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Professor Weidis, Disciplina 'Waudado | Rupturas Instaveis Entrar e sair da miisica pop Fabricio Silveira Porto Alegre, 2013 1. Rupturas instaveis Entrar e sair da musica pop Dita assim, & queima-roupa, sem contextualizacio algumna, a expressio “entrar e sair da musica pop pode significar praticamente qualquer coisa. Confron- tado com ela, o-somente, 0 leitor ficaria suspenso numa nuvem (ou num halo) de indefinicées e incertezas, como se estivesse abandonado & prdpria sorte. Soto no vazio ~ e, de fato, ele teria razbes para sentir.se assim -, poderia projetar ali os significados que bem entendesse, reconhecer as afirmagSes que desejasse ou que ‘mais Ihe fossem convenientes. No entanto, para evitarmos tais derivas imaginati- vas ~ e sabemos 0 quanto a imaginacao pode ser fértle delirante, eliciosamente fertile delirante! -, para escaparmos & imposicio das conveniéncias e, como norte fundamental, para reduzirmos, enfim. 0 risca de incompreensées e mal-entendi- dos, faz-se necessirio, desde js, salientar os dois tnicos sentidos que realmente nos interessam. primero deles & topografico — diz respeito & extensio e as ranhuras do terreno em que iremos nos movimentar. O segundo é politico — relativo as estraté- gias de ruptura adotadas,relativo aos investimentos fetos com o objetivo de alterar ou desestabilizar ~ nem que seja em parte, 20 menos, ou mesmo provisoriamente ~ certos habitos culturais, certas convencdes produzidas 20 longo dos anos. To- ografia e politica da miisica pop! ~ numa sintese apressada, talvez pudéssemos apresentar assim o nosso tema Entretanto ~ é facil perceber -, topografia e politica sio modos apenas indiretos, claramente metaffricos, de nos dirigirmos as tensOes que presidem a experiencia e a produgio culturais contemporineas, tal como costumeiramente se apresentam. Em alguma medida, s4o termos imprecisos, inadequados, s80 ca tegorias exégenas — no minimo, muito pouco priticas, muito pouco praticadas', quando se trata do debate cultural stricto sensu, sobretudo quando é a moderna musica popular que se coloca como campo de indagacoes. Mesmo assim, topografia e politica séo metaforas iteis para indicarmos, pelo menos agora, num répida esbogo inical, a necessidade de uma dupla atencio primeiro, respectivamente, a um espago — a um terreno simbélico, bem entendida , a mlisica pop constituindo um campo de operacées, um lugar onde circulam, sio produzidas e consumidas sonoridades especificas (formal e historicamente muito bem demarcadas, como veremos|; segundo, as aqdes, 20 conjunto de agoes ai processadas por distintos agentes envolvidos (muisicos, artistas, sobretudo) ~ en- trar e sair, por exemplo, retornar, acomodar-se ou nao, insurgir-se -,a musica pop constituindo-se ent3o, em decorréncia e contrapartids, como resultado das esco- thas, dos deslocamentos, ajustes ¢ arranjos socais ai feitos e desfetos. Em outras palavras, 0 que se coloca agora em jogo é a possbilidade de sondarmos, num 86 iato, 0 ethos ¢ o locus da miisica pop que consumimos, dariamente, ha décadas, quase sem perceber. Cultura pop, arte pop, musica pop. Em toro dessas categorias, justa- mente, precisamos acrescentar outras orientagdes gerais. Sem elas, ndo hi como seguir em frente, de modo nenhum. Porém ~ atengio, eitor! -, nio se trata de desenvolvermos aqui longas genealogias conceituais, amplos recortidos historicos, =xaustives aprofundamentos analiticos. Hi dtimos livros, muito bem-sucedidos. |L__Dentedles vies pti todavia, émenosinusual. De fata alguns ators tm explrado tal abordagem of Atal 202] e Merhe (2012) relacoente misica pope poten atada por etemplo. num peste sna [autedefnido como um "mroensio) ecto pelo ertieo ingles Simon Reyaolde “La evusa en © slo politica y pop; inluldo no live Despud del Rock. Picea, psipunkeetrnica jess revolts ‘eancuses Reynolds 2010), Paral, trata de revaver um paradot como entender taco do comat ‘ek do ag po do rock de presto polico no interarde ura sociedad nda scompecitn, ida der consumo eeeeeen:mente? Reconhecenda que evolugio estes ecaicalm police mura veze 80 Suem um easamerto tango, Reynold prope una ul distine3o debe: foda msc. et lguma media politica, mas rem toda misc ¢polzada, Tal como entendemos aqus, opoteo ests dimensonado palo ‘sin est canta, recoradoe reconfigurado pr ela revola et no exo Ea mugesto ue procurcemos ‘egie nestes propositos todos. Muitos deles,aliés, constam em nossas referencias bi- bliogréficas, ao fina. Antes disso, procuraremos apenas salientar e definiralgumas palavras-chave,reuniralgumas pistas ou indicagGes tedricas que, somadas expe. riencia cotidiana do leitor,justapostas depois, eompreensivamente, 0s casos que serio apresentados e discutidos ~ de modo pontual e mais aplicado -, no decorrer do livro, conduziréo & maior unidade e & maior coeréncia que buscamos. Assim, sem diivida, nosso debate resutard mais circunserito, as proposigdes que nele iro ganhar forma e desenvolvimento, possivelmente, serio melhor compreendidas, ganhario mais fcil(e mais positiva) acolhida, Eo que esperamos. Desdeja, fica entdo a adverténcia de que é extremamente problematico su- pormos (e/ou procurarmos) marcos historicos ¢ conceituais muito objetives, mui- to rigidamente estipulados, para enfrentarmos os desafios colocados pela “cultura pop’ Na verdade, ndo hé cartilhas seguras. Nao ha consensos aos quais possamos ‘nos agarrar. Até mesmo porque a prépria nogo de ‘cultura; da qual deriva ‘cultura pop’ ndo é menos escorregadia e problemitica. Raymond Williams (2007), 0 ¢o- nhecido socidlogo e critco inglés, diz que a expressio ‘cultura’ encontra-se entre as trés mais dificeis da lingua inglesa. Por um lado, devide & quantidade de suas acepgdes e aplicagdes possives; por outro, devido ao fato de que o termo ganhou estatuto de conceita em diversas dsciplinas distintase em sistemas de pensamen- to por vezes até incompativeis (Williams, 2007, p. 117). Apenas entre os antropé- logos, vale lembrar, existem bem mais do que uma centena de definicées validas de “cultura Tamanha indeterminagao. como consequéncia légica, também vem ‘tona quando nos propomos a entender 0 que seja, inal de contas, “cultura pop” Mesmo assim, ainda poderfamos elencar alguns de seus tracos dfinidores quase invariaveis (e quase inquestionaveis — se isso fosse possivel. Quais sejam: 1 A ideia de uma cultura de mercado. A “cultura pop” éinseparivel da logi- cado consumo e da producio capitalista, Devemos pensi-, portanto, como uma ‘mercadoria cultural” produzida sob 0 imperative do luero, sobre a qual incide a ‘expectativa de bons rendimentos financeiros. Junto a isso, devemos reconhect-la como um tipo de produto manufaturado submetido a determinadas “técnicas de producio” (linha de montagem, trabalho especializado, produc3o em série, em lar- ga cescala) (cf Strinati, 1999, p.27). 2. A aderéncia aos meios de comunicacio de massa. A “cultura pop” ajus- ta'se como nenhuma outra forma cultural 4 visibilidade midiética, Na realidade, foi talhada para ela, Ambas sto indissociaveis(historicamente, inclusive, visto que possuem historiografias atreladas). A “cultura pop” seria o extenso conjunto de produtos tipicamente midiaticos, tais como telenovelas, bandas de rack, sucessos radiofénicos, programas de variedades, fgurinos e aderecos fashion, espeticulos televisivos., Tradicionalmente, podemos entendé-la como o grupo de objetos cul- turais voltados a disseminacio midiitica mais acentuada possivel 3, Hedonismo e entretenimento, O fervor das paixoes. A “cultura pop" © dominio dos afetos, é uma cultura da diversio e do humor fécil, da danca, da sensualidade, da performance corporal e dos prazeres do corpo. Se pensarmos, por exemplo, no “comportamento intensamente emocional e fervorosamente ritua- lizado dos fas! como faz Joao Freire Filho (2007, p. 81), a enxergaremos também como uma cultura da fixacdo e do apaixonamento*, Uma antropologia das abses- soes, algum dia, talvez possa explicé-la na integra 4. A vinculagdo a cultura jovem urbana, A “cultura pop" (a primeira cul- tura pop, diga-se) ¢ identificada geralmente & chamada geraclo baby boom ~ os baby boomers, os filhos da prosperidade norte-americana apés a Segunda Gran- de Guerra, nascidos entre as décadas de 1940 e 1950. A “cultura pop” alimenta-se tambem de uma street culture produzida nos guetos, nos subiirbios e nos bairros periféticos das principais cidades europeias, durante o mesmo periodo. Portan- to, deve muito a classe trabalhadora. E decorréncia dos ajustes de conta, das rea- propriagfes simbdlicas, das guerrilhas semidticas que a working class estabeleceu ~ para afirmar-se, diferenciar-se e identificar-se ~ em relagao as culturas ditas oficiais (Seja a cultura da classe dominant, seja 0 beletrismo e a empatia da elite mo e a hierarquizagdo das instituigbes cultural, seja a formalidade, 0 burocré 12 Sobreestetepio um tims objeto ~akamentelustratvo para adscusto do filme 4 Hard Day Nig, ‘Ge Richard Lester realizado em 1964, em leno Beom mercadolegin mdiatico dos Beatles Desde os primetos trnutos desacaryse as cena que mosrum o comporamento ea fegiohstrca dos is (cu, coreg: das fis em ua grande moira), Tata se de um documento ciguismo, nur tom fresco «experiment epleto ‘de humor inglés ingenuidade eseoe © musica pop fardaronal. Als, vale admit efevament, os Beales Finda ura disoursidade, Lester kom (cf Cod, 2000), tas st sociais reconhecidas [o Estado, a Familia, 2 Escola) (cf Halle Jefferson, (1976) 2010; Freite Filho, 2007). 5.0 globalismo e a transnacionalizagio, A “cultura pop” é global ou quer globalizar-se, urgentemente, Nem suas imagens, nem seus produtos se encerram com facilidade em geografias rigidas, nao se prendem aos Estados-Nacio moder- ramente constituides, mas instauram comunidades, gostos e repertérios (poten- cialmente) transnacionas. Hoje, por certo, a “cultura pop” esta a reinventar esses tragos minimos = seus mais bisicos eixos definidores -, problematizando-os sem trégua, inver- tendo-os, se for preciso, submetendo-os aos mais diversos reordenamentos, sus- citados pelos contextos sociais imediatos. De todo modo, a “cultura pop" ainda é fruto destas determinacées todas, cartega estas marcas, em maior ou menor gra Eventualmente, pode até reorganizé-las, admitindo a incluso de novas variaveis, ceracterizadoras, em geral,ligadas a novos formatos tecnolégicos e novos nichos de mercado’. Caso fizéssemos um desvio mais prolongado por algumas Teorias So- ciais ou mesmo pelas principais Teorias da Comunicagio, reconheceriamos que a “cultura pop’ jé foi vista como esteticamente inécua e dispensivel, pois padro- nizada, repetitiva, estereotipada e superficial; e, além disso — para dizermos 0 rminimo -, ideologicamente duvidosa, afinal, jf fol taxada de repressiva, escapis- ta, conservadora,infantilizada, acritica e maniqueista. Contrariamente, também ja foi considerada democratica, aberta e nao elitista. E até util, do ponto de vista (socio)formativo, Tais compreensGes se deram, e, as vezes, ainda se dio, a partir de nogdes como “indiistria cultural” e “cultura de massas” ~ parimetros concei- tuais ainda frequentes ou, pelo menos, ainda dotados de alguma forga explicativa nos estudos de Comunicagao (cf. Eco, 1993). Noutros trabalhos, com pretenses « folegos variados, a “cultura pop” jé foi apreendida no contexto da discussio so- 3) _Alguém podertenander 9 pop como Senbito da fuapio desmesurada ¢ do apego desmedido ~ uma Caogio excutaca ml vees, 3 obsesio parnoie por um elo ita giantescacolerao de vs anos. A tur pop pocerd ent wer dein femente como uma culuea de rznzdo anal (e. Lévt Stas, 1985) ‘Se evermos entendento 9 pop como o Smita do desare ccc, das modas sues, da abslestnes planeada hit da tims esto, uma caro substuida por out, mal tendo comecado cout ©) Fedetndarente~, a clara pop pode cr toma como uma cultura excremerciad(c¢. Krokere Cook 1986, rokere Recker. 199%; Lather, 2006) Ely Fernandes Dora 2010) é apenas um dos autores que a interpreta ‘amo uma cltra basa (each, ino em essen). No seria dificldein-latarnbem como uma altura Bo dvi sugetivaedramaticnexpreszo de Vile Fuser Q007)~ sto "vem che sem indents spierca, bre “pos-modernidade’ bastante em voga na década de 1980+ (ef. Connor, 1993; Huyssen, 2006; Salzstein, 2006) Aqui, neste breve resumo, em oposicao (ou melhor: em paralelo) a cultu- ra avant fa lettre, as culturas autéctones, is tradiqdes eas culturas populares (ou {olk) ~ mas valendo-se também delas, todas elas, numa tensa e complexissima interagdo a “cultura pop" pode ser entendida, enfim, como a moderna cultura popular ~ a cultura popular massiva que respiramos, hd seis décadas, quase sem querer. £ pouco? ‘Aarte pop, por sua vez, é uma espécie de espelho no qual a sociedade da metade do século passado se vi refletida (ou se fez reflett). Produzida em didlogo ‘com as hist6rias em quadrinhos, com o design, a moda e 0s antincios publicitarios ~ incorporando, cinica ou criticamente, alguns de seus estilemast e suas caracte- risticas formals -, a arte pop é 0 produto legitimo da sociedade de consumo entao ascendente, em vias de consolidacto. Neste contexto, trouxe de volta temas e estilos figurativos, apesar das influéncias herdadas do dadafsmo e do expressionismo abstrato (duas dentre as mais influentes vanguardas artisticas do comeco do século, que a antece- deram). Do primeiro, herdou um certo carater antiatistico; do segundo, a vi- vacidade das cores e a textura dos materiais plisticos (a rugosidade das tintas dando lugar, n0 caso, & rugosidade das colagens, das sobreposigGes). Mas esta particular estratégia figurativa, contudo, & construlda a partir da exploracao de cépias e imagens de segunda mao, quase nunca a partir da observacio direta (edo gesto habilidoso) do prdprio pintor. Passam a importar as escolhas feitas “entre imagens que, por assim dizer, jé tinham sido processadas - ndo uma moca viva, mas uma pir-up numa revista ilustrada, no uma lata ou uma em- balagem de verdade, mas uma lata ou uma embalagem vista num antincia colo- 4 Steven Conner (983, p. 151) chego 2 dizer que“ rock pode ser consderado a fora cultural pote ‘moderna mais representa, so rau [x] petondca 4 perso 0 paradeno central ce cltura de mass contermparina: 0 seu akcanceeinfuencia globus unfcadores, de un ado, combinados com asta tlerénca t crcia de plrlcades de estos, ce mie de denicades encase osty Embor senha ra hao ‘carament sel eerie com fice, oocktarnbem se earaterza por ma mpureza cng et termos de mets e natures 5 Umelem"€2 unidade minima definidor de um esti. “Estes” so radebesos constantes oes 12 rido ou num cartaz” (Lucie-Smith inv Stangos, 1991, p. 167). Esta era a natureza que se oferecia 20s olhos de todos (e que se oferecia também a contemplacio @ 4 inspicacio do artista): 0 mundo social como um cendrio mediado, repleto de imagens, marcas ¢ produtos em circulacdo ~ revistas, enlatados, cigarros ¢ refrigerantes... ~, produzidos ¢ consumidos quase anonimamente, em larguis- sima escala, Quase de graga! attista plastico britinico Richard Hamilton foi quem sintetizou vi- sualmente todo o imaginério entio em gestacio, entre as décadas de 1950 e 1960. A colagem intitulada O que ¢ que torna os lares de hoje tao diferentes, tao atraentes?, cealizada em 1956, é considerada uma das imagens inaugurais da pop art (Figura 01 ~ na pagina seguinte). O proprio Hamilton descreveu com precisio 0 veio artistico que explorava, Para ele, a arte pop se caracterizaria por ser “popular (Feita para 0 grande piiblico); efdmera (extin¢ao em curto prazo}: descartavel (facilmente esquecivel); barata; produzida em massa; jovem (diri- gida para a juventude); espirituosa; sexy; ‘macetada’ glamourosa; big business” (in Farthing, 2011, p. 484-485). 6 Em McCarthy (2092), 0 mesmo depoimento de Hamilton aparece auido de outro mode’ srt op devera ser “popula, transtra,consumivel, de baixo cuno. podusida em masa, joven, expos, #7 ‘hamativa, gmourosa eum grande negici” (Mado apud McCarty, 2002 p08, Figura 01 Oqute & que torna os lares de hoje tao diferentes, do atraentes?, de Richard Hamilton (1956) set composeao de Hamilton por snl um dete revo unto fl ster afxacos na parede, vemos um tipo muito especiic de mo- Hatio, vemos um aspirador de p6, um jomalimpresso aberto, jogado sob um sof, i televisor e um aparelho de som (com as fits de colo mostra); vemos tam: Pém, no centro da imagem, ganhando particular destaque, a figura de um home Corpulento ~ um halteroflista, talvez!-,segurando,na altura exata dos quadrs Lum pltulito enorme, bastante grande, comparsdo aos pirlitos que conhecemos At epee 8 inscrigao: "Pop Como nota 0 escrtore critico litedtio espanhol ' Fernandez Porta (2008, p. 334) a palavra ‘pop numa de suas acepcoes mals ssubestimadas, mas nem por isso menos significativas, esté vinculada a ‘caramelo" cou, mais genericamente, a "guloseimas’ dai “Iollipop" - “pirulito” - ou “popcorn’ - ‘pipoca’ Como vernos, & algo que tem a ver com a infancia e seus primeiros ritos de consumo. Sio crocanciase refrescos...Sdo gadgets e distragdes por todo lado! Obviamente, nio tardou muito para que a sensibilidade e a imagerie as- sociadas 4 pop art, de forma mais retrita, e& cultura pop, de modo geral,fossem plenamente consolidadas, fossem amplificadas pelas priticas musicais do periodo, estampando-se nas capas dos langamentos fonogrificos da época (ver a seguir) Produziu-se assim, devido & forea destas convergéncias e destes miltiplos reba- timentos, aquilo que Raymond Williams definiu como uma ordem social global (Ou sea: um estilo de arte e ur tipo de trabalho intelectual tornaram-se produtos diretos ou inditetos de outras atividades sociais’ (ef. Willams, 1992, p. 11-12). A ‘cultura pop’ como alega Tiago Velasco (2010, p. 116), tornou-se “a l6gica cultural dominante no mundo desde a segunda metade do século XX" Nela estamos imer- s0s, da cabega aos pés. Figuras 02 e 03, Como dsemos imports-nos compor apenas uma brvisima sintese de questesreltivas ae o tum conjunto de onentacies muito geri ond, posterormente ello inseidos oF cass empire iremos tatar em pormenocom empento especial Sendo assim. cverosponts prcbemtcos. verano crs esta producto artic fea acids da deseo agora presenta Por explo as dtingbes ee 2 pop are ingles alm de Harton, represntada pelo Independent Group, David Hockney, Peter Src eter Sake outros) es poparte norte smercana qe ganhsva maior vablidade part Jos abalhx ro 29 de Wathal, mas de Roy Liceneten Claes Cdeahug snes lose) asespeccdades as caracteisteat Aefndoras deumae de our verente, numa noutrolado do Atco as heangasacumuadas do dais. Aosuteaitmo e do exresionimo absatco contexte da Gers Fra carter "ndo-desdente” Iplieto (nu actonda,onicsments ou nis) po este propose ete em aia la comnomercao. propaga 0 marketing. Tis temas si realmente dlanos de mai aprofundamenta. Nemes letorineresaco 20 le de David Mccarthy intial simpesmente Art Pop (202). Como nto, ver também Futhing (2011), Outrasrefertnets, menos bien sto o los de Arthur Dant (2005, 2006 2012) Clement Ge ender (2002) Figuras 04 € 05 Figura 02 - A capa do dlbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Bard, dos Beatles, elaborada por Peter Blake e Jann Haworth, em 1967. Figura 03 ~ The Velvet Underground & Nico, olbum de estreia da banda Velvet Underground, com ‘capa concebida por Andy Warhol, também em 1967. Figura 04 ~ A capa do famoso album branco, dos Beatles, elaborada pelo mesmo Richard Hamilton, ha pouco referido, um trabalho de 1968. Figura 05 ~ A capa de Sticky Fingers, dos Rolling Stones, também assinada por Warhol, em 1971. E quanto & musica pop? Roy Shuker ~ citando outro importante tedrico, envolvido pelo menos ha trés décadas na discussio sobre miisica pop, Simon Frith ~ diz que, musicalmente, cl pop se define por su accesibilidad general, su orientacién comercial, un énfasis en ganchos o coros memorables y una preocupacién lirica con el amor roméntico como tema, La estética musical del pop es esencialmen: te conservadora se trata de proporcionar melodiasy clichés memorables, en los cuales expresar sentimientos comunes: amor, pérdida y celos (Frith 2001: 96)" (Shuker 2005, , 233-234. Mas hé uma complexidade maior ai, Embora aparentemente trivial ~ em- bora as consideragdes de Shuiker e Frith sejam, de fato, acertadas (nao teriamos mesmo razdes para discotdar!) -, a musica pop é mais evasiva e multifacetada, Nio ¢ tarefa facil defin-la! Shuker reconhece que o préprio nicleo da misica pop € ocupado por uma tensio fundamental: sua natureza artistica opondo-se & sua natureaa comercial, as motivagdes “auténticas; sejam elas quais forem, opondo-se fas motivagoes do lucro, sob as mais variadas mascaras. Evidéncia disso é uma sutil diferenciacao, que aqui se faz absolutamente necesséria, entre musica pop e rock 2 primeira, mais suavizada, mais pueril, mais adolescente, mais & vontade junto as inamicas mercadologicas;o segundo, mais éspero, mais inconformista e autossu- ficiente, quigé mais profundo (cf: Shuker, 2005, p. 234). Tas distingdes denunciam horizontes estéticos também distintos. Pode-se pressupor af, até com alguma tranquilidade, certas orientacbes "politicas” de fundo: de um lado, 0 paradigma da cooptacao; de outro, o paradigma da resistencia. Cada uum deles com a carga semntica que lhe define, Mais curioso, contudo, é que esta separagio ~ entre “tock” e “pop” ~ passa a ocorrer e ganhar corpo no momento mesmo em que tais génetos musicais sto criados, durante as décadas de 1940 ¢ 1950 (em 1950, mais acentuadamente),a partir da hibridizacdo de certas matrizes dda misica popular norte-americana, tais como o jazz, a folk musica musica gospel, ©-country ea miisica negra (cf. Shuker, 2005; Mazzoleni, 2012). Embora tenham nascido praticamente juntos, embora tenham germinado imais ou menos no mesmo ambiente (ou no mesmo caldo) cultural, & mesma épo- pra académics, sa enquanto objet de econhecimento institucional 14 Emse tratando de Beriamin, Gumbvech colaboro sinda na oganzacio do volume Mapping Briann. Tie work of ae the gual age. Gumbeechte Marina, 2003, 8 ‘Um pouco involuntariamente, Gumbrecht corrobora tal airmagio. Son- tag, de fato, €referida, No entanto, ao seu modo, Producéo de Presenca di relevo.as edialidades ~ e os proprios fendmenos estétcos sio assim redefinidos, sem res ®. O trecho a seguir é bastante tringirem-se mais aos produtos artisticos especificos diroto, pessoal e esclarecedor: (© passo em diregéo 3s “materialidades da comunicagio”abrira nosss olhos para uma multiplicidade de temas fascinantes, que poderiam ser resumi- dos (pelo menos, aproximadamente] nos conceit de “histbria dos media ¢ “cultura do corpo’ Nosso fascinio fundamental surgiu da questio de saber como os diferentes meios — as diferentes “materalidades” — de comunica fo afetariam o sentido que transportavam. Ja nfo acreditavamos que um complexo de sentido pudesse estar separado da sua meatidade, ito & da diferenca de aspecto entre uma pagina impressa, a tela de um computador ‘ou uma mensagem eletrénica. Mas ainda no sabiamos muito bem como lidar com essa interface de sentido e materalidade (Gumbrecht 2010p. 22) Esse registro remonta ao inicio da década de 1980 e ao ambiente univer- sitério em que germinam os primeiros esbogos conceituais (os “‘primeiros passos') em torno das materialidades. Hoje, passados mais de trinta anos, ainda nao po- demos atribuir a essas proposigées o estatuto de uma teoria em bom nivel de for- mulacio, sida e consistente, sufcientemente testada, Antes, trata-se de aceitéla como um fértil terreno de especulacées, uma perspectiva de trabalho em fungao da qual alguns conceitos ainda estdo sendolapidadose discutidos, sem pressa, com muita cautela. Além de “presenca’ forma’ ‘acoplagem: epifania’ “corporiicaga (ou embodiement) e “sensorialidade” sto alguns dos conceitos nos quais se aposta, Esta € a caixa de ferramentas que utilizaremos. E incorporando tais diretrizes te6- rico-conceituais que procuraremos trabalhar daqui pra frente, Tavez a misica pop (ou, para sermos mais exatos, o rock, em algumas de suas experiéncias desviantes) possa se configurar num rentivel e promissor canteiro de obras. Coincidentemente, certos cacoetes visiveis no trabalho de Simon Reynolds podem ser equiparados aos pressupostos centrais de Hans U. Gumbrecht ~ guar- 15 _ Na stmagio du expenénciaextica podomes peresber mais fcimenee delicado equilbrio ene pe senca evento, Gunbrecht ct importantes subsides paras compreeniso dus esateas da comunicaao (cf (Gulmarles Leal e Menderes 2006 Sve 2011) dadas as devidas proporgées, claro, bem como a validade os objetivos epistémi- os de cada um dels. Conforme Pablo Schanton, os escritos cle Reynolds elidieam os dois grandes clichés Presentes nas analises do rock: primeiro, 0 “lirocentrismo” ~ @ crenga de que o sentido de uma cancéo esté em sua letra, nos contetidos ali *xpressosverbalmente, de forma mais ou menos velada: segundo, o “sociologismo* ~ ocacoete de interpretaedo de uma masicaou de um movimento musical apenas como reflexo, como iustragdo de alguma subcultura, de algum segmento ou faixa Social (a juventude, a classe operaria, os desocupados, os delinquentes, uma tribo urbana qualquer), como se que tivéssemos diante dos olhos ~ aoalcance dos ou. ‘ios, melhor dito ~ fsse um signo de alguma outa coisa, osse um mero subpro. dluto, um rebento secunditio ou algo assim, inescapavelmente sobredeterminado Por causas externas e macrossociais, que Ihe seriam sempre transcendentes e que, 20 analista, resultariam mais demandantes, dignas de maior atenco até Reynolds vai noutra direcao, Sua abordagem é mais direta eaderente, qua- lificando se pela capacidade de aproximar-se mais dos. objetos de que trata. Funda- entalmente, procura focalizare respeitar (sobretudo,respeitar) a matevialidade Sonora = em suas palavas: o “soni Bis: E “sonic Als" — uma acepcéo declara camente barthesiana ~ pode ser compreendido como o frenes, a voluptuosidade dos sitmos, dos timbres das texturassonoras (Sehanton in Reynolds, 2010, p13) Pretende-se atingir “a coisa mesma’: a experiéncia musical em si ~ na medida do Possivel, obviamente. Gumbrecht ~ assim nos parece — aprovaria, daria inimos e insumos a tal ambicdo. Evidentemente, 0s nexos tedricos que mapeamos aqui mereceriam um ‘tudo & parte, mais exaustivo ealongado (ou vios estudos parcais,capazes de Convergéncia posterior), Sé entdo poderiam ser esmiugados,s6 entdo se tornariam ‘nals clos, como devido. Outra vez, repassamos 0 leitor aos escrtos que, com ‘als afinco, vim perseguindo estas conjungdes hi mais tempo (cf Cardoso Filbo, 2007, 2008c; Pereira e Castanheira, 2011). Mesmo assim, logo a frente, conforme 5 capitulos forem correndo, estaremos retomando taisalinhamentos, estaremos Sempre ao redor deles. Sera um modo pessoal de incorporarmos os conceitos cen. frais agora enunciados (medialidade, conscéncia medial.), dando-lhes clareza ¢ arremate junto s analises em curso. [As problematiaagbes que faremos iro assim orbitar er torno das mate ilidades da corunicacto, Se nao houver ai um paradigma'* — e tudo feos cre 4 ‘mesmo num estagio “pré-paradigmatico’ quando muito -, pelo me- ae eos boa companhia (todos os autores recém-nomeados), teremos um 6ti era ie qientecam espa¢o laboratorial,& disposigio para testes e ensaios Groton Poe ser um bom ag pretender mis poplar masa Podese tum bom lugar para escuté-la Colegdes. Compilacoes. Top charts. O habito de ouvir é eae! do habito de colecionar miisica. Recentemente, o “mal de arquivo" ra ea ce seen pelo coleconismo, por ists de toda ordem (‘os dex melhores bes He "as dezpiores cangdes jamais compostas; sesame i aes por Reynolds (2012) como uma das foras moventes da cul ra ppconene nea. Coincidéncia ou nio, A Vertigem das Listas & também o titulo eo ace de um dos tiltimos livros de Umberto Eco (2010). Eco, no om a evi compulsio pelas colegoes de neat eine pie deco ss de vitalidade cultural - pois é na ordena tit open da us ones de erica, sex pogtana Ge reorient, Pn oan Caco tpn ~cdmaocie com feito nas he ie ~ esta curosa“obsessio catalogrifien: bora aueseals pop ¢ tio profundamente assombrada (caso o termo ngo Parca oe demas pela ideia de um elenco, de uma listagem de nomes, eventos e objet ads emblematicos? Mais amplamente, toda e qualquer cultura pode ser pen: waa horizonte de uma relacio estavel de bens culturais? Pode ser vista eo Ee dem mais ou menos consensual de elementos ~ como se pudesse ser tats sintetizada numa lista, nada mais? O que ganhamos e o que perdemos, a “ assim? Sabemos que, nos dominios da cultura pop, e di miisica pop, m tone ticularmente, as paradas de sucesso, as top charts. ~ e outras tantas seq) digas oo ‘ead es ata uh do Ta a 9) Pines is "ee sve unre corte he dare gun emgn reson pense ais Noa pavers coer cartes de ina cca (Ku, 1363, 9.13), So modelos 009 Pista de pecans src de demas pts cones Rah 189) ‘Etna um ster de expettivs seca de afins... ~ s2o extremamente recorrentes € sintométicas. Mas sintomiticas de qué, caro leitor? Alguém pensou em algo? No comego da década de 1990, ficaram bastante conhecidas ~ no campo. da Comunicagio, sobremaneira ~ as teses de Néstor Garcia Candlini reunidas no livro Culturas Hibridas ~ Estratégias para entrar esair da modernidade (Garcia Canclini, 1998). Naquele momento, o autor argentino fazia mencdo ao que chama- va de priticas de descolegao, Para ele, a cultura popular urbana — que era 0 foco de suas investigagdes — ja ndo poderia mais ser compreendida em funcéo de nogdes como “culto’ “popular” ou “massivo’ apenas. Simplesmente porque tais nogbes im. plicariam o reconhecimento de colecdes ou repertétios especializados, autodefini- dos, seja da arte culta,seja das manifestagdes folcloricas fol). Ea cultura popular urbana, de algum modo, seria a agonia das colecies estiveis, ‘Alm disso, proliferaria no espago das cidades ~ no caso, algumas das prin- cipais capitais latino-americanas, que Canclini observava mais de perto ~ uma sé- rie de novas inguagens (os videoclipes, os videogames, os grafites) e novos dispo- sitivos de reprodugao (as fotocopiadoras, os videocassetes) impossiveis de serem enquadrados como cultos ou populares. & prépria producao cultural associada a ‘esses mecanismos de registro também estaria longe de possibiltar a permanéncia ‘ou a manutencio de sistemas culturais muito fechados e/ou muito organizados”. © que teviamos, portanto, seriam descolecdes ~ colecdes dissolventes, desconsteu- ‘das. Os processos de hibridizagio em curso na América Latina seriam processos de quebra e mistura das colegies organizadas pelos sistemas culturais tradicionais. Para Canclini, apenas descoleydes poderiam ser produzidas. Até mesmo porque ~ 3 época, na abordagem que o autor institufa — nto era mais légica da producao in- telectual que importava, mas a légica dos usos sociais. Interessava a inventividade 17 Desde o comeco dos anos 150, pesqusadora brasilla Lica Santas tm fla sobre o itrompi ‘mento de um subsrato cultural qu podera mais se chamado decuura de mansas‘Caltura da mis ussouasero term empregudo por ela Conforme autora, tataria-re dea cultura do cigpontel ed ea Sito: orocopadores,videocassetes « aparelhos por ravaca de videos equipamentos de tipo walkman € ttl, acorspanados dura remarcivl indus de videcipe degunes jtamente com expan industra de Rimes em video pra seem alugades nas vdeolocadoras, toi elminando ro srgimento ds ‘TVa cabo Esustecnologas, equipamentos es lngungens rads pata cralrem els tm come peal acerca propicia a escolhae consumo indvualzados, em oposica a consumo massvo (anal 2203 p15). A cultura das mila tera preparadoo terteno pact. transco da clara de asa becuse & formulaco de Santels denise em franco dlogo cm st invertgagoes de Nestor Gera Canc (ef Sante, 2003), dos sujeitos receptores. E esses formatos, esses novos dispositivos culturais consti- tujam-se como verdadeiros convites & atuacao criativa Vinte anos depois de Canclini, Umberto Eco volta ao tema das listas, apanhando-as no decurso da historia da literatura, da Idade Média a socieda- de pés-moderna. A Vertigem das Listas, o livro em questio, é um encantador desfile de fragmentos de obras literarias ~ "de Homero e Joyce até os nossos dias’ nas palavras de Eco (2010, p. 07) -, acompanhados de belissimas ima. gens extraidas da historia da arte. Em todos estes excertos, invariavelmente, ocorrem listagens — as listas séo as protagonistas, brilham sozinhas -, atuando como recurso ou arranjo retorico, a servico da caracterizagao de determinados personagens, da construgio de um enredo ou de uma trama, de um cendrio ou de um contexto de época. Para Eco, em sintese, uma lista é o sintoma de uma busca: a busca de uma forma, Uma lista seria uma tentativa de forcar, construir e/ou projetar um desenho reconhecivel, uma imagem pronta, a impressdo de uma unidade orga nica. Quando algo € grande demais, exageradamente extenso ou heterogéneo ~ diz o semiélogo italiano —, tentamos enumerar algumas de suas propriedades (Eco, 2010). A primeira vista, poderiamos pensar que a forma ¢ caracteristica das culturas maduras, que conhecem 0 mundo que as circunds, cuja ordem reconheceram e definiram; 0 elenco, 20 contrério, seria tipico de culturas primitivas que ainda tém uma imagem imprecisa do universo ese limitam a alinhar suas muitas propriedades que sio capazes de rnomear, mas sem tentar instaurar uma relagio hierarquica entre elas (€e0, 2010.18) Em esséncia, elencar seria desejar um acabamento, demandar um “fecha- mento harménico” Mas uma lista pode também defini-se pelo “topos da inefabi- lidade” Ou seja: pode indicar justamente a incapacidade de apreendermos uma totalidade qualquer ~ 0s limites de um reino, todos os soldados em um batalhio, os Deuses num pantedo, Podemos dizer ao certo quantos rios existe no mundo? Easestrelas no céu? (E rock-star no star systent?) Objetivamente, néo. A lista, por tanto, pode estar sugerindo tio somente um longo e inacabavel “et cetera’ Favre Shera Mas ha mais. As listas podem ter fungbes priticas, poéticas ou mnemé- nicas. Eco se depara com listas visuais' e lstas meramente formais — lstas defi- nidas por aliteragdes, por exemplo. Seja como for, uma lista sempre constroi (ou tenta construir) uma ordem, Uma lista quer dar sentido ao caos. Reclama critérios e coeréncia. Para isso, muitas vezes, langa mao de uma “retdrica da enumeracioy ctiando efeitos de acumulagao, énfase e amplificacao oratoria, climax e anticlimex. A retdrica da enumeracao, aliés, é uma forma de acumulagao que aparece com ‘muita constancia na literatura medieval, defende Eco. Segundo ele, a historia da literatura estaria cheia de colegbes obsessivas de abjetos. Hi listas de maravilhas (relacionadas as Wiunderkammern'”), que sio 0 prototipo de todas.as enciclopédias comhecidas. Mi 0s catélogos dos museus, que sao listas referenciais e finitas. Ha listas que esto na base da curiosidade cientifica. Ha listas que so definidas pela propriedade ou pela esséncia dos objetos listados. A definicao por propriedade éa que se usa quando ni se tern uma def. nico por esséncia ou quando a definicao por esséncia nio ésatisatéria Portanto, é propria de uma cultura primitiva, que ainda nao chegou a construir hierarquias de géneros e espécies, ou de uma cultura muito madura (talvez em crise) que pretende por em questo todas as defini es precedentes (Eco, 2010, . 238). ‘Uma lista, como vernos, é uma enumeracao, um delineamento. Mas esta enumeracio pode também ser caética, Pode ser conjuntiva ou disjuntiva ~ na pri- meira, produz-se uma sensag3o de coeréncia, embora estejam reunidas coisas di- versas;na segunda, exprime-se uma fragmentacio desconcertante, esquizofrénica, indo se consegue perceber uma unidade sequer, mas uma sequéncia absurda, dis- 18 _Imprestionantescatilogns de martrostentagoes st as imagens do pintorelandés Hieronymus Boteh (0450-1316), Recomendamos especialmente o triptzo Ojardim das Delis 19 A partied Renascimento 3 pacitdo nal do see XV surge 3s Wuncerkammary, queer cama de maratilhas, ou gobinens de curosidaées,pecursores de nosis museus de cnet rates, onde algun tearaam reunir tid agua que se deve coher e utes tentavam clesona © que pudete sour extract diniio nau” ef Eco, 2010, p 201-202). "Trat-se de diminutas estates, centenae ("so armies, ‘uo maseus em instra ches de compartments cm achados que reiados de seu context, pateem relatar historias nsanas" ef Fc, 2010, 201-202) AS sagens desis maravihas,destes portent natura, nteiparam os modemoslivtos de Fisica Boog. 84 Rusts nsines paratada (cf Eco, 2010, p. 322-323), Uma lista pode ser ainda uma resco a uma sociedade de consumo e abundancia material. Sendo assim, uma vtrine pode ser vista como uma lista Etc.. etc. ete. Mas as reflexdes de Umberto Eco e Néstor Garcia Candlini, embora com- partilhem (ou atravessem) a mesma temética, nao podem ser equiparadas. Em verdade, sio incomensuriveis ¢ iredutiveis uma outra. Os autores t8m propé- sitos distintos, assim como sio distintas a abrangéncia disciplinar e a expectativa epistémica que constroem em torno da ideta da lstagem. Para Canclini,trata-se de acentuar um aspecto de nossa modernizacio latino-americana. Dai o descolecio- nismo — uma varidvel explicativa com tintas antropolégicas. Para Eco, trata-se de sublinhar um tépico recorrente na historia da arte e da literatura. Dai a vertigemt das listas ~ uma variagao explicativa com tintas filosdficas. Todavia, essas formulagdes ~ quando bem dosadas, quando comedidas — nos auxiliam a entender certas disposicdes da cultura pop contemporinea. Su- cessivas descolegdes ~ para recuperarmos agora os termos de Cancini ~ ndo im- plicam, ebrigatoriamente, uma certa ansis par novos ordenamentos? Os processos de hibridizacto cultural sio sempre processos de desorganizacio ~ sio sempre descolecdes? Nao seriam também processos de recombinacio de matrizes culturais opostas, ou costumeiramente opostas (como artesanato, cultura massiva earte cul- ta, por exemplo}? A légica da descoleedo nao iré se tornar, noutro momento, uma recolocagko, uma re-colego, uma nova logica colecionista, requalificada enquanto tal? Nao seria mais apropriado pensarmos na reorganizacio de colegbes, pensar mos em reorganizé-las, mais do que em desfazé-las ou esvazié-as,simplesmente ~ supondo-se a possibilidade de rastrear a inven¢3o de novos critérios e novos posicionamentes num mesmo macrassistema cultural? No ambito da mtisica pop, 20 Ha um exento memorvel do argentino Jorge Luis Borges cj ttlo #0 idioma arlitico de John ‘Watkin endo na vr Ons pisos (Borges, 2007), Neste eto, Borges ata qe, en uma arta en dopédia chines "os anima dvdr em (a) percencentes 20 pera (b) embalsamacs,(c)adesraos, {a ete, eres) faulosos, ()cachoro slosh) nc nesta cassia, que se gitar to ue, inumeriveis (ke) desenhados com um pine isin de plo de camel, ear, que acabam de quezaro ato (n) que de longeparecem moscas Nao hi enumveraciodisuniv to prieta quanto ‘tage nga po varios motives 1. pela impossbistade de que tals sees ccuper mesmo espago:2 pot ‘Searem amarrados no interior dea mesa ceem ou deur mesma gic [no eas, orem afabetica “vocal 3 porque» pttpta lita mers srimaisInomeries no em ~ uma aberturs ao infinite eae {ida logod frente como et cat do tem T4 porque a propel lista secalca come pare doconjinto maior (Gueemt—nostem hy aclasficagto az reortacin as propa, colocandoe também como objet istado.Nio ‘Epacsdana to incdmode, Foo que evou Michel Faueaule come ele proprio admit a escover As Palas 245 Cats (et Foucau, 1935) a ‘sindrome catalografica’ néo seria o sintoma da procura por alguma ordem, em ‘melo & tanta multiplicidade, tanta variagao e evanescéncia ~ tantas descolecies? E possivel E possivel ainda ~ na trilha de Eco (2010) ~ que sejam apenas indices de imaturidade, que sejam as contragdes de uma cultura & cata de uma imagem mais precisa de si e do universo em que se limita. Sucessivas listas seriam ensaios de reconhecimento. Seriam hierarquias provisorias, em teste. Seriam esforcos de au- tocompreensio. E autoaceitagao. Seriam exercicios da memoria, Entretanto, ndo se pode dizer a0 certo quando tas priticas de rememora- «io se tornam deleterias e entrépicas. Para Simon Reynolds (2012), antes mencio- nado, a intersecgio entre a cultura de massas e a meméria pessoal constitui a zona conde germinam a cultura retrd, a obsessao desmedida pelo passado, 2 nostalgia cronica, aguda, £ @ ambientacdo de um legitimo vicio. E nao é sem alarmismo ~ rnem sem alarde ~ que 0 autor identifica 0 maior perigo para o futuro de nossa cultura musical: 0 passado — justamente o passado seria a maior ameaca de sobre- vivencia e continuidade. Nas ultimas décadas, sustenta Reynolds, o rock teria se tornado progres sivamente mais e mais nostélgico. Quase insuportavelmente nostilgico! De modo que deixou de exercer uma fungao de vanguarda cultural, ligada & inovacao estética © & critica dos costumes, ligada aos anseios utépicos da juventude, para tornar-se agora a propria retaguarda da cultura, O fato de vivermos numa sociedade altamente midiatizada, organizada por interacées tecnolégicas de todos os matizes, de todos os niveis, por opera Ges no interior de miltiplas redes sociotécnicas, sem duivida, acentva tal estado de coisas. Hoje, somos tecno-nostalgicos contumazes. Temos milhares de mtisi- cas armazenadas num iPod! Temos uma discografia completa num tinico cd box! Quase tudo esté a disposigdo nas varias plataformas de compartilhamento peer to ‘peer! Nossos pendrives, nossos HDs externos guardam repertérios inteiros, enor- mes acervos de imagens, videos e miisicas. Mas a possibilidade de imobilizar 0 passado num banco de dados, de guardé-lo e acessi-lo muito facilmente, a qual- ‘quer momento, quando bem entendermos, estaria inviabilizando sua dinamizacio produtiva real, Consequentemente, estariamos perdendo a capacidade de inventar © futuro. Bloqueio imaginativo » retorno fantasmético, Estariamos presos, viciados 35 Aas rates naquilo que fomos, naquilo que ja temos. O “mal de arquivo” teria nos acometido. No extremo, os exercicios da memoria ~ a retromantia, segundo Reynolds (2012) ~ estariam impedindo que a cultura pop se revitalizasse, continuasse seu rumo histdrico de lampejos, surpresase reinvencbes constantes Enfrentamos, portanto, uma discordancia inegivel. De um lado, a posigdo de Eco:aslistas si0 modos de revisioe legitimacao socioculturais permanentes; de ‘outro lado, a posicio de Reynolds: as listas denunciam uma febre passadista, uma tentativa de imobilizagao do tempo, uma recusa do futuro, Para 0 primeiro, trata, se de um batimento vital, a pulsacio de uma cultura viva; para 0 segundo, si0 os uiltimos estertores de uma cultura as vésperas do fenecimenta®®. Um deles esta di zendo: Uau! Quantas coisas boas fomos capazes de produzie! Vejam so! Devers saudé-las!? © outro diz: “Entio ¢ isto? Nao hi nada melhor por vir? Que lastimal Como pode?" Brincadeiras & parte, tais oposicbes nfo podem ser simplificadas. Mas ja assinalam, mais uma vez, 0 territorio arenoso em que nos movemos. Deve haver algum equilibrio muito sutil, quase magico, alguma dinimica ecologica que pos: samos encontrar entre colegtes e descolegdes, enquanto cruzames por els, fazen- do-as edesfazendo-as, entrando e saindo, como se no merecessem, nunca, nem 0 nosso desprezo nem nosso aprego. 21 “Mele augue" eu expensio de jase Desi ~ eo tae a de wets vs (Deri, 200). (Oradea ae" 08 a] #0 meso que aparece em areuco "quit" ou arguebogs: Nak é também que ‘sed om monarqua por explo. A fas eurologea da expresso ~ arguio"~ remete weit de org, trdem autemeeadeeatordade(F Reynolds, 2012 9.6061, 22 Antenoemente, evicamcs a considera de anor autores ~ Reynold, inclusive - sobre as posi hades de una enra elie de pop Nesta pespecia como vin. ni fia encore agum sateen 0 quanto ao entendimento de que n0 irmbieo da musica pop, estames dando com sicenivae revo tneonclusas. etromaria,obvo,levanta 32 de que na stuaidade, um diferencia muito signcato ‘voles ineorelusas de hoje nto sé contnuam inconclusas, coma no ode hoje mak 0 Tequetads” por 2m dizer ~ sto, se colocaram foram vers frm auperaase mesmo ssn cto par Seaunds morte. ims floss snd algom dia tae: pots sxpuesae na ngs nesta coos, ck Gonzalo 2011) No momento, spostaos, elo menos tes de sas careers matearts. lo proceso exist peformatives, so rocesosacleradsimos, sao encenages de um pasa recente 2B Optiprio Reynoldsreconhece que impeto da criatviade ent ofescar deur campo cativosber ‘ovainda ni colonizada, as liencas a expermmentacio ett, enero de que ofr anda et pra et consruido,tudo sta mgrou,s0 ogo ds hima dea, prac merado dos games Em meio a tantas indefinicdes, porém, sobram algumas certezas... Vale destacé-las, para passarmos, em tempo, aos estudos pontuais, as rupturas insti veis que flagramos. Nao se pode negar 20 leitor, por exemplo, a impressio de que estard diante de uma pequena compilacio, uma lista brevissima, é bem verdade, mas ainda assim uma lista... Sim, mais uma lista! E preciso aceitar,adicionalmente, com naturalidade, que este elenco de objetos musicais e midiiticos talvez denuncie tum gosto pessoal, uma identidade social (de classe, de género..) e uma faixa etétia (agora, enquanto escrevo, tenho 40 anos). Mas isso nao é, decididamente, o mais importante: sio vieses que nao nos preocupamos em controlar, sio possibilidades de generalizagio (ou de interpretacio) que nunca pretendemos atingir, as quais ‘nunca tentamos responder. Como dissemos, estamos movidos pelo sonic bliss! {sso nio quer dizer, de modo algun, que este breve catilogo tenha sido aleatorio, sujeito as mudangas de humor ou as oscilagdes do clima em Porto Alegre ~ RS. Embora ngo tenhamos alimentado pretensdes universalizantes ¢ rigidamente cien- tificas, embora os textos se assemelhem muito & critica musical e/ou aos ensaios {para-Jacadémicos ~ als, sequer consideramos necessirio formular as implica- Ges e as consequéncias desta liberdade redacional autoconcedida -, resta, ainda assim, um sentido metodolégico, uma logica investigativa que da unidade ao con- junto aqui exposto, Eloy Fernandez Porta, num livro badalado (cf Fernandez Porta, 2007), nos «dd uma chave interpretativa que nao pode ser desprezadla, Indagar sobre as dindmi- 24 Com ces! emitme umaindsngi. om pmein peso Avis meses em Ps um nde amiga ou oro Alege dene gchar dorms heat ancess dare svape Mesos lisa conemporren Drse-me spend ota eee eo tle! um Ivo de ponder tea seonumaraeqarser pt gic shane stem mone ee ps dete ine um il Sombie Sp de Pers impos esc mak apptace Lamberto dia bara eno de retarmaar escapes qua tmpuen cao mothaion enamels sone Rin em aes 3" Untenena cao vem ocorendo to sant caso na many esturica me Sec da oman ar aman an aes Sats ems ‘etulodereexineproblertizcis ideas Mtoe eps posysndnespseaom sees scap, ede aero ndeendene ne peng srs, nerccpeament eco eon ches Sema port open casa ent ncaa com pees: ay capes deta re fear comes ows, dessa descr atop se gus spe phages scenes as ‘i scuersontce de eneztareeconkeer ons nso npn pul squat Supe se qu foot ofertas mits rcono oe mumarene tins so une esse pouccorhivesett mato poucos ser cma cei maar quegustns Opcbems¢ uc on “Sera ne ora - a edd ein prop coma aro = una pes buco: rsa mrs endeeain son peese tages netoqune osemis esses sea ‘egestas do ena no nent ge once ue sarhos de pss Be bn ipienssbervete qo Seach par ose. cas de ruptura, como estamos (e continuaremos) fazendo, indagar sobre algumas alteragdes recentes no panorama da musica pop, bem ou mal, é reconhecer 0 pop como um género desconstrutivor®, Nas ultimas décadas, duas estratégias basicas de dissolugao parecem ter se assentado, muito tranquilamente, quase despercebi- das. Quase nao foram notadas. No entanto, desde entao, vém operando com forca acidez e contundéncia regulares, como revolugdes silenciosas, verdadeiramente subterraneas ~ até mesmo por nio se deixerem rotular, nem capitalizar, como in- dependentes (indie) ou underground. Como vemos, sio duas estratégias politics, no sentido do qual falavamos logo ao inicio ~ isto é, sao investimentos feitos com ‘vistas a desestabilizacdo, mesmo parcial ou provis6ria, de certas convencdes natu- ralizadas ao longo dos anos. E quais seriam estas estratégias? Esvaziar e destruir. Simples assim! (Cada uma delas possui um agente fundador, uma assinatura, um mestre de ceriménias. O primeiro, respectivamente, é Brian Eno; o segundo é John Zorn. Coincidentemente, ambos sio também produtores musicais ej trabalharam com. trilhas sonoras para o cinema. E isso talvez seja um indicativo relevante. Pois deno- ta estratégias obliquas® de infiltracao e enraizamento no terreno. Muito sugestiva- mente, ambos sao miisicos yao rockeiros (de formagao jazzistico-erudita, no caso de Zorn; de formacao ligada as artes plésticas e & miisica de vanguarda, no caso de Eno), Outro fator insinuante! Ao criar a ambient music, na segunda metade dos anos 1970 - 0 album. Ambient 01 — Music for Airports (EG Records, 1978), no caso, é o exemplar mais notério ~, Eno inaugura no 6 um género musical, mas também um novo modo de atengdo, O que ele propde? Misica instrumental e composicoes alongadas. En- 26 Juma pasou-nos pea cabeg flr na “ert ex no Bis do pop! Niotevamosingeruidade suots (Charlo de um ener desconsrtivo”¢compreender cue enveleccu, que se trnou algo muito dverso dau que tf ~ mal verso do poppy. pop comercisum etd antiga ~ tendo assirido a desons ‘raplocema vtor evolutva, 17 Menostealmente astra biquas fram uma invengio de Brian Eno:consiiam numa especie e"jogo de cats contendoinstrugBes de como proceder darted impases ratio” ou de suas eb ragosts dverss(f Felipe. 21. p 188). Sougoes e espostas para problemas incmodossesam produsis {sn come num lance de dds. Uma carta poder sentencar por exemlo entire epties Es Seria, Ouento: (que os sos) Uroquer es instruments hora eu ero como umainteno oul Ouse ‘arta poder solr no a uma fase qualquer. que uncorsris come uma saléa para uma intrrogy300u pata {isa inden emit Segundo Leona Felipe (20. p. 184 randesarsnas pop exiveram em ses (de grevacio coordenadas por Bran Eno lvez team se benecad ceseprocedmento de tons dasa David Bowie, Talking Hezds, Devo e U2 entre des (eo capiulo"Ono Eno, Arto: no-misics ya emergence delrockeoncepua in Reynolds. 2010, 117-130) saia os primeiros usos do sampler. A presenga, a voz e o canto de um frontman deixam de ser imperativos. Em poucas palavras: Eno produ paisagens etéreas € esvaziadas. Um lugar tipico? Um lugar inspirador? Um aeroporto. E um aeroporto, = todos sabemos ~ é um lugar comercial, transitivo, liminar e antissocial, na me- dida em que nao favorece trocas, vinculos nem relacdes interpessoais. Um “néo- -lugar’ segundo 0 conhecido bordao do antropélogo Marc Auge (cf. Augé, 1994) Quanto a “lirica; quanto a0 subject das cangoes, Brian Eno trouxe ao pop o tema do vaaio, Agora, sem mais a referencialidade do consumo ou do amor roméntico, restou uma poética da desaparigdo. Dai derivam a musica eletronica e o pés-rock. Daf se desenrolou, de um lado, uma vertente fra e impessoal, que se expressa em diversas esteticas cool e, de outro lado, conforme Ferniindez Porta (2007, p. 38), “una vertente fantasmal, vacta e incluso apocaliptica, que se expresa en estéticas mucho mas rupturistas” Fernandez Porta continua: La operacién de Eno, al menos en sus obras ms inovadoras, no consiste sélo en proponer un desarolo y una extensién totalmente ajenos al pop, sino también ~ ahi radica su valor ~ en usar algunos motives frases musica- les e incluso pequetios desarollos que podrian muy bien aparecer en un hit, pero que aqui se nos presentan integrados, desleidos,extendidos, sometidos un tiempo més ampli, en un espacio menos especifico (Fernindex Porta, 2007, p39 (Os trdsiltimos textos aqui apresentados (dois deles sobre os britanicos do Radiohead: 0 outro, alusivo em parte ao conjunto REM) debatem-se neste quadro de questdes ¢ referéncias globais. Tas casos, como supomos,sio iustragdes dignas de uma determinada estratégia de ruptura ~ por esvaziamento, 2 moda de Eno. E ‘uma maneira discreta de entrar e saic da musica pop, (© caminho de John Zorn é outro ~ menos elegante, porém “simbolica- ‘mente complementa:” (cf. Fernindez Porta, 2007, p.43). Oriundo da cena do jazz experimental de Nova York, Zorn é deveras arredio 20 pop generalista. Mesmo assim, volta e meia, seu nome surge vinculado a parcerias musicais provenientes de zonas fronteiricas ao pop massivo, sendo ~ para dizermos de outro modo, para ‘que soe mais exato ~ de certos géneros e substratos estilstcos renegados, pouco 20 Augtuaa natn ‘isiveis, embora constitutivos, embora internos ao pop. Exemplos: o cantor Mike Patton, da banda multiplatinada Faith No More, os ingleses do Napalm Death e 0 proprio Brian Eno. Recursos eletronicos,transes primitivos, ruido pés-industrial eaceleracdo, vertiginosa aceleracto, so as armas favoritas de John Zorn, O jazz instrumental € 0 quartel-general. Para ele, s6 a partir dat vale a pena apropriar-se dos géneros ‘massivos marginais, para coloci-los em confronto, orcé-losao choque, 8 corrosio, a0 embate destrutivo, E como se Zorn levasse a cabo “una inversién dea jerarquia pop: usa los estlos tradicionalmente considerados més Bajos contra los mas alts (Fernandez Porta, 2007, p. 44). Resultado: trilhas sonoras para desenhos anima- dos, trlhas cinematogeificas, ambient music, misica étnica, hardcore, death metal cextremo e até mesmo o proprio jazz, desconstruidos e fusionados; as vezes, ace- leradissimos, as vezes, desfigurados, quase irreconheciveis. E outra estratégia de ruptura ~ desta vez, por destruicao generalizada. Nao ha perdi. Nao ha motivos para agradar a ninguém. Em Zorn, ‘no hay aeropuerto ni espacios aéreos, sino un hermético teatro de devastacién. Lo que Eno vaciaba, Zorn lo destruye" (cf. Fer néndez Porta, 2007, p. 46). Sendo assim, como nao hé mais quase nada a fazer. iremos comecar por aqui, pela estética crossover, pela psicose randémica de John Zorn. Os proximos tres capitulas (na ordem: sobre o ilbum Metal Machine Music, de Lou Reed, sobre co lbum Scum, clissico absoluto do metal modemno,e sobre tm singelo video feito para a banda Lightning Bolt, de Providence [ELIA}) dao mostras de que o caniter destrutivo, em se tratando de miisica pop, é sempre bem-vindo, necessirio e até altamente recomendvel. Nesta primeira etapa, John Zorn estara mais ou menos proximo, como um farol, uminando e orquestrando as batalhas. Afinal, a miisica pop éum campo de batalhas, no qual precisamos saber entrar e sar Entrar e sar. 4

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