L.2 (BM 10251): “I shall keep her safe from magic which has enchanted her.”731
L.3 (BM 10308): “I shall keep her safe from the magic of the Syrians, from the magic
of the Ethiopians, from the magic of the Libyans, from the magic of the people of Egypt, from
a warlock (...).”732
L.6 (BM 10587): “(...) from any evil magic.” “I shall never allow them to have (any)
magic power over him throughout his whole lifetime.”733
T.1 (Turin Museum 1983): “We shall keep her safe from all magic of every warlock
and every witch; we shall not allow them to have any magic power over her.”734
T.3 (Turin Museum 1985): “We shall keep him safe from Syrian magic, from Nubian
magic, from magic of [the people] of Egypt, from written magic and from spoken magic. We
shall keep him safe from the magic of the shasu735.”736
730
K. Szpakowska, Op. Cit., 2003, p. 99. A autora remete para R. Ritner a referência à ideia de ‘magia hostil’.
Cf. Ibidem, p. 100; R. Ritner, The mechanics of ancient Egyptian magical practice, Chicago, Oriental Institute,
1993, p. 21, nota 82.
731
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 17.
732
Ibidem, pp. 24 – 5. Ideias semelhantes L.4 (BM 10320), Ibidem, p. 27. E em Anexo 2.1, linhas 51 – 4.
733
Ibidem, pp. 38 – 9.
734
Ibidem, p. 54.
735
Beduíno sírio. Cf. Ibidem, p.75, nota 50.
736
Ibidem, p. 75.
737
Ibidem, p. 87.
161
As doenças
As fontes revelam-nos que, tal como hoje, os antigos egípcios encaravam a doença
como uma potencial ameaça ao sereno decorrer dos seus dias.
A doença, assim como o seu tratamento, tinha uma dupla natureza: “the ancient
Egyptian concepts of the causation and natures of disease processes varied widely from the
pragmatic to the magical.”738 Por outras palavras, a doença, dependendo das suas
características739, poderia ser entendida de um modo que podemos designar de ‘científica’ ou
como tendo uma causa sobrenatural. A causa sobrenatural das doenças coloca-se em estreita
ligação com as ameaças que considerámos anteriormente pois são os diferentes demónios, e
também os deuses, que são entendidos como causadores da doença. E, neste contexto, as
práticas mágicas, assumem no tratamento da doença um papel de grande relevo. J. F. Nunn
afirma: “If the cause of disease was thought to be supernatural, it is also logical to look to
supernatural for its cure.” 740
No que respeita à presença deste tópico nas fontes consideradas, ele pode ser
identificado em três aspectos: a preocupação demonstrada nos decretos oraculares em forma
de amuleto com a preservação do bem-estar físico do usuário, a referência, nos decretos mas
também nos feitiços, à origem/causa da doença e a procura da cura patente nos inúmeros
feitiços existentes que visavam a resolução de diferentes problemas de saúde.
T.1 (Turin Museum 1983):“We shall keep her safe from every kind of sickness which
is known and from every kind which are not known.”741
T.2 (Turin Museum 1984): “We shall keep healthy her head. We shall keep healthy her
right eye and her left eye. We shall keep healthy the nostrils of her nose. We shall keep
healthy the back of her head. We shall keep healthy every ‘stb’ of her head. We shall keep
healthy her tongue and her mouth. We shall keep healthy her incisors and we shall keep
healthy her canine teeth. We shall keep healthy her lips. We shall keep healthy the ligaments
of her mouth. We shall keep healthy her neck. We shall keep healthy her cervical vertebrate.
We shall keep healthy her throat. (...) We shall keep healthy the arteries of her hand. We shall
738
J. F. Nunn, Op. Cit., p. 56.
739
Cf. Ibidem.
740
Ibidem, p. 96.
741
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 58. Ver mesmo tipo de ideia no Anexo 2.1, linhas 11 e 24.
162
keep healthy the arteries of her back. We shall keep healthy her rectum. We shall keep healthy
her perineum. We shall keep healthy her vulva. We shall keep healthy her thigh and her left
thigh. We shall keep healthy her right knee and her left knee. We shall keep healthy her right
shin and her left shin. We shall keep healthy her right heel and her left heel. We shall keep
healthy the sole of her right foot and the sole of her left foot. We shall keep healthy her ten
toes...”742
Feitiço contra demónios que causam doenças: “Oh you four glorious spirits there
whose function is to keep watch over Osiris! As for the watch that you have kept over Osiris,
you should act in a similar way with regard to NN born of NN to prevent any male dead, any
female dead any male opponent or any female opponent which is anywhere in the body of NN
born of NN from killing him.”743
Feitiço contra demónios que causam doença: “Oh enemy, fiend, male dead, female
dead, who are in the belly, who are in the heart, who are in the breast of NN born of NN!”744
Feitiço contra dor de cabeça: “Backwards, enemy, fiend, male dead, female dead, and
so on who cause this suffering to NN, born of NN. You have said that you would strike a blow
in this head of his in order to force your entry into this vertex of his to smash in these temples
of his!”745
A procura da cura – neste ponto, poderiam ser apontados como exemplo todos
os feitiços cujo objectivo era resolver algum tipo de problema de saúde. Vejamos alguns:
Feitiço para hemorragia – “Backwards, you who are on the hand of Horus!
Backwards, you who are on the hand of Seth! The blood that comes forth from ‘Wnw’ was
warded off; the red blood that comes forth at the moment is warded off! Have you ignored the
dam? Backwards you, from Thoth! This spell is to be said over a bead of carnelian, applied to
the behind of a woman or a <man>. It is a means to ward off an haemorrhage.”746
Feitiço usado para acompanhar a toma de medicamentos – “Oh Ísis, great of magic,
may you release me, may you deliver me from anything evil, bad or ominous, from the
influence of a god, the influence of a goddess, a male dead, a female dead, from a male
742
Ibidem, pp. 69 – 70. Parcialmente transcrita, esta é a mais extensa e completa descrição de todas as partes do
corpo do usuário a ser protegido pelo decreto oracular. Ver versão mais curta no Anexo 2.1, linhas 38 a 42.
743
P. Chester Beatty VI. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 8, p. 4.
744
P. Leiden I 348. Ibidem, nº 26, p. 22.
745
P. Leiden I 348. Ibidem, nº 40, p. 27.
746
P. BM 10059. Ibidem, nº 30, p. 23.
163
opponent, a female opponent who might oppose themselves against me just as you were
released and were delivered from your son Horus.”747
“Words to be said while placing medicine on all the limbs of the person who has
become disease. A true means, (proved) an infinite number of times!”749
Mais uma vez, o que encontramos aqui é um exemplo daquelas que seriam as
preocupações que levavam os antigos egípcios a procurar a intervenção divina, quer através
de orações e rituais, quer através da magia.
Os cuidados relacionados com os filhos, que vimos no ponto anterior, estão, também,
obviamente, associados à questão da saúde, mas, pela sua supremacia no contexto das
motivações, mereceram um tratamento próprio. E a ameaça dos animais perigosos enquadra-
se também neste contexto.
Animais perigosos
Nas fontes textuais que analisámos, chegámos facilmente à conclusão que os animais
perigosos – cobras, crocodilos, escorpiões – eram uma das maiores preocupações dos antigos
egípcios. Identifica-se esta inquietação em quatro dos sete tipos de fontes consideradas, sendo
que uma delas lhe é especificamente dedicado – as estelas de Hórus sobre crocodilos. Por
exemplo, na obra de J. F. Borghouts, o tema dos animais perigosos é considerado em sessenta
e dois dos 146 feitiços apresentados.
Dia 3, mês Tot, estação Akhet: “Anyone born on this day will die by a crocodile.”750
Dia 27, mês Paofi, estação Akhet: “As to anyone born on this day, he will die by a
snake.”751
Nos decretos oraculares os animais perigosos são também uma ameaça a ser
considerada pelo deus na protecção do utilizador do amuleto:
747
P. Hearst. Ibidem, nº 81, p. 50.
748
P. Ebers. Ibidem, nº 72, p. 45
749
P. Ebers. Ibidem, nº 71, p. 45.
750
A. Bakir, Op. Cit., p. 13.
751
Ibidem, p. 22.
164
T.1 (Turin Museum 1983) – “We shall keep her safe from the bite of a crocodile, from
the bite of a serpent, from a scorpion, from the bite of every snake, every reptile, and every
ophidian which bites, so as not to allow them to come anywhere near her.”752
As estelas de Hórus sobre crocodilos são as fontes que, pela iconografia, pelas
inscrições e pelo seu uso, melhor ilustram a preocupação e até a própria prática, no que
respeita à ameaça dos animais perigosos.
Deste modo, percebemos que, na vida quotidiana dos egípcios, os animais faziam
também parte da lista de perigos a cuidar. Neste caso, o recurso à magia, seria uma resposta
comum. Sabemos, pelo exemplar de Tell el-Muqdam, que existiam estelas de Hórus sobre os
crocodilos em casa. E os próprios amuletos do deus Bes poderiam ser usados tendo em vista
esta ameaça, pois este deus tinha, também, una acção sobre este perigo. J. C. Sales afirma:
“Qual feiticeiro e mágico, suscitava enorme adesão e devoção popular, pois os seus amuletos
protegiam dos principais animais nocivos: leões, cobras, escorpiões, crocodilos, etc.”754
A protecção da casa
Se a casa era um local de busca de protecção isso não significa que ela própria não
necessitasse de ser protegida. No calendário do Cairo, nas cartas aos mortos, nos decretos
oraculares em forma de amuleto e nos feitiços, são identificadas ameaças à casa e a um pacato
decorrer da vida no seu interior.
752
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 53.
753
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 123, pp. 84 – 5.
754
J. C. Sales, Op. Cit., p. 321.
165
Dia 4, mês Athir, estação Akhet: “If anyone navigates on this day, his house (will be
destroyed).”755
Dia 17, mês Famenoth, estação Peret: “Do not pronounce the name of Seth on this
day. As to him who pronounces his name without his knowledge, he will not stop from fighting
in his house eternally.”756
Carta aos mortos da Taça do Cairo: “What Dedi sends to the priest Iniotef, born to
Iunakht: What about the maidservant Imiu, who is ill? Aren't you fighting on her behalf night
and day with who ever, male or female, is acting against her? Why do you want your domicile
desolated? Fight on her behalf anew this day that her household may be maintained and
water be poured out for you. If there is nought (i.e., no help) from you, your house shall be
destroyed. Can it be that you are unaware that it is this maidservant who keeps your house
going among people? Fight on [her] behalf: Watch over her! Rescue her from(?) whoever,
male or female, is acting against her. Then shall your house and your children be maintained.
It is good if you take notice.”757
No decreto oracular L.2 (BM 10251) podemos ler: “I shall turn away the eye of people
from her house and I shall remove every malady and turmoil from it.”758
O feitiço presente no P. Chester Beatty VIII prevê a protecção de toda a casa: “NN
born of NN has conjured the window. He is a tomcat. NN born of NN has conjured the chink.
He is a female falcon. NN born of NN has conjured the bolts. He is Ptah. NN born of NN has
conjured the hole. He is Nehebkau. NN born of NN has conjured the hiding-place. He is the
one whose name is hidden. NN born of NN has conjured the cross-timbers. He is the Master
of mysteries. He has conjured his (own) place, his room, his bed. He has conjured the four
noble ladies in whose mouth is their flame and whose fire goes behind them to chase away
any male enemy, any female enemy, any male dead, any female dead that is in the body of NN
born of NN. They will not come for him in the night, by day or at any time. They will not fall
[upon] the four noble ladies [...] their flame in [their] mouth [...] rushes, colocynths [...]”759
755
A. Bakir, Op. Cit., p. 22.
756
Ibidem, p. 36.
757
E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 350, pp. 215 – 6.
758
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 20.
759
J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 11, pp. 10 – 1.
166
of Senwet, Wennofer deceased, born of Tantamun, is. The heat of your flame is (directed)
against them; you will kill them, they will die from your grimness. Words to be said over
garlic ground and pulverized together with beer. To sprinkle the house with it in the night,
before daybreak. No male snake, female snake, scorpion, reptile, male dead or female dead
will enter this house.”760
A protecção da casa pode ser também inferida nos vestígios materiais e em simples
hábitos identificados, mas sobre isso falaremos mais à frente.
Perigos Diversos
Comecemos por considerar os perigos associados aos dias suplementares / ano novo.
Os cinco dias suplementares ou “the transitional five days of the Egyptian civil year”761 eram
um período para o qual os egípcios estavam preparados para ser especialmente cautelosos762.
O ano egípcio estava dividido em doze meses de trinta dias, o que significa que cada ano tinha
cerca de cinco dias a menos em relação ao ano astronómico. Para compensar essa diferença,
cinco dias extras foram adicionados, os denominados “epagomenal days” em inglês e dias
suplementares em português. Estes dias correspondem ao intervalo entre o dia 30 do mês
Mesori da estação Chemu e o dia 1 do mês Tot da estação Akhet. Mitologicamente estes dias
correspondiam ao nascimento de Osíris, Seth, Ísis, Néftis e Hórus, o antigo, no contexto da
cosmogonia Heliopolitana763. Eram dias de transição de um ciclo para outro. O decorrer
normal do tempo parava764 e acreditava-se que, no seu decurso, os enviados da deusa
Sekhemet percorriam a terra, a seu mando, para provocar danos e destruição765 e, por isso,
760
Ny Carlsberg Glyptothek AEIN 974. Ibidem, nº 121, p. 83.
761
A. Spalinger, “Some remarks on the Epagomenal days in ancient Egypt” in Journal of Near Eastern Studies,
vol. 54, 1, 1995, p. 33.
762
Cf. Ibidem.
763
Cf. G. Pinch, Op. Cit., 2002, p.174; H. Jauhiainen, “Do not celebrate your feast without your neighbours”: a
study of references to feasts and festivals in non-literary documents from Ramesside Period Deir el-Medina,
Doctoral dissertation, University of Helsinki, Faculty of Arts, Institute for Asian and African Studies,
Egyptology, 2009, p. 196.
764
Cf. M. J. Raven, “Charms for protection during the epagomenal days” in J. Van Dijk (ed.), Essays on ancient
Egypt in Honour of Herman te Velde, Egyptological Memoirs, Groningen, Styx publications, 1997, p. 275.
765
Cf. A. Spalinger, Op. Cit., p. 33.
167
estes dias pediam certas precauções mágicas766. Assim, vamos encontrar, nas fontes textuais,
diferentes exemplos de feitiços usados para protecção dos Homens durante este período.
“(…) Words to be said by a man from the last day < until> the opening day of the
year, <on> the Wag-festival and at the daybreak of the Ernutet festival.”767
O papiro Edwin Smith apresenta no verso oito feitiços dedicados a esta questão768.
Vejamos algumas passagens ilustrativas: “Words to be said over a pair of vulture plumes. To
stroke a man with them. To be applied as a protection for him, for any place he goes to. It is a
protection against the (effects of) the year. It is something that drives the vexation away in a
year of plague.”769
“Words to be said by a man with a club of ds-wood in his hand. Let him go outside and
make the round of his house. He will not die from the plague of the year.”770
O ‘mau-olhado’ era outra preocupação dos egípcios. Considera-se sob esta designação
um olhar com poderes hostis que poderia ter origem tanto numa pessoa como num deus. Os
decretos oraculares, assim como os feitiços fazem referência a esta ameaça.
T.1 (Turin Museum 1983) / T.2 (Turin Museum 1984): “We shall keep her safe from
every evil eye and from every evil glance.”771
766
Cf. M. J. Raven, Op. Cit., p. 275.
767
P. Leiden I 346. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 13, p. 14.
768
Cf. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nºs 14 a 21, pp. 14 – 7; J. Breasted, Op. Cit., pp. 471 – 87.
769
F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 14, pp. 14 – 5.
770
Ibidem, nº 15, p. 15.
771
I. E. S. Edwards, Op. Cit, pp. 54 e 71. Ver mesma ideia no Anexo 2.1, linhas 14 – 5.
772
Tabuinha de madeira de Berlin. Inv. 23308. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 5, p. 2.
168
anexo 2.1 inclui os perigos das viagens773, dos meteoritos774, do gozo e das más palavras775 e
da ‘evil colour’776. E o L.6 (BM 10587) refere também a miséria, a violência e a prisão777.
Notas finais
773
Ver Anexo 2.1, linhas 29 – 30 e 34 – 36.
774
Ver Anexo 2.1, linha 6.
775
Ver Anexo 2.1, linhas 12 – 3.
776
Ver Anexo 2.1, linha 15.
777
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 43.
169
IV. 3. O espaço ritual doméstico
Sabemos já quais os deuses a que o crente egípcio recorria, conhecemos também quais
as motivações que o levavam a agir e chegamos agora ao momento de conhecer o lugar que as
condutas religiosas ocupavam no lar, o que chamámos de espaço ritual doméstico.
Primeiro, a análise será dividida em duas fases: antes e a partir do Império Novo. Tal
como já foi explanado, existe uma diferença quantitativa significativa das fontes nestas duas
fases e o Império Novo é a época de Deir el-Medina e Tell el-Amarna e de tudo o que isso
significa. Assim, interessa perceber o antes e o depois para perceber diferenças e até se estas
correspondem a um grande desenvolvimento desta prática religiosa.
Segundo, os dados e as conclusões que iremos apresentar não permitem nem devem
conduzir a generalizações. Deve ficar claro que cada caso é um caso e, quando muito,
poderemos identificar proximidades estruturais e funcionais. Não é possível perceber
paradigmas num mesmo povoado (com excepção de Deir el-Medina e Tell el-Amarna) e
muito menos ainda em cada período considerado. Na prática, pretendemos apenas ilustrar o
que existia com base nas fontes recolhidas.
Por fim, a construção do que seria o espaço ritual doméstico partirá de dois tipos de
vestígios: as estruturas arquitectónicas fixas e as decorações, por um lado, e por outro, os
objectos do mobiliário e equipamento ritual. Esta análise pretende demonstrar que existem
casos com um espaço físico determinado e delimitado mas, também, era possível que esse
espaço fosse criado, de acordo com as situações, pela conjugação dos elementos necessários.
A fase designada ‘antes do Império Novo’ vai desde o início do Período Dinástico até
ao Segundo Período Intermédio e compreende:
170
Dez povoados em que foram identificadas peças de mobiliário e equipamento
ritual (Abidos - Kom es-Sultan, Abidos Sul, Buhen, Elefantina, Lahun,
Mirgissa, Semna, Shalfak, Tell el-Daba’a e Uronarti)
No ponto III.3.3.1 fizemos uma breve apresentação dos altares considerados. Agora
iremos tentar posicioná-los no contexto onde se inseriam, de modo a tentar perceber o lugar
que ocupavam na casa.
Em Askut foram identificados dois altares, um datado do Império Médio (Final da XII
Dinastia/Início da XIII Dinastia) e outro com datação incerta entre o fim do Segundo Período
Intermédio / Inicio do Império Novo. Este segundo será considerado no ponto seguinte.
Este povoado, um forte da Núbia, viveu duas fases diferentes de ocupação. O altar
mais antigo corresponde ao período que medeia entre a primeira e a segunda fase, período que
S. T. Smith afirma corresponder à chegada dos primeiros povoadores permanentes778.
A estrutura que designamos de altar é uma construção composta por um nicho para
colocação de estela, modelado a estuque e encimado por uma cornija de tipo egípcio, em
frente do qual existia um banco(?) para colocação do material de apoio ao culto779.
Encontrava-se na sala 12 do sector sudoeste do povoado780 que S. T. Smith considera ser uma
sala de recepção e de reunião familiar781. A existência de um fragmento de uma estela,
associada ao culto dos antepassados, na sala adjacente ao altar, e que o mesmo autor acredita
ser a que seria usada na estrutura782, leva a que se atribua ao conjunto uma funcionalidade
relacionada com esta conduta religiosa783.
778
S. T. Smith, Op. Cit., 1995, p. 66.
779
Ver anexo 6, Fig. 312 com uma possível reconstituição deste espaço.
780
Ver anexo 5.1, Fig. 25. Zona marcada a cinza na planta do Império Médio.
781
Cf. S. T. Smith, Op. Cit., 2003, p. 128.
782
Cf. S. T. Smith, Op. Cit., 1993, p. 66.
783
Cf. Ibidem.
784
Estas peças estão estreitamente ligadas ao contexto funerário e daí que a sua presença em casa foi vista como
uma reutilização. No entanto, S. T. Smith afirma: “Although usually considered a purely funerary artefact, they
also appear, along with stelae and statuary, at Kahun, Buhen, and other settlement sites. Their presence in a
domestic context is usually explained as the result of looting from nearby cemeteries or temples for re-use as
children’s playthings or architectural components. This is rather unlike at Askut, however, since to loot the
171
queimadores de incenso786. Assim, podemos conceber que, neste espaço habitacional em
concreto, além do altar, provavelmente dedicado ao culto dos antepassados, fosse, também,
usada uma bandeja de oferendas para a realização das mesmas e até um queimador de incenso
para os ritos cultuais ou até para purificação da casa787. Mas, podemos ir além, e imaginar
que, se estas peças existiam em número significativo, elas seriam, também, usadas em casas
onde não havia uma estrutura arquitectónica ritual. E, neste caso, seria o mobiliário a criar o
espaço ritual doméstico.
Em Lisht sabemos que existiam altares domésticos, no entanto não temos um número
concreto. Recuperamos uma citação já usada de A. Mace sobre os altars de Lisht: “In many of
the houses seems to have been a shrine, in which was placed the rough limestone figure of the
household god.”788 Deste modo, não nos é possível avaliar em que medida esta estrutura era
ou não comum nas casas do povoado. Em concreto conhecemos apenas o caso da casa A 1.3,
localizada no limite ocidental do povoado, provável habitação de um artesão, que tinha as
características típicas das casas do local na XIII Dinastia789 e que apresentava um altar na
chamada sala H que seria o núcleo da casa790. O altar consistia num pedestal de tijolo
posicionado no lado Este do pilar mais a Sul da sala. Em cima do pedestal encontrava-se uma
estela: “Against the eastern side of the southern pillar was a brick massive on which a
fragment of a inscribed limestone stela was found. The structure may be interpreted as a
household altar, possibly dedicated to the deceased ancestors represented on the stela.”791 A
estela terá sido feita por Ankhu para seu pai Mentuhotep792. Assim, tal como em Askut, este
altar doméstico estaria associado ao culto dos antepassados.
Lisht não fez chegar até nós peças de mobiliário e equipamento ritual. Neste povoado
podemos apenas referir a existência de figuras / estatuetas(?) humanas, animais e deuses. A.
Mace, ao falar dos altares, refere que estes seriam usados para a colocação de estatuetas de
cemetery requires a boat trip to opposite bank of the river, and there is no temple or chapel attested from middle
kingdom.” S. T. Smith, Op. Cit., 1995, p. 66. Ver anexo 5.4.6, Fig. 276.
785
“Several fragments of pottery offering trays of a type attested from funerary contexts in Egypt were
associated with Middle kingdom domestic contexts at Askut.” S. T. Smith, Op. Cit., 2003, p. 128.
786
“Incense burners were a particularly common form found regularly in Middle kingdom and later contexts.
This type almost always has evidence of actual burning, occasionally accompanied of resinous incense
residues.” Ibidem.
787
Cf. Ibidem. Ver anexo 6, Fig. 312.
788
A. Mace, Op. Cit., p. 12.
789
Cf. F. Arnold, Op. Cit., 1996, p. 15.
790
Cf. Ibidem, p. 17. Ver anexo 6, Fig. 313.
791
Ibidem, p. 17.
792
Cf. F. Ibidem, p. 17. Originalmente no Metropolitan Museum of Art (MMA 22.1.9), agora em colecção
privada.
172
deuses das quais deixa apenas uma imagem793. Assim, além de usados para o culto dos
antepassados – identificado pela estela – os altares poderiam ser também usados para cultuar
deuses, ainda que, neste caso, seja apenas uma suposição.
Em suma, havia uma casa em Lisht, da qual temos uma imagem completa, onde foi
identificado um altar, na sala central, que pela presença de uma estela, foi associado ao culto
dos antepassados. No entanto, não temos informações/dados adicionais sobre as práticas desta
casa, nem dados sobre as outras casas onde sabemos que também poderiam existir altares.
793
Cf. A. Mace, Op. Cit., p. 6, Fig. 3.
794
Cf. F. D. Dunham, Op. Cit., 1967, p. 144. Ver anexo 5.1, Fig. 16 (assinalado).
795
Cf. D. Dunham, Op. Cit., p. 149, Pl. LXXVIII.B e LXXIX.A. Ver Anexo 5.2, Fig. 48.
796
Ver anexo 5.1, Fig. 16 (assinalado).
797
Cf. D. Dunham, Op. Cit., p. 148, Pl. LXXIX.B, LXXX.C.
798
Cf. Ibidem, peça 32-1-161.
799
Cf. F. Arnorld, Op. Cit., 1996, p. 15.
173
criança um papel de intermediário entre o terrestre e o divino, a sua presença na casa poderia
também fazer parte do espaço ritual doméstico. Não teria um cariz utilitário mas,
provavelmente, potenciador.
De notar que, em nenhum dos altares, ao contrário de Askut e Lisht, foram localizados
materiais associados que permitam perceber o uso que lhes era dado. Isto é, se nos povoados
anteriores as estruturas foram identificadas como estando associadas ao culto dos
antepassados em casa, em Mirgissa não sabemos se os beneficiários do culto eram também os
mortos, se eram os deuses ou ambos.
800
Cf. M. Bietak, Op. Cit., p. 32; V. Muller, Op. Cit., p. 799.
801
Cf. M. Bietak, Op. Cit., pp. 137-8; V. Muller, Op. Cit., p. 799.
802
Cf. V. Muller, Op. Cit., p. 799.
174
Assim, Askut, Lisht, Mirgissa e Tell el-Dab’a são os quatro povoados, anteriores ao
Império Novo, onde foram identificadas estruturas arquitectónicas – altares e nichos –
relacionadas com práticas religiosas em casa. Como referimos de início, não é possível tirar
conclusões de dados tão esparsos. A imagem criada é pouco nítida. Em concreto sabemos que
havia um espaço ritual numa casa de Askut, vários, ainda que só um caracterizado, nas casas
de Lisht, dois nas zonas habitacionais de Mirgissa e diversos em Tell el-Dab’a.
Podemos, ainda assim, inferir, dos dados disponíveis, que ter uma estrutura
arquitectónica em casa, dedicada ao culto doméstico, não era a regra. E que, a existir, o mais
provável era estar localizada numa divisão central da casa – como acontecia em Askut, Lisht e
Mirgissa. E podemos, também, perceber que esta não era uma escolha geograficamente
localizada uma vez que temos, no Império Médio, altares desde o Delta, passando pelo
Fayum, até aos fortes egípcios na Núbia.
Ao contrário das estruturas que estão atestadas apenas no Império Médio, a presença
de mesas de oferendas recua ao Primeiro Período Intermédio (Abidos – Kom es-Sultan),
estando também referenciadas em Elefantina, Abidos Sul, Buhen803, Lahun804, Mirgissa805,
Semna, Shalfak e Uronarti. Kom el-Fakhry apresenta um modelo composto a que voltaremos
à frente. Os suportes e/ou queimadores de incenso, como vimos, existiam em Askut, mas
também em Lahun806 e Kom el-Fakhry807. Em Shalfak e Lahun identificaram-se também duas
bacias potencialmente usadas durante o culto808.
Estes objectos, que só por si podem parecer pouco expressivos, posicionados em casa,
provavelmente associados a estelas e/ou estátuas/estatuetas de divindades, criavam, só por si,
803
Ver anexo 5.4.6, Fig. 277.
804
Ver anexo 5.4.6, Fig. 275.
805
Ver anexo 5.4.6, Fig. 278.
806
Ver anexo 5.4.6, Figs. 279 a 284.
807
Ver anexo 5.4.6, Fig. 285.
808
Ver anexo 5.4.6, Figs. 272 e 273.
175
o contexto necessário para que o culto fosse concretizado. Se pensarmos, por exemplo, nos
queimadores de incenso, o seu uso teria um papel de grande relevo. Vejamos o que nos diz K.
Szpakowska: “As an offering to the gods and to sanctify a space, the Egyptians therefore
burned incense to create an atmosphere that was both suitable for reverence and inviting the
gods. Indeed, the Egyptian word for incense is ‘senetjer’, which means ‘to cause to be divine’.
[...] In Lahun, the heady aroma of incense would have wafted through homes as well as
temples, a continual reminder of the numinous presence of the divine.”809
No que respeita à decoração da casa, datada deste período, chegou até nós apenas um
810
registo com um cariz potencialmente religioso. Trata-se de uma pintura, numa casa de
Lahun, identificada por W. F. Petrie. Como já referimos no âmbito da análise às decorações, é
uma pintura parietal policromática (vermelho, amarelo, branco e preto) com diferentes
elementos, mas em que o enfoque recai sobre duas figuras que se encontram no centro do
primeiro nível da imagem, uma sentada, de maior dimensão, e a outra mais pequena. A figura
sentada estará a receber oferendas colocadas em mesas à sua frente811.
Podemos considerar que esta pintura não só ilustrava uma conduta religiosa como
poderia ser o enquadramento para a sua realização em casa. A imagem, não só demonstra a
realização de oferendas, como delimita um espaço onde a ambiência religiosa seria propícia.
F. Arnold aponta esta realidade da seguinte forma: “Even in the smallest houses of
Middle kingdom a small square side chamber reached from the entrance chamber is seldom
missing. Ricke believed that a guard watched the entrance from this room but this explanation
seems unlikely in the case of small dwellings. One is rather reminded of the raised shrine with
outside staircase located in the entrance chamber of many New Kingdom houses.”813 O autor
809
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 136. Ver anexo 5.4.6, Figs. 279, 280, 281, 282, 283, 284 e 288.
810
W. F. Petrie refere ainda outro exemplo decorativo parietal, no entanto, nesse caso a natureza religiosa não é
evidente, portanto optámos por não o considerar. Cf. W. F., Petrie, Op. Cit., 1891, p.7, PL. XVI-6 e S. Quirke,
Op. Cit., 2005, p.85-6.
811
Ver anexo 5.3, Fig. 95.
812
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 18.
813
F. Arnold, Op. Cit., 1989, p. 82. Ver Anexo 5.2, Fig. 50.
176
valida a sua teoria recorrendo à questão do posicionamento em casa, da decoração e de certas
teorias de funcionalidade numa lógica comparativa com Deir el-Medina e Tell el-Amarna.
Esta interpretação não é exclusiva de Lahun uma vez que o autor aponta a mesma
realidade para Lisht onde identifica a mesma divisão mas, neste caso, socorre-se na sua
interpretação da presença de objectos religiosos: “Religious objects, such dwarfs,
hippopotami, lions and crocodiles are sometimes found at Lisht in or near such side rooms,
possibly indicating the existence of household shrines.”814
Como fica patente, estamos apenas no domínio das hipóteses não tendo sido
identificado material efectivo que ateste nenhuma das duas teorias. Referimo-las aqui com o
intuito, apenas, de ser possível ter uma perspectiva mais completa da questão. Contudo, estas
teorias têm de relevante a crença na existência de um espaço de cariz religioso nas casas do
Império Médio, isto é, há um admitir de uma realidade que à partida não seria óbvia mas que
as fontes apontam como válida.
814
F. Arnold, Op. Cit., 1996, p. 15.
815
Cf. D. O’Connor, Op. Cit., 1997, p. 394.
816
Cf. Ibidem.
817
Cf. Ibidem. Ver Anexo 5.2, Fig. 53.
177
existia uma montagem composta por uma estela e uma mesa de oferendas 818 cuja
identificação como um espaço de culto, dedicado aos antepassados, é evidente.
Na verdade, podemos dizer que este conjunto é o mais completo e explícito espaço
ritual doméstico anterior ao Império Novo. A estela e a mesa de oferendas são bastante claras
no seu propósito e o facto de estas terem associadas a si uma estatueta do casal cultuado e
fragmentos de uma estatueta que, tendo em conta a sua semelhança com as de Lahun, seria
usada como suporte de oferendas ou queimador de incenso, cria um espaço óbvio de culto aos
antepassados. Certamente que se trata de caso único, contudo, mesmo sendo uma conjugação
singular, o ‘altar’ de Kom el-Fakhry atesta de forma indubitável aquilo que outros espaços
menos eloquentes deixam apenas entrever – a existência de espaços domésticos definidos,
dedicados ao culto.
Em suma, a existência de um espaço ritual doméstico nas casas dos povoados egípcios
anteriores ao Império Novo não é uma possibilidade, é, sim, uma realidade atestada ainda que
os vestígios existentes não permitam a formulação de um paradigma.
As estruturas identificadas, incluindo Kom el-Fakhry, apontam para que, a haver uma
construção física, esta ocupará, tendencialmente, um espaço central da casa. E esta lógica
poderia, também, ser seguida na utilização dos objectos de mobiliário e equipamento
doméstico. E, essas mesmas estruturas, apontam de forma muito clara para um culto
doméstico dos antepassados mais que para um culto a divindades, ainda que estas estejam
atestadas, em Askut, Lahun e Semna, em estelas, estatuetas e figuras e modelos com
representação de divindades.
Quando chegamos ao Império Novo, no que às fontes para o estudo do espaço ritual
doméstico diz respeito, a situação altera-se.
818
Cf. A. Tavares, M. Kamel, Op. Cit., 2011, p. 6. Ver Anexo 5.2, Fig. 52.
178
Sete povoados com peças de mobiliário e equipamento ritual (Askut, Deir el-
Medina, Karnak, Kom Rabia, Medinet Habu, Sais e Tell el-Amarna)
Para a análise desta temática consideramos que devemos dividir os povoados em dois
grupos, um que inclui Deir el-Medina e Tell el-Amarna, onde o número e as características
dos vestígios permitem uma imagem bastante clara do lugar que a religião teria em casa –
sendo que esta realidade leva a que esta caracterização tenha já sido ensaiada em vários
estudos – e outro que inclui os restantes povoados com estruturas arquitectónicas, decorações,
mobiliário e equipamento ritual, onde o que conseguimos obter é muito próximo do que é
possível nos povoados anteriores ao Império Novo.
Comecemos por voltar a Askut onde, como já dissemos, existia, para além de um altar
do Império Médio, um outro cuja datação se posiciona entre o Segundo Período Intermédio e
o Império Novo819. Trata-se do altar da casa de Meryka no sector Sudoeste do povoado. S. T.
Smith fala dele nestes termos: “A small altar was built at this level in room 32a, and was
connected to an earlier drainage pot set flush to the tile floor. When found it still contained a
funerary stela dedicated by Meryka. [...] The layout of the building, is clearly domestic in
character, similar to moderate to large sized mansions at Amarna. Nothing in the associated
finds would suggest anything more than a household shrine, the earliest example of a type
well known from later New Kingdom in houses at Deir el-Medineh and Amarna.”820
Estamos perante um altar que consiste num nicho para estela e numa elevação frontal
para libações. Na base existia um dreno permitia que os líquidos escorressem para vasos.
Duas perfurações apontam a existência de um dossel em madeira que protegeria a estela821.
Além de uma estela, de composição rude, com inscrição em hieróglifos pouco legíveis
onde é perceptível a fórmula standard de oferenda e a representação de duas figuras na parte
inferior, dedicada a um homem chamado Meryka, claramente associada ao culto dos
antepassados822, foram também encontrados, em associação com este altar, dois queimadores
de incenso, a cabeça de um leão em faiança823 e uma fruta pérsea no dreno. Sobre esta o autor
diz: “A small blue faience model of a persea fruit from the drain also reflects cultic activity,
since the persea was a sacred tree often used for religious bouquets.”824 Próximo do altar
819
Cf. S. T. Smith, Op. Cit., 1995, p. 102 e S. T. Smith, Op. Cit., 1993, pp. 498 – 500. Ver anexo 5.1, Fig. 25.
820
S. T. Smith, Op. Cit., 1993, p. 497.
821
Ver anexo 5.2, Fig. 49.
822
Cf. S. T. Smith, Op. Cit., 2003, p. 130.
823
Ver anexo 5.4.2, Fig. 174.
824
S. T. Smith, Op. Cit., 2003, p. 131.
179
encontrou-se ainda uma figura feminina de tipo núbio825 – fruto da interculturalidade do local
– que revela também a presença de rituais relacionados com a fertilidade826.
Esta conjugação de um altar, com uma evidente ligação ao culto dos antepassados,
com uma figura feminina, ligada à questão da fertilidade, vem ao encontro de duas ideias já
antes referidas. Por um lado, a oferenda da figura feminina a um antepassado poderia
testemunhar o recurso aos mortos para que fossem concedidos filhos, mas por outro lado,
pode ir mais longe e entrar na lógica nascimento/renascimento, e aí a oferenda era uma forma
de potenciar o renascimento dos mortos, assim como o nascimento de novos membros da
família que continuassem a assegurar o culto.
Este altar, tal como o mais antigo do mesmo povoado, apresenta uma reunião de
elementos que, mais uma vez, permite uma visualização, mais ou menos clara, do espaço que
na casa de Meryka era devotado ao culto827, isto é, um altar com estela dedicado aos
antepassados, onde seriam feitas libações, queimadores de incenso, fragmento de uma figura
de animal (oferenda ou representação de deus a ser cultuado?) e oferendas (fruto e figura
feminina).
825
Cf. S. T. Smith, Op. Cit., 1993, p. 499.
826
Ver anexo 5.4.2, Fig. 211 (em baixo).
827
Ver anexo 5.2, Fig. 49.
828
S. T. Smith, Op. Cit., 2003, p. 133. Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 5.
180
Agora subimos até à região de Mênfis, ao povoado de Kom Rabia, ocupado no
Império Novo e Terceiro Período Intermédio, onde foram identificados dois prováveis altares
e um pequeno nicho, todos datados do Império Novo. Sabemos que são estruturas encontradas
em zonas habitacionais, no entanto não temos dados concretos sobre cada casa em particular.
O primeiro altar é composto por uma plataforma em tijolo associada a uma mesa de
apoio829. Nesta estrutura foi identificada uma estela dedicada a Ptah. Possivelmente trata-se de
uma estela descrita por L. Giddy: uma estela de topo arredondado com vestígios de decoração
gravada da qual resta apenas a parte inferior de uma divindade mumificada (Ptah?), virado
para a direita, com uma estrutura à sua frente. Presença ainda de uma ave (falcão ou abutre)
que sugere a presença de uma figura real. Mas a presença da ave não é clara. Ignorando esta
ave, a estela aproxima-se do género usado no culto aos antepassados830.
Sobre o nicho sabemos apenas que era de pequenas dimensões e se encontrava na zona
de entrada da casa onde pouco mais foi identificado832.
Assim, as estruturas pouco nos dizem sobre o espaço ritual neste povoado. Contudo,
temos outros vestígios um pouco mais expressivos, como, por exemplo, fragmentos de quatro
mesas ou bandejas de oferendas, que como sabemos, eram usadas em práticas cultuais. Neste
povoado foram identificados 132 exemplares de figuras e modelos (setenta e três animais,
maioritariamente cobras; sete deuses, maioritariamente Bes; cinquenta e duas figuras
antropomórficas, maioritariamente femininas). Deste modo, apesar de não podermos
realmente entender o espaço ritual, sabemos não só da existência de altares como também de
um grande número de objectos potencialmente usados como oferendas, e no caso das figuras
de deuses, provavelmente receptores de culto. Acresce a isto a localização de um busto
antropóide, datado do Terceiro Período intermédio, o que atesta, também, o culto aos
antepassados neste povoado.
Em Medinet Habu a situação não é muito diferente, sendo que o valor acrescido aqui
advém do facto das três estruturas identificadas serem mais elaboradas e mais claramente
829
Cf. D. Jeffreys, Op. Cit., p. 25.
830
Cf. L. Giddy, Op. Cit., pp. 300 – 301, Pl. 66.
831
Cf. D. Jeffreys, Op. Cit., p. 15.
832
Cf. Ibidem, p. 24.
181
identificáveis enquanto altares, ainda que, infelizmente, lhes faltem objectos associados que
enriqueçam a interpretação.
Outra estrutura arquitectónica deste povoado foi identificada numa casa do Terceiro
Período Intermédio e, apesar de apresentar grande semelhança com as do Império Novo – é
uma plataforma acedida por dois degraus na sala central da casa839 – U. Hölscher identifica-o
assim: “The main room contained a relatively high dais with two steps in front of it.”840
833
Ver anexo 6, Fig. 314.
834
Ver anexo 5.2, Fig. 73.
835
U. Hölscher, Op. Cit., 1939, p. 69.
836
Cf. Ibidem.
837
Cf. Ibidem, pp. 69 – 70.
838
Ver anexo 5.2, Figsw. 76 a 79.
839
Ver anexo 5.2, Fig. 74.
840
U. Hölscher, Op. Cit., 1945, p. 7.
841
Ver anexo 5.4.4, Fig. 257.
842
Ver anexo 5.4.4, Figs. 261 – 262.
843
Ver anexo 5.4.2, Figs. 228 – 229.
182
características daqui. Ambas as tipologias estariam relacionadas com a fertilidade, que era
também a motivação subjacente às figuras femininas identificadas neste povoado844.
E. Teeter afirma: “Objects from houses indicate that the Egyptians were surrounded
by comforting reminders of the power of the gods to protect them, to give fertility, and to
ensure their afterlife.”845 Infelizmente, se a presença dos deuses, e mesmo dos antepassados,
está atestada, e se as motivações também são percetíveis, a verdade é que mais uma vez nos
escapa uma imagem nítida do espaço ritual doméstico.
Por fim, chegamos a Tell el-Muqdam, povoado ocupado na Época Baixa, de onde nos
chegaram diversos vestígios. Uma vez que grande parte deles não estão publicados, a
informação foi gentilmente cedida por C. Redmount (Universidade da Califórnia, Berkeley).
As estruturas de Tell el-Muqdam são três altares do tipo pedestal, em calcário, em três
áreas diferentes sobre as quais não temos dados adicionais. Os altares apresentavam sinais de
uso. Na área CS2, do primeiro altar, encontrou-se também uma figura masculina e amuletos
do deus Bes. Na área CS3 identificou-se o fragmento de uma estatueta humana, duas figuras
animais, duas figuras de deuses, três figuras humanas, uma figura masculina de cariz erótico e
um amuleto da deusa Taueret. Na área CS6 encontraram-se quatro figuras femininas. Não
foram identificadas peças de mobiliário e equipamento ritual no povoado. Em suma, não é
possível reconstituir o espaço ritual doméstico de Tell el-Muqdam com os dados disponíveis.
Sabemos apenas que a presença de altares estava prevista e que estes tinham uma formulação
mais próxima da dos pedestais mais comuns do Império Médio do que das plataformas
escalonadas do Império Novo.
Assim, com base nos dados dos quatro povoados anteriores, percebemos que, embora
o período a partir do Império Novo seja mais prolífero em fontes, a imagem que é possível
construir sobre o espaço ritual doméstico é pouco concreta, tão ou menos nítida que a
permitida pelos povoados anteriores ao Império Novo.
844
Ver anexo 5.4.2, Fig. 217.
845
E. Teeter, Op. Cit., 2002, p. 6.
846
Ver anexo 5.3, Fig. 96.
847
Ver anexo 5.3, Fig. 97.
183
forma de delimitar um espaço religioso, no entanto, eles ajudam a posicionar a religião no
contexto doméstico. Este tipo de decoração é uma novidade deste período e uma forma
acrescida de homenagear os deuses que, nestes casos, não são as habituais divindades
domésticas, como Bes ou Taueret, mas sim deuses maiores do panteão egípcio.
Se olharmos agora para os povoados que não tinham estruturas arquitectónicas mas
sim outro tipo de vestígios, mais concretamente, mobiliário e equipamento ritual, temos
apenas presenças em Karnak e Saís.
Em Karnak temos duas bacias semi-circulares que seriam usadas como auxiliares ao
culto e em Saís temos um exemplar de uma mesa de oferendas. Deste modo, para os povoados
do Império Novo, os elementos desta tipologia não podem ser um auxílio à compreensão da
questão do espaço ritual doméstico dada a sua escassez e pouca expressividade.
Passamos agora a Deir el-Medina e Tell el-Amarna, os dois povoados dos quais se diz
habitualmente serem os únicos onde é realmente possível conhecer a Religião Doméstica no
Egipto antigo. Como já vimos, esta não é uma verdade absoluta, no entanto, é inegável, pelas
fontes provenientes destes povoados, que há, efectivamente, aspectos em eles se destacam dos
restantes. E este é o caso do espaço ritual doméstico.
848
Cf. L. Lesko (ed.), Pharaoh's workers: the villagers of Deir el Medina, New York, Cornell University Press,
1994, p. 2.
184
casas com estes tipos de vestígios e as diferentes conjugações existentes. Foram encontradas
fontes em cinquenta e cinco (78%) das cerca de setenta casas deste povoado, e destas,
cinquenta e uma (72%) tinham estruturas arquitectónicas e decorações.
Nesta lista percebemos que tanto é possível que os elementos apareçam sozinhos como
em conjunto de até três diferentes estruturas na mesma casa. Sendo possível, também, a
existência de mais do que um exemplar de cada estrutura. Em algumas situações temos ainda
a presença de decorações.
Em termos de posicionamento de cada uma das estruturas nas divisões da casa ela é
perceptível na reconstituição habitualmente feita das casas deste povoado849. Sobre esta
questão considerar o gráfico 14 e a tabela 28.
As Box Bed localizavam-se, regra geral, na primeira divisão da casa com excepção de
nove exemplares localizados noutras salas (segunda, terceira e quarta). A presença desta
estrutura e a sua suposta ligação à fertilidade e à vida feminina definiu a natureza desta sala:
“La première pièce est généralement décrite comme la chambre du lit clos. […] Cella
confirme qu’un culte domestique, s’articulant autour des femmes adultes, avait pour cadre la
pièce de devant dans les maisons de Deir el-Medineh.”850
849
Ver anexo 5.2, Fig. 54 e Anexo 6, Fig. 315.
850
L. Meskell, Op. Cit., 2002, pp. 135 – 6.
185
Gráfico 14 – Distribuição das estruturas arquitectónicas pelas salas das casas de
Deir el-Medina
35
Altares
30 29 Box Bed
Nichos
25
Portas falsas
20
15
12
10
6 5 5 5 5 5
5 3 3
1 1 1 1 1
0
Sala 1 Sala 2 Sala 3 Sala 4 Cozinha
L. Meskell atribui à primeira sala das casas de Deir el-Medina uma natureza
marcadamente feminina e à segunda sala uma natureza masculina, caracterização que, de
acordo com a autora, se baseia, essencialmente, nos vestígios de natureza religiosa 851 com
especial enfoque para as Box Bed e para a imagética na decoração destas estruturas, que,
como vimos anteriormente, está muito direccionada para a fertilidade e o nascimento.
Numa lógica que vê as Box Bed como espaços relacionados com a vida feminina, a
fertilidade, o parto e o nascimento, a sala assume a sua natureza e é vista como um espaço
com um potencial cariz ritual particularmente associada aos filhos.
A. Koltsida, propondo uma outra perspectiva, afirma: “Besides the fact that it seems
most unlikely that such activities would have taken place in the most public part of the house,
which was also dedicated to dusty activities such as grinding or animal-keeping, the
similarities of these structures to the domestic altars, usually placed in the central room of the
large Amarna villas, are considerable, and it seems conceivable that they served as domestic
shrines, placed in the front instead of the middle room of the house, owing to the lack of space
in the latter.”852
851
Cf. Ibidem, p. 146.
852
A. Koltsida, Op. Cit., 2007, p. 124.
186
Tabela 28 – Distribuição das estruturas arquitectónicos e das decorações pelas casas de
Deir el-Medina
187
Assim, e tal como já afirmámos, as Box Bed serão, mais provavelmente, uma
conjugação dos dois aspectos, isto é, um altar mas que estaria especificamente direccionado
para a problemática dos filhos. E, deste modo, o primeiro espaço da casa seria já um espaço
de natureza religiosa cujo enfoque, muito provavelmente, recairia sobre a procriação.
Esta imagem pode ser enriquecida pelo recurso a outras estruturas existentes na
primeira divisão da casa, assim como objectos aí identificados. Vejamos a lista abaixo.
853
Cf. B. Bruyère, Op. Cit., 275.
854
Ibidem, p. 330.
855
Anexo 2.2, Fig. 10.
856
No caso dos altares é necessário ter em mente que os vestígios que temos que nos permitem identificar a
existência desta estrutura na casa são objectos, fragmentos de lintéis e/ou portas que atestam a sua existência mas
que na maioria dos casos não permitem um posicionamento claro na estrutura da casa.
188
confirmarem a inclinação para a questão da fertilidade e dos filhos, abrem também o espaço
ao culto dos antepassados857 e de divindades.
Poderá ser argumentado que, sendo portáteis, estes objectos poderiam estar na
primeira sala de passagem e que sendo as decorações fixas elas terão mais valor na
caracterização do espaço. Contudo, a presença de tais vestígios obriga a que se ponderem
todas as possibilidades e, tendo em conta a conjugação de todos os elementos, a primeira sala
das casas de Deir el-Medina apresenta-se como um espaço ritual doméstico cujas áreas de
actuação poderiam ser bastante mais abrangentes do que à partida parece mais óbvio.
A segunda divisão da casa poderia ter três diferentes tipos de estruturas: altares, nichos
e portas falsas. Concretamente, temos dezasseis casas com estruturas nesta sala:
Em suma, temos cinco nichos, doze portas falsas e quatro altares na segunda sala da
casa de Deir el-Medina. No que respeita aos objectos, esta sala é, por comparação com a
primeira, significativamente menos prolífera:
857
S. Donnat aponta a presença dos três bustos na primeira sala como um elemento que reforça a possibilidade
dos bustos representarem antepassados femininos, e neste caso, apesar do espaço também contemplar o culto dos
antepassados, o enfoque do espaço continuaria, neste aspecto, a ser essencialmente feminino. Cf. J. L. Keith-
Bennett, Op. Cit., 2011, p. 96.
189
Bairro C, Casa V Fragmento de ex-voto (pequena estela com homem ajoelhado)858
Estela
Bairro C, Casa VI Estela com os deuses Khepri e Aha e homem de joelhos em adoração
Bairro C, Casa VII Figura de crocodilo em madeira
Estatueta masculina
Bairro NO, Casa XV Uma mesa de oferendas (culto de antepassados)
Bairro SO, Casa III Fragmento de máscara de Hathor
L. Meskell atribui a esta divisão uma utilização essencialmente masculina com base no
que chama de uma imagética masculina e na presença de bustos de antepassados 859. No
entanto, os únicos bustos cuja proveniência está assegurada vêm da primeira sala. A
suposição do posicionamento na segunda divisão da casa ficará apenas a dever-se à existência
de estruturas que parecem preparadas para os receber, como os nichos e os altares.
As próprias portas falsas parecem, para alguns estudiosos, apontar para um enfoque no
culto dos antepassados, ainda que uma função religiosa mais lata também seja proposta860.
Assim, uma perspectiva mais lata da utilização religiosa da segunda sala parece fazer
sentido. A. Koltsida afirma: “This room undoubtedly served as the main living room of the
house, where people sat and relaxed, on chairs and stools placed on the dais or the floor, or
directly squatting on a mat pat on the dais. [...] It was also the area where prayers would be
conducted to the divine, and rituals would be performed (connected with the stelae and/or
ancestral busts).”862
Sobre esta divisão deve ainda ser referido que existem cinco casas em que B. Bruyère
identificou a existência de Box Bed863. Como já referimos, este autor considera que este
posicionamento fica a dever-se a uma reestruturação da planta original da casa, ou seja, apesar
de ser a segunda divisão, o espaço seria o equivalente ao das primeiras salas das outras casas.
858
Ver anexo 5.4.4, Fig. 259.
859
L. Meskell, Op. Cit., 2002, pp. 138, 144, 146.
860
L. Meskell, Op. Cit., 2004, p. 69; L. Weiss, Op. Cit., pp. 197 e 203.
861
A. Mariette, Op. Cit., Pl. 60. Ver anexo 5.4.3, Fig. 244 e anexo 6, Fig. 319.
862
A. Koltsida, Op. Cit., 2007, p. 124.
863
Bairro NE, Casa I; Bairro NE, Casa VIII; Bairro NO, Casa VIII; Bairro SE, Casa IV e Bairro SO, Casa I.
190
Se tivermos em conta a planta das casas de Deir el-Medina geralmente apresentada864
estas eram as duas divisões onde se encontravam as estruturas arquitectónicas de cariz ritual –
na primeira sala estariam as Box Bed e também altares e/ou nichos, na segunda sala existiriam
nichos, altares e portas falsas. No entanto, porque nem todas as casas seriam exactamente
iguais, porque as casas foram sofrendo alterações ou porque as preferências pessoais podem
ter tido algum peso nas escolhas, a verdade é que encontramos também estruturas religiosas
noutras divisões da casa. Vejamos as situações na lista abaixo:
Deste modo percebemos que as estruturas rituais, quando existiam, apesar de terem
uma localização mais habitual, não tinham uma obrigatoriedade de posicionamento. Seguindo
a logica do pensamento de A. Koltsida, provavelmente seria a função da sala a decidir a
colocação das estruturas e não a sua ordem na organização da casa.
864
Ver anexo 5.2, Fig. 54.
191
Tal como afirmado no início, os vestígios de Deir el-Medina permitem uma
perspectiva muito mais completa do que a que temos dos povoados anteriores. Primeiro,
porque temos vestígios provenientes de mais de 70% das casas do povoado – o que é
obviamente melhor do que os casos em que conhecemos apenas fontes de uma ou duas casas
ou até quando não sabemos efectivamente quantas casas estão em causa – e, segundo, por
causa da diversidade e, podemos também dizer, clareza das fontes.
Estas decorações não dão forma a um espaço ritual doméstico, mas ajudam, também, a
posicionar a religião em casa. Estes vestígios demonstram que a casa podia ser o local
escolhido para expressar devoção e que para tal não era necessário uma estrutura específica, a
simples ombreira de uma porta era suficiente para expressar uma crença.
Esta referência às ombreiras das portas torna necessária a análise a uma questão
relacionada com elas, embora, não decorra directamente das fontes estudadas.
K. Szpakowska, na sua obra sobre Lahun, afirma: “Egyptian feared the entry of
potentially hostile entities including demons, and so painted their doors red, a color of power
and protection, as an added deterrent.”866 E mais à frente: “Homes had a practical use, of
course, but their very construction also incorporated religious beliefs and elements that
activated ‘heka’. Front doors, which act as barriers between the safe interior space and the
unpredictable outside world, were often painted red – a powerful apotropaic color that was
able to repel uninvited entities, whether they were earthly creatures such as humans or
snakes, or demons crossing over from the other world.”867
865
Ver tabela 9.
866
K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 26.
867
Ibidem, p. 123.
192
Embora K. Szpakowska nos explique muito claramente o porquê da prática de pintar
as portas de vermelho, a verdade é que não temos qualquer tipo de registo desta prática – quer
se refira às próprias portas quer às suas ombreiras – fora de Deir el-Medina e Tell el-Amarna.
É comum, nas descrições que faz das casas de Deir el-Medina, B. Bruyère referir que
as ombreiras das portas, quer fossem de madeira ou calcário, estavam pintadas de vermelho,
tanto nas portas que davam acesso à rua, como as portas interiores. Vejamos alguns exemplos:
Bairro NE, Casa II, Sala 2: “Porte à huisserie de bois dont il reste un seil en palmier-dattier
et les traces montants de bois peints en rouge (…)”868
Bairro NE, Casa VIII, detritos: “Jambage de porte en calcaire peint en rouge aus nomes de
Qaha et Toui provenant de la porte d'entrée de la maison.”869
Bairro NO, Casa X, Sala 2: “Le mur l'ouest est percé de deux portes encadrées de peinture
rouge (…)”870
Bairro NO, Casa XVIII, Sala 2: “Porte à huisserie calcaire rouge peinte en rouge dont le
jambage sud (…)”871
Em Tell el-Amarna também há registo desta prática ainda que em menor escala.
Sabemos, por exemplo, que as casas T.34.3, T.33.11 e U.33.9, tinham, respectivamente, o
caixilho da janela e as ombreiras das portas pintadas de vermelho872. Além disso, a
Newsletter do Amarna Project de 2008 propõe uma reconstituição de portas e janelas
pintadas de vermelho com base em três outras casas: P.46.11, R.44.2 e U.37.1873.
868
B. Bruyère, Op. Cit., 1939, p. 244.
869
Ibidem, p. 253.
870
Ibidem, p. 285.
871
Ibidem, p. 294.
872
COA II, pp. 65, 71 e 74.
873
B. Kemp (ed.), Horizon, The Amarna Project and Amarna Trust Newsletter, nº 4, 2008, p. 10. Ver anexo 6,
Fig. 316.
874
Cf. Y. Koenig, “Un revenant inconvenant? (Papyrus Deir el-Médineh 37)” in Bulletin de l'institut Français
d'Archéologie Oriental, 79, 1979, pp. 32 – 33; J. F. Borghouts, Op. Cit., 1971, p. 44, Nota 21.
193
Neste contexto interessa perceber o simbolismo da cor vermelha no Egipto antigo. O
vermelho era uma cor ambivalente, simultaneamente perigosa e apotropaica 875. Esta cor tinha
uma forte conotação negativa pelo facto de estar associada ao deus Seth876 e ao mesmo tempo
era uma cor solar, do fogo e do sangue. G. Robins explica: “It is both the color of blood, a
substance that relates to life and death, and of fire, which may be beneficial or
destructive.”877 Assim, era certamente uma cor poderosa para o bem e para o mal. E os
egípcios serviam-se dela para sua protecção. De alguma forma, os dois lados da cor estavam
em acção: protectora dos que estavam em casa, ameaçadora e perigosa para o que vinha de
fora, com más intenções.
875
Cf. G. Robins, “Color symbolism” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. I,
Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, p. 292; G. Pinch, “Red things: the symbolism of colour in
magic” in W. V. Davies (ed.), Colour and painting in ancient Egypt, London, British Museum Press, 2001, p.
183.
876
Cf. J. G. Griffiths, “The symbolism of red in Egyptian religion” in J. Bergman, K. Dynjeff, H. Ringgren (eds.)
Ex Orbe Religionum Studio Geo Widengren XXIV Mense Apr. MCMLXlYII Quo Die Lustra Tredecem Felicitcr
Explevit Oblata Ab Collegis, Discipulis, Amicis, Collegae Magistro Amico Congratulantibus, Pars Prior, Leiden,
1972, pp. 81 – 90.
877
G. Robins, Op. Cit., 2001, p. 292.
194
O segundo povoado peculiar é Tell el-Amarna e este, tal como o anterior, dispensa
apresentações. Sabemos que se trata da nova capital fundada por Akhenaton e devotada ao
deus único Aton, e esta é talvez a informação mais relevante a ter em mente ao analisar os
vestígios da Religião Doméstica provenientes deste povoado. O culto a Aton, através do
faraó e da família real, está claramente patente nas fontes, contudo estas mostram, também,
que o espaço religioso doméstico estava longe de ser dedicado exclusivamente a este deus.
40 Altares em 39 casas
42 Capelas em 42 casas
191 Nichos verticais em 123 casas
39 Lajes de lustração em 38 casas
878
Este valor corresponde ao número de casas com estas conjugações.
195
28 – Capela (sozinha)
4 – Capela + nicho
2 – Capela + nicho + laje de lustração
1 – Capela + laje de lustração
93 – Nicho (sozinho)
25 – Laje de lustração (sozinha)
6 – Nicho + laje de lustração
Como vemos, não existe um paradigma claro que permita inferir uma regra no que
respeita à conjugação dos diferentes elementos. No entanto, no que diz respeito ao seu
posicionamento na casa, a situação já é mais clara:
Em 136 casas existia pelo menos uma estrutura na sala central e em seis casos a
estrutura posicionava-se numa sala associada a esta.
No que respeita às lajes de lustração, embora apenas onze tenham sido identificadas na
sala central, esta estrutura é tida como um elemento característico desta divisão. Por outras
palavras, supõem-se que as lajes de lustração de que não se conhece o posicionamento
estivessem, na verdade, na sala central879. Os nichos verticais marcam também uma forte
presença nesta divisão estando em 102 das 212 casas consideradas. No entanto, neste caso, é
necessário referir que, em pelo menos dezanove casas, os nichos verticais, em números entre
1 e 4, poderiam estar presentes em mais que uma sala da casa em simultâneo: sala central e
galeria Oeste, sala central e hall, sala central e sala quadrada, sala central, galeria Oeste e hall,
sala central, quadrada e hall, hall e sala quadrada e sala quadrada e quarto.
879
Cf. K. Spence, Op. Cit., p. 285; A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 234. Ver anexo 6, Fig. 318.
196
As capelas de jardim, conhecidas, actualmente, em quarenta e duas das casas de Tell
el-Amarna, estendiam à envolvência externa da casa o espaço ritual. Nos jardins destas casas
foram erigidas capelas devotadas ao culto a Aton e à família real, função atestada pelas
decorações identificadas e pelos objectos aí presentes880.
880
Por exemplo, casas O.44.1 e T.35.19. Cf. S. Ikram, Op. Cit., p. 100.
881
Cf. Ibidem.
882
Ver anexo 6, Fig. 317.
197
Os altares, quarenta em trinta e nove casas, maioritariamente posicionados na sala
central, eram um espaço com um cariz religioso diverso. Temos casos em que a ligação à
Religião Oficial da altura é evidente, como por exemplo, o altar da casa de Pahesy (T.41.1),
estrutura de características singulares cuja extraordinária decoração liga indelevelmente ao
culto a Aton e à família real883 ou também o altar da casa P.47.22, que apesar de não ter
qualquer decoração, foi reconstituído por L. Borchardt como sendo usado para a colocação de
uma estela da família real em adoração a Aton884. Mas, a grande maioria, não apresenta
qualquer decoração nem elementos que permitam saber com certeza se eram usados para
cultuar Aton, qualquer outra divindade ou até mesmo antepassados.
Na casa N.49.21, onde a única estrutura existente era um altar, foram também
encontrados objectos com cariz religioso, particularmente, uma estela de calcário com
representação de duas figuras femininas em adoração a Taueret885. Se adicionarmos a isto a
figura feminina de barro e o amuleto em forma de deus Bes, é plausível que, o enfoque das
acções religiosas estivesse nas questões da reprodução. Na casa O.49.9, onde também só
existia um altar, identificou-se uma estela decorada a tinta preta com uma figura do deus Tot
de pé com cabeça de macaco, ou seja, nesta casa reconhece-se um potencial culto a Tot.
Assim, os objectos podem ajudar a perceber a função dada a cada altar.
A função destas estruturas não é totalmente clara. Se for estabelecido um paralelo com
as portas falsas de Deir el-Medina, o seu uso estaria principalmente relacionado com o culto
dos antepassados. No entanto, e apesar da decoração mais comum destas estruturas serem
painéis vermelhos e amarelos, ou totalmente pintados de vermelho e por vezes com bordos
brancos886, existem exemplares com decorações mais elaboradas que aproximam estas
estruturas da religião amarniana. Na casa de Nakht (K.50.1) os nichos da galeria Oeste
estavam decorados com inscrições com a descrição da reputação e méritos do proprietário,
mas também com representações do rei em adoração a Aton e um hino dedicado ao deus. Na
casa N.49.18 repete-se o modelo, com uma inscrição com os méritos do proprietário e um
hino a Aton. Contudo, há ainda outro exemplar decorado cuja temática se afasta desta. Na
883
Ver anexo 5.2, Figs. 80 a 82.
884
Cf. L. Borchardt, Op. Cit, 1923, Fig. 16.
885
Ver anexo 5.4.4, Fig. 253.
886
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 236.
198
casa M.50.16 a composição é menos clara, incluindo duas figuras sentadas e uma terceira de
pé à sua frente, também com presença de flores de lótus. Ou seja, há casos em que a
decoração aproxima os nichos da Religião Oficial, mas também situações em que a temática
da imagem é menos clara e expressiva no seu contexto.
Os objectos das casas com nichos verticais, não nos fornecem dados suficientes para
ser possível aferir motivações e tipo de uso dado a este tipo de estrutura arquitectónica.
Por fim, as lajes de lustração, trinta e nove em trinta e oito casas 888, eram outra
estrutura de utilização pouco clara, sendo que, neste caso, a própria estrutura seria o espaço
usado para o ritual, assumindo que seria usada para libações.
Por não terem decorações nem objectos associados é difícil aprofundar o papel destes
elementos no espaço ritual doméstico de Amarna. O reforço do seu papel religioso vem,
principalmente, de dois casos, um em que a laje de lustração aparece associada a um altar889 e
noutro a dois nichos890. Trata-se de duas situações em que a laje de lustração se identifica em
conjugação com elementos com uma utilização ritual.
887
Cf. L. Weiss, Op. Cit.
888
A casa O.47.2 tinha duas lajes de lustração.
889
Casa T.35.6.
890
Casa P.47.19. Ver anexo 5.2, Fig. 89.
891
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2006, p. 215.
892
Por exemplo, casas O.49.18 e K.50.1.
893
Por exemplo, casas O.49.1 e T.35.19.
894
Casa N.49.14.
199
nome do rei e da rainha896. Assim, a religião amarniana estava bem marcada em casa através
das decorações. Os temas sócio-religiosos têm dois exemplos maiores nas casas 3 e 10 da
Main Street da Estern Village/Workmens Village897. Na primeira casa temos, na parede Norte
do hall da casa, uma pintura parietal branca sobre fundo de barro, onde se identificam figuras
do deus Bes e possivelmente da deusa Taueret898 e na casa 10 temos outra pintura parietal mas
neste caso as imagens representam figuras femininas899. Estes dois exemplos, os mais
expressivos, trazem para as casas de Amarna temáticas decorativas próximas das das Box Bed
de Deir el-Medina e, portanto, mais afastados da religião do deus único.
Antes de finalizar, olhemos para os objectos de modo a perceber se também estes nos
podem ajudar a enriquecer a imagem do espaço ritual doméstico neste povoado.
Em suma, estamos perante um povoado que fez chegar até nós um grande e
diversificado número de vestígios no que à Religião Doméstica diz respeito e, portanto, é
possível chegar a um bom número de conclusões:
895
Casa N.49.34.
896
Casas P.44.23, P.49.15 e P.49.2.
897
Para análise detalhada ver B. Kemp, Op. Cit., 1979, pp. 47 – 53.
898
Ver anexo 5.3, Fig. 100.
899
Ver anexo 5.3, Fig. 101.
900
Nesta casa existia também uma laje de lustração.
901
Cf. COA III, pp. 140-1, Fig. 20, Pl. LXXXIX.7, LVI.2.
902
De notar, contudo, que nesta casa foram identificados apenas fragmentos de duas estátuas, uma não
identificada e outra supostamente de Nefertiti.
200
Chegaram até nós diversas e diversificadas estruturas e, embora nem sempre
seja possível entender totalmente a utilização que lhes era dada, elas atestam a existência de
elementos arquitectónicos com funções rituais em casa.
Estas estruturas podem aparecer isoladas ou em diferentes conjugações na
mesma casa e não é possível estabelecer uma regra do que seria ‘normal’. O posicionamento
em casa também não é sempre o mesmo ainda que haja um grande destaque da sala central.
Assim, parece viável pensar que o(s) elemento(s) escolhido(s) e o seu posicionamento na casa
dependeriam da vontade do proprietário.
O altar portátil da casa R.43.2 atesta, porém, não ser necessária a existência de
estruturas fixas para que o espaço ritual fosse criado. Este é um exemplar único,
possivelmente por se tratar de um tipo de vestígio de material perecível, no entanto, podemos
acreditar que este tipo de altar tivesse também sido usado noutras casas903.
O aspecto mais relevante dos vestígios de natureza religiosa deste povoado
parece, porém, ser a imagem de uma ‘convivência pacífica’ entre a ‘nova’ e a ‘velha’ religião.
Nas casas de Amarna tanto encontramos vestígios claramente ilustrativos do culto a Aton e à
família real e de conformidade com a religião amarniana, como temos um sem número de
elementos que mostram que, em termos de Religião Doméstica, Amarna era pouco diferente
dos outros povoados analisados. Nas estelas, estátuas, estatuetas e bustos identificamos não só
elementos da religião de Aton, como, até em maior número, a presença do culto a outras
divindades como Ísis, Hórus, Osíris, Ptah, Bes, Taueret, Tot, etc. As peças de joalharia e
amuletos trazem ao de cima o peso das divindades familiares tradicionais – Bes e Taueret –
com 400 peças num total de 454 de representações de deuses. Se a estes amuletos
acrescentarmos os que tinham forma de rã podemos dizer que fica clara a presença da
motivação relacionada com a fertilidade e os filhos. E esta imagem pode ainda ser reforçada
pelos mais de oitenta exemplos de figuras femininas, que como já vimos estão directamente
relacionadas com esta questão.
Assim, no espaço ritual doméstico das casas de Amarna havia cabimento para cultuar
Aton e a família real mas também para recorrer aos deuses e práticas que sempre haviam
garantido a segurança necessária à vida familiar.
903
Cf. A. Stevens, Op. Cit., 2009, p. 6.
201
Notas finais
Na mesma sala
identificou-se
Parede pintada de
Império Altar Sala 32 um
Mirgissa Taça de branco e vestígios
Médio Tipo pedestal com (Sala de grandes ___ enterramento
cerâmica de cor vermelha
nicho associado dimensões) infantil em
no nicho
jarro de
cerâmica
Mesa de
___ ___ ___ ___ ___
oferendas
Império Mesa de
Uronarti ___ ___ ___ ___ ___
Médio oferendas
Mesa de
Império
Shalfak ___ ___ ___ ___ oferendas ___
Médio
Bacias
Império Mesa de
Semna ___ ___ ___ ___ ___
Médio oferendas
Mesa de
oferendas
Suportes e
___ ___ ___ ___ ___
queimadores de
incenso
Império Bacias
Lahun
Médio Pintura parietal
policromática com
possível cena de
___ ___ ___ ___ ___
oferendas
(Culto a
antepassados)
Altar composto Estatueta de
por mesa de casal e suporte
Kom el- Império
oferendas e estela Sala central de oferendas ou ___ ___ ___
Fakhry Médio
dedicada a queimador de
antepassados incenso
Império Mesa de
Buhen ___ ___ ___ ___ ___
Médio oferendas
Sala 12 Soul-Houses
Estela de
Império (sala de recepção Suportes e
Askut Altar com nicho antepassados ___ ___
Médio e reunião queimadores de
(Sala adjacente)
familiar) incenso
Abidos Império Mesa de
___ ___ ___ ___ ___
Sul Médio oferendas
Na mesma casa
Altares
Estela de identificou-se
Império Tipo pedestal Sala H
Lisht antepassados ___ ___ um
Médio (sem valores (Núcleo da casa)
(Em cima) enterramento
concretos)
infantil
202
Altares
(sem valores Casas e pátios ___ ___ ___ ___
concretos)
Nichos
(2 identificados –
___ ___ ___ ___ ___
nº total
Império indeterminado)
Médio
Depósitos de
Tell el- oferendas Vestígios
Dab’a enterrados no frequentemente
__ ___ ___ ___ chão da casa ou associados a
em pátios altares e/ou
(sem valores nichos
concretos)
Enterramentos
Império infantis em
Médio / II recipientes de
__ ___ ___ ___ ___
Período cerâmica
Intermédio (sem valores
concretos)
Estela de
antepassados
Altar composto
II Período Dois
por nicho para
Intermédio / queimadores de
Askut estela com Sala 32a ___ ___ ___
Império incenso
elevação frontal
Novo Cabeça de leão
para libações
em faiança
Fruta pérsea
Lintel de Porta
Amara Império
___ ___ ___ Inscrição dedicada ___ ___
Oeste Novo
diferentes deuses
Estela dedicada
Altar
a Ptah
Plataforma de
___ (Associada ao ___ ___ ___
tijolo com mesa de
culto dos
apoio associada
antepassados?)
Império
Novo Altar do tipo
___ ___ ___ ___ ___
Kom pedestal
Rabia
Nicho de pequenas
Entrada da casa ___ ___ ___ ___
dimensões
Lintel de porta
___ ___ ___ homem em ___ ___
Época adoração a Montu
Karnak
Baixa
Duas bacias
___ ___ ___ ___
semi-circulares
203
Por se tratar de
fragmentos é
difícil
36 Altares Várias ___ ___ posicionar a
estrutura nas
Bustos e estelas divisões da
de antepassados casa
Mesas de
10 exemplares
oferendas
com decoração –
31 na 1ª divisão Ex-votos
38 Box Bed maioritariamente ___ ___
7 noutras divisões Estelas
deus Bes e figuras
dedicadas a
femininas
diferentes
Deir el- Império 6 na 1ª divisão
deuses
Medina Novo 5 na 2ª divisão
17 Nichos ___ ___ ___
5 na 3ª divisão
1 na 4ª divisão
12 na 2ª divisão
17 Portas Falsas ___ ___ ___
5 na 3ª divisão
Sete ombreiras de
portas
Inscrições
dedicadas a deuses
___ ___ ___ ___ ___
(Amon,
Mereseger, etc.)
Cenas de culto e
oferendas
Motivos
associados ao
24 sala central
culto a Aton e à
6 sala associada à
40 altares ___ família real (2 ___
sala central
casos)
10 outras salas
Maioritário sem
decoração
Motivos
42 capelas de Estátuas da associados ao
Pátio ___
jardim família real culto a Aton e à
família real
Motivos 1 altar-nicho
associados ao portátil de
culto a Aton e à madeira, mesas
102 sala central
família real, de oferendas
191 nichos 26 hall
Inscrições com ___
verticais 9 sala quadrada
méritos do
Tell el- Império 13 outras
proprietário;
Amarna Novo
Painéis vermelhos
e amarelos
11 sala central
1 caso
2 sala quadrada
associado a um
39 lajes de 27 sala não
___ ___ altar e 1 caso
lustração identificada
associado a 2
(Potencialmente
nichos
sala central)
Capelas de jardim
Nichos verticais
Ombreiras e lintéis
de portas
___ ___ ___ Paredes ___ ___
Dois temas: sobre
Aton e a família
real e sobre temas
sócio-religiosos
204
tipo não identificado e nichos. Estas estruturas, que estariam posicionadas na sala central ou
numa sala nuclear da casa, foram, em alguns casos, identificadas em conjunto com estelas que
ajudam a perceber o uso dado a estes elementos arquitectónicos. Nestes casos, sendo estelas
associadas ao culto dos antepassados, podemos supor que este tipo de culto teria um espaço
próprio na casa.
Por outro lado, a não existência de uma estrutura arquitectónica não significa,
obrigatoriamente, a não existência de um espaço ritual doméstico pois, povoados como
Abidos (Kom es-Sultan), Elefantina, Uronarti, Shalfak, Semna, Lahun, Buhen e Abidos Sul,
fizeram chegar até nós peças que classificámos como sendo de mobiliário e equipamento
ritual. Trata-se, maioritariamente, de mesas e/ou bandejas de oferendas e suportes e
queimadores de incenso. Estes elementos portáteis, provavelmente associados a uma qualquer
representação de uma divindade ou antepassado, permitiriam criar, ainda que não de forma
fixa e talvez também não permanente, um espaço onde o culto teria lugar. Assim, não
podemos presumir que a ausência de uma estrutura física inamovível significasse que naquela
casa não ocorriam práticas religiosas uma vez que o espaço podia ser criado conforme
necessário ou desejado.
Neste período temporal devem ainda ser apontadas outras situações complementares:
De forma menos explícita que na fase anterior, existem também, nos povoados a partir
do Império Novo, indícios da não necessidade de existirem estruturas para formular o espaço
ritual doméstico. Em Kom Rabia, Saís e Karnak identificaram-se mesas e/ou bandejas de
oferendas assim como bacias.
Esta síntese permite perceber que não existe, efectivamente, uma demarcação dos
vestígios entre o antes e o a partir do Império Novo. Isto é, os povoados do Império Novo e
períodos posteriores – excluindo Deir el-Medina e Tell el-Amarna – não são mais profícuos
no que aos dados para a caracterização do espaço ritual diz respeito.
206
IV.4. As manifestações
No Egipto antigo os mortos eram parte integrante do mundo dos vivos. Os entes
falecidos eram entendidos como membros da família alargada e uma relação bilateral era
desenvolvida entre os dois mundos904. Antes de avançarmos para a compreensão do culto dos
antepassados em espaço doméstico vamos conhecer quem eram estes mortos, como eram
percepcionados, quais as razões subjacentes ao desenvolvimento desta relação e como é que
ela funcionava.
Como vimos, no âmbito da apresentação dos demónios enquanto ameaça na vida dos
antigos egípcios, os mortos dividem-se em dois grupos distintos: os 3ḫw (Akhu), os mortos
justificados, espíritos abençoados que tinham obtido a passagem à eternidade 905 e os mwtw
(Mutu), os mortos não justificados ou os condenados, os que tinham morrido violenta ou
prematuramente, aqueles que não tinham recebido os devidos rituais funerários e não tinham
passado à eternidade906. Neste contexto interessam-nos os primeiros.
904
Cf. J. Baines, Op. Cit., 1991, pp. 147 e 153; J. Baines, P. Lacovara, Op. Cit., p. 21; J. Baines, Op. Cit., 1991,
p. 153; L. Meskell, Op. Cit., 2002, p. 206; K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 199; E. Teeter, Op. Cit., 2011, p.
148; J. C. M. Garcia “Oracles, ancestor cults and letters to the dead: the involvement of the dead in the public
and private family affairs in Pharaonic Egypt” in A. Storch (ed.), Perception of the invisible: religion, historical
semantics and the role of perceptive verbs, Rüdiger Köppe Verlag, Cologne, 2010, p. 7.
905
Cf. R. Demarée, Op. Cit., pp. 189 – 278; G. Posener, Op. Cit., 1981; E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 149; F.
Friedman, “Akh” in D. B. Redford (ed.), The Oxford encyclopedia of ancient Egypt, Vol. I, Cairo, The American
University in Cairo Press, 2001, pp. 47 – 8. Para análise do conceito ver R. Demarée, Op. Cit., pp. 190 – 195.
906
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, pp. 160 – 1; K. Szpakowska, Op. Cit., 2009, pp. 801 – 3.
907
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 149; N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 7, nota 66; N. Harrington, Op. Cit.,
2005, pp. 83 – 5; K. Griffin, “An 3ḫ iḳr n R’ stela from the collection of the Egypt Centre, Swansea” in Th.
207
Além disso, tal como N. Harrington afirma: “One of the most important features of the ‘akh’
was its ability to communicate with the living (…).”908
A melhor fonte para conhecer a relação entre os vivos e os mortos são as chamadas
cartas aos mortos913 que apresentámos no Capítulo II. As cartas aos mortos eram textos, em
fórmula epistolar, inscritos em diferentes materiais e depois colocados nos túmulos dos
mortos a quem se dirigiam914. Estas cartas, que regra geral se dirigem aos mortos em busca de
auxílio para as mais diversas questões do quotidiano, revelam-nos os dois lados da relação
entre vivos e mortos, mais concretamente, o que esperavam os vivos dos mortos e os mortos
dos vivos. Vejamos algumas passagens.
Taça do Louvre E 6134 – Carta de uma mãe ao filho: “May you make obstruction
against male and female enemies who are evilly disposed toward your household, toward
your brother and toward your mother. It is a mother who addresses her able son Merer[i]: As
you were one who was excellent upon earth, so you are one who is in good standing in the
necropolis. For you invocation offerings shall be made; for you the haker-feast shall be
celebrated; for you the wag-feast shall be celebrated; and to you shall be given bread and
beer from the offering table of the Foremost of Westerners (Osiris).”915
Schneider, K. Szpakowska (eds.), Egyptian stories. A British egyptological tribute to Alan B. Lloyd on the
occasion of his retirement, Alter Orient Und Altes Testament 347, Münster, Ugarit-Verlag, 2007, pp. 138 – 139;
F. Friedman, “On the meaning of some anthropoid busts from Deir el-Medina” in Journal of Egyptian
Archaeology, 71, 1985, p. 85.
908
N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 8.
909
E. Teeter afirma que os mortos com que os vivos se relacionavam eram familiares próximos recentemente
falecidos. A ideia baseiam em estudos genealógicos realizados às estelas e bustos de antepassados que
analisaremos à frente. Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, pp. 149 – 150.
910
R. Demarée, Op. Cit., p. 214.
911
Cf. J. Baines, P. Lacovara, Op. Cit., p. 22.
912
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 150.
913
Cf. S. Donnat, Op. Cit., p. 6; N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 34.
914
Para análise de detalhe às cartas aos mortos ver os trabalhos de S. Donnat.
915
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 347, p. 214. Ver Anexo 2.2, Fig. 1.
208
Taça do Cairo – Carta de um homem a um familiar: “Fight on her behalf anew this
day that her household may be maintained and water be poured out for you. If there is nought
from you, your house shall be destroyed. (...) Fight on [her] behalf: Watch over her! Rescue
her from whoever, male or female, is acting against her. Then shall your house and your
children be maintained. It is good if you take notice.”916
Taça de ‘Hu’ – Carta de irmã ao irmão: “It is a sister who addresses her brother, the
sole companion Nefersefekhi: Much attention - it is profitable to give attention to one who
cares for you - on account of this which is being done [against] my daughter very wrongfully,
although there is nothing that I did against him. I did not consume his possessions, nor did he
have to give a thing to my daughter. It is for the sake of interceding on behalf of a survivor
that invocation offerings are made to a spirit. So punish the one who is doing what is
distressing to me since I will triumph over whatever dead man or woman is doing this against
my daughter.” 917
P. Leiden I 371 – Carta de um marido à esposa: “To the able spirit Ankhiry: What have
I done against you wrongfully for you to get into this evil disposition in which you are? What
have I done against you? As for what you have done, it is your laying hands on me even
though I committed no wrong against you. From the time that I was living with you as a
husband until today, what have I done against you that I should have to conceal it? What
[have done] against you? As for what you have done, it is the reason for my laying a plaint
916
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 350, pp. 215 – 6; A. H. Gardiner, K. Sethe, Op. Cit., pp. 7 – 8.
917
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº348, p. 215; A.H. Gardiner, K. Sethe, Op. Cit., p. 5.
918
Os mortos podiam apresentar-se aos vivos, como é expresso nesta carta, mas temos também exemplo disso no
Livro dos Sonhos: “If a man sees in a dream nomads; Good, (it means that) the love of a dead ancestor will
come into his presence.” K. Szpakowska, Op. Cit., 2003, p. 96. Parece, também ser possível ao morto visitar a
sua casa, de acordo com uma inscrição no TT34: “May you enter your house of the living, rejoicing and
jubilating”. J. Assmann, Death and Salvation in Ancient Egypt, Ithaca, Cornell University Press, 2005, p. 220. E
no túmulo de Paser em Sakara: “May you incriminate (your enemies) and heed the petitions of the children and
the servants of your house. When you are called, may you come immediately, may you visit your house on
earth.” N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 34.
919
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 349, p. 215.
209
against you, although what have I done against you? I shall contend at law with you in the
presence with the words of my mouth, that is, in the presence of the ennead of the West, and it
shall be decided between you and [me through] this letter because a dispute with you is what
I've written about. (...) Now look, you are disregarding how well I have treated you. I'm
writing [you] to make you aware of the things you are doing. When you became ill with the
disease which you contracted, I [sent for] a chief physician, and he treated you and did what
you told him to do. Now when I went accompanying Pharaoh, l.p.h., in journeying south, this
condition befell you, and I spent these several months without eating or drinking like a
normal person. When I arrived in Memphis, I begged leave of Pharaoh, l.p.h., and [came] to
where you were. And I and my people wept sorely for you before [you] (i.e., your body) in my
quarter. I donated clothing of fine linen to wrap you up in and had many clothes made. I
overlooked nothing good so as not to have it done for you. (...) ”920
As primeiras quatro passagens destas cartas aos mortos mostram-nos que os vivos
recorriam aos defuntos como protectores, auxiliares e propiciadores. Esperava-se do familiar
recentemente falecido apoio nos problemas da vida quotidiana, tais como a resolução de
disputas, a concepção de um filho921, o assegurar o favor dos deuses e a sua protecção contra
os inimigos humanos, deuses e demónios922.
No entanto, esta intervenção estava dependente da acção dos vivos, isto é, esperava-se
que os vivos agissem da forma devida de modo a garantir uma boa relação com os mortos923.
920
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 352, pp. 216 – 7; R. R. Demarée, Op. Cit., p. 268 ; A. H. Gardiner, K. Sethe,
Op. Cit., pp. 8 – 9.
921
Ver carta aos mortos em suporte de jarro de Chicago referida na página 143.
922
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 148 ; S. Donnat, Op. Cit., 2007, pp. 61 – 2.
923
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 150.
924
M. Bommas, M., “The mechanics of social connections between the living and the dead in ancient Egypt” in
M. Carroll, J. Rempel (eds.), Living through the dead. Burial and commemoration in the Classical World,
Oxbow Books, Oxford, 2011, p. 164.
925
T. F. Canhão, O meu caminho é bom. O conto do camponês eloquente. Transliteração, tradução e análise de
uma fonte documental, Dissertação de Mestrado em História das Civilizações Pré-Clássicas (Área de
Egiptologia), FCSH-UNL, 2003, pp. 76 – 7.
210
“Age por aquele que agiu por ti.”926
Em suma, esperava-se reciprocidade entre o que age e aquele por quem se agiu. Neste
caso específico da relação entre vivos e defuntos, o morto agiria pelo que tinha agido por ele,
como patente, também, em várias inscrições tumulares.
“However, with regard to any person who shall make invocation offerings or shall
pour water, They shall be pure like the pureness of god, and I shall protect him in the
necropolis.”929
926
Ibidem, p. 109.
927
J. Assmann, Op. Cit., 2005, p. 327.
928
M. Lichtheim, Op. Cit., p. 20.
929
N. C. Strudwick, Texts from the Pyramid Age, Atlanta, Society of Biblical Literature, 2005, p. 220.
930
Ibidem, p. 268.
211
Fica, assim, claro que os mortos esperavam dos vivos o cumprimento dos necessários
rituais e oferendas funerárias de modo a assegurar o seu bem-estar. Os defuntos tinham
necessidades931 que cabia aos vivos garantirem. E, se nestas passagens, os falecidos parecem
esperar de qualquer um essas oferendas e libações, a verdade é que era dentro do seio familiar
que essa obrigação mais se fazia sentir.
No Calendário do Cairo no dia 16, mês Mesori, estação Chemu, podemos ler: “(…) to
give water to those who are (in) the underworld […] Ennead of the west. It is pleasant to your
father and your mother who are in the necropolis.”932
Se olharmos agora para a quinta carta aos mortos apresentada – a carta de um marido à
sua esposa no P. Leiden I 371935 – percebemos uma outra realidade: o Akh como uma ameaça.
Uma relação funcional entre vivos e mortos garantiria uma situação pacífica de
cooperação, no entanto, os Akhu, apesar de serem mortos de uma natureza essencialmente
benigna, se insatisfeitos poderiam ser causadores de caos e desordem manifestando-se através
de assombrações, maus presságios e doenças936, assumindo assim uma postura de ameaça
931
Cf. J. Baines, P. Lacovara, Op. Cit., p. 21. M. Muller afirma : “The deceased was just as dependent on
nourishment – food and drinks – as on earth.” M. Muller, “Afterlife” in D. B. Redford (ed.), The Oxford
Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. I, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, p. 32. E F.
Friedman: “The ability to function as an akh in the netherworld depends, in part, on having material
sustenance.” F. Friedman, Op. Cit., 2001, p. 48.
932
A. Bakir, Op. Cit., p. 48.
933
M. Lichtheim, Op. Cit., p. 137.
934
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº348, p. 215.
935
Cf. E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 352, pp. 216 – 7; R. R. Demarée, Op. Cit., p. 268 ; A. H. Gardiner, K. Sethe,
Op. Cit., pp. 8 – 9.
936
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 148 ; R. Demarée, Op. Cit., pp. 277 – 278.
212
semelhante à dos Mut que eram tidos como responsáveis por todo o tipo de desastres 937, ou
seja, os Akhu tinham uma natureza ambivalente e que dependia da acção dos vivos, como
podemos perceber noutra passagem do Ensinamento de Ani:
Em síntese, existia uma relação de interdependência entre vivos e mortos, sendo que,
nesta relação o morto, se satisfeito, se comportava como um elemento benéfico e de apoio à
família, mas se insatisfeito poderia apresentar-se como uma ameaça que implicaria uma acção
de defesa e também de apaziguamento da sua ira.
E é neste contexto que se posiciona o culto aos antepassados em casa, atestado nas
nossas fontes, desde o Império Médio. O culto devido aos mortos devia também ocorrer em
contexto doméstico como é bem explícito na seguinte passagem do Calendário do Cairo:
Dia 7, mês Mechir, estação Peret – “Make invocation offering to the spirits in your
house. Make '3bt-offerings to the gods, and they will be accepted on this day.”939
No que respeita às fontes materiais que temos para atestar esta realidade devemos
referir não apenas os já muito estudados bustos antropóides ou de antepassados940 e as
chamadas estelas 3ḫ Ỉḳr n Rʻ941, mas também outros tipos de estelas, mobiliário e
equipamento ritual, joalharia e amuletos, estruturas como as portas falsas (nichos verticais?) e
em particular o conjunto do ‘altar’ de Kom el-Fakhry.
937
Cf. N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 22.
938
P. Vernus, Op. Cit., 2001, pp. 252 – 3. Cf. G. Posener, “Les 'afarit dans l’ancienne Égypte” in Mitteilungen
des Deutschen Archäologischen Instituts Abteilung Kairo, 37, 1981, pp. 393 – 401. G. Posener usa a expressão
espírito em vez de génio e N. Harrington opta mesmo por Akh. Cf. N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 10.
939
A. Bakir, Op. Cit., p. 31.
940
Para um estudo aprofundado e catálogo sobre estas peças ver J. L. Keith-Bennett, Op. Cit., 2011.
941
Para um estudo aprofundado sobre estas estelas ver R. Demarée, Op. Cit.
213
Antes dos bustos antropóides e das estelas 3ḫ Ỉḳr n Rʻ, que surgem no Império Novo,
existiam já, nas casas dos antigos egípcios, elementos que atestam a realização do culto dos
antepassados em espaço doméstico.
A estela que compõe o conjunto apresenta três níveis de decoração. Os dois primeiros
em alto-relevo e o terceiro em baixo-relevo. O primeiro registo apresenta uma mesa de
oferendas, o segundo tem uma figura masculina sentada, virada para a direita, e à sua frente,
de joelhos, está uma figura feminina sendo que ambos seguram flores de lótus 945. O último
nível tem uma outra figura feminina, jovem, de joelhos, também a segurar uma flor de lótus, e
está virada para a direita onde se encontra, à sua frente, uma pequena mesa de oferendas. Este
segundo nível será uma adição tardia.
942
Não temos descrição detalhada destas estelas. Contudo, são ambas atribuídas ao culto dos antepassados. A de
Lisht esclarece que foi feita por um filho para o pai.
943
Esta estela, de trabalho rude, apresenta no nível superior, uma inscrição em hieróglifos pouco legível mas
onde se identifica a fórmula standard de oferendas (ḥtp di nsw – “Um benefício que o rei dá”) e percebemos que
era dedicada a um homem chamado Meryka. No nível inferior estão representadas, em baixo-relevo pouco
perceptível, duas figuras: uma figura masculina sentada do lado direito e uma outra de pé à sua frente. Cf. S. T.
Smith, Op. Cit., 1993, pp. 497 e 499, Fig. 18.
944
Ver anexo 5.2, Figs. 52 e 53 e anexo 5.4.6, Fig. 285.
945
As flores de lótus eram associadas a ideias de regeneração e renascimento. Cf. L. Meskell, Op. Cit., pp. 177 –
178; N. Harrington, Op. Cit., p. 77.
946
Cf. A. Tavares, M., Kamel, Op. Cit., 2011, p. 6.
214
Em Askut e Buhen, foram identificadas, em diversas casas, bandejas de oferendas,
identificadas como soul-houses que são conhecidas do contexto funerário947. A sua presença
em casa, mais do que apontar para uma reutilização, faz pensar que estas peças teriam em
casa um uso semelhante ao que tinham nos túmulos – prestar culto aos mortos.
Devemos ainda referir a pintura parietal de Lahun. F. W. Petrie identificou, numa casa,
uma pintura policromática de uma possível cena de oferendas. No centro da imagem vê-se um
homem sentado e outro posicionado de pé. O homem sentado estaria a receber oferendas que
estavam colocadas em mesas à sua frente948. Trata-se de um cenário próximo do que
identificámos na estela de Askut e na de Kom el-Fakhry. Este registo demonstra que o culto
aos antepassados em casa é identificável não apenas através de objectos mas também de
registos decorativos. A pintura poderia ser não apenas representativa de uma prática habitual
na casa como também propiciadora do contexto necessário à sua realização.
As estelas dedicadas aos antepassados também continuam a existir, mas com uma
novidade: em Deir el-Medina vemos surgir as chamadas estelas 3ḫ iḳr n R’.
Em contexto doméstico foram identificadas apenas oito951 destas estelas, sendo que,
no entanto, J. Demarée, responsável pelo estudo aprofundado sobre o tema, acredita serem
muitas mais: “To begin with, from the evidence available we have been able to conclude that
the great majority of the 3ḫ iḳr n R’-stelae do indeed originate from Deir el-Medina […]. As
far as can be ascertained most of these Deir el-Medina stelae appear to have been found in
the Village itself, i.e., not in the adjacent necropolis.”952
Estas estelas 3ḫ iḳr n R’, assim chamadas por conterem obrigatoriamente esta
fórmula953 – o espírito excelente954 de Ré – eram, essencialmente, estelas cuja decoração
947
Ver anexo 5.4.6, Figs. 276, 277.
948
Ver anexo 5.3, Fig. 95.
949
Por exemplo, Bairro NE, Casa III; Bairro SE, Casa IX. Cf. B. Bruyére, Op. Cit., pp. 246, 276, 277, Fig. 147.
950
Cf. B. Bruyére, Op. Cit., 1939, p. 329, Fig. 200; L. Weiss, Op. Cit., 2010, p. 200.
951
Sete em Deir el-Medina e uma em Medinet Habu. Ver anexo 5.4.4, Figs. 255 a 257.
952
R. Demarée, Op. Cit., p. 279. Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 149.
953
K. Griffin diz: “The common element which makes the stelae unique is the 3ḫ iḳr n R’ hieroglyph formula
which is used to describe the dedicatee.” K. Griffin, Op. Cit., p. 130. Cf. R. Demarée, Op. Cit., p. 2. Apesar
215
continha o morto, akh, sentado a segurar uma flor de lótus junto ao peito955, geralmente com
uma mesa de oferendas à sua frente para a qual estendia a mão livre. O oferente também
poderia aparecer a fazer oferendas ou a adorar o morto. Acrescia à representação das figuras
uma inscrição, que além da forçosa fórmula, poderia ser mais ou menos elaborada956.
A inscrição mais comum era bastante lacónica e com algumas, pequenas, variações,
consistia em: “The able spirit of Re, [NN], justified.”957
“The Osiris, the able spirit of Re, w’b-priest of Djesert-Amun, Kha’(em)nūn, justified
on every day forever. The Osiris, the able spirit of Re, w’b-priest of Djesert-Amun,
Amenemone, justified. His son ... w’b-priest of Djesert-Amun,Nebwen. Re, the great god.”958
Estela de Any
“A boon which the king gives (to) Re-Harakhty, Atum, Lord of the Two Lands,
Heliopolitan, that he may give all good and pure things for the Ka of the able spirit of Re,
Any, justified.
A boon which the king gives (to) Osiris, Foremost of the West, that he may all good
and pure things for the Ka of the able spirit of Re, A(ny...). The Osiris Any, justified.”959
Estela de Pay
“A boon which the king gives (to) Harakhty, Lord of Heaven, King of the gods, that he
may give an invocation-offering (consisting) of bread, beer, oxen, fowl, incense, cool water,
and all pure sweet and pleasant things, for the Ka of the able spirit, Pay.”960
Estela de Paiankh
“For the Ka of the fan-bearer on the right of the King, the King’s scribe, the general
of the army, the King’s son of Kush. The chief of the foreign countries of the South, the first
destas estelas surgirem no Império Novo, o conceito de akh iker existe desde o Império Antigo. Cf. N.
Harrington, Op. Cit., 2005, p. 71.
954
A expressão iker pode também significar eficaz, perfeito, hábil ou meritório. Cf. K. Griffin, Op. Cit., p. 138.
955
Cf. F. Friedman, Op. Cit., 1985, pp. 84 – 5; Op. Cit., 1994, p. 112.
956
Para análise aprofundada sobre as inscrições ver R. Demarée, Op. Cit., pp. 178 – 181.
957
Por exemplo, estelas de Amenmose, the Anḥotep, the Webkhet, de Panakht/Penekhu, de Pashedu, de Roma,
de Ḥapy’o, entre outras. Cf. R. Demarée, Op. Cit., pp. 18, 23, 27, 43, 46, 53, 80 e 82.
958
Ibidem, pp. 15 – 6.
959
Ibidem, pp. 11 – 12. Encontra-se texto semelhante, por exemplo, na estela de Khonsu. E versões simplificadas
na estela de Baki, de Bukentet e de Panakh(t)emwēse. Ibidem, pp. 29, 31, 47 e 106 – 7.
960
R. Demarée, Op. Cit., p. 34.
216
prophet of Amun King of the gods, the chief of the granaries of Pharaoh, for the Ka of the
able spirit of Re, the commander of the archers of Pharaoh, Paiankh.”961
“A boon which the King gives (to) Anubis… (That they may give breathing of) the
sweet air of the North-wind for the Ka (of) the able spirit of Aḥmose.”963
“A boon which the King gives (to) Osiris, Pre-eminent in the West, the good God, That
they may give all good and pure things for the Ka of Irynūfe.”
“A boon which the King gives (to) Anubis, Pre-eminent in the Divine booth, that they
may give all good and pure, pure things for the able spirit of Re, Irynūfe.”964
“A boon which the king gives (to) Re-Harakhty that he may give all that comes forth
on his altar for the Ka of the able spirit Irynūfe.
A boon which the king gives (to)Atum, Lord of the Two Lands, Heliopolitan, that he
may give receiving the offering-bread in the front of Re for de Ka of Irynūfe.”965
961
Ibidem, pp. 39 – 40.
962
Ibidem, p. 147. Bairro SE, Casa IX.
963
Ibidem, p. 145. Bairro NO, Casa XV.
964
Ibidem, p. 148 – 9. Bairro C, Casa VI.
965
Ibidem, p. 149. Bairro C, Casa VI.
217
care of through the medium of offerings from their relatives upon earth, but who, on the other
hand, could also act in the favour of those relatives, in which role they sometimes functioned
as ‘mediator’. This two-way communication evidently required what we might describe as a
‘place of contact’, a function which in other similar instances was fulfilled by a stela. The
stela was the point to which offerings could be brought and contact established between living
and deceased relatives through prayers and supplications.”966
Um outro tipo de vestígios que vai surgir a partir do Império Novo e, também, com
especial enfoque em Deir el-Medina967, são os bustos antropóides ou de antepassados. Trata-
se de bustos, com cabeça humana, com ou sem peruca, com pescoço posicionado sobre
ombros humanos no topo de uma base968. Os bustos teriam alturas que variavam entre os 10 e
os 25cm e poderiam ser de diferentes materiais, sendo a maioria de calcário ou arenito 969.
Muitos deles seriam pintados, predominando a cor vermelha e amarela. Poderiam ter vários
elementos decorativos desenhados, como colares e flores de lótus970. Dos cerca de 190 bustos
conhecidos971 apenas cinco têm inscrições, sendo que, o seu conteúdo é alvo de discussões
por não serem muito claras no seu propósito972.
Esta questão vem ao encontro do que já foi anteriormente referido a respeito das
dúvidas quanto à natureza destes bustos. Contudo, a perspectiva mais comum é a de que eram
objectos de culto em contexto doméstico (tal como seria em contexto funerário?) e que estas
figuras seriam, muito provavelmente, representações de antepassados falecidos.
N. Harringtom afirma a este respeito: “(...) anthropoid busts may represent individual
deceased family members in an idealised form and supports the view that the busts were part
of an ancestor cult in New Kingdom Egypt.”973
966
Ibidem, pp. 258 – 6.
967
Dos vinte e oito bustos identificados em casas, vinte e quatro são provenientes de Deir el-Medina, um de
Amara Oeste, um de el-Ashmunein, um de Kom Rabia e um de Sesebi. Ver anexo 5.4.3, Figs. 245 – 248.
968
Cf. J. L. Keith-Bennett, Op. Cit., 2011, p. 35; N. Harrington, Op. Cit., p. 71.
969
CF. F. Friedman, Op. Cit., 1994, pp. 114 – 5; K. Exell, “Ancestor bust” in W. Wendrich (ed.), UCLA,
Encyclopedia of Egyptology, Los Angeles, 2008, p. 1.
970
Para análise detalhada sobre a decoração dos bustos ver J. L. Keith-Bennett, Op. Cit., 2011, pp. 35 – 69.
971
Cf. Ibidem, p. 69; N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 51.
972
Cf. N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 51. Para análise detalhada sobre as inscrições dos bustos ver J. L. Keith-
Bennett, Op. Cit., 2011, pp. 69 – 82.
973
N. Harrington, Op. Cit., 2005, p. 71.
218
show, could adversely or positively affect the affairs of men and women. The 3ḥw could be
appealed to for help. But, like the 3ḫ since archaic times, they required offerings by means of
which the living could 'bribe' and propitiate them.”974 “The central purpose of the busts in the
house was to provide the inhabitants with a means of appeal for protection or the granting of
other petitions.”975
A ideia de protecção associada aos Akhu e aos bustos é também perceptível nos vinte e
um amuletos, encontrados em Tell el-Amarna, em forma de busto antropóide976. A. Stevens
refere sobre estas peças: “The form of the remains implies the specialized function of the wear
and their presence among settlement suggests they could be worn during life. (...) If intended
as representations of the (recently) deceased, the amulets could have been intended to protect
the wearer, a role that would seem to group them again with Bes and Toeris images.”977
Voltando aos bustos propriamente ditos, interessa perceber o modo como eram usados,
isto é, qual o seu posicionamento na casa e no momento do culto. Sabemos que uma hipótese
colocada é a de que estes bustos seriam depositados nos nichos identificados nas casas978. F.
Friedman diz: “One bust was found on the floor on the opposite wall from the ‘box-bed’,
apparently having fallen from the surviving niche above.”979 Mas se recorrermos à análise de
duas diferentes estelas – uma achada em Abidos em contexto funerário e outra de
proveniência desconhecida e actualmente no British Museum (BM 170) – podemos também
acreditar que estes bustos eram colocados em altares em forma de pedestal.
Para finalizar a questão do mobiliário, das estelas e dos bustos, vamos até à casa VI do
Bairro C onde foram encontrados dois bustos, duas estelas, uma mesa de oferendas e uma
974
F. Friedman, Op. Cit., 1985, p. 94.
975
Ibidem, p. 97.
976
Ver anexo 5.4.1, Fig. 127.
977
J. L. Keith-Bennett, Op. Cit., 2011, p. 253.
978
Cf. K. Exell, Op. Cit., p. 1.
979
F. Friedmann, Op. Cit., 1985, p. 83.
980
Ver anexo 5.4.3, Fig. 244.
981
Ver anexo 6, Fig. 319.
982
Estas duas estelas são também usadas para ilustrar a especial relação das mulheres com os bustos.
219
bacia de libações983. J. L. Keith-Bennett refere: “The house C. VI is particularly interesting
because of the number of finds in its first room and the possible original position of the busts
within it. Bruyère noted that DML I (busto) was found ‘au pied du mur est audessous des
niches’ and suggests that the bust may have been in the largest of the three. DM 4020 (busto)
was excavated in the same room. Also found in the room were a ‘siège, en calcaire, forme de
demicercle, ensellé, très épais, non marqué’ and a fragment of 3ḫ jqr n(y) R’ stele dedicated
to Mesu (the only stele found in this part of a house, according to Demarée). House C.VI also
produced other monuments dedicated to 3ḫ jqr n(y) R’: another stele found in ‘a corridor
behind Room II’ dedicated to the ‘able spirit of Re’ Irinefer (...).”984
Como já foi apontado, L. Weiss considera que as portas falsas seriam, provavelmente,
altares bidimensionais cuja utilização religiosa não estaria exclusivamente relacionada com os
antepassados986. Contudo, a perspectiva mais comum, e tendo em conta a prevalência destas
estruturas em contexto funerário, é a de que as portas falsas em casa seriam, tal como nos
túmulos, um ponto de contacto com os mortos987. Na verdade, não temos dados suficientes
que permitam afirmar a veracidade de qualquer uma das hipóteses. E o paralelo que se
estabelece com os nichos verticais de Tell el-Amarna não ajuda a resolver a questão, uma vez
que, também aí, não é clara a sua utilização.
Neste ponto, em que já conhecemos a relação que se estabelecia entre vivos e mortos e
as fontes que permitem atestar e conhecer o culto aos antepassados em casa, vamos analisar
quais eram, efectivamente, as condutas que enformavam este culto. Já fizemos, até aqui,
algumas referências a esta questão, agora iremos passar a caracterizá-la.
983
Cf. J. L. Keith-Bennett, Op. Cit., 2011, pp. 11 – 2; R. Demarée, Op. Cit., pp. 29, 67, 148 – 9.
984
J. L. Keith-Bennett, Op. Cit., 2011, p. 12.
985
De notar que apenas foram referidas as fontes em que a ligação com o culto dos antepassados já foi, de algum
modo, estabelecida e que é comumente aceite. Deixámos de fora, por exemplo, as figuras femininas pois os usos
que lhe são geralmente atribuídos estão mais relacionados com a fertilidade do que com os mortos. Contudo, não
podemos deixar de referir o trabalho de J. Backhouse que aponta a possibilidade de haver uma ligação destas
figuras ao culto aos mortos. Cf. J. Backhouse, Op. Cit.
986
Cf. L. Weiss, Op. Cit., p. 203.
987
Cf. L. Meskell, Op. Cit., 2004, p. 69.
220
As fontes que considerámos, textuais e materiais, domésticas ou não, mostram-nos que
o culto dos antepassados consistia na realização de oferendas, libações e queima de incenso.
Sendo que estes procedimentos, ao serem realizados em casa, mimetizavam os que ocorriam
nos túmulos988.
As oferendas989 são referidas, por exemplo, na carta aos mortos da taça do Louvre E
6134, da taça ‘Hu’, na carta de um marido a uma esposa numa estela, nos apelos aos vivos
inscritos nos túmulos, no Calendário do Cairo, na estela 3ḫ iḳr n R’ de Pay e, também
identificáveis na iconografia das diversas estelas 3ḫ iḳr n R’.
Como vimos, na base da relação entre vivos e mortos, estava a troca entre a satisfação
das necessidades dos mortos por parte dos vivos e a garantia de ajuda que estes recebiam dos
defuntos. As necessidades dos falecidos eram, na morte, as mesmas que em vida e portanto
estes contavam receber, eternamente990, os bens necessários para garantir a sua sobrevivência.
A estela 3ḫ iḳr n R’ de Pay é clara quanto ao que o morto esperava: “(…)that he may
give an invocation-offering (consisting) of bread, beer, oxen, fowl, incense, cool water, and
all pure sweet and pleasant things, for the Ka of the able spirit, Pay.”991
Em suma, o morto deveria receber bens alimentares que incluiriam diversos tipos de
bolos, pães, carnes, bebidas como cerveja e vinho, frutas e vegetais992. Ou seja, consistia em
bens que serviam para alimentar o defunto, o que era parte essencial para a garantia de
obtenção/manutenção do estado de Akh993 e da disponibilidade deste para ser cooperativo para
com os seus familiares vivos.
988
E, como veremos, são também semelhantes aos que ocorriam no culto aos deuses, nos templos e em casa.
989
N. Harrington considera que eram a parte central do culto funerário. Cf. N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 35.
990
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 128.
991
R. Demarée, Op. Cit., p. 34.
992
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 128.
993
Cf. F. Friedman, Op. Cit., 2001, p. 48; G. Englund, “Offerings. An overview” in D. B. Redford (ed.), The
Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. II, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, p. 565.
994
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 130.
221
(é produzido?) pela voz995 – ou oferendas de invocação. Esta ideia é clara no apelo aos vivos
do túmulo de Bia em Sakara:
“With regard to any man who shall make invocation offerings for me – no matter
whether a brother, a son, any person, a scribe – and who shall pass by this tomb and who
shall read (the inscription on) this doorway, I shall be his support in the court of the Great
God. I am an excellent and true lector priest.”996
“O you who live on earth and who shall pass by this tomb, do you desire that the king
favor you and that you be ‘imakhu’ in the sight of the Great god? Then you shall say ‘a
thousand of bread and a thousand of beer for Nekhebu, the ‘imakhu’.”997
E. Teeter explica a ideia das oferendas de invocação: “The offerings were actualized
by the recitation that magically produced or consecrated the ‘bread, beer, oxen, alabaster,
incense and every good and pure thing’ for the deceased. These offerings were originally
referred to as ‘voice offerings’ (peret kheru), literally, ‘what goes forth at the voice’, because
the act of pronouncing the names of the offerings along with the name of the deceased
brought them into being in the afterlife (...).”998
995
Ibidem, p.131; N. C. Strudwick, Op. Cit., p.31; S. E. Thompson, “Cults. An overview” in D. B. Redford (ed.),
The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. I, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, p. 330.
996
N. C. Strudwick, Op. Cit., p. 269.
997
Ibidem, p. 268.
998
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 131.
999
Ibidem, p. 130.
1000
Cf. A. Blackman, “The significance of incense and libations in funerary and temple ritual” in G. Steindorff
(ed.), Zeitschrift fürÄgyptische sprache und altertumskunde, Leipzig, JC Hinrichsche Buchhandlung, 1912, p.
69.
222
No que respeita às fontes textuais, estas práticas são referidas na carta aos mortos da Taça do
Cairo, no Calendário do Cairo, no Ensinamento de Ani, nos feitiços, na estela 3ḫ iḳr n R’ de
Pay e nos apelos aos vivos1001. Quanto às fontes materiais, temos os queimadores de incenso,
as bacias de libações, as lajes de lustração e as imagens da estela de Abidos onde a figura
feminina aparece a fazer libações e a oferecer incenso a um busto em cima de um altar1002 e
duas estelas 3ḫ iḳr n R’ – a estela de Djeserka e a de Dhutmose1003.
A. Blackman analisou estas práticas com base no ‘Ritual de Amon’1009 e considera que
ambas as matérias em causa tinham origem divina: “Like the libations, the grains of incense
are the excudations of a divinity.”1010 Deste modo, estas oferendas significavam dar aos
mortos (e aos deuses) elementos com uma capacidade rejuvenescedora e revivificadora. A.
Blackman explica: “(…) it becomes quite obvious why the burning of incense and the pouring
of libations are so closely associated in the funerary and temple ritual. Both rites are
performed for the same purpose – to revivify the body of the god or man by restoring to it its
1001
Imagens de libações e queima de incenso são também comuns nas decorações de templos e túmulos.
1002
Ver anexo 5.4.3, Fig. 244.
1003
Cf. R. Demarée, Op. Cit., pp. 129 – 134, Pls. XII e XIII (A.49 e A.50). Ver anexo 6, Figs. 320 e 321.
1004
J. Borghouts, “Libation” in W. Helck, W. Westendorf (eds.), Lexikon der Ägyptologie, III, Wiesbaden, Otto
Harrassowitz, 1980, col. 1014.
1005
J. Assmann, Op. Cit., 2005, p. 355.
1006
Cf. J. Borghouts, Op. Cit., 1980, col. 1014; M. Poo, “Liquid in temple ritual” in J. Dieleman, W. Wendrich
(eds.), UCLA Encyclopedia of Egyptology, Los Angeles, 2010, p. 4.
1007
De notar, contudo, que a água era também entendida como um bem essencial ao morto. Cf. J. Assmann, Op.
Cit., 2005, pp. 356 – 7.
1008
Cf. J. Assmann, Op. Cit., 2005, p. 356; J. Borghouts, Op. Cit., 1980, col. 1015; J. Goyon, “Räucherung“ in
W. Helck, E. Otto, W. Westendorf (eds.), Lexikon der Ägyptologie V, Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1984, col.
84; M. Poo, Op. Cit., p. 4.
1009
Cf. A. Blackman, Op. Cit., 1912.
1010
Ibidem, p. 72. Mais concretamente falamos de Osíris. Ver também J. Assmann, Op. Cit., 2005, pp. 355 – 6.
223
lost moisture. Under the form of libations it was believed that either the actual fluids that run
from it, or these of Osiris himself, were communicated to the corpse. In the case of fumigation
with incense it is the latter of these two ideas that seems to have prevailed, namely that the
body was revivified not by the restoration of its exudations but receiving those of Osiris.”1011
Notas finais
De um modo geral, o culto aos antepassados visava, nas suas diferentes expressões,
garantir o bem-estar do morto, suprindo-lhe as suas necessidades e oferecendo-lhe
possibilidades de uma existência, na morte, mais promissora. Como retorno, o morto agiria,
para a sua família, como um auxiliar propiciador, como um intermediário e não como uma
entidade perigosa e ameaçadora.
Os antigos egípcios buscavam nos seus mortos ajuda e apoio para as ameaças da vida
quotidiana, tal como faziam, também, com os deuses.
A Religião, com o seu complexo sistema de crenças e ritos, era uma presença
constante na vida dos antigos egípcios uma vez que ela impregnava e definia todos os
aspectos da vida desta civilização1012. Assim, antes de caracterizarmos o culto a divindades
que ocorria em casa, devemos começar por tentar perceber qual a relação que os egípcios
estabeleciam com os seus deuses.
1011
A. Blackman, Op. Cit., 1912, p. 75.
1012
Cf. J. C. Sales, Op. Cit., p. 19.
224
Olhando para as fontes, de um modo geral, podemos perceber que o crente recorria aos
deuses de modo a fazer com que estes interviessem, de forma positiva, na sua vida quotidiana.
Em caso de necessidade, procurava-se a ajuda do deus que era visto como sendo acessível,
confiável e capaz de resolver problemas e que portanto ouvia, protegia e cuidava daquele que
o procurava1013.
P. Vernus fala desta relação entre Homens e deuses: “Du puissant au faible, il y a
d’abord relation de protection. Dieu est dons secourable ; l’homme ne l’implore pas en vain.
Cette croyance remonte à l’Ancien Empire. Encore une fois, l’onomastique est révélatrice :
‘le dieu X me sauve’, ‘le dieu X me protège’, est un type de nom répandu. Toute divinité
écoute les prières et vient ‘à la voix de celui qui l’appelle’. Et l’homme l’appelle pour obtenir
faveurs ou secours.”1014
P. Nevill: “When I was looking for you (the god) to tell you some affairs of mine, you
happened to be concealed in your holy of holies, and there was nobody having access to it to
send in to you. Now as I was waiting, I encountered Hori, this scribe of the temple Usermare-
Miamon, and he said to me, I have access, so I am sending him in to you.”1015
Esta carta mostra que o deus era uma figura a quem se recorria em busca de auxílio
para questões do quotidiano. Simultaneamente, o documento atesta que a ideia de contactar
com os deuses seria uma prática comum. E. Teeter afirma: “(…) the letter suggests that the
individual treated telling his affairs to the god as a fairly routine matter (...).”1016
O Livro dos sonhos revela-nos, por um lado, que o crente podia contactar directamente
com o deus nos seus sonhos e, por outro lado, demonstra que o crente poderia esperar ser
ouvido e protegido pela divindade1017.
“If a man sees in a dream the god who is above, good, it means a great meal.”1018
1013
CF. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 76. J. Assmann afirma: “Life as a whole came to be seen as the object of
divine attention and guidance.” J. Assmann, Op. Cit., 2002, p. 230.
1014
P. Vernus, Op. Cit., 1977, p. 149.
1015
E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 355, p. 219; E. Teeter, “Popular worship in ancient egypt: contrary to what is
often written, commoners had access to their deities” in KMT, A Modern Journal of Ancient Egypt, 4/2, 1993,
pp. 28 – 31.
1016
E. Teeter, Op. Cit., 1993, p. 31.
1017
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 1993, p. 35; Op. Cit., 2011, p. 101.
1018
K. Szpakowska, Op. Cit., 2003, p. 80. A autora apresenta em anexo na sua obra um conjunto de textos que
incluem referências a sonhos nos quais se incluem outros exemplos deste contacto com os deuses em sonhos, por
225
“If a man sees himself in a dream looking through a window; good, (it means that) his
call will be heard by his god.”1019
“If a man sees himself in a dream climbing up a mast; good, (it means that) he will be
elevated by his god.”1020
“If a man sees himself in a dream […] river; good, (it means that) his call will be
heard by his god.”1021
“If a man sees in a dream barley and emmer […] those who are in the beyond; good,
it means that he will be protected by his god.1022
L. 7 (BM 10730): “I shall grant him life, preservation, and health, a long lifetime and
a great and good old age. (...) I shall guard him; I shall not relax(?) at midday, at midnight,
or at any time. (...) I shall be his protection every single day.”1024
Outro texto vai ainda mais além e especifica que uma das garantias que o deus dá ao
seu ‘protegido’ é a de que fará com que os deuses estejam agradados com ele e que, como tal,
oiçam as suas orações.
exemplo, na biografia de Ipuy (Estela Wien Inv. 8390): “(…) I saw the lady of the Two Lands in a dream and
she placed joy in my heart.” Ibidem, p. 195.
1019
Ibidem, p. 82.
1020
Ibidem, p. 88.
1021
Ibidem, p. 90.
1022
Ibidem, p. 95.
1023
M. Lichtheim, Op. Cit., p. 137.
1024
I. E. S. Edwards, Op. Cit., pp. 48 – 9.
226
L.1 (P. BM 10083): We shall keep her safe from the Ennead of the Upper Egyptian
On; we shall keep her safe from their abominations; we shall cause them to be content
because of her and cause them to answer her prayers.1025
1025
Ibidem, p. 1. Ver Anexo 2.1, linha 8 e 9.
1026
J. Foster (trad.), S. T. Hollis (ed.), Hymns, prayers, and songs. An anthology of ancient Egyptian lyric poetry,
Atlanta, Georgia, Scholars Press, 1995, p. 61.
1027
Ibidem, pp. 73 – 4.
227
Texto dedicado a Amon, na estátua do escriba real Amenemope e sua esposa:
Estes textos ilustram uma realidade em que o devoto declara uma ideia de posse sobre
a divindade com expressões como ‘deus meu’ e declara entregar o seu destino, na vida e na
morte, nas mãos do seu deus de eleição. Certas cartas são muito claras sobre esta noção:
Carta LRL, 14 – “(…) Don’t worry about them. They are alive today; tomorrow is in
god’s hands.”1030
Dia 17, mês Paofi, estação Akhet – “Burn incense to Re and an invocation-offering to
the spirits. It is important so that your words may be listened to by your local gods.” 1031
Dia 6, mês Mechir, estação Peret – “(…) offerings to the gods were doubled by
everyone on this day.”1032
Dia 15, mês Epifi, estação Chemu – “Horus hears your words in the presence of every
god and every goddess on this day. You will see every good thing in your house.”1033
Carta do O. Gardiner 310: “Addressed by Hornefer to his god Amon-Re, Lord of the
Thrones of the Two Lands: If I see that you let success be with me, I shall provide you with an
amphora of date-brew of (the type of) Kode (kizzuwatna) and also a jar of beer, and likewise
my man (shall come) with [kylles]tis-loaves and white bread.”1034
Estas passagens permitem perceber que, tal como acontecia com os antepassados, são
as acções do crente – na forma de oferendas – que vão garantir a acção apotropaica do
1028
P. Vernus, Op. Cit., 2001, pp. 363 – 5.
1029
F. Dunham, Ch. Zivie-Coche, Dieux et hommes dans l’Egypt. 3000 av. J.-C. Anthropologie religieuse, Paris,
Armand Colin Éditeur, 1991, p. 143.
1030
E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 296, p. 179.
1031
A. Bakir, Op. Cit., p. 20.
1032
Ibidem, p. 31.
1033
Ibidem, p. 46.
1034
E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 354, p. 219.
228
deus1035. E. Teeter clarifica esta ideia: “A characteristic feature of contact with the divine was
its almost mercantile character. The petitioner gave something – prayers, food offerings or a
votive object – in confident expectation of stimulating divine action.”1036 A. Sadek transmite a
mesma lógica: “It is well-attested and natural fact that the relationship between people and
their divinities is built around the reality of exchange.”1037 E ela é clara em alguns textos,
como por exemplo, numa oração a Khonsu:
“I give him praise, I please his ka, so that he may be propitious to me every day.”1038
Em suma, podemos dizer que o Homem egípcio estabelecia uma relação com os
deuses e que esta era uma relação bilateral. O crente fazia oferendas e mostrava o devido
respeito e veneração ao deus, em troca este garantia o seu auxílio e protecção. Contudo, esta
imagem que estabelecemos sobre esta relação só é verdadeiramente possível de conhecer e
caracterizar, de forma mais fidedigna, a partir do Império Novo, quando assume a forma
daquilo que chamamos de Piedade Pessoal1039.
A Piedade Pessoal é tida como um fenómeno religioso que atingiu o seu auge no
Império Novo, sendo as possíveis expressões anteriores meramente residuais 1040. São
geralmente reconhecidas como demonstrações de uma religiosidade pessoal, anterior ao
Império Novo, os oráculos, a onomástica, a participação em festivais e as oferendas nos
templos1041. Além disso, a relação com os deuses é também identificada na História de
Sinuhe1042 e em algumas estelas privadas em que a proximidade com determinado deus, numa
declaração de piedade, é afirmada1043. Vejamos alguns exemplos.
1035
CF. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 76.
1036
Ibidem, p. 103.
1037
A. Sadek, Op. Cit., 231. Ver também P. Vernus, “Khâemouaset et la rétribuition des actions” in L. Gabolde
(ed.) Hommages à Jean-Claude Goyon offerts pour son 70e anniversaire, Le Caire, Institut Français
d’archéologie oriental, 2008, p. 404.
1038
A. Sadek, Op. Cit., p. 232.
1039
Ou também Religião Popular, Religião Prática ou Religião Privada. Cf. A. Sadek, Op. Cit.; J. Baines, Op.
Cit., 1991; Op. Cit., 1987; A. Stevens, Op. Cit., 2006.
1040
Cf. J. Baines, Op. Cit., 1991, p. 173.
1041
Ibidem, pp. 173 – 4.
1042
A expressão presente na História de Sinuhé expõe a imagem de um deus que interfere, que age sobre o
destino do crente: “I do not know what brought me to this land. It was like the plan of a god.” W. K. Simpson,
(ed.) The literature of ancient Egypt an anthology of stories, instructions, stelae, autobiographies, and poetry,
New Haven, London Yale University Press, 2003, p. 78.
1043
A. Sadek afirma só ser possível ter uma ideia acerca da religião popular antes do Império Novo através de
fontes indirectas. Cf. A. Sadek, Op. Cit., p. 6.
229
Look, Re is giving praise to you,
Hapi is carrying you,
The sun-folk is exalting you,
Every god is loving you!
Excellent is your dignity in Ma’at within your temple,
And your divinity (?) at your gate!”1044
Estela de Wahka com hino dedicado a Osíris (Torino Cat. no. 1547):
“Giving adoration to Osiris and to the gods following behind him by the mayor
Wahka.
He says: Hail to you Osiris foremost-of-the-Westerners!
May I be among your following in front of the venerated ones!
May be given to me an invocation-offering from the altars of Wennefer (...).”1045
Estela de Antef com hino dedicado a Osíris (Glasgow Hunterian Museum and Art
Gallery D1922.13):
“The venerated Antef, the vindicated: He gives adoration to Osiris and kisses the
ground for the Foremost-of-the-Westerners,
The great god, lord of Abydos, to whom comes what is and is not, (...)
Have come to you, that I may see your perfection, and praise you, when you are to be
seen every day. (...)”1046
P. Berlin 11301 (V Dinastia): “[My you be justified with Ptah, South-of-his-Wall, with
the Foremost] of the Tjenenet-sanctuary, with the august Djed-pillar, and with all the gods.
May they keep you alive and do for you everything good every day and also everything [you]
desire. (...)”1048
1044
D. Franke, “Middle Kingdom hymns and other sundry religious texts - an inventory” in S. Meyer (ed.),
Egypt - Temple of the whole world. Studies in honour of Jan Assmann, Leiden, Brill, 2003, p. 102.
1045
Ibidem, pp. 102 – 3.
1046
Ibidem, p. 104.
1047
Cf. J. Baines, Op. Cit., 2002, p. 28.
1048
E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 62, p. 55.
230
P. Hekanakht nº3 (XI Dinastia): “(...) May Arsaphes, lord of Heracleopolis, and all the
gods who are [in heaven and earth] help you, and may Ptah, South-of-his-Wall, gladden you
with living fully and a [ripe] old age. May your standing be good with the Ka of Arsaphes,
lord of Heracleopolis. (...)”1049
P. Hekanakht nº4 (XI Dinastia): “(…) May you [prosper] happily. May Hathor
gladden you for my sake.”1050
Olhemos agora para a relação com os deuses em casa e para o culto que aí lhes era
prestado e vamos começar por identificar as fontes materiais consideradas.
As fontes para o estudo do culto aos deuses em casa podem ser divididas em dois
grupos. Por um lado, temos as fontes directamente relacionadas com os deuses, e por outro
lado, temos vestígios que estão associados a práticas rituais mas que poderiam ser usados para
cultuar os deuses, antepassados ou ambos. Vejamos o primeiro grupo na tabela abaixo.
1049
Ibidem, nº 70, p. 62.
1050
Ibidem, nº 71, p. 63.
1051
Cf. J. Baines, Op. Cit., 1990.
1052
Cf. J. Baines, Op. Cit., 1991, p. 172.
1053
S. Sadek, Op. Cit., p. 10.
231
Tabela 31 – Fontes directas para o estudo do culto a divindades em casa
Quantidade antes do Quantidade a partir do
Povoados
Império Novo Império Novo
4
Lahun 78
(Taueret, divindade
Estátuas e estatuetas que representam deuses (83) Deir el-Medina (Taueret, Bes, Hórus,
leonina não
Tell el-Amarna Ísis, Osíris, Ptah)
identificada)
Amara Oeste 19
Askut (Satet, Anoukit, Hathor,
1
Estelas com representações de deuses (20) Deir el-Medina Khepri, Aha, Ptah,
(Khentekhetai)
Tell el-Amarna Taueret, Aton, Bes,
Tell el-Muqdam Sekhemet, Tot)
Deir el-Medina
Outras estelas (Estela de orelhas) (2) ___ 2
Tell el-Amarna
Amara Oeste
60
Kom Rabia
(Hathor, Ptaikos, Bes,
Lahun 2
Hapi, Ptah, Ísis e Hórus,
Figuras e modelos que representam deuses (62) Semna (Taueret, Ísis e
Sobek, Taueret, Tot,
Sesebi Hórus)
Astarte, Harpócrates,
Tell el-Amarna
Osíris)
Tell el-Muqdam
23
Estátuas e estatuetas e estelas com representação da família real de
Tell el-Amarna ___ (Akhenaton, Nefertiti e
Tell el-Amarna (23)1054
princesas)
Abidos Sul
Semna
Shalfak
Deir el-Medina
26
El-Ashmunein 3
Peças de cerâmica com representações de deuses (29) (Hathor, Bes, Ptah,
Medinet el-Gurob (Hathor, Bes e Sobek)
Taueret, Hórus)
Qantir
Sesebi
Tell el-Amarna
Tell el-Muqdam
Amara Oeste 13
Kom Rabia (Hapi, Hathor, Ísis,
Placas decoradas e figurativas com representações de deuses (13) ___
Medinet el-Gurob Amon, Aton, Bes,
Tell el-Amarna Hórus, Min, Tot, Ptah)
10
Altares (fragmentos) com representações/referências a/de deuses (Renenutet, Sobek,
Deir el-Medina ___
(10) Merseger, Hórus, Mut,
Amon)
Amara Oeste 10
Decorações (relevos e inscrições) com representações/referências Deir el-Medina (Amon-Ré, Hórus,
a/de deuses (10 + 1 caso sem valores concretos) Karnak Merseger, Min, Ísis,
Tell el-Amarna Montu, Aton)
252 ___ 10 242
O segundo conjunto que, por ser mais indirecto, não iremos listar tão detalhadamente é
composto por:
1054
Por ser através da família real que, em Tell el-Amarna, se processava o culto a Aton, entendemos que as
representações da família real em casa são demonstrativas de que existia aí um culto a uma divindade.
232
Objectos potencialmente usados como oferendas (por exemplo, figuras e
modelos).
Antes de mais, vemos que temos apenas dez vestígios anteriores ao Império Novo,
todos do Império Médio, provenientes de Abidos Sul, Lahun, Askut e Semna e 242 a partir do
Império Novo1055, provenientes de Deir el-Medina, Tell el-Amarna, Amara Oeste, Tell el-
Muqdam, Kom Rabia, Sesebi, el-Ashmunein, Medinet el-Gurob e Karnak, o que corresponde
a cerca de 96% das fontes consideradas. No entanto, se, num exercício meramente académico,
excluirmos os vestígios de Deir el-Medina e Tell el-Amarna esta diferença mantem-se, mas
esbate-se significativamente. Consideremos a sistematização abaixo:
Quantidade a
partir do
Quantidade Império Novo
antes do (excluindo Deir
Império Novo el-Medina e
Tell el-
Amarna)
Estátuas e estatuetas que representam deuses 4 0
Estelas com representações de deuses 1 2
Outras estelas (Estela de orelhas) 0 0
Figuras e modelos que representam deuses 2 22
Estátuas e estatuetas e estelas com representação da família real de Tell el-Amarna 0 0
Peças de cerâmica com representações de deuses 3 16
Placas decoradas e figurativas com representações de deuses 0 5
Altares (fragmentos) com representações/referências a/de deuses 0 0
Decorações (relevos e inscrições) com representações/referências a/de deuses 0 2
10 47
Deir el-Medina e Tell el-Amarna, cada um pelas suas razões, são dois povoados
‘especiais’. Além das suas características intrínsecas, eles destacam-se pela riqueza em termos
arqueológicos, pela quantidade e ‘qualidade’ dos vestígios aí recuperados. Não são,
certamente, dois locais comuns e que possam ser tidos como exemplares do que era normal.
Obviamente que são dois povoados da civilização egípcia e, como tal, ilustrativos da
realidade desta civilização, no entanto, a sua especificidade justifica que se tente perceber o
que existia para além deles.
Assim, voltando aos valores das fontes e concretizando este exercício, passaríamos a
ter apenas cinquenta e sete vestígios directamente relacionados com o culto aos deuses, dez do
Império Médio e quarenta e sete a partir do Império Novo (17.5% / 82.4%), o que significaria
1055
De notar que foram excluídas as peças de joalharia e amuletos que serão consideradas no âmbito da magia.
233
menos cento e noventa e cinco fontes e o desaparecimento, nos vestígios a partir do Império
Novo, das estátuas e estatuetas que representam deuses1056, das estelas de orelhas e
fragmentos de altares com representações/referências a/de deuses e também uma redução
significativa nas estelas, figuras e modelos, placas decoradas e decorações. Na verdade,
apesar das fontes do Império Novo continuarem a ser em muito maior número, o valor total é
menos significativo e as informações reveladas muito menos expressivas.
Já as fontes a partir do Império Novo merecem dois diferentes olhares. Um que inclui
todos os povoados representados e que aponta para culto a divindades em espaço doméstico
como sendo uma prática bastante bem representada, presente em metade dos povoados com
vestígios a partir do Império Novo1057, e outro, que exclui os dois povoados ‘especiais’ – Deir
el-Medina e Tell el-Amarna – e que resulta numa diminuição significativa do número total de
fontes e tipologias apontando para uma menor expressividade da prática.
Como podemos ver na sistematização destas fontes, e cujos dados vêm ao encontro do
que já analisámos no ponto IV.1, os deuses presentes em casa vão desde as chamadas
divindades domésticas, como Bes e Taueret, até a divindades maiores do panteão como
Amon, Tot e Ptah.
1056
Desaparecem também as estátuas e estatuetas e estelas com representação da família real de Tell el-Amarna
mas isso é uma decorrência lógica da exclusão do povoado.
1057
Ver gráfico 12, p. 115.
234
Ao fazer representar estas divindades em objectos ou espaços da casa, o crente
evidenciava a sua relação, a sua devoção, a determinado deus. Não se trata, efectivamente, de
demonstrações de práticas rituais, mas o fundamento e o objectivo final seriam, certamente,
os mesmos. Vejamos alguns exemplos.
Nas casas de Amarna, como expectável, em termos de inscrições temos hinos a Aton.
Na casa N.49.14 a ombreira da porta: “The giving of praise to the living disk, kissing
the earth to the Lord of Eternity. May he grant an entrance (...)”1058
[Lado esquerdo] “An offering which the king gives (to) the living Aten, who lightens
the two lands, that he may give a happy life-time in the receipt of his provisions to the ka of
the overseer of works, the trusted one of the lord of the two lands, Hatiay, repeating life.”
[Lado direito] “An offering which the king gives (to) the living Aten, Lord of heaven,
that he may give a happy old age while seeing his beauties, and a goodly burial in Akhetaten
to the one favoured by the good God, the overseer of works, the trusted one of the lord of the
two lands, Hatiay, repeating life.”1059
Casa III, Bairro NE – Fragmento de lintel com cornija: “Oferenda funerária que o rei
dá a Merseger (…) Oferenda funerária que o rei dá a Renenutet (…) ”1061
Casa IX, Bairro SE – Fragmento de lintel de altar: “Uma oferenda funerária que o rei
faz a Sobek- Rá, (…) ”1062
1058
COA I, p. 22.
1059
COA II, p. 109.
1060
Para análise detalhada ver B. Kemp, Op. Cit., 1979, pp. 47 – 53.
1061
B. Bruyère, Op. Cit., p. 245, Pl. XVI.
1062
Ibidem, p. 277, Pl. XVI.
235
Casa XXVII, Bairro NO – Fragmento de ombreira: “Ptah, senhor de Maat. Servo dos
locais de Maat em Tebas ocidental, Nebmaty, justificado. Hórus, filho de Ísis, o grande deus
senhor das terras (ocidentais). Servo dos locais de Maat, Nebmaty, justificado.”1063
Casa II, Bairro SE – Lintel de porta de altar em calcário gravado. Decorado com duas
cobras a ser adoradas por dois homens de joelhos: “Bela Renenutet, senhora da fartura que
concede a força do braço de Anefer, justificado pelo grande deus. Bela Renenutet, senhora da
fartura que concede a força do braço de Nebdjefakw, justificado.”1065
No que respeita a outras decorações podemos também referir lintel de porta de uma
casa de Karnak com a figura do proprietário representado ajoelhado perante Montu1066, e uma
ombreira de porta de uma casa de Deir el-Medina (Bairro SO, Casa IV) onde ainda se
identifica, para além da inscrição, uma figura masculina em pose de adoração1067.
Mais uma vez, mesmo não existindo exemplares concretos do seu modo de utilização,
vestígios como altares, nichos e capelas, ou mesas e bandejas de oferendas, bacias e suportes
ou queimadores de incenso ajudam a demonstrar a existência de rituais em casa. Como vimos,
existem alguns casos que estão directamente associados ao culto dos antepassados, mas os
1063
Ibidem, p. 299, Pl. XVII.9.
1064
Ibidem, p. 327.
1065
Ibidem, p. 267, Figs. 86, 139. Ver Anexo 2.2, Fig. 11.
1066
Ver anexo 2.2, Fig. 97.
1067
Ver anexo 2.2, Fig. 98.
1068
De acordo com E. Teeter, apesar de não estarem presentes aquando dos rituais, os crentes saberiam o que se
passava nos templos e o modo como os deuses eram cultuados. Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 52.
1069
Cf. S. E. Thompson, Op. Cit.
1070
Para análise aprofundada sobre as oferendas aos deuses, no contexto geral do que A. Sadek chama de
Religião Popular e nós Piedade Pessoal, ver A. Sadek, Op. Cit., pp. 199 – 244.
1071
Para considerações mais detalhadas ver exploração da questão no âmbito do culto aos antepassados.
236
restantes deixam espaço para interpretação e portanto podemos supor que fossem também/ou
usados para cultuar os deuses.
Em termos práticos, devemos destacar um aspecto no culto aos deuses, não exclusivo
da casa e para o qual na verdade não temos fontes, apenas paralelos, falamos da oração. As
orações assumem uma função essencial na relação entre o crente e o seu deus. P. Vernus
afirma: “La relation personnelle avec la divinité s’exprime avant tout par la prière (…).”1072
O devoto olhava para o deus como uma entidade que o escutava e que, decorrente
disso, poderia intervir na sua vida. A oração era a forma de, por um lado, demonstrar a
devoção ao deus, através de declarações laudatórias, e por outro, de lhe comunicar o que se
pretendia dele.
A oração seria, por princípio, apenas oral e silenciosa1073. Como tal, não podemos ter
realmente conhecimento da forma como o crente se exprimia. Contudo, existem textos, que
podem ser ilustrativos, pelo menos, da maneira de conceber esta comunicação. Por exemplo,
no túmulo de Menkheper (TT 258) encontra-se um hino a Osíris:
1072
P. Vernus, Op. Cit., 1977, p. 146.
1073
D. Meeks, “La prière en Égypte: entre textualité et oralité” in G. Dorival, D. Pralon (eds.) Prières
méditerranéennes hier et aujourd’hui. Actes du Colloque organisé par le Centre Paul-Albert Février, Maison
Méditerranéenne des Sciences de l'Homme (Aix-en-Provence, 2-3 avril 1998), Aix-en-Provence, Publication
d’université de Provence, 2000, pp. 9 – 23.
1074
J. Assmann, Egyptian solar religion in the New Kingdom: Re, Amun and the crises of polytheism, Studies in
Egyptology, London, Kegan Paul International, 1995, p. 113.
237
Subjacente às orações está a concepção do deus enquanto aquele que escuta,
concepção que os egípcios tão bem souberam transmitir iconograficamente através das
chamadas estelas das orelhas1076. Nelas, o deus é representado por orelhas, ilustrando a sua
capacidade de escutar os pedidos do crente.
Em contexto doméstico foram identificadas duas destas estelas – uma em Deir el-
Medina1077 e outra em Tell el-Amarna. Elas são essencialmente conhecidas em templos, onde
seriam depositadas, nos espaços acessíveis, pelo crente. Contudo, estes dois exemplares,
abrem a possibilidade de, também em casa, estas estelas cumprirem a sua função de fazer
chegar ao deus a súplica do seu devoto.
“Giving praise to the Moon Thoth, the great of might among the Ennead, kissing the
ground to the great god, the greatest god, the mighty of spirits, kindly, gracious one who
listens to the prayers of the one who calls upon him, who comes at the voice of the one who
pronounces his name, who heeds the prayers of the one who places him in his heart; I give
you praise, I lift up the hands, that you may be merciful to me daily; may you give L.P.H.,
alert[ness], favour and love and goodly burial after old age, union with earth in the
necropolis of the favoured ones in the great west of Thebes; for the Ka of the servant in the
Place of Thruth Penamum, justified. He made it in the name of his lord; his beloved daughter,
servant of the moon Meryetamun, justified.”1078
A. Sadek sintetiza assim o significado destas estelas: “It remains undoubtedly a sign of
people’s faith, of their desire to a relationship with their deities, and of their perseverance in
achieving this purpose.”1079
1075
F. Dunham, Ch. Zivie-Coche, Op. Cit., p. 145.
1076
A. Sadek apresenta uma caracterização detalhada das estelas das orelhas com um vasto conjunto de
reproduções nos anexos da obra. Cf. A. Sadek, Op. Cit., pp. 245 – 267 e anexos.
1077
Ver anexo 5.4.4, Fig. 264. Ver outros exemplos, não domésticos, no anexo 6, Figs. 302, 321 e 322.
1078
A. Sadek, Op. Cit., p. 258., Pl. XXXI,1.
1079
Ibidem, p. 266.
238
Notas finais
IV.4.3. A magia
Se muitas vezes se diz, citando Heródoto, que os egípcios eram os mais religiosos dos
homens1080, poderia, com a mesma justeza, afirmar-se que eram igualmente os que mais
acreditavam na magia. A magia era parte integrante da vida dos antigos egípcios, estava
presente em todas as dimensões da sua existência e era-lhes essencial nas diferentes realidades
do seu quotidiano. E, religião e magia, coexistiam e interagiam sem que houvesse entre elas
algum conflito, pelo contrário, as práticas mágicas são mesmo consideradas como parte
integrante do fenómeno religioso no Egipto antigo.
1080
Cf. J. C. Sales, Op. Cit., p. 19.
239
E. Teeter afirma: “The close tie between magic and religion continue to puzzle
scholars, perhaps because of the assumption that magic is a more primitive practice that is
eventually replaced by ‘religion’. However, it is clear not only from ancient Egypt but from
other societies as well that the progression is not linear and that magic and religion existed,
and exist, side by side. (...) It is best, then, to consider magic in ancient Egypt as a valid and
accepted – although a clearly distinguishable – part of religious belief.”1081 E K. Szpakowska
acrescenta: “(…) ‘magic’ (…) was an integral aspect of religious practice.”1082 Por fim, J. C.
Sales explicita: “No Egipto, a magia teve uma importância decisiva, manifestando-se de
variadas formas e revestindo quase toda a sensibilidade religiosa.”1083
Heka, nos textos dos Sarcófagos feitiço 261, é apresentado como predecessor da
própria criação: “O noble ones who are before the Lord of the universe (‘the All’), behold, I
have come before you. Respect me in accordance with what you know. I am he whom the
Unique Lord made before two things (‘duality’) had yet come into being in this land by his
sending forth his unique eye when he was alone, by the going forth from his mouth... when he
put Hu (‘Logos’) upon his mouth. I am indeed the son of Him who gave birth to the universe
(‘the All’), who was born before his mother yet existed. I am the protection of that which the
Unique Lord has ordained. I am he who caused the Ennead to live... I have seated myself, O
bulls of heaven, in this my great dignity as Lord of Kas, heir of Re-Atum. I have come that I
might take my seat and that I might receive my dignity, for to me belonged the universe before
you gods had yet come into being. Descend, you who have come in the end. I am Heka.”1089
1081
E. Teeter, Op. Cit., 2011, pp. 162 – 3.
1082
K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 122.
1083
J. C. Sales, Op. Cit., p. 80.
1084
Cf. J. Assmann, “Magic and theology in ancient Egypt” in P. Schäfer, H. G. Kippenberg (eds.), Envisioning
Magic. A Princeton Seminar and Symposium, Studies in the History of Religions, Numen Book Series 75,
Leiden, New York, Köln, 1997, p. 3.
1085
Cf. R. Ritner, Op. Cit., 1993, pp. 14 – 5; G. Pinch, Op. Cit., 1994, p. 10.
1086
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2010, p. 162.
1087
Ísis tem também uma forte ligação à magia, sendo a ‘Grande Mágica’. Cf. J. C. Sales, Op. Cit., p. 140.
1088
J. C. Sales, Op. Cit., p. 417.
1089
R. Ritner, Op. Cit., 1993, p. 17.
240
Assim, a magia precede a criação e torna-se, depois, parte integrante desta e também
dos próprios deuses. Esta sua natureza de força primordial e quase que omnipresente justifica
que a magia fosse uma componente sempre presente na vida dos egípcios. Assim,
encontramos a magia nas palavras, ditas e escritas, nas imagens, de duas ou três dimensões,
nas cores, nos materiais, nos gestos, etc. Mas, de forma mais concreta, qual era o papel da
magia na vida dos egípcios? Como e para quê a usavam?
Tal como nos diz o Ensinamento para Merikaré, a magia foi criada pelo deus, que a
deu aos Homens, como forma de rechaçar as ameaças do quotidiano. Deste modo, os Homens
usavam as práticas mágicas, na sua vida, como forma de se proteger e defender daquilo que se
apresentava, no seu entender, como um perigo. Simultaneamente, a magia era também um
modo de propiciar aquilo que desejavam.
J. Borghouts, no seu artigo “Magie” no Lexikon der Ägyptologie III, apresenta os três
tipos de magia acessíveis aos egípcios1090:
1090
J. F. Borghouts, “Magie” in W. Helck, W. Westendorf (eds.), Lexikon der Ägyptologie III, Wiesbaden, Otto
Harrassowitz, 1980, cols. 1143 – 1144.
1091
“In the sense of evil influence by natural predisposition, without material manipulation.” Ibidem, cols. 1143
– 44.
1092
Também poderia estar associado a animais, plantas, etc. Cf. Ibidem, col. 1144.
1093
Ibidem, col. 1144.
241
Em suma, a magia a que os egípcios mais recorriam, no seu dia-a-dia, tinha uma
natureza defensiva e visava obter protecção antes da ocorrência e defesa caso o perigo se
concretizasse. No entanto, como já vimos, a magia era ainda uma ameaça e podia sê-lo pelas
mãos de alguém que a usasse como força destrutiva. Deste modo, a magia servia para
proteger, para curar mas também para magoar ou até matar.
Os feitiços não são fontes que possamos considerar como emanando directamente da
Religião Doméstica, pois não podemos afirmar que eles fossem exclusiva ou especificamente
de uso doméstico. Contudo, muitos feitiços remetem para situações próprias do ambiente
doméstico, como doenças, pesadelos, momentos relacionados com a procriação, o nascimento
e a infância, e fazem, até, referências ao seu uso em espaços de uma casa. Por exemplo, num
feitiço para proteger das cobras: “Words to be said over a lion of faience, threaded to red
linen. To be applied to a man's hand. It is to be given as a protection of the bedroom.”1094
De um modo geral, os feitiços são uma fonte prolífera em pequenas pistas sobre a
aplicação prática da magia, sobre certos procedimentos religiosos e ajudam, também, a
entender algumas fontes da cultura material. Assim, as fontes mais directamente relacionadas
com a magia fornecem-nos informações não só sobre este fenómeno como também sobre
outras questões. Estes dados são identificados na terceira parte das três que compunham um
feitiço1095 que correspondia às informações práticas sobre a sua aplicação1096.
1094
F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 142, p. 93.
1095
Como vimos no Capítulo II no âmbito da caracterização destas fontes. Ver páginas 25 – 6.
1096
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 166.
1097
Sobre a utilização de nós na magia ver: W. Wendrich, “Entangled, connected or protected? The power of
knots and knotting in ancient Egypt” in K. Szpakowska, Through a glass darkly: magic, dreams and prophecy in
Ancient Egypt, Swansea, The Classical Press of Wales, 2006, pp. 243 – 269.
242
sabemos, estas peças estão atestadas nas fontes materiais e sobre elas falaremos adiante.
Vejamos alguns exemplos.
Feitiço contra demónios que causam doenças: “Words to be said over cucumber-seed
[to be ground and heated] with wine, to be made into one mass. To be applied to him.”1098
Feitiço contra queimaduras: “Words to be said over resin from acacia, dough of
barley, carob beans, to be cooked; colocynths, to be cooked; faeces, to be cooked; to be made
into one mass. To be mixed with the milk of a woman who has given birth to a male child. To
be applied to the burn, so that it will be healed. You will bandage it will leaf of a ricinus-
plant.”1099
Feitiço contra dor de cabeça: “Words to be said over stalks of reed soaked in mucus, to
be twisted left wise, to be fitted with 4 knots, to be applied to the head of a man.”1100
Feitiço contra dor de cabeça: “This spell is to be said over threads from the border of a
nd-garment fitted with 7 knots, applied to the left foot of a man.”1101
Feitiço contra demónios que causam doenças: “God's words, to be said over two
divine barks and two udjat-eyes, two scarabs, drawn on a new piece of papyrus. To be
applied at his throat that it may drive him out quickly.”1102
Feitiço para o parto: “Oh good dwarf, come (...) Come down placenta, come down,
placenta, come down (...) See, Hathor will place her hand on her <as> an amulet of health. I
am Horus who saves her! (...) Words to be said 4 times over a dwarf of clay, placed on her
vertex of a woman who is giving birth (under) suffering.”1104
Feitiço contra dor de cabeça: “To be recited over ball of clay. Let the numbers of a
man be conjured because of his ailment while reciting this spell <against> a dead female
who robs, as a wailing-woman. To wipe four times with it. To be placed under the head of a
man - and no dead male or female will seek him!”1105
1098
P. Leiden I 343 + I 345. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 23, p. 19.
1099
P. BM 10059. Ibidem, nº 34, p. 25.
1100
P. Budapest 51.1961. Ibidem, nº 34, p. 30.
1101
P. Leiden I 348. Ibidem, nº 45, p. 31.
1102
P. Deir el-Medina 36. Ibidem, nº 55, p. 37.
1103
P. Leiden I 348. Ibidem, nº 38, p. 27.
1104
P. Leiden I 348. Ibidem, nº 61, p. 39.
1105
P. Leiden I 348. Ibidem, p. 20.
243
Feitiço contra dor de cabeça: “ (…) Come ye to remove that enemy, dead man or dead
woman, adversary male or female which is in the face of N, born of N. To be recited over a
crocodile of clay with grain in its mouth, and its eye of faience set [in] its head. (…) ”1106
Os feitiços são, essencialmente, usados para curar um problema, como dores diversas
ou mordidelas de animais, ou para proteger em momentos de fragilidade como o parto.
Contudo, temos também exemplos em que a magia, através de feitiços, era usada para
controlar a vontade de outrem, como é o caso do feitiço do Óstraco Deir el-Medina 1057 onde
se encontra um feitiço de amor de natureza manipuladora:
“Hail to you, Re' horachte, father of the gods! Hail to you, seven Hathors who are
clothed in wrappings of red linen! Hail to you, gods, lords of heaven and earth- let (the
woman) NN born of NN come after me like a cow after grass, like a maidservant after her
children, like a herdsman after his cattle. If they fail to make her come after me I will set <fire
to> Busiris and burn up <Osiris>!”1107
As estelas de Hórus sobre crocodilos ou Hórus cippi, pelos textos nelas inscritos, são
também consideradas na categoria das fontes textuais, ainda que devam também ser
examinadas pela sua iconografia e enquanto objectos per si. E neste caso temos um exemplar
considerado no âmbito das fontes materiais, localizado em zona residencial de Tell el-
Muqdam, datado da Época Baixa.
1106
P. Chester Beatty V. A. H. Gardiner, Op. Cit., p. 51.
1107
F. Borghouts, Op. Cit., 1978, nº 1, p. 1.
1108
Ver nota de rodapé 91, página 25.
1109
Cf. R. Ritner, “Magic in medicine” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol.
II, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, p. 326; L. M. Zucconi, “Medicine and religion in
ancient Egypt” in Religion Compass, 1 (1), 2007, p. 26.
244
relacionadas com a saúde. Verificamos, deste modo, que a magia era um recurso valioso
aquando do confronto com a doença, quer fosse ela uma simples dor de cabeça, ou algo mais
perigoso e ameaçador como a mordidela de um animal, por exemplo, de uma cobra ou de um
escorpião.
Este tema e a própria natureza das fontes textuais pedem ainda que nos questionemos
sobre quem eram os executantes das práticas mágicas.
Pese embora o facto de muitas práticas de natureza mágica poderem ser usadas,
quotidianamente, por ‘pessoas comuns’, recorrendo, por exemplo, à memorização e
transmissão oral1110, a verdade é que o recurso aos feitiços, às estelas de Hórus sobre
crocodilos e a outros tipos de ritos mais elaborados exigiriam a presença de um ‘profissional’
da magia. Geralmente recorre-se ao exemplo da chamada ‘caixa do mágico’1111 para atestar a
existência destes profissionais. A ‘caixa do mágico’ é um conjunto de peças identificadas
dentro de uma caixa num túmulo do Império Médio sob os armazéns do Ramesseum. J. E.
Quibell faz uma descrição detalhada do conteúdo da dita caixa: “First was a wooden box
about 18 X 12 x 12 inches. It was covered with white plaster, and on the lid was roughly
drawn in black ink the figure of a jackal. The box was about one third full of papyri which
were in extremely bad condition, three quarters of their substance having decayed away; if a
fragment of the material were pressed slightly between the finger and thumb it disappeared in
a mere dust. But the papyrus was inscribed; characters apparently of the XIIth dynasty
hieratic could be distinguished. The papyrus was packed with care and has been brought to
England. It is too delicate even to be unfolded, but it is to be hoped that Mr. Griffith may, by
copying what can be seen on one fold and then brushing or scraping this away, get access to
the next and so make out much of the text. In the box was also a bundle of reed pens, 16
inches long and a tenth of an inch in diameter, and scattered round it were a lot of small
objects; parts of four ivory castanets incised with the usual series of mythical creatures, a
bronze uraeus entangled in a mass of hair, a cat and an ape in green glaze, and a handful of
beads. These comprised spherical beads in amethyst and agate, barrel-shaped in haematite
and carnelian, glaze and carnelian beads of the shape of an almond, and one covered with
minute crumbs of glaze. The green glaze object like a cucumber in shape is not understood.
There is one at Gizeh and another has lately been found in a XIIth dynasty grave at El Kab.
The ivory piece is pierced at the round end for the insertion of a handle; similar objects were
1110
CF. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 130.
1111
Cf. R. Ritner, “Magic: an overview”, Op. Cit., 2001, p. 323; R. Ritner, “Une introduction à la magie dans la
religion de l'Égypte antique” in Annuaire AEPHE, Sciences religieuses, 117, 2008-9, p. 104.
245
found at Kahun but their use is not known. The rude doll, without arms or legs, is made of a
flat slip of wood 1 inch thick, the painted cross-lines on the body seem to represent some plaid
material. The next two dolls, with arms but cut off at the knees, are of limestone and glaze
respectively. A patch on the latter is covered, not with smooth glaze like the rest of the figure,
but with minute grains of blue frit; this must be due to imperfect firing, and shows that the
glaze was applied as a wash of ground frit. The same method is seen in the ushabtis of a far
later period. The figure of a dancer is in wood; the girl wears a mask and holds a bronze
serpent in each hand. The doll is in limestone, the ape in blue glaze, the dad in ivory, and the
coarse cup in blue glaze, while the plain castanet, and the handle (?) with two lions engraved
on it, are of ivory. Seeds of the dom palm and of balanites were also found here. A very
curious fragment is the ivory boy with a calf upon his back (length 2 inches).”1112
Esta caixa é composta por um variadíssimo conjunto de objectos que seriam usados
pelo ‘mágico’ no decorrer da sua actividade1113. Na mesma linha entram três peças
identificadas por F. W. Petrie numa casa em Lahun: “A very remarkable carving, which may
be a toy or a symbolic figure, is executed in hard wood, and was found buried in a hole in the
floor of a chamber (middle south side of rank A) along with the pair of ivory clappers. This
clearly represents a mummer or dancer in costume, with a head-dress or mask and a tail.
Strange to say in the next room of the same house I found one of the actual masks which were
so worn, made of cartonnage; three layers of canvas are modelled into the Bes-like face, such
as we see in the wooden figure, and painted black with grotesque arches over and under the
eyes, spots on the cheeks, band across the head, and red lips. The nostrils and eyes are
provided with holes, one eye having been torn larger to see more readily. The knocking about
in use had taken off some of the stucco, and it has been repainted black on the canvas base. In
the sketch the damages are omitted and the black surface is left plain. This suggests that the
head of Bes was intended for a mummer's mask; and as the god is often figured as dancing,
playing tambourines, pipes, &c., this is the more likely.”1114
1112
J. E. Quibell, The Ramesseum. The tomb of Ptah-Hetep, London, British School of Archaeology in Egypt
Publications, 1898, p. 3, Pl. III.
1113
Ver anexo 5.4.2, Fig. 227 e anexo 6, Fig. 323.
1114
F. W. Petrie, Op. Cit., 1980, p. 30, Pl. VIII-13; 13-A. Ver anexo 5.4.6, Fig. 287.
1115
Cf. S. Quirke, Op. Cit., pp. 81 – 3.
1116
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 130.
246
Os proprietários destas peças seriam sacerdotes que, quando libertos das suas
obrigações nos templos1117, fariam uso dos seus conhecimentos para auxiliar quem deles
necessitasse. A prática da magia exigia o domínio da escrita/leitura uma vez que esta se
baseava, em grande medida, no uso de manuais que estariam guardados nos templos:
“Composed, compiled, and stored in the scriptorium, such magical texts were exclusively
temple property, jealously guarded to prevent misuse by outsiders, whether foreign or
native.”1118 Assim, os sacerdotes, que usassem títulos como ‘Profeta de Heka’ ou ‘Chefe dos
segredos’1119 e que estivessem ligados a divindades associadas às questões da doença/saúde,
como Sekhemet1120, estariam presentes, possivelmente na casa do interessado, para porém em
prática o seu saber. R. Ritner dá uma imagem bastante ilustrativa desta realidade pegando no
exemplo dos feitiços relacionados com o parto: “ (…) they were recited not by anxious
mothers but by lector-priests or ‘magicians of the nursery’.”1121
Para terminar a análise das fontes textuais, para este tema, falta-nos referir os decretos
oraculares em forma de amuleto que, tal como as estelas de Hórus sobre os crocodilos, tinham
uma presença física na vida do usuário mas cuja finalidade residia, essencialmente, no texto
neles inscrito.
1117
Cf. R. Ritner, “Magic in daily life” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol.
II, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, p. 330.
1118
R. Ritner, “Magic: an overview”, Op. Cit., 2001, p. 322.
1119
Título que constava na caixa do mágico do túmulo sob o Ramesseum. Cf. Ibidem, p. 323; K. Szpakowska,
Op. Cit., 2008, p. 130.
1120
R. Ritner, “Magic in medicine”, Op. Cit., 2001, p. 326. Os sacerdotes de Sekhemet, assim como os de
Serquet, tinham também um papel estreitamente ligado à medicina. Apesar de existirem executantes específicos
da chamada medicina racional ou convencional (Swnw), os sacerdotes que curavam pela magia seriam também
entendidos como médicos. Cf. J. Nunn, Op. Cit., pp. 98 – 101, 113, 115; R. Ritner, “Magic: an overview”, Op.
Cit., 2001, p. 324; L. M. Zucconi, Op. Cit., p. 34. J. F. Borghouts afirma: “A strict differentiation between
magicians, priests and medical healers appear impractical.” J. F. Borghouts, Op. Cit., 1980, col. 1146.
1121
R. Ritner, “Magic: an overview”, Op. Cit., 2001, p. 324.
1122
Ver anexo 2.1, linhas 50 a 52.
247
No que respeita às fontes da cultura material encontradas em casa e ilustrativas do
papel e da prática da magia no contexto da Religião Doméstica, podemos considerar diversas
categorias/designações/tipologias, tendo em conta que estas têm diferentes níveis de
ocorrência e de expressividade1123. Vejamos a tabela abaixo.
Nº de Elementos a
Tipologias Função
ocorrências considerar
1076 Representam animais (219), deuses (588), Forma
(+ 3 casos sem Profilático /
Amuletos Figuras antropomórficas (60), nomes reais Cor
valores Apotropaico
concretos) (82) e formas diversas (127) Material
Figuras e Animais e figuras antropomórficas e partes Usadas no decorrer
__ Forma?
modelos do corpo de rituais mágicos?
Usadas no decorrer Som
Castanholas
Instrumentos 8 de rituais mágicos / Iconografia
Varinhas / ‘Wands’
Apotropaico Inscrições
Usadas no decorrer
Mobiliário e Máscara do deus Bes Forma
de rituais mágicos /
equipamento 8 Tijolo do nascimento Iconografia
Apotropaico /
ritual Descansos de cabeça Inscrições
Profilático
Iconografia
Profilático /
Decorações __ Representações de divindades, cores Cor
Apotropaico?
Inscrições
17 Bolas / Discos de barro Usadas no decorrer
Cor
__ Portas vermelhas de rituais mágicos /
Outros Iconografia
2 Estelas das orelhas Apotropaico /
Inscrições
1 Hórus cippi Profilático
Os amuletos são a expressão mais comum da magia no Egipto antigo. Mesmo não
recorrendo a ritos mais complexos, a maioria das pessoas usaria um ou mais amuletos como
1123
De notar que se a magia está presente em todos os elementos considerados nesta investigação, no entanto,
optámos por considerar aqui os vestígios cuja função pretendida seria totalmente ou em grande parte mágica.
1124
Para contabilização mais detalhada ver Capítulo II, pp. 84 – 87.
248
forma de se protegerem1125 no quotidiano1126. G. Pinch afirma: “The use of amulets is
probably the most famous aspect of Egyptian magic.”1127
No caso dos amuletos que representam animais temos presentes touros, carneiros,
macacos, falcões, lebres, peixes, cobras, leões, porcos, estrelas-do-mar, libelinhas, rãs, aves,
bezerros, cães, chacais, crocodilos, escaravelhos, escorpiões, íbis, panteras(?), patos,
tartarugas e vacas. Os mais representados são os peixes, em primeiro lugar, as rãs, em
segundo e as cobras em terceiro1131. Já vimos que as rãs1132 estariam, muito provavelmente,
ligadas à deusa Heket, uma divindade relacionada com a fertilidade, gravidez e parto. Os
amuletos em forma de cobra estariam direccionados para a protecção contra a mordidela
destes animais. Já os amuletos em forma de peixe1133, que poderiam representar diferentes
espécies, nem sempre identificáveis, são vistos como amuletos de boa sorte, de felicidade e
prosperidade. Poderiam também ser usados como protecção contra afogamentos. Caso se trate
de representações de Tilapia ou Bolti, peixes que guardavam as crias na boca em caso de
ameaça e depois os cuspiam, tratar-se-ia de amuletos associados à regeneração, e
particularmente direccionados para o contexto funerário1134.
1125
As palavras que se traduzem por amuleto vêm de verbos que significam mesmo guardar e proteger. Cf. C.
Andrews, Op. Cit., 2001, p. 75.
1126
Cf. J. Baines, Op. Cit., 1991, p. 168.
1127
G. Pinch, Op. Cit., 1994, p. 104.
1128
Cf. C. Andrews, Op. Cit., 1994, p. 6.
1129
Cf. C. Andrews, Op. Cit., 2001, p. 75.
1130
Cf. Ibidem, p. 76.
1131
Ver gráfico 3, página 85.
1132
Ver anexo 5.4.1, Figs. 103 e 104.
1133
Ver anexo 5.4.1, Fig. 102.
1134
Cf. C. Andrews, Op. Cit., 1994, p. 67.
249
Os amuletos em forma de divindades contemplam deuses como Amon ou Khnum,
Anúbis, Aton, Bastet, Bes, Harpócrates, Hathor, Hat-Mehyt, Hórus, Ísis, Maat, Mihos,
Nefertum, Nehebka, Osíris ou Khnum, Ptah, Ptah-Sokar-Osíris, Ptaikos, Sekhemet, Shu,
Taueret e Tot. E não surpreende que os deuses mais representados sejam Bes, Taueret e
Hathor1135, respectivamente, três divindades muito próximas da vida familiar.
No que respeita aos amuletos com formas antropomórficas ou partes do corpo eles
cobrem, maioritariamente, figuras humanas de género não identificado, figuras masculinas,
figuras femininas, representações de Akhenaton e mãos.
Pensando agora no conjunto de figuras e modelos, vimos já que a função destas peças
não foi ainda completamente definida, tendo-se avançado com várias hipóteses, sendo uma
delas e, tendo em conta o que dizem alguns feitiços, a de que seriam usadas no âmbito de
rituais mágicos. Contudo, no conjunto das figuras que foram encontradas em casa existem
quatro que não deixam dúvidas quanto à sua utilização, trata-se de exemplares de cativos ou
figuras de execração identificadas na zona habitacional de Uronarti.
Estes rituais, atestados desde o Império Antigo até à Época Baixa1142, estão
principalmente ligados a uma magia de cariz estatal: “(…) the political function of the
execration rituals was to insure Egypt’s internal stability and Egypt’s external dominance in
the most general sense1143.” Contudo, ainda que os inimigos do país1144 fossem o principal
enfoque destes rituais, eles poderiam ser também usados por privados1145 como forma de
aniquilar os seus inimigos, vivos ou mortos1146.
1139
CF. R. Ritner, Op. Cit., 1993, p. 137. O autor considera que estas figuras são as precursoras das bonecas de
voodoo. Ver anexo 6, Fig. 324.
1140
Ligação com o lado maléfico da cor a que R. Ritner chamada de “Sethian associations”. R. Ritner, Op. Cit.,
1993, p. 147.
1141
Cf. R. Ritner, Op. Cit., 1993, pp. 136 – 147; K. Muhlestein, Op. Cit.; E. Jambon, “Les mots et les gestes.
Réflexions autour de la place de l’écriture dans un rituel d’envoûtement de l’Égypte pharaonique” in Cahiers
«Mondes anciens » [En ligne], 1, 2010; S. Seidlmayer, “Execration texts” in D. B. Redford (ed.), The Oxford
Encyclopedia of Ancient Egypt, Vol. I, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 487 – 489.
1142
Cf. R. Ritner, “Magic: an overview”, Op. Cit., 2001, p. 322; S. Seidlmayer, Op. Cit., p. 487.
1143
S. Seidlmayer, Op. Cit., p. 488.
1144
Cf. E. Jambon, Op. Cit., p. 10.
1145
K. Muhlestein, Op. Cit., p. 2; R. Ritner, “Magic: an overview”, Op. Cit., 2001, p. 322.
1146
K. Muhlestein, Op. Cit., p. 2.
1147
Cf. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1980, col. 1143; S. Seidlmayer, Op. Cit., pp. 487 – 488.
1148
Como já vimos, as ‘wands’ não são um vestígio que tenha sido encontrado em casa, contudo, a sua função
aponta para um uso doméstico. Por essa razão já as analisámos e também por isso as incluímos neste ponto.
251
das imagens que neles eram representadas A protecção que se esperava advir do uso destas
peças residia nas figuras que decoravam o objecto.
O tijolo do nascimento de Abidos Sul possui uma profusa e colorida decoração pintada
especialmente direccionada para a questão do nascimento1149. A imagética do tijolo, tal como
a das ‘wands’, evoca a mitologia do nascimento e da defesa do deus-sol contra as forças
destrutivas e o recém-nascido humano era aí identificado com o recém-nascido divino1150.
As figuras que eram representadas no tijolo e a cor com que estas foram foram
pintadas formavam um conjunto mágico e esperava-se que esse conjunto, pelo poder de que
estava imbuído, actuasse para proteger a mãe e a criança no momento do nascimento. Era
como se a magia garantisse que aquelas figuras estavam mesmo ali e que actuariam para
atacar todas as ameaças.
Esta mesma lógica era aplicada às ‘wands’: “By means of sympathetic magic, the
imagery on the magical wands permits the successful defence of the newborn sun-god to
transferred to the human reproductive process.”1153
A decoração das ‘wands’ era composta por uma vasta panóplia de seres – deuses e
génios1154 – cuja disposição não respondia a um cânone, apenas a uma organização interna1155
1149
Cf. J. Wegner, Op. Cit., 2009, p. 455.
1150
Cf. Ibidem, p. 447; K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 29; J. Roberson, “The early history of "new kingdom"
netherworld iconography: a Late Middle Kingdom apotropaic wand reconsidered” in D. P. Silverman, W. K.
Simpson, J. Wegner (eds.), Archaism and Innovation: Studies in the Culture of Middle Kingdom Egypt,
Philadelphia, New Haven Department of Near Eastern Languages and Civilizations, Yale University, 2009, p.
436.
1151
Ver anexo 5.4.6, Figs. 289 A e B.
1152
J. Wegner, Op. Cit., 2009, p. 455.
1153
Ibidem, p. 477.
1154
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2009, p. 802.
1155
Cf. J. Roberson, Op. Cit., p. 437.
252
e que compreendia o deus Bes/Aha, a deusa Taueret/Ipet e criaturas como grifos, panteras
com pescoço de serpente, sapos, abutres, crocodilos, várias serpentes, touros de duas cabeças,
esfinges, etc., sendo que algumas destas figuras usavam adagas e seguravam cobras para
demonstrar a agressividade com que iriam combater as ameaças1156.
1156
Cf. Ibidem, p. 436; K. Szpakowska, Op. Cit., 2008, p. 28. Para uma análise detalhada da iconografia das
‘wands’ ver H. Altenmüller, Op. Cit., 1965, pp. 136 – 77. Ver anexo 6, Figs. 306 a 311.
1157
Ver anexo 5.4.6, Fig. 274.
1158
Ver anexo 6, Figs. 325 a 330.
253
the Ennead on their entourage, but hybrids similar or identical to the ones who appear on the
magical ‘wands’ used to protect pregnant woman.”1159
Descanso de cabeça do British Museum (BM 35807)1164 – “Formule à dire par les
nombreuses (divinités protectrices hippopotames et protecteurs Aha ou Bès): ‘nous venons et
nous exerçons notre protection autour de la protection de la santé et de la vie, afin qu’elle (la
protection) rende son cœur sain à Ouhem, afin qu’elle le renforce à nouveau, le dieu Anubis,
Vie Force Santé’”.1165
K. Szpakowska afirma: “(…) dreams and nightmares were also phenomena over
which the dreamer had little control, and their permeable boundaries allowed both the divine
1159
K. Szpakowska, Op. Cit., 2003 p. 173.
1160
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2011, p. 76.
1161
M. Perraud, faz uma comparação entre as inscrições de dois descansos de cabeça com as das ‘wands’. Ver
M. Perraud, “Appuis-tête à inscription magique et apotropaïa” in Bulletin de l'institut Français d'Archéologie
Oriental, 102, 2002, pp. 309 – 326.
1162
Ver página 150.
1163
M. Perraud, Op. Cit., p. 314.
1164
Ver anexo 6, Fig. 327.
1165
M. Perraud, Op. Cit., p. 315.
1166
Ver anexo 6, Fig. 330.
1167
K. Szpakowska, Op. Cit., 2003 p. 179, nota 87.
254
and the demonic inhabitants to the beyond access to the visible world.”1168 Os sonhos e os
pesadelos eram uma forma de contacto entre o domínio humano e o divino1169, sendo que se
diferenciam por serem os sonhos uma experiência positiva para o sujeito, e os pesadelos uma
experiência com consequências semelhantes a uma doença, sendo até causados pelo mesmo
tipo de entidades1170.
Os sonhos eram, deste modo, um instrumento que permitia aos egípcios encontrarem-
se e comunicarem com os deuses e com os mortos1171 como podemos verificar em algumas
passagens nas cartas aos mortos e no Livro dos Sonhos.
Carta numa estela: “Please become a spirit for me [before] my eyes so that I may see
you in a dream fighting on my behalf.”1173
Livro dos sonhos: “If a man sees himself in a dream looking through a window; good,
(it means that) his call will be heard by his god.”1174
Quanto aos pesadelos, estes eram entendidos como resultando da acção dos mortos e
dos demónios e, deste modo, uma ameaça para a qual as pessoas necessitavam de protecção.
Se, por um lado, dormir poderia ser um momento favorável ao encontro com os deuses e com
os familiares falecidos, por outro lado, a noite e o sono eram também momentos entendidos
como sendo de grande vulnerabilidade para os humanos pois estes poderiam ser alvos de
ataques de entidades maléficas1175. Os decretos oraculares em forma de amuleto, por exemplo,
são bem claros neste aspecto.
T.1 (Turin Museum 1983): “We shall make every dream which she has seen, good; We
shall make every dream which she will see, good; we shall make every dream any male, any
female or any person of any kind in the whole land has seen for her, good; we shall make
1168
K. Szpakowska, Op. Cit., 2011, p. 63.
1169
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2003, p. 123; K. Szpakowska,“Nightmares in ancient Egypt” in J.-M. Husser,
A. Mouton (eds.), Le cauchemar dans l’Antiquité: actes des journées d'étude de l'UMR 7044 (15-16 Novembre
2007, Strasbourg), Études d'archéologie et d'histoire ancienne, Paris, de Boccard, p. 26.
1170
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2003, p. 167.
1171
Cf. E. Teeter, Op. Cit., p. 158; K. Szpakowska, Op. Cit., 2011, p. 64.
1172
E. Wente, Op. Cit., 1990, nº 343, p. 212
1173
Ibidem, nº 349, p. 215.
1174
K. Szpakowska, Op. Cit., 2003, p. 82.
1175
Cf. K. Szpakowska, Op. Cit., 2011, p. 6; K. Szpakowska, Op. Cit., 2003, pp. 162 e 167.
255
every dream any male, any female or any person of any kind in the whole land will see for
her, good.”1176
Come to me, my mother Ísis! Look, I see something which is far from me, in my own
city! Look, my son Horus, do come out with what you have seen - so that your dumbness
finishes, so that your dream apparitions draw back! A fire will leap out against the thing that
frightened you. Look, I have come to see you that I may drive out your vexations, that I may
annihilate all ailments. Hail to you, good dream! May night be seen as day! May all bad
ailments brought about by Seth, the son of Nut, be driven out. Victorious is Re' over his
enemies, victorious am lover my enemies! This spell is to be said by a man when he has a
nightmare on his (own) place. Psn-breads should be given to him in (his) presence, as well as
some fresh herbs, which should be soaked in beer and myrrh. A man's face should be rubbed
with it. A means to dispel any nightmares he has seen.”1177
Assim sendo, é perceptível que os descansos de cabeça fossem, também, usados para
garantir uma protecção contra os seres que ameaçavam o sono dos humanos. As inscrições e
as figuras representadas nestas peças garantiam ao usuário um sono descansado.
Por fim, e no seguimento desta análise do domínio mágico das imagens, cabe uma
referência ao poder das cores.
Na nossa base de dados, tendo em conta as estruturas arquitectónicas com algum tipo
de decoração e as decorações isoladas, identificamos cerca de oitenta casos com vestígios de
cor vermelha e amarela, sendo que esta última aparece quase sempre conjugada com a
primeira.
O uso das cores respondia à simbologia que lhes estava subjacente e, portanto, a
escolha do amarelo, mas principalmente do vermelho, não seria uma escolha meramente
decorativa, ela estaria subordinada ao significado e ao poder mágico dessa cor.
A presença do amarelo não é óbvia. O amarelo estava associado ao deus Ré, ao sol no
seu lado dador da vida e regenerador e ao ouro que era, também, a representação da carne dos
1176
I. E. S. Edwards, Op. Cit, p. 52.
1177
P. Chester Beatty In, rt. 10, 10-9. J. F. Borghouts, Op. Cit., 1978, pp. 3 – 4.
256
deuses. Em termos conceptuais estava ligado à ideia de imortalidade e eternidade1178. Assim,
o seu poder mágico não é claro ainda que a forte ligação desta cor ao divino possa ser
entendida, no contexto doméstico, como uma forma de evocar a sua presença.
A cor vermelha era uma cor ambivalente. G. Robins afirma: “It was considered a very
potent color, hot and dangerous, but also life-giving and protective.”1179
O uso da cor vermelha podia servir para coisas negativas como assinalar os dias maus
nos calendários dos dias fastos e nefastos1180 ou para escrever o nome dos inimigos nos rituais
de execração1181, mas também tinha uma forte vertente protectora e era nesse sentido que,
como vimos, era usada para pintar as portas de modo a impedir a entrada dos inimigos. A sua
presença com cariz decorativo nas estruturas religiosas e/ou outros espaços domésticos
serviria também como forma de evocar o seu poder apotropaico.
Notas finais
A magia era uma constante na civilização egípcia, tanto ao nível das concepções mais
elaboradas, como as da criação do mundo, até aos aspectos mais banais da vida quotidiana do
homem comum.
No que respeita à Religião Doméstica, a magia é, sem dúvida, uma manifestação com
um enorme peso, com uma presença muito significativa, que pode ser identificada tanto nas
fontes textuais como numa grande panóplia de fontes materiais. E estas fontes, os seus usos,
as suas diferentes expressões, demonstram que o principal enfoque da magia era a protecção e
a resposta às ameaças que os egípcios enfrentavam no seu dia-a-dia, mas, ao mesmo tempo,
poderia também ser usada com um intuito destrutivo e prejudicial.
Assim, dada esta predominância da magia na vida doméstica, não é de admirar que J.
Assmann a confunda com a própria Religião Doméstica: “Functionally, magic is to be defined
1178
Cf. G. Robins, Op. Cit., p. 292.
1179
Ibidem.
1180
Ver anexo 2.2, Fig. 3.
1181
Cf. G. Robins, Op. Cit., p. 292.
1182
N. Harrington, Op. Cit., 2013, p. 67.
257
as ‘religion applied to the domestic sphere’.”1183 Contudo, este pensamento deixa de fora
todas as outras expressões religiosas que ocorriam em casa. Certamente que podemos
considerar que o culto aos antepassados e o culto aos deuses também estava revestido de uma
carga mágica, no entanto, são manifestações religiosas por direito próprio e que, tal como
fizemos, é possível considerar e analisar de forma independente.
O primeiro e o último caso não têm expressão nas fontes consideradas. Contudo, e
particularmente no caso da onomástica, o conhecimento que existe da questão permite um
posicionamento no âmbito da Religião Doméstica. Comecemos exactamente por esta questão.
M. H. T. Lopes afirma sobre o nome no Egipto antigo: “Para o antigo egípcio, o nome
era uma dimensão essencial do ser divino ou humano, que não só definia o seu ser como
expressava as suas qualidades e a sua força.”1184
No Egipto dar o nome a uma criança, função primeiramente materna1185, ia muito além
de uma mera escolha com base em gostos pessoais. Dar o nome era uma expressão da própria
criação, era finalizar, pela palavra, uma existência que já tinha manifestação física1186.
Além desta vertente, o nome era também definidor de quem o usava e tinha um peso
no seu destino: “No Antigo Egipto, o nome próprio produzia o ser, participando do seu
destino, na sua essência mais íntima, enquanto uma das suas manifestações. Ele expressava a
natureza do seu portador, as suas qualidades e características, pois nele estavam contidas
todas as significações do ser, uma ‘família de descrições’, que nenhuma definição posterior
poderia decompor.”1187
1183
J. Assmann, Op. Cit., 1997, p. 3.
1184
M. H. T. Lopes, O Homem Egípcio e a sua integração no Cosmos, Lisboa, Teorema, 1989, p. 108.
1185
Cf. P. Vernus, “Namengebung” in W. Helck, W. Westendorf (ed.), Lexikon der Ägyptologie IV, Wiesbaden,
Otto Harrassowitz, 1982, cols. 326 – 7.
1186
Cf. Ibidem; M. H. T. Lopes, “A problemática da nomeação do antigo Egipto” in Revista da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas, nº 9, 1996, p. 11.
1187
M. H. T. Lopes, Op. Cit., 1996, p. 12.
258
Por outras palavras, dar um nome a uma criança era um acto de criação pela palavra e
simultaneamente uma definição da natureza e características do portador. Contudo, a escolha
propriamente dita poderia fundar-se em diferentes razões como as circunstâncias do
nascimento, a manutenção da linhagem e os traços de personalidade da criança1188.
1188
Cf. Ibidem, pp. 13 – 4; P. Vernus, Op. Cit., 1982, cols. 327 – 330.
1189
Os nomes egípcios respondem a diferentes classificações de acordo com a lógica da sua formulação e o seu
conteúdo. Para mais ver: M. H. T. Lopes, Os nomes próprios no Império Novo, Tese de doutoramento
policopiada, Faculdade de ciências sociais e humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1994, pp. 127 – 128.
1190
Ibidem, p. 129.
1191
Cf. E. Teeter, Op. Cit., 2011, p. 11; P. Vernus, Op. Cit., 1982, cols. 327 – 28.
1192
H. Ranke, Die ägyptischen Personennamen, Vol. I., Gluckstedt, Hamburgo, Et von J J. Augustin, 1952, p.
172, nº14.
1193
Ibidem, p. 266, nº25.
1194
Ibidem, p. 356, nº6.
1195
Ibidem, p. 256, nº24.
1196
Ibidem, p. 157, nº25.
1197
Ibidem, p. 331, nº8.
1198
Ibidem, p. 255, nº3.
1199
Ibidem, p. 121, nº18-9.
1200
Ibidem, p. 208, nº10.
1201
Ibidem, p. 291, nº14 e 16.
1202
Ibidem, p. 29, nº9.
1203
Ibidem, p. 409, nº17.
1204
Ibidem, p. 301, nº23.
1205
Cf. M. H. T. Lopes, “A ‘piedade pessoal’: reflexos na onomástica Egípcia do Império Novo” in Estudos de
Egiptologia, Edição Associação Portuguesa de Egiptologia, 2003, p. 25.
259
O nome poderia ser, igualmente, uma forma de expressar uma devoção pessoal por
determinada divindade1206. J. Baines afirma: “Personal names of all periods form another
crucial but poorly understood body of evidence relating to piety.”1207 E M. H. T. Lopes
explica: “Eles surgem-nos, sempre, como indicadores da piedade pessoal dos antigos
egípcios. Algumas vezes, eles são simples exclamações do nome de uma ou mais divindades,
demonstrando assim, de uma forma inequívoca, a sua preferência em termos de devoção
pessoal, num momento crucial e difícil da vida de dois seres. Noutros momentos, eles são
indicadores de uma das qualidades de um deus, explicitando, deste modo, a sua apetência
por esta ou aquele divindade, cuja personalidade é vincada no seu nome. Como evidente,
num e noutro caso, a escolha desta divindade nunca é inocente, dai que os nomes teoforicos
sejem bem o reflexo ou o retrato fiel do sentimento religioso, num dado tempo.”1208
1206
Cf. P. Vernus, Op. Cit., 1982, col. 328.
1207
J. Baines, Op. Cit., 1991, p. 176.
1208
M. H. T. Lopes, Op. Cit., 1994, p. 127.
1209
H. Ranke, Op. Cit., p. 57, nº7.
1210
Ibidem, p. 81, nº1.
1211
Ibidem, p. 196, nº20.
1212
Ibidem, p. 4, nº1.
1213
Ibidem, p. 154, nº21.
1214
Ibidem, p. 235, nº13.
1215
Ibidem, p. 4, nº7.
1216
Ibidem, p. 85, nº13.
1217
Ibidem, Vol. II, p. 221.
1218
Ibidem, Vol. II, p. 223. Também temos casos em que o nome da pessoa corresponde ao nome da divindade,
apenas. Poderia ou não tratar-se de ‘diminutivos’ do nome completo. Cf. M. H. T. Lopes, Op. Cit., 1994, p. 130;
G. Vittmann, “Personal names: structures and patterns” in W. Wendrich (ed.), UCLA, Encyclopedia of
Egyptology, Los Angeles, 2013, p. 4.
260
Voltemos agora a uma questão que já foi abordada no capítulo II e explorada de uma
forma aprofundada: os enterramentos infantis em espaço doméstico. Esta prática, que não se
enquadra em nenhuma das categorias estudadas, é aqui considerada como tendo um carácter
religioso, ainda que o conhecimento actual da questão não permita a total apreensão do seu
significado.
Subjacente a esta prática poderia estar a vontade de manter a criança por perto de
modo a cuidá-la e/ou cultuá-la ou, sendo a criança entendida como estando num limiar entre o
mundo humano e o divino, a sua presença em casa poderia ser entendida como um meio
propiciador de contacto com as entidades protectoras. Assim, embora a ausência de um estudo
de fundo sobre esta questão não nos permita conhecer, para já, o verdadeiro significado destes
enterramentos, a verdade é que tudo aponta para a existência de um fundo religioso.
Por fim, fazemos uma breve referência apenas, à questão da transmissão dos valores
morais usando as palavras da autora que levanta esta problemática: “What about moral
values? Was it not in the home that the moral code, the ethics of the Egyptian way of life, was
taught and passed on to the next generation?”1219
B. Lesko aborda a questão da transmissão dos valores morais, não num sentido lato e
cultural, mas concretamente os valores éticos, morais e religiosos que seriam, em casa,
transmitidos de pais para filhos. Trata-se de uma prática que não poderá ser atestada por se
tratar de um comportamento que, tal como a autora o apresenta, decorreria do exemplo e de
instruções orais passadas de pais para filhos. Esta transmissão de valores morais reveste-se de
um cariz religioso e como tal poderia ser também uma forma de expressar uma crença. Por
outras palavras, seria também uma manifestação religiosa.
Não temos como atestar esta prática, mas podemos acreditar que a lógica apresentada
faz sentido, sendo até coerente com o que se passa na actualidade. E, de alguma forma, essa
transmissão de valores e ensinamentos religiosos seria também uma expressão de crença, uma
manifestação religiosa.
1219
B. Lesko, Op. Cit., p. 201.
261
IV.5. Notas finais
A questão dos filhos e tudo aquilo que envolve – fertilidade, gravidez, parto, infância
– ocupa um papel fulcral na vida familiar e esse papel repercute-se no comportamento
religioso. Os egípcios muniram-se de todas as armas possíveis para garantir a sua
262
descendência e as práticas religiosas em casa, nas suas diferentes expressões foram disso a
maior evidência.
O culto a divindades em casa está atestado desde o Império Médio ainda que de forma
residual. De acordo com as nossas fontes o auge só é efectivamente atingido no Império Novo
mas é claro que as raízes são anteriores.
Não satisfeitos com estes dois recursos poderosos, os egípcios socorriam-se ainda, e
com grande frequência, do poder da magia.
As práticas mágicas, nas suas diversas manifestações, foram usadas pelos egípcios
para se protegerem das diferentes ameaças e também para as resolverem caso se
concretizassem. As palavras, as formas, as imagens, as cores e os gestos podiam estar
revestidos de um poder, de uma força – Heka – que era anterior à criação e que os egípcios
usaram para sua protecção, para obter o que desejavam e até com fins destrutivos.
Em suma, o conjunto das fontes, textuais e materiais, que identificámos permite dar
forma àquilo que era o fenómeno da Religião Doméstica: um conjunto de manifestações de
natureza religiosa que procurava, no seio do espaço doméstico, recorrendo aos deuses, aos
mortos e à magia, dar resposta a um conjunto de motivações, fossem elas desejos ou ameaças.
263
264
CONCLUSÃO
Deste modo, cabe agora fazer uma síntese das ideias principais que emanam deste
estudo.
A Piedade Pessoal reúne as diferentes expressões religiosas usadas pelo crente egípcio
de modo a responder à sua necessidade de contactar com o divino. A pertença a este conjunto
maior é apontada como uma das fraquezas da Religião Doméstica, pois ao estar integrada
num grupo tão diverso e ao ser vista apenas como parte dele e não como uma prática religiosa
com as suas próprias características, a Religião Doméstica foi relegada pelos estudiosos para
segundo plano.
Neste contexto surgiu, também, a questão da própria definição do que se entende por
Religião Doméstica. Nós definimos Religião Doméstica como o conjunto das manifestações,
265
usos e condutas de cariz religioso que tinham lugar em casa. Todavia, é preciso ter presente
que na bibliografia podemos encontrar outros entendimentos da questão. Existem autores que
entendem por Religião Doméstica aquilo que nós consideramos ser a Piedade Pessoal.
Começámos por nos focar nas fontes textuais. As fontes textuais têm um papel
secundário nesta investigação por comparação com as fontes materiais. A verdade é que não
existem fontes textuais sobre a Religião Doméstica. O que temos são textos, de diversas
naturezas, que nos permitem entrever informações úteis para o estudo do tema.
Seleccionámos, tendo por base os trabalhos de R. Ritner1220 e de A. Stevens1221, um conjunto
de documentos que compreende: as cartas, o Livro dos Sonhos, os calendários dos dias fastos
e nefastos, os textos de cariz mágico – feitiço, decretos oraculares em forma de amuleto,
estelas de Hórus sobre os crocodilos – e outros, que incluem ensinamentos, autobiografias,
hinos, documentos transaccionais e inscrição em estelas e estruturas domésticas. Estas
demonstraram ser as fontes mais expressivas e contributivas para o entendimento da questão,
uma vez que os documentos escolhidos ajudam-nos a complementar os dados dos vestígios
materiais em temáticas como a relação com os deuses e antepassados, as ameaças/motivações
1220
Cf. R. Ritner, Op. Cit., p. 172.
1221
Cf. A Stevens, Op. Cit., 2009, pp. 1 – 3.
266
e as práticas e recursos1222. Com o intuito de melhor caracterizar alguns assuntos que foram
sendo considerandos ao longo do texto, principalmente, no que respeita ao enquadramento de
determinadas situações e comportamentos indirectamente relacionados com o tema,
recorremos, ainda, a outros textos, como, por exemplo, inscrições tumulares e os Textos das
Pirâmides.
Esta base de dados1224 reúne 3609 vestígios contabilizados e trinta e duas situações em
que foi identificada a presença de fontes mas em que não é possível obter um valor concreto.
Estes elementos estão organizados em 2699 entradas.
Quanto às características das fontes propriamente ditas, foi definido que só seriam
incluídos materiais provenientes de casas ou espaços directamente associados a estas, como
jardins ou pátios. Excepcionalmente, objectos provenientes de áreas adjacentes a casas e que
cumpram os restantes critérios foram também integrados. Além do espaço de proveniência
1222
Ver tabela 1, página 32.
1223
Cf. A Stevens, Op. Cit., 2009.
1224
Ver anexo 4.
267
considerou-se o facto de o vestígio apresentar uma natureza religiosa evidente como factor de
inclusão, tal como acontece, por exemplo, com as estátuas de divindades. Nos casos em que a
vertente religiosa do objecto não é manifesta, teve-se em conta três aspectos: a identificação
feita por arqueólogos e investigadores que trabalharam o objecto e/ou o tema; as perspectivas
da investigação egiptológica actual e o processo de comparação com objectos similares
provenientes de contextos religiosos. Neste domínio posicionam-se, por exemplo, as figuras
femininas e de animais.
Será necessário ter em conta, ao trabalhar com esta base de dados que estes são os
critérios que a enformam. Por outras palavras, os vestígios que nela incluídos respeitam, as
balizas temporais e espaciais delimitadas, e, simultaneamente, os parâmetros expostos. De
notar, ainda, que o processo de selecção destas fontes foi dado por concluído em Setembro de
2014, como tal, vestígios escavados depois desta data ou que nesta altura não estavam ainda
publicados não foram, obviamente, incluídos.
Vejamos, então, de forma mais concreta os elementos que compões esta base de
dados. Os vestígios considerados são provenientes de trinta povoados e foram, primeiramente,
agrupados em quatro categorias: estruturas arquitectónicas, decoração, objectos e outros.
Estas categorias apresentam, depois, diversas designações: altares, capelas, nichos, lajes de
lustração e portas falsas para as estruturas arquitectónicas; relevos, pinturas e inscrições para
as decorações; joalharia e amuletos, figuras e modelos, estátuas, estatuetas e bustos, estelas,
peças de cerâmica, instrumentos, mobiliário e equipamento ritual, placas decoradas e
figurativas e outros para os objectos; e enterramentos infantis para a categoria de outros.
Seguidamente cada uma destas designações foi dividida em tipologias 1 e depois em
tipologias 2. Este processo de afunilamento na classificação das fontes permite, de forma
gradual, identificar diferentes elementos que caracterizam o vestígio em causa.
Esta reunião e organização das fontes materiais para o estudo da Religião Doméstica
em formato de base de dados é um elemento fulcral desta investigação. Por um lado, a
apresentação que fazemos das fontes materiais, no capítulo II, só é possível graças a ela. Por
outro lado, esta base de dados foi primacial para a concretização do nosso objectivo central.
Só conhecendo as fontes materiais existentes para o estudo do tema, principalmente estando
organizadas de forma clara e sistemática, foi possível avançar para uma caracterização
efectiva desta prática religiosa.
Devemos salientar, ainda, que esta reunião e sistematização abre possibilidades para
um grande número de investigações futuras. Nós optámos por uma perspectiva global do
268
tema, contudo, existe uma vasta quantidade de elementos que pedem um estudo aprofundado
e esse estudo será, claramente, facilitado pela existência prévia de uma identificação das
fontes.
Neste contexto analisámos ainda dois povoados em particular, Deir el-Medina e Tell
el-Amarna, para atestar que eles são não só incontornáveis no estudo desta questão, como
dominam, em termos de proveniência de fontes. Em conjunto, estes povoados reúnem mais de
50% dos vestígios materiais considerados. Contudo, este domínio não pode fazer esquecer
que foram identificados outros vinte e oito povoados com fontes que atestam manifestações
da Religião Doméstica e que o seu contributo tem que, obrigatoriamente, ser levado em conta,
para que a imagem construída desta prática seja mais realista e completa.
269
No que respeita ao enquadramento temporal, e tendo também em conta a datação das
fontes/povoados, o nosso intuito foi perceber se existiu, de facto, um ‘período típico’ da
Religião Doméstica no Egipto antigo.
Partimos para esta investigação sabendo que, de acordo com a bibliografia, só era
possível conhecer a Religião Doméstica no antigo Egipto a partir do Império Novo. Todavia,
consideramos que os dados que reunimos nos permitem, simultaneamente, validar e contrariar
estes pressupostos. Por um lado, o número de fontes e de povoados atesta o proclamado
predomínio do Império Novo e períodos seguintes. A partir do Império Novo contabilizámos
cerca de 85% das fontes ponderadas, com destaque, obviamente, para Deir el-Medina e Tell
el-Amarna com cerca de 63% destas fontes. Por outro lado, consideramos que os dezasseis
povoados com vestígios anteriores ao Império Novo, apesar de fornecerem um menor número
de dados, contrariam a ideia de que só é possível conhecer a Religião Doméstica a partir do
Império Novo. Embora estejamos a falar de apenas cerca de 500 vestígios, estes cobrem todas
as categorias previstas, oito das nove designações e a grande maioria das tipologias, e, como
tal, não só atestam a existência da Religião Doméstica nestes períodos como possibilitam, se
não ter uma imagem completa e aprofundada, pelo menos conhecer condutas e motivações.
Em suma, o Capítulo III permite-nos perceber que a Religião Doméstica era uma
prática religiosa presente em todo o território considerado e, embora os vestígios estejam
desigualmente distribuídos pelo tempo, eles atestam uma existência que remonta, pelo menos,
ao início do Período Dinástico, que cresce exponencialmente no Império Médio e atinge o seu
auge no Império Novo.
Começámos por analisar a questão dos deuses de modo a perceber quais eram as
divindades presentes nos vestígios e se era possível identificar primazias. Esta reflexão levou-
nos a concluir que a escolha dos crentes recaía, com destacada maioria, em divindades
270
domésticas e familiares como Bes e Taueret. O deus Bes estava presente em mais de 430
vestígios e a deusa Taueret em mais de 100. Hathor e Ísis, divindades maiores do panteão,
mas igualmente com uma forte ligação à vida familiar e em particular à mulher, devem
também ser destacadas. Contudo, identificámos, para além destas divindades, cerca de 30
outras, tanto deuses maiores do panteão, por exemplo Amon, Tot e Ptah, como deuses
menores e regionais, por exemplo Merseger e Renenutet. Na nossa perspectiva isso atesta que,
embora, o favoritismo pese sobre as divindades próximas da vida familiar, a verdade é que o
crente tinha uma vasta panóplia de divindades disponíveis e que podia fazer a sua escolha de
acordo com o que melhor se adequasse às suas necessidades.
As fontes, neste caso com primazia para as textuais, permitiram-nos identificar dois
grandes grupos de motivações. Por um lado, temos os filhos e todos os aspectos que lhe estão
associados, e, por outro lado, temos um grupo vasto e heterogéneo, que abrangia a casa e a
família, e a que chamámos de ameaças gerais.
O destaque recai, em grande escala, sobre os filhos. Ter um filho era uma vontade
fulcral na vida familiar no antigo Egipto. Assim, tendo em conta as inúmeras dificuldades que
se podiam apresentar à concretização deste objectivo, homens e mulheres recorriam a
variados procedimentos de cariz mágico-religioso de modo a garantir a concepção, uma
gravidez sem problemas, um parto seguro e a sobrevivência e desenvolvimento da criança.
Estas são, sem dúvida, questões de natureza doméstica e, como tal, usar o espaço da casa para
as enfrentar parece uma escolha lógica.
Esta motivação está patente nas fontes textuais em documentos como feitiços e os
decretos oraculares em forma de amuleto e, nas fontes materiais em objectos como as figuras
femininas, as varinhas / ‘wands’ (estas últimas não presentes em espaço doméstico) e o tijolo
do nascimento. A preferência por deuses como Bes, Taueret, Ísis, Hathor e Heket validam,
também, o peso que esta preocupação tinha na vida familiar.
Se a descendência era o centro das inquietações, ela não era, contudo, a única. Os
egípcios identificaram, ao longo da sua vida, um vasto conjunto de ameaças para as quais
procuravam ajuda e protecção através das práticas mágico-religiosas. Incluem-se nestas
ameaças os deuses, os demónios e os mortos enquanto entidades potencialmente
271
perturbadoras, as doenças, os animais perigosos e outras questões como a má magia e a
insegurança nos dias suplementares. Nestes casos as fontes textuais são particularmente
reveladoras.
O ponto dedicado ao espaço ritual doméstico visou conhecer os lugares da casa onde
as condutas religiosas tinham lugar. Esta análise baseou-se na existência, em algumas casas,
de estruturas físicas permanentes, e, simultaneamente, nas peças de mobiliário e equipamento
ritual.
A segunda parte é dedicada ao período a partir do Império Novo e foi também dividida
em duas secções, sendo uma dedicada aos vestígios de Deir el-Medina e Tell el-Amarna e a
outra aos restantes povoados com fontes (Askut, Kom Rabia, Medinet Habu, Tell el-Muqdam,
Amara Oeste, Karnak e Saís). Esta separação é justificada pela tentativa de perceber como era
o espaço ritual doméstico nas casas dos povoados ‘comuns’ deste período por oposição aos
dois povoados que chamámos de ‘especiais’. E também averiguar se, excluindo os vestígios
destes dois locais, as diferenças entre os dois períodos é efectiva.
272
dois povoados fora do comum. Se, por um lado, o uso dado aos espaços e a motivação das
condutas era o mesmo que nos restantes locais estudados, por outro lado, os vestígios destes
povoados colocam-nos perante realidades diferentes que não podem ser generalizadas. O
espaço ritual em Deir el-Medina e Tell el-Amarna é mais claro, mais definido e notoriamente
mais profícuo.
O culto dos antepassados em casa está atestado não só por uma muito expressiva
passagem do calendário do Cairo, como, também, por diversos vestígios materiais desde o
Império Médio. Do conjunto das fontes materiais devemos destacar dois tipos de vestígios: os
bustos antropóides e as estelas 3ḫ iḳr n R’. Ambos os casos são característicos de Deir el-
Medina, embora, os bustos sejam, também, conhecidos noutros povoados.
O culto a divindades em casa é uma expressão de uma ideia maior caracterizada pela
vontade do crente de contactar com o divino e assim garantir o seu apoio e protecção. É neste
ponto que a Religião Doméstica mais claramente se posiciona enquanto parte da Piedade
Pessoal.
De acordo com as fontes reunidas, o culto aos deuses em contexto doméstico é pouco
expressivo antes do Império Novo. Foram identificados apenas dez vestígios com referência a
divindades neste período. Já a partir do Império Novo torna-se bastante claro que a casa era
um local escolhido para cultuar os deuses, principalmente, e uma vez mais, tendo em conta os
vestígios de Deir el-Medina e Tell el-Amarna.
273
A magia era uma constante nesta civilização e estava presente em todos os domínios
que a compunham. No que respeita ao contexto doméstico, a sua expressividade era tão
evidente que B. Kemp e J. Assmann chegam mesmo a chamar de magia a própria Religião
Doméstica. As fontes textuais – os feitiços, decretos oraculares em forma de amuleto, as
estelas de Hórus sobre crocodilos – em conjugação com as fontes materiais – amuletos,
Varinhas/”wands”, figuras femininas e cativos, animais, máscara do deus Bes, tijolo do
nascimento, descansos de cabeça, bolas e discos de barro, estelas (de orelhas e de Hórus sobre
crocodilos) e decoração – demonstram efectivamente que o recurso à magia, quer para
protecção ou resposta a ameaças quer com um intuito destrutivo, era predominante na vida
doméstica dos egípcios.
Esta síntese que acabamos de esboçar permite perceber que a investigação conduzida
não só correspondeu à elaboração de uma essencial reunião e organização de fontes, textuais
e, principalmente, materiais, como também agrega num estudo coeso e fundamentado as
ideias principais sobre a Religião Doméstica no antigo Egipto.
Devemos, ainda, referir que, ao longo desta investigação, surgiram diversas questões
que, por escaparem ao âmbito central da tese, não puderam ser respondidas. Contudo, porque
elas podem contribuir para uma perspectiva mais detalhada da temática e porque abrem,
também, novas linhas de investigação, iremos agora apresentá-las. Consideramos que estas
questões podem ser divididas em dois conjuntos, um cujo enfoque recai sobre uma
perspectiva espácio-temporal e suas implicações e outro dedicado, especificamente, às fontes.
Quanto às fontes, sentimos que existem, ainda, três questões que ficaram em aberto e
com espaço para um estudo aprofundado: as figuras de animais, as figuras femininas e os
enterramentos infantis em espaço doméstico.
Conhecer um fenómeno, seja ele qual for, implica conhecer todas as suas faces.
Assim, conhecer a Religião Doméstica é, também, fazer da Religião Egípcia uma realidade
mais completa, mais clara e inteligível. Deste modo, a nossa investigação preencheu um vazio
em particular e enriqueceu o estudo egiptológico da Religião, de um modo geral.
275
276
ABREVIATURAS
COA I PEET, E., WOOLLEY, J., The city of Akhenaten I: excavations of 1921 and
1922 at el-'Amarneh, Egypt Exploration Society Excavation Memoir 38,
London, Egypt Exploration Society, 1923.
COA II FRANKFORT, H., PENDLEBURY, J. D. S., The city of Akhenaten II: the
north suburb and the desert altars: the excavations at Tell el Amarna during
the seasons 1926 – 1932, London, Egypt Exploration Society, 1933.
COA III PENDLEBURY, J. D. S., The city of Akhenaten III: the central city and the
official quarters: the excavations at Tell el-Amarna during the seasons 1926
– 1927 and 1931 – 1936, 2 vols., Egypt Exploration Society Excavation
Memoir 44, London, Egypt Exploration Society, 1951.
277
BIBLIOGRAFIA
FONTES
Livros
ASSMANN, J., Ägyptische hymnen und gebete, Orbis Biblicus et Orientalis, Freiburg,
Academic Press, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1999.
BAKIR, A., The Cairo calendar no. 86637, Cairo, General Organisation for Govt. Print
Offices, 1966.
BARUCQ, A., DAUMAS, F., Hymnes et prières de l’Ègypte ancienne, Paris, LAPO 10,
1980.
BORGHOUTS, J. F., The magical texts of Papyrus Leiden I 348, Leiden, Brill, 1971.
BREASTED, J. H., The Edwin smith surgical papyrus, Chicago, The University of Chicago
Press, 1930.
ČERNY, J., Late Ramesside letters, Brussels, Édition de la Fondation Égyptologique Reine
Élisabeth, 1939.
CLAGETT, M., Ancient Egyptian science. A source book, Vol. I, Philadelphia, American
Philosophical Society, 1992.
COLLIER, M., QUIRKE, S. (eds.), The UCL Lahun Papyri: religious, literary, legal,
mathematical and medical, British Archaeological Reports International Series 1209, Oxford,
Archaeo-Press, 2004.
EDWARDS, I. E. S. (ed.), Oracular amuletic decrees of the late New Kingdom, 2 vols.,
London, Trustees of the British Museum, 1960.
ERMAN, A., Zaubersprüche für mutter und kind. Aus dem papyrus 3027 des Berliner
Museuns, Berlin, Verlag der Königl Akademie der Wissenschaften, 1901.
FOSTER, J. (trad.), HOLLIS, S. T. (ed.), Hymns, prayers, and songs. An anthology of ancient
Egyptian lyric poetry, Atlanta, Georgia, Scholars Press, 1995.
278
FOSTER, J. (trad.), Ancient Egyptian literature. An anthology, Austin, University of Texas
Press, 2002.
FROOD, E., Biographical texts from Ramessid Egypt, Atlanta, Society of Biblical Literature,
2007.
GARDINER, A. H., Hieratic Papyri in the British Museum, Third series: Chester Beatty, 2
Vols., London, The British Museum Press, 1935.
GARDINER, A. H., SETHE, K., Egyptian letters to the dead from the Old and Middle
kingdoms, London, Egypt Exploration Society, 1928.
GRIFFITH, F. L., Hieratic papyri from Kahun and Gurob (principally of the middle
kingdom), Plates, London, Bernard Quaritch, 1898.
JANSSEN, J. J., Late Ramesside letters and communications, Hieratic papyri in the British
Museum, 6, London, The British Museum Press, 1991.
LALLOUETTE, C., Textes sacrés et textes profanes de l’ancienne Egypte. Des Pharaons et
des Hommes, Paris, Gallimard, 1984.
LICHTHEIM, M., Ancient Egyptian literature, Vol. I e II, Berkeley, Los Angeles, London,
University of California Press, 1975.
LICHTHEIM, M., Maat in Egyptian autobiographies and related studies, Orbis Biblicus et
Orientalis 120, Universitätsverlag Freiburg Schweiz, Vandenhoeck & Ruprecht Göttingen,
1992.
MASSART, A., The Leiden Magical Papyrus I 343 +345, Leiden, Brill, 1954.
PARKINSON, R. B., Voices from ancient Egypt: an anthology of Middle Kingdom writings,
London, British Museum Press, 1991.
RANKE, H., Die ägyptischen personennamen, III Vols., Gluckstedt, Hamburgo, Et von J J.
Augustin, 1952.
STRUDWICK, N. C., Texts from the Pyramid Age, Atlanta, Society of Biblical Literature,
2005.
279
YAMAZAKI, N., Zaubersprüche für mutter und kind. Papyrus Berlin 3027, Berlin, Achet
Verlag, 2003.
VERNUS, P., Sagesses de l’Égypte Pharaonique, Paris, Éditions Imprimerie National, 2001.
WENTE, E., Late Ramesside letters, SAOC 33, Chicago, The University of Chicago Press,
1967.
WENTE, E., Letters from ancient Egypt, Atlanta, Scholars Press, 1990.
Artigos
BÁCS, T. A., “Two calendars of lucky and unlucky days” in Studien zur Altägyptischen
Kultur, Bd. 17, 1990, pp. 41 – 64.
BOHLEKE, B., “An Oracular Amuletic Decree of Khonsu in the Cleveland Museum of Art”
in Journal of Egyptian Archaeology, 83, 1997, pp. 155 – 167.
FRANKE, D., “Middle Kingdom hymns and other sundry religious texts – an inventory” in S.
MEYER (ed.), Egypt – Temple of the whole world. Studies in honour of Jan Assmann, Leiden,
Brill, 2003, pp. 95 – 135.
PIANKOFF, A., CLÈRE, J., “A letter to the dead on a bowl in the Louvre” in Journal of
Egyptian Archaeology, 20, 1934, pp. 157 – 171.
RITNER, R., “O. Gardiner 363: a spell against night terrors” in Journal of the American
research center in Egypt, 27, 1990, pp. 25 – 41.
OBRAS GERAIS
Livros
ALDRED, C., Akhenaten and Nefertiti, London, Thames and Hudson, 1973.
ASSMANN, J., Ägypten: theologie und frömmigkeit einer früheren Hochkultur, Stuttgart,
Berlin, Köln, Mainz, Kohlhammer, 1984.
ASSMANN, J., Maat, l’Egypte Pharaonique et l’idée de justice sociale, Paris, Julliard, 1989.
280
ASSMANN, J., Egyptian solar religion in the New Kingdom: Re, Amun and the crises of
polytheism, Studies in Egyptology, London, Kegan Paul International, 1995.
ASSMANN, J., The search for god in ancient Egypt, Ithaca, New York, Cornell University
Press, 2001.
ASSMANN, J., The mind of Egypt. History and meaning in the time of the Pharaons, New
York, Metropolitan Books – Henry Holt Company, 2002.
ASSMANN, J., Death and salvation in ancient Egypt, Ithaca, Cornell University Press, 2005.
ASSMANN, J., STROUMSA, G. G., Transformations of the inner self in ancient religions,
Leiden, Brill Academic Publishers, 1999.
AUSEC, C., Gods who hear prayers: popular piety or kingship in three Theban monuments of
New Kingdom Egypt, Dissertation submitted in partial satisfaction of the requirements for the
degree of joint doctor of philosophy with graduate theological Union in Near Eastern
Religions, University of California, Berkeley, 2010.
BAINES, J., Visual and written culture in ancient Egypt, Oxford, University Press, 2007.
BAINES, J., MALEK, J., Atlas of ancient Egypt, Oxford, Phaidon, 1980.
BARD, K., Introduction to the archaeology of ancient Egypt, Oxford, Blackwell Publishing,
2008.
BIERBRIER, M., The tomb-builders of the Pharaohs, London, British Museum Press, 1982.
BOMANN, A. H., The private chapel in Ancient Egypt: a study of the chapels in the
workmen’s village at el Amarna with special reference to Deir el Medina and other sites,
London, Kegan Paul International, 1991.
DAVID, R. A., The ancient Egyptians. Religious beliefs and practices, London, Boston and
Henley, Routledge & Keagen Paul, 1982.
281
DAUMAS, F., La civilisation de L’Égypte Pharaonique, Paris, B. Arthaud, 1977.
DAVID, R. A., Religion and magic in ancient Egypt, London, Penguin Books, 2002.
DUNHAM, F., ZIVIE-COCHE, CH., Dieux et hommes dans l’Egypt. 3000 av. J.-C.
Anthropologie religieuse, Paris, Armand Colin Éditeur, 1991.
ENGLUND, G., The religion of ancient Egyptians: cognitive and popular expressions,
Proceedings of symposia in Uppsala Bergen, 1987 and 1988, Acta Universitatis Upsaliensis,
Uppsala, Almqvist & Wiksell International, 1989.
HART, G., The Routledge Dictionary of Egyptian gods and goddesses, New York, Abingdon,
Oxon, Routledge, 2005.
HORNUNG, E., L’Esprit du temps des Pharaons, Paris, Philioe Éditeur / Éditions du Félin,
1996.
JAUHIAINEN, H., “Do not celebrate your feast without your neighbours”: a study of
references to feasts and festivals in non-literary documents from Ramesside Period Deir el-
Medina, Doctoral dissertation, University of Helsinki, Faculty of Arts, Institute for Asian and
African Studies, Egyptology, 2009.
KEMP, B. (ed.), Horizon. The Amarna Project and Amarna Trust Newsletter, nº 4, 2008.
LESKO, B., The great goddesses of Egypt, Oklahoma, University of Oklahoma Press, 1999.
LESKO, B., Women and religion in ancient Egypt, Brown University, 2002.
282
LESKO, L. (ed.), Pharaoh's workers: the villagers of Deir el Medina, New York, Cornell
University Press, 1994.
LLOYD, A. B. (ed.), Studies in pharaonic religion and society in honour of J. Gwyn Griffiths,
London, Egypt Exploration Society, 1992.
LLOYD, A. B. (ed.), Gods, priests and men: studies in the religion of Pharaonic Egypt,
London, Keagan Paul, 1998.
LOPES, M. H. T., O Homem Egípcio e a sua integração no Cosmos, Lisboa, Teorema, 1989.
MCDOWELL, A. G., Village life in ancient Egypt: laundry lists and love songs, Oxford,
Oxford University Press, 2001.
MEEKS, D., FAVARD-MEEKS, CH., Les dieux Égyptiens, Paris, Hachette, 1993.
MESKELL, L., Egyptian social dynamics: the evidence of age, sex and class in domestic and
mortuary contexts, Ph.D. Dissertation, Cambridge University, 1997.
MESKELL, L., Archaeologies of social life: age, sex, class et cetera in ancient Egypt,
Oxford, UK, and Malden, MA, Blackwell, 1999.
MESKELL, L., Vies privées des Égyptiens. Nouvel Empire 1539-1075, Paris, Éditions
Autrement, 2002.
MESKELL, L., Object worlds in ancient Egypt, material biographies, past and present, New
York, Berg, 2004.
QUIRKE S., Ancient Egyptian religion, London, The British Museum, 1992.
REDFORD, D. B. (ed.), The ancient gods speak: a guide to Egyptian religion, Oxford, The
Oxford University Press, 2002.
RENFREW, C., The archaeology of cult: the sanctuary at Phylakopi, Athens, British School
of Archaeology, 1985.
RENFREW, C., ZUBROW, W., The ancient mind. Elements of cognitive archaeology,
Cambridge University Press, 1994.
RENFREW, C., BAHN, P., Archaeology. Theories, methods and practice, London, Thames
and Hudson, 1996.
283
ROMANO, J. F., Daily life of the ancient Egyptians, Pittsburgh, Carnegie Museum of Natural
History, 1990.
SALES, J. C., As divindades egípcias. Uma chave para a compreensão do Egipto antigo,
Lisboa, Editorial Estampa, 1999.
SHAW, I. (ed.), The Oxford history of ancient Egypt, Oxford, Oxford University Press, 2000.
SHAW, I., NICHOLSON, P., The British Museum dictionary of ancient Egypt, London, The
British Museum Press, 1995.
SPENCER, N., Kom Firin I: the Ramesside temple and the site survey, British Museum
Research Publication 170, 2008.
TEETER, E., Religion and ritual in ancient Egypt, New York, Cambridge University Press,
2011.
TÖRÖK, L., Between two worlds. The frontier region between ancient Nubia and Egypt 3700
BC – AD 500, Leiden, Boston, Brill, 2009.
TYLDESLEY, J. A., Daughters of Isis: women of ancient Egypt, London, Penguin, 1994.
UPHILL, E. P., Egyptian towns and cities, Buckinghamshire, Shire Publications Lda, 2001.
VEIGA, P., Saúde e medicina no antigo Egipto: magia e ciência, Tese de Mestrado em
História e Cultura Pré-Clássica, Tese Policopiada, Lisboa, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2008.
VERNUS, P., Affaires et scandales sous les Ramsés, Paris, Pygmalion/Gérard Watelet, 1993.
VERNUS, P., YOYOTTE, J., Bestiaire des Pharaons, Paris, Librairie Académique Perrin,
2005.
Artigos
ASSMANN, J., “State and religion in the New Kingdom” in W. K. Simpson (ed.), Religion
and philosophy in ancient Egypt, Yale Egyptological Studies 3, New Haven, CT, Yale
Egyptological Seminar, Yale University, 1989, pp. 55 – 88.
284
ASSMANN, J., “Ocular desire in a time of darkness: urban festivals and divine visibility in
Ancient Egypt” in A. R. E. AGUS (ed.), Sehnsucht des auges yearbook for religious
anthropology, Berlin, Akademie Verlag, 1994, pp. 13 – 29.
BAINES, J., “Temple symbolism” in Royal Anthropological Institute Newsletter, 15, 1976,
pp. 10 – 15.
BAINES, J., “Egyptian twins” in Orientalia, 54, 1985, pp. 461 – 482.
BAINES, J., “Practical religion and piety” in Journal of Egyptian Archaeology, 73, 1987, pp.
79 – 98.
BAINES, J., “Restricted knowledge, hierarchy, and decorum: modern perceptions and ancient
institutions” in Journal of the American Research Center in Egypt, 27, 1990, pp. 1 – 24.
BAINES, J., “Society, morality, and religious practice” in B. SHAFER (ed.), Religion in
ancient Egypt: gods, myths and personal practice, Ithaca, Cornell University Press, 1991, pp.
123 – 200.
BAINES, J., “Egyptian letters of the New Kingdom as evidence for religious practice” in
Journal of Ancient Near Eastern Religions, 1, 2002, pp. 1 – 31.
BAINES, J., FROOD, E., “Piety, change, and display in the New Kingdom” in M. COLLIER,
S. SNAPE (eds.), Ramesside studies. Studies in honour of K. A. K. Kitchen, Liverpool,
Rutherford Press, 2011, pp. 1 – 17.
BLACKMAN, A. M., “The Pharaoh’s placenta and the Moon-God Khons” in Journal of
Egyptian Archaeology, 3, nº4, 1916, pp. 235 – 249.
BOMMAS, M., “The mechanics of social connections between the living and the dead in
ancient Egypt” in M. CARROLL, J. REMPEL (eds.), Living through the dead. Burial and
commemoration in the Classical World, Oxbow Books, Oxford, 2011, pp. 159 – 182.
285
CRAWFORD, S., “The archaeology of play things: theorizing a toy stage in the ‘biography’
of objects” in Children in the past, 2, 2009, pp. 56 – 71.
CURTO, S., “Some notes concerning the religion and statues of divinities of ancient Egypt”
in Studien zu sprache und religion Ägyptens zu Ehren von Wolfhart westendorf überreicht von
seinen Freunden u. Schülern, 2, Religion, Göttingen, Junge, 1984, pp. 717 – 734.
GILMOUR, G., “The archaeology of cult in the ancient Near East: methodology and practice”
in Old Testament Essays, 13/3, 2000, pp. 283 – 292.
JAMBON, E., “Les mots et les gestes. Réflexions autour de la place de l’écriture dans un
rituel d’envoûtement de l’Égypte pharaonique” in Cahiers « Mondes anciens » [En ligne], 1,
2010, (http://mondesanciens.revues.org/158 ; DOI : 10.4000/mondesanciens.158)
KEMP, B., “How religious were the ancient Egyptians?” in Cambridge Archeological
Journal, 5, (1), 1995, pp. 25 – 54.
LEEUW, G. van der, “Moon-God Khons and the king's placenta” in Journal of Egyptian
Archaeology, 5, nº 1, 1918, p. 64.
MEEKS D., “La prière en Égypte : entre textualité et oralité” in G. DORIVAL, D. PRALON
(ed.), Prières méditerranéennes hier et aujourd’hui. Actes du Colloque organisé par le Centre
Paul-Albert Février, Maison Méditerranéenne des Sciences de l'Homme (Aix-en-Provence, 2-
3 avril 1998), Aix-en-Provence, Publication d’université de Provence, 2000, pp. 9 – 23.
286
STADIER, M., “Procession” in J. DIELMAN, W. WENDRICH (eds.), UCLA, Encyclopedia
of Egyptology, Los Angeles, 2008. (http://repositories.edlib.org/nelc/uee/1014 )
STEVENS, A., “Egypt” in T. INSOLL (ed.), The Oxford Handbook of the Archaeology of
Ritual and Religion, Oxford, Oxford University Press, 2011, pp. 722 – 744.
VERNUS, P., “La grande mutation idéologique du Nouvel Empire: une nouvelle théorie du
pouvoir politique. Du Démiurge face à la création” in Bulletin de la Société d'Égyptologie
Genève, 19, 1995, pp. 69 – 95.
ZUCCONI, L. M., “Medicine and religion in ancient Egypt” in Religion Compass, 1 (1),
2007, pp. 26 – 37.
OBRAS ESPECÍFICAS
Livros
ADAMS, M., Community and society in Egypt in the First Intermediate Period: an
archaeological investigation on Abydos settlement site”, Dissertation in Anthropology and
Near Eastern Language and civilization presented to the faculties of the University of
Pennsylvania in partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy,
2005.
287
ALTENMÜLLER, H., Die Apotropaia und die götter Mittelägyptens, PhD Dissertation,
Ludwing-Maximillians, Universität zu Müchen, 1965.
ANDERSON, D. A., Power and competition in the Upper Egyptian Predynastic: A view from
the Predynastic settlement at el-Mahâsna, Egypt, Faculty of arts and sciences in partial
fulfillment of the requirements for the degree of doctor in philosophy, University of
Pittsburgh, 2006.
ANDREWS, C., Amulets of ancient Egypt, London, British Museum Press, 1994.
ARNOLD, D., The Pyramid complex of Senwosret I. Vol.III. The South cemeteries of Lisht,
New York, The Metropolitan Museum of Art. Egyptian Expedition, 1992.
ARNOLD, D., The royal women of Amarna: Images of beauty from ancient Egypt, New
York, Metropolitan Museum of Art, 1996.
ASTON, D. A., Die keramik des grabungsplatzes Q I. Teil 1, corpus of fabrics, wares and
shapes, forschungen in der Ramses-Stadt. Die grabungen des Pelizaeus-Museums Hildesheim
in Qantir-Pi Ramesse,Vol. 1, Mainz, Zabern, 1998.
AYRTON, E. R., CURRELLY, C., WEIGALL, A. E. P., Abydos, 3 vols., London, Egypt
Exploration Fund, 1904.
BAINES, J., Fecundity figures: egyptian personification and the iconology of a genre,
Chicago, Carducci, 1985.
BAKER, E. W., DUPRAS, T. L., TOCHERI, M. W., The osteology of infants and children,
College Station, Texas, A & M University Press, 2005.
BELL, M., The Tutankhamun burnt groups from Gurob: bases for absolute chronology of
LHIII A and B, PhD dissertation, University of Pennsylvania, 1991.
BIETAK, M., Tell el-Dab'a V: ein friedhofsbezirk der mittleren bronzezeitkultur mit
totentempel und siedlungsschichten, Wien, Österreichische Akademie der Wissenschaften,
1991.
BOHAC, J. L., Adaïma settlement burials: giving the burial context, Submitted to the Faculty
of the Archaeology studies program Department of Sociology and Archaeology in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Bachelor of Arts, University of Wisconsin –
La Crosse, 2013.
288
BORCHARDT, L., Porträts der Königin Nofret-ete aus den grabungen 1912/13 in Tell el-
Amarna, Leipzig, Hinrichs, 1923.
BORCHARDT, L., RICKE, H., Die wohnhäuser in Tell el-Amarna, 2 Vols., Berlin, Mann,
1980.
BOURRIAU, J., Pharaohs and mortals: Egyptian art in Middle Kingdom, Cambridge, New
York, Cambridge University Press, 1988.
BRITTON, L. R., A biocultural analysis of Nubian fetal pot burials from Askut, Sudan, a
Thesis submitted in partial fulfilment of the requirements for the degree of Master of Arts in
the department of Anthropology in the College of Sciences at the University of Central
Florida, Orlando, 2009.
BROOKER, M. L., A new approach of identifying the function of the elevated beds at Deir el-
Medina, Thesis submitted to the University of Birmingham for the degree of Master of
Philosophy, Institute of Archaeology and Antiquity, The University of Birmingham, 2009.
BRUYÉRE, B., Mert Seger à Deir el Médineh, Mémoires publiés par les membres de
l'Institut français d'archéologie orientale 58, Cairo, Institut français d'archéologie orientale,
1930.
BRUYÉRE, B., Rapport sur les fouilles de Deir el Médineh: (1934-1935), la nécropole de
l'Ouest : la nécropole de l'est, Fouilles de l'Institut français d'archéologie orientale 15, Cairo,
Institut français d'archéologie orientale, 1937.
BRUYÈRE, B., Rapport sur les fouilles de Deir el-Médineh (1934 – 1935), Fouilles de
l'Institut français d'archéologie orientale 16, Cairo, Institut français d'archéologie orientale,
1939.
BULTE, J., Talismans égyptiens d’heureuse maternité: ‘faïence’ blue vert à pois foncés,
Paris, Ed. du Centre National de la Recherche Scientifique, 1991.
ČERNY, J., A community of workmen at Thebes in the Ramesside period, Cairo, Institut
Français d'Archéologie Orientale, 1973.
289
CHLODNICK, M., CIALOWICZ, K. M., MACZYNSKA, A., Tell el-Farkha I. Excavations
1998 – 2011, Krakow, Institute of Archaeology, Jagellonian University, 2012.
COONEY, K., The cost of death: the social and economic value of ancient Egyptian funerary
art in the Ramesside Period, Leiden, Nederlands Instituut voor het Nabije Oosten, 2007.
DASEN, V., Dwarfs in ancient Egypt and Greece, Oxford, Clarendon Press, 1993.
DASEN, V. (ed.), Naissance et petite enfance dans l'Antiquité: actes du colloque Fribourg 28
Nov-1 Dec 2001, Freibourg, Universitätsverlag, Göttingen, Vandenhoeck und Ruprecht, 2004.
DAVID, R. A., The pyramid builders of ancient Egypt. A modern investigation of pharaohs
workforce, London, New York, Routledge, 1996.
DEMARÉE, R. J., The 3ḫ iḳr n R’- Stelae: on ancestor worship in ancient Egypt,
Egyptologische Uitgaven 3, Leiden, Nederlands Instituut voor het Nabije Oosten, 1983.
DEMARÉE, R. J., JANSSEN, J. (eds.), Gleanings from Deir el-Medina, Leiden, Nederlands
Instituut voor het Nabije Oosten, 1982.
DEMARÉE, R. J., EGBERTS, A. (eds.), Deir El-Medina in the Third Millennium AD: A
tribute to J. J. Janssen, Leiden, Nederlands Instituut voor het Nabije Oosten, 2000.
DONNAT, S., La peur du mort. Nature et structures des relations entre les vivants et les
morts dans l’Égypte pharaonique, PhD thesis, Université Paul Valéry, Montpellier, 2003.
DONNAT, S., Écrire à ses morts. Enquête sur un usage rituel de l'écrit dans l'Égypte
pharaonique, Collection "Horos", Grenoble, Éditions Jérôme Millon, 2014.
DUNHAM, D., Second cataract forts: Uronarti, Shalfak, Mirgissa, Vol. II, Boston, Museum
of Fine Arts, 1967.
DUNHAM, D., JANSSEN, J., Second cataract forts: Semna, Kumma, Vol. I, Boston,
Museum of Fine Arts, 1960.
DUQUESNE, T., Anubis, Upwawet, and other deities: Personal worship and official religion
in ancient Egypt, Cairo, Supreme Council of Antiquities, 2007.
EMERY, W., SMITH, H. S., MILLARD, A., The fortress of Buhen: the archaeological
report, Excavation Memoir 49, London, Egypt Exploration Society, 1979.
ENGLUND, G., Akh: une notion religieuse dans l’Égypte pharaonique, Uppsala, Université,
1978.
290
ETIENNE, M., Heka: magie et envoûtement dans l'Égypte ancienne, Paris, Réunion des
Musées Nationaux, Les dossiers du musée de Louvre, 57, 2000.
FRANKFORT, H., PENDLEBURY, J. D. S., The city of Akhenaten II: the North Suburb and
the desert altars: the excavations at Tell el Amarna during the seasons 1926 – 1932, London,
Egypt Exploration Society, 1933.
GARDINER, A. H., Ancient Egyptian onomastica, London, Oxford University Press, 1947.
GASSE, A., Les stèles d'Horus sur les crocodiles, Paris, Réunion des musées nationaux,
2004.
GHALIOUNGUI, P., The House of Life: magic and medical science in ancient Egypt,
Amsterdam, B.M. Israël, 1973.
GIDDY, L., Kom Rabi'a: the New Kingdom and post-New Kingdom objects. The survey of
Memphis II, London, Egypt Exploration Society, 1999.
GRAVES-BROWN, C., Dancing for Hathor. Women in ancient Egypt, London, New York,
Continuum, 2010.
HARRINGTON, N., Living with the dead. Ancestor worship and mortuary ritual in Ancient
Egypt, Oxford, Oxbow books, 2013.
HAYES, W. CH., The scepter of Egypt: A background for the study of the Egyptian
antiquities in the Metropolitan Museum of Art, II: The Hyksos Period and the New Kingdom
(1675-1080 B.C.), Cambridge, MA, Harvard University Press, 1959.
HÖLSCHER, U., The excavation of Medinet Habu I: general plans and views, Oriental
Institute Publications 21, Chicago, The University of Chicago Press, 1934.
HÖLSCHER, U., The excavation of Medinet Habu II: the temples of the Eighteenth Dynasty,
Oriental Institute Publications 41, Chicago, The University of Chicago Press, 1939.
HÖLSCHER, U., The excavation of Medinet Habu V: post Ramessid remains, Oriental
Institute Publications 66, Chicago, The University of Chicago Press, 1945.
JANKUHN, D., Das Buch “Schutz des Hauses” (s3-pr), Bonn, R. Habelt, 1972.
291
JANSSEN, J. J., Commodity prices from the Ramessid period: an economic study of the
village of necropolis workmen at Thebes, Leiden, Brill, 1975.
JANSSEN, J. J., JANSSEN, R. M., Growing up in ancient Egypt, London, The Rubicon
Press, 1990.
JANSSEN, J. J., JANSSEN, R. M., Getting old in ancient Egypt, London, The Rubicon Press,
1996.
JEFFREYS, D., Survey of Memphis V: Kom Rabia: the New Kingdom settlement (levels II –
V), Egypt Exploration Society Excavation Memoir 79, London, Egypt Exploration Society,
2006.
JOHNSON, S. B., The cobra goddess of ancient Egypt, London, Kegan Paul, 1990.
KAISER, W., Elephantine. Die antike stadt, Cairo, Deutsches Archäologisches Institut, 1998.
KÄNEL, F. von, Les prêtres-ouâb de Sekhmet et les conjurateurs de Serket, Paris, Presses
universitaires de France, 1984.
KAWANISHI, H., TSUJIMURA, S. (eds.), Preliminary report Akoris 2006, Japan, Institute
of History and Anthropology, University of Tsukuba, Nakanishi Printing Co, Ltd, 2007.
292
KAWANISHI, H., TSUJIMURA, S., HANASAKA, T. (eds.), Preliminary report Akoris
2012, Japan, Institute of History and Anthropology, University of Tsukuba, Nakanishi
Printing Co, Ltd, 2013.
KEITH-BENNETT, J. L., Anthropoid busts of Deir el Medineh and other sites and
collections: analyses, catalogue and appendices, Cairo, Institut français d'archéologie, 2011.
KEMP, B. (ed.), Amarna reports I, Occasional Papers 1, London, Egypt Exploration Society,
1984.
KEMP, B. (ed.), Amarna reports II, Occasional Papers 2, London, Egypt Exploration Society,
1985.
KEMP, B. (ed.), Amarna reports III, Occasional Publications 4, London, Egypt Exploration
Society, 1986.
KEMP, B. (ed.), Amarna Reports IV, Occasional Publications 5, London, Egypt Exploration
Society, 1987.
KEMP, B. (ed.), Amarna reports VI, Occasional Papers 10, London, Egypt Exploration
Society, 1995.
KEMP, B., The City of Akhenaten and Nefertiti: Amarna and its people, London, Thames and
Hudson, 2012.
KEMP, B., GARFI, S., A Survey of the ancient city of El-‘Amarna, Occasional Publications 9,
London, Egypt Exploration Society, 1993.
KEMP, B., STEVENS, A., Busy lives at Amarna: excavations in the Main City (Grid 12 and
the house of Ranefer, N49.18). Volume I: the excavations, architecture and environmental
remains, EES Excavation Memoir 90, London, Egypt Exploration Society, Amarna Trust,
2010.
KEMP, B., STEVENS, A., Busy lives at Amarna: excavations in the Main City (Grid 12 and
the house of Ranefer, N49.18). Volume II: the objects, EES Excavation Memoir 91, London,
Egypt Exploration Society and Amarna Trust, 2010.
293
KNIGHT, A., Amentet: an account of the gods, amulets and scarabs of the ancient Egyptians,
London, Longmans and Green, 1915.
KOENIG, Y., Magie et magiciens dans l'Egypte ancienne, Bibliothèque de l'Egypte ancienne,
Paris, Pygmalion Watelet, 1994.
KOLTSIDA, A., Social aspects of ancient Egyptian domestic architecture, BAR International
Series 1608, Oxford, Archaeopress, 2007.
KOUSOULIS, P., Magic and religion as a performative theological unity: the apotropaic
“Ritual of Overthrowing Apophis”, PhD Dissertation, University of Liverpool, 1999.
LACOVARA, P., Deir el-Ballas: preliminary report on the Deir el-Ballas expedition, 1980 –
86, Winona Lake, Eisenbrauns, 1990.
LEITZ, Ch., Tagewählerai: Das Buch HAt nHH pH.wy Dt und verwandte Texte,
Ägyptologische Abhandlungen 55, Wiesbaden, Harrassowitz, 1994.
LEPPER, V., Die schreiberstatuetten der späten 18. Dynastie: Studien zur persönlichen
frömmigkeit in Amarna, MA Thesis, University of Bonn, 1998.
LEXA, F., La magie dans l’Égypte antique, 3 Vols, Paris, Librairie Orientaliste Paul
Geuthner, 1925.
MARIETTE, A., Catalogue général des monuments d'Abydos découverts pendant les fouilles
de cette ville, Paris, L'imprimerie nationale, 1880.
294
NEEDLER, W., Predynastic and Archaic Egypt in the Brooklyn museum, Brooklyn, The
Brooklyn Museum, 1984.
NUNN, J. F., Ancient Egyptian medicine, Norman, University of Oklahoma Press, 1996.
O’CONNOR, D., Abydos, Egypt’s first Pharaohs and the cult of Osiris, London, Thames &
Hudson, 2009.
PEET, E., WOOLLEY, J., The city of Akhenaten I: excavations of 1921 and 1922 at el-
'Amarneh, Egypt Exploration Society Excavation Memoir 38, London, Egypt Exploration
Society, 1923.
PENDLEBURY, J. D. S., The city of Akhenaten III: the Central City and the official quarters:
the excavations at Tell el-Amarna during the seasons 1926 – 1927 and 1931 – 1936, 2 vols.,
Egypt Exploration Society Excavation Memoir 44, London, Egypt Exploration Society, 1951.
PETRIE, W. F., Kahun, Gurob and Hawara, London, Kegan Paul, Trench, Trübner & Co.,
1890.
PETRIE, W. F., Illahun, Kahun, Gurob: 1889 – 1890, London, David Nutt, 1891.
PETRIE, W. F., Abydos I, Memoir of the Egypt Exploration Fund 22, London, Egypt
Exploration Fund., 1902.
PETRIE, W. F., Personal religion in Egypt before Christianity, London, Harper, 1909.
PETRIE, W. F., Objects of daily use, London, British School of Archaeology in Egypt, 1927.
PETRIE, W. F., QUIBELL, J. E., Naqada and Ballas, London, B. Quaritch, 1896.
PINCH, G., Votive offerings to Hathor, Oxford, Griffith Institute, Ashmolean Museum, 1993.
PINCH, G., Magic in ancient Egypt, London, British Museum Press, 1994.
PINCH, G., Handbook of Egyptian mythology, Sta Barbara, Denver, Oxford, ABC-Clio,
2002.
QUIBELL, J. E., The Ramesseum. The tomb of Ptah-Hetep, London, British School of
Archaeology in Egypt Publications, 1898.
295
QUIBELL, J. E., GREEN, F. W., Hierakonpolis II, Egyptian Research Account 5, London,
1902.
QUIRKE, S., Lahun: a town in Egypt 1800 BC, and the history of its landscape, London,
Golden House Publications, 2005.
RANDALL-MACIVER, D., MACE, A., El Amrah and Abydos, 1899 – 1901, London, The
Egypt Exploration Fund, 1902.
RITNER, R., The mechanics of ancient Egyptian magical practice, Chicago, Oriental
Institute, 1993.
ROMANO, J. F., The Bes image in pharaonic Egypt, New York, The graduate school of Arts
and Sciences at NYU, 1989.
SADEK, A. I., Popular religion in Egypt during the New Kingdom, Hildesheimer
ägyptologische Beiträge, 27, Hildesheim, Gernstenberg, 1987.
SAUNERON, S., Le Papyrus magique illustré de Brooklyn, Brooklyn, New York, Brooklyn
Museum, 1970.
SMITH, S. T., Askut in Nubia: the economics and ideology of Egyptian imperialism in the
second millennium B.C., London, New York, Kegan Paul International, 1995.
SMITH, S. T., Wretched Kush: ethnic identities and boundaries in Egypt's Nubian empire,
London, New York, Routledge, 2003.
SPENCER, A. J., Excavations at el-Ashmunein III: the town, London, The British Museum
Press, 1993.
SPENCER, P., Amara West I: the architectural report, Egypt Exploration Society Excavation
Memoir 63, London, Egypt Exploration Society, 1997.
296
STEVENS, A., Private religion at Amarna: the material evidence, British Archaeological
Reports International Series 1587, Oxford, Archaeopress, 2006.
STEVENS, A., Akhenaten’s workers. The Amarna Stone Village survey, 2005–2009, 2
Vols., London, Egypt Exploration Society, Amarna Trust, 2012.
SZPAKOWSKA, K., The perception of dreams and nightmares in ancient Egypt: Old
Kingdom to Third Intermediate Period, Dissertation, University of California, Los Angeles,
2000.
SZPAKOWSKA, K., Behind closed eyes: dreams and nightmares in ancient Egypt, Swansea,
Classical Press of Wales, 2003.
SZPAKOWSKA, K., Through a glass darkly: magic, dreams and prophecy in Ancient Egypt,
Swansea, The Classical Press of Wales, 2006.
SZPAKOWSKA, K., Daily life in ancient Egypt: recreating Lahun, Oxford, Blackwell
Publishing, 2008.
TEETER, E., Baked clay figurines and votive beds from Medinet Habu, Oriental Institute
Publications 133, Chicago, The Oriental Institute, 2010.
THOMAS A. P., Gurob, a New Kingdom town: introduction and catalogue of objects in the
Petrie Collection, Egyptology Today, 5, Warminster, Aris and Phillips, 1981.
TOIVARI‑VIITALA, J., Women at Deir el‑Medina: a study of the status and roles of the
female inhabitants in the Workmen’s community during the Ramesside Period, Leiden,
Nederlands Instituut voor het Nabije Oosten, 2001.
VERLINDEN, P., Child burials in the Middle Period and Second Intermediate Period, MA
Thesis, Katholique University, Leuven, 2008.
VESCO, P. Del, Letti votivi e culti domestici. Tracce archeologiche di credenze religiose
nell'Egitto del Terzo Periodo Intermedio, Pisa, Pisa University Press, 2011.
VOGEL, C., The fortifications of ancient Egypt 3000-1780 BC, West Way, Botley, Oxford,
Osprey Publishing Limited, 2010.
297
WARAKSA, E., Female figurines from the Mut precinct: context and ritual function, Orbis
Biblicus et Orientalis 240, Fribourg, Academic Press, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht,
2009.
WILKINSON, R., Symbol and magic in Egyptian art, London, Thames and Hudson, 1994.
WILSON, P., The survey of Sais (Sa el-Hagar), 1997-2002, Excavation Memoir 77, Egypt
Exploration Society, London, 2006.
WILSON, P., Sais I. The Ramesside-Third Intermediate Period at Kom Rebwa, EES
Excavation Memoir 98, London, Egypt Exploration Society, 2011.
ZILLHARDT, R., Kiderbestattungen und die soziale stellung des kindes im alten Ägypten:
unter besonderer berücksuschtugung des ostdriedhofes von Deir el-Medine, Göttingen, Univ.
Seminar für ägyptologie und koptologie, Göttinger Miszellen, 6, 2009.
Artigos
ADAMS, M., “Community and societal organization in early history Egypt: introductory
report on 1991-92 fieldwork conducted at Abydos settlement site” in Newsletter of the
American Research Center in Egypt, 158/159, 1992, pp. 1 – 10.
ADAMS, M., “The Abydos settlement site project: investigation of a major provincial town in
the Old Kingdom and First Intermediate Period” in CH. EYRE (ed.), Proceedings of the
Seventh International Congress of Egyptologists, Cambridge, 3-9 September 1995, Orientalia
Lovaniensia Analecta 82, Leuven, Peeters, 1998, pp. 19 – 30.
ALLEN, S., “Miniature and model vessels in ancient Egypt” in M. BÁRTA (ed.), The Old
Kingdom Art and Archaeology, Proceedings of the Conference held In Prague, May 31 – June
4, 2004, Prague, Publishing House of the Academy of Sciences of the Czech Republic, 2006,
pp. 19 – 24.
298
ALTENMÜLLER, H., “Bes” in E. HELCK, W. OTTO (eds.), Lexikon der Ägyptologie I,
Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1975, cols. 720 – 724.
ALTENMÜLLER, H., “Ein zaubermesser aus Tübingen” in Die Welt des Orient:
Wissenschaftliche Beiträge zur Kunde des Morgenlandes, 14, 1983, pp. 30 – 45.
ANDERSON, D., “Evidence for early ritual activity in the Pre-dynastic settlement at el-
Mahasna” in R. FRIEDMAN, P. FISKE (eds.), Egypt at its Origins 3, Proceedings of the
Third International Conference "Origin of the State. Predynastic and Early Dynastic Egypt",
London, 27th July-1st August 2008, Orientalia Lovaniensia Analecta, Leuven, Paris, Walpole,
Peeters, 2011, pp. 3 – 29.
ANDREWS, C. A. R., “An unusual source for magical texts” in A. LEAHY, J. TAIT (eds.),
Studies on Ancient Egypt in Honour of H. S. Smith, London, The Egypt Exploration Society,
1999, pp. 11 – 15.
ANUS, P., RAMADAN S., “Habitations de prêtres dans le temple d'Amon de Karnak” in
Kêmi: Revue de philologie et d'archéologie égyptienne et coptes, 21, 1971, pp. 217 – 238.
ARNOLD, F., “A study of Egyptian domestic buildings” in Varia Aegyptiaca, 5, 1989, pp. 75
– 93.
ARNOLD, F., “Settlement remains at Lisht-North” in M. BIETAK (ed.), Haus und Palast im
alten Ägypten, Untersuchungen der Zweigstelle Kairo des Österreichischen Archäologischen
Institutes 14, Wien, Österreichische Akademie der Wissenschaften, 1996, pp. 13 – 21.
299
ARNOLD, F., “Houses” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient
Egypt, Vol. II, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 122 – 127.
ARNOLD, F., KATZJÄGER, D., KOPP, P., PILGRIM, C., RZEUSKA, T., SEIDLMAYER,
S., “Report on the Excavations at Elephantine by the German Archaeological Institute and the
Swiss Institute from autumn 2011 to spring 2012” in
http://www.dainst.org/sites/default/files/media/abteilungen/kairo/projekte/daik_ele41_rep_en.
pdf?ft=all.
BABER, R. E., “Marriage and family in ancient Egypt” in Social forces, Vol. 13, 3, 1935, pp.
409 – 414.
BACKES, B., “’Piété personnelle’ au Moyen Empire ? À propos de la stèle de Nebpou (Ny
Carlsberg AEIN 1540)” in Bulletin de la Société d'Égyptologie Genève, 24, 2000-1, pp. 5 – 9.
BACKHOUSE, J., “Female figurines from Deir el-Medina: a review of evidence for their
iconography and function” in C. GRAVES, G. HEFFERNAN, L. MCGARRITY, E.
MILLWARD, M. BEALBY (eds.), Current Research in Egyptology 2012, Proceedings of the
Thirteenth Annual Symposium, University of Birmingham, Oxbow Books, 2012, pp. 22 – 40.
BÁCS, T. A., “Prolegomena to the study of calendars of lucky and unlucky days” in A.
ROCATTI, A. SILOTTI (eds.), La magia in Egitto ai tempi dei faraoni, Panini, Modena,
1987, pp. 245 – 256.
BADAWY, A., “Askut: a Middle Kingdom fortress in Nubia” in Archaeology, 18, 1965, pp.
124 – 131.
BAINES, J., “Color terminology and color classification: ancient Egyptian color terminology
and polycromy” in American Anthropologist, 87, 1985, pp. 282 – 97.
300
BAINES, J., LACOVARA, P., “Burial and the dead in ancient Egyptian society. Respect,
formalism, neglect” in Journal of Social Archaeology, Vol 2(1), 2002, pp. 5 – 6.
BIETAK, M., “Tell el- Dab’a” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of
Ancient Egypt, Vol. III, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 351 – 354.
BIRNEY, K., DOAK, B. R., “Funerary iconography on an infant burial jar from Ashkelon” in
Israel Exploration Journal, Vol. 61, nº 1, 2011, pp. 32 – 53.
BLACKMAN, A., “The significance of incense and libations in funerary and temple ritual” in
G. STEINDORFF (ed.), Zeitschrift für Ägyptische Sprache und Altertumskunde, Leipzig, J. C.
Hinrichs’sche Buchhandlung, 1912, pp. 69 – 75.
BONNET, CH., VALBELLE, D., “Le village de Deir el-Medineh: reprise de l’étude
archéologique” in Bulletin de l'institut Français d'Archéologie Oriental, 75, 1975, pp. 429 –
446.
BONNET, CH., VALBELLE, D., “Le village de Deir el-Medineh: étude archéologique
(suite)” in Bulletin de l'institut Français d'Archéologie Oriental, 76, 1976, pp. 317 – 342.
BORGHOUTS, J. F., “The evil eye of Apophis” in Journal of Egyptian Archaeology, 59,
1973, pp. 114 – 150.
301
BORGHOUTS, J. F., “Magie” in W. HELCK, W., WESTENDORF (eds.), Lexikon der
Ägyptologie III, Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1980, Cols. 1137 – 1151.
BOURRIAU, J., “Life along the Nile” in J. MALEK (ed.), Egypt: ancient culture, modern
land, cradles of civilization, Norman, University of Oklahoma Press, 1993, pp. 45 – 58.
BOUTANTIN, C., “Les figurines en terre cuite de la ville d’Ayn Asil” in Bulletin de l'institut
Français d'Archéologie Oriental, 101, 1999, pp. 59 – 86.
BREWER, D., “Fish” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt,
Vol. I, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 532 – 535.
BRUYÉRE, B., “Un fragment de fresque de Deir el-Médineh” in Bulletin de l'Institut français
d'archéologie orientale, 22, 1923, pp. 121 – 133.
BULTE, J., “Iconographie original d’un Bès nourricier inédit: illustration d’un malédiction
obscène (pl. XIII-XIV)” in Revue d’Egyptologie, 52, 2001, pp. 57 – 67.
BULTE, J., “Une 'Thouéris' rare et couronnée en 'faïence à pois” in Revue d’Egyptologie, 54,
2003, pp. 1 – 29.
302
CAMINOS, R. A., ‘Magic for the dead’ in A. ROCCATI, A. SILIOTTI (eds.), La magia in
egitto ai tempi dei faraoni, Atti convegno internazionale di studi, Milan, Panini, 1987, pp. 147
– 59.
ČERNY, J., “Le culte d’Aménophis Ier chez les ouvriers de la nécropole thébaine” in Bulletin
de l'Institut français d'archéologie orientale, 27, 1927, pp. 159 – 203.
COONEY, K., “An informal workshop: textual evidence for private funerary art production in
the Ramesside period” in A. DORN, T. HOFMANN (eds.), Living and writing in Deir el-
Medine: socio-historical embodiment of Deir el-Medine texts, Aegyptiaca Helvetica 19,
Basel, Schwabe, 2006, pp. 43 – 55.
CRUM, W. E., “Bricks as birth-stool” in Journal of Egyptian Archaeology, 28, 1942, p. 69.
DAVID, A.R., “Religious practices in a Pyramid Workmen’s town of the Twelfth Dynasty”
in Bulletin of the Australian Center for Egyptologie, 2, 1991, pp. 33 – 40.
DAVIES, N. G., “The town house in ancient Egypt” in Metropolitan Museum Studies, Vol.1,
2, 1929, pp. 223 – 255.
DEMARÉE, R., “’Remove your stela’. O. Petrie 21 = Hier. Ostr. 16,4” in R. J. DEMARÉE, J.
JANSSEN (eds.), Gleanings from Deir el Medina, Leiden, Nederlands Instituut voor het
Nabije Oosten, 1982, pp. 101 – 108.
303
DEVAUCHELLE, D., “À propos des figurines animales dans l'Égypte ancienne” in
Anthropozoologica, 38, 2003, pp. 69 – 76.
DICKERMANN, L., “The condition of woman in ancient Egypt” in Journal of the American
Society of New York, Vol. 26, 1994, pp. 494 – 527.
DONNAT, S., “La peur du mort et le culte des ancêtres dans l’Égypte pharaonique",
Religions & Histoire, 11, 2006, pp. 68 – 77.
DONNAT, S., “Contacts with the dead in pharaonic Egypt. Ritual relationships and dead
classification”, Strasbourg, Marc Bloch University, 2007, pp. 1 – 11 (in
http://rennesegypto.free.fr/IMG/pdf/Sylvie_Donnat.pdf)
DONNAT, S., “Le rite comme seul référent dans les lettres aux morts. Nouvelle interprétation
du Cairo text on linen” in Bulletin de l'institut Français d'Archéologie Oriental, 109, 2009,
pp. 61 – 93.
DONNAT, S., “L’écrit comme trace de rituel en Egypte ancienne. L’exemple des lettres aux
morts” in Archimède 1, 2014, pp. 88 – 95. [http://archimede.unistra.fr/revue-archimede-
2/archimede-1-2014/archimede-1-2014-dossier-lecrit-comme-trace-de-rituel/ - acedido a 30
de Novembro 2014]
DOXEY, D., “Names” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt,
Vol. II, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 490 – 492.
DOXEY, D., “Sobek” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt,
Vol. III, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 300 – 301.
DUQUESNE, T., “Private devotion and public practice: aspects of Egyptian art and religion
as revealed by the Salakhana stelae” in TH. SCHNEIDER, K. SZPAKOWSKA (eds.),
Egyptian Stories. A British Egyptological Tribute to Alan B. Lloyd on the Occasion of His
Retirement, Alter Orient und Altes Testament 347, Münster, Ugarit-Verlag, 2007, pp. 55 – 74.
FAIRMAN, H. W., “Preliminary report on the excavations at Sesebi (Sudla) and Amarāh
West, Anglo-Egyptian Sudan” in Journal of Egyptian Archaeology, 24, 1938, pp. 151 – 156.
FAIRMAN, H. W., “Amara West” in E. HELCK, W. OTTO (eds.), Lexikon der Ägyptologie
I, Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1975, cols. 171 – 174.
FEUCHT, E., “Birth” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt,
Vol. I, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 192 – 193.
FRIEDMAN, F., “On the meaning of some anthropoid busts from Deir el-Medina” in Journal
of Egyptian Archaeology, 71, 1985, pp. 82 – 97.
305
FRIEDMAN, F., “Aspects of domestic life and religion” in L. LESKO (ed.), Pharaoh's
workers: the villagers of Deir el Medina, New York, Cornell University Press, 1994, pp. 95 –
117.
GARCIA, J. C. M. “Oracles, ancestor cults and letters to the dead: the involvement of the
dead in the public and private family affairs in Pharaonic Egypt” in A. STORCH (ed.),
Perception of the invisible: religion, historical semantics and the role of perceptive verbs,
Rüdiger Köppe Verlag, Cologne, 2010, pp. 133 – 153.
GARIS DAVIES, N., “Mural paintings in the city of Akhetaten” in Journal of Egyptian
Archaeology, 7, 1920, pp. 1 – 7.
GUILMOT, M., “Les lettres aux morts dans l’Égypte ancienne" in Revue de l’histoire des
Religions, tome 170, 1, 1966, pp. 1 – 27.
GIVEON, R., “A god who hears” in H. Von VOSS, S. MATTHIEU (dirs.), Studies in
Egyptian Religion dedicated to Professor Jan Zandee, Studies in the history of religions, 43,
Leiden, Brill, 1982, pp. 38 – 42.
GOSLINE, S. L., “Egyptian deity pendants” in Discussions in Egyptology, 12, 1988, pp. 19 –
26.
GOYON, J., “Sur une formule des rituels de conjuration des dangers de l'année. En marge du
papyrus Brooklyn 47.218.50 – II” in Bulletin de l'institut Français d'Archéologie Oriental,
74, 1974, pp. 75 – 83.
GOYON, J., “Un phylactère tardif: le Papyrus 3233 a et b du Musée du Louvre” in Bulletin de
l'institut Français d'Archéologie Oriental, 77, 1977, pp. 45 – 54.
306
GOYON, J., “Räucherung“ in W. HELCK, E. OTTO, W. WESTENDORF (eds.), Lexikon der
Ägyptologie V, Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1984, cols. 83 – 86.
GRIFFIN, K., “An 3ḫ iḳr n R’ stela from the collection of the Egypt Centre, Swansea” in TH.
SCHNEIDER, K. SZPAKOWSKA (eds.), Egyptian Stories. A British egyptological tribute to
Alan B. Lloyd on the occasion of his retirement, Alter Orient Und Altes Testament 347,
Münster, Ugarit-Verlag, 2007, pp. 149 – 154.
GRIFFITH, F., “Stela in honour of Amenophis III and Taya, from Tell el-'Amarnah” in
Journal of Egyptian Archaeology, 12, 1926, pp. 1 – 2.
GRIFFITHS, J. G., “A protection against the evil eye in Lower Nubia and Upper Egypt” in
Man, Vol. 38, 1938, pp. 68 – 70.
GUNN, B., “The religion of the poor in ancient Egypt” in Journal of Egyptian Archaeology,
3, 1916, pp. 81 – 94.
307
HABACHI, L., “Buhen” in W. HELCK, E. OTTO (eds.), Lexikon der Ägyptologie I,
Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1975, cols. 880 – 882.
HABACHI, L., “Varia from the reign of King Akhenaten” in Mitteilungen des Deutschen
Archäologischen Instituts, Abteilung Kairo, 20, 1965, pp. 70 – 92.
HAMZA, M., KEMP, B., “Report on a large house at Amarna, discovered near the village of
el-Hagg Qandil” in Journal of Egyptian Archaeology, 86, 2000, pp. 161 – 165.
HANASAKA, T., “Archaeological interpretation of clay cobra figurines: based on the study
of objects from Akoris” in Journal of West Asian Archaeology, 12, 2011, pp. 57 – 78.
HARI, R., “La religion amarnienne et la tradition polythéiste “ in F. JUNGE (ed.), Studien zu
Sprache und Religion Ägyptens zu Ehren von Wolfhart Westendorf, Vol. 2, Göttingen, Hubert
& Co., 1984, pp. 1039 – 1055.
HARRINGTON, N., “From the cradle to the grave: anthropoid busts and ancestor cult at Deir
el Medina” in K. E. PIQUETTE, S. LOVE (eds.), Current research in Egyptology 2003
proceeding of the fourth annual symposium which took place at the Institute of Archaeology,
University College London 18-19 January 2003, Oxford, Oxbow, 2005, pp. 71 – 88.
HASEN, N., “Snakes” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt,
Vol. III, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 296 - 299.
HOFFMEIER, J., “Deities of the Eastern frontier” in Cahiers supplémentaires des ASAE, 39,
2011, pp. 1 – 20.
HOLLIS, S.T., “Women of ancient Egypt and the Sky Goddess Nut” in The Journal of
American Folklore, Vol. 100, No. 398, Folklore and Feminism, 1987, pp. 496 – 503.
HORNBLOWER, G. D., “Phallic offerings to Hat-Hor” in Man, Vol. 26, 1926, pp. 81 – 83.
308
HOUSER-WEGNER, J., “Taweret” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of
Ancient Egypt, Vol. III, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 250 – 251.
IKRAM, S., “Domestic shrines and the cult of the royal family at el-Amarna” in Journal of
Egyptian Archaeology, 75, 1989, pp. 89 – 101.
ILAN, D., “Mortuary practices at Tell Dan in the Middle Bronze age: a reflection of
Canaanite society and ideology” in S. CAMPEBELL, A. GREEN (eds.), The Archaeology of
death in the Ancient Near East, Oxford, Oxbow Books, 1995, pp. 117 – 139.
JANÀK, J., “Revealed but undiscovered: a new letter to the dead” in Journal of Near Eastern
Studies, 62, nº 4, 2003, pp. 275 – 277.
KEITH-BENNETT, J., “Anthropoid busts: II: not from Deir el Medineh alone” in Bulletin of
the Egyptological Seminar, 3, 1981, pp. 43 – 72.
KEITH-BENNETT, J., “Catalogue of anthropoid busts from Egyptian sites other than Deir el
Medineh” in Bulletin of the Egyptological seminar, 3, 1981, pp. 51 – 71.
KEMP, B., “An incised sherd from Kahun” in Journal of Near Eastern Studies, Vol. 36, No.
4, 1977, pp. 289 – 292.
309
KEMP, B., “The harîm-palace at Medinet el-Ghurab” in Zeitschrift für Ägyptische Sprache
und Altertumskunde, 15, 1978, pp. 122 – 133.
KEMP, B., “Preliminary report on the el-'Amarna survey, 1977” in Journal of Egyptian
Archaeology, 64, 1978, pp. 22 – 34.
KEMP, B., “Preliminary report on the el-'Amarna survey, 1978” in Journal of Egyptian
Archaeology, 65, 1979, pp. 5 – 12.
KEMP, B., “The city of el-Amarna as a source for the study of urban society in Egypt” in W.
REINEKE (ed.), Acts of the First International Congress of Egyptology, Berlin, Akademie-
Verlag, 1979, pp. 369 – 370.
KEMP, B., “Wall paintings from the Workmen’s Village at el-‘Amarna” in Journal of
Egyptian Archaeology, 65, 1979, pp. 47 – 53.
KEMP, B., “Preliminary report on the el-'Amarna expedition, 1979” in Journal of Egyptian
Archaeology, 66, 1980, pp. 5 – 16.
KEMP, B., “Preliminary report on the el-'Amarna expedition, 1980” in Journal of Egyptian
Archaeology, 67, 1981, pp. 5 – 20.
KEMP, B., “The character of the South Suburb at Tell el-'Amarna” in Mitteilungen der
Deutschen Orient-Gesellschaft zu Berlin, 113, 1981, pp. 81 – 97.
KEMP, B., “Preliminary report on the el-'Amarna expedition, 1981–2” in Journal of Egyptian
Archaeology, 69, 1983, pp. 5 – 24.
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 1996” in Journal of Egyptian Archaeology, 82, 1996, pp. 12 –
14.
KEMP, B., “The city of el-Amarna as a source for study of urban society in ancient Egypt” in
World Archaeology, Vol. 9, nº 2, Architecture and Archaeology, 1997, pp. 123 – 139.
KEMP, B., “More of Amarna’s city plan” in Egyptian Archaeology, 13, 1998, pp. 17 – 18.
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 1997–8” in Journal of Egyptian Archaeology, 84, 1998, pp. 12 –
16.
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 1998–9” in Journal of Egyptian Archaeology, 85, 1999, pp. 13 –
18.
310
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 2000” in Journal of Egyptian Archaeology, 86, 2000, pp. 12 –
17.
KEMP, B., “A model of Tell el-Amarna” in Antiquity, 74, 2000, pp. 15 – 16.
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 2000–01” in Journal of Egyptian Archaeology, 87, 2001, pp. 16
– 21.
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 2001–02” in Journal of Egyptian Archaeology, 88, 2002, pp. 12
– 21.
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 2003” in Journal of Egyptian Archaeology, 89, 2003, pp. 10 –
21.
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 2004” in Journal of Egyptian Archaeology, 90, 2004, pp. 14 –
26.
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 2005” in Journal of Egyptian Archaeology ,91, 2005, pp. 15 –
27.
KEMP, B., “Tell el-Amarna, 2005-06” in Journal of Egyptian Archaeology,92, 2006, pp. 21 –
56.
KEMP, B., “A wall painting of Bes figures from Amarna” in Egyptian Archaeology, 34,
2009, pp. 18 – 19.
KEMP, B., ROSE, P., “Proportionality in mind and space in ancient Egypt” in Cambridge
Archaeological Journal, 1(1), 1990, pp. 103 – 129.
KESSLER, D., “Monkeys and baboons” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia
of Ancient Egypt, Vol. II, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 428 –
432.
KOENIG, Y., “Un revenant inconvenant? (Papyrus Deir el-Médineh 37)” in Bulletin de
l'institut Français d'Archéologie Oriental, 79, 1979, pp. 103 – 119.
311
KOENIG, Y., “Deux amulettes de Deir el-Medineh” in Bulletin de l'institut Français
d'Archaeology Oriental, 82, 1982, pp. 283 – 93.
KOLTSIDA, A., “Birth-bed, sitting place, erotic corner or domestic altar? A study of the so-
called ‘elevated bed’ in Deir el-Medina houses” in Studien zur altägyptischen Kultur, 35,
2006, pp. 165 – 174.
KOLTSIDA, A., “Domestic space and gender roles in ancient Egyptian village households: a
view from Amarna workmen's village and Deir el-Medina” in British School at Athens
Studies, 15, 2007, pp. 121 – 127.
KULEMANN-OSSEN, S., NOVÁK, M., “Kubu und das ‘Kind in Topf’” in Altorientalische
Forschungen, 27, 2000, pp. 121 – 131.
LACOVARA, P., “Gurob and the New Kingdom 'Harim' Palace” in J. S. PHILLIPS (ed.),
Ancient Egypt, the Aegean and the Near East Studies in Honour of Martha Rhoads Bell, San
Antonio, Van Siclen Books, 1997, pp. 297 – 306.
LESKO, B., “Private cults” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient
Egypt, Vol. I, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 336 – 339.
LESKO, B., “Household and domestic religion in ancient Egypt” in J. BODEL, S. OLYAN
(eds.), Household religion in antiquity. The Ancient World: comparative histories, Oxford,
Blackwell Publishing, 2008, pp. 197 – 209.
312
Symposium which took place at The KNH Centre for Biomedical Egyptology, University of
Manchester, January 2008, Rutherford Press Limited, 2008, pp. 51 – 68.
LLOYD, S., “Model of a Tell el-‘Amarnah house” in Journal of Egyptian Archaeology, 19,
1933, pp. 1 – 7.
LUCARELLI, R., “Popular beliefs in demons in the Libyan period: the evidence of the
Oracular Amuletic Decrees” in G. P. F. BROEKMAN, R. J. DEMARÉE, O. E. KAPER
(eds.), The Libyan Period in Egypt Historical and Cultural Studies into the 21th – 24th
Dynasties: Proceedings of a Conference at Leiden University, 25-27 October 2007,
Nederlands Instituut Voor Het Nabije Oosten, Leiden, Peeters Leuven, 2009, pp. 231 – 239.
LUISELLI, M., “La partecipazione dell'individuo alla religione: rituali personali tra norma e
individualità nell'Egitto del Medio e Nuovo Regno” in Ayguptus, Anno LXXXV, 1 – 2, Atti del
X Congresso di Egittologia e Papirologia (Roma 1-2 Febbraio 2006), Milan, Università
Cattolica del Sacro Cuore, 2005, pp. 13 – 32
MACE, A., “The Egyptian Expedition 1920 – 1921 I: Excavations at Lisht” in Bulletin of the
Metropolitan Museum of Art, 16, 1921, pp. 5 – 19.
MACY ROTH, A., “Ancestor bust (entry number 90)” in S. D’AURIA, P. LACOVARA, C.
ROEHRING (eds.), Mummies and magic: the funerary arts of ancient Egypt, Boston,
Museum of fine arts, 1988, p. 149.
313
MALAISE, M., “Bès et Béset: métamorphoses d'un démon et naissance d'une démone dans
l'Égypte ancienne” in J. RIES, H. LIMET (eds.), Anges et démons, homo religiosus, 14, Liège
et de Louvain-La-NEUVE, Centre d'Histoire des Religions, 1987, pp. 53 – 68.
MALAISE, M., “Bes” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt,
Vol. I, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 179 – 181.
MARTZOLFF, L., “La pratique du rituel dans le temple égyptien” in Archimède 1, 2014, pp.
21 - 31. [http://archimede.unistra.fr/revue-archimede-2/archimede-1-2014/archimede-1-2014-
dossier-la-pratique-du-rituel-dans/ - acedido a 30 de Novembro 2014]
MASSON, A., “Le quartier des prêtres du temple de Karnak: rapport préliminaire de la fouille
de la maison VII, 2001-2003” in Cahiers de Karnak XII, 2007, pp. 593 – 655.
MASSON, A., “Vivre à la porte du sacré: les maisons des prêtres dans le sanctuaire d’Amon”
in Dossier d’Archéologie HS n°16, 2009, pp. 48 – 55.
MASSON, A., “Un nouvel habitant de la rive est du lac sacré. Le prophète du pieu sacré Pa-
sheri-n-aset” in Cahiers de Karnak 13, 2010, pp. 345 – 357.
MEEKS, D., “Génies, anges, démons en Égypte” in Sources Orientales, 8, 1971, pp. 17 – 84.
MEEKS, D., “Le nom du dieu Bés et ses implications mythologiques” in Studia Aegyptiaca,
14, 1992, pp. 423 – 436.
MESKELL, L., “Intimate archaeologies: the case of Kha and Merit” in World Archaeology,
Vol. 29, 3, Intimate Relations, 1998, pp. 363 – 379.
MESKELL, L., “Archaeologies of life and death” in American Journal of Archaeology, Vol.
103, 2, 1999, pp. 181 – 199.
314
MESKELL, L., “Cycles of life and death: narrative homology and archaeological realities” in
World Archaeology, Vol. 31, 3, Human lifecycles, 2000, pp. 423 – 441.
MESKEL, L., “Spatial analyses of the Deir el-Medina settlement and necropolis” in R. J.
DEMARÉE, A. EGBERTS (eds.), Deir el-Medina in the Third Millennium AD, Leiden,
Nederlands Instituut voor het Nabije Oosten, 2000, pp. 259 – 275.
MESKELL, L., “Re-em(bed)ing sex: domesticity, sexuality, and ritual in New Kingdom
Egypt” in R. A. SCHMIDT, B. L. VOSS (eds.), Archaeologies of Sexuality, London, New
York, Routledge, 2000, pp. 254 – 262.
MORKOT, R., “The excavations at Sesebi (Sudla) 1936 – 1938” in Beiträge zur
Sudanforschung, 3, 1988, pp. 159 – 164.
MOTA, S., “The household religion in ancient Egypt: problems and constraints” in Res
Antiquitatis, 2, 2011, pp. 71 – 81.
MOTA, S., “The household religion in ancient Egypt: what do the archaeological evidences
tell us?” in Hathor. Studies of Egyptology 1, 2012, pp. 31 – 61
MOTA, S., “Beyond the obvious: the Middle Kingdom settlements and its contribution to the
study of household religion in ancient Egypt” in Hathor. Studies of Egyptology 2, [No prelo].
MÜLLER, V., “Offering deposits at Tell el-Dab'a” in CH. EYRE (ed.), Proceedings of the
Seventh International Congress of Egyptologists, Cambridge, 3 – 9 September 1995,
Orientalia Lovaniensia Analecta 82, Leuven, Peeters, 1998, pp. 793 – 803.
MÜLLER, I. F., ROSE, P., REALI, CH., TRONCHÈRE, H., “Preliminary report on the
season 2012 at Tell el-Daba'a / Sharqeya” in http://www.auaris.at/downloads/Report_SCA
_engl_arabic_small.pdf.
NEWBERRY, P.E., “The pig and the cult-animal of Set” in Journal of Egyptian Archaeology,
14, No. 3/4, 1928, pp. 211 – 225.
315
NUNN, J., “Disease” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt,
Vol. I, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 396 – 401.
O’DONOGHUE, M., “The ‘Letters to the Dead’ and ancient Egyptian religion” in The
Bulletin of the Australian Centre for Egyptology, 10, 1999, pp. 99 –101.
O'CONNOR, D. B., “The elite houses of Kahun” in J. PHILLIPS (ed.), Ancient Egypt, the
Aegean, and the Near East: Studies in honor of Martha Rhoads Bell, San Antonio Van Siclen
Books, 1997, pp. 389 – 400.
ORRELE, E., “Infant jar burials – a ritual associated with early agriculture?” in K.
BACVAROV (ed.), Babies reborn: Infant/Child burials in Pre- and Protohistory, Bar
International Series 1832, Oxford, Archaeopress, 2008, pp. 71 – 78.
PARLEBAS, J., “Remarques sur la conception des rêves et sur leur interprétation dans la
civilisation Égyptienne antique” in Ktéma, 7, 1982, pp. 19 – 22.
PICARDO, N., “Egypt’s well-to-do. Elite mansions in the town of Wah-Sut” in Expedition
Magazine, Vol. 48, Nº 2, 2006, pp. 37 – 40.
PINCH, G., “Offerings to Hathor” in Folklore, Vol. 93, No. 2, 1982, pp. 138 – 150.
PINCH, G., “Childbirth and female figurines at Deir el-Medina and el-‘Amarna’ in
Orientalia, vol. 52, 1983, pp. 405 – 514.
316
PINCH, G., “Red things: the symbolism of colour in magic” in W. V. DAVIES (ed.), Colour
and painting in ancient Egypt, Londres, British Museum Press, 2001, pp. 182 – 185.
POLITI, J., “Gurob: the papyri and the “burnt groups” in Göttinger Miszellen, 182, 2001, pp.
107 – 111.
POSENER, G., “Les ‘afarit’ dans l’ancienne Égypte” in Mitteilungen des Deutschen
Archäologischen Instituts Abteilung Kairo, 37, 1981, pp. 393 – 401.
QUIRKE, S., “Figures of clay: toys or ritual objects?” in S. QUIRKE (ed.), Lahun Studies,
Reigate, SIA Press, 1998, pp. 141 – 151.
RAVE, D., Von PILGRIM, C., et al., “Report on the 33rd season of excavation on the island
of Elephantine”, 2003/4. [http://www.dainst.org/sites/default/files/medien/en/daik_ele33_
RAVEN, M.J., “Charms for protection during the epagomenal days” in J. Van DIJK (ed.),
Essays on ancient Egypt in Honour of Herman te Velde, Egyptological Memoirs, Vol. I,
Groningen, Styx publications, 1997, pp. 275 – 285.
REDMOUNT, C., “Tales of a Delta site: the 1995 field season at Tell el-Muqdam” in Journal
of the American Research Center in Egypt, 34, 1997, pp. 57 – 83.
REDMOUNT, C., FRIEDMAN, R., “The 1993 field season of the Berkeley Tell el-Muqdam
project: preliminary report” in Newsletter of the American Research Center in Egypt, 164,
1994, pp. 1 – 10.
RÉGEN, I., “Les 'briques magiques' du vizir Ouser” in M. M. ELDAMATY (ed.), Egyptian
Museum Collections Around the World, 2, Cairo, Supreme Council of Antiquities, 2002, pp.
991 – 1002.
RITNER, R., “A uterine amulet in the Oriental Institute collection” in Journal of Near
Eastern Studies, 43, 1984, 209 – 221.
317
RITNER, R., “Horus on the crocodiles: a juncture of religion and magic in Late Dynastic
Egypt” in W. K. SIMPSON (ed.), Religion and philosophy in ancient Egypt, Yale
Egyptological Studies 3, New Haven, CT, Yale Egyptological Seminar, Yale University,
1989, pp. 103 – 116.
RITNER, R., “Egyptian magic: questions of legitimacy, religious orthodoxy, and social
deviance” in A. B. LLOYD (ed.), Studies in Pharaonic religion and society in Honour of J.
Gwyn Griffiths, London, Egypt Exploration Society, 1992, pp.189 – 200.
RITNER, R., “Religion vs. magic: the evidence of the magical statue bases” in U. LUFT
(ed.), The intellectual heritage of Egypt. Studies presented to Laszlo Kakosy by friends and
colleagues on the occasion of his 60 birthday, Studia Aegyptiaca, 14, Budapest, 1992, pp. 495
– 501.
RITNER, R., “The religious, social and legal parameters of traditional Egyptian magic” in M.
MEYER, P. MIRECKI (eds.), Ancient magic and ritual power, Leiden, Boston, Brill, 1995,
pp. 43 – 60.
RITNER, R., “Magical wand” in D. SIVERMAN (ed.), Searching for ancient Egypt, Dallas,
Dallas Museum of Art and University of Pennsylvania Museum, 1997, pp. 234 – 235.
RITNER, R., “Innovations and adaptations in ancient Egyptian medicine” in Journal of Near
Eastern Studies, Vol. 59, No. 2, 2000, pp. 107 – 117.
RITNER, R., “Magic in daily life” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia of
Ancient Egypt, Vol. II, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 329 – 333.
RITNER, R., “Magic in the after dead” in D. B. REDFORD (ed.), The Oxford Encyclopedia
of Ancient Egypt, Vol. II, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 333 –
336.
RITNER, R., “Dream book” in D. B. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient
Egypt, Vol. I, Cairo, The American University in Cairo Press, 2001, pp. 410 – 411.
RITNER, R., “Une introduction à la magie dans la religion de l'Égypte antique” in Annuaire
AEPHE, Sciences religiouses 117, 2008-9, pp. 101 – 108.
ROBERSON, J., “The early history of "New Kingdom" netherworld iconography: a late
Middle Kingdom apotropaic wand reconsidered” in D. P. SILVERMAN, W. K. SIMPSON, J.
WEGNER (eds.), Archaism and innovation: studies in the culture of Middle Kingdom Egypt,
Philadelphia, New HavenDepartment of Near Eastern Languages and Civilizations, Yale
University, 2009, pp. 427 – 445.
ROBINS, G., “Women and children in peril: pregnancy, birth & infant mortality in ancient
Egypt” in KMT, A modern Journal of ancient Egypt, 5/4, San Francisco, 1995, pp. 24 – 35.
ROBINS, G., “Dress, undress and the representations of fertility and potency in New
Kingdom Egyptian art” in N. KAMPER (ed.), Sexuality in ancient art Near East, Egypt,
Greece and Italy, New York, Cambridge University Press, 1996, pp. 27 – 40.
ROBINS, G., “Women and votive stelae in the New Kingdom” in J. S. PHILLIPS (ed.),
Ancient Egypt, the Aegean and the Near East Studies in Honour of Martha Rhoads Bell, San
Antonio, Van Siclen Books, 1997, pp. 445 – 454.
ROTH, A. M., ROEHRIG, C. H., “Magical bricks and the bricks of birth” in Journal of
Egyptian Archaeology, 88, 2002, pp. 121 – 139.
RYHOLT, K., “Two New Kingdom oracle petitions. O. BMFA 72.659, 72.666” in Revue
d'Égyptologie, 48, 1997, pp. 279 – 282.
SADEK, A. I., “Glimpses of popular religion in New Kingdom Egypt I: mourning for
Amenophis I at Deir el-Medina” in Göttinger Miszellen, 36, 1979, pp. 51 – 56.
319
SADEK, A.I., “Les fêtes personelles au Novel Empire” in S. SCHOSKE (ed.), Akten des
vierten internationalen ägyptologen kongresses, Munchen 1985, Hamburg, Helmut Buske,
1988, pp. 353 – 368.
SAMUEL, D., “Bread making and social interactions at the Amarna Workmen's Village,
Egypt” in World Archaeology, Vol. 31, No. 1, 1999, pp. 121 – 144.
SAUNERON, S., “Les songes et leurs interprétations dans l'Égypte ancienne” in Sources
Orientales, 2, 1959, pp. 18 – 61.
SCHOTT, S. Von, “Die bitte um eine kind auf einer grabfigur des frühen mittleren reiches” in
Journal of Egyptian Archaeology, 16, 1930, p. 23.
SCHULMAN, A. R., “Ex-votos of the poor” in Journal of the American Research Center in
Egypt, 6, 1967, pp. 153 – 156.
SEELE, K. C., “Horus on the crocodiles” in Journal of Near Eastern Studies, 6, 1947, pp. 43
– 52.
SHAW, I., “Ideal homes in ancient Egypt: the archaeology of social aspiration” in Cambridge
Archaeological Journal, 2 (2), 1992, pp. 147 – 166.
SHAW, I., “Egyptian patterns of urbanism. A comparison of three New Kingdom settlement
sites” in C. J. EYRE (ed.), Proceeding of the seventh International Congress of Egyptologists,
Cambridge, 3 – 9 September 1995, Orientalia Lavaniensia Analecta 82, Leuven, Uitgeverij
Peeters, 1998, pp. 1049 – 1060.
SHAW, I., “Report to the SCA on archaeological survey undertaken at Medinet el-Gurob, 4-
19 April 2007” in http://www.gurob.org.uk/reports/SCAReport2007.pdf.
SHAW, I., “Gurob: an Egyptian harem?” in Current World Archaeology, 16, 2007, pp. 2 – 9.
SHAW, I., “A royal harem town of the New Kingdom: new fieldwork at Medinet el-Gurob
in C. ZIEGLER (ed.), Queens of Egypt from Hetepheres to Cleopatra, Paris, Somogy Art
Publishers, 2008, pp.104 – 115.
320
SHAW, I., “Seeking the Ramesside royal harem: new fieldwork at Medinet el-Gurob” in M.
COLLIER, S. SNAPE (eds.), Ramesside Studies in Honour of Ken Kitchen, Bolton,
Rutherford Press, 2009, pp. 207 – 217.
SHAW, I., “Report to the SCA on archaeological survey undertaken at Medinet el-Gurob, 4-1
April 2010” in http://www.gurob.org.uk/reports/SCAReport2010.pdf
SHAW, I., “New fieldwork at the Medinet el-Gurob New Kingdom settlement: investigating
a harem palace town in the Faiyum (summary of the 2009-10 seasons)” in G. A. BELOVA
(ed.), Achievements and problems of modern Egyptology, Proceedings of the international
conference held in Moscow on September 29–October 2, 2009, Moscow, Russian Academy of
Sciences, Center for Egyptological Studies, 2011, pp. 348 – 364.
SHAW, I., “Report to the SCA on archaeological survey undertaken at Medinet el-Gurob, 27
March – 17 April 2012” in http://www.gurob.org.uk/reports/SCAReport2012.pdf
SHAW, I., “The Gurob Harem Palace Project, Spring 2012” in Journal of Egyptian
Archaeology, 98, 2012, pp. 43 – 54.
SHINNIE, P. L., “Preliminary Report on the Excavations at 'Amārah West, 1948-49 and
1949-50” in Journal of Egyptian Archaeology, 37, 1951, pp. 5 – 11.
SIMPSON, W. K., “A Late Old Kingdom letter to the dead from Nag’ ed-Deir N 3500” in
Journal of Egyptian Archaeology, 56, 1970, pp. 58 – 64.
ŚLIWA, J., “Die siedlung des Mittleren Reiches bei Qasr el-Sagha. Grabungsbericht 1987
und 1988” in Mitteilungen des Deutschen Archäologischen Instituts, Abteilung Kairo, 48,
1992, pp. 177 – 191.
ŚLIWA, J., “The Middle Kingdom settlement at Qasr el-Sagha, 1979 - 1988” in Studies in
Ancient Art and Civilization, 5, 1992, pp. 19 – 38.
SMITH, S. T., “The house of Meryka at Askut and the beginning of the New Kingdom in
Nubia” in G. M. ZACCONE, T. R. NETRO (eds.), Sesto congress internazionale di
egittologia (6th 1992 Turin, Italy), Vol. 2, Turin, Società Italiana per il Gas., 1993, pp. 497 –
509.
321
SORENSEN, J., “The argument in ancient Egyptian magical formulae” in Acta Orientalia,
45, 1984, pp. 5 – 19.
SPALINGER, A., “The lunar system in festival calendars: from the New Kingdom onwards”
in Bulletin de la Société d'Égyptologie Genève, 19, 1995, pp. 25 – 40.
SPALINGER, A., “Some remarks on the Epagomenal days in ancient Egypt” in Journal of
Near Eastern Studies, vol. 54, 1, 1995, pp. 33 – 47.
SPALINGER, A., “The limitations of formal ancient Egyptian religion” in Journal of Near
Eastern Studies, Vol. 57, No. 4, 1998, pp. 241 – 260.
SPARKS, R.T., “The Taweret workshop: Nicholson Museum 00.107 and related vessels” in
K. N. SOWADA, B. G. OCKINGA (eds.), Egyptian Art in the Nicholson Museum, Sydney,
Sydney, Mediterranean Archaeology, 2006, pp. 241 – 261.
SPENCE, K., “The three-dimensional form of the Amarna house” in Journal of Egyptian
Archaeology, 90, 2004, pp. 123 – 52.
SPENCE, K., “A contextual approach to ancient Egyptian domestic cult: the case of the
“lustration slabs” at el-Amarna” in D. BARROWCLOUGH, C. MALONE (eds.), Cult in
context: Reconsidering ritual in archaeology, Oxford, Oxbow, 2007, pp. 285 – 292.
SPENCE, K., ROSE, P., “New fieldwork at Sesebi” in Egyptian Archaeology, 35, 2009, pp.
21 – 24.
SPENCE, K., ROSE, P., BUNBURY, J., CLAPHAM, A., COLLET, P., SMITH, G.,
SODERBERG, N., “Fieldwork at Sesebi” in Sudan & Nubia, 13, 2009, pp. 38 – 46.
SPENCER, N., “Amara West: capital of Egyptian Kush” in Sudan & Nubia, 1, 1997, pp. 34 –
39.
SPENCER, N., “Cemeteries and a Ramesside suburb at Amara West” in Sudan & Nubia 13,
2009, pp. 47 – 61.
322
SPENCER, N., “Shrine” in W. WENDRICH (ed.), UCLA, Encyclopedia of Egyptology, Los
Angeles, 2010. (http://escholarship.org/uc/item/5t48n007)
SPENCER, N., “Nubian architecture in an Egyptian town? Building E12.11 at Amara West”
in Sudan & Nubia, 14, 2010, pp. 15 – 24.
SPENCER, N., HAY, S., “Amara West: remote sensing at a pharaonic town in northern
Sudan” in Proceedings of the conference, Archaeological Survey and the City, University of
Cambridge, 2013, pp. 176 – 201.
SPIESER, C., “Serket, protectrice des enfants à naître et des défunts à renaître” in Revue
d'Égyptologie, 52, 2001, pp. 251 – 264.
STEINDORFF, G., “Magical knives of the Middle Kingdom” in Journal of Walters Art
Gallery, 9, 1946, pp. 41 – 51; 106 – 107.
STEVENS, A., “The material evidence for domestic religion at Amarna and preliminary
remarks on its interpretation” in Journal of Egyptian Archaeology, 89, 2003, pp. 143 – 168.
STEVENS, A. “The Amarna Stone Village survey and life on the urban periphery in New
Kingdom Egypt” in Journal of Field Archaeology, 36, 2011, pp. 100 – 118.
STEVENS, A. “Private religion in the Amarna suburbs” in F. SEYFRIED (ed.), In the light of
Amarna. 100 Years of the discovery of Amarna, Berlin, Ägyptisches Museum und
Papyrussammlung, Staatliche Museen zu Berlin, 2012, pp. 92 – 97.
SWEENEY, D., “Intercessory prayer in Egypt and the Bible” in S. ISRAELIT-GROLL (ed.),
Pharaonic Egypt. The Bible and Christianity, Jerusalem, Magnes Press, 1985, pp. 213 – 230.
SZPAKOWSKA, K., “Playing with fire: initial observations on the religious uses of clay
cobras from Amarna” in Journal of the American Research Center in Egypt, 40, 2003, pp.
113 – 22.
323
SZPAKOWSKA, K., “Flesh for fantasy: reflections of women in two ancient Egyptian dream
books” in TH. SCHNEIDER, K. SZPAKOWSKA (eds.), Egyptian Stories. A British
egyptological tribute to Alan B. Lloyd on the occasion of his retirement, Münster, Ugarit-
Verlag, 2007, pp. 393 – 404.
SZPAKOWSKA, K., “Demons in ancient Egypt” in Religion Compass, 3 (5), 2009, pp. 799 –
805.
SZPAKOWSKA, K., “Demons in the dark: nightmares and other nocturnal enemies of
ancient Egypt” in P. KOUSOULIS (ed.), Ancient Egyptian theology and demonology: studies
on the boundaries between the divine and demonic in Egyptian magic, Leuven, Peeters, 2011,
pp. 63 – 76.
SZPAKOWSKA, K., “Snake cults and military life in New Kingdom Egypt” in E. B.
BANNING, T. P. HARRISON (eds.), Walls of the Prince: Egyptian interactions with
Southwest Asia in Antiquity. Essays in honour of John S. Holladay Jr., Leiden, Brill, 2013 (no
prelo).
TASSIE, G. J., “Identifying the practice of tattooing in ancient Egypt and Nubia” in Papers
from the Institute of Archaeology, 14, 2003, pp. 85 – 101.
324
TAVARES, A., KAMEL, M., “Short end-of-season Report to the Supreme Council of
Antiquities (SCA). Mit Rahina Field School, 2011, AERA/ARCE”, Ancient Egypt Research
Associates, 2011, pp. 1 – 14.
TAVARES, A., KAMEL, M., “Memphis, a city unseen: joint AERA-ARCE-EES Beginners
Field School excavates oldest part of Egypt’s Ancient Capital City” in AERAGRAM, Volume
13, No. 1, 2012, pp. 2 – 7.
TEETER, E., “Popular worship in ancient Egypt: contrary to what is often written,
commoners had access to their deities” in KMT, A Modern Journal of Ancient Egypt, 4/2,
1993, pp. 28 – 37.
TEETER, E., “Piety at Medinet Habu” in Oriental Institute News and Notes, 172, 2002, pp. 1
– 6.
THOMAS, S., “Chariots, cobras and Canaanites: a Ramesside miscellany from Tell Abqa'in”
in M. COLLIER, S. SNAPE (eds.), Ramesside Studies in Honour of K. A. Kitchen, London,
Rutherford Press Ltd, 2011, pp. 119 – 131.
TIETZE, C., “Amarna, analyse seiner wohnhäuser und soziale struktur der stadtbewohner” in
Zeitschrift für ägyptische Sprache und Altertumskunde, 112, 1985, pp. 48 – 84.
TOOLEY, A. M., “Child’s toy or ritual object” in Göttinger Miszellen, 123, 1991, pp. 101 –
11.
TROY, L., “Have a nice day! Some reflections on the calendars of good and bad days” in G.
ENGLUND (ed.), The Religion of the Ancient Egyptians – Cognitive Structures and Popular
Expressions: Proceedings of Symposia in Uppsala and Bergen, 1987 and 1988, Acta
Universitatis Upsaliensis, Boreas 20, Uppsala, S. Academiae Ubsaliensis, 1989, pp. 127 –
147.
325
UCHIDA, S., “A consideration on the reciprocal relation between the living and the dead in
ancient Egypt – Akh and Akh iker en Re” in Bulletin of the Society for Near Eastern Studies in
Japan, 33.1, 1990, pp. 124 – 137.
UCKO, P. J., “Anthropomorphic ivory figurines from Egypt” in The Journal of the Royal
Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, Vol. 95, No. 2, 1965, pp. 214-239.
VARGA, E., “Les oreilles de la divinité” in J. AKSAMIT (ed.), Essays in Honour of Prof Dr.
Jadwiga Lipinska, Warsaw Egyptological Studies, 1, Warchau, National Museum in Warsaw
Pro-Egypt, 1997, pp. 319 – 322.
VELDE, H. de, “A few remarks upon the religious significance of animals in ancient Egypt”
in Numen, Vol. 27, Fasc. 1, 1980, pp. 76 – 82.
VERNUS, P., “Le dieu personnel dans l’Egypte pharaonique” in Colloque de la Société
Ernest Renan, Orsay, 1977, pp. 143 – 157.
VERNUS, P., “Ecriture du rêve et écriture hiéroglyphique” in Littoral, 7/8, 1983, pp. 27 – 32.
VERNUS, P., “La grotte de la Vallée des Reines dans la piété personnelle des ouvriers de la
Tombe (BM 278) in R. J. DEMAREE, A. EGBERTS (eds.), Deir el-Medina in the third
millennium AD. A Tribute to J.J. Jansen, Leiden, Nederlands Instituut voor het Nabije
Oosten, 2000, pp. 331 – 336.
VERNUS, P., “La piété personnelle à Deir el-Médineh. La construction de l'idée de pardon”
in G. ANDREU (ed.) Deir el-Médineh et la vallée des Rois. La vie en Egypte au temps des
pharaons du Nouvel Empire. Actes du colloque organisé par le musée du Louvre, les 3 et 4
Mai 2002, Paris, Ed. Khéops, 2003, pp. 309 – 347.
326
VILA, A., “Un dépôt de textes d’envoûtement au Moyen Empire” in Journal des Savants,
1963, pp. 135 – 160.
VITTMANN, G., “Personal names: structures and patterns” in W. WENDRICH (ed.), UCLA,
Encyclopedia of Egyptology, Los Angeles, 2013. (https://escholarship.org/uc/item/42v9x6xp)
VOSS, M. H. Van, “An Egyptian magical brick” in Jaarbericht van het Vooraziatisch-
Egyptisch Genootschap (Gezelschap) “Ex Oriente Lux”, 18, 1964, pp. 314 – 316.
WARREN, R. D., “Some observations on the Egyptian calendars of lucky and unlucky days”
in Journal of Egyptian Archaeology, 12, No. 3/4, 1926, pp. 260 – 264.
WEGNER, J., “The town of Wah-sut at South Abydos: 1999 excavations” in Mitteilungen des
Deutschen Archäologischen Instituts, Abteilung Kairo, 57, 2001, pp. 281 – 308.
WEGNER, J., “A decorated birth-brick from South Abydos” in Egyptian Archaeology, 21,
2002, pp. 3 – 4.
WEGNER, J., “Echoes of power. The mayor’s house of ancient Wah-Sut” in Expedition
Magazin Vol. 48, No 2, 2006, pp. 31 – 36.
WEGNER, J., “A decorated birth-brick from South Abydos: new evidence on childbirth and
birth magic in the Middle Kingdom” in D. P. SILVERMAN, W. K. SIMPSON, J. WEGNER
(eds.), Archaism and Innovation: studies in the culture of Middle Kingdom Egypt,
Philadelphia, New Haven; Department of Near Eastern Languages and Civilizations, Yale
University and University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, 2009,
pp. 447 – 491.
WEGNER, J., “Tradition and innovation. The Middle Kingdom” in W. WENDRICH (ed.),
Egyptian Archaeology, Malden, Oxford, Blackwell Publishing Ltd, 2010, pp. 119 – 141.
327
WEISS, L., “Personal religious practice: house altars at Deir el-Medina” in Journal of
Egyptian Archaeology, 95, 2009, pp. 193 – 208.
WENDRICH, W., “Entangled, connected or protected? The power of knots and knotting in
ancient Egypt” in K. SZPAKOWSKA (ed.), Through a glass darkly: magic, dreams and
prophecy in Ancient Egypt, Swansea, The Classical Press of Wales, 2006, pp. 243 – 269.
WISE, E., “An ‘odor of sanctity’: the iconography, magic, and ritual of Egyptian incense” in
Studia Antiqua, Vol. 7, Nº 1, 2009, pp. 67 – 80.
328
WEBGRAFIA
Hierakonpolis Online
http://www.hierakonpolis-online.org/
[Março de 2015]
329
Lahun – “Virtual Kahun”
http://www.museum.manchester.ac.uk/collection/ancientegypt/virtualkahun/
[Março de 2015]
330
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
Tabelas
331
Tabela 22 – Tipologias 1 e valores da categoria de mobiliário e equipamento ritual____ 103
Tabela 24 – Relação das zonas geográficas com os períodos considerados __________ 111
Tabela 25 – Número de povoados onde foram identificados vestígios em cada
114
período________________________________________________________________
Tabela 26 – Número de vestígios por período _________________________________ 115
Tabela 31 – Fontes directas para o estudo do culto a divindades em casa ____________ 232
Tabela 32 – Fontes para o estudo da magia no contexto da Religião Doméstica ______ 248
Gráficos
332
Gráfico 11 – As tipologias 2 das peças de estátuas, estatuetas e bustos
humanos/privadas ____________________________________________________ 98
Gráfico 14 – Distribuição das estruturas arquitectónicas pelas salas das casas de Deir
el-Medina ___________________________________________________________ 186
333