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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

HISTÓRIA
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Gabrielle Reginatto do Carmo

Panorama sobre as discussões acerca do povoamento das


Américas na dita Pré-História

RIO DE JANEIRO
2018
1. INTRODUÇÃO
Antes de adentrarmo-nos a qualquer mérito sobre quando foi, como foi e
onde foi dado o início da ocupação do continente americano, devemos nos
atentar a duas questões que permeiam toda essa situação: a importância
histórica do assunto e os motivos que nos levam a estuda-lo. Num primeiro
momento, conseguimos perceber a exclusão, nas grades escolares, dos
estudos sobre os povos pré-históricos e suas origens, algo que não pode ser
considerado um simples acidente. A falta de espaço para debates sobre tal
assunto gera, infortunadamente, não só um esquecimento, como também
instiga a descrição pejorativa desses grupos no imaginário social, uma vez que
o senso comum os trata como povos “sem cultura” e primitivos. No entanto, é
nesse momento que a relevância do assunto entra: os historiadores devem
mostrar que, ao estudarmos esses antigos povos, conseguimos construir um
panorama mais preciso e conciso dos estágios de evolução do homo sapiens
até o homo sapiens sapiens, estruturado através da desmitificação do senso
comum atrelado as afirmações de caráter histórico-científico, mostrando
grandes características sobre os homens pré-históricos, como por exemplo o
fato d’eles terem sido caçadores e coletores. Logo, compreenderemos melhor,
as teorias que rondam da chegada do homem ao continente até as relações
por ele aqui estabelecidas.
2. Clovis-first, Clovis-in-context e Pré-Clóvis
Ao discutirmos as datações do período pré-histórico, é suma importância
mencionar que são obtidas através de aproximações, uma vez que os métodos
de análise mais usados –como por exemplo o estudo do Carbono-14- não nos
fornecem uma precisão cronológica, somente uma hipótese. Além disso, é de
extrema importância traçarmos um panorama não somente de como foi a
ocupação do território –que será feito nos parágrafos seguintes-, como também
um panorama das certezas universais que possuímos sobre tal contexto. Em
primeiro lugar, devemos ter em mente que há certeza da existência de homens
na América somente no Holoceno, e, no Pleistoceno, há discordâncias. No bojo
dessa situação, ao analisarmos as diversas hipóteses, observamos que os
estudiosos não utilizam somente os dados cientificamente comprovados em
suas conclusões, há também um “jogo” de disputa ideológica, principalmente
geopolítica, que as permeiam.
Em primeiro lugar, na metade do século XX, surge a hipótese de que os
homens teriam chegado á América por meio do Estreito de Bering, uma “ponte”
que conectaria a Ásia a América, mais precisamente o Alasca, há, mais ou
menos, 11.500 anos –muitos estudiosos ratificam a teoria por conta da
existência de semelhanças genéticas entre os mongóis e os primeiros
americanos-. Tal movimento teria sido possível devido a oscilação entre eras
glaciais, o que teria criado tal “caminho” para a ocupação de nosso continente.
Essa teoria surgiu quando estudiosos descobriram em Novo México e Folsom,
nos Estados Unidos da América, pontas de projéteis e lanças dentro de fósseis
de animais datadas em 11.500 anos. A partir daí, a teoria foi sendo preenchida
com novos estudos que sugeriram novas hipóteses, e, dentre elas, estão a
incapacidade do homem ter dominado a navegação e o sucesso da estrutura
lítica encontrada no Novo México. Tal teoria é conhecida como “Clovis-first”, e,
por ser de origem norte-americana, tenta sempre invalidar, como de costume,
todas as outras que apontam evidências muito mais antigas da presença do
homem em outras partes do continente.
É no contexto das invalidações que surgem outras teorias, as
conhecidas como “Pré-Clóvis”, e que, em suma, defendem que a ocupação não
foi dada há 11.500, pode ter sido muito antes dessa data –uns acreditam ter
sido entre 30.000 e 40.000 anos atrás, outros acreditam ter sido entre 15.000 e
13.000- e, também, não começou necessariamente nos Estados Unidos da
América. Dentre seus defensores, encontramos Niéde Guidon, que lutou
constantemente pelo reconhecimento mundial dos artefatos encontrados na
Serra da Capivara, no Piauí. Em seus estudos, as escavações de três sítios
arqueológicos comprovam a presença de homem no final do Pleistoceno, ou
seja, muito antes da data proposta pelos norte-americanos. A partir da análise
de carvões, pinturas e cavernas, a arqueóloga categorizou quinze fases de
ocupação, com três grupos culturais que distinguiam entre si não somente por
conta das eras em que viveram, como também por conta das diferentes
relações que estabeleceram com a natureza e entre si. Nisso, conseguimos ver
que ela não compactou com a imagem pejorativa que os estrangeiros
construíram dos primeiros nativos, e ousou ao apresentar uma nova
possibilidade de chegada ao continente: não mais pelo Estreito de Bering, os
povos podem ter vindo por conta do desenvolvimento da navegação. Assim,
percebemos que “tudo deve ser repensado e novos modelos devem ser
propostos” (1992, p.39).
No bojo dessa situação, conseguimos encontrar outros locais na
América Latina que corroboram com tal teoria, como em Monte Verde, no Chile
e Lagoa Santa, em Minas Gerais. Diversos são os estudiosos brasileiros e
franceses que, ao adentrarem os sítios arqueológicos brasileiros, confirmaram
a veracidade de tal teoria. Entretanto, ainda há o ceticismo por parte dos
estrangeiros em relação os artefatos estudados no Brasil, os quais Bernardo
Esteves considera como “pesquisadores que teimam em não aceitar as
evidências” (2013, p. 10). Não há a crença de que eles realmente sejam de
origem antrópica, e sim sejam “ecofatos”- especialmente aqueles que marcam
a presença do homem no Pleistoceno- que, com o passar dos séculos, e com a
exposição aos fatores naturais como o calor e a erosão, tenham sido
modificados (PROUSS, 1992). Parenti também bebe de tal lado, uma vez que
acredita que sejam de origem natural o talhamento das pedras encontradas e
que as fogueiras podem ter sido produzidas pelo antigo clima que vigorava no
local estudado. Por outro lado, Boeda considera que, ao descaracterizar as
peças, desconsiderando que elas tenham sido fabricadas pelo homem, os
estudiosos acabam num erro, pois, não é só porque são objetos sem memória
que não são antrópicos.
Assim como os pré-clovistas enfrentam discordâncias dentro da própria
teoria, aqueles adeptos a Clovis-first também precisam lidar com outras
datações, que não necessariamente desprendem-se das datas clássicas. O
maior expoente dessa situação foi criado com Ana Roosevelt, quando a
arqueóloga discordou da primeira data -11.500 anos- e adotou uma nova data -
13.000 anos- após a análise de artefatos encontrados em escavações numa
região da Amazônia. Por outro lado, não há somente críticas construtivas, há
também aquelas destrutivas, que partem, principalmente daqueles que
analisaram artefatos em sítios arqueológicos espalhados pela América Latina e
comprovaram que o povoamento começou aqui há mais tempo do que a data
proposta pela teoria. Bernardo Esteves compõe tal “time” e ratifica que existem
contradições na hipótese, já que determina como impossível os povos terem
andado o continente a pé em tão pouco tempo, uma vez que existem indícios
da presença do homem em vários lugares durante o mesmo tempo. Niède
Guidon, anteriormente mencionada, também faz sua observação, por acreditar
que os achados de C-14 no Brasil nos fazem afirmar que a data “clássica” está
equivocada.
3. CONCLUSÃO
A partir do panorama de ideias acerca da chegada e do povoamento dos
homens pré-históricos no continente americano, conseguimos perceber que há
um embate muito forte de teorias caracterizado como um conflito entre a escola
francesa de arqueologia e a escola americana (ESTEVES, 2013). Se nos
despendermos das nacionalidades e conseguirmos enxergar somente a
pluralidade de datações sobre tal período histórico, certamente nos
questionaremos sobre o motivo de tal diversidade, e também sobre a
dificuldade em aceitar a proposta do outro, por mais correta que seja. Prouss
discorre sobre isso ao alegar que há uma barreira psicológica que acaba por
descredibilizar as alegações do outro, aliada ao preconceito com o latino, a
dificuldade de encontrar vestígios pleistocênicos e a negligência Europeia
quanto à questão do povoamento Americano. Ele propõe que seja feita uma
melhoria qualitativa nas pesquisas, junto a um incentivo e reconhecimento da
necessidade de aprofudamento em tais assuntos e, principalmente, o advento
de novos métodos capazes de superar as limitações impostas naturalmente
pelos sítios arqueológicos e a ação do tempo sobre eles.

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