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Produsio Gréfica: Sandra Siqueira — Tel: 225-1145 Composto © impresso na INGRAF — Indistrias Gréficas Leds, ‘ BOLETIM DO MUSEU NACIONAL NOVA SERIE RIO DE JANEIRO, RJ-BRASIL ISSN 0080-3189 ANTROPOLOGIA Ne 41 AGOSTO DE 1983 ‘PRES ENSAIOS SOBRE PESSOA E MODERNIDADE Luiz Fernando Dias Duarte ‘Museu Nacional — Rio de Janeiro x APRESENTACAO, Qs trabalhos reunidos neste volume representam trés momen- tos sucessivos de wma reflexéo sobre Pessoa e Modernidade do onto de viste dos problemas enfrentados pelo antropélogo no trato com a compreensio das sociedades complexas modernas. Embora voltados para temas diversos, guardam entre si a recorténcia do esforgo de repensar algumas categorias.analiticas centrais das Cién- cigs Sociais & luz da critica aos efeitos da ideologia do individus- wn ‘Sao assim enfocadas as questées do “racionalismo”, da “iden- tidade social!” e da “‘crenca”, tomando-se como “material etnogré- fico” antes as nossas préprias categorias de .pensamento do que aguelas que normalmente procuramos construir com sua ajuda em outros espacos sociais. Perpassa sob todos os trabalhos porém, repontando explicitamente no tiltimo, a preocupagio com as con- digdes ¢ limites de compreenstio dos valores culturais dos grupos de nossas Sociedades que no parecem compartilhar dos pressupos- ‘ tos da idcologia individualista — no caso sobretudo os grupos de t classe trabathadora urbana entre os quais vim nesse periodo condu- zindo uma pesquisa. Como os trés textos foram concebidos de forma independente, haverd entre eles eventuais superposigdes © talvez — porque nfo? — inesperadas contradigées. Apresenté-los nesta forma conjunta ha- bilitard possivelmente que sua apropriagao possa ser mais expressiva dos embaragos que juncam os caminhos de uma inevitivel e penosa | ‘explicitagio dos fundamentos ideolégicos de ndssa’prétics cientifice. 1 © CULTO DO EU NO TEMPLO DA RAZAO * j ‘+ nas sociedades e nos meios em que a dignidadé da pessoa humana é 0 fim dltimo da conduta dos indivi. duas, em que o homem & um Deus para o homem, 0 individuo € facilmente levado @ tomar por Deus o Ho. ‘mem que esté nele e a erigir-se em objeto de culto”. Durkheim, 1977, p. 454 I — INTRODUGAO. B um tema cléssico e recorrente da Modernidade 0 da oposi- so entre Razio ¢ Religido. A seu redor aglutinou-se boe parte do Pensamento do Iuminismo, cujas “luzes” eram justemente as que se esperava viessem clarear es trevas em que a religiio fizera mer. gulhar a “humanidade”, Nessa nova ¢ Iaica cruzada — a da libertaco da fagutha inti- ma do Logos — envolveu-se qise tudo o que marcou nossa iden fidade ocidental moderna. Construiuse a ideia da Revolugto, api couse-a em indelével modelo na Frange de 1789; entre os dois grandes marcos da Nova Ordem (a ordem construida sob os ditames da “racionalidade”’) da fundago dos Estados Unidos da América e da Unido des Repiblicas Socialistas Soviéticas, © Evolucionismo ¢ 0 Positivismo novecentistas justaram 0 ‘modelo em sua versio mais divulgivel e tomaramse os comutado, ‘es das “grandes teorias” que ainda hoje circunscrevem nosso espapo de pensamento — nosso campo de probleméticas. A Sociologia ¢ a Psicologia — os dois “rcinos” maiores do saber_modemo sobre o homem — nasceram nesse espago, Sus segmentario mesma, suas fronteiras, seus objetos recortaramse no ojo de um provesso de recusa as causlidades totalizantes e de sis. temética extensiio das Luzes que pareciem brilhar nes Ciéncias Nav frais _¢ na “invengGo” tecnolégica &s “Ciéncias Humanas” © & intervengio nas condigdes de existéncia do homem, Por detrés das diferencas fundamentais dos modelos propostos Para essa intervengdo/redengio, pairou assim inatacével o Homem * Bate texio foi inicalmente apresentado no Curso “Antropotogies Rspecias: Anttopolosia da Relisifo 1” ministrado no PPGAS/Museu, Nacionsiy ULE, $m, 1980, pelo Prof. Rubem Cosar Fernandes, « quem agradsro a sage, tea, referéacias © crftcas. fl i i i i t t | $#0, pluralizasto, privatizaggo foram ¢ sa temas se rose essa questio, oa a avangos reais desse Projeto foram Porém muito ambiguos, A plo, ee elit ® 0s resultados da Revolugso. raseost fesaie'Pl, $e servia, por um lado, a um repome ad Projeto inscreveu o modelo de Marx, serviu em rare femporis como o deismo de alguns ineigi nt Rousseau, © significativas anne Outeas, mais tardi sole eat 8010 sob as formas teadicionaie, quay nova oi reals Foupugens. Dentro do espero. de nent! das “grandes Bloch no tam cuosss formas compésitas, cas de Ernest Blok no do” Tetra Jone no freudismo, onde o comport redengig, ” "*"™S*endentalizava 0 mantido ‘projeto oxen E Com um efeto particular desse deslocame to da saoe mae, reeeupades, Tudo far enc que aones gs gs me Fragmenmaments uma nova Iépica totalizante que sc manto das stimentagies, segmentasSes © individualizagdes’ act Oe represen- 1 7H Sem comidere pombol une periodiongio i geom com izagSo estanque para - cicada HOPS C1988). os pace Sen et at em ia {ashes da racionalidade antireligiosa, se poderia ler & mancira das Pisces de mundo religiosas. © que nao choca — enquanto aperente Parataz0 = 0 cletista social moderno, acostamado a idea te aos Ride do sorial ¢ transparente, © que as interpretagdes s6 se aoliciee spire “interpretagdes” clas mesmas de “Interpretagoes” (ef, Gene pate de eels £2 io seria esclarecedor, na pista do texto em ep Goede Durkheim, examinar enquanto religiac 0 corpo comples & erences, simbolos e rituals associados 40 novo Sujoho fo eh carog a bante da histéria, © individuo), Ficamos porém com dose Pois 0 que seja religido € talver até mais Impreciso do que o que seja essn cultura individualist Caumscemee Portanto, pelos dois. Ml — INDIVIDUALISMO E RELIGIAO Falamos em “‘segmeniacio” e em “totalidade” so nos referi- Tos 4 OPosiséo que o pensamento modemo dbseuheria sone 's Ysfo de mundo tradicional. esse patece ser realmente o mmdele ‘is abetralo da especificidade do moderno: um mundo seccrle Peer aea aementsedo em sujeitos autOnomos individualizades, que Feerro wt Set fatimo todos os atributos da ideniidade legft bretudo a Razic) © que pensam o seu estar no muntlo trnen a vidido em mitiltiplas ssferas de “comportamento™ “iodss 5 instituigdes, os dominios © as préticas sio_ pensadas a Partir dessa segmentecdo, Assim, 0 Estado € visto como fin nen Gu menos legitimo da abdicaglo Ou” dolegagis des vontades tadine duals te reveste a's mesmo, sob a forma Nagle, de ume “ant dualidads"* (pasca‘a ser possivel falar-se até de um “cardter nacio- nal”), Assim a religito se despe do toda referencia “colstiva’ wi transforma niima relagio entre a consciéncla indtvidual ¢ iar Toons abstrato, fiel da balanga moral dos sujcitos. Assim a Jamia se net diz a" mfalimo de zelaes: o casale os fithos Tatahiee ova aloe FIN iilefna € mais forte do que.s das families de origem, porter ‘feqiieniementé mais fraca do que a. identidade dos sae Retites, B sintomético que Durkheim, ao vistoriar es fontes de why $40 possiveis para a miséfia moral dos sujeitos modernos stocine, dos invoque, nesta ordem, Estado, a religito ea familia oan 10 SS ies = i sor Miguel Reale no Jornal i! (15-11-1980) te ERE SS oes hsp gr se 9 re aac a ‘Tepresentativo da permeacio dessas questbes: Te oie needa ment 2 ee a Sores sha’ act ia cern nc Res Soe Peat So oe met Pap SS She Ste te mate Miata SS es coisas mesmas. Como pa '& personalidade & liberdade, ia modelo axial do Individuo/ d © Sujeito Moral — 6 temente contrada na tradigéo do cristiaiemo. A idéia da alma individien, ivindade através da consciéncia, @ (29 oposivio & trangressto ritual), 9 secant 2 avultam nesse may - agile rence | come StsAe- Mil (6/4), Foucault Gorn, cheae, te eae pean mr nas nuances dogméticas ou nos mome i ‘eol6pcaindagamse. mais ou menos: da remota genese tee PresentagSes. Os esisicos ou os gnéticos, a terme de Ocem, 0 franciscanismo ou a 2, aprofundamse mais ou » Santo Agostinho ou Gui- questo das investiduras — ‘Aqui também essa construgo parece ter longes rafzes © a tra- igo do Direito Naturel (antigo e modero) entrelaga questdes oriundas do jento medieval com as teorias do Estado moderno @ seu pressuposto de um Sujeito pristino, anterior 0 pacto, 20 Contrato Social, De onde se desenvolverd, inclusive, s6 em aparente ‘contradicao, a concepgio do Sujeito da Histéria do Marxismo. # no Sujeito da Rezo porém que parece se articular a faceta mais abrangente e mais fundamental, pois que instauradora da pré- ria possibilidade dos Sujcitos Moral e Politico. Descartes € pensa- Ho aqui como marco de referéncie: 0 Sujeito do Cogito, Os Iiumi- nistas e todo nosso discurso filosstico posterior se ocupam da Razio, do seu estatuto e da sua relacdo com 0 Sujeito ¢ a Empiria, formu: ando-se as mais diversas solugGes, num espectro que pode chegar fa privilegiar 0 Sujeito em detrimento da Razio (como se poderia pensar @ filosofia “intuicionista” de Bergson) ou, a0 invés, invocar ima Rezo sem Sujeito (como se propés em parte a respeito do “eatraturalismo"). De qualquer modo — por mais que se apague nesse v6o um universo de nuances — nfo se parece poder fugir aos termos da questio. Seria extremamente esclarecedor acompanhar a armagio desse Sujeito de Rezo no que ele se procurou apropiar de certos “papéis” sociais, reconstruindo-os numa l6gica modelar. Assim, a propésito do estatuto do louco, diz-nos Swain: “‘S'étonnereton de retrouver chez Jes philosophes Ia trace de la rupture rendant possible une pensée nouvelle de la folie? Crest 2 vrai dire le contraire qui serait furprenent. Car Vidée de homme est profondément affectée, nous Tavons entrevu, par les transformations dans la manitre de conve- voir Vindividu impliqué dans 1a folie et subverti par ele” (Swain, 1977). E 0 que ela nos oferece com meridiana clareza no artigo que assim inicia é uma demonstragfio do papel fundamental que essa construcéo da loucura como objeto da reflextio ocidentel_ representa enquanto esforgo limite e fundamental, para a construglo da pro pria idéia do Sujeito da Razfo. Para Kant, por exemplo, a forma mais acobada da loucura — a vesdinia — testemunha da realidade do seu Sujeito AutGnomo, fechado pela Igica de um sensus pri- Yyatus numa autarcia intelectual que o tora o espelho limite da ver- Gade humana. Para Hegel, que acentuou ser a loucura um privilé- ‘go do homem, nio s6 cla revelaria a realidede do Sujeito, como Ga propria Raxio, comutador do antagonismo interno instaurador n dessa “totalidade sistematizada”, desse “sistema de mundo indivi: dual” que seria o Sujeito. Se 0 proprio Iugar em que © senso-comum encontraria a No esti ‘comprometido com um tal efsito de identidade, 0 que Ric encontrar de significative no polo oposto, no dos papéis cue Grolicitamente se apresentam como modelares. Penso particulars, A; 20 sstatuto do génio, tal como o manipula por exemplo, Stuart. Mill em seu On Liberty — um dos textos sagrados da modernidade: “Genius can only breathe freely in an atmosphere of freedom, Persone Gf genlus are, ex vi termini, more individual than any other people. less ‘capable, consequently, of fitting themselves, without hurfel compression, into aay of the small number of motilds which society Provides in ordet to save its members the trouble of forming thei own character. If from timidity they consent to be forced into one of these moulds, and to let all that part of thomsclves which cannot expand under the pressure remain unexpanded, society will be little the better for their genius. If they are of a strong character, and break their fetters, they become a mark for the society which has not succeeded in reducing them to commonplace, to point out with solemn warning as — “wild”, “erratic”, and the like; much 2¢ if one should complain of the Niagara river for not flowing smoothly between its banks like a Dutch canal” (StuartMill, s/d, p. 298). Esses Niagares de cuja impetuosa originalidade dependetia assim © Nove Mundo social sobre o qual teoriza Stuart-Mill brotam Fr mio devem ser contidos — de uma profunda forsa interior & individual, contra a qual se ergueriam indevidamente os diques da sociedade ¢ da regra/norma. Confirmando a essencialidade daquela construggo da “diferenga” para que apontévamos antes, 0 genio, sobretudo sob a forma do artista, representa como o louco ums fuse ‘gdo exemplar, um parimetro contra 0 qual recortar e construir as ‘dentidades sociais legitimas. Veja-se quiio préximes as categories do génio e do neurdiico encontram-se por exemplo na problemitice freudiana, © tema da “originalidade” to bem expresso na pequena refe- facia de Stuart-Mill, desenvolveu-se freqiientemente junto a umn ou fo no pensamento europeu do século XIX: 0 do que os alemécs chamaram de Bildung (construgéo) e que em nossa lingua se con. funde ‘no par cultivo/eultura. A epfgrafe do On Liberty & do Humboldt, uma das primeiras e exponenciais figuras dessa inadigaoe sabe , and, Ieading principle, towards which every argument um, folded in these pages directly converges, is the absolute and ceveniiad 2 importance of human development in its richest diversity” (nosso giiio) (Stuart-Mill, s/d, p.267). i ma de fomento ¢ difusto do Sujeito Pace elogo 60 altaeo ¢ difusdo do capitelismo, a ace ado direta ¢ indiretamente ligado em nosso process hi Tico. Notes o emprogo das catego:ias desenvolvimento” “ig. za” pata falar dessa “acumulagéo” interior. E, homlogamente & “acumulagio diferenciel” armada na trama da “ti le cado” e da “igualdade das oportunidades”, seni a 06 apres aaa 7 tou desde muito cedo a questio dessa outra “acut ao ea " ia do génio — sinal ¢ espelho efet cial” de que nos fala a apologia do pelo efetivos izagio que 86 se dé virtualmente para a m ee an aia atereesiar esticar 0 fio da anélise ease da relagdo complexa entre a ética envolvida coma as dostrinas mi ey predestinagio e da certitudo salutis com 0 espitito Sapitaliamo ‘a esse outro momento di iculagéo do pene moderno, em que a “salvagiio” pelo mais rico serene a ae rior também formula uma teoria diferenciadora. areal sido bastante claro no Fausto a respeito de uma imor aan mi tiva’” para os modernos humanos. Do que se nutriu plement a idzologie da producto vsti, tragada pelo Romantsmo 8 Mo dernidade. Lembre-se a dedicatéria dos romances de Sten I: ‘the happy few”. Mas, sobretudo, ‘from the happy few”. mortalidade” final a0 esbogo mengio a “imortalidade” acrescenta um toque do retato ae" tomo suelo “ene, young man" Etecvaneate, 8 eupagdo com a pormnéncia péstuma, acompanba, dslocada, Evengo das Lares. £ de 1769 uma obra initlads La Palingénéie a ue rat pk a fn Bt Vivants (Charles Bonnet), Sao esclarecedoras de su artiulagéo com o tema da “construgio interior” as pistas oferecias por Bruford em sue bree Blografia do eliado, Wien von Humbolt (Bruford inhando-se a cotrespondéncia ham aaa coe patina rocura foustiana daquele “desen Yolvimenio humano em sua mais rica diversidade”, deparage com una vivida inquistaedo: ade que essas soberbas rquezas tio pa ciente ¢ ciosamente acumuladas podessem softer da aniga moral dade humana. Duas solugdes se entrecruzavam: a da “irr ‘no Diclondrio de Filosofia de Ferrater Mora — verbete “palinge- is elas obras (com 0 qui i pole que se -rearticulava & maneira platGnica!? forma tardia analisado por Weber), que teria ‘omen vide na tradi erage disdo do “artista” modemo', © a da ‘palingenesia” eo 32 racio da “construgio" a uma’ trajetéri tual’ if extra’ “eseicttear™ Co, CORO” Solugo que Allan Kardee formule on ee pee Paralbando num de seus mais curictos produtcs a ado mem © impasse entre V — ENTRE © TRONO E 0 SANTUARIO & preciso de onde, ie, estelamos prontos para um acontecimento tine ene os (ila esverai que a ofinidade natural da religiao € da elncia os reins na cabo de nt relilto genio. A aparigdo desse h do pode iomem no poderic i rte 6 toes mesmo ole id exsa... Tudo ‘anno no a argos ‘passant & qual De Maistrets ‘caminhamos a is in, en relidnde se vera rometida com a aversio id roe o_o a5 pra embre-se fine Picea ear scien SR pine as nae ur lo” assim chamada Filosofia, também ela ‘padeeerg de Filosofi tgp de iva em Foucault, 177 ae Feat me co do impeto segmentador e individualizador da Razio Moderna, vendo fnas sucessivas “misérias da filosofia” destratado 0 seu compromisso en No mesmo sentido, compreendese o florescimento do Sujeito Politico. Ele se comprometia com um — dos novos es- pecos segmentedos — aquele que se diz primogénito na obra de Maquiavel. Um irmio menor, destacado jé dg Filosofia, teria destino igual- ‘mente Impregnante: 0 Sujeito Psicolégico, ou em sua formulagio iis explicia0 Ege. Com 0 seu continente de segmentagao: a Psi- cologia. ‘Dols grandes pensadores formulariam 0 niéicleo dinimico desses dois espagos: Marx ¢ Freud. E néo & dos menores sintomas da abso- futapreeminéncia que viriam a deter na Modernidade seus conti- nentes, 0 de vermo-los assim emparelhados com tanta fzeqiiéncia no senso comum académico de nosso século, Para além das contribui- ‘ges. de “‘conhecimento” inextricdveis de seus respectives esforgos, © marxismo ¢ 0 freudismo responders com_iniguelével clareza & nocessidade de scencamiphamento e consolidagfio do espago mitico do Sujeito Moderno, propondo-lhe modelos altemativos de re-totali- ra@io, Ente 0 trond do Pleno Sujeito da sociedade sem classes ¢ 0 “Janixid do. Pleno-Sujeito do Ego harménico hd ume série de pla- ‘nos de homologia, assim como uma dbyia.¢. fundamental divergén- cia, No que interessa ao éncaminhamento desta reflexio, ressalte, em primeito plano, 0 compromisso de ambas as teorias com 0 pro- jeto iluminista, A Rezo nfio s6 exige o esclarecimento dos segredos da Histéria e do Psiquismo; ela motiva o projeto de intervensio terapéutica em que se insere esse esclarecimento ¢ que Ihes confere, sem davida, tio alta proeminéncia entxe os miltiplos modelos cient\- ficos sobre 0 humano emergentes nestes dois tltimos séculos. ‘Nese compromisso —- que € um compromisso com o Sujeito da Razio, bem expresso na dupla acepoéo de uma categoria negativa como a da “alienacéo” — embutiase ao mesmo tempo que a preo- cupagio com o efeito perverso das sombras exteriores (presente, nos textos mais programéticos de Marx e nos textos “culturalistas” de Freud) uma introversio do olho critico que viria denunciar a pré- ppria sombra do Sujeito, j& agora hegelianamente complexo, armado Ge instncias, de tpicas, de dindmicas ¢ contradigdes**, Assim se Ta De Hegel a Marx a passagem & not6ria; de Hegel a Freud ela ¢ expres: sive e cuidadosaments demonstrada por Swain em seu artigo citado. B completava mais uma etapa do deslocamento da totalidade aqui acompanhado, Os impedimentos a plena hegemonia do Sujeito da Razao (aqui sob suas formas de Sujeito da Histéria ¢ de Ego) nio mais s¢ encontravam fora do Sujeito. Eles se aninhavam e retiravam a forga de sa permanéiicia de uma catsalidade interior: 0 que se chama meio impropriamente de “o econémico” (relagées de pro- dug e estigio de desenvolvimento das. forges produtivos) e o “inconsciente”. E de uma casualidede interior que néo emergia — @ no ser em condigdes excepcionais, inclusive as terapéuticas (a Mobilizagao ou o Diva) — a “conscié: ” do Sujeito, essa antiga pedra de toque da Razao. Finalmente 0 Sujeito reproduzia o Mun- do: dentro de si jaziam os prinefpios mais fundamentais da Huma- nidade, descobertos e ativados — finalmente — Por forca do seu préprio impulso e para sua maior gléria, As Ansias de “mais luz” expressas por Goethe ao expirar pareciam enfim saciéveis. © primeiro embarago que envolve essa nova frente é 0 da pos- sibi undo de conciliar os dois modelos. O que nio se apre- Sefita’ necessariamente aos agentes em situacéo, por forga de sua propria difusio diferencial na sociedede, Mas se apresenta localiza- damente — no espago “académico”, por exemplo — com certa Pujanga. Nao € nosso objeto determonos sobre este ponto, que me- reco alongeda considerasio. Rasta lembrer que ambos os modelos sofferem toda sorte de reapropriagoes.(algumas, como a de Reich, Procurando acoplélos), mas_que,.em todos os. cator, eles. softeram dos _miltiplos embaragos. decorrentes daquele citado peradoxo de luma retotalizagéo pela segmeniacio ¢ individualizesio. Particular. RE ao raat le 0 compromisso teraptulica Tnsiaurador ¢ universalizante, O confronto entre as correntes “positivistas” e “his- toticistas” (para usar os termos pejorativos de sous respectivos adver. sérios) pode ser lido 8 luz desse movimento de “‘internalizagao” do projeto iluminista, em relago a0 qual ficam uns aguém (nas formu ages mais “‘mecanicistas”), outros além (nas “voluntaristas”). A obra _de_Gramsci_¢ seu esforyo.de_incorporar construtivamento “a0” modelo marxist ombras” da vontade ciletiva, da religiao, etc. nie ilustrativa dessa problemétice®, 15 Batson um tri mse te mn a lle tga °O Soto a Hite em Grama «a soe as a nao" (DuaTs 198), = 16 VI — 0 CULTO DO EU “Chega de hesitagdes. Nao precisamos duvidar, nem mais um minuto, de'que as paixces ¢ os mistérics sen- suais S20 120 sagrados quanto as paixdes e os mistérios cespirituais, Quem ousaria negélo” ' D. H. Lawrence trajet6ria_do tico_moderng.enfrentou_¢_ ts sinar vnuiae, creas Go stay pando cate @ vlégio 2 individualidade © o seu compromino com a. re uma. refundigle social, Desencadeada no. aniverso seg. mentado da sociedade m a, ela los inbre 9 foul dies “aaut-meompanhixte,_einda_que, pretendendo.inverté-lo. Nao pode porém fugir 20 modelo cultural de que se desprendera. Como 9. seu compromisny de intervenio te coloeava um objetivo univer sal — em que todo 0 social estava em jogo, por um lado, e, por outro, todas as sociedades — syas_solucdes..retotalizadoras..cho- ‘cam-se com. dois problemas. graves..O_primeiro, 0, da necessidade de restaurar em algum nivel o sentido do Todo sem recuperar a velha e nefanda “religifo”. A quimera racionalista enfrentando a hidra a ideologia” opéca. Uma solugdo recorreate tem sido e da retome- da de uma espécie de “religi8o civil”, a partir do modelo abstrato de Rousseau ¢ que feve to tico desenvolvimento (sintomaticamente) em um espago cultural como o dos Estados Unidos da América’®. © segundo. problema, .inadmissfvel_no_cnone,,rousseauniano..das pequienas s homogéness. unidades politicas, 6 0 da restauracio do ‘Todo a partir da pluralidade. E, mais do que isso, o de construir a” nova: Sociedade com beseem um segmento dess ie coniplexa (0 proletariado) jamente mio participara’(cenio focalads- "Sante usta seninnto-de clears indivié dualista. Assim, propunha-se a destruipfo da “ordem burguesa” e @ fistauragio de uma ordem sociel ambiguamente construfda a0 mesmo tego sobre o mak entra, dos seus eal © wb oe sociais que menos deles participavam (operariado, campe- Stato) sovedades “nfovocidentas”), (Desie inevidvel © doloraao ‘impasse_tém_testemunbado cerios_aspectos. das. a6 histo as_de_implantagio. das. sociedades socialistas. 16 Cl 0 artigo de Robert Bellan; “Civil Religion in: America” (1967): w Muito diversa foi_a sorte da outra grande vertente do Sujeito Modern: & culfur® do Ego. O-seu modelo néq se comprometia com 4 intervengdo no social, mas propunha, pelo contréio, uma acentua- xadical da"individualizagao, caminhiando entio — por assim di- See "mals ao" sabor_da_corrent B cheio de cignificado que @ histéria de nosso Sujetto da Razio coincida com a histéria da loucura moderna, A emergéncia/constru- $8 de comportamentos idiossincréticos nas. sociedades tradicionais sempre remetera &s suas leituras holistas da realidade. O conceito ‘grego da mania (que englobava o que nés diferenciamos em “lou- cura”, “possesséo”, “inspiragdo artistica”, “bravura guerteira” ou “acesso de raiva”’) ¢ exemplar a esse respeito, ao conceder a inter- vengéo da divindade a responsabilidade pelo desencadeamento des- ses fendmenos. Mesmo o discutso alternativo, tardio, encontravel no Preudo-Hipdcrates, de procura de razses fisiolégicas para certos tipos de mania (como nas epilepsias — 0 mal sagrado), se ancorava nas concepsées da physis enquanto sub-sistema de um mundo concertado por uma causalidade externa ao humano"”. ‘Também a Europa Medieval manipulava uma classi complexa armada entre os polos da “‘fatalidade diabélica” e a “fata- Iidade orgénica”, entre a fogueira da bruxa e do herético © a mas. ‘morra do criminoso e do louco. Coincide exatamente com a Revolu- so Francesa a agio de Pinel no desaferrolhar 0 louco ¢ no instat- Tar um espago.de reflexfio sobre sua especificidade. Assim como o Uuminismo ‘se detivera. sobre 0 selvagem, usando no jogo de rellexos/refleaes que instauravam 0 Suyeito moderno, agora, seris 22 ver desse “outro” interno — 0 lugar da Nao-Razio reveiando em sua plenitude o lugar da Razio. Esso foi realmente 0 estatuto com que se apzesentou a “lou- cura”, por éxemplo, no pensamento Kantiano, o' de uma altetidade absotuta; comprobatéria da realidade do Sujeito"Auténomo, tal co- ‘Rio”Teferimios"winis “atrés," Jé emi Hegel, 0 par de oposigio se com plexifiga em vila estrutura éegmentar, em que 0 proprio louco é Tagar_de"uma parte Razéo © uma parto NioRazlo, desearolando-se . éSpirito com mais evidéncia a dinimica interior dos Sujel- ‘diz Swain: “Btant donné ce que je suis en tant qu’homme, je Sais exposé 2 Ja folie, la folie est mon “privilége”, .. on n’échappe 17 A esse respeito & muito esclarecedora a obra de Jeanmaire Dionysos Histoire du culte de Bacchus (1970). 18 ‘pas a Ie condition humaine pour étre fou. Quelque chose’au contrai- re de Is condition humaine s'accomplit dans Ja folie (Swain, 1977, p. 19). B s mesma autora quem aponta para a novidade dessa estratificagio” interior do Sujeito, comparando-a com a “novidade” do modelo freudiano, em que essa “estratificagio” so wompletaria pela nogio de um “desenvolvimento” interno, 8 cujos sinais se po- deria depreender uma propria “razio” da NiqRazéo. Outros processos concomitantes ao dessa ‘reflexiio sobre @ lou. cura tém sido anslisados por historiadores modernos. Aris se voltou_ or exemplo para o efeito de “privatizaco” envolvido no Fei GarconaTEpTy social Ga Ganga woderay (dba 1978); Fives as ‘ponie esclarecedore para a histéria das préticas modernas com ‘um tema fundamental do pensamento iluminista, © da oposigio en- tre “publico” e “privado”. Pois no’ bojo ‘da emiergéncia do Sujeita Politico (e mais uma vez. Rousseau 6 aqui sintomético), armou-se © esquema conceitual ca oposic&o entre 0 Individuo eo Estado, esmiugando-se nfo x6 as condigSes de instauragio legitima deste ‘timo, sempre segundo em.relacS0 ao Individuo, mas também os limites de sua ago tegltima. Limites fundamentzis no momento fem que se negava'a presminéncia do Todo societério ¢ em que sua reelaboragio inevitdvel se apresentava carregada dos perigos gravis- simos de redominacdo sobre os Sujeitos do Contrato. A elaboragio éa “religiéo civil” era assim uma solugéo de compromisso entre 0 engajamento © a lealdate eo novo grande Ente politico (no Guplo sentido analisado por Dumont, de “colegio de individuos” ¢ do “individuo coletivo” (Dumont, 1970, p. 33) e a preservagio da rea da liberdade individual, da esfera do privado. Como sintetiza Bellah: “The phrase civil religion is, of course, Rousseau’s, In Chap- ter 8, Book 4, of The Social Contract, he outlines the simple dogmas ‘of the civil religion: the existence of God, the life to come, the re- ward of virtue and the punishment of vice, and the exclusion of religious intolerance. All other religious opinions are outside cogni- zance of the state and may be freely held by citizens” (Bellah, 1967, p. 5), A.ciosa preservarao desse espaco privado 6 assim sum elemento ideoldgico genético em, relago 20 processo novecentista do. retra- menio progressivo das identidades sociais até os limites da familia nucleat, um dos dltimos refigios legitimos da hierarquia. ~ “TA demareagio_ desse fendmeno por Arite obi to esclarecedor na Histéria da Sexualidade-de"Foueault. 0" dexénval- Vimnghto 46 que ete autdr designa’ como 0 “dispositive da sexual dade’ @ coctineo com 0s processos que viemos apre ‘wmna preeminéncia articuladara. Com efeito, fortes homologies amar- ram a incitagdo ao falar sobre 0 sexo, a construgéo de um espago de reflexio impregnante sobre a sexualidade, com um voltarse sobre 8 natureza humana perceptivel na incorporacao iluminista do selva. gem; na construgio © perquirigao do estatuto da Razio ¢ da loucura (©, ‘naquela, dessa infinite segmentagio/dissecagéo das ““fungdes psicolégicas” ¢ seus processos adstritivos — 0 cognitivo, a imagina- ‘40, 0 emocional, a memdria, 0 contdgio, a hipnose, 0 magnetismo, tc.); na problemética do instinto, a que o Evolucionismo dera um foro privilegiado;no desenvolvimento acelerado de Biologia Humana, da Antropologia Fisica e da Medicina, no florescimento das terapéuti- eas e disciplinas (bem expressivo em Foucault (1977 b), a que esté associado esse campo da moderna Pedagogia, em que mais uma vez Rousseau, com o Emile, € precursor. —“prive e on da i is, a énfase discussiva nos fenémenos ena consirucio da sexualidade infantil (Foucault se detem, na His ria da Sexualidade, sobre os discursos a respeito da masiurbagao in- fantil, em que a preocupacdo “eugénica” pontifica), Entende-se, po- rém, nesse sparente emaranhado, © compromisso articulador desses discuss, essa Salas ea humana”, com 0 ptocesso abrangenté da “individualizeeio”, Assim como a nogéo de um “Di- réito” Natufal” Servirla B ordenagdo do modelo do Sujeito Politico moderno, ao desalojar a legitimidade da totalidade para a parte/ individuo, aqui essa procura — vasada em modelos ditigidos se- gundo miltiplas tendéncias, muitas absolutamente divergentes ¢ con- ‘raditérias — acentuava pela énfase no “fisico”, no “natural”, a propriedade do Sujeito moderno, livre (pelo menos virtualmente) das eias do “social”, reduzido a um epifenémeno de sua qualidade ‘ontolégica instauradora!®, Néo é episédico ressaltar o vinculo que une © proprio conceito do “‘individuo humano” nesse contexto com 0 modelo classificatério dos “individuos”/“espécies” que articula as nascentes Ciéncies Naturais®, 18 B dos mais interessantes exercicios verificar como, na propria tradiglo ‘antropolégica, essa telagio Neturezs/Individuo reponte com aitider, A (seola de "Cultura 'e Personalidade", com ‘la procure de “sexo” © “tentperamentos", & exemplar a este respeito. 18. 0 conecito de “indviduo em espéco" de, Feuerbach mereceia uma and sob esse prisma, aproveitando-se ax indicacGes de Dumont sobre a formas hibridas da “ideologia individualista” no pensamento alcmio. B de classificagées a0 modo naturalista temse realmente um | florescimento notével, seja no domininio da “loucura”, seja no da “criminologia”, seja no das “perversbes sexuais” Pode-se perceber 0 ‘quanto esse processo tem em comum com a questo da “originali- | dade” intrinseca a0 modelo do Sujeito modemo, desdobrando-se as | tabelas “universais” em tipologias inesgotéveis, porque comprometi- das com um dar conta da “‘iedividualidade”, do “singular” (em sea | duplo sentido). Uma “singularidade” que se nutre inclusive desse impulso classcat6ro do tecnlismo, correndoihe sempre a frente, | como para afirmar mais e mais sua preeminéncia enquanto Valor en- com ‘Ume dimensio fundamental dessu configuragio cultural € a da nova temporalidade, intrinseca, por exemplo, & idéia do Sujeito His- ‘6tico e conformadora de alguns aspectos do Sujeito Psicolégico a que nos dedicaremos mais aciente, As idéias j& aqui abordadas do “desenvolvimento”, da “evoluso” e da “revolugio” presidem a esse ‘ovo tempo — o tempo linear, aberto nas extremidades infinitas do passado © do futuro. Por oposigio 20 tempo mitico ou cfclico das sociedades tradicionsis — imerso numa causalidade totalizante — isos no Reino da Hist6ria como construgio “humana”, como ‘espago de realizapdo do Sujelto. Hist6ria, além do mais, em dois planos: a Grande Histéria da “Humanidade” e do “Sujeito Polltico” ¢ a Histéria Pessoal do Ego, consubstanciada no novo estatuto da biografia individual. Ambas, nas formaslimite do marxismo ¢ do freudismo, encontrando uma articulagio sistemétice em tomo dos principios do “desenvolvimen- to” © da “contradicéo” — corolérios da temporalidade linear © da segmentagto “individualista” ‘© pensamento freudiano expressa com muita clareza seu com- promisso com a grande tradigéo ocidental. O racionalismo, intrinse- ‘20 a0 procedimento de “pesquisa cientifica”” em que se desenvolveu 2 psicandlise, encontra af um grau de explicitagio raro nesse género de produgéo: E, mais do que isso, empenhase em demonstrar, em tuma série de textos Iapidares, a intima vinculagio entre as “desco- bertas” implicadas no seu. trabalho tedrico © os efeitos de conheci- ‘mento/revelagéo da vida humane, corporificados, significativamente, ‘numa negaséo da legitimidade moderna. da .Religido: “Nosso Deus, ‘Logos, atenderé a todos esses desejos que a natureza a nés externa 20" ‘Mayerson, om seu artigo “Le Temps, a. Mémoire, THiscire: (1956), ‘dotemse culdedosamente sobre essa eigeciticidade da temporalidade ‘rica moderna. 21 permita, mas felo- de modo muito gradativo, somente num futurp imprevisivel © para uma nova geragio de homens. Nio promete compensaséo para nés, que sofremos penosemente com a vida. No caminho pata esse objetivo distante, suas doutrinas religiosas tetio Ge ser postas de lado, por mais que 2s primeiras tentativas falhem OF gg Primos substitutes se mostrem insustentiveis” (Freud, 1974, Néo 6 possivel eprofundar aqui a anélise muito necesséria de todas as complexas pontes ¢ caminhos em que se desenha a dinimica intema da teoria freudiana e os efeitos de seu comprometimento com © espace de pensamento que a ensejou. Interessa-nos antes apontar Para os efeitos espectficos com que o seu discurso se integrou a Produséo da cultura ocidental, nessa yertente da constituigao do Sujeito moderno ¢ da internalizago do “sagrado” que propomos como via régia de esclarecimento do Valor encompassador do nosso individualismo, Diznos Rieff, em uma obra que sub-intitula esclare- cedoramente de “Uses of Faith after Freud”: “In sociological terms, Psychoanalysis became what we shall call the symbolic mode of “negative community”. It is held together by the analytic attitude, fas ‘most_moderns are who think too much about themselves... Psychoanalysis is its representative therapy in vontrast to classical therapies of commitment. Is is characteristic of our culture that there is no longer an effective sense of communion, driving the in- dividual out of himself, rendering the inner life serviceable to the order. This has led to cultural artifects like psychoanalysis, devised primarily to protect the outer life against further encroachments by the inner and to minimize the damage caused by disorders among the parts inside. When so Kittle can be taken for granted, and when the meaningfulness of social existence no longer grants an inner lif ‘at peace wit , every man must become something of a geni about himself” (Rieff, 1968, p. 32). cae. Esse.‘symbolic.mode of negative community” fornecido pela psicandlise se fonda. no pressuposto nunca relativizado da preemi- do. individuo, nfo s6.da_ponto. de. vista I6gico, mas, também genético, imbricandaws detal forma em seu. modelo do paralelismo filogénese/ontogénese ques. analogia com os discursos.miticos tem sido, freqientemente apontada*, Com efeito, tanto a Horda primeva 21 Lacan, por 6 bem explicito & esse int SLI AagRE ftom pulcta en repeuo na tudo a su 2 quanto a Famflia instauradora, de cuja arbitrarledade cultural trata- ram tantos criticos, dificilmente podem ser lidas enquanto “‘realida des” observéveis, mas engvianto. “modelos” ‘de uma condigSo huma- nna que nega qualquer causalidade ao todo social ¢ tem assim que elaborar esses arbitrérios casulos da. eclosio do Sujeito — do de- senvolvimento pessoal e da “espécie” humana, O que evoca inevi- tavelmente_o. dito.de LéviStrauss.de.que‘‘nas sociedades mecdni- cas nao hé mais lugar para 0, tempo mitico.sendo.no proprio homem’”* (LéviStrauss, 970). Ocorre, no entanto, uma hibtidizago mais uma vez paradoral entre esse tenipo mitico © o tempo'linear implicito na idéia de “de- senvolvimento” — fonte aligs de uma das maiores ambigtidades da teoria freudiana: a do estatuto da evolucdo filogenética em sua in- ‘eragéo com a evolucéo ontogenttica dos: Sujeitos modernos, © ponto mais fundamental. de-ancoragem da temética freudia- ha com o campo de. sacralizacéo dos Sujeitos ¢ certamente 0 da instauragdo_dessa_causali interior, do instinto sexual. Ponto onde s¢ articulam os temas antes acomipanhados da “natu- reza Humana” — implicito na.categoria “instinto” — ¢ da dade”. £ desnecessério relembrar a forte valoragéo atribufda a libi- do como fonte da legitimidade do Sujeito” A ‘propria vida social, em todas suas manifestagses, € explicada pela invocaco desse novo nana, como deixa bem claro um texto como 0 da Psicologia de Grupo ¢ Andlise do Ego (Freud, 1976), voltado para a formulacio privilegiada da ideologia individuatista ao pensar o social: as mas- sas, as multiddes, os grupos (de adesio), ete. Do mesmo modo, as anélises das biografias de génios (vejase 0 privilégio © jungdo de dois temas para cuja essenciatidade apontamos), onde a manifeste- ‘¢f0 divina toma a forma da manifestagio da libido — constituindo ‘uma nova hagiografia. Também aqui nfo é cpis6dico lembrar a forte atracdo de Freud por Goethe — um dos autores paradigmé- ticos da tredicao individualista do Bildung. Essa sacralidade profena’da libido pode ser melhor compreen- dida ao nos determos na comparacio de sua formulacéo com a da teoria do Eros de Platéo expressa no Banquete. E o proprio Freud ‘quem o invoca aliés, acentuando 0 aspecto de continuidade do amor como principio totalizante. Em Platiéo, no entanto, 0 fluxo de Eros 2 se dé enquanto manifestaggo de uma totalidade encompassadora de deuses, homens ¢ coisas, enquanto em Freud esse fluxo parte dos indivdiuos ¢ mantem neles — em eeu innerself — um sentuério universal, Essa “mitologie” tem evidentemente a sua face “ritual”, con- substanciada sobretudo na “‘sessio psicanalistica”. A esse respeito, acumulam-se_as indicagées de Foucault ¢ de outros autores, a0 acen- ‘uarem a importinela. do_processo do “exame de conscidncia” que, no limiar da Modernidade, parece avancar um trajeto internalizante i instit 2 porém sob a forma sistemética do processo ftico que esse mecanismo adquire ‘uma forma plenamente “profana”, substituindo-se ao Deus ético da Reforma e do Iluminismo a entidade “absc6ndita” mas “cognosci- vel” do inconsciente, Acresce o caréter primordialmente “indivi- dual” dessa relagdo — em que a “privatizego” assume uma forme extremada e inarredével (haja vista 0s continucs embsragos das chamadas “terepias de grupo” e “terapias de familia”) £ significativo dessa re-totalizaglo 8s avessas empreendida pelo freudismo que uma de suas sub-correntes (quase dirfamos “‘here- sias”) — a da obra de Jung — tenha-a explicitamente re-sacralizado incorporando- em um discurso comprometido com a esfera do “religioso”. Vejase que um t6pico fundamental dessa corrente — 0 do “inconsciente coletivo" — se desenvolveu nitidamente « partir daquele tema da “evolusio filogenética”, para cuja ambigiiidade em termos do estatute do novo Sujeito apontiramos. tudo”o “religioso”. Sérvulo Figueira deteve-se na discussio desse ema, SORE pool oo Sopa Te Lévi-Strauss ¢ Peter Borger €de Castel € Foucault em_dols artigos. esclarecedores (Figueira, 1978.0 © By-Prostraverss acentuar. af. limitagio das colocagdes de Lévi- Strauss © Castel em que @ chama recionalista vinha denunciar os efeitos de obscurecimento pretensamente produzidos pelo consumo modemo ds psicantlise, acentuandose a maior explicabilidade das anélises de Berget ¢ Foucault, onde o discurso psicanalitico se via Pe ¢ contextualizado no espago central do pensamento mo- 24 VII — CONCLUSAO “A tendéncia evolucionista é bem marcada em toda esta teoria e mosira-se claramente através da crueza materia- Iistica, aquilo que Preuss chamava de Urdummbeit, impu- tada & religido do homem primitivo, assim colocando 0 ‘concreto, por oposig&o ao espiritual, no comego do desen- volvimento; e também por enfatizar excessivamente 0 ca- rdter social (por oposicio a pessoal) das religides iniciais; tudo isto revela a suposigao bésica de todos os antropé- logos vitorianos, qual sefa a de que as religides mais pri- mitivas em pensamento e costumes deve ser 0 seu con- trério ¢ antipoda, sendo a religido destes antropdlogos {e de sua época) vista como uma espécie de espirituali- dade individualista” (nossos grifos) Evans-Pritchard, 1978, p. 77. 0, luge. sentido, do religina’~ no ividuelista. deve portan'o sbercar um em.quea psicandlise detem um ‘Tiger egeménico. Poderse-la, mesmo invocar 0 im- fividualista (vimolo em ago sob as erfticas ia i mifender a produgfo de uma “resisténcia’ tanto maior quanto maior for a disseminagio do discurso psicanalf- tico e quanto maior parecer sua pretensso de retotalizagio (ainda que paradoxal), Nao seria dos menores sintomas desse mecanismo © freqiente desprezo A iluminaséo psicanalitice em nome da pre- fervagto da especificidade iredutibilidade das experitcies ind ‘viduals dos Sujeitos. Repetirse-ia aqui — e manipulando a defese a mesma “singularidade” implicita na ideclogia de “criatividade moderna — @ incitagio A produgio do “

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