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Rodrigo R.

Gonçalez Ano de Impressão: 2017

NÃO É SOBRE VOCÊ!


A Glória de Deus em Tudo!

Um livro sobre a glória de Deus.

Rodrigo R. Gonçalez
2017

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

AGRADECIMENTOS

Ao Soberano Senhor, que me amou eficazmente, desde antes


da fundação do mundo, salvando-me dos laços de morte do pecado,
sem eu O desejar ou O buscar, e atraiu-me para si, por meio da
irresistível Graça;
À minha esposa Analli, por sua dedicação, oração e paciência a
mim, como seu esposo, e à nós, como família;
Aos meus pais, por tudo, e por sempre depositarem suas
orações em meu favor diante do Pai Eterno.
A todos os irmãos e irmãs que intercederam pela minha vida
durante essa caminhada até aqui; cada palavra neste livro, se
exaltam e glorificam ao Eterno, foi por vossas orações que brotaram
de mim por intermédio do Espírito Santo, que vos ouviu e
generosamente concedeu-me a graça de concebê-las.

“Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e


riquezas,e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças”
(Apocalipse 5:12).

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MEU REI ETERNO

Deus meu, amo-te;


Não movido pela esperança ligada ao céu,
Nem por não perecer eternamente aquele que te ama.
Tu, meu Jesus, enlaçaste-me no abraço da cruz;
Suportaste por mim pregos e lança e desgraça sem fim.
Por que, por que então, bendito Jesus Cristo, não haveria de
amar-te assim?
Não pela esperança de conquistar o céu, nem do inferno
escapar;
Não com a esperança de coisas pequenas alcançar, nem
recompensa buscar;
Porém, do modo como me amaste, ó Senhor, eternamente
amado!
Amo-te assim, e amarei, e em teu louvor cantarei;
Pois Tu somente és meu Deus, e meu Eterno Rei.

[Poema latino anônimo do século 17 traduzido para o inglês


por Edward Caswall]

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Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................ 7
CAPÍTULO I: A IRA SANTA DE DEUS REVELA A SUA GLÓRIA........................................................ 29
1.1. O Princípio do Pecado. ................................................................................................................. 34
1.2. O Pecado é Culpa Nossa.................................................................................................................... 39
1.3. A Depravação Total. .......................................................................................................................... 43
1.4. Um Deus Irado e Misericordioso..................................................................................................... 46
1.5. Deus Dispara as Flechas de Sua Ira................................................................................................. 49
1.5.1. A glória de Deus é exaltada no grande dilúvio, quando Deus derramou a Sua ira sobre
uma Terra corrompida e maculada por tanta devassidão. .............................................................. 49
1.5.2. A glória de Deus é exaltada na destruição total das cidades de Sodoma e Gomorra, as
quais eram prósperas e belas, mas que estavam contaminadas pela depravação humana........ 50
1.5.3. A glória de Deus é exaltada na libertação dos cativos hebreus que pereciam há 400 anos
sob o governo escravista de Faraó no Egito Antigo - nação que conheceu a ira de Deus por sua
desobediência. ....................................................................................................................................... 53
1.5.4. Deus é glorificado por punir os pecados de Israel, usando os assírios como vara de Sua
santa ira. ................................................................................................................................................. 57
1.5.5. Deus é glorificado por punir os pecados da Assíria, usando outros povos para destruí-la
por completo, por ela ser uma nação sedenta por sangue e idolatria. .......................................... 62
1.6. O Pecado Nos Torna Inescusáveis. .................................................................................................. 64
1.7. A Sede Pelo Cálice da Ira Divina. ..................................................................................................... 69
CAPÍTULO II: A SALVAÇÃO RESPLANDECE A GLÓRIA DE DEUS. ................................................. 71
2.1. A Salvação Predeterminada – O Decreto da Eleição Incondicional. .......................................... 73
2.1.1. Deus é o autor do Pecado? ......................................................................................................... 77
2.2. A História da Salvação é a Glória da Soberania de Deus. ............................................................ 79
2.2.1. Deus na Berlinda? ...................................................................................................................... 81
2.3. A Soberania de Deus na Salvação. .................................................................................................. 83
2.3.1. A Eleição Expressa a Soberania de Deus................................................................................. 85
2.3.2. E a salvação para todos? ........................................................................................................... 95
2.3.3. A Eleição e a Responsabilidade Humana. .............................................................................. 98
2.4. Deus é o Único e Soberano Autor da Salvação. ........................................................................... 102
2.4.1. A Deus Aprouve Realizar a Salvação Segundo os Seus Propósitos Eternos. .................... 104
2.4.2. Os Planos de Deus São Perfeitos e Infalíveis. ...................................................................... 107
CAPÍTULO III: A CRUZ DE CRISTO É O REFLEXO DA GLÓRIA DE DEUS. ................................. 112
3.1. O Preço da Redenção....................................................................................................................... 112
3.2. A Substituição na Cruz. .................................................................................................................. 116
3.5. Uma Vida Perfeita e Substitutiva. ................................................................................................. 120
3.4. Expiação e Propiciação. .................................................................................................................. 127
3.5. A Justificação Pregada na Cruz. .................................................................................................... 134
3.6. Adotados pela Cruz. ........................................................................................................................ 141

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3.6.1. Uma Herança Celestial – Expondo a Teologia da Prosperidade. ...................................... 143


CAPÍTULO IV: AS ESCRITURAS EM SI SÃO A GLÓRIA DE DEUS.................................................. 150
4.1. A Veracidade Absoluta e a Suficiência das Santas Escrituras. .................................................. 154
4.2. A Inerrância da Palavra de Deus. .................................................................................................. 163
4.3. Aparentes Contradições. ........................................................................................................ 168
4.4. A Plena Veracidade Bíblica. ........................................................................................................... 173
BIBLIOGRAFIA (Principais)..................................................................................................................... 176

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INTRODUÇÃO

Quantos evangelhos existem? Ou, quantas “boas-notícias”


existem para você?
Medite atentamente nessas breves perguntas, e prontamente
você responderá que há vários evangelhos. Diríamos, incontáveis.
Muitos deles prometem a salvação das mais variadas formas
possíveis – e impossíveis – de serem realizadas. O problema é
responder que tipo de salvação seria essa, ou se ela seria mesmo
necessária, uma vez que não possui um objeto final ou causal. As
pessoas não sabem se realmente precisam ser salvas, ou se precisam
ser salvas de si mesmas, de suas imperfeições, inquietações e
inadaptações. Ou mesmo se precisam ser salvas é de todas as outras
pessoas piores do que ela. Ou, serem salvas das dívidas, ou de um
trabalho fatigante e desleal.
Para outros, o seu evangelho é um método de sucesso para se
alcançar um objetivo pleno nesta vida. Que dirá Joel Osteen, Benny
Hinn, Mike Murdock, Keneth Hagin e todos os outros pregadores
propagandistas da prosperidade, segundo o que eles julgam
entender das Escrituras, que usam Deus como um amuleto precioso
pendurado no peito, reluzindo conquistas e benefícios pessoais.
Nesse contexto, o evangelho dessas pessoas é um trampolim para a
eterna felicidade e deus é um cãozinho adestrado, domável, não
dócil, mas prontamente amável se você souber dizer as palavras
certas nas oportunidades certas. É simples amansar um deus que
precisa apenas de sua fé como um pensamento positivo de que tudo

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vai funcionar, tudo vai dar certo, ainda que tudo esteja em ruínas,
caindo aos pedaços.
Esse deuszinho domesticável nos leva a negar a realidade
corrompida pelo pecado, de que a criação geme profundamente com
terríveis dores de parto, clamando por redenção. Mas, isso não
importa, deveras. Para esses adestradores de deuses, basta pensar
no sucesso e na plenitude que a realidade será transformada por um
poder que é inerente a você. É muito comum nesses modelos
filosóficos crer-se que o universo trabalha a seu favor se você
conhecer as suas leis e aplica-las à sua vida.
Quanta bobagem!
Essa blasfêmia humanista, antropocêntrica e reducionista,
incentivou-me a escrever este livro.
O apóstolo Paulo deixou bem claro que existe um único
Evangelho, uma única Boa Nova, propagada por ele e os demais
apóstolos, que constitui o alicerce doutrinário sobre o qual o edifício
da Igreja é construído durante a história. Qualquer outro que pregar
uma outra notícia que não seja a Boa Notícia, ainda que seja um
anjo do céu, ou seja, um Evangelho diferente daquele que eles
foram solenemente incumbidos, estes são chamados de malditos
(Gl. 1:8,9). Não há espaço para novas revelações, novas
admoestações, novas escatologias. A Boa e Velha Notícia da
salvação é sobre o que Deus fez, por amor do seu santo Nome,
exclusivamente para o louvor da sua glória e a alegria dos seus
eleitos.
Busco, portanto, em fraquezas, discorrer um pouco sobre essa
glória explanada nas Santas Escrituras, por meio de um de um

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estudo sistemático sobre a soberania de Deus na salvação


segundo a Teologia Reformada (ou a soteriologia reformada).
Escrevê-lo é parte do compromisso em explanar a glória de Deus
revelada nas Santas Escrituras e exposta de maneira tão exaustiva e
meticulosa pelos grandes teólogos no decorrer da história da Igreja,
os quais possuem a preocupação, como a dos apóstolos, em
sustentar a fé cristã e a sã doutrina em meio a uma cultura
corrompida. Tal "glória”, do hebraico kabod e do grego doxa, pode
ser interpretada etimologicamente com o significado de "peso,
grandeza, abundância" e no uso geral transmite a ideia de "Deus em
sua plenitude". Observem que tais palavras, ainda que belíssimas de
significado, não alcançam de fato a plenitude divina. De fato,
nenhuma palavra de nosso vocabulário é suficiente para alcançar a
glória de Deus. Fracamente, balbuciamos tais palavras na tentativa
de expressarmos algo estrondosamente maravilhoso e belo,
inatingível em todas as línguas que professamos.
Que fique, portanto, sublinhado durante as páginas deste livro,
que todas as vezes que aparecer referências à glória de Deus, isso
implica naquilo que Ele é: uma alegria plena e convicta satisfação
em si mesmo; um Deus pessoal perfeitamente santo, justo e
amoroso, Criador por misericórdia; do qual fluem rios de graça com
um volume insuportável pelo universo, que nem mesmo explosões
de supernovas alcançariam exemplos dessas enxurradas de graça
sobre o cosmos, em suma, sobre a criação.
Se foi possível escrever algo com este aprendizado, de qualquer
forma, se assim foi-me revelado essas verdades bíblicas e as
enxerguei de forma tão plena, devo-as única e exclusivamente a

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Deus, que me tirou dos olhos as escamas e permitiu que estivesse


apoiado sobre ombros de gigantes. Nada vem de mim, do meu
intelecto ou da minha capacidade de raciocínio, pois “pela graça de
Deus sou o que sou” (1 Co 15:10). Tudo provém de Deus, por Deus e
para Deus, a fim de que Ele seja, em tudo, glorificado. Que essas
palavras possam, em sua totalidade, glorificar ao único que é digno
de toda honra, glória e louvor pelos séculos dos séculos: ao Senhor
Jesus Cristo! Amém!
Por esse motivo, devo necessariamente concordar em todos os
mais intrínsecos aspectos com Charles H. Spurgeon quando ele
afirmou: “Um pensamento me tocou: ‘Como você veio a ser um
Cristão?’ Eu vi o Senhor. ‘Mas como você veio a buscar o Senhor?’
A verdade lampejou por minha mente em um momento, eu não
poderia tê-lo buscado a menos que tivesse havido alguma
influência prévia em minha mente para me fazer buscá-Lo. Eu
orei, pensei eu, mas quando perguntei a mim mesmo, como eu vim
a orar? Fui induzido a orar pela leitura das Escrituras. Como eu
vim a ler as Escrituras? Eu as havia lido, mas o que me levou a
assim proceder? Então em um instante, eu vi que Deus estava na
base disto tudo, e que Ele foi o Autor da minha fé, e assim toda a
doutrina da graça se tornou acessível a mim, e desta doutrina eu
não me afastei até hoje, e desejo fazer desta, a minha confissão
perpétua: ‘Eu atribuo minha conversão inteiramente a Deus’”.
Spurgeon ficou maravilhado diante do fato de que somente ao
Senhor Deus pertence a salvação e que as Escrituras refletem a sua
glória em tudo o que foi criado. E nisso glorificamos a Deus,
alegrando-nos Nele e gozando-O para sempre (Catecismo Menor de

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Westminster). Creio que não apenas para Spurgeon ou para os


demais teólogos reformados, mas para mim, em especial, foi a
descoberta teológica mais importante da minha vida. Trouxe-me a
total consciência da eterna dependência da vontade soberana de
Deus a que tudo no universo está submetida, principalmente os
seres humanos – incluindo a salvação e tudo o mais. Isso
possibilitou-me escrever livre e alegremente sobre a plena soberania
de Deus em todas as coisas, em Cristo, por Cristo e para Cristo.
Assim como a leitura saudável das Escrituras remete-se total e
unicamente a Cristo para a glória do Pai, assim todo trabalho escrito
gera certa expectativa ansiosa na pessoa ávida por uma boa leitura.
A boa leitura deste consiste exatamente em não falar de você. Ele
não é sobre você no sentido de que nele você não encontrará
fórmulas de como viver melhor ou viver bem. Não é um trabalho de
fraca autoajuda. Em suas páginas não serão escritos os passos para
a prosperidade ou a conquista financeira, de como você poderia
ficar ainda mais rico. Também não serão descritos alguns tópicos de
como conquistar um casamento “na presença de Deus”; ou sobre
métodos de cura interior ou fórmulas de conquistas; como construir
mega-luxuosos-templos ou fazer seu ministério crescer pela
quantidade de “membros”, baseados em versículos isolados do
contexto bíblico e técnicas de gerenciamento empresarial. Na
realidade já estamos fatigados de tanta literatura e mídias que se
utilizam da Bíblia para expor um pseudo-cristianismo deturpado
que visa o sucesso pessoal e a inflamar o decaído ego humano em
sua soberba.

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O autor do trabalho que o escreve é fraco, totalmente


dependente da revelação contida única e exclusivamente na Palavra
de Deus. E, até o momento, foi-me revelado apenas o essencial da
Sola Scriptura (somente a Escritura): a glória de Deus. O
suficiente. Em tudo. Todas as coisas, visíveis ou não, exalam o
perfume dessa glória, em Cristo Jesus, nosso Senhor. Desde o
nascimento de uma flor, até a formação de um código genético, de
um elétron que se torna um fóton ou além das galáxias e explosões
de supernovas. Até o atingir um pecador. O ápice da revelação da
glória divina. De acordo com o pastor norte americano John Piper,
“o supremo valor do universo é a glória de Deus”.
E não vejo porque escrever sobre outra coisa senão a glória de
Deus. Seria perda de tempo. Tanto para o escritor, como para o
presente leitor. Por que escrever ou pregar sobre outra coisa senão
sobre a glória de Deus?
Entretanto, escrever sobre essa maravilhosa glória divina não é
tão simples. Apenas pensar em tal glória destrói completamente o
nosso ego e a nossa fracassada tentativa de procurar palavras a fim
de expressá-la. Não poderia fazê-lo por mim mesmo. Nossa fraca
mente não pode alcançá-la. Como mensurar tal glória? Como
descrevê-la colocando-a em uma caixa de sapatos de um fraco
trabalho, como este, de algumas poucas páginas? Como imaginar tal
glória na criação dos céus e da terra, na formação do homem e de
todas as coisas? Como tentar descrever a glória de Deus na salvação,
na substituição, na justificação, na redenção, na expiação? Como
compreender essa maravilhosa glória de Deus Pai em Cristo Jesus,
nosso Senhor? Como visualizar essa glória em uma rude cruz,

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manchada de sangue, do Salvador do mundo? Como contemplar


essa glória de Deus na loucura do Evangelho?
Simplesmente, seria impossível conjecturar sobre tal glória, se
não fosse a Palavra de Deus escrita, inspirada pelo Espírito Santo.
Esta deixou-nos inescusáveis com relação à ignorância da glória de
Deus. Hoje, constata-se, em diversas pesquisas, que a Bíblia
Sagrada é o livro mais vendido do mundo. Consequentemente,
devemos indagar que é o mais lido também. Há uma diversidade
muito grande de traduções e modelos com estudos, comentários,
notas, mapas e informações que permitiriam a um cristão estar apto
a responder instantaneamente a razão de sua fé. E, principalmente,
dar a glória devida unicamente a Deus por todas as coisas.
Mas, infelizmente, não é isso o que estamos contemplando.
Vivemos no “medievalismo” do conhecimento de Deus em pleno
século XXI, onde ironicamente Sua Palavra tornou-se o livro mais
comercializado do mundo. E, quando me refiro ao “livro”, digo
exatamente mais um “deles”, bem elaborado, com diversos modelos
de capas e folhas variadas fechadas no padrão de produção mundial
e vendido por diversos preços nas mais variadas promoções.
A “Idade das Trevas”, na qual estamos inseridos, entorpeceu o
conhecimento divino pelo existencialismo relativista das coisas
fúteis. Nosso presente século assola a mente humana, castiga-a e
escraviza-a de forma a tornar o homem cego para as verdades de
Deus. Nossa consciência está enlatada em programas humorísticos
transmitidos em larga escala que fazem piada da desgraça e da
tragédia humanas. A internet e suas redes sociais enclausuraram a
humanidade em frente a um monitor multicolorido e vibrante de

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milhões de pixels de expectativas de relacionamentos superficiais,


do fácil acesso à pornografia, à pedofilia e às piores depravações do
coração humano. Afinal de contas, falar mal da vida do outro e ficar
focalizado no que o outro fez ou deixou de fazer deixou de ser
“fofoca” ou “mexeriqueiro”, mas sim compartilhamento. Os
relacionamentos são superficiais, passageiros, corriqueiros,
interesseiros, movidos pelo fogo incontrolável dos desejos pessoais
mais egoístas.
A mente humana do século XXI é agitada, ocupada, pré-
ocupada, ansiosa, estressada, vitimada. Dívidas, preocupações,
conhecimento, trabalho, família, dinheiro, sucesso, descanso,
casamento, estudos, tecnologia, política, corrupção, diversão,
esporte, etc. Um mundo interconectado, no qual a grande maioria
das pessoas esforça-se para viver suas vidas e estão de certa forma,
em grau maior, ou menor, conectadas com outras diversas.
São tantas distrações e milhões de informações e
responsabilidades a serem processadas e cumpridas, que o dia de 24
horas se tornou curto, o ano de 365 dias passa rápido demais e uma
vida de 80 anos é momentânea e corriqueira, no mínimo sem
proveito para suprir todas as necessidades do homem atual,
desesperado por viver-bem-vivido. Carpe diem, seria a expressão
tão almejada de uma vida plena de felicidade, domínio pessoal e
estabilidade relacional consigo mesmo com o Universo – escrito
aqui propositadamente de forma personificada.
Logo, grande parte da população mundial não possui tempo
necessário para a introspecção de sua deplorável condição de
depravação total, ou seja, de que o seu pecado a aflige por inteiro.

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Tais pessoas não têm muito tempo, ou tempo algum, para refletirem
sobre o Eterno Deus, o único Deus verdadeiro, criador dos céus e da
terra, O qual estendeu deliberadamente Sua graça salvífica sobre os
eleitos a fim de salvá-los e livrá-los da ira vindoura. Por amor, o Pai
nos transportou das trevas para a maravilhosa luz do Reino de Seu
Filho, em amor.
“Mas, esse é um assunto antigo. Precário. Desatualizado.
Despido de interesse, por estar nu em poder ou benefícios pessoais”.
Em verdade, Ele nunca foi tão atual como o momento a que
chamamos já! Deus é o mesmo ontem, hoje e será eternamente. A
verdade absoluta de Deus não sofre as corrosões da “oxigeneidade”
da brevidade do tempo. O Soli Deo Gloria (somente a Deus seja a
Glória) ecoa desde o princípio do cosmos, ou como os físicos
teóricos dizem atualmente, desde a Grande Explosão, ou do Big
Bang. Seja lá como eles queiram chamar, em Gênesis 1:1, “No
princípio, Deus...”, é uma verdade imutável e destruidora de
filosofias que buscam enterrar de uma vez por todas o Deus
Soberano.
Com o avanço tecnológico, o antigo passou a ser considerado
relíquia, descartável e não-usual, digno de um museu ou de um
colecionador. O novo é sempre mais atraente, belo, dinâmico, veloz,
multifuncional e eficiente. O antigo é usado, feio, lento, possui
funções limitadas e ineficientes para suprir as necessidades do
mundo globalizado. Não diferente dos aparatos eletrônicos,
automóveis e computadores pessoais, a humanidade descartou a
Verdade das Santas Escrituras por considerá-las frágeis ante uma
época tão avançada e evoluída. Prova disso é que as próprias igrejas

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que se utilizam da Bíblia Sagrada como regra de fé e prática


adaptaram-na à Era Pós-Moderna de forma que Suas palavras
ficassem mais acessíveis às necessidades das pessoas.
E, quais seriam essas necessidades? Comprar, comer, beber,
casar, dar-se em casamento, curtir, trabalhar e se divertir. Logo,
preguemos o evangelho das "boas-novas" de como conquistar o
mundo, da independência financeira, desfrutar do melhor que se
tem para oferecer, amar as pessoas para tirar um "peso" das costas,
verdades relativas, opiniões lúcidas e não contraditórias, felicidade
a qualquer custo e elevada auto-estima.
A Palavra de Deus deixou de ser “viva e eficaz, e mais
penetrante do que espada alguma de dois gumes, e [que] penetra
até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta
para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4:12).
Ou seja, deixou de ser uma palavra cortante, que esmiúça o ego
humano, destrói toda jactância e altivez, fere o pus do pecado
original encoberto no coração humano, fazendo-o enfermar de dor
pela sua total depravação ao ponto de a pessoa ferida gemer como
que a beira da morte a buscar desesperadamente a salvação que
pertence exclusivamente a Deus. Antes, a Escritura Sagrada tornou-
se um bom e extenso livro de auto-ajuda, de estratégias
empresariais e de marketing, de como conquistar o mundo, de como
vencer na vida, ser próspero – no sentido de tornar-se um
milionário ou um grande empresário de sucesso -, ser influente,
conveniente e famoso.
O grande livro de “receita de bolo de Deus” é amplamente
aplicado no servir ao homem e para o homem. Ir a um culto, numa

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igreja que se diz evangélica hoje, é sentar-se para ouvir uma palestra
motivacional de como ser um vencedor e utilizar-se do santo nome
de Cristo como uma fórmula mágica para vencer suas debilidades
emocionais e de preparo. Ao sair de tal culto, a pessoa deve estar
plenamente feliz, curada e satisfeita consigo mesma. E, ai se não
estiver feliz! Ai se não for curada! Ai se tal culto não lhe atendeu em
todas as suas expectativas! Vai falar mal do pastor, do ministério de
louvor, da irmã ou irmão que se sentou ao lado e não deixou que
assistisse ao culto, ou mesmo do som que parecia estar muito alto,
ou baixo demais. Plena insatisfação pela não aplicabilidade urgente
do sermão em suas breves necessidades.
Esse tipo de religiosidade gira em torno do que o homem é
capaz de fazer, os quais quantificam sua magra justiça de forma
mensurável com o objetivo de obter ou não o louvor de Deus. Esse
tipo de religião diz respeito a obter coisas de Deus. Como
consequência, esse pseudo evangelho da religiosidade oferece aos
seus fregueses um jesus que o tornará sempre saudável, rico, feliz e
bem-sucedido em tudo o que você fizer. Nesse tipo de religiosidade,
deus mais se parece com um mordomo pronto a servi-lo naquilo que
você entende ser a sua necessidade imediata. Porém, o Evangelho
bíblico é sobre Deus, o nosso único e verdadeiro tesouro, e afirma
que por Ele devemos anelar, a Ele devemos ansiar, em toda e
qualquer circunstância, que sejamos pobres ou ricos, saudáveis ou
enfermos, saltitantes de alegria ou em rios de lágrimas. Deus, o
nosso maior e mais belo objeto de amor, louvor e ações de graças.
Mas, no cenário atual, muitos pastores e líderes cristãos estão
engajados no sucesso de seus ministérios e de suas mega-igrejas ao

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ponto de buscarem em todo tipo de literatura maneiras de como


serem mais agradáveis e adaptados à cultura. São livros de liderança
seculares, pseudo psicologias cristãs, formas de oratória e de como
administrar suas igrejas como grandes empresas. Quando o mundo
lança na face da igreja evangélica o slogan “pequenas igrejas,
grandes negócios”, a liderança se ofende e se torna enérgica quanto
a tais comentários. Porém, estão simplesmente cuspindo na face dos
que afirmam ser evangélicos aquilo que eles mesmos têm buscado.
E isso tem afastado as pessoas sedentas por salvação de onde
poderiam de alguma forma encontrá-la se ali fosse pregado o
genuíno Evangelho da cruz de Cristo.
Muitos líderes, senão a maioria, desejam “ganhar” as pessoas
que estão no mundo adaptando as suas mensagens com o teor e o
aperitivo mundanos. Alguns estão perdidos doutrinariamente, e
outros o fazem por falta mesmo de caráter e pura ambição. O
objetivo final não é tornar-se como Cristo, e buscar adequar-se à
Palavra de Deus de forma a alcançarem a estatura do homem
perfeito. A maioria dos líderes eclesiásticos venderam o seu direito
de primogenitura por um prato frio de lentilhas. Venderam a si
mesmos e suas lideranças ao pragmatismo cultural, ao sucesso e ao
louco desejo de sucesso e fama. Em suma, são ímpios não
convertidos por Deus, não regenerados, que veem no Evangelho
uma oportunidade de se darem bem enganando e sendo enganados.
São indesculpáveis. Não existe a inocência ou a ignorância quando o
assunto é transmitir e viver o Evangelho de Deus. Antes, os
voluptuosos desejos dos seus corações os levam à plena ruína que
eles tanto almejam, longe do seu Senhor.

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Uma igreja que se diz evangélica, que afirma professar a


genuína fé cristã, baseada na doutrina dos apóstolos, jamais poderia
permitir que tais coisas a influenciassem. Mas, infelizmente, este é o
cenário que estamos contemplando. Nossa igreja manquejante está
infectada pelo vírus do mundo e o remédio inoculador da
enfermidade está guardado nos fundos do armário de seu banheiro.
Empoeirado. Deixado de lado. Bom é que o sangue de Jesus Cristo
não tem validade e tem todo o poder! Basta que povo de Deus, que
se chama pelo Seu nome, humilhe-se, e ore, e busque Sua face e se
arrependa dos seus maus caminhos, pois então o Senhor ouvirá dos
céus, perdoará os seus pecados, e sarará a sua terra (2 Cr 7:14). Não
há limites para o perdão de Cristo. Não há como enjaularmos a
salvação de Deus numa grade com cadeados. Mas há como o
homem negar-se a se humilhar diante do Deus Todo Poderoso. Esse
é o câncer humano.
Na realidade, esses problemas que ocorrem na igreja atual não
são atuais. E ocorrem por falta da amedrontadora palavra Teologia,
a qual implica necessariamente em ortodoxia e doutrina. De acordo
com Joshua Harris, “ortodoxia significa necessariamente pensar
corretamente sobre Deus. É o ensino e a crença baseada nas
verdades da fé, amadas, estabelecidas e provadas. Doutrina
significa simplesmente ensino cristão”. Tanto a ortodoxia cristã,
como a doutrina, prostram-se diante de Deus e atribuem-lhe glória
exclusiva!
Porém, desde o princípio do estabelecimento da igreja
primitiva, alguns que se diziam cristãos tentavam semear ideias que
não correspondiam à sã doutrina dos apóstolos. Estes, postos como

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fundamentos e defensores da fé cristã, atacavam os inimigos


ideológicos de Deus com veemência, não gritando nas ruas ou
discutindo com grosserias, mas sim escrevendo documentos –
cartas – às igrejas como escritos oficiais de ortodoxia, instruindo
seus líderes a batalharem pela fé, mediante a pregação do genuíno
Evangelho de Deus.
Por exemplo, podemos citar os ensinos contidos nas cartas de
Pedro – o qual pregava o Evangelho principalmente aos judeus - e a
sólida teologia do apóstolo Paulo – o qual anunciava a Palavra de
Deus principalmente aos gentios. Ambos, em suas cartas, deixavam
bem claro aos líderes cristãos e à membresia das igrejas a não se
deixarem influenciar por ventos de doutrinas – ensinamentos vãos
que não provinham da Palavra de Deus - e a fundamentarem sua fé
única e exclusivamente nas palavras ensinadas por eles - então
constituídos por Deus apóstolos de Cristo e do Evangelho.
A maior preocupação de Paulo em sua exposição do Evangelho
era exatamente deixar bem claro os ensinamentos intrínsecos que
recebera de Cristo, a fim de que os então eleitos a esse Evangelho
não tivessem do que duvidar de sua fé ou questionar pontos
aparentemente conflitantes das Escrituras. Quando à beira de sua
morte, preso pela segunda vez em Roma, capital do algoz império da
época, escreveu sua segunda carta a Timóteo de uma masmorra
úmida, fria, escura, fétida e angustiante. Diz-se que uma pessoa
presa ali poderia sair apenas de duas formas: leprosa ou mártir.
Timóteo era então seu filho na fé, e líder de uma igreja complicada
em Éfeso, permeada por falsos mestres e falsos ensinamentos. Logo,
devemos levar em muita estima as últimas palavras de um gigante

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

da fé, considerado o maior teólogo, pastor, missionário e plantador


de igrejas do cristianismo.
Temeroso que o jovem Timóteo talvez pudesse sucumbir às
pressões dos anciãos daquela igreja, Paulo o exorta e estimula a
defender a fé cristã e a ensinar ao povo a sã doutrina. Em 2 Timóteo
2:8, Paulo escreve: “Lembra-te de que Jesus Cristo, que é da
descendência de Davi, ressuscitou dentre os mortos, segundo o
meu evangelho”. O termo “lembra-te de que Jesus Cristo” parece
aparentemente contraditório e desnecessário. Como um cristão
poderia esquecer-se de Cristo, a ponto de não “lembra-se” dEle? Na
verdade, Paulo sabia que eles podem, sim, ignorar o seu Cristo,
inclusive perder de vista o real significado de sua vida e de sua
morte vicárias.
Além disso, essa frase de Paulo deixa bem claro a natureza de
Jesus Cristo como Deus e homem ao mesmo tempo – descendência
de Davi – e que ressuscitou dos mortos. Se o Senhor Jesus Cristo é a
pedra angular do cristianismo – e não Pedro, como os católicos
romanos afirmam (1 Pe 2:4-8) -, sua ressurreição dos mortos é o
forte fundamento sobre o qual a fé cristã está solidamente
sustentada. Sem a ressurreição, não há cristianismo, pois tal implica
na esperança dos cristãos em um dia poder finalmente viver com
Cristo por toda eternidade, completamente purificados de todos os
seus pecados. A cruz de Cristo e a ressurreição dos mortos são os
pontos fortes da fé de milhões de cristãos em todo o mundo.
Talvez, por isso, pessoas ousadas que buscam desmistificar os
ensinos dos apóstolos têm realizado pesquisas avançadas durante
tantos anos para encontrar um ponto falho nos evangelhos de

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Mateus, Marcos, Lucas e João. Aliás, buscam encontrar falhas e


contradições por todo o AT também. Alguns, dizem ter encontrado o
túmulo de Jesus e de sua família, como descrito em documentários
extensos que passam no Discovery Channel. Outros, escrevem
livros nos quais argumentam supostas explicações sobre a ascensão
de Cristo aos céus às vésperas do Pentecostes, como está descrita
sucintamente no livro de Atos, no capítulo primeiro. Livros como o
best-seller “Eram os Deuses Astronautas?”, de Erick Von Denicken,
ganharam repercussão mundial por associar a Bíblia à cultura dos
diversos povos antigos, através de semelhanças históricas, literárias
e imagens esculpidas em rochas e nos solos. Por sinal, tive a
oportunidade de ler tal livro em minha adolescência, e realmente é
uma bela literatura de ficção. Os argumentos são tantos que por
instantes nos convencem das mirabolantes teses de que os “deuses”
são seres extraterrestres que por algum motivo desconhecido
encontraram no planeta Terra um grande laboratório de
experimentos científicos. E nós somos o ápice dessa experiência.
Bom para uma mente adolescente. Não muito proveitoso para um
adulto maduro. Outros livros de ficção como “Anjos e Demônios” e
“O Código da Vinci”, ambos os best-sellers de Dan Brown, e
científicos como “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin,
também são fortes opositores da fé cristã e contestam a
autenticidade da Palavra de Deus. Dentre muitos e tantos outros.
Até mesmo autores que eu muito admirava em minha
adolescência, como o consagrado físico Stephen Hawking e o
também escritor Arthur C. Clarke, os quais escreveram os clássicos
livros didático-científicos “Uma Breve História do Tempo” e “O

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Universo Numa Casca de Noz”, e “2001: Uma Odisséia no Espaço”,


respectivamente, acabaram presos em sua própria “casca de noz” de
incredulidade e declararam guerra contra o Deus criador do
Universo. Verdade é que se fôssemos nos alimentar de toda
literatura anti-Deus que a cultura humana produziu durante
centenas de anos, viveríamos todos em uma grande odisséia do
milagre da vida. Como bolhas aleatórias lançadas no espaço que
deram muito certo em sua complexidade química e psicológica,
permaneceríamos como semi-deuses de nós mesmos, admirados
por nossa própria auto-induzida-formação-aleatória-ao-acaso!
Graças a Deus que o Senhor manifestou a Sua misericórdia em
meio à grande ira que possui contra o pecado - e contra nós, por
sinal - a fim de revelar-nos o perfeito plano de salvação em Cristo
Jesus! Não fosse a graça irresistível de Deus em nos demonstrar a
Sua glória, escreveríamos por toda a eternidade livros como esses
citados como exemplo, pensando única e exclusivamente em nossa
depravação e no nosso ego fraco e orgulhoso. Seriam histórias
incríveis, mas completamente vazias de um verdadeiro sentido
humano existencial. Como escreveu o sábio pensador do livro de
Eclesiastes:

Porque, como na multidão dos sonhos há vaidades,


assim também nas muitas palavras; mas tu temes a
Deus (Eclesiastes 5:7).

Na multidão de palavras há somente vaidades. Logo, que


nossas palavras expressem a glória de Deus! E que o nosso modo de

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

vida reflita única e exclusivamente a perfeita doutrina de Cristo,


para a glória de Deus!
Por isso, Paulo incentivou tanto o seu discípulo Timóteo a
proclamar a verdade da sã doutrina. Para o apóstolo, isso era tão
importante que ele estava disposto a “sofrer trabalhos, e até
prisões, tudo sofrendo por amor dos escolhidos, para que também
eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com glória
eterna” (2 Tm 2:9,10). O foco principal de sua vida era sofrer em
prol da exposição do Evangelho, e anunciar assim a salvação do
Senhor Jesus Cristo ao maior número possível dos escolhidos de
Deus, sabendo que a “leve e momentânea tribulação produz para
nós um peso eterno de glória mui excelente” (2 Co 4:17). Ou seja, os
olhos de Paulo estavam sempre voltados para a manifestação da
majestosa glória de Deus. Seu maior contentamento era a glória de
Deus em sua vida.
Daí a preocupação do cansado e idoso apóstolo dos gentios em
fazer com que o jovem e tímido Timóteo, ao ler suas palavras de
masmorra, tremesse no Espírito a ponto de anunciar, com a mesma
ousadia, a glória de Deus manifesta aos escolhidos mediante o
poderoso Evangelho, loucura para os que se perdem. Mas, para
todos aqueles que são salvos, refletem especificamente o poder [a
glória] de Deus.
Da mesma forma, o apóstolo dos judeus, Pedro, era bastante
incisivo nas palavras que proclamavam a defesa do Evangelho da
glória de Deus. Por exemplo, no primeiro capítulo, de sua primeira
epístola, Pedro glorifica a Deus pela salvação concedida aos eleitos,
segundo a presciência do Altíssimo, ou seja, segundo o Seu

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

conhecimento prévio, anterior. Tanto Paulo, quanto Pedro, afirmam


em suas cartas que uma pessoa não é nem mesmo capaz, sozinha,
de decidir por aceitar ou não a salvação de Deus, mediante Cristo
Jesus, se o próprio Deus não o escolher primeiro (Mc 13:20, Rm
8:28-30). Se você aceitou a salvação de Deus pela fé em Seu Filho,
foi porque Deus já o havia escolhido, segundo o pré-conhecimento
do Criador anterior à fundação do mundo (Jo 15:16). Portanto, se
você deseja se gloriar em algo, glorie-se única e exclusivamente no
Senhor (2 Co 10:17). Dê toda a glória única e exclusivamente a Ele!
A sã doutrina ensina-nos que nem mesmo somos aptos a
discernirmos pela salvação de Deus se o próprio Deus não o fizer
primeiro, de forma particular, a cada um de nós.
Mas, se não houvesse uma crise de identidade dessa glória de
Deus nas igrejas que anunciam o Evangelho, talvez não fossem
necessárias as cartas de Paulo, de Pedro e também as atualíssimas
declarações de fé de Cambridge – sobre as solas da Reforma - e a de
Chicago – sobre a inerrância da Bíblia -, por exemplo, as quais
foram proferidas por autoridades teológicas preocupadas com o
rumo das igrejas evangélicas nessa era pós-moderna, que estão
glorificando o homem e sua capacidade de tornar-se um “super-ser-
espiritual” em detrimento do auxílio divino. O pragmatismo que
tomou conta da filosofia das igrejas tem atraído multidões viciadas
no ópio popular da cultura tecnológica e liberalista do século XXI.
“Venha à frente, faça uma oração de 5 minutos e seja salvo” é a atual
“bênção papal” dos líderes evangélicos sedentos por maior número
de membros em suas igrejas, com o intuito de exibir a suposta
“glória” de Deus em suas vidas e em seus ministérios. “Como são

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

poderosos!” ou “Como tem a autoridade de Cristo!” são as frases


que tais líderes desejam que seus súditos proclamem aos quatro
ventos para todos ouvirem o quanto são realmente muito bons para
obterem o favor de Deus. E não sabem o quanto estão afastados
desse favor! Julgam-se ricos, mas são pobres. Pensam ter a visão de
Deus, mas são cegos e estão nus diante Dele.
O objetivo deste livro, exclusivamente, é falar sobre a glória de
Deus, principalmente na salvação de Cristo Jesus, nosso Senhor.
Salvação essa que pertence a Deus, para Sua glória. John Piper
afirma - não exatamente nessas palavras - que esse é o “círculo
vicioso” da glória de Deus. Deus sempre esteve satisfeito com Sua
glória, desde a eternidade. Mas, aprouve a Ele estendê-la à criação,
a fim de que esta lhe devolvesse a glória em alegria e satisfação
Nele. A satisfação da criação em Deus devolve-lhe a glória devida, e
esta glória é compartilhada com a criação novamente. Não é uma
troca. É simplesmente a paixão de Deus por Sua glória!
Desse conhecimento bíblico obtemos a verdadeira alegria que
glorifica a Deus, a qual está enraizada no coração humano a fim de
exaltarmos a Ele em tudo. Tal alegria recebemos diretamente de
Cristo por conhecermos a Deus em Sua Palavra. Regozijamo-nos
dessa forma no Pai ao descobrirmos a grande salvação com que nos
salvou e quão grande amor nos amou. O conhecimento pleno da
beleza de Deus em Sua santidade traz-nos uma completa satisfação
Nele e por isso O glorificamos, sem que sejam necessários
“acessórios” que visem fazê-lo. Nisso compartilhamos com o povo
de Israel da alegria que obtiveram quando Esdras havia lido e os
levitas ensinado a Palavra do Senhor ao povo, antes obscurecida aos

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

seus olhos: “Então todo o povo se foi a comer, a beber, a enviar


porções e a fazer grande regozijo; porque entenderam as palavras
que lhes fizeram saber” (Ne 8:12).
Reforço tal pensamento com os comentários do puritano
Jonathan Edwards sobre a glória de Deus refletida na alegria dos
seus eleitos: "Ao buscar a sua glória, Deus busca o bem de suas
criaturas, pois a emanação de sua glória (a qual ele busca e na
qual ele se deleita, assim como se deleita na sua glória eterna)
implica excelência e felicidade comunicadas às suas criaturas. E,
ao lhes transmitir a sua plenitude, ele o faz em razão de si mesmo,
pois o bem delas, que ele busca, se encontra na união e comunhão
total com ele. A excelência e a felicidade das criaturas não passam
de emanação e expressão da glória de Deus. Ao buscar a glória e a
felicidade delas, Deus busca a si mesmo e, ao fazê-lo, ou seja, ao
buscar-se difuso e expresso (o que para ele é motivo de deleite, do
mesmo modo que ele se deleita na própria beleza e plenitude), ele
busca a glória e a felicidade delas".
O despertamento espiritual ocorre, exclusivamente, quando
uma pessoa ciente de suas fraquezas e limitações atribui toda a
glória, de tudo, a Deus somente, alegrando-se Nele, por Ele, e para
Ele. Esse é o avivamento espiritual do genuíno arrependimento de
pecados, onde Deus é glorificado nesse arrependimento. Só a Deus
seja toda a glória! Em tudo! Como escreveu J. M. Boice: “Não é
muito provável vermos avivamento de novo enquanto não
recuperarmos as verdades que exaltam e glorificam a Deus na
salvação. Como podemos esperar que Deus se mova entre nós,
enquanto não pudermos dizer de novo com verdade: “Só a Deus

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

seja a glória”? O mundo não pode dizer isso. Ao contrário, está


preocupado com sua própria glória. Como Nabucodonosor, ele
diz: ‘Veja essa grande Babilônia que construí pelo meu poder e
para minha glória’. Os arminianos não podem dizê-lo. Podem
dizer ‘a Deus seja a glória’, mas não podem dizer ‘só a Deus seja a
glória’, porque a teologia arminiana tira um pouco da glória de
Deus na salvação e a dá para o indivíduo que tem a palavra final
em dizer se vai ou não vai ser salvo. Mesmo aquelas pessoas do
campo reformado não podem dizê-lo se o principal que estão
tentando fazer nos seus ministérios é edificar seus próprios reinos
e tornar-se importantes no cenário religiosos. Nunca vamos
experimentar a renovação na doutrina, no culto e na vida
enquanto não pudermos dizer honestamente: ‘só a Deus seja a
glória’. (...) Para aqueles que conhecem a Deus, aqueles que estão
sendo salvos, não é só uma declaração certa; é uma confissão feliz,
verdadeira, inevitável, necessária e altamente desejável”.
Que as palavras deste trabalho de pesquisa possam auxiliar e
conduzir você ao único caminho verdadeiro. É estreito, difícil e
espinhoso muitas vezes. Mas é a estrada final que conduz à glória de
Deus, mediante a Sua Palavra revelada a pecadores destituídos de
Sua glória, como eu. Deus o abençoe, em nome do Senhor Jesus
Cristo! Amém!
Soli Deo Gloria!
Rodrigo R. Gonçalez

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

CAPÍTULO I: A IRA SANTA DE DEUS REVELA A SUA GLÓRIA.

Disse eu aos loucos: Não enlouqueçais, e aos ímpios:


Não levanteis a fronte; não levanteis a vossa fronte
altiva, nem faleis com cerviz dura. Porque nem do
oriente, nem do ocidente, nem do deserto vem a
exaltação. Mas Deus é o Juiz: a um abate, e a outro
exalta. Porque na mão do Senhor há um cálice cujo
vinho é tinto; está cheio de mistura; e dá a beber dele;
mas as escórias dele todos os ímpios da terra as
sorverão e beberão (Salmos 75:4-8).

Por não tratar de assuntos peculiares à nossa fraca existência,


espero que este trabalho o aniquile de forma poderosa. Ao final de
sua leitura, anseio que você, uma linda estátua de cristal reluzente,
tenha sido reduzida e esmiuçada ao pó da terra, a fim de refletir
apenas a glória de Deus. Caso isso não ocorra, serão apenas vãs
palavras e uma grande perda de tempo.
Então, nada melhor do que o primeiro capítulo tratar sobre os
frutos do pecado no coração humano e como o Todo Poderoso está
muito irado com tamanha iniquidade, a ponto de desejar exterminá-
la por completo. Isso porque tais frutos, como o orgulho, a soberba e
a altivez humana, as quais implicam em glória de tolos, ou glória vã,
também vanglória, roubam a glória que é exclusivamente de Deus.
Este capítulo esmiuçará essa vanglória, depreciando-a a tal ponto
que se torne em humildade, simplicidade e humilhação, sob o
potente fogo da Palavra de Deus, para Sua glória. E, acima de tudo,

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

à luz das Escrituras, como a ira santa de Deus referente ao pecado -


e ao pecador - reflete a Sua própria glória.
Atualmente estamos habituados a ouvir certos jargões cristãos,
como por exemplo: “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador”.
Esse tipo de pensamento provém da corrente filosófica influente do
presente século de extirpar por completo qualquer tipo de tristeza,
dor ou palavras negativas que venham a deixar as pessoas mais
depressivas do que já são. Isso porque Deus abomina o pecado e o
seu agente. Prova irrefutável disso é que no último dia a justiça
divina será satisfeita lançando muitos pecadores para
permanecerem eternamente distantes de Sua presença.
Pensar em pecado na nossa época é pensar negativamente. Isso
por si só atrairia influências negativas ou más a vida das pessoas
destruindo a felicidade e o prazer tão almejados. Tais pecados, os
quais Deus “aparentemente” perdoou, devem ser deixados para trás
e esquecidos da mente esquizofrênica do século XXI. Como em uma
lavagem cerebral, os nossos delitos pessoais contra a santidade de
Deus devem ser recompensados com os prazeres e com as “boas-
coisas” da vida. O pecado seria um acidente de percurso e, portanto,
não deve angustiar a nossa alma a ponto de nos fazer estremecer
diante dele. A filosofia do presente século colocou uma pedra sobre
os delitos humanos tratando-os com psicologia de auto-ajuda e
frases motivacionais. As igrejas são berços de desesperados
egocêntricos em busca de satisfação pessoal plena. Nelas, a Teologia
é um palavrão e a Bíblia é um compêndio de como se dar bem com
Deus diante dos problemas da vida.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Jonathan Edwards escreveu que apesar de Deus ter


perdoado os nossos pecados – uma vez que fomos redimidos por
Ele – devemos sempre nos lembrar e nos arrependermos
profundamente deles, e sermos sempre gratos a Deus pela nossa
redenção eterna. Por isso nunca devemos nos esquecer das
maldades que praticamos contra Ele. Uma vez redimidos em Deus,
nossos pecados trazem ainda maiores dores e aflições do que
quando estávamos mortos com eles. Isso é verdade, pois o Espírito
Santo nos incomoda todo o tempo em que ferimos a santidade do
Pai, entristecendo-O. Tanto Edwards quanto os demais teólogos
reformados e os puritanos entendiam que assim teríamos sempre
uma atitude de humildade e devoção ao Senhor. Não tem
absolutamente nada a ver com penitência, mas é compreender a
maravilhosa obra expiatória de Cristo para que sempre nos
lembremos, a fim de sermos sempre gratos, que fomos arrancados
de terríveis trevas e transportados para a maravilhosa luz da graça
de Deus.
Nisso o apóstolo Paulo dá-nos exemplo maior, visto que está
sempre mencionando sua antiga atitude de blasfêmia, em que
perseguia o Espírito e maltratava o povo de Deus, humilhando o seu
coração, dizendo ser “o menor dos apóstolos”, indigno de “ser
chamado apóstolo”, “menor dos santos” e “o maior dos pecadores”.
E a Palavra de Deus nos ensina que:

Porque eu estabelecerei a minha aliança contigo, e


saberás que eu sou o Senhor; para que te lembres
disso, e te envergonhes, e nunca mais abras a tua boca,

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

por causa da tua vergonha, quando eu te expiar de


tudo quanto fizeste, diz o Senhor Deus (Ezequiel
16:62-63).

A grande ênfase de nossa presente e terrível Era é a de que


Deus é amor; que Ele ama o mundo; que é bondoso e
misericordioso. Apesar destas afirmações serem verdades plenas,
elas são tão fortes e expressas tão repetidamente nos nossos dias
que quase ninguém pensa que Deus está muito irado com tanto
pecado e possui uma enorme sede de justiça! Verdade é que Deus
foi relegado a um futuro longínquo do universo e que o mesmo não
faz parte da vida humana. Vivemos em um mundo secularizado e
completamente destituído da glória de Deus. Não apenas pela
violência, pela corrupção do caráter, pela libertinagem sexual ou
qualquer outra iniquidade terrível que temos praticado. Mas
também pela omissão do nosso conhecimento de Deus e por não lhe
atribuirmos toda a glória devida exclusivamente a Ele, em tudo.
De acordo com o Dr. Russell Shedd, a “ira de Deus se revela
contra toda iniquidade e injustiça dos homens. Pegue revistas e
jornais, programas de televisão e veja como eles não mencionam a
Deus, não mostram que Ele é a fonte de toda realidade. Isso se
chama secularização. (...) Deus está zangado. Ele está irritado
conosco porque não pensamos sobre de onde veio a inteligência
que criou o universo. Ele está irado porque suprimimos a verdade
de nossos corações. Ele está furioso porque ignoramos a revelação
natural de Seu poder. Deus está com raiva porque os biólogos não
param para agradecer a Deus pelo corpo tão fantástico que temos,

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

em que cada célula abrigam trilhões e trilhões de informações do


seu corpo. Deus está zangado porque nosso conhecimento
aumenta, mas estamos cada vez menos atentos ao Criador. A cada
30 anos o conhecimento humano dobra, mas pouco se fala sobre
Deus. Professores não informam seus alunos sobre todas as coisas
virem de Deus e que para Ele todas as coisas existem. Somos
indesculpáveis por que a pregação de Deus está por todo lado e nós
ignoramos isto”.
Tal conhecimento produz uma certa dor necessária ao
arrependimento, pois tal nos revela a verdade bíblica da inflamada
ira de Deus contra nós. Sem a dor inerente da transgressão não há
arrependimento, e a diluição dessa dor em nossa filosofia pós-
moderna dispensa a necessidade de um arrependimento profundo.
A tristeza e o remorso (hebraico naham) que se referem ao
arrependimento bíblico são considerados sentimentos depressivos
que necessitam de cura interior. Muitas das vezes tais sentimentos
são a necessidade urgente do arrependimento que os psiquiatras
desejam tratar com remédios e terapias. Mas, arrependimento
implica também “voltar às providências e prescrições da aliança
de Deus”, de acordo com Sinclair Ferguson. O pecado é
necessariamente a quebra da aliança de Deus com o homem, por
parte do homem. Tal deve remeter o homem ao seu retorno à casa
do Pai, em uma inversão radical de direção de tomadas de decisões
e modo de vida. Segundo Ferguson, o arrependimento
caracterizado pelo verbo hebraico sub, o qual é apresentado mais de
uma centena de vezes no Antigo Testamento, é usado, por exemplo,
para descrever a volta do povo de Deus do exílio geográfico (Isaías

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

10:21-22). No Novo Testamento, o apóstolo Paulo usa os termos


gregos metamelomai para indicar a tristeza e o remorso referentes à
dor que provoca o arrependimento e metaneo como uma mudança
de mente, uma inversão de direção de pensamentos e atitudes, os
quais produzem a inversão moral e espiritual que dura toda uma
vida (epistrepho). Ferguson conclui, segundo o apóstolo Paulo,
que o arrependimento bíblico genuíno é a “combinação e
simultaneidade de se voltar de, e se virar para...” o que “envolve
crucificar radicalmente a carne e ao mesmo tempo revestir-se
radicalmente de Cristo” (Gálatas 5:24; 3:27).

1.1.O Princípio do Pecado.

Antes de mais nada, que fique bem claro: a Queda é culpa do


homem. Costumamos atribuir o pecado de nossos corações sempre
a agentes externos: Deus, o diabo, a mulher. Não. O pecado nasceu
no coração do homem e nele foi concebido. O homem não caiu
porque ingeriu um fruto. Antes, porque em seu coração desejou ser
como Deus, ou melhor do que Ele. O ato em si não significa muito,
senão apenas a eficácia de um coração mal.
Deus criou um homem caível, verdade. Como diz a Confissão
de Fé de Westminster, a Queda e a maldade das criaturas é um
decreto permissivo. Mas, não existe, em nenhum versículo bíblico, a
tal da “vontade permissiva”. O Senhor tudo decreta. Deus
determinou a Queda, verdade. Mas isso não implica, de forma
alguma, que o Senhor o fez como a um robô programado, apesar de
o ter decretado. Adão pecou em rebelião contra o seu Criador

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

porque ele possuía livre-arbítrio, em plena consciência, em plena


moral e total capacidade de decisão. Adão, sim, era livre. O
contrário de nós hoje, que somos escravos do pecado. Mesmo sendo
totalmente livre, homem perfeito, ele decidiu em seu coração
desejar o mal, e o aperitivo da serpente foi apenas a desculpa da
execução. Somo, todos, como Adão.
Portanto, não há um justo, nenhum sequer. Somo filhos de
Adão; somos como ele. O orgulho e o desejo perverso foram
adquiridos por uma decisão de pleno entendimento. Esbofeteamos
a santidade de Deus assim como Adão desejou e comeu do fruto
proibido. Somos merecedores, justamente, da condenação e da
morte eternas. Tudo o que somos e realizamos o fazemos porque
somos declarados culpados. Odiamos a Deus. Somos presunçosos e
orgulhosos.
O homem “comprou” esse orgulho do seu ego de um exímio
mercador de escravos. Este ser espiritual, criado por Deus e dotado
de moral, senso de responsabilidade, livre escolha e com grande
inteligência, muito astuto em seus argumentos, possui retórica tão
convincente, que atrai para si até o mais experiente dos homens que
confia em si mesmo. Porém, o diabo não conseguiu enganar a Deus
e não conseguirá, nunca, enganar os escolhidos, por estarem estes
revestidos pelo poder do Espírito Santo.
Segundo Wayne Grudem, Satanás e os demônios eram anjos
bons, criados inicialmente para o louvor e a glória de Deus. Ao criar
o mundo, “viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito
bom” (Gênesis 1:31). Dotados de juízo moral e alta inteligência,
escolheram livremente desobedecer e rebelarem-se contra Deus.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Em Gênesis 3:1 – 5, verificamos que Satanás encontra-se como


uma serpente, a qual tentou Eva ao pecado – desobediência ao
Senhor. Portanto, algo ocorreu entre Gênesis 1:31 e Gênesis 3:1,
num evento onde muitos anjos rebelaram-se contra Deus e
tornaram-se anjos maus, os quais “não guardaram o seu
principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na
escuridão e em prisões eternas até ao juízo daquele grande dia”
(Judas 6), pois “Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas,
havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da
escuridão, ficando reservados para o juízo” (2 Pedro 2:4).
Satanás tornou-se assim o líder e o principal dos demônios. O maior
professor do engano da face da terra. Ele é enganador, mentiroso e
assassino desde o princípio (João 8:44; 1 João 3:8). É o pai da
mentira e o originador principal do pecado. O nome “Satanás” é
uma palavra hebraica (satan) que significa “adversário”. Jesus, em
sua tentação no deserto, fala diretamente a Satanás, dizendo:
“Retira-te, Satanás!” (Mateus 4:10) ou “Eu vi Satanás caindo do
céu como relâmpago” (Lucas 10:18).
Por isso, se você deseja uma conversa bem falsa e enganosa -
principalmente a qual busca enegrecer a glória de Deus, roubando-a
para si – então a tenha com o “Pai da Mentira” (João 8:44). Será
uma excelente oportunidade de encher-se de si mesmo e vangloriar-
se de nada. Ele é tão poderoso ao mentir e enganar, que mesmo
sendo terrivelmente perverso ele pode se transfigurar em anjo de
luz (2 Coríntios 11:14).
Tanto desejo! Que soberba desejar ser semelhante ao
Altíssimo, a habitar num trono acima do elevado trono da glória de

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Deus! Que orgulho de sua beleza e de seu poder! Como era altiva
sua influência do louvor a Deus nos céus! Adorava a Deus com o
coração corroendo-se de inveja! Seu anseio era sentar-se no trono
do Eterno e tomar o lugar exclusivo da adoração! Foi banido de uma
vez por todas diante da face de Deus, sendo arrebatado
violentamente para longe da glória divina! Amor tornou-se ódio e
louvor em palavras de desprezo e idolatria. Como eras belo, e
tornar-te tão vil e desprezível, ao ponto culminante da mais alta e
inflamada ira de Deus e do fogo eterno (Isaías 14:12-15)!
Assim, tomado por inveja e ira, tentaste o homem feito da
essência que sempre almejara, a imagem e semelhança do Pai.
Comercializou com esse a glória que pensavas ser para ti devida,
mas que nunca a receberás. Aliás, parecia ser um comércio justo, de
algumas moedas por toda uma glória. Mal sabia o homem que
estava trocando as mais elevadas riquezas de sua existência, a glória
de Deus, por um “prato frio de lentilhas” que lhe saciou a fome
apenas quando ingerido! Na realidade, esta fome também não
existia, mas foi audaciosamente manipulada ao ponto de tornar-se a
fome do conhecimento do bem e do mal.
Em nossa era pós-moderna ele conseguiu enganar a muitos
dizendo a bilhões de pessoas, primeiro, que ele não existe. Talvez,
ele argumente assim: “Eu sou uma invenção da carente mente
humana. Vocês não precisam de mim. Sou irrelevante quanto à
miséria de suas vidas. Vocês mesmos são responsáveis por isso.
Deixem-me fora dessa”. Em segundo lugar, a astuta serpente
convence as pessoas de que o pecado é muito normal, intrínseco a
elas, que “não tem jeito de resolver esse probleminha”. Devemos,

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

então, conviver com ele e aceitá-lo. Somos assim mesmo. Nascemos


assim, e vamos morrer assim. Não tem jeito. Por isso, talvez, ele
diga: “Faça isso mesmo, peque. Afinal de contas, não há remédio
para isso. O pecado pertence a você”. Ou ainda: “Você não quer
fazer isso? Não, não. Isso não tem nada a ver. Pode fazer mesmo.
Deus entende. Deus perdoa. Deus é amor. Pode fazer, pois isso não
tem nada a ver”.
Veja que ele se utiliza de verdades como mentiras, pois
realmente fomos concebidos em pecado, vivemos em pecado e
morreremos por ele. O salário do pecado é a morte (Romanos
6:23). Mas, existe um antídoto fortíssimo que aniquila todo o
pecado. Este é o sangue do Senhor Jesus Cristo, derramado na cruz
do Calvário. Sangue poderoso que nos purifica de todo pecado (1
João 1:7). O sangue do Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo (João 1:29). Porém, se não nos arrependermos de nossos
pecados, e não nos convertermos de nossas maldades, o sangue de
Jesus Cristo é um antídoto guardado bem no fundo do armário,
lacrado. Poderoso sim, mas ainda não encontrado.
Além de um terço dos anjos criados, a semente da criação
também foi enganada por um argumento forte de meias verdades.
Satanás convenceu a mulher de que a desobediência a Deus os faria
conhecer, a ela e seu marido, o bem e o mal, e seriam como o
próprio Deus individualmente! Iludiu-a também afirmando que no
estado em que se encontravam, ambos eram apenas marionetes
cativas sob o domínio das fortes correntes de um algoz escravista e
manipulador. O diabo atribuiu a Deus suas próprias características,
sem que ela percebesse.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Mas temo que, assim como a serpente enganou Eva


com a sua astúcia, assim também sejam de alguma
sorte corrompidos os vossos sentidos, e se apartem da
simplicidade que há em Cristo (2 Coríntios 11:3).

Logo, Eva alimentou-se do fruto da desobediência e


aparentemente nada aconteceu. Como nada aconteceu, foi
compartilhar do fruto com seu esposo. Adão, ciente da ordem de
Deus e de que aquilo seria desobedecê-lO, alimentou-se do fruto
não enganado, mas consciente de seu ato contra o Criador (1
Timóteo 2:14). Adão ali comercializou a glória de Deus no
homem, e vendeu o domínio que possuía sobre toda a criação - à
qual Deus havia lhe atribuído - rendendo-a a Satanás. Assim passou
a conhecer o bem e o mal, e a glória de Deus o deixou,
definitivamente.
Esse é o pecado original, que todos nós herdamos do pai da
humanidade.

1.2. O Pecado é Culpa Nossa.

Porém, Adão e Eva não são culpados do nosso pecado. Eles são
culpados dos pecados deles. O casal primordial é a semente de toda
a humanidade. Uma vez corrompidas a sementes, toda a plantação
fica comprometida. Portanto, nós somos os culpados dos nossos
próprios pecados. Nosso pecado é exclusivamente nosso. Isso

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

parece ser redundante, mas o nosso próprio pecado nos faz lançar a
culpa dele nos outros, o que é pecado.
Escreveu João Calvino: “Ao vermos nossa condição
miserável desde a queda de Adão, toda a confiança e vanglória
desmoronam, e nos coroamos de vergonha e nos sentimos
verdadeiramente humildes”. Assim, assumindo a culpa e não a
lançando ao jazigo de mortos, devemos ter a plena consciência que
estamos mortos espiritualmente e necessitamos com urgência do
poder de Deus a fim de sermos ressuscitados de nossas iniquidades!
Sobre isso, Charles Spurgeon diz que a “queda de Adão é nossa
queda; caímos nele e com ele; sofremos da mesma maneira;
lamentamos a ruína de nossa própria casa, deploramos a
destruição de nossa própria cidade, quando nos detemos para
captar estas palavras escritas de forma tão clara que não podem
ser mal interpretadas: ‘A inclinação da carne’ (esses mesmos
desígnios que uma vez foram santos, e que passaram a ser
carnais), ‘é inimizade contra Deus’ (Romanos 8:7)”.
Essa inimizade não é apenas uma característica
intrínseca da carne, mas é a própria carne. Sua inclinação
constitui o desejo único de pecar e desobedecer a Deus.
Assim, nós não somos pecadores porque pecamos, mas pecamos
porque somos pecadores e estamos destituídos da glória de Deus. É
a natureza humana pecar e odiar a Deus. Por isso, o homem pecador
será penalizado por seu crime (pecado) justamente. E, no dia do
julgamento do grande trono branco, todos os pecadores não
arrependidos de suas maldades serão julgados segundo as suas más
obras, que praticaram de forma acintosa e proposital contra Deus.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Ali não haverá mais oportunidades de arrependimento. O Senhor


Jesus Cristo não será mais o promotor de defesa do homem e Seu
precioso sangue não será fixado como carimbo nas fichas dos
pecadores intrépidos como inocentes. Ali haverá apenas dor, juízo e
condenação, pelos crimes conscientemente cometidos por todos
contra Deus (Apocalipse 20:11-15). Será um grande dia de ira.
O grande problema do pecado é que ele fere diretamente a
santidade do Deus Todo-Poderoso. Por isso as Escrituras nos
revelam que não existe “grande” pecado ou “pequeno” pecado.
Qualquer tipo de pecado fere a face da santidade de Deus e torna o
homem culpado de seus delitos. Basta um ínfimo pecado para que
um indivíduo seja lançado justamente para longe na presença de
Deus nas trevas eternas. Consideremos isso durante toda uma vida
em que qualquer pessoa está apta a pecar milhares de vez contra
Deus durante um único dia, seja em pensamentos, atitudes ou
palavras.
O homem deve, assim, reconhecer que é um pecador nato em
seu estado intrínseco e está destituído por completo da glória de
Deus. É um devasso, depravado e sentenciado a morte. Tornou-se
inimigo de Deus, e está em guerra contra Ele (Romanos 5:10). É
decaído, fraco, desobediente, e não há nada que ele possa fazer para
mudar isso. Longas orações não resolverão seu problema. Pagar
penitência, muito menos. Ser uma pessoa boa, amiga, fraterna e leal
pode até parecer justiça do bem, mas constitui apenas trapo de
imundícias (Isaías 64:6) diante de sua depravação total, o que
implica em inimizade contra Deus. A melhor das mesas que o
homem preparou com toda a sua boa vontade e fartura a fim de

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

agradar, alegrar e cultuar a Deus está contaminada de vômito e de


imundícias, e não há lugar limpo (Isaías 28:8). O homem está em
trevas, e suas fracas tentativas de acender um fósforo úmido na
escuridão não resultam em brilho. O homem caiu. O homem
morreu.

Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer.


Não há ninguém que entenda; não há ninguém que
busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se
fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem
um só. A sua garganta é um sepulcro aberto; com as
suas línguas tratam enganosamente; peçonha de
áspides está debaixo de seus lábios; cuja boca está
cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros
para derramar sangue. Em seus caminhos há
destruição e miséria; e não conheceram o caminho da
paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos. Ora,
nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão
debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja
fechada e todo o mundo seja condenável diante de
Deus. Por isso nenhuma carne será justificada diante
dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o
conhecimento do pecado. Mas agora se manifestou
sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e
dos profetas; isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus
Cristo para todos e sobre todos os que crêem; porque

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos


estão da glória de Deus (Romanos 3:10-23).

1.3. A Depravação Total.

Para R. C. Sproul, nossa depravação total não significa que


somos tão maus quanto poderíamos ser. Antes, por mais pecados
que tenhamos cometido, reconhecemos que poderíamos ter feito
coisas piores, ou seja, poderíamos ter cometido pecados horríveis e
mais brutais ou ter pecado com mais frequência. Sproul escreve:
"Quando os reformadores protestantes [Lutero, Calvino, e outros]
se referiam à depravação total, queriam dizer que o pecado - seu
poder, influência, inclinação - afetam o homem por inteiro. Nosso
corpo é decaído. Nosso coração é decaído. Nossa mente é decaída.
Nenhuma parte de nosso corpo escapa à destruição causada por
nossa natureza humana pecaminosa. O pecado influencia nossos
pensamentos, conversas e comportamentos. Nosso ser inteiro é
decaído. Esse é o significado de 'depravação total'".
De acordo com a Escritura, concluímos que tudo o que nos
rodeia está corrompido pelo pecado. Portanto, tudo está debaixo de
maldição e sob o juízo divino. A ira santa de Deus está inflamada
contra o pecado da humanidade e pronta para sentenciar os servos
do pecado, que desobedecem ao Justo Juiz o tempo todo.
John Piper diz que tudo o que há no mundo está condenado
pelo pecado no sentido de que tudo que se faz neste mundo é pelo
pecado e está enraizado nele. Mesmo as supostas boas obras
convertidas em egoísmo e necessidades pessoais espelham nossas

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

iniquidades. Tudo aquilo que fazemos, ainda que seja por


obediência ou obrigação, e não aplicamos amor e satisfação a Deus
nisso, com o intuito exclusivo de glorificá-lo, constitui pecado. Ou
ainda tudo aquilo que realizamos não por fé, constitui pecado
(Romanos 14:23).
Piper destaca pelos menos 5 argumentos sobre a nossa
depravação total encontrada na Palavra de Deus: 1) A depravação é
total pois afeta todo ser humano (Romanos 3:23; 1 Reis 8:46);
2) nossa rebelião contra Deus é total de modo que sem a graça de
Deus, não há deleite na santidade de Deus e não há sujeição com
alegria à autoridade soberana de Deus (João 3:19-21); 3) em sua
rebelião total, tudo o que o homem faz é pecado; 4) a inabilidade do
homem para se submeter a Deus e fazer o bem é total (Romanos
8:5-9; 6:17-18; João 3:5-7); 5) nossa rebelião é totalmente
merecedora de punição eterna (Efésios 2:3; 2 Tessalonicenses
1:8-9).
Jonathan Edwards concluiu que o homem morto em seus
delitos possui plena incapacidade moral, a qual faz com que todos
odeiem a Deus e amem as suas iniquidades. Essa incapacidade é o
deleite do homem em sua depravação em dizer não para a soberana
vontade de Deus e a escravidão no coração humano para pecar que
priva o homem de querer realizar o bem. A incapacidade moral e a
responsabilidade moral caminham juntas no sentido de condenar o
homem justamente. Por esse motivo Edwards afirmou que o
inferno tem muito mais sentido do que deveria ter.
A depravação é total pois você não pode fazer o que precisa
fazer. Isso é impossível! Nisso, você pode amar o mal de tal forma,

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

que não consegue fazer o bem. Você pode amar o orgulho de tal
forma, que não consegue ser humilde. Você pode amar a si mesmo
de tal forma, que não consegue amar a Deus. Não há como você ser
pior do que já é. Você é mal ao extremo, mas a graça de Deus que
está sobre você o impede de cometer atrocidades ainda piores. Sem
a graça de Deus, seus pensamentos são trevas, e suas atitudes e suas
palavras são totalmente depravadas e rebeldes. Por isso, mesmo que
uma pessoa não conheça a Cristo, ainda assim ela não pode ser tão
má quanto desejaria que fosse, pois a graça de Deus a impede disso.
Essa é a chamada graça comum, estendida a todos.
Importa então que concordemos com Piper e que até mesmo
nossa falsa bondade está condenada pela nossa transgressão contra
Deus. Logo, a depravação é total no sentido de que estamos
totalmente mortos em nossas transgressões e ofensas, em todas as
coisas. A palavra transgressão vem do hebraico peshá, derivada do
verbo pashá, que faz referências aos verbos revoltar (2 Reis 8:20),
ofender (Provérbios 18:19) ou no sentido de ultrapassar um
limite (Jeremias 3:13). Transgredir é o ato de violar a lei de Deus
e transpor os seus limites, desobedecendo-lhe os mandamentos. E
foi assim desde o princípio. Todos se rebelaram e ofenderam a Deus
distanciando-se Dele cometendo os mais diversos tipos de torpezas
e iniquidades.
Por muitas vezes pergunto-me como um homem totalmente
caído e distante de Deus, como descrito nos versículos acima de
Romanos, pode servir de motivos para glorificar o nome de Deus.
Ou como as coisas por ele criadas e adquiridas podem glorificar a
Deus. Ou ainda como sua vida pode glorificar a Deus. Penso, dessa

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

forma, como eu poderia glorificar a Deus por mim mesmo, através


de meus esforços. E não encontro resposta. Não em mim, senão
única e exclusivamente na revelada Palavra de Deus.

1.4. Um Deus Irado e Misericordioso.

Muitos alegam que Deus não pode ser irado, mas apenas
bondoso e misericordioso. Mas Deus é o Grande Juiz, justo e fiel. Se
Ele é justo, deve punir o pecado com severidade conforme a Sua
Palavra. Assim como Satanás está condenado por toda eternidade
por sua desobediência, mentira e assassinato, os filhos do diabo
também estão. E quem são os filhos do diabo? São todos aqueles
que fazem a vontade dele e praticam seus anseios. O pecado é como
um arreio ou um cabresto que guia o homem a realizar todos os
anseios de seu coração perverso. O pecado praticado é morte
espiritual e total separação de Deus. O Senhor é amor, bondade e
misericórdia. O Senhor é juiz, pratica o juízo e é irado contra o
pecado. A balança de Deus não pende com prioridade para um em
detrimento do outro. Deus é em sua essência. Esses são os atributos
de Deus.
Interessante que quando a polícia prende e a justiça humana
condena ao encarceramento um pedófilo, um assassino ou um
detrator qualquer, todos compreendem que foi feita justiça pela
condenação do crime praticado. Um juiz que é justo e bom
obviamente condenará o criminoso culpado a uma sentença justa –
nem todas as vezes, porém, isso ocorre, por causa do pecado
intrincado nos sistemas humanos – e todos nós, com o nosso fraco

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

senso de justiça aceitamos, apoiamos e compreendemos a decisão


afirmando que deveria ser mesmo assim, e muitas vezes nos
alegramos e folgamos com o ato de justiça.
Porém, quando o assunto é Deus, nós não desejamos que este
faça justiça, antes pratique apenas amor e misericórdia. Como
podemos pensar tão superficialmente assim? Talvez porque sejamos
tão depravados que conheçamos a nossa justa condenação, porém
desejamos que o Senhor pratique apenas misericórdia conosco,
mesmo nós sendo tão ruins e perversos. Somos tão hipócritas que a
nossa maldade deve “passar em branco” diante do Justo Juiz.
Porém, isso não será assim de forma alguma. Se não nos
arrependermos de nossos pecados e não nos convertermos de
nossas maldades seremos condenados justamente, para a glória da
justiça divina.

Eis que a mão do SENHOR não está encolhida, para


que não possa salvar; nem agravado o seu ouvido,
para não poder ouvir. Mas as vossas iniqüidades
fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos
pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos
ouça. Porque as vossas mãos estão contaminadas de
sangue, e os vossos dedos de iniqüidade; os vossos
lábios falam falsidade, a vossa língua pronuncia
perversidade. Ninguém há que clame pela justiça, nem
ninguém que compareça em juízo pela verdade;
confiam na vaidade, e falam mentiras; concebem o
mal, e dão à luz a iniqüidade” (Isaías 59:1-4).

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

A única forma de um pecador intrépido glorificar a Deus é ser


sentenciado à segunda morte e passar toda a eternidade afastado de
Sua santidade. Paul Washer costuma dizer que a verdade mais
terrível das Escrituras é que Deus é um ser puramente bom. E isso é
realmente terrível, pois nós, pecadores, somos tão perversos, que
não merecemos sequer ter uma palavra revelada de Deus ou anelar
por Sua misericórdia. Dizer que somos a “coroa da criação” não
ameniza o fato de sermos tão intrinsecamente ruins. E isso glorifica
a Deus quando a sua santa ira é derramada sobre pecadores
destituídos de Sua glória, aplicando-lhes o juízo. Isso é
demonstrado em diversas histórias bíblicas através das quais o
Senhor exerce a justiça divina em Sua ira. Vou citar apenas três
delas para que seja sucinto ao exemplificar o assunto. O próprio
apóstolo Pedro citou tais juízos da glória divina a fim de
exemplificar o dia em que a grande ira de Deus será derramada
sobre todos os pecadores destituídos da glória de Deus os quais
blasfemam Seu santo nome.

Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram,


mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às
cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo;
e não perdoou ao mundo antigo, mas guardou a Noé,
pregoeiro da justiça, com mais sete pessoas, ao trazer
o dilúvio sobre o mundo dos ímpios; e condenou à
destruição as cidades de Sodoma e Gomorra,
reduzindo-as a cinza, e pondo-as para exemplo aos que

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

vivessem impiamente; e livrou o justo Ló, enfadado da


vida dissoluta dos homens abomináveis (porque este
justo, habitando entre eles, afligia todos os dias a sua
alma justa, vendo e ouvindo sobre as suas obras
injustas); assim, sabe o Senhor livrar da tentação os
piedosos, e reservar os injustos para o dia do juízo,
para serem castigados; mas principalmente aqueles
que segundo a carne andam em concupiscências de
imundícia, e desprezam as autoridades; atrevidos,
obstinados, não receando blasfemar das dignidades (2
Pedro 2:4-10).

1.5. Deus Dispara as Flechas de Sua Ira.

1.5.1. A glória de Deus é exaltada no grande dilúvio, quando Deus


derramou a Sua ira sobre uma Terra corrompida e maculada por
tanta devassidão.

Deus procurou e encontrou apenas um homem diante de Sua


presença, em toda a Terra, o qual resolveu por sua soberana
vontade atribuir-lhe o favor divino - a sua graça (Gênesis 6:8).
Este homem era chamado Noé. Ele e sua família de sete pessoas, em
todo um planeta corrompido, foram escolhidos a fim de perpetuar a
criação! Seu pai, Lameque, chamou-lhe Noé, pois: “Este nos
consolará acerca de nossas obras e do trabalho de nossas mãos,
por causa da terra que o Senhor amaldiçoou” (Gênesis 5:29). A
ira de Deus era tamanha que o Senhor arrependeu-se de ter criado o

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

homem e todas as coisas, e propôs em Seu coração destruí-las por


completo (Gênesis 6:6,7).
A Noé foi dada a ordem de construir uma grande arca, a qual
deveria suportar um dilúvio de dimensões globais e preservar as
espécies animais em casais. Ninguém creu no arrependimento de
pecados, senão Noé e sua família. Este, em grande temor e
obediência à Palavra de Deus, pregou o arrependimento durante
aproximadamente os 100 anos em que construiu a arca. Porém, as
pessoas zombavam dele. Comiam, bebiam, casavam-se e davam-se
em casamento. Esse tempo foi suficiente para que a ira de Deus
fosse ainda mais inflamada. Vocês já imaginaram uma pessoa
pregar o evangelho do arrependimento de pecados, durante 100
anos, e ninguém se converter de seus maus caminhos? Assim, todos
foram sentenciados e condenados pela falta de arrependimento.

1.5.2. A glória de Deus é exaltada na destruição total das cidades de


Sodoma e Gomorra, as quais eram prósperas e belas, mas que
estavam contaminadas pela depravação humana.

Novamente, Deus buscou alguém que pudesse salvar ante um


cenário de devassidão e violência, e encontrou apenas um homem
chamado Ló, sobrinho de Abraão, o qual afligia todos os dias a sua
alma pelo pecado das pessoas dessas cidades. “Ora, eram maus os
homens de Sodoma, e grandes pecadores contra o Senhor”
(Gênesis 13:13). Ló havia escolhido habitar na cidade região
Sodoma e Gomorra, composta por 5 cidades-estado, por serem estas

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

prósperas e muito belas. Porém, seus moradores eram inimigos de


Deus.
A mensagem de arrependimento e o testemunho da vida deste
homem e de sua família, além do testemunho de Abraão, não
serviram como espelho para o quebrantamento daquele povo diante
de sua grave desobediência a Deus. Logo, o Senhor ordenou a Ló
que saísse com sua família da cidade e não olhasse para trás. Ambas
foram destruídas com uma grande saraiva de bolas de fogo – talvez
meteoros?! – e enxofre que caíram do céu (Gênesis 19:24). Como
a mulher de Ló desobedeceu ao Senhor, esta virou uma estátua de
sal ao olhar para trás. Esse “olhar para trás” implica que o coração
da esposa de Ló estava na cidade. Talvez ela tenha imaginado que
Deus estava sendo injusto em punir tais pecadores e destruir
cidades tão belas e prósperas – mas isso é apenas uma conjectura,
não está na Bíblia.
O próprio Abraão havia contestado, a princípio, o propósito
divino, clamando a Deus para exercer misericórdia com os supostos
justos que possivelmente residiriam nas cidades. Seu argumento foi
questionar a Deus – O qual conhece todas as coisas - dizendo que se
houvessem ali, pelo menos 50 deles, se porventura Deus não
destruiria as cidades com a Sua ira. Como Abraão pode ser tão
incrédulo? E nós fazemos isso o tempo todo com o Senhor, ao
questionarmos diversas vezes Sua soberana vontade. O Senhor disse
a Abraão: “Se Eu em Sodoma achar cinqüenta justos dentro da
cidade, pouparei a todo o lugar por amor deles” (Gênesis 18:26).
Esse diálogo perdurou até Abraão questionar pela existência de
apenas 10 justos morando nas cidades. E Deus novamente disse que

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

pouparia toda a cidade se encontrasse nelas pelo menos 10 justos


pelos quais pudesse derramar Sua graça e misericórdia. Não havia
nem mesmo 10 que clamassem pelo nome do Senhor. Antes, apenas
Ló, sua esposa e ambas as suas filhas. O clamor de Abraão o
humilhou pessoalmente, exaltando a misericórdia, a ira e a glória de
Deus.
E Deus derramou a Sua ira, conforme profetizado
anteriormente. Coube a Ele ter misericórdia de Ló e sua família, por
amor de Sua Palavra dada a Abraão (Gênesis 19:29).
O apóstolo Pedro escreveu: “E condenou à destruição as
cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-as a cinza, e pondo-as
para exemplo aos que vivessem impiamente” (2 Pedro 2:6). Aos
que vivessem impiamente, ou seja, servindo aos desejos de sua
carne e rejeitando de forma vociferada a Palavra de Deus, sem
arrependimento. O discípulo Judas - não o Iscariotes, o qual traiu a
Cristo - também se referiu ao juízo sobre Sodoma e Gomorra como
exemplo da justiça de Deus em Sua ira contra o pecado, dizendo:
“Assim como Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que,
havendo-se entregue à fornicação como aqueles, e ido após outra
carne, foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno”
(Judas 1:7). Quando o discípulo refere-se a “pena do fogo eterno”
está afirmando claramente que não apenas o fogo que caiu do céu
literalmente consumiu aquelas vidas, mas o fogo eterno que nunca
se apaga, profetizando sobre a morte espiritual e eterna de todos
aqueles pecadores incondicionais.
Deve nos estarrecer sobremaneira o fato de que o Senhor Jesus
Cristo afirmou: “Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

menos rigor para o país de Sodoma e Gomorra do que para aquela


cidade” (Mateus 10:15, Marcos 6:11)! Cristo estava se referindo
aqui às cidades impenitentes, que porventura não receberiam o
Evangelho de Deus, rejeitando-O como muitos fazem hoje, em sua
maioria. Em suma, a ira de Deus derramada sobre Sodoma e
Gomorra glorificou a Deus no sentido de exaltar o seu juízo sobre
pecadores intrépidos e inescusáveis, que cospem no Evangelho e na
glória de Deus. E com isso o Senhor está extremamente irado com o
pecado e todos aqueles que o servem e se esbanjam em seus
prazeres.

1.5.3. A glória de Deus é exaltada na libertação dos cativos hebreus


que pereciam há 400 anos sob o governo escravista de Faraó no
Egito Antigo - nação que conheceu a ira de Deus por sua
desobediência.

Faraó persegue e ordena o assassinato frio de todas as crianças


hebreias menores de 2 anos de idade. Uma mãe hebreia, temendo
pela vida de seu filho, entrega-o sorrateiramente à filha de Faraó, às
margens do rio Nilo. Este menino é fortalecido, primeiramente, pela
própria mãe, segundo as misericórdias de Deus. Quando maior,
recebe toda a educação no palácio do imperador egípcio como um
verdadeiro filho. Um príncipe. Recebe toda a instrução daquela
nação, tanto em literatura, quanto em diversas ciências. Porém,
próximo de completar 40 anos, este homem grandioso vê a aflição
de seu povo, o povo hebreu, escravizado há centenas anos, e não
suporta contemplar o flagelo de um de seus irmãos de nação. Um
soldado desfere raivosas chibatadas sobre um escravo hebreu

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

fatigado. O chamado do príncipe da nação queima-lhe no peito, e


subitamente ele se lança sobre o soldado egípcio, desferindo-lhe um
golpe, matando-o. Este é enterrado às escondidas na areia, como
símbolo da morte do príncipe do Egito hebreu. Até mesmo a
contenda entre irmãos do povo de Deus ferem-lhe o coração, ao
ponto dele desejar apaziguar o embate. Porém, a morte do soldado
egípcio não foi enterrada o suficiente, e Faraó, perplexo, descobre o
intento.
Moisés, assim chamado pela filha de Faraó como “porque das
águas o tenho tirado” (Êxodo 2:10) foge então para o deserto.
Neste local encontra abrigo em uma tribo nômade, no deserto de
Midiã, e vira um pastor de ovelhas. Casa-se com a filha do principal
sacerdote, chamada Zípora, e com ela tem um filho, chamando-o de
Gérson – “Porque disse: Peregrino fui em terra estranha” (Êxodo
2:22b).
Cerca de 40 anos vivendo como um príncipe nos palácios
egípcios. Cerca de 40 anos vivendo como um pastor nômade de
ovelhas, no deserto. Faraó padece na terra dos mortos e seu filho
assume o principado, afligindo ainda mais a nação escrava com
trabalhos árduos e implacáveis. Neste cenário Deus se revela a
Moisés, quando este pastoreava o rebanho entre as montanhas do
deserto. O Senhor resolve-lhe falar em meio a uma sarça ardente, a
qual não se consumia com o fogo da presença de sua glória, dizendo
que ouvira o tardio clamor por misericórdia e arrependimento de
seu povo, e que Moisés seria a lança do arco da ira de Deus sobre
aquela nação escravizadora, que tanto afligia os hebreus, a fim de
libertá-los com grande poder e glória.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Apesar de Moisés desacreditar em si mesmo, a princípio, como


um frágil instrumento do depósito da graça de Deus – para
redenção – e da ira de Deus – para juízo – este é conduzido
novamente às terras egípcias, com seu cajado de juízo, pronto a
obedecer a voz do Senhor dos Exércitos e lançar sobre a nação
idólatra e voraz o juízo de sua santa ira, a fim de glorificar o seu
santo Nome; o Nome precioso de Deus. Assim, Deus cumpre os seus
eternos desígnios e propósitos como anunciara previamente a
Moisés, apesar deste ser fraco e tímido. O instrumento era fraco,
mas aquele que o forjou é o Todo Poderoso, rico em misericórdia,
compassivo, tardio em irar-se do mal, mas também terrível e
implacável na execução de sua justiça.
O Deus santo, por meio deste fraco instrumento forte, derrama
do cálice de sua santa ira sobre a nação profana, pelo
endurecimento do coração de Faraó ao ouvir a Sua Palavra,
desobedecendo-a de forma acintosa. Decai sobre o Egito a ira santa
de Deus em forma de pragas, as quais totalizam as 10 flechas
disparadas de Seu arco implacável. O rio Nilo é convertido em
sangue, um enxame de gafanhotos, de rãs, de piolhos e de moscas
assolam a nação. Enfermidades fétidas eclodem em câncer nos
incrédulos e seus animais padecem da mesma forma. Bolas como
que de fogo despencam do céu. O Sol se apaga. O caos é avassalador.
A nação geme, mas não se arrepende. Muitos recorrem aos seus
diversos deuses, que nada podem fazer, ainda que seus templos
estejam destruídos. Os hebreus confiam, porém, no Senhor. Procure
imaginar toda a calamidade que sobreveio sobre a nação perversa!
Não há como contemplar tamanha fúria sem ser destruído!

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Por fim, a nação grita com dores de parto pela morte de todos
os seus primogênitos. Inclusive Faraó, que contempla o falecimento
de seu filho amado. O imperador egípcio, enfim, cede ao clamor da
ira santa de Deus. Seus deuses, os quais eram dezenas, nada
puderam fazer, pois são todos falsos. Meras imagens de escultura de
madeira e gesso. Porém, mesmo em meio ao clamor da angústia, ele
não reconhece o Senhor de Moisés como o Deus de toda a Terra. E
perece por isso, sem que haja cura. Um coração inquebrantável,
idólatra e profano, sem arrependimento, que contemplou e não se
rendeu à fúria do Eterno, pois, segundo as Santas Escrituras, Deus
soberanamente quis demonstrar a sua glória e a força do seu poder
endurecendo o coração de um rei ímpio e profano (Romanos
9:17,18).
O povo hebreu saiu triunfante a peregrinar no deserto, com
todas as riquezas do Egito, para a glória do seu Deus. E ainda que
um mar ousado se atreveu a deter a marcha desse povo rumo à
Canaã, o Senhor lhe cerrou ao meio, e fez os filhos de Israel
passarem em terra seca no seu interior. Porém, para o exército
pagão, as muralhas de água ruíram sobre eles, exterminando a
todos, para a glória de Deus e alegria de seu povo.
Para os filósofos humanistas pós-modernos, os próprios
egípcios se autocondenaram; a parede de toneladas de água
simplesmente ruiu sobre eles, por qual motivo for; gravidade,
talvez; Faraó e todo o seu exército subjugaram-se por erros de
estratégia, afobação, acaso ou outra interpelação humana falível.
Mas, não é isso que relatam as Escrituras. A narrativa histórica, e
posteriormente a sua interpretação, como na carta de Paulo aos

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Romanos, são bem evidentes e não necessitam de dificultosa


exegese: Deus endureceu o coração de Faraó; Deus ouviu o clamor e
livrou o seu povo; Deus enviou as pragas como flagelos sobre o povo
idólatra; Ele derribou as paredes de águas sobre o exército
faraônico. Deus fez e realizou tudo.
Portanto, o Soberano é glorificado, pois arrancou o seu povo
com braço forte de uma escravidão de 4 séculos, sem que os
escolhidos e arrependidos levantassem uma arma ou enfrentassem
uma peleja. Deus fez questão de fazer tudo, detalhando isso nas
Escrituras, para o louvor da sua glória.

1.5.4. Deus é glorificado por punir os pecados de Israel, usando os


assírios como vara de Sua santa ira.

Como a minha mão alcançou os reinos dos ídolos,


cujas imagens esculpidas eram melhores do que as de
Jerusalém e do que as de Samaria, porventura como
fiz a Samaria e aos seus ídolos, não o faria igualmente
a Jerusalém e aos seus ídolos? (Isaías 10:10,11)

O povo de Deus, conforme nos relatam as Escrituras, estava


imerso em pecados destrutivos; o mesmo povo, que fora resgatado
com mãos poderosas do Egito, debaixo da escaldante escravidão
faraônica; estes, chamados então de escolhidos, que com braços
fortes, impulsionados por seu Salvador, atravessaram um deserto
causticante que produzia bênçãos para eles, todos os dias; os
mesmos e os seus descendentes, que entraram na Terra Prometida,

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

e venceram exércitos muito mais poderosos e bem armados do que


eles, tomando cidades inteiras sob o governo de tiranos gigantes;
que receberam as leis do seu Deus, as quais pré-configuravam
sombras messiânicas; o povo chamado “de Deus”, o Criador, o
Senhor, o Todo Poderoso; o único povo sobre a face da terra a
receber as revelações messiânicas, do Eterno Redentor do cosmos;
e, na verdade, um povo rebelde, altamente corrupto, em todos os
aspectos sociais e morais; orgulhosos por se autoproclamarem
nação escolhida, povo de propriedade exclusiva, mas que
rapidamente se desviavam das leis e das ordenanças daquele que os
santificava entre as nações.
O templo estava repleto de religiosos; todos erguiam os seus
braços em adoração vazia, uma vez que o coração daquele povo
estava distante, muito distante, do alvo de sua aclamação. Observe
que falamos em “povo”, como um grupo étnico. Porém, as
Escrituras são bem enfáticas em responsabilizar indivíduos, e não
somente povos como grupos de pessoas. Devemos nos lembrar que
nações ou povos são caracterizados por indivíduos que os
representam; nesse ínterim, de uma forma ou de outra, todos são
culpados. Sejam os negligentes, sejam os profanos, os mal-
intencionados ou os coniventes. A sentença já estava prontamente
decretada: culpados! A injustiça de Deus seria deixá-los impunes ou
não os repreender por suas maldades. Fez-se ambos. Não houve
arrependimento. Não houve quebrantamento. Nem uma gota de
lágrima, senão a dos profetas dantes intencionalmente enviados a
proclamarem as palavras de arrependimento. Surdos, todos

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

inclinaram os seus corações para suas próprias maldades, e


cometeram desvarios dos mais terríveis.
Surpreendentemente, o Senhor prepara para este povo duro de
coração um terrível flagelo: a invasão e destruição de suas terras; a
morte de milhares de pessoas; casas queimadas e saqueadas;
mulheres violadas; soldados mortos. Pais chorando a perda dos
filhos, e o contrário também é verdadeiro. Terrível cena de
destruição, lamento, dor e morte. Um povo robusto, mal,
conquistador e de guerra. Acostumado a elas. Deus os envia,
segundo a sua Palavra, para punir a rebeldia de seu próprio povo. E
que punição terrível! A destruição de toda uma nação, que durante
décadas e mais décadas demoraram para se erguer e se solidificar,
se armar, montar exércitos e estabilizar sua economia. Sim,
pasmem: Deus fez isso, por meio de um povo sedento por sangue;
os assírios. Intencionalmente. Planejou e decretou a ruína de uma
Jerusalém idólatra e enfastiada. Ele decretou este mal sobre os
filhos da desobediência, mas com o intuito de um bem maior. O
remanescente.
O Senhor não os destruiu por completo. Antes, um
remanescente foi enviado cativo à Babilônia, o mesmo que após 70
anos seria grandemente aumentado e retornaria para Jerusalém, a
fim de reergue-la. Casaram-se. Tiveram filhos. Trabalharam. E, com
a prosperidade da Babilônia, prosperaram também.
Porém, o juízo estava decretado. Famílias inteiras
desapareceram. Filhos órfãos. Mulheres, sem esperança. O que
ficou gravado nos corações de toda uma geração é que o Deus de
Israel leva o pecado muito à sério. A desobediência os arruinou.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Destruiu quase que completamente toda a bela história de gerações


após gerações.
Em que, pois, consistiria a glória de Deus nisso tudo?
A primeira impressão que teríamos seria a de ódio por um
Deus tão destrutivo, que esmaga pessoas ruins usando pessoas más.
Normal. O odiamos, de fato. Porém, se analisarmos a questão na
perspectiva de Deus, Ele não teria a obrigação nenhuma de ser
compassivo e misericordioso com ninguém. Nem com Israel, nem
com os babilônios. Nem com nenhuma outra nação. Outros diriam:
“Deus não tem nada com isso. Pessoas matam pessoas. Uns ruins,
outros piores”. Isso, também. Porém, não é o que relata o texto
bíblico. Este é muito claro e específico em afirmar que o próprio
Deus conduziria um exército furioso por sangue e conquistas até
Israel, a fim de puni-los. Intencionalmente, a mão dEle está por trás
da catástrofe de toda uma nação. Seríamos desonestos se
interpretássemos o texto de outra forma. Ele disse que o faria, e o
fez.
Nesse contexto caótico, Ele decide soberanamente salvar um
remanescente. Amorosamente, Deus preserva a aliança que havia
feito com Abraão em Gênesis 17. E não apenas isso, preserva tal
remanescente no cativeiro e posteriormente o livra, reestabelecendo
o povo ao qual escolheu para a sua herança, ou seja, o povo que
seria o progenitor do Cristo de seus eleitos.

Os restantes se converterão ao Deus forte, sim, os


restantes de Jacó. Porque ainda que o teu povo, ó
Israel, seja como a areia do mar, só um remanescente

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

dele se converterá; uma destruição está determinada,


transbordando em justiça. Porque determinada já a
destruição, o Senhor DEUS dos Exércitos a executará
no meio de toda esta terra (Isaías 10:21-23).

Obviamente, este texto também é escatológico, e aponta já para


a Igreja como o remanescente, o Israel de Deus, os eleitos desde
antes da fundação do mundo, lavados e remidos no sangue do
Cordeiro perfeito e imaculado, Senhor de todo o cosmos; pessoas de
todas as nações, tribos, povos, línguas e raças. Mas, também, não
podemos negligenciar o seu efeito profético imediato. Um pequeno
número de pessoas escaparia das mãos terríveis dos assírios a fim
de perpetuaram o Pacto da Aliança que Deus fez com o seu povo, ou
seja, com os seus eleitos.
Nisso Ele é glorificado, em amor, graça e misericórdia eternas
derramadas sobre pessoas más, vis, apressadamente desobedientes
e errantes, que o odiavam e sempre fizeram questão de não apenas
ignorá-lO, ou de ignorar os seus mandamentos, mas também de
responsavelmente ferí-lO, adorando deuses diversos e cometendo os
piores tipos de torpezas imaginados.
A beleza da graça de Deus consiste em amar e salvar pecadores
que nem sequer poderiam imaginar isso. Sem o toque dessa Graça,
os corações permaneceriam inertes e profundamente negligenciados
quanto a um possível Ser pessoal, criador e redentor. O juízo
executado nada mais exerceu a sua eficácia contra o pecado. Porém,
mesmo em meio a tamanho caos moral, Deus elegeu uma minoria
de pessoas, tão depravadas quanto as demais, para preservá-las em

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

cumprimento à sua aliança eterna. E não apenas isso, mas ter um


relacionamento de Graça e misericórdia com essas pessoas, e livrá-
las de sua santa ira.
Deus Soberano e poderoso!

1.5.5. Deus é glorificado por punir os pecados da Assíria, usando


outros povos para destruí-la por completo, por ela ser uma nação
sedenta por sangue e idolatria.

Mesmo que os assírios tenham sido utilizados como meio de


punição aos israelitas, pelo decreto do próprio Deus, eles foram
condenados por seus próprios pecados. Perceba, há o inevitável
decreto de Deus, ou seja, de que os assírios seriam os instrumentos
de Deus para ferir o seu próprio povo; na verdade uma vara de ira, e
aqui vale ressaltar que uma vara está nas mãos de seu algoz, que a
utiliza da forma que bem intentar e executar; não possui vontade
própria, por ser um instrumento de flagelo; mas, ao mesmo tempo,
era esse mesmo o desejo pecaminoso do coração de toda essa nação,
ou seja, conquistar terras, matar seus moradores, destruir famílias,
roubar suas riquezas. O texto bíblico não nos deixa nenhuma
margem de dúvida quanto a isso:

Ai da Assíria, a vara da minha ira, porque a minha


indignação é como bordão nas suas mãos. Enviá-la-ei
contra uma nação hipócrita, e contra o povo do meu
furor lhe darei ordem, para que lhe roube a presa, e lhe
tome o despojo, e o ponha para ser pisado aos pés,

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

como a lama das ruas. Ainda que ele não cuide assim,
nem o seu coração assim o imagine; antes no seu
coração intenta destruir e desarraigar não poucas
nações. Porque diz: Não são meus príncipes todos eles
reis? Por isso acontecerá que, havendo o Senhor
acabado toda a sua obra no monte Sião e em
Jerusalém, então castigarei o fruto da arrogante
grandeza do coração do rei da Assíria e a pompa da
altivez dos seus olhos. Porquanto disse: Com a força da
minha mão o fiz, e com a minha sabedoria, porque sou
prudente; e removi os limites dos povos, e roubei os
seus tesouros, e como valente abati aos habitantes.
Porventura gloriar-se-á o machado contra o que corta
com ele, ou presumirá a serra contra o que puxa por
ela, como se o bordão movesse aos que o levantam, ou
a vara levantasse como não sendo pau? (Isaías 10:5-
8; 12, 13, 15).

O Senhor condena ferozmente os algozes assírios por serem


um povo sanguinolento, mal, perverso, orgulhoso e, acima de tudo,
não tementes ao Deus Soberano. O pecado, é a culpa dos próprios
assírios, que os levará à sua completa destruição e ruína, muito mais
severa do que a destruição de Jerusalém, uma vez que Deus jurou
em sua gloriosa Palavra destruí-los por completo, sem nem sequer
mencionar qualquer vestígio de remanescentes.
Portanto, a glória de Deus é manifesta neste episódio de
terríveis fatos, onde há mortes, muita dor, pessoas desesperadas e

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

sem pátria, escravas e famílias inteiras totalmente destruídas. Mas,


há um resplandecente futuro, e o Deus que predeterminou este
futuro cuidou dos meios, por menores, e talvez até mais
insignificantes que fossem, a fim de alcançarem o seu fim: Ele
encarnou, se fez carne, e habitou entre nós.
Poderíamos citar ainda muitos exemplos bíblicos da fúria da
ira de Deus contra o pecado e como o Senhor o aniquilou para a Sua
glória. Como este mesmo povo que foi arrancado do Egito em meio
a sinais e maravilhas ousou amar o pecado e odiar ao Redentor, no
deserto que pereceram por acenderem a fúria de Deus com
incredulidade e blasfêmia contra o Seu poder. Os remanescentes
que escaparam da Babilônia e posteriormente voltaram a se irar
contra o seu redentor e libertador, novamente, causando uma
enxurrada de juízos intermitentes a uma misericórdia longânime e
uma santa ira tardia no seu cumprimento. Não glorificaram a Deus!
O que diríamos, pois, de Gideão, Sansão, Davi, Jeremias, Ezequiel,
Isaías e os demais? A glória de Deus é terrível!

1.6. O Pecado Nos Torna Inescusáveis.

Assim, Paulo também descreve todos os gentios, no primeiro


capítulo do livro de Romanos, que mesmo conhecendo a Deus não O
glorificaram como Deus. Antes, entregaram-se a sua vã sabedoria e
viveram loucamente, ao que Deus os entregou às suas próprias
paixões e nela cometeram torpezas para sua própria destruição.
Deus é tão irado que permite a pecadores devassos endurecidos de
coração e inquebrantáveis a se entregarem, a si mesmos, a seus

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

próprios desejos profanos. Desejaríamos algo mais terrível do que


isso? Sermos condenados por nossa própria depravação e julgados
justamente por isso, sendo todos lançados ao inferno da separação
da glória de Deus por toda a eternidade, sem que a graça de Deus
nos impedisse de cometermos tais torpezas? O que seria isso, senão
a Sua ira?

E, como eles não se importaram de ter conhecimento


de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento
perverso, para fazerem coisas que não convêm;
estando cheios de toda a iniquidade, prostituição,
malícia, avareza, maldade; cheios de inveja,
homicídio, contenda, engano, malignidade; sendo
murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus,
injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de
males, desobedientes aos pais e às mães; néscios,
infiéis nos contratos, sem afeição natural,
irreconciliáveis, sem misericórdia; os quais,
conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte
os que tais coisas praticam), não somente as fazem,
mas também consentem aos que as fazem (Romanos
1:28-32).

Por isso, cuidemos para que a ira de Deus não se inflame ainda
mais contra nós, e não nos achemos culpados, aptos a recebermos
essa terrível ira!

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Certamente tu os puseste em lugares escorregadios; tu


os lanças em destruição. Como caem na desolação,
quase num momento! Ficam totalmente consumidos de
terrores. Como um sonho, quando se acorda, assim, ó
Senhor, quando acordares, desprezarás a aparência
deles (Salmos 73:18-20).

Jonathan Edwards em seu famoso sermão “Pecadores nas


Mãos de um Deus Irado”, refere-se a esses versículos da seguinte
forma: “Isto implica, que eles sempre estiveram expostos a uma
repentina e inesperada destruição. Como aquele que anda por
locais escorregadios está a cada instante sujeito à queda; ele não
pode prever o momento em que estará de pé ou o próximo em que
cairá; e quando cai, cai subitamente, sem aviso”. E diz mais:
“Outra implicação é, que eles estavam sujeitos a cair por si
mesmos, sem serem derrubados pela mão de outro; como aquele
que se levanta e anda por um terreno escorregadio não precisa de
nada além de seu próprio peso para derrubá-lo. Que a razão
porque eles não haviam ainda caído, e não caíram naquele
instante, é apenas que o tempo definido por Deus não havia
chegado. Por isto está dito que ao tempo, ou quando o tempo
determinado chegar, seus pés irão resvalar (escorregar). Então
será permitido que caiam, como estão propensos por seu próprio
peso. Deus não irá mais segurá-los nestes lugares escorregadios,
mas irá deixá-los cair; e então neste exato instante, cairão em
destruição; como aquele que se põe em pé em uma rampa
escorregadia e inclinada, à beira de um penhasco, não pode

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

permanecer em pé por si só; quando é solto imediatamente cai e


está perdido”.
E, se encontrados culpados formos, a glória de Deus
manifestar-se-á em nós mediante a sua ira e justa condenação.
Passaremos a eternidade afastados da glória de Deus vivendo sob o
peso de Sua ira, para Sua glória! Muitos pensam que o diabo
governa o inferno. Mas isso não é bíblico e seria um motivo de
aplacar a ira do Deus vivo e destituir-lhe Sua glória. Antes, o inferno
e a segunda morte são muito piores do que isso. Muito piores.
Satanás e todos os seus demônios, assim como o Anticristo, a besta,
o falso profeta, e todos os intrépidos e arrogantes pecadores, serão
todos lançados no lago que arde em fogo e enxofre, por toda a
eternidade. No final, não haverá o equilíbrio do bem com o mal. O
bem irá vencer e aniquilar o mal, por toda eternidade, e para a
glória de Deus. O vencedor é o Senhor Jesus Cristo! E Ele virá para
completar sua justiça, julgando todos a Sua vinda tardia ou não. O
cordeiro de Deus governará o inferno com a Sua ira, para a glória de
Deus!

Mas Deus é o Juiz: a um abate, e a outro exalta.


Porque na mão do Senhor há um cálice cujo vinho é
tinto; está cheio de mistura; e dá a beber dele; mas as
escórias dele todos os ímpios da terra as sorverão e
beberão (Salmos 75:7).

Nós somos como a desobediente nação de Judá. Incrédula. Vil.


Abominável. A qual Deus enviou o profeta Jeremias a profetizar

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

contra ela, a fim de que se arrependesse. Porém, não houve


quebrantamento. Não houve choro. Nem arrependimento. Apenas
soberba e incredulidade. E o Senhor já previra isso.

Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai


verdadeiramente desolados, diz o SENHOR. Porque o
meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o
manancial de águas vivas, e cavaram cisternas,
cisternas rotas, que não retêm águas (Jeremias 2:12-
13).

O povo estava tão sedento pelo pecado, pela imoralidade


sexual, pela idolatria, pelo egoísmo, paganismo e pela imundícia,
que profanaram a adoração no Templo de Deus, em Jerusalém, e
deixaram, abandonaram, desviaram-se de sua fé no Deus vivo para
servir aos deuses pagãos de sua época. Passaram a ser pessoas que
não tinham temor de Deus, amor a Deus, reverência a Deus,
perderam a alegria em Deus, o zelo pela Palavra de Deus, o júbilo de
irem a Casa de Deus para adorá-lO de toda alma, todo coração, toda
intensidade. Este total abandono Deus considerou como maldade
terrível, passível de juízo.
Deus acusava ainda a nação de Judá de ter deixado o Senhor, o
manancial de águas vivas, da Água Viva, que cura, purifica, liberta e
salva, a fim de construírem cisternas rotas, ou seja, tão próximos ao
próprio manancial de águas vivas, cavavam buracos no solo com o
objetivo de se regozijarem nas águas barrentas e enlameadas das

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

chuvas. Além disso, suas cisternas estavam quebradas, ou seja, não


retinham nem mesmo as águas barrentas.
Viraram as costas para Deus, Suas leis e Sua Presença.
Abandonaram os justos caminhos de Deus. Deixaram de servi-lO
como o único Deus verdadeiro, e passaram a se sujar das areias da
idolatria. O desejo de Deus aos avisá-los disso é o pronto
arrependimento, que não ocorreu.
Assim como nós.
Parafraseando o missionário e pregador Paul Washer em seu
sermão sobre as “Mais Valiosas Palavras das Escrituras”, ele diz:
“Deus diz as montanhas: ‘Elevem-se’! Elas se elevam. Ele ordena
aos vales: ‘Afundem’! E os vales são afundados. Deus diz ao mares:
‘Esta é sua extensão. Parem por aqui’! Os mares prontamente o
fazem. Então, Deus diz ao homem: ‘Arrependa-se, pois eis que é
chegado a ti o Reino de Deus’! Este diz: ‘Não! Não quero me
arrepender! Não quero o Evangelho! Não desejo o Reino de
Deus’!”.

1.7. A Sede Pelo Cálice da Ira Divina.

Por esse motivo, todos os ímpios beberão deste cálice! Do


cálice da ira de divina. Inflamada pela corrupção do gênero
humano. Jonathan Edwards também escreveu: “O pecado é a
ruína e a miséria da alma; é destrutivo em sua natureza; e se Deus
o deixasse sem sua restrição, nada mais seria necessário para
tornar a alma completamente miserável. A corrupção do coração
do homem é sem moderação e não tem limites em sua fúria, e

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

enquanto o pecador aqui viver, é como fogo contido pela restrição


de Deus; levando-se em conta que se for deixado solto incendiará o
curso da natureza e o coração será então uma fossa de pecado,
assim se o pecado não fosse restringido, imediatamente
transformaria a alma em um forno ardente, ou em uma fornalha
de fogo e enxofre”.
Portanto, não há de que nos gloriarmos senão na glória de
Deus e nos satisfazermos Nele. Somos pecadores propensos aos
pecados mais terríveis que uma mente humana possa imaginar, e
ainda assim não o cometemos porque a graça de Deus está sobre
todos, impedindo-nos de acumular a cada dia mais brasas de fogo e
enxofre que se amontoem para a nossa própria justa condenação no
Último Dia. Condenação esta que reflete no espelho da justiça
divina a Sua própria glória em Sua ira, pronta a bater o martelo e
sentenciar pecadores facilmente à total perdição de suas
depravações. De qualquer forma, o homem arrependendo-se ou
não, o Senhor será glorificado em Sua santa justiça. Pelos séculos
dos séculos.
Não há como questionarmos isso ou sequer levantarmos as
nossas cabeças para indagarmos sobre o que é certo ou o errado
diante de Deus. Seríamos loucos a tal ponto? Isso quem faz é o
nosso pecado que habita em nós. Esse foi o erro de Adão. Esse é o
erro de toda humanidade. E Deus está mais do que preparado para
banir esse erro de uma vez por todas, exercendo juízo e justiça sobre
todos, para Sua eterna glória.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

CAPÍTULO II: A SALVAÇÃO RESPLANDECE A GLÓRIA DE DEUS.

(Jonas 2:9) – “Do Senhor vem a salvação”.

A condenação justa do Justo Juiz expressa definitivamente a


Sua glória. O homem pecou, errou, enganou e mentiu contra Deus, e
contra Ele somente. Muitos pensam, por exemplo, que ao cometer
qualquer tipo de erro contra uma pessoa, que se torna uma vítima
da maldade, o pecado dirigiu-se exclusivamente aquela pessoa. Mas
a Palavra de Deus diz que sim, o erro foi contra uma pessoa, mas o
pecado foi exclusivamente contra Deus.
Foi por esse motivo que o rei Davi, prostrado aos pés de Deus,
após cometer adultério e assassinato, exclamou: “Contra ti, contra
ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista, para que sejas
justificado quando falares, e puro quando julgares” (Salmos
51:4). Aos olhos humanos, Davi teria pecado contra Urias e sua
esposa, Bate-Seba. Além de ter desejado e tomado a mulher de um
dos soldados de Israel, enquanto este pelejava por sua nação e seu
rei, Davi, procurando esconder uma gravidez fruto de adultério,
mandou que Urias fosse deixado só no campo de batalha a fim de
ser morto pelo exército inimigo. Urias caiu para não mais se
levantar, traído pelo próprio rei, e Bate-Seba deixou de ser amante e
foi tomada por esposa deste. Assim, Davi infringiu os mandamentos
de Deus ao mentir, adulterar, desejar o que não lhe pertencia, matar
e roubar. Ele merecia ser justamente condenado a viver sem Deus
pela eternidade, além de sofrer as consequências de seu pecado pelo
resto da vida.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

A Palavra de Deus diz que Davi arrependeu-se amargamente


do seu pecado, ao ser confrontado pelo profeta Natã, voz de Deus a
Davi. O pecado do rei fora perdoado, apesar das conseqüências
deste permearem o resto da sua vida: a mentira, o engano e a morte
em sua família. Do fruto do relacionamento de Davi com Bate-Seba
nasce Salomão, o rei mais sábio e próspero que Israel já teve. E foi
justamente da raiz de Davi com Bate-Seba, descendência de
Salomão, que brotou no futuro o Filho de Deus, Salvador
incondicional de toda humanidade (Mateus 1:6-16). Como
compreender os caminhos do Senhor?
Assim como Deus perdoou a Davi de seu terrível pecado, Ele
perdoa a todos os que se arrependerem dos seus pecados e se
converterem dos seus maus caminhos. Nisso reflete-se o amor do
Pai pela humanidade. Compreender isso é muito difícil, pois,
aparentemente, Deus demonstraria ser bom e justo condenando e
lançando todos os pecadores no inferno, afastados completamente
de Sua santidade e de Sua eterna glória. Porém, Deus é justamente
glorificado em perdoar condenados eternos, pecadores intrépidos,
isso por meio do imaculado sangue do Seu Filho Jesus Cristo,
derramado na cruz do Calvário.
Mas, então, podemos questionar que, na época do rei Davi, por
exemplo, o Messias ainda não havia nascido, sofrido, morrido e
ressuscitado dos mortos. Como, então, Davi, Jó, Enoque, Noé,
Abraão, Isaque, Jacó, e todos os homens de fé anteriores e
posteriores, até Cristo, foram justificados, mediante a fé, por Deus, e
aceitos como inocentes?

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

2.1. A Salvação Predeterminada – O Decreto da Eleição


Incondicional.

Diante de tudo o que temos acompanhado até aqui – isso se


você conseguiu perscrutar cada frase deste pequeno livro até o
momento – não há como negar algo tão cristalino: a salvação do
pecador depende única e exclusivamente da ação de um Deus
Soberano. Nisso, entramos no conceito da eleição divina: Deus
escolhe indivíduos; pessoas não merecedoras, pecadoras,
depravadas, com o intuito de as salvar; e isso Ele o faz da forma
como Ele bem deseja, de forma não aleatória, mas especificamente
indivíduos que Ele sempre conheceu e escolheu.
De acordo com Paul Washer, e os demais teólogos
reformados, a salvação é predeterminada, pois expressa a soberania
de Deus sobre tudo no universo, inclusive sobre a salvação. Nisso,
Deus é glorificado em tudo! “Creio na soberania de Deus sobre a
salvação porque sei que a conversão de um homem é uma absoluta
impossibilidade” – afirmou Washer. O homem, por ele mesmo,
nem sequer possui a capacidade de pensar em Deus, muito menos
em salvação, dado que está morto em seus pecados (Efésios 2:1). A
salvação humana foi predeterminada por Deus antes da fundação
do mundo e essa é uma questão que vêm sendo debatida desde os
primórdios do cristianismo. Apesar de crença ou não na
predestinação – ou eleição – não determinar se uma pessoa será
salva ou não em Cristo Jesus, esse questionamento teológico tem
encontrados diversas ramificações entre os teólogos e fiéis cristãos
(se bem que todo fiel em Cristo deveria ser, em tese, um teólogo).

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Porém, a resposta a esses questionamentos é encontrada na


insondável, rica e poderosa sabedoria de Deus, explanada de forma
misteriosa e inerrante nas palavras da Santa Escritura, a qual nos
afirma que o plano de Salvação do homem sempre existiu, desde
antes da fundação do mundo, em Cristo Jesus - o princípio e o
fundamento de tudo. Como afirma o versículo 9 do segundo
capítulo do livro do profeta Jonas, “a salvação pertence ao Senhor”!
A salvação da humanidade vem Dele, é por Ele e para Ele. E ela foi
estabelecida antes da fundação do mundo.

Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver,


também eles estejam comigo, para que vejam a minha
glória que me deste; porque tu me amaste antes da
fundação do mundo (João 17:24). Como também nos
elegeu nele antes da fundação do mundo, para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor
(Efésios 1:4). O qual, na verdade, em outro tempo foi
conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas
manifestado nestes últimos tempos por amor de vós (1
Pedro 1:20). Ao qual Deus propôs para propiciação
pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça
pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a
paciência de Deus; para demonstração da sua justiça
neste tempo presente, para que ele seja justo e
justificador daquele que tem fé em Jesus (Romanos
3:25,26). Nele, digo, em quem também fomos feitos
herança, havendo sido predestinados, conforme o

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o


conselho da sua vontade (Efésios 1:11).

Esses são alguns versículos que apontam para um Salvador


amado antes da fundação do mundo, O qual, por amor, escolheu
soberana e previamente aqueles a quem desejaria salvar de forma
eficaz, com o intuito de realizar o seu sacrifício perfeito uma única
vez em tempo predeterminado, segundo a Sua soberana vontade.
Seu nome é Jesus Cristo, o Filho do Deus vivo. Nada está aquém da
mente de Deus e Ele não é surpreendido com nenhum fato que
ocorra no universo, seja no tempo presente, passado ou futuro, dado
que Ele predeterminou todas as coisas.
Se pensarmos assim, logo chegaremos à conclusão de que
Deus, ao criar o homem à sua imagem/semelhança, já conhecia de
antemão que este pecaria contra Ele, sendo a criatura atraída pela
serpente perigosa aos seus próprios desejos. Como já dito
anteriormente, Ele criou o homem perfeito e caível, sujeito a
seduções e enganos. Consequentemente, já havia escrito a história
da salvação em Cristo Jesus mesmo antes do homem pecar. O
pecado era conhecido no plano de Deus antes da fundação do
mundo, e o pecado é um item de Seu plano. Deus decretou permitir
que a iniquidade entrasse no mundo, mesmo que Ele não tenha
nenhum prazer no pecado e não seja de forma alguma o seu autor,
antes esteja eternamente irado contra a desobediência e o mal. Deus
estabeleceu que o pecado entrasse nesse mundo mediante a escolha
voluntária de criaturas morais, as quais Ele criou segundo Seus
eternos propósitos.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

“Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas racionais e


imortais, e dotou-as de inteligência, retidão e perfeita santidade,
segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus
corações, e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de
transgredi-la, sendo deixados à liberdade da sua própria vontade,
que era mutável” (Confissão de fé de Westminster). No início,
o casal do Éden era plenamente dotado da livre possibilidade de
escolha, sendo perfeitamente santos e irrepreensíveis criados à
imagem e semelhança do Pai. Mas ambos escolheram,
voluntariamente, pecar.
Ele nos amou desde toda a eternidade. Amou-nos não porque
viu algo em nós que despertasse o seu amor, mas amou-nos
incondicionalmente, antes da fundação do mundo.
Na Confissão de fé de Westminster lemos que: “Desde
toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua
própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto
acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem
violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou
contingência das causas secundárias, antes estabelecidas” (Isaías
45:6-7; Romanos 11:33; Hebreus 6:17; Salmos 5:4; Tiago
1:13-17; 1 João 1:5; Mateus 17:2; João 19:11; Atos 2:23;
Atos 4:27-28 e 27:23, 24, 34).
O pecado era conhecido de Deus e estava em Seu plano desde o
princípio, dado que se o Deus criador de todas as coisas
considerasse o pecado como um “acidente de percurso”, Ele
deixaria de ser o Soberano e o Todo-Poderoso. Deus teria sido, de
outra maneira, “surpreendido” por Satanás. Adoraríamos a um

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Deus fraco e limitado, que perde batalhas. Mas, como um Deus


santo, puro, justo e bom poderia ter concebido a idéia de pecado em
Seu plano?

2.1.1. Deus é o autor do Pecado?

O Rev. Samuel Falcão escreveu: “O Deus em quem cremos é


infinitamente bom e perfeito. Não podia ser o originador do mal.
Todas as Escrituras ensinam que Deus é infinitamente santo e por
isso, não podia ser o autor de algo que é exatamente o oposto de
sua natureza. O verdadeiro conceito do mal por si mesmo nega a
possibilidade de se atribuir sua origem a Deus. O mal em sua
essência opõe-se, é contrário a Deus e suas perfeições, em suma,
viola suas leis. A Bíblia ensina que até certas coisas que em si
mesmas não são pecaminosas, podem tornar-se tais, se as
praticarmos contra nossa consciência, isto é, contra aquilo que
supomos ser a vontade de Deus (Romanos 14:14,23; 1
Coríntios 8:8-13)”.
Logo, não devemos atribuir o pecado a Deus se “Deus é luz, e
não há nele treva nenhuma” (1 João 1:5). Ele é infinitamente bom,
amor incondicional, puramente santo e eternamente justo. O
Senhor é a origem de tudo aquilo que é intrinsecamente amor e
bondade. Por isso a Bíblia declara que o “Senhor é bom para todos,
e as suas misericórdias são sobre todas as suas obras” (Salmos
145:9). Eliú afirma corretamente: “Longe de Deus esteja o praticar
a maldade e do Todo-Poderoso o cometer a perversidade!” (Jó
34:10). É impossível para Deus, em sua eterna bondade, sequer

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

desejar ou pensar em fazer algo errado, ou mesmo planejar o mal:


“Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus
não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é
tentado, quando atraído e engodado pela sua própria
concupiscência” (Tiago 1:13-14).
O pecado também não deve ter sempre existido, desde a
eternidade. Se fosse assim, o bem e o mal existiriam como duas
forças cósmicas eternas e equivalentes em poder. Nesse caso, Deus e
Satanás coexistiram desde a eternidade lutando um contra o outro.
Esse seria o chamado dualismo, o qual não é bíblico. Há um só
poder superior: Deus. E tudo subsiste por Ele e para Ele.
De acordo com Louis Berkhof, essa acusação de que Deus
teria criado o pecado é improcedente e torna-se uma objeção
insuperável. “Mas a acusação não é verdadeira; o decreto
simplesmente faz de Deus o Autor de seres morais livres, eles
próprios os autores do pecado. Deus decreta sustentar a livre
agencia deles, regular as circunstâncias da sua vida, e permitir
que a livre agencia seja exercida numa multidão de atos, dos quais
alguns são pecaminosos”.
Então, o pecado deve ser atribuído a outro ser, o qual fora
criado por Deus com plena moral, um senso crítico apurado,
inteligência, uma responsabilidade inerente e total liberdade. Essas
características submetem esse ser à obediência livre e responsável à
completa vontade de Deus. Porém, nisso, ele escolheu desobedecer
ao seu Criador e Senhor, separando-se Dele por toda a eternidade,
levando consigo um terço de todos os anjos criados até então que
passaram a servir-lhe.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

O motivo da criação do pecado – ou do mal – portanto, provém


de Satanás, esse ser moral e livre que optou por pecar contra o
Senhor. O mal passou a existir pela livre agência de uma criatura, e
o seu criador foi o próprio Satanás (João 8:44) mediante os
atributos que o próprio Deus lhe concedeu.
“Concluímos, pois, que o mal começou com a desobediência de
um ser moral, que se rebelou contra Deus e levou o homem a
seguir-lhe as pegadas. Depois de começar com um ato de
desobediência e revolta, o mal tornou-se uma tendência nos
seres desobedientes” – finaliza Falcão.
Berkhof também conclui: “O problema da relação de Deus
com o pecado continua sendo um mistério para nós, mistério que
não somos capazes de resolver. Pode-se dizer, porém, que o Seu
decreto para permitir o pecado, embora as segure a entrada do
pecado no mundo, não significa que Ele tem prazer nele; significa
somente que Ele considerou sábio, com o propósito da Sua auto-
revelação, permitir o mal moral, por mais detestável que seja à
Sua natureza”.
Por esses motivos, o Senhor já havia preparado em Cristo a
redenção dos escolhidos pela fé no Filho de Deus. E, o que é mais
assustador, tudo isso está escrito em Sua Palavra.

2.2. A História da Salvação é a Glória da Soberania de Deus.

Isso é assustador porque pensar que o pecado já estava na


mente de Deus, assim como a redenção em Cristo, antes Dele ter
criado todas as coisas, faz parecer, a princípio, que Ele é um Senhor

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

que faz de Suas criaturas personagens de um teatro vil e supérfluo.


Uma mera brincadeira de mal gosto, no mínimo. E também nos faz
meditar que, como um teatro de bonecos, somos marionetes
devidamente posicionadas a fazer isso ou aquilo predeterminado
pelo Deus da criação. E, ainda mais, isso tudo para Sua glória! Mas,
que glória seria essa?
Por outro lado, pensar que Satanás enganou a Deus, fazendo
de Sua criação marionete do mal, que sucumbe diante dos mais
intrínsecos prazeres carnais, seria adorar um Deus que não conhece
todas as coisas. Isso também é absurdo, pois seria imaginar que
Satanás elabora seus planos às escondidas. Afinal de contas, que
Deus é esse que criou algo, a princípio perfeito e à sua semelhança –
refiro-me ao homem -, o qual Ele permite que seja atraído e que caia
no pecado e no erro, para então fazer um plano B, logo após a
criação, para enfim redimir a humanidade de um acidente
permitido, que é o pecado? Seria, no mínimo, um Deus sarcástico.
Porém, também, um Deus de amor. Afinal de contas, Ele criou tudo
perfeito, segundo os intentos e propósitos do Seu coração, e viu que
tudo era muito bom (Gênesis 1:31). Esse seria o plano A. Depois,
por Sua permissão, Satanás O surpreende, enganando o homem,
fazendo-o desobedecer-lhe. Assim, necessário foi criar um plano B,
imediato, para redimir a humanidade da escravidão do pecado.

“E porei inimizade entre ti [serpente, Satanás] e a


mulher, e entre a tua semente e a sua semente [o filho
de Deus, Jesus Cristo]; esta[semente, referindo-se a

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Cristo] te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar


(Gênesis 3:15).

Mas, seria Jesus Cristo um plano B? Uma segunda alternativa?


Um corretivo na criação? Um plano de escape? Ou o Redentor seria
o conserto de uma peça mal fabricada?

2.2.1. Deus na Berlinda?

De qualquer forma, Deus parece estar na berlinda da nossa


fraca concepção. Como Ele poderá escapar da nossa louca
sabedoria?
Em primeiro lugar deveríamos permanecer mesmo calados
diante de Deus e de Sua sabedoria. Mas, como o pecado habita em
nós, nos é permitido questionar. Somos criaturas limitadas
questionando um Deus-Criador infinitamente ilimitado. Seria
menos feio para nós se ouvíssemos todos os Seus conselhos e
ficássemos calados diante de Sua presença, aprendendo o que Ele
tem a dizer sobre nós, e não o que nós temos a dizer sobre nós e
sobre Ele. E, só podemos praticar isso ao lermos, estudarmos e
procurarmos entender a Sua Palavra. Ainda que não entendamos
muito bem aquilo o que Ela quer dizer, aceitar as verdades Nela
contidas são as fontes da vida, lâmpada para os nossos pés e luz
para nossos caminhos tenebrosos (Salmos 119:105). Questionar
sem conhecer é ainda maior loucura! Questionar ao conhecer, sob a
autoridade do Espírito Santo, produz conhecimento. Duvidar
produz incredulidade e morte espiritual.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Em segundo lugar, para que escapemos da nossa própria


loucura, devemos entender que a loucura de Deus é mais sábia do
que nossa mais elevada sabedoria, e que mediante essa loucura
Deus salva os crentes pela loucura da pregação do Evangelho - as
Boas-Novas de Deus para salvação (1 Coríntios 1:21,25). Deus
escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias (1
Coríntios 1:27). Logo, nossos mais sábios e elevados
questionamentos sobre Deus, em nossas mais elevadas e intrínsecas
filosofias, caem por terra mediante a sabedoria contida em Deus e
em Sua Palavra. Seria como afirmarmos que na Palavra de Deus
nada é o que parece ser. E, a princípio, não é mesmo.
Exatamente por sermos criaturas destituídas da glória de Deus,
devemos ser submissos humildemente aos Seus santos
mandamentos e estatutos, com reverência, temor e tremor. É-nos
permitido questionar a Deus e arguimos sobre nosso estado
pecaminoso, e Deus é justo. Deixou-nos uma coleção de 66 livros
para responder quase todos os nossos questionamentos. Somos
inescusáveis. Ao invés de tentarmos de alguma forma questionar a
Deus e culpá-lO pelo pecado e pelo sofrimento, deveríamos antes
nos submetermos à Sua vontade e obedecermos à Sua Palavra.
Afinal de contas, muitos dos questionamentos que fizermos serão
respondidos apenas na eternidade. Devemos ser imensamente
gratos e alegres no Senhor por Sua salvação, Seu perdão e Sua
misericórdia, frutos do Seu amor, da Sua justiça e da Sua humilde
bondade.
Portanto, a soberania de Deus é expressa na Salvação de
pecadores indomáveis mediante a extensão do braço de Sua

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

maravilhosa graça – um favor imerecido – antes da fundação do


mundo. Porém, a graça de Deus é muito mais do que um favor
imerecido. Ela expressa definitivamente a vontade do Pai em salvar
Seus filhos perdidos, por Sua livre e espontânea vontade – a qual é
sempre boa, perfeita e agradável (Romanos 12:2).

2.3. A Soberania de Deus na Salvação.

Quando a Bíblia afirma isso quer dizer que o Senhor Jesus


Cristo não é um plano alternativo na salvação do homem, a fim de
que este fosse salvo de seu próprio engano. De forma alguma! O
Filho de Deus é o único plano – fora Dele não há outro - e está
estritamente embutido tanto na criação, quanto na salvação. Não
segundo o pré-conhecimento de Deus de um fato, mas pela
predestinação de todas as coisas antes da fundação do mundo,
incluindo o plano de salvação de indivíduos em particular.

Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a saber, a


remissão dos pecados; o qual é imagem do Deus
invisível, o primogênito de toda a criação; porque nele
foram criadas todas as coisas que há nos céus e na
terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam
dominações, sejam principados, sejam potestades.
Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas
as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. E ele é a
cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha


a preeminência (Colossenses 1:14-18).

O Senhor Jesus Cristo, nosso único e suficiente Salvador e


Redentor, Deus e único com o Pai e o Espírito Santo, é o propósito
inicial e o final de toda a criação. É uma das três pessoas da
Trindade. Tudo o que existe foi criado por Ele e para Ele, “e sem Ele
nada do que foi feito se fez” (João 1:3). Ele é o Verbo que se fez
carne (João 1:1). Cristo é o “Alfa e o Ômega, o princípio e o fim” de
todas a coisas (Apocalipse 1:8; 21:6; 22:13); “aquele que era,
que é e que há de vir; o Todo-Poderoso” (Apocalipse 1:8). Por ser
Deus, Jesus é onisciente, onipresente e onipotente. Ele é o único
“pão vivo que desceu do céu” e a “água viva” que restaura os
sedentos. Ele é a centralidade de toda teologia e a personalidade
mais elevada em toda filosofia. Somente Cristo é digno de toda
honra, glória, louvor, sabedoria e riqueza pelos séculos dos séculos.
O Senhor é o Todo-Poderoso, faz conhecido o fim desde o
princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam,
assim como afirmou de forma maravilhosa ao profeta Isaías, este
inspirado pelo Espírito Santo (Isaías 46:10).
Devo insistentemente citar a Confissão de Fé de
Westminster pela importância de se compreender
definitivamente a soberania de Deus na salvação, e sobre todas as
coisas. Nela afirma-se que Deus “sabe tudo quanto pode ou há de
acontecer em todas as circunstâncias imagináveis, ele não decreta
coisa alguma por havê-la previsto como futura” e ainda que
segundo o eterno decreto de Deus para manifestação de Sua glória

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

“alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida


eterna e outros preordenados para a morte eterna”. “Esses homens
e esses anjos, assim predestinados e preordenados, são particular
e imutavelmente designados; o seu número é tão certo e definido,
que não pode ser nem aumentado nem diminuído”.
A soberania de Deus e a Sua glória refletem-se num “livro”
escrito previamente, na eternidade, cujo título é “A Criação”. Após o
“livro” ter sido escrito e aprovado pela Trindade, disseram: “Agora,
façamos do livro realidade”. Ou ainda: “Vamos trazer a existência
as palavras – as quais ainda não são - deste livro como se já
fossem” (Romanos 4:17). Então, no princípio, “Deus [Pai, Filho e
Espírito Santo] criou os céus e a terra” (Gênesis 1:1).
Obviamente que isso é uma conjectura. Fraca, por sinal. Mas
expressa a ideia bíblica de que todas as coisas estão
predeterminadas por Deus desde antes da fundação do mundo.
Mas, o pecado? Sim! A salvação também? Sim, também!

2.3.1. A Eleição Expressa a Soberania de Deus.

Nosso Deus soberano escolheu, de forma misteriosa, aqueles


que aceitariam a Cristo e aqueles que não O aceitariam. Os nomes
destes estão escritos no Livro da Vida e do Cordeiro, o qual fora
escrito antes do princípio das coisas. Tudo está escrito e registrado,
desde antes da fundação do mundo. A Bíblia declara que Deus
escolhe indivíduos, e não simplesmente um grupo de pessoas. Deus
conhece exatamente quem crerá em Seu Filho e quem não o fará
desde o princípio, não apenas por presciência – ainda que esta o

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

glorifique em tudo da mesma forma – mas de acordo com a Sua


soberana vontade. Deus sabe porque Ele próprio predeterminou tais
indivíduos a possuírem a fé ou não.
Antes da fundação do mundo, quando Deus contemplava as
coisas que Ele faria, Ele escolheu, previamente, aqueles que seriam
resgatados da queda, e os que não seriam, sem que tenham
cumprido qualquer condição como base para essa escolha. John
Piper diz que essa é “a doutrina da esperança, para aqueles que se
sentem totalmente depravados, sem esperança e ajuda”.
Novamente, a Confissão de Fé de Westminster afirma que
os predestinados “para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo
por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra
e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de
pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a
graça e salvação. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos
espiritualmente a fim de compreenderem as coisas de Deus para a
salvação, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando lhes
corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as
pela sua onipotência para aquilo que é bom e atraindo-os
eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui
livremente, sendo para isso dispostos pela sua graça”.
Existem diversos textos na Bíblia que explanam claramente
sobre a eleição – ou predestinação – para que em tudo Deus seja
glorificado. Muitos questionam sobre uma prova dessa doutrina,
algo que os faça realmente crer sem vacilar. A evidência mais clara
da eleição é que você se submeterá indubitavelmente a Cristo,
quando a graça irresistível de Deus lhe for apresentada. Se você

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

aceitar o chamado de Deus à salvação, foi porque Deus havia


escolhido você antes da fundação do mundo. A sua decisão está
intrinsecamente ligada a vontade soberana de Deus que controla
todo o cosmos. Você não escolheu nada por si mesmo. Deus te
escolheu, e você respondeu a vontade de Deus escolhendo-O.
Segundo Hernandes Dias Lopes, “Deus não nos escolheu
porque previu que iríamos crer em Cristo; cremos em Cristo
porque ele nos escolheu. A escolha divina é a causa da fé e não sua
consequência. Deus não nos escolheu porque viu em nós santidade;
fomos eleitos para sermos santos e irrepreensíveis e não porque
éramos santos e irrepreensíveis. A santidade não é a causa da
eleição, mas seu resultado. Deus não nos escolheu porque viu em
nós boas obras; somos feitura dele, criados em Cristo Jesus, para
as boas obras, e não porque praticávamos boas obras. As boas
obras são fruto da escolha divina e não sua raiz”.
No livro da revelação de Jesus Cristo, o Apocalipse, o Senhor
revela-nos que há um livro específico, chamado Livro da Vida do
Cordeiro, o qual contém os nomes de todos aqueles que são salvos
antes da fundação do mundo. Além disso, Deus deseja que
conheçamos esse plano de salvação afirmando que o Senhor Jesus
havia sido morto desde o princípio, ou seja, que a expiação dos
pecados do homem estava predeterminada na mente de Deus desde
sempre.

E adoraram-na [as nações ou povos referindo-se a


besta] todos os que habitam sobre a terra, esses cujos
nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

que foi morto desde a fundação do mundo. (...) A besta


que viste foi e já não é, e há de subir do abismo, e irá à
perdição; e os que habitam na terra (cujos nomes não
estão escritos no livro da vida, desde a fundação do
mundo) se admirarão, vendo a besta que era e já não
é, mas que virá (Apocalipse 13:8; 17:8).

Esses versículos expressam claramente a ideia de que o Senhor


escreveu num livro todos os nomes de todos aqueles que não
adorarão a besta, os quais consequentemente estão salvos desde o
princípio. Compreender isso é aceitar livremente a salvação e a
graça de Deus como elas são: um dom. Não é por merecimento ou
justiça própria (Efésios 2:7-9). É assim porque simplesmente
Deus pré-determinou que o seria, de acordo com Sua maravilhosa e
soberana vontade. E nisso Deus é glorificado!
O apóstolo Paulo afirma com todas as letras e convicção que os
eleitos foram escolhidos em Cristo antes da fundação do mundo
para o louvor da Sua glória, a qual é refletida em Sua graça. A graça
implica na total e soberana escolha de Deus sem nenhum atributo
ou característica peculiar de qualquer indivíduo. É concedida
livremente a todos os eleitos por intermédio do sacrifício vicário de
Cristo, O qual os resgatou, de uma só vez, e para sempre, do pesado
fardo do pecado e os revificou para toda eternidade. Não há nada,
nem uma vírgula sequer, que não seja da presciência do Pai. Deus
nos amou antes da fundação do mundo. Do contrário, não haveria
sequer um motivo para Deus nos escolher posteriormente. Ou seu

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

orgulho afirma que há em você algo especial para Deus lhe


escolher?

Como também nos elegeu nele antes da fundação do


mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis
diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de
adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o
beneplácito de sua vontade, para louvor e glória da
sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado,
em quem temos a redenção pelo seu sangue, a
remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua
graça (Efésios 1:4-7).

Charles Spurgeon, o “Príncipe dos Pregadores”, escreveu


num de seus preciosos sermões: “Eu creio na doutrina da eleição,
porque estou bem certo que, se Deus não me tivesse escolhido, eu
nunca O teria escolhido; e tenho certeza que Ele me escolheu antes
de eu nascer, ou caso contrário Ele nunca teria me escolhido
depois; e Ele deve ter me eleito por razões desconhecidas por mim,
porque eu nunca pude encontrar qualquer razão em mim mesmo
pela qual Ele devesse me olhar com especial amor”. Spurgeon
estava plenamente convicto da eleição pois entendiam ser essa a
vontade soberana do Pai não apenas para sua vida, mas também
para todo o povo de Deus.
No livro de Atos, escrito pelo médico – missionário Lucas,
podemos ler um relato histórico fiel de como o Espírito Santo
impulsionou a Igreja de Cristo em seus primeiros passos. Como não

89
Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

poderia deixar de ser, a soberania de Deus está expressa do


primeiro ao último capítulo e nos revela Seus planos eternos para a
Igreja e para cada um dos eleitos.

E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se, e


glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos
quantos estavam ordenados para a vida eterna (Atos
13:48).

Neste versículo, Lucas relata como os gentios estavam sendo


salvos pela pregação do Evangelho. Ele descreve provavelmente
uma doutrina que aprendera de Paulo e dos demais apóstolos, a
qual afirma, de forma clara, que aqueles que creram assim o
fizeram, pois estavam ordenados a vida eterna, e não o contrário.
Todos os que creram não foram ordenados à vida eterna pelo fato de
crerem, mas creram por estarem ordenados a ela. É o mesmo
princípio dos versículos de Apocalipse citados acima. Todos os que
adoraram a besta são aqueles cujos nomes não estão escritos no
Livro da Vida, desde a fundação do mundo.
Isso implica que a salvação é uma obra única e exclusiva de
Deus, por Deus e para Deus.
Para entendermos a maravilhosa obra da salvação, devemos
compreender que todos nós estamos mortos espiritualmente.
Poderia um morto falar, sentir, cheirar, sorrir, entristecer-se, amar
ou fazer qualquer tipo de escolha? Todos nós concordamos que não.
Logo, como podemos pensar que um morto espiritual pode escolher
a Deus, ou optar pela salvação, ou negá-la, de alguma forma?

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Impossível! Um morto espiritual pode escolher apenas aquilo que


lhe é inerente: pecar. Nada, além disso, é possível ao defunto.

E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e


pecados... Estando nós ainda mortos em nossas
ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela
graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com
ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo
Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as
abundantes riquezas da sua graça pela sua
benignidade para conosco em Cristo Jesus. Porque
pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem
de vós, é dom de Deus (Efésios 2:1,5-8).

Paulo afirma categoricamente que todos nós estávamos mortos


em ofensas e pecados, ou seja, não possuíamos capacidade
nenhuma de escolher absolutamente nada. E, estando ainda mortos,
Deus nos vivificou com Cristo – lembremos que Paulo está se
referindo a ele e aos destinatários como eleitos pela presciência de
Deus – e assim fomos salvos pela graça, mediante a fé. Mas que a
salvação pela graça através da fé não provém de nós, mas é um dom
de Deus. A fé é um dom de Deus. O arrependimento é um dom de
Deus. Sem eles, não podemos ser salvos. Se Deus, assim, não
atribuir a nós esse dom, permaneceremos inertes e mortos em
nossas ofensas e pecados.
Porém, nosso fraco entendimento logo culpará a Deus por
fazer distinção de pessoas, se Ele escolhe reavivar um em

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

detrimento de outro, salvar um e condenar outro. Mas, como


veremos mais adiante, a eleição e a atitude humana estão
intrinsecamente conectadas e andam juntas, não sendo
contraditórias mas complementares, ainda que não consigamos
assimilar o que isso significa. Se não conseguimos por instantes tal
compreensão, devemos nos manter submissos a soberana vontade
de Deus, pois os mistérios e as coisas ocultas pertencem a Ele, mas
as reveladas a nós, a fim de cumprirmos os Seus mandamentos,
segundo o Seus propósitos (Deuteronômio 29:29).
Escrever sobre isso é sempre muito difícil para diversos
teólogos, mas não deveria ser. Algo que está tão explícito na Palavra
de Deus em diversos versículos deveria ser um fato aceito por todos.
Mas, muitas objeções e aparentes controvérsias abrem caminho
para dissensões teológicas sem fim. Por esse motivo, Paulo também
escreveu sobre a soberania de Deus na salvação na carta aos
Romanos, no capítulo 9, em favor da defesa dessa doutrina, a qual
encontraria certas objeções. Esse capítulo esmiúça ao extremo
qualquer argumento ou objeção contra ela, expondo o raciocínio e a
lógica humana a fatos bíblicos revelados segundo a vontade de Deus
e que derrubam qualquer forma de questionamento.

Que diremos pois? Que há injustiça da parte de Deus?


De maneira nenhuma. Pois diz a Moisés: Compadecer-
me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de
quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não
depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus,
que se compadece. Porque diz a Escritura a Faraó:

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu


poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda
a terra. Logo, pois, compadece-se de quem quer, e
endurece a quem quer (Romanos 9:14-18).

Esses versículos demonstram que Deus não é glorificado


apenas na salvação dos eleitos, mas também na condenação de
pecadores intrépidos, os quais glorificam a Sua justiça. Convém a
Deus estabelecer a quem Ele quer ter misericórdia ou não. Quem
somos nós para questioná-lo sobre isso? Ele é o soberano criador do
universo e o mantém sustentado por suas mãos, mediante o poder
de Sua Palavra. A eleição não é de um grupo de pessoas ou nações
em específico, como afirmam os arminianos defensores do livre-
arbítrio. Esses versículos deixam muito claro a intenção de Deus em
controlar todos os indivíduos de forma pessoal e individual. Que
diremos, pois, diante dessas coisas?

Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda?


Porquanto, quem tem resistido à sua vontade? Mas, ó
homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a
coisa formada dirá ao que a formou: Por que me
fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro,
para da mesma massa fazer um vaso para honra e
outro para desonra? E que direis se Deus, querendo
mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder,
suportou com muita paciência os vasos da ira,
preparados para a perdição; para que também desse a

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de


misericórdia, que para glória já dantes preparou
(Romanos 9:19-23).

A princípio detestamos essa doutrina porque ela tira de nós o


poder de escolhermos algo tão fundamental para nossa eternidade.
O nosso orgulho é ferido ao crermos num Deus soberano que
predestinou todas as coisas segundo as riquezas de Sua sabedoria e
nos deixou de fora de escrevermos algumas linhas sobre o plano de
nossas vidas. Pensamos ser suficientemente inteligentes e aptos a
escolhermos o que é melhor para nós e a nossa tomada de decisões é
o que nos confere certo poder sobre outras pessoas, e nisso
podemos ser superior ou não a elas. Essa competitividade do
espírito humano, a qual estamos tão habituados – principalmente
nessa era pós-moderna – não é compatível com um plano
trabalhado e delineado nos mínimos detalhes antes da fundação do
mundo. Nós gostamos de novidades e surpresas, e de ficarmos
atônitos diante das superlativas descobertas. Mas, para Deus, nada
está oculto e tudo lhe é revelado desde o princípio.
Isso de certa forma estraga nossa forma de agradar a Deus
mediante nossas “fantásticas” descobertas, sejam sobre nós, sobre o
universo ou sobre Ele próprio. É como se chegássemos ao nosso pai
e disséssemos: “Olha pai, que legal! Descobri que não é o Sol que
gira em torno da Terra, mas sim o contrário! É a Terra que gira
em torno do Sol!”, e o pai responderia: “Sim, eu já sei meu filho...”.
Que frustração para o nosso ego! Diríamos: “Que balde de água
fria!”, pois nós imaginamos um pai respondendo: “Que legal filho!

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

É mesmo?! A Terra gira em torno do Sol?! Isso é fantástico! Você é


nota 1.000!”. Talvez Deus nos responda desta forma quando lhe
dissermos: “Olha, Pai! Encontrei a predestinação nas páginas da
Bíblia! O Senhor é mesmo completamente soberano! Obrigado por
abrir-me os olhos!”.

2.3.2. E a salvação para todos?

Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso


Salvador, que quer que todos os homens se salvem, e
venham ao conhecimento da verdade (1 Timóteo 2:3-
4). O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que
alguns a têm por tardia; mas é longânimo para
conosco, não querendo que alguns se percam, senão
que todos venham a arrepender-se (2 Pedro 3:9).
Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo
salvação a todos os homens (Tito 2:11). “Porque para
isto trabalhamos e lutamos, pois esperamos no Deus
vivo, que é o Salvador de todos os homens,
principalmente dos fiéis (1 Timóteo 4:10).

Alguns versículos da Bíblia afirmam que Deus estendeu os


braços de Sua misericórdia através da cruz de Cristo alcançando a
todos os homens. Não se pode discordar em nenhum momento que
a salvação de Deus é suficiente e poderosa para todos. Todos
poderiam ser salvos por ela, sem exceção. Mas, muitos não serão
salvos da ira vindoura. Da mesma forma que a Escritura afirma que

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Cristo deseja salvar a todos, afirma que ele morreu por muitos.
“Muitos” não são “todos”. A vontade de Deus seria salvar todos, mas
a Sua vontade implica em ter misericórdia de uns e não de outros.
A vontade revelada de Deus expressa o Seu amor para com
todos os homens e o Seu desejo de salvar a todos da escravidão do
pecado. Porém, sua vontade oculta (Deuteronômio 29:29)
demonstra que apesar do desejo de salvar a todos, Deus escolheu
muitos eleitos para a salvação, porém não todos.
Precisamos compreender que, no contexto bíblico, a povo que
era chamado “de Deus” eram os judeus, aos quais, desde o
princípio, Deus teve um relacionamento especial durante toda a
antiga revelação. Nesse contexto, eles pensavam que a salvação
pertencia somente a eles; uma vez que a eles foram dadas as leis e o
conhecimento messiânico; a circuncisão; a Páscoa; o próprio Cristo,
sendo judeu, descendente de Davi, chamado de a raiz de Jessé.
Portanto, na mente judaica, a eficácia da salvação ou de um
relacionamento salvífico com o Deus criador seria exclusividade
unicamente deles.
Quando as Escrituras referem-se a “todos”, então, ela traz a
revelação divina de que a salvação não é pertencente apenas a um só
povo - o povo judeu. Ela é extensível a todos os povos, de todas as
línguas, tribos, raças, nações e etnias. Os eleitos de Deus estão
espalhados em todas as nações do mundo. Mas não é o mundo todo.
Compreenda.
O apóstolo Pedro obteve essa revelação divina por meio de
uma visão, como relatada em Atos 10:11-16. Pedro, então um
legítimo judeu, era um dos cristãos que pensava na exclusividade da

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

revelação divina e da salvação para o seu povo. Deus precisou


intervir e mostrar-lhe por meio dessa visão que Ele havia escolhido
pessoas além das fronteiras judaicas. Para o apóstolo, isso foi um
choque. A princípio, ele não entendeu a visão, e ficou bastante
confuso. Sua cosmovisão precisou ser desfeita a fim de que a
revelação divina o preenchesse de completa eficácia. Assim, Pedro
atendeu ao chamado de Cornélio (um gentio, romano) e pregou o
Evangelho para ele e sua família. Deus confirmou o seu chamado
salvando toda a sua casa, como contestado em diante do capítulo 10.

E disse-lhes: Vós bem sabeis que não é lícito a um


homem judeu ajuntar-se ou chegar-se a estrangeiros;
mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chame
comum ou imundo (Atos 10:28).

Essa doutrina é de difícil explicação e entendimento, mas é


plenamente bíblica e corresponde à vontade soberana de Deus.
Cabe a nós olharmos para a Palavra e aceitarmos pela fé aquilo o
que Deus deseja que conheçamos e o que Ele não deseja.
Importante é enfatizar, diante disso tudo, que a soberania da glória
de Deus está acima de todas as coisas. Se Deus é glorificado
exercendo misericórdia e juízo, que sejam para Sua eterna glória. E
de fato são. O amor e a justiça de Deus são atributos que se
equilibram em uma balança de critérios e atos. E como o próprio
apóstolo Paulo afirmou, Ele se compadece de quem quer e endurece
a quem quer, segundo a Sua soberana vontade e Seus eternos
propósitos, os quais lhe atribuem toda a glória.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

2.3.3. A Eleição e a Responsabilidade Humana.

Nessa altura, você pode questionar sobre a sua vontade pessoal


e sua liberdade de escolha: “Então, Deus teria criado um bando de
robôs – ou marionetes, que trabalham apenas segundo a Sua
vontade?” Uma excelente pergunta, de difícil resposta. Se fosse
assim, estaríamos isentando o homem de sua responsabilidade em
pecar e escolher o bem ou o mal, o certo ou o errado, atribuindo
tudo a Deus, de forma mecânica e sistemática. Retirar a
responsabilidade do homem do seu modo de viver e agir é culpar a
Deus por tudo: pela queda, pelo pecado e pela destruição. E a
pergunta faz total sentido.
Porém, quando lemos as Escrituras, verificamos que a
responsabilidade humana e a soberana vontade de Deus andam de
braços dados e são complementares, e não contraditórias. Como diz
Augustus Nicodemus, “são linhas paralelas que se encontram
no horizonte”. Uma não existe sem a outra. Descartar a soberana
vontade de Deus ou a responsabilidade humana contradiz e faz
desmoronar os alicerces do Evangelho. Entender isso
completamente nessa vida onde estamos sujeitos aos nossos delitos
talvez seja inconcebível, mas talvez esse seja um tipo de verdade que
devamos aceitar e crer, pela fé, e não buscar explicar convictamente.

“A este que vos foi entregue pelo determinado


conselho e presciência de Deus, prendestes,
crucificastes e matastes pelas mãos de injustos;

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

ao qual Deus ressuscitou, soltas as ânsias da morte,


pois não era possível que fosse retido por ela; porque
dele disse Davi: Sempre via diante de mim o Senhor,
Porque está à minha direita, para que eu não seja
comovido; por isso se alegrou o meu coração, e a
minha língua exultou; E ainda a minha carne há de
repousar em esperança; pois não deixarás a minha
alma no inferno, Nem permitirás que o teu Santo veja
a corrupção; fizeste-me conhecer os caminhos da vida;
encher-me-ás de alegria na tua presença. Homens
irmãos, seja-me lícito dizer-vos livremente acerca do
patriarca Davi, que ele morreu e foi sepultado, e entre
nós está até hoje a sua sepultura. Sendo, pois, ele
profeta, e sabendo que Deus lhe havia prometido com
juramento que do fruto de seus lombos, segundo a
carne, levantaria o Cristo, para o assentar sobre o seu
trono, nesta previsão, disse da ressurreição de Cristo,
que a sua alma não foi deixada no inferno, nem a sua
carne viu a corrupção. Deus ressuscitou a este Jesus,
do que todos nós somos testemunhas (Atos 2:23-32).

Esses versículos são parte do discurso de Pedro aos judeus


após a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Observemos
que o apóstolo nos afirma, com todas as letras, que Cristo foi preso,
crucificado e morto pelos ímpios (romanos) em virtude do
julgamento e da rejeição do Messias pelo povo judeu, tornando-se
esses culpados também pela morte do Senhor. Porém, como ele

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

afirma, tudo isso ocorreu segundo o conselho e presciência de Deus.


Ele já havia determinado que assim deveria ocorrer. Dessa forma, a
culpa dos judeus não é isenta, mas justificada, pois eles O
crucificaram. Porém, tudo segundo a predeterminação da soberana
vontade de Deus. Para justificar sua afirmativa, Pedro cita o profeta
e rei Davi, por este ter escrito nos Salmos sobre algo que ocorreria
milhares de anos após sua vida. Quem lhe mostrou tal
conhecimento, senão Deus? Teria o Senhor escrito essa história nos
tempos de Davi? Davi estaria falando sobre ele mesmo? Óbvio que
não, pois lemos que no livro de Gênesis o Senhor já havia
predeterminado a salvação do homem. Ao longo das Escrituras,
Deus revela o plano da salvação aos profetas a fim de cumprir a
promessa no devido tempo e ser glorificado por isso.
Outra clara referência ao plano predeterminado de Deus e da
responsabilidade humana se encontram nos versículos descritos
abaixo:

Seja conhecido de vós todos, e de todo o povo de Israel,


que em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, aquele a
quem vós crucificastes e a quem Deus ressuscitou
dentre os mortos, em nome desse é que este está são
diante de vós. Ele é a pedra que foi rejeitada por
vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de
esquina. E em nenhum outro há salvação, porque
também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado
entre os homens, pelo qual devamos ser salvos. (...)
Senhor, tu és o Deus que fizeste o céu, e a terra, e o mar

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

e tudo o que neles há; que disseste pela boca de Davi,


teu servo: Por que bramaram os gentios, e os povos
pensaram coisas vãs? Levantaram-se os reis da terra,
E os príncipes se ajuntaram à uma, Contra o Senhor e
contra o seu Ungido. Porque verdadeiramente contra o
teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram,
não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e
os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua
mão e o teu conselho tinham anteriormente
determinado que se havia de fazer (Atos 4:10-
12; 24-28).

Mais uma vez, Pedro declara de forma explícita que os judeus


são culpados pela morte de Cristo, mas que tudo ocorreu segundo os
planos já determinados anteriormente por Deus de que tudo isso
seria assim.
Resumindo: Deus predeterminou todas as coisas, e o homem é
responsável por suas atitudes. As suas escolhas e suas atitudes estão
baseadas na soberana vontade de Deus. Você escolhe, decide e age
segundo os seus pensamentos, porém de forma equivalente segundo
a vontade e permissão de Deus.
Augustus Nicodemus conta uma parábola sobre a salvação
da seguinte forma: Sobre a porta de uma igreja há uma inscrição:
“Vinde a mim [Jesus], todos os que estais cansados e oprimidos, e
eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). Uma grande multidão está
passando em uma rua em frente a essa igreja. Alguns param, lêem a
placa e continuam sua jornada. Outros nem mesmo dão

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

importância, e continuam. Mas, de repente, uma pessoa para, lê e


decide entrar na igreja, e ir até Cristo - vamos grifar essa parte,
pois a pessoa decidiu parar, ler e entrar. Após passar pela porta da
igreja e entrar, essa pessoa vira-se para porta. Há uma inscrição
nela, na parte interior do templo, que diz: “Ninguém pode vir a
mim [Jesus], se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o
ressuscitarei no último dia” (João 6:44). Isto implica que, se a
pessoa entrou, ela o fez porque decidiu assim, mas também porque
Deus Pai primeiramente a trouxe, chamou-a e escolheu-a. Logo, se a
pessoa escolheu, foi porque Deus a escolheu primeiro. Se ela amou a
Deus, foi porque Deus a amou primeiro. Se alguém aceita o convite
da salvação foi simplesmente porque Deus assim quis que se fizesse
segundo Seus eternos decretos. Poderia um morto aceitar ou não a
Cristo, se Ele não o trouxesse a vida? Assim, Deus misteriosamente
escolhe a pessoa, antes da fundação do mundo, e a pessoa escolhe a
Deus, sem que isso se torne uma jogada de sorte de uma moeda
lançada ao alto. Será que a pessoa irá escolher a Deus, ou não? Na
realidade, essa tola expectativa, para o Eterno, não existe, pois Ele
sabe que se essa pessoa foi escolhida certamente retornará a casa do
Pai sem hesitação.

2.4. Deus é o Único e Soberano Autor da Salvação.

Em sua carta de masmorra, a que antecede o seu martírio,


Paulo escreve a Timóteo de maneira a afirmar que Deus é o que “nos
salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas
obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos” (2 Timóteo


1:9). Deus é o único e suficiente autor da salvação. Esta pertence
exclusivamente a Ele. É Dele, por Ele e para Ele. E este plano
maravilhoso não foi um “coelho tirado da cartola” ou mesmo um
instantâneo insight metafísico. A salvação é a maior obra de Deus
no homem, planejada antes dos séculos existirem.
Da mesma forma o apóstolo Pedro escreve em sua primeira
carta aos dispersos “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em
santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue
de Jesus Cristo” (1 Pedro 1:2), que Deus, “segundo a sua grande
misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela
ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança
incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar,
guardada nos céus para vós” (1 Pedro 1:3,4).
Eleitos segundo a presciência de Deus a herdar o tesouro da
herança em Cristo Jesus que não pode ser destruído, contaminado,
alterado, deturpado, tocado, senão por Deus.
Talvez não haja como compreender isso totalmente, ou de
outra forma. É bíblico. Portanto, aceitar essa verdade é descansar
nos braços da soberana vontade Deus, mas nunca deixar de agir,
pensar, decidir, pregar o Evangelho, aceitar a Cristo pela fé, estudar
e entender a Palavra de Deus. Pelo menos você chegará ao final de
sua vida e dirá: “Fiz isto, isso e aquilo. Venci aqui, e perdi ali.
Conquistei e deixei de conquistar. Ou não. Tudo segundo a
soberana vontade de Deus”.
O apóstolo dos gentios escreveu que estava disposto a suportar
todas as aflições do Evangelho por amor dos eleitos, a fim de que

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

estes encontrassem a vida eterna em Cristo Jesus, mediante a


exposição da Palavra de Deus (2 Timóteo 2:10). Wayne
Grudem afirmou que “a eleição era a garantia de Paulo de que
haveria algum êxito no seu evangelismo, pois ele sabia que
algumas das pessoas a quem ele pregava seriam os eleitos e que
elas creriam no Evangelho e seriam salvas”.

Porque os que dantes conheceu também os predestinou


para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de
que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos
que predestinou a estes também chamou; e aos que
chamou a estes também justificou; e aos que justificou
a estes também glorificou (Romanos 8:29,30).

Não entender a eleição não significa que ela não seja bíblica.
Ela o é ainda que não a compreendamos perfeitamente. Senão o
apóstolo Paulo, cheio do Espírito Santo, não escreveria versículos
como esses na carta aos Romanos, talvez o maior compêndio da
síntese teológica de toda a Bíblia.

2.4.1. A Deus Aprouve Realizar a Salvação Segundo os Seus


Propósitos Eternos.

Antes de Gênesis 1:1, Deus é. O universo e todas as coisas


existiam apenas na mente do Criador. Antes do Senhor criar os
anjos com o propósito de adorá-lO, Ele é. Deus é plenamente
satisfeito em Sua essência e glorioso em Sua glória. Sua soberana

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

vontade desde o princípio permitia-lhe criar ou não qualquer coisa


segundo os seus propósitos. Caberia a Ele ou não estender a Sua
glória a todo o universo e a um ser que seria Sua imagem e
semelhança, o qual recebeu do Espírito e tornou-se alma vivente. A
Deus aprouve assim o fazer em Sua soberana e eterna sabedoria
para Sua glória. Da mesma forma, Ele poderia ou não ter criado
tudo perfeito ou não sem o pecado ou não. Logo, o Senhor permitiu
o mal entrar no mundo e contaminar o mundo de forma que a
vacina do câncer do pecado já estava preparada desde antes de sua
fundação, segundo os seus elevados propósitos. O universo
resplandece essa glória por ser governado em tudo por Ele. São as
palavras do livro de Sua mente que tornam tudo possível e
realizável, segundo os Seus eternos decretos.
Segundo A. H. Strong: “Decretar a criação implica em
decretar-lhe os resultados previstos... Na eternidade não podia
haver nenhuma causa da futura existência do universo fora do
próprio Deus, visto como nenhum ser existia além dele. Na
eternidade Deus previu que a criação do mundo e o
estabelecimento das leis que o regem fariam certa sua história
atual, até mesmo nos mais insignificantes detalhes. Mas Deus
decretou criar e estabelecer essas leis. Assim decretando, decretou
necessariamente tudo quanto haveria de acontecer. Por fim, Ele
previu os acontecimentos futuros, do universo, como certos,
porque decretou criar; porém tal determinação de criar envolveu
também a determinação de todos os resulta dos atuais dessa
criação ou, em outros termos, Deus decretou esses resultados”.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Assim é também a salvação e o eterno plano de redenção do


homem em Cristo Jesus. Afirmar que ela foi planejada desde o
princípio é indubitável e concretiza o plano infalível de Deus. Uma
pessoa não poderia negá-la se antes o próprio Deus assim o fizesse
em sua consciência, e da mesma forma não poderia aceitá-la se esse
desígnio não lhe fosse concedido por Deus antes da fundação do
mundo.
Sugerir que um indivíduo possa negar a salvação que lhe foi
proposta de forma tão perfeita e predestinada é afirmar que ela não
foi suficiente, pelo menos a este indivíduo. E, se ela não foi
suficiente, Deus falhou ao salvar este indivíduo, pois este disse-lhe
não ao chamado do arrependimento. Se Deus falha, Deus não é
Deus, e tudo está acabado.
A pergunta é: “Poderia um homem resistir aos desígnios e
propósitos de Deus”? De pronta resposta afirmaríamos com todas
as letras que não. Isso seria loucura!
Ainda que, por suposição, fosse-nos concedido o direito total
de livre escolha, sem que porventura Deus precisasse de fato
revificar-nos de nossas más obras, definitivamente escolheríamos
odiar a Deus. Pelo menos a mim, se me fosse concedido o direito de
livre escolha, escolheria Deus escolher por mim. Ele é o soberano
criador do universo e conhece todos os nossos caminhos. Imaginar
que nós escrevemos a nossa própria história com nossos próprios
punhos retira de Deus o infalível plano de Seus eternos propósitos.
Portanto, a salvação, de forma maravilhosa, glorifica a Deus
por aceitar, como inocentes, inerentes pecadores culpados,
escolhidos antes da fundação do mundo, que deveriam ser lançados

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

no inferno por toda a eternidade, mas que foram alcançados pela


irresistível graça divina mediante o dom da fé, concedido pelo Pai
celestial. Deus é glorificado em você, pecador, justamente
condenável, ao ter entregado Cristo para sofrer o dano da morte em
Seu lugar. E, se Cristo ressuscitou dentre os mortos, pelo poder do
Espírito Santo, devemos crer que assim também seremos
ressuscitados para a vida eterna em Deus, segundo os Seus
propósitos e para a Sua glória!

2.4.2. Os Planos de Deus São Perfeitos e Infalíveis.

Ainda que você afirme que nunca vai aceitar a salvação dessa
forma, se acaso Deus lhe escolheu para aceitá-la, um dia ela lhe será
irresistível. Caso a graça divina ainda lhe seja resistível, é porque o
Senhor predeterminou que assim o fosse, cobrindo-lhe os olhos com
escamas por período de tempo indeterminado até que elas lhes
sejam tiradas e caiam por terra. Pois, quando você a enxergar sem
as escamas, ela será tão irresistível a você que não haverá como
rejeitá-la. De forma alguma! Ainda que você pense querer fazê-lo,
não conseguirá. Aliás, você nem mesmo pensará sobre isso.
Pensar que o Cristo Verbo é o próprio Deus, em quem foram
realizadas e sonhadas todas as coisas, as quais Nele subsistem; o
qual estava com Deus na eternidade, antes da fundação do mundo,
entregou-se a si mesmo em favor dos escolhidos numa morte
terrível de cruz, em favor dos nossos pecados, ressuscitando dos
mortos ao terceiro dia pelo poder do Espírito Santo e sendo assunto
aos céus após o quadragésimo dia; o qual agora está assentado à

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

destra do Pai, e com Ele governa todas as coisas; devemos assim


crer, de uma vez por todas que o resgate pelos nossos pecados foi
pago definitivamente e fomos salvos da grande e terrível ira
vindoura. Fomos assim salvos de Deus e o nosso pecado se foi. Em
Sua completa soberania, Deus escolheu nos salvar por motivos
desconhecidos momentaneamente a nós, pois as coisas ocultas
pertencem a Ele (Deuteronômio 29:29), expondo seu Filho como
espetáculo num madeiro aclamado como maldito.
Portanto devo crer com todas as minhas forças que nada no
mundo poderá abalar a certeza de que sou salvo por meio da fé por
meio da graça de Deus em Seus insondáveis caminhos perfeitos. E
não há nada que possamos fazer para sermos salvos senão crermos
pela fé no Filho de Deus. Isso não vem de nós, mas é dom de Deus.
A salvação é dom de Deus. A fé é dom de Deus. O sustentáculo da
salvação e da fé não é outra senão a maravilhosa graça divina,
estendida a pecadores incisivos; inimigos de Deus, agora
reconciliados mediante a cruz de Cristo para viverem a eternidade
em comunhão perfeita com o Pai.
Se foi o próprio Deus quem nomeou o Substituto perfeito para
morrer em nosso favor, não há nada neste universo que possa
substituir ou tornar incompleta a obra de Cristo no Calvário. A
salvação predestinada inclui todos os pontos e vírgulas nos quais
não devemos tropeçar, mas antes crermos para salvação e exaltação
do nome do Filho de Deus.

O conselho do Senhor dura para sempre, os desígnios


do seu coração por todas as gerações (Salmos 33:11).

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Este é o desígnio que se formou concernente a toda a


terra; e esta é a mão que está estendida sobre todas as
nações. Porque o Senhor dos Exércitos o determinou;
quem, pois, o invalidará? A tua mão está estendida;
quem, pois, a fará voltar atrás? (Isaías 14:26-27).
Lembrai-vos das coisas passadas da antigüidade; que
sou Deus e não há outro, eu sou Deus, e não há outro
semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que
há de acontecer, e desde a antigüidade as coisas que
ainda não sucederam; que digo: o meu conselho
permanecerá de pé, farei toda a minha vontade
(Isaías 46:9-10). E eu bendisse o Altíssimo, e louvei e
glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é
sempiterno, e cujo reino é de geração em geração.
Todos os moradores da terra são por ele reputados em
nada e segundo a sua vontade ele opera com o exército
do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa
deter a mão, nem lhe dizer: que fazes? (Daniel 4:34-
35). Não se vendem dois pardais por um asse? E
nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de
vosso Pai. E quanto a vós outros, até os cabelos todos
da cabeça estão contados (Mateus 10:29-80). Porque
o Filho do homem, na verdade, vai segundo o que está
determinado, mas ai daquele por intermédio de quem
ele está sendo traído (Lucas 22:22). [...] sendo este
entregue pelo determinado desígnio e presciência de
Deus, vós o matastes, crucificando-o por mão de iníquos

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(Atos 2:23). Porque verdadeiramente se ajuntaram


nesta cidade contra o teu santo servo Jesus, ao qual
ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e povos
de Israel para fazerem tudo o que a tua mão e o teu
propósito predeterminaram (Atos 4:27-28). [...] e um
só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a
face da terra, havendo fixado os tempos previamente
estabelecidos e os limites da sua habitação (Atos
17:26). Diz o Senhor que faz estas coisas conhecidas
desde séculos (Atos 4:18). Sabemos que todas as coisas
cooperam para o bem daqueles que amam a Deus,
daqueles que são chamados segundo o seu propósito.
Porquanto aos que de antemão conheceu, também os
predestinou para serem conformes a imagem de seu
Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
irmãos. E aos que predestinou, a estes também
chamou; e aos que chamou, a esses também justificou;
e aos que justificou, a esses também glorificou
(Romanos 8:28-30). [...] nele, digo, no qual fomos
também feitos herança, predestinados segundo o
propósito daquele que faz todas as coisas, conforme o
conselho da sua vontade (Efésios 1:11). Pois somos
feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras,
as quais Deus de antemão preparou para que
andássemos nelas (Efésios 2:10). [...] segundo o poder
de Deus, que nos salvou e nos chamou com santa
vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

a sua própria determinação e graça que nos foi dada


em Cristo Jesus antes dos tempos eternos (2Timóteo
1:8-9). [...] sabendo que não foi mediante coisas
corruptíveis, como prata ou ouro que fostes resgatados
do vosso fútil procedimento que vossos pais vos
legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro
sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo,
conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo,
porém manifesto no fim dos tempos, por amor de vós
(1 Pedro 1:18-20).

Todos os planos de Deus são perfeitos e infalíveis,


estabelecidos antes da fundação do mundo! Louvado seja o nome do
Senhor para todo o sempre! Amém!

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CAPÍTULO III: A CRUZ DE CRISTO É O REFLEXO DA GLÓRIA


DE DEUS.

E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua


cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas
as coisas, tanto as que estão na terra, como as que
estão nos céus (Colossenses 1:20).

Um objeto de dor, sofrimento e morte. Um pedaço de madeira


no qual aprouve a Deus moer o seu Filho, fazendo-o enfermar até a
morte (Isaías 53:10). Local onde Jesus foi espremido e deixou de
ser justiça, tornando-se pecado e maldição, sobre o qual foi
satisfeito por completo o cálice da ira de Deus. Objeto de sangue,
repulsa e escárnio. A cruz de Cristo é o reflexo da glória de Deus na
redenção humana!

3.1. O Preço da Redenção.

Foi ali na cruz do Calvário que o preço do resgate para salvação


dos eleitos foi pago por completo. Todos estavam condenados em
virtude do salário digno do pecado: a morte. Todos se encontravam
mortos para Deus, escravizados pelo pecado, obedecendo-lhe e
servindo aos seus desígnios. O preço a ser pago pelo resgate do
homem era muito elevado. Ainda que se juntassem todas as
riquezas do universo, essas não completariam a dívida de uma única
alma.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro,


se perder a sua alma? Ou que dará o homem em
recompensa da sua alma? (Mateus 16:26)

O próprio Jesus afirmou que uma alma vale mais do que o


mundo todo. O que poderia o homem oferecer a Deus em favor do
seu resgate? A calça do pecado na qual está vestido possui os bolsos
furados, e tudo o que é ali depositado como fonte de riqueza se esvai
pelo caminho, deixando cada indivíduo pobre, cego, nu e miserável
diante do Pai. Mas a eterna misericórdia de Deus alcançou o homem
em sua miséria. A situação de todos era precária, e justamente
deveriam ser lançados ao sofrimento eterno.
Deus eternamente irado com o pecado inflamava o cálice de
Sua ira com o intuito de saciar a sede da desobediência de cada alma
vivente. Algo precisava ser feito para redimir o homem de sua
depravação e pagar o preço pelo seu resgate. O preço foi a morte do
Filho de Deus. O próprio Deus.
Por meio da cruz fomos reconciliados com Deus. Éramos
inimigos Dele (Romanos 5:10). Como poderíamos de alguma
forma contender contra o Todo-Poderoso sem sermos aniquilados?!
Mas assim nos encontrávamos em guerra contra nosso Pai, e como
filhos rebeldes, agradávamo-nos fazer tudo aquilo que era contra a
Sua soberana vontade. Deus ordenava o arrependimento, mas
estávamos todos surdos. Inertes em nossa morte espiritual. Não
enxergávamos nem mesmo Sua misericórdia, que se renova a cada
manhã. As correntes da devassidão nos prendiam com seus ferros
aos nossos desejos mais egoístas e profanos. A lama do pecado

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

cobria-nos por completo, e adorávamos as porções de comida que


alimentavam os porcos, e ainda assim nem com essas poderíamos
ser saciados.
Aprouve a Deus salvar-nos Dele próprio, pois Seu maior desejo
é satisfazer a Sua justiça em Sua ira, eliminando o pecado de uma
vez por todas. Um alto preço precisava ser pago. Assim como por
intermédio de um único homem todos pecaram e morreram, assim
também por intermédio de um, perfeito em seus caminhos, tentado
pelo pecado em eles, porém sem conhecer o pecado, precisava
morrer inocente e ser entregue como resgate, em favor dos seus
eleitos.
O valor da dívida é inimaginável. Por isso, o salmista escreveu:

Aqueles que confiam na sua fazenda, e se gloriam na


multidão das suas riquezas, nenhum deles de modo
algum pode remir a seu irmão, ou dar a Deus o resgate
dele (Pois a redenção da sua alma é caríssima, e
cessará para sempre), para que viva para sempre, e
não veja corrupção (Salmos 49:6-9).

Não haveria meios físicos ou carnais que poderiam suplantar o


valor da dívida. Como consequência o homem desde o princípio foi
escravizado pelo pecado e seus desejos carnais. Mas, Deus “amou o
mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João
3:16). O próprio Deus ofereceu-se a Si mesmo, por intermédio de
Cristo Jesus, Seu único Filho, para pagar a dívida que era contra nós

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

e quitá-la por toda eternidade, uma única vez, de forma soberana e


plenamente eficaz.

Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas


ordenanças, a qual de alguma maneira nos era
contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz
(Colossenses 2:14).

Jesus, o homem perfeito, rasgou o documento de dívida que


era contra cada um de nós. Éramos devedores a Deus. Toda a nossa
falsa bondade e corrompida justiça não poderiam sequer amenizar a
ira de Deus sobre nós. É como se tentássemos pagar uma dívida de
trilhões de dólares com alguns míseros centavos. E ainda assim a
comparação é desproporcional.
Nossa reconciliação seria impossível sem a cruz. Mentirosos e
enganadores como somos, o tempo todo procuramos desagradar a
Deus de forma incisiva. Verdade é que se não fosse a graça de Deus
sobre nós, além de pecarmos violentamente sem limites, além disso,
esbofetearíamos a face de Deus se nos fosse concedida a
oportunidade.
Se a dívida era nossa para com Deus, e não tínhamos condições
nenhuma de quitá-la, apenas o próprio Deus poderia resolver a
questão. E Ele assim o fez. Quitou por completo nossa dívida e
perdoou o débito, expondo-se na cruz do Calvário como espetáculo
ao mundo, cumprindo assim Sua perfeita justiça em Si mesmo,
mediante Seu Filho amado, “o qual se deu a si mesmo em preço de

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redenção por todos, para servir de testemunho a seu tempo” (1


Timóteo 2:6).
Cristo é o nosso resgate. Ele é o pagador e Ele é o preço. Dele
por Ele mesmo. Nele nós “temos a redenção pelo seu sangue, a
remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” (Efésios
1:7). Nele nossos pecados são perdoados e nossa dívida é quitada.
Não há nada que poderíamos fazer numa mísera existência, ainda
que praticássemos todo ato que julgássemos bom para justiça. Por
isso, foi mediante a Sua graça que recebemos a inocência de nossos
delitos diante Dele.
Ele é o único e supremo vencedor. Se nosso resgate fosse pago
a Satanás, ele seria o vencedor. Deus haveria sucumbido aos desejos
do diabo em libertar o homem do jugo da servidão do pecado por
um preço determinado pelo príncipe das trevas. Mas isso nunca foi
assim, apesar de muitos crerem dessa forma. A dívida era para com
Deus, e apenas Ele poderia quitá-la. Deus é a parte ofendida e
insultada em todo o processo do pecado.
O preço foi pago na encarnação de Cristo, essa por intermédio
do poder do Espírito Santo; em Sua vida sem pecado, apesar de ter
sido tentado diversas vezes por ele; em Sua completa e submissa
obediência à vontade do Pai em todas as coisas, do princípio ao fim;
em Sua forma humana, que foi despedaçada no martírio e na cruz,
exposta como espetáculo ao mundo; em Sua ressurreição dos
mortos e ascensão aos céus.

3.2. A Substituição na Cruz.

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O Senhor Jesus Cristo pagou o preço em favor de nossa


redenção substituindo-nos no madeiro maldito. A obra substitutiva
de Cristo implica que nós deveríamos ter sido severamente
açoitados até que nossa carne se tornasse uma esponja de sangue.
Nós que deveríamos ter carregado um madeiro por longa subida,
sendo cuspidos e esbofeteados na face. Nós que deveríamos ter
nossas mãos e nossos pés cravados naquele pedaço de madeira e
sentido dor lancinante. Nós que deveríamos estar expostos como
espetáculo ao mundo, aos céus e a terra, aos anjos, principados e
potestades, e todos deveriam contemplar a ira de Deus sendo
derramada sobre nós. Nós que deveríamos sentir a falta de ar
mediante o peso de nosso corpo esmagando nosso diafragma. Nós
que deveríamos sentir sede e termos experimentado vinagre ao
invés de uma refrescante água. Nós que deveríamos ter sido
transpassados por uma lança. Ou algo pior. Nós deveríamos morrer.
E não apenas morrer fisicamente, mas sermos lançados no lago que
arde em fogo e enxofre, criado para o diabo e seus anjos (Mateus
25:41).
Porém o Senhor nos substituiu na cruz. A morte que todos
experimentaríamos – e que muitos que negam o Evangelho e o
nome do Filho de Deus irão experimentá-la – seria muito mais
terrível ainda. Jesus morreu em nosso favor, em nosso lugar.

Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas


ovelhas. Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas
ovelhas, e das minhas sou conhecido. Assim como o Pai

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

me conhece a mim, também eu conheço o Pai, e dou a


minha vida pelas ovelhas (João 10:11,14,15).

Ele entregou a sua preciosa vida em favor da vida de suas


ovelhas – os seus eleitos. A obra eficaz de Cristo na cruz do Calvário
foi plenamente substitutiva. Se não fosse a Sua maravilhosa graça,
suas ovelhas seriam todas abatidas. Mas Ele, como o bom Pastor,
ofereceu-se a si mesmo em favor das ovelhas valiosas do Pai, e
derramou, inocentemente, a Sua alma na morte. Foi traído, ferido,
humilhado, desprezado e duramente assassinado na cruz. “Oh,
Cruz, lugar de sofrimento e dor”!

Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para


tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de
mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder
para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de
meu Pai (João 10:17-18).

Jesus não foi surpreendido pela morte, com isso todos


concordam plenamente. Mas todos nós fomos surpreendidos pelo
Seu soberano amor, ao ter Ele se entregado à morte com o intuito
exclusivo de padecer em favor de suas ovelhas - no lugar delas -
tomando-as para Si, definitivamente, e para todo o sempre. E esse
maravilhoso propósito já havia sido concebido antes da fundação do
mundo, quando Deus escrevia a história da Sua glória na criação e a
iniciou em Gênesis 1:1, resplandecendo seu ápice na cruz do
Calvário. Como vimos no capítulo anterior este maravilhoso plano

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

de salvação foi concebido antes da fundação do mundo enquanto


Deus escrevia a história da Sua glória. Sim, porque a história
contida na Bíblia não é a história do homem, sua queda e salvação,
mas a revelação suprema da glória de Deus em tudo.
Na cruz, “verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas
enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o
reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido” (Isaías 53:4).
Segundo o apóstolo Pedro, Cristo foi erguido como sacrifício
“levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o
madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver
para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados” (1 Pedro
2:24). “Em nosso favor” Deus fez de Cristo o “sacrifício pelo
pecado” (2 Coríntios 5:21), e “Cristo nos resgatou da maldição
da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: maldito
todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gálatas 3:13).
Essa obra substitutiva é plenamente eficaz, pois de forma
alguma os eleitos de Deus serão “arrebatados” das mãos de Cristo, a
quem pertencem. Nele possuem a vida eterna para todo o sempre e
jamais poderão perdê-la, pois Jesus completou a Sua obra de forma
perfeita. “Está consumado” (João 19:30; 17:4). Os eleitos
pertencem a Deus e foram comprados por precioso sangue, sangue
de morte de cruz (João 10:27-29). Não há nada que um indivíduo
possa fazer para ser salvo, senão crer, única e exclusivamente pela
fé, no Filho de Deus.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

E, sendo ele consumado, veio a ser a causa da eterna


salvação para todos os que lhe obedecem (Hebreus
5:9).

A substituição garante por completo a salvação dos eleitos de


Deus. Se Cristo morreu pelos eleitos, assim o preço foi pago e a
cédula de dívida que lhes era contrária foi rasgada e lançada fora.
Não há o que temer se Cristo morreu por você e o substituiu na cruz.
Uma vez que a ira de Deus contra o pecado foi aplacada no
Substituto perfeito e a misericórdia exercida Nele, não há porque
essa condenação ser executada novamente sobre os que já foram
salvos. Sobre isso, Charles Spurgeon diz que “você, como crente,
não pode ser condenado porque Cristo morreu. O crente tem a
Cristo por seu Substituto e, sobre esse Substituto seu pecado foi
colocado. O Senhor Jesus foi feito pecado por Seu povo. ‘O Senhor
fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos’. ‘Ele levou sobre Si o
pecado de muitos’. Agora, nosso Senhor Jesus Cristo, pela Sua
morte sofreu a penalidade do nosso pecado, e satisfez a Justiça
Divina”.

3.5. Uma Vida Perfeita e Substitutiva.

O Senhor Jesus Cristo é o homem perfeito – 100% homem e


100% Deus, como já explanado anteriormente. Viveu
completamente sem pecado e obedeceu a Deus em todos os
menores aspectos de sua vida. Por isso, devemos crer, segundo as
Santas Escrituras, que o nosso Senhor não apenas morreu uma

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

morte substitutiva, mas também viveu uma vida perfeita em


detrimento dos seus eleitos.
Por esse motivo que Paulo faz a comparação de Cristo como
sendo o segundo Adão. Retomemos alguns aspectos de Adão: a) foi
criado perfeito; b) plena moral e capacidade de decisão; c) com
livre-arbítrio; d) total capacidade intelectual; e) vivo
espiritualmente; f) imagem/semelhança de Deus; e, nesse contexto,
Deus faz um Pacto com Adão, de que ele poderia se alimentar de
todas as árvores do jardim, a não ser aquela que ofertava o fruto do
conhecimento do bem e do mal. Caso ele comesse do fruto desta
árvore, ele morreria. Nesse sentido, Adão permanecia vivo e eterno
enquanto obedecesse a esse mandamento restritivo de Deus. Por
isso, esse é um Pacto de Obras, pois a eficácia dos benefícios do
Pacto para Adão dependia completamente de sua obediência.
E, já sabemos o resultado.
Quando Adão caiu, e com ele toda a humanidade, o próprio
Deus providenciou a salvação do homem, por meio de Cristo Jesus,
como anunciado no protoevangelho de Gênesis 3:15. Observe que,
nesse segundo Pacto, não era o homem que precisava fazer algo. O
resultado final e a eficácia dele já estavam determinadas por Deus, e
não dependeriam mais da obediência humana para se concretizar.
Posteriormente, quando Deus fez a sua Aliança com Abraão, o
Senhor nada mais nada menos ampliou as cláusulas pactuais
atribuindo-lhe maiores características e benefícios àqueles a quem
Ele já havia escolhido. E, com o decorrer dos séculos, essa Aliança
foi sendo cada vez mais instrumentalizada por meio de promessas.
A salvação nunca foi condicional no sentido de sua eficácia. O eleito

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

com certeza crerá e responderá ao chamado irresistível do seu Deus.


Não existe a possibilidade de salvação, mas a certeza de que Deus
fez uma aliança eterna com o seu povo e a cumpriu por meio da
encarnação do Verbo de Deus.
Por isso, esse Pacto é chamado “da Graça”, uma vez que
depende única e exclusivamente da Graça de Deus. Observem que
este Pacto permeia toda a história e o contexto bíblicos. Não existem
vários pactos, mas apenas um único pacto eficaz, que
progressivamente, no decorrer da história e da revelação de Deus ao
homem, veio sendo aprimorado e detalhado com maior graça.
A Lei que Deus deu ao seu povo, por meio de Moisés, a fim de
que fosse cumprida à risca, revelou o pecado do homem e a sua
completa impossibilidade de obedecê-la, cujo intuito era o de servir
ao seu Criador e Senhor de acordo com os parâmetros dele. A Lei de
Deus é muito boa, e revela o que o próprio Deus esperava do seu
povo. Se, cumprida em todos os seus pormenores, de forma perfeita,
diante do terrível Tribunal de Deus tal pessoa seria considerada
inocente. Porém, por causa do pecado, ela se tornou em
enfermidade para o homem, e o matou, uma vez que revelou no
coração humano toda a sua completa inabilidade em agradá-lO e
glorifica-lO. Nesse sentido, a Lei não salva ninguém, antes, condena
veementemente. Paulo descreve isso de forma sistemática no livro
de Romanos e conclui que nenhum homem possui a capacidade
para cumprir toda a Lei (Romanos 8:3).
Por exemplo, “amar a Deus de todo o seu coração, de toda a
sua alma e de todo o seu entendimento” revela uma esmagadora
verdade de um dever sublime que nenhum ser humano conseguiu

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

ou conseguirá fazer até a consumação dos séculos. A possibilidade


do cumprimento deste expresso mandamento será possível apenas
na glorificação, quando estivermos libertos de uma vez por todas do
corpo desta morte.
Porém, em tudo isso, a lei permanece boa, pois ainda que
condene o homem pecador e mal, o condena para a glória de um
Deus santo e bom. A enfermidade da lei não está na lei, mas no
homem que a busca reter e obedecer, o que é uma completa
impossibilidade. É como abastecer um carro à álcool com óleo
diesel. São completamente incompatíveis. Não funciona. A não ser
que, soberanamente, Deus o faça, por meio do Seu Espírito.
Por diversos versículos das Escrituras, os mandamentos de
Deus são exaltados como dignos de estudo, reflexão e vida para a
alma, navegando conosco no turbulento mar de nossa inconstância,
encaminhando-nos para a glória de Deus. Creio que o Salmo 119
seja o mais rico em exaltação aos mandamentos dos beneplácitos da
lei divina, que trazem vida, prudência, sabedoria e consolo para a
pecadora alma humana. Seus versículos são perspicazes e nos
incentivam a estudarmos e meditarmos nas leis de Deus como algo
bom e proveitoso a ser obedecido, não como um fim em si mesmo,
mas que nos trazem a alegria nEle que O glorifica:

Bendito és tu, ó Senhor; ensina-me os teus estatutos


(vs. 12). Meditarei nos teus preceitos, e terei respeito
aos teus caminhos. Recrear-me-ei nos teus estatutos;
não me esquecerei da tua palavra (vs. 15,16). Abre tu
os meus olhos, para que veja as maravilhas da tua lei

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

(vs. 18). Sou peregrino na terra; não escondas de mim


os teus mandamentos. A minha alma está quebrantada
de desejar os teus juízos em todo o tempo (vs. 19,20). A
minha alma consome-se de tristeza; fortalece-me
segundo a tua palavra (vs. 28). Antes de ser afligido
andava errado; mas agora tenho guardado a tua
palavra (vs. 67). Foi-me bom ter sido afligido, para
que aprendesse os teus estatutos (vs. 71). Bem sei eu, ó
Senhor, que os teus juízos são justos, e que segundo a
tua fidelidade me afligiste (vs. 75). Venham sobre mim
as tuas misericórdias, para que viva, pois a tua lei é a
minha delícia (vs. 77). Todos os teus mandamentos são
verdade (vs. 86a). Se a tua lei não fora toda a minha
recreação, há muito que pereceria na minha aflição.
Nunca me esquecerei dos teus preceitos; pois por eles
me tens vivificado (vs. 92,93). Oh! quanto amo a tua
lei! É a minha meditação em todo o dia (vs. 97).
Lâmpada para os meus pés é tua palavra, e luz para o
meu caminho (vs. 105). Rios de águas correm dos meus
olhos, porque não guardam a tua lei. Justo és, ó
Senhor, e retos são os teus juízos (vs. 136,137). A
salvação está longe dos ímpios, pois não buscam os
teus estatutos (vs. 155). Tenho desejado a tua salvação,
ó Senhor; a tua lei é todo o meu prazer (vs. 174).

Para o reformador João Calvino, “[...] a lei foi acrescentada


cerca de quatrocentos anos após a morte de Abraão não para

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

afastar de Cristo o povo eleito; pelo contrário, para que


mantivesse as mentes suspensas até sua vinda, até mesmo lhe
acendesse o desejo e na expectação os firmasse, para que não
esmorecessem por uma demora mais longa”. Ou seja, o objetivo da
Lei não era somente mostrar ao homem a sua total inabilidade, mas
também, como sombra, criar no coração dos eleitos uma expectativa
crescente por uma redenção tão aguardada segundo a promessa
firmada em Gênesis 3:15. Nesse sentido, cada vírgula da Lei aponta
para o Cristo de seu povo.
“[...] a lei é como que um espelho no qual contemplamos nossa
incapacidade, então resultante desta a iniquidade, por fim a
maldição proveniente de ambas, exatamente como o espelho nos
mostra as manchas de nosso rosto (...) quanto mais a lei nos
convence de que somos homens que têm cometido transgressão,
tanto mais nos mostra que somos dignos de pena e castigo”,
conclui Calvino. Nesse sentido, a Lei é boa uma vez que produz no
coração do eleito um desejo intenso por arrependimento e uma
salvação eficaz que não provém dele, e de que nem mesmo ele
participa. Logo, é necessária uma ação sobrenatural, externa, que
venha ao encontra dessa necessidade e dessa urgência em obedecer
aquilo que o Senhor exige de cada um de nós.
Quando o Verbo de Deus se encarnou e se fez carne, como um
de nós, ele não contemplou a corrupção do pecado, e por isso foi
perfeito em cumprir toda a Lei, nos menores detalhes possíveis.
Mesmo no ato do batismo de João, que era para o arrependimento
de pecados – o que implicitamente O excluiria dessa obrigação –
Ele se sujeitou para que se cumprisse toda a Lei.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Em Mateus 5:17-19, durante o Sermão do Monte, Jesus


disse:
Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não
vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade vos
digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota
ou um til jamais passará da lei, sem que tudo seja
cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes
mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar
aos homens, será chamado o menor no reino dos céus;
aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado
grande no reino dos céus.
Isso exemplifica a nós que o objetivo da encarnação do Verbo
não era apenas uma morte vicária, mas também uma vida
substitutiva, perfeita, em que o Cristo necessitou cumprir cada
aspecto da Lei em seus pormenores, a fim de redimir nossa vida por
completo. Nisso, a Graça se torna ainda mais abundante, uma vez
que podemos nos achegar a Deus sem o subsídio da Lei, porque o
Cristo a cumpriu em nosso lugar. Chegamos, portanto, a Deus,
única e exclusivamente por meio da fé, esse dom maravilhoso que o
Senhor nos concede a fim de que sejamos salvos. Ele viveu e morreu
por seus eleitos e isso de forma plena e eficaz. Logo, estes são
justificados pela fé somente no filho de Deus.
Devemos atentar, também, que todas as cerimônias descritas
no AT foram silenciadas porque Cristo é o fundamento e o
cumprimento de tais. Isso não torna as cerimônias obsoletas, porém
ainda mais belas e de profundo significado. O seu significado
espiritual ainda permanece e não deve ser desprezado, mas uma vez

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

que Cristo cumpriu, em substância, todos os atos cerimoniais, e


trouxe à luz o que dantes encontravam-se enegrecidos pelas
sombras, atentamos para elas apenas no sentido de revelar-nos o
Cristo perfeito.
Para finalizar este tópico, Calvino citando Agostinho escreve:
“[...] Agostinho (...) escreve a Hilário: ‘A lei ordena que, tentando
nós cumprir- lhe as injunções e fatigados em nossa fraqueza
debaixo da lei, saibamos pedir ajuda da graça’ (...) a Asélio: ‘A
utilidade da lei é que convença o homem acerca de sua
enfermidade e o compila a implorar o remédio da graça que está
em Cristo’ (...) a Inocêncio de Roma: ‘A lei ordena; a graça
ministra o poder para cumprir’ (...) a Valentino: ‘Deus ordena as
coisas que não podemos, para que saibamos o que lhe devamos
pedir’. (...) A lei foi dada para que vos fizesse culpados; feitos
culpados, temêsseis; temendo, buscásseis perdão e não vos fiásseis
em vossas próprias forças (...) A lei foi dada para isto: que de
grande pequeno te fizesse; que te mostrasse que, de ti mesmo, não
tens poder para a justiça; e assim, pobre, necessitado e carente,
recorras à graça” .
Que maravilhosa obra salvífica!

3.4. Expiação e Propiciação.

Dizer que o pecado foi expiado implica afirmar que ele foi
eliminado – removido - da vida de todo aquele que recebe a Cristo
pela fé, segundo os propósitos de Deus. O verbo expiar possui a raiz
hebraica do verbo kaphar, o qual pode significar basicamente

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

remir, apaziguar ou resgatar. Nas Escrituras esse termo é utilizado


para significar o pagamento - ou resgate - de pecados. Pode-se
concluir que a morte de Cristo na cruz apaziguou a guerra de
inimizade entre Deus e o homem, ou que essa morte expiatória
aplacou a ira de Deus contra o pecado, pelo menos por um
determinado período de tempo.
De acordo com R. C. Sproul, o termo expiação, biblicamente,
“significa eliminar a culpa, removê-la por meio do pagamento de
um resgate ou oferecendo uma expiação; significa pagar a
punição por um erro cometido. Portanto, o ato da expiação remove
o problema por meio de um pagamento – pagando a punição ou
resgate – ou por meio de um sacrifício com o objetivo de atender a
uma exigência”. Assim, ao quitar a nossa dívida com Deus, além de
nos libertar da escravidão do pecado, Cristo instantaneamente
arrancou o pecado de nós, purificando-nos do mal.
A morte expiatória de Cristo na cruz tornou Deus propício a
nós, ou seja, o Pai agora pode olhar para seus filhos e não encontrar
neles culpa alguma, pois o sangue do Seu Filho os purificou de todo
pecado (1 João 1:7). O termo propiciação é derivado da palavra
grega hiláskomai, um verbo que possui os significado de aplacar ou
satisfazer, ser propício e misericordioso ou fazer propiciação por
alguém. Isso implica dizer que Deus é misericordioso, e que através
da morte do Senhor Jesus na cruz do Calvário nossos pecados foram
perdoados, pois o preço pelo nosso resgate foi pago, e a ira de Deus
foi aplacada ainda que por um período determinado de tempo. A
expiação é a obra de Cristo na cruz, e seu resultado é que Deus se
torna propício a nós. Assim, somos reconciliados com Ele

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

(Colossenses 1:20). E, se fomos reconciliados com Deus mediante


a morte de Cristo na cruz, conseqüentemente seremos salvos pela
sua vida, demonstrada na ressurreição dos mortos (Romanos
5:10).

Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o


mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em
nós a palavra da reconciliação (2 Corintios 5:19).

O mesmo Deus, eternamente irado com o pecado, agora traz a


reconciliação de seus filhos, aplacando a Sua ira reservada para o
último dia, por meio de Cristo. Por isso, “há um só Deus, e um só
Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1
Timóteo 2:5), e não há, nem em cima nos céus, nem na terra ou
embaixo da terra, nome algum pelo qual devamos ser salvos senão
pelo nome de Jesus Cristo (Atos 4:12).
Segundo Wayne Grudem, o motivo pelo qual Paulo afirma
que Deus tornou-se propício a nós por meio do sacrifício de Cristo
foi que Ele precisava pagar o preço e penalizar o pecado - e o
pecador - a fim de que nós pudéssemos ter plena comunhão com
Ele. “Paulo explica que foi essa a razão pelo qual Deus enviou
Cristo para fazer propiciação (Romanos 3:25) – a saber, o
sacrifício que suporta a ira de Deus de modo que Deus se torna
propício ou favorável para conosco. (...) Paulo diz que Deus havia
perdoado os pecados cometidos no AT, mas nenhuma penalidade
havia sido paga – o que levaria as pessoas a perguntar se Deus de
fato era justo e se Ele poderia perdoar pecados sem o pagamento

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

da penalidade. Nenhum Deus que fosse verdadeiramente justo


poderia fazer isso, poderia?”. Assim, a morte de Cristo representa o
cumprimento da justiça de Deus e o pagamento da penalidade do
pecado, demonstrando a completa justificação para todos aqueles
que crêem pela fé no Filho de Deus.

Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu


sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão
dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de
Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo
presente, para que ele seja justo e justificador daquele
que tem fé em Jesus (Romanos 3:25,26).

O conceito de expiação é antigo. Provém da ordenança de Deus


a Moisés, o qual deveria instruir os sumo-sacerdotes do povo
hebreu a realizar certas cerimônias de expiação de pecados,
anualmente, as quais eram sombras da cruz de Cristo. O Senhor
assim ordenara a Moisés que Arão – o sumo-sacerdote e seus
descendentes – deveriam entrar no Tabernáculo da Presença de
Deus, no Dia da Expiação, com um novilho, um carneiro para
sacrifício e dois bodes do povo de Israel (Levítico 16:1-5). Todos
os animais deveriam ser perfeitos. O novilho imolado teria seu
sangue derramado em favor da expiação do pecado de Arão e sua
família. Os dois bodes seriam colocados diante de Deus, e Arão
lançaria sortes sobre eles. Um deles seria escolhido por Deus para
ser sacrificado e ter seu sangue aspergido sobre o propiciatório (a
tampa da arca da aliança), sobre o altar e os umbrais da porta do

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Tabernáculo, em favor da expiação do pecado do povo. Esse bode


seria pelo Senhor (Levítico 16:8,9,15). O outro seria o bode
emissário. Arão deveria impor as mãos sobre a cabeça dele e
confessar todos os pecados, transgressões e iniquidades do povo de
Israel. Assim, o bode levaria sobre si os pecados do povo. Um
homem devidamente preparado para a tarefa levaria este bode para
um local distante e solitário no deserto, a fim de ser deixado para
morrer (Levítico 16:21). Daí vem o termo “bode expiatório”, o
qual levaria simbolicamente o pecado para distante do povo em
retorno para a sua origem maligna. Dessa forma, o povo sentia-se
perdoado ao ver o bode, antes inocente, agora sendo levado para
muito distante carregando os seus pecados.
Cristo, da mesma maneira, completamente inocente, foi levado
para fora dos muros da cidade de Jerusalém e crucificado num local
distante. Ele cumpriu assim as ordenanças da Velha Aliança
levando sobre si os pecados de todos como no Dia da Expiação
referido acima. Mas Jesus não foi apenas o perfeito sumo-sacerdote.
Ele foi também o sacrifício perfeito. A Bíblia nos fala sobre a
superioridade do sacerdócio de Cristo e de sua perfeita expiação
como a concretização definitiva dos planos de Deus em favor do
resgate do homem.

Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo,


inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito
mais sublime do que os céus; que não necessitasse,
como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia
sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados, e

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

depois pelos do povo; porque isto fez ele, uma vez,


oferecendo-se a si mesmo. Porque a lei constitui sumos
sacerdotes a homens fracos, mas a palavra do
juramento, que veio depois da lei, constitui ao Filho,
perfeito para sempre (Hebreus 7:26-28).

Agora temos a plena confiança de que podemos entrar


diretamente na presença de Deus, não apenas uma vez por ano, mas
em todo tempo que prostrarmos nossos joelhos ao solo, pois o véu
está rasgado – o qual simbolizava a separação eterna entre o
homem e Deus. Jesus nos proporcionou um novo e vivo caminho
direto à sala do trono do Pai, onde podemos nos achegar devido ao
sacrifício perfeito do Filho de Deus, em “inteira certeza de fé, tendo
os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com
água limpa” (Hebreus 10:22).
Devo citar Charles Spurgeon ao dizer que: “Você realmente
não compreendeu o que significa fé, a menos que você tenha
entendido isso. Com Ele você sofreu a Ira de Deus, pois Ele sofreu
em seu lugar. Você está agora nEle – crucificado com Ele, morto
com Ele, sepultado com Ele, ressuscitado com Ele e glorificado com
Ele - porque Ele representa você e sua fé aceitou a representação.
Você vê, então, que você fez, no momento em que você acreditou
em Cristo, uma declaração de que você está, a partir daquele
momento, morto para o pecado? Quem pode dizer que o nosso
Evangelho ensina os homens a viver em pecado, quando a fé que é
essencial para a Salvação envolve uma confissão de morte a ele? A
conversão começa com o concordar em ser considerado morto com

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Cristo para o pecado - não temos nós, aqui, a pedra fundamental


da santidade?”.
Quando se fala de expiação ou propiciação, expõe-se de
maneira brilhante a salvação de Deus, para Sua eterna glória. Essa
obra expiatória de Cristo na cruz, plenamente eficaz, salvou os
eleitos de Deus desde o princípio. E os nomes pelos quais aprouve a
Deus escolher que viriam a Ele em tempo predeterminado, devem
se alegrar muito, pois foram livres do poder do pecado e da ira
vindoura! Não por méritos pessoais, os quais não seriam suficientes
para salvá-los. Não por uma decisão, a qual não seria feita caso
Deus não decidisse primeiro. Mas pela eterna graça de Deus em Seu
Filho Jesus Cristo! Por isso, a expiação limitada – apesar de ser
plenamente eficaz a todos os homens – é oferecida de forma seleta
às ovelhas que o Pai entregou amorosamente ao Filho, os quais são
quebrantados por Seu eterno amor com o qual nos amou, e que
jamais poderão ser separados do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus, nosso Senhor!
Por esse motivo, podemos exaltar em Deus ao exclamarmos:
“Ele me escolheu!”, pois não havia motivo algum para Ele assim
proceder para conosco a não ser segundo a Sua eterna sabedoria
que nos é oculta propositalmente. Isso faz-nos prostrar sob os pés
de Cristo e adorá-lo como o único Deus verdadeiro e servi-lo com
toda a nossa alma, força e entendimento nessa breve vida que nos
foi determinada. Que ao final dela possamos dizer ao nosso Senhor:
“Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos
fazer” (Lucas 17:10). Louvado seja o nome do Senhor Jesus Cristo,
para todo o sempre!

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

3.5. A Justificação Pregada na Cruz.

A morte expiatória de Cristo proporcionou a justificação pela fé


de todos aqueles que crêem no Filho de Deus. O termo grego para
justificação dikaiosis é derivado do verbo grego dikaió, que significa
“absolver” ou “ser declarado justo”. O pecado nos condenou por
toda a eternidade por sermos considerados culpados contra Deus,
mas através da morte de Cristo e a redenção da cruz somos
considerados como inocentes. A palavra justificação refere-se a um
veredicto favorável num julgamento, e engloba um cenário de uma
corte onde Deus preside como Juiz supremo analisando a vida de
cada pessoa mediante a exposição da Lei, cujo objetivo é expor os
pecados de todos. Como ninguém conseguiu cumpri-la – pois quem
tropeça em apenas um ponto dela, tropeçou em todos -, ninguém
poderia escapar da condenação divina. Então Deus enviou Seu Filho
para morrer em favor dos nossos pecados. Quando cremos em Jesus
pela fé, Deus imputa a nós a Sua justiça, declarando-nos inocentes –
justos – diante Dele.

Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com


Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo (Romanos 5:1).
Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós;
para que nele fôssemos feitos justiça de Deus (2
Coríntios 5:21).

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Somos justificados pela fé no Filho de Deus. Não por obras,


atitudes ou modo de vida “santo”. A justificação é um ato de fé no
Senhor Jesus, pois “sabendo que o homem não é justificado pelas
obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em
Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não
pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne
será justificada” (Gálatas 2:16).
Segundo Wayne Grudem: “A justificação vem como
resultado da graça de Deus (que significa que não a merecemos), e
ela vem como resposta de Deus à nossa fé (que é o contrário de
depender de nós mesmos ou das nossas boas obras)”. Mas,
“embora a justificação seja resultado da ação de Deus em resposta
a nossa fé, isso não significa que a nossa fé tem algum mérito
diante de Deus”. A nossa fé é um dom de Deus, e a centralidade da
obra da justificação implica naquilo que o Senhor Jesus fez por nós,
mas não aquilo que podemos ou não responder a Ele. Cristo pagou o
preço, e em Cristo somos justificados. Como a fé é um dom de Deus,
dependemos Dele para que a recebamos e possamos crer em Cristo
e sermos Nele justificados.
Isso ocorre porque a Jesus Cristo, homem perfeito em todos os
Seus caminhos, O qual não conheceu o pecado, foi imputado - por
Deus - o pecado de toda a humanidade enquanto Ele era
crucificado, para que a justiça Dele fosse imputada a nós. Cristo se
tornou o objeto de maior repulsa do universo, em quem Deus
satisfez a Sua ira contra o pecado e os pecadores. Tamanha foi a
repulsa do Pai contra o próprio Filho que este agonizou na cruz:
“Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

desamparaste?” (Mateus 27:46). O Senhor Jesus sabia


perfeitamente que o Pai nunca o abandonaria, mas o momento de
dor e sofrimento foi tamanho que o sentimento do Filho explodiu na
sensação de que Deus o havia abandonado.
É importante compreendermos que o Senhor Jesus não se
transformou literalmente em pecado assim como nós não somos
transformados literalmente em justiça de Deus. À Cristo foram
imputados todos os pecados da humanidade e na via contrária a nós
foi imputada a justiça de Deus. A “imputação” implica dizer “ser
considerado” ou “adquirir a característica” ou ainda “ser atribuído
algo que não possuía anteriormente”. Imputar não implica
“tornar-se algo”, mas “receber algo de”. Isso é claramente
perceptível em Romanos 4:2-5, nos quais Paulo afirma, por
exemplo, que Abraão creu em Deus e isso “lhe foi imputado por
justiça”, ou seja, o ato de crer dotou a Abraão da justiça divina. E
Deus justifica ímpios, imputando-lhes a justiça de Cristo.
John Wesley, em seu “Tratado sobre a Justificação”,
publicado em 1764, escreveu: “Se nós escolhermos a frase da
imputação da justiça de Cristo, para outorgar (como se fosse) a
justiça de Cristo, incluindo a sua obediência, tanto passiva como
ativa, em retorno, isto é, em privilégios, bênçãos e benefícios
adquiridos; assim pode ser que um crente é justificado pela justiça
de Cristo nele imputada. O significado é: Deus justifica o crente
por causa por causa da justiça de Cristo, e não por causa de
qualquer justiça própria”. Além disso, “... a justiça de Cristo, tanto
a ativa quanto a passiva, é a causa louvável da nossa justificação,

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

e obteve para nós favor diante de Deus, a qual, mediante a nossa


fé, devemos ser considerados justos por ele”.
John Piper, em seu livro “Justificados em Cristo”, diz: “Por
imputação eu me refiro ao ato de Deus considerar os pecadores
justificados através de sua fé em Cristo, com base no ‘sangue e
justiça’ perfeitos de Cristo. Refiro-me especificamente à justiça que
Cristo realizou pela sua obediência perfeita em vida e morte”. E
que “Cristo se tornou nosso substituto em dois sentidos: em seu
sofrimento e morte, Ele se tornou maldição e condenação por nós
(Gálatas 3:13, Romanos 8:3). E em Seu sofrimento e vida, ele se
tornou perfeição para nós (2 Coríntios 5:21). Por um lado Sua
morte é o clímax dos seus sofrimentos expiatórios, que aplacam a
ira de Deus contra nós (Romanos 3:24-25); por outro lado, Sua
morte é o clímax de uma vida de justiça perfeita imputada a nós (2
Coríntios 5:21; Romanos 4:6,11 com os versículos 3:21-22;
5:18-19)”.
A justificação é uma declaração legal de Deus no qual ele
considera todos os nossos pecados – passados, presentes e futuros –
perdoados, considera a justiça de Cristo – de uma vida de
obediência total e imaculada – como pertencendo a nós, e por isso
nos declara justos e moralmente íntegros diante Dele. Uma vez
declarado justo, você não precisa pagar a punição pelos seus
pecados. Por isso, Paulo afirmou que “agora nenhuma condenação
há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a
carne, mas segundo o Espírito” (Romanos 8:1). Assim, o Senhor
nos considera plenamente aceitáveis e justos aos Seus olhos. Fomos

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

libertos da justa condenação que nos estava proposta e da ira do


último dia.
John Piper cita Leon Morris, o qual afirma que: “A justiça
que temos não vem de nós; ela vem como a boa dádiva de Deus em
Cristo. Mas nós seremos justos. Observe que isso significa mais do
que ser perdoado. O criminoso perdoado não sofre punição, mas
carrega um estigma. Ele é criminoso e é conhecido como tal,
embora não punido. O pecador justificado não apenas não sofre a
punição; ele é justo. Ele não é um homem com seus pecados ainda
sobre ele”.
Isso é maravilhoso! Sermos justificados diante do Pai não
significa apenas sermos perdoados dos nossos pecados e não
carregarmos uma culpa por toda a eternidade, mas também sermos
completamente isentos dessa culpa como se nunca houvéssemos
pecado anteriormente, ou que nunca o conhecêssemos. Creio
profundamente que nesta curta existência isso não é possível, pois
tudo aquilo que é perfeito ainda não foi revelado. Por isso,
humildemente, carregamos as cicatrizes dos nossos pecados até
alcançarmos a plena regeneração em Cristo na eternidade.
Enquanto isso, nossos pecados nos esbofeteiam a fim de que
fiquemos humildes diante da presença de Deus, de graça em graça.
De glória em glória. Totalmente dependentes da graça.
Simplesmente afirmar que devemos nos esquecer dos nossos
pecados ou que eles não nos importunarão novamente seria
imaturidade e certamente incorreríamos nas mesmas falhas e erros
novamente ao ponto de desacreditarmos na salvação. Por isso o
apóstolo Paulo exclamou:

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Mas vejo nos meus membros outra lei, que batalha


contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo
da lei do pecado que está nos meus membros.
Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do
corpo desta morte? Dou graças a Deus por Jesus Cristo
nosso Senhor. Assim que eu mesmo com o
entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei
do pecado (Romanos 7:23-25).

As pessoas que tiveram suas vestes purificadas pelo sangue do


Cordeiro de Deus percebem mais facilmente as manchas que a
tornam imperfeitas. Os homens piedosos verdadeiramente
compreendem essa verdade poderosa de que devem sempre estar
debaixo da potente mão de Deus com reverência, tremor e temor.
Ao menor sinal de mácula sentem-se desconfortáveis e
impossibilitados, desejando a graça da redenção acima de todas as
coisas, e nisso são justificados pela fé em Cristo Jesus, nosso
Senhor. Tentar minimizar o pecado ou esquecê-lo será uma tarefa
vã e inútil. Melhor é permitir que o peso do pecado nos esmague por
completo até que sejamos totalmente moídos para que no final
recebamos a expiação gratuita do nosso único suficiente Salvador
Substituto.
Essa doutrina da Justificação pela Fé, e pela fé somente,
defendida com afinco pelos protestantes e teólogos reformados, tem
servido de grandes debates teológicos durante os séculos, e foi essa
uma das principais razões pelas quais surgiu a Reforma

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Protestante em 1517 quando Martinho Lutero afixou suas 95


teses na porta da capela de Wittenberg, na Alemanha. O
catolicismo romano prega sobre a salvação em Cristo mediante a
justificação pela fé mais os “meios da graça” encontrados nos
sacramentos da igreja (como o batismo, a crisma, a eucaristia, a
penitência, a missa, etc), ou seja, nós não somos plenamente
justificados enquanto não houver a completa purificação dos nossos
pecados, e os “meios da graça” nos auxiliam a purificá-los, de forma
que a perfeita redenção ocorrerá apenas após a nossa morte e nosso
julgamento no purgatório (o qual não é bíblico). Resumindo, para a
igreja romana, a graça de Deus não seria suficiente para nos salvar,
pois através de nossos próprios esforços devemos obter a nossa
salvação pela fé, mas também pelas obras. O que é completamente
antibíblico e herético! Cristo é completamente suficiente e
plenamente eficaz na salvação humana e não há nada que possamos
fazer – absolutamente nada – para que sejamos salvos, senão crer
no Filho de Deus. Isso não vem de nós, mas é dom de Deus.
Como disse Charles Spurgeon: “Foi a descoberta de que
homens são salvos pela fé em Jesus Cristo, que primeiro despertou
Lutero. Esse foi o raio de luz que desceu sobre o seu coração negro
e pelo poder dele o trouxe para a liberdade do Evangelho! Este é o
martelo pelo qual o papado foi quebrado em tempos antigos e esta
é a espada com que ele ainda está a ser ferido – a real – “Espada
do Senhor e de Gideão”. Jesus é o Salvador Todo-Suficiente e
"quem crê nele não é condenado" (João 3:18). Lutero a usou, de
fato, para dizer - e nós o apoiamos - que esta questão da

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Justificação pela Fé é o artigo pelo qual a Igreja deve ficar em pé


ou cair”!
Ainda que certa igreja alegue defender o nome de Cristo e a
doutrina do evangelho, e ainda que seja numerosa em membros e
templos, rica, abastada e influente, será uma igreja morta e caída se
pregar a justificação por obras, anulando a cruz de Cristo e o
Evangelho de Deus, deturpando a graça e aniquilando por completo
a glória de Deus na salvação. Fuja de tal igreja!

Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei?


Das obras? Não; mas pela lei da fé. Concluímos, pois,
que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei
(Romanos 3:27,28).

3.6. Adotados pela Cruz.

A adoção é um termo muito comum usado nos dias atuais.


Muitos casais que não podem ter filhos e desejam construir uma
família acolhem crianças escolhidas para as educarem como
verdadeiros filhos biológicos. Tais casais derramam seu amor sobre
essas crianças, passam noites inteiras acordados, educam, levam-
nas às escolas, fazem festas de aniversários, chamam de filhos,
beijam como filhos, abraçam como filhos, sorriem como filhos e
choram como filhos. Apesar de não serem filhos biológicos, são
amados como tais e considerados como legítimos. Herdam o nome
da família e após o falecimento de seus pais também a herança.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Assim fomos nós adotados na cruz, quando o Filho unigênito


de Deus entregou-se ao nosso favor e tornou-se o primogênito
dentre muitos irmãos. De acordo com Wayne Grudem, a adoção
“é o ato de Deus pelo qual Ele nos torna membros de Sua família”.
Podemos assim ser chamados de filhos de Deus, se uma vez fomos
justificados pela fé no Filho, decidimos recebê-lo e decidimos crer
em Seu poderoso nome (João 1:12).
Na teologia liberal do século XXI, as pessoas costumam dizer
que todos são filhos de Deus. Mas a Bíblia diz que apenas aqueles
que foram justificados em Cristo, mediante a fé, podem ser
considerados como tal, “os quais não nasceram do sangue, nem da
vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (João
1:13). Ser adotado por Deus com identidade de filho é somente
para aqueles que experimentaram o novo nascimento pelo poder do
Espírito Santo, segundo o poder e os propósitos de Deus, para Sua
glória!
Portanto, a adoção pela cruz é fruto da justificação e da
regeneração de Deus no ato de nos tornarmos não apenas justos,
mas também vivificados espiritualmente Nele. Esse enfoque
especial de pertencermos a família de Deus é demonstrado na Bíblia
como o desejo de um Deus pessoal estabelecer relacionamentos
pessoais com os seus eleitos. Logo, a glória de Deus na adoção
ultrapassa os limites da salvação no sentido de que não apenas
sejamos salvos da ira vindoura, mas em que agora façamos parte e
compartilhemos da glória divina. Isso é simplesmente maravilhoso!

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus,


esses são filhos de Deus. Porque não recebestes o
espírito de escravidão, para outra vez estardes em
temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos,
pelo qual clamamos: Aba, Pai. O mesmo Espírito
testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus.
E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também,
herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo: se é certo
que com ele padecemos, para que também com ele
sejamos glorificados (Romanos 8:14-17).

3.6.1. Uma Herança Celestial – Expondo a Teologia da


Prosperidade.

Uma vez tornados filhos de Deus, herdamos assim as bênçãos


celestiais do Pai em Cristo Jesus, as quais nos levam a adorar
eternamente a Deus para Sua glória. Essa herança celestial não
implica que devamos herdar as riquezas do tempo presente, como
indica o provérbio popular: “Não sou o dono do mundo, mas sou
filho do dono”. Aos buscarmos os tesouros desse tempo presente
somos condenados como avarentos e presunçosos, os quais não
herdarão o Reino de Deus. Alguns pastores considerados como
“teólogos da prosperidade” dizem que o problema não está na
riqueza, mas na inclinação do coração humano. Portanto você
poderia ser uma pessoa milionária sem amar as riquezas.
Porém, a Bíblia afirma que não devemos tentar ao Senhor
nosso Deus e que devemos ser prudentes. Ao contrário do que

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

afirmam tais teólogos, o Senhor Jesus condenou o acúmulo de


tesouros nessa vida alertando-nos sobre o perigo das riquezas e a
corrupção do coração humano, o qual é enganoso.

“Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a


ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e
roubam; mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a
traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões
não minam nem roubam. Porque onde estiver o vosso
tesouro, aí estará também o vosso coração. Ninguém
pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um
e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o
outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom (Mateus
6:19-21,24).

Apenas essas palavras de Cristo serviriam por completo para


aniquilar a falsa “teologia da prosperidade”. Jesus é bastante
incisivo e severo contra o amor ao dinheiro, chegando a compará-lo
com um deus chamado Mamom, o qual se refere às riquezas, ao
dinheiro ou a bens materiais. Servir a Mamom é idolatria e avareza!
Quem pratica a avareza atrai para si o descontentamento e a ira de
Deus. Não devemos assim buscar acumular bens materiais para
nosso bel prazer, mas antes que nossos frutos correspondam às
obras da fé.
Em sua primeira carta a Timóteo, Paulo o alertou sobre o
perigo do acúmulo de riquezas e exortou-o a contentar-se com o
suficiente e o necessário.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Mas é grande ganho a piedade com contentamento.


Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto
é que nada podemos levar dele. Tendo, porém,
sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso
contentes. Mas os que querem ser ricos caem em
tentação, e em laço, e em muitas concupiscências
loucas e nocivas, que submergem os homens na
perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de
toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se
desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com
muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas
coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a
paciência, a mansidão (1 Timóteo 6:6-10).

E o escritor aos Hebreus incentivou os cristãos a depositarem


sua confiança no Senhor, dizendo que: “Sejam vossos costumes sem
avareza, contentando-vos com o que tendes; porque Ele disse: Não
te deixarei, nem te desampararei. E assim com confiança ousemos
dizer: O Senhor é o meu ajudador, e não temerei o que me possa
fazer o homem” (Hebreus 13:5-6).
O cristão deve possuir a plena convicção de sua herança em
Cristo Jesus na vida eterna de gozo com o Pai celestial. Sabemos que
Deus supre todas as necessidades do seu povo, mas permite
situações de dificuldades financeiras segundo diversos propósitos.
Sejam quais forem as provações financeiras, com certeza elas são

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

permitidas pelo Pai e servem para fortalecer e amadurecer a fé de


seus filhos. Que o diga Jó em suas aflições!
A “teologia da prosperidade” afirma que Deus não deseja que o
homem seja pobre. Porém, Deus também não deseja que o homem
peque, cometa crimes, adultere, idolatre, cobice, seja avarento,
presunçoso, orgulhoso, profano e tolo. Mas o homem é tudo isso e
muito mais, dado que sua depravação é total. E, por este mundo
estar amaldiçoado por causa do pecado, tais coisas existem e
devemos assim conviver com elas. A culpa é nossa. Portanto, se
Deus permitir que uma pessoa seja pobre, ou até mesmo miserável,
segundo seus eternos propósitos, que seja assim! Quem somos nós
para dizer a Deus aquilo que é justo ou não? Certo ou errado? Feio
ou bonito?
Prova disso é a história contada por Jesus sobre o rico e
Lázaro, em Lucas 16:19-31, em que o mendigo Lázaro, cheio de
enfermidades, jazia a porta de um homem muito rico –
provavelmente um milionário - que esbanjava suas riquezas e nunca
estendera suas mãos para ajudar o moribundo. Na visão da
“teologia da prosperidade”, este mendigo seria o amaldiçoado da
história e o rico o abençoado por Deus. Talvez o mendigo sofresse
de maldição hereditária ou não tivesse fé, e o rico seria uma pessoa
abastada por ser uma pessoa livre para enriquecer e glorificar a
Deus. Mas o Senhor Jesus expõe esse homem rico como uma pessoa
avarenta, presunçosa e má, que desprezava a Lázaro em sua
condição de miséria e necessidade. Quando ambos descem a
sepultura, aquele que seria o amaldiçoado da história vai para o seio
de Abraão encontrar-se com os eleitos de Deus no descanso eterno

146
Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

da glória do Pai, enquanto o rico é lançado no inferno para sofrer


por toda a eternidade.
Portanto, sejamos cuidadosos quanto a julgarmos as pessoas
pelas posses materiais. Não há, em nenhuma parte da Bíblica,
versículo algum que afirme que a pobreza não seja da vontade de
Deus. O que diremos, por exemplo, dos cristãos do primeiro século
que foram expulsos de Jerusalém e passaram por situações
financeiras de extrema dificuldade? O apóstolo Paulo entendeu a
situação de extrema dificuldade dos “santos de Jerusalém” e
arrecadou ofertas de diversas igrejas da Macedônia para ajudá-los.
Paulo não condenou ninguém por isso. Não fez campanha de sete
semanas. Não ungiu com sete óleos de Israel. Paulo arrecadou
dinheiro e supriu as necessidades dos seus irmãos!
Assim, pois, estejamos todos confiantes e depositemos nossas
esperanças em riquezas duradouras e eternas, solidificadas em
Cristo Jesus, nas “coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e
não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou
para os que o amam” (1 Coríntios 2:9). O próprio apóstolo Paulo
compreendia que nós não receberemos nossos benefícios e
privilégios plenos da adoção de Deus antes do retorno de Cristo e da
ressurreição de nossos corpos glorificados como confirmação da
adoção. Por isso, ele afirmou que nós, “que temos as primícias do
Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção,
a saber, a redenção do nosso corpo” (Romanos 8:23).

Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu


Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a


adoção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos
vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama:
Aba, Pai. Assim que já não és mais servo, mas filho; e,
se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo
(Gálatas 4:4-7).

Todos os filhos de Deus, justificados e aceitos pela fé (João


1:12, Romanos 5:1), devem ter a plena consciência de que são
herdeiros de dois tipos de heranças (Romanos 8:17). Uma delas é
celestial e concedida pelo favor divino, a qual nunca irá perecer (1
Pedro 1:3-5). A outra pertence ao reino terreno de Cristo e é obtida
como conseqüência dos nossos sofrimentos em favor do Evangelho
de Deus e de Cristo (2 Timóteo 2:12).
Em contrapartida, todos aqueles que rejeitam a Cristo e
decidem viver afastados de Deus são considerados como “filhos da
ira” (Efésios 2:3), “filhos da desobediência” (Efésios 2:2, 5:6;
Colossenses 3:6) e conseqüentemente “filhos do diabo” (1 João
3:10), os quais não pertencem à família de Deus e serão
condenados no último dia. Não possuem herança em Deus, mas a
penalidade do castigo de suas más obras. Neles Deus também será
glorificado exercendo o juízo de Sua ira por toda a eternidade e
demonstrando a glória de sua santidade, separação completa do
pecado e do pecador.

Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a


terra: a prostituição, a impureza, a afeição

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

desordenada, a vil concupiscência, e a avareza, que é


idolatria; pelas quais coisas vem a ira de Deus sobre os
filhos da desobediência; nas quais, também, em outro
tempo andastes, quando vivíeis nelas (Colossenses
3:5-7).

Os tais não herdarão o Reino de Deus.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

CAPÍTULO IV: AS ESCRITURAS EM SI SÃO A GLÓRIA DE DEUS.

Não poderia iniciar este capítulo sem antes citar o Artigo IV do


primeiro capítulo da Confissão de fé de Westminster, o qual
fala da primazia e do privilégio que possuímos em ter a Palavra de
Deus revelada e o intuito de tributarmos toda a glória somente a
Deus: “Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados
a um alto e reverente apreço da Escritura Sagrada; a suprema
excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua doutrina, a majestade
do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu
todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do
único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras
excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos
pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a palavra de
Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível
verdade e divina autoridade provém da operação interna do
Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em
nossos corações”.
Não podemos compreender essas frases senão única e
exclusivamente pela revelação de Deus por intermédio do Espírito
Santo. O nosso apreço pela Palavra deve ser iminente, pois ela nos
revela, em tudo, a glória de Deus. De forma misteriosa, Deus
inspirou homens, por intermédio de Seu Espírito, a escrever
palavras que explanassem de forma definitiva a exclusividade de
Sua glória. De Gênesis a Apocalipse o Deus Criador e eterno
Redentor expressa Seus insondáveis atributos e Seus propósitos
eternos para que indivíduos de todos os povos, línguas, tribos e

150
Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

nações leiam as Suas palavras e alegrem-se Nele, atribuindo-lhe


toda a glória que lhe é devida pelos séculos dos séculos.
Suas palavras são tão reais e verdadeiras que diversas pessoas
viveram e/ou morreram por elas. Como uma tocha acessa pelo fogo
do Santo Espírito, foi passada de geração em geração por diversas
mãos de várias pessoas tocadas pelo favor da graça de Deus, as
quais se sujeitaram a todo tipo de sofrimentos e aflições para que
ela chegasse às gerações futuras da forma mais veraz e intacta
possível. E, ainda que tombassem no meio da caminhada,
desfaleciam com os braços erguidos segurando fortemente páginas
escritas com as “palavras de vida eterna” aguardando o próximo a
recebê-las a fim de continuar sua jornada de preservação e
exposição do Evangelho de Cristo.
Os apóstolos de Cristo e os posteriores discípulos morreram
defendendo com “unhas-e-dentes” as verdades contidas nas páginas
das Escrituras por revelarem em si mesmas ao Senhor Jesus Cristo.
Defender a Palavra de Deus é defender o próprio Jesus (João 1:1).
Tendo contemplado seu batismo, vida, milagres, sofrimento, morte
e ressurreição para a eternidade, e tendo visto o Cristo glorificado
sendo assunto aos céus como o Deus soberano, todos eles
dedicaram-se a propagar as palavras nelas contidas como verdades
absolutas que conduziriam os povos a vida eterna mediante a fé em
Cristo Jesus. Alguns foram crucificados, outros torturados,
apedrejados, mortos ao fio da espada, decapitados, lançados nas
covas dos leões, serrados ao meio, passaram fome, frio, enfrentaram
naufrágios e tempestades, cadeias e prisões muitas vezes, para que
essas palavras fossem conservadas a gerações futuras.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Se hoje encontramos a Bíblia em diversas edições e formatos,


nos mais variados tipos de comentários, cores e estereótipos, foi
porque grandes homens e mulheres cheios do Espírito Santo
preservaram as Escrituras e as ensinaram com diligência, temor e
tremor. Alguns suaram muito, outros sangraram e tiveram suas
carnes corroídas pelo fogo de inquisições para que se preservasse
vívida a Palavra de Deus e os Seus propósitos diante das corrupções
e ódio do gênero humano.
São milhares e milhares de estudos intensos, prolongadas
leituras e dedicações intermináveis. Se essa não fosse a Santa
Palavra de Deus, tais homens e tais mulheres jamais se
submeteriam a tamanho esforço e empenho para que hoje a Palavra
do Deus vivo fosse o livro mais comercializado do mundo. Ainda
que em época de trevas e assombro tal preciosa Escritura fosse
encoberta por religiosos inescrupulosos em uma língua
desconhecida da maioria da população – o latim – e suas versões
fossem guardadas a sete chaves em monastérios, Deus sempre
levantou homens corajosos dispostos a padecerem em favor da
proclamação da liberdade em Cristo Jesus ao maior número de
pessoas possível.
Ainda que na presente filosofia do século XXI a Palavra de
Deus tem sido obscurecida por neo-teologias liberais mundanizadas
e pseudo-psicologias cristãs fraudulentas e egocêntricas, o
Evangelho tem alcançado milhares de vidas, as quais têm sido
salvas e libertas pelo poder de Deus mediante a pregação das Boas-
Novas.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

No filme “O Livro de Eli”, o personagem principal – estrelado


por Denzel Washington – tem a missão de levar um único exemplar
de um livro precioso para o oeste dos Estados Unidos. Em um
tempo caótico, possivelmente posterior a uma guerra nuclear global
que devastou tudo, o personagem é conduzido a um pequeno
vilarejo de sobreviventes governado por um tirano detentor dos
principais elementos de sobrevivência das pessoas na localidade.
Tal líder tribal deseja impor sua autoridade e exercer controle sobre
as pessoas do vilarejo utilizando um livro que exercera o domínio
total sobre milhões de pessoas durante a história da humanidade: a
Bíblia Sagrada. O livro precioso, conduzido por Washington, passa
então a ser o elemento mais cobiçado pelos personagens, em valor
superior até mesmo a água ou os alimentos. Nisso, pessoas são
mortas e traídas atraídas pelo fascínio de poder do poderoso livro.
No final, Washington consegue levar o livro ao lado oeste americano
e nos é revelado algo fantástico: a Bíblia estava toda escrita em
braile pois o personagem principal do filme era cego e, durante os
30 anos de peregrinação no qual fora submetido pela missão de
conduzi-la, na realidade, a um local onde existia em funcionamento
uma gráfica de reprodução e uma biblioteca, ele havia lido tantas e
tantas vezes a Palavra de Deus que a havia decorado por completo,
versículo por versículo. E nisso foi impressa toda uma Bíblia apenas
com a recordação mental de um homem que zelou pelo seu
chamado de trazer o conhecimento da Palavra – segundo a vontade
de Deus – de volta a toda a humanidade.
O interessante aspecto que o filme aborda é exatamente a
soberania de Deus no estado mais caótico possível, onde,

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

misteriosamente, o Senhor escolhe um homem cego, com uma


Bíblia em braile, consequentemente não lida por qualquer pessoa, e
o faz peregrinar durante aproximadamente 30 anos de sua vida para
conduzi-la a uma gráfica longínqua para que seja, enfim, acessível a
toda humanidade novamente. Obviamente, esse foi um posto de
vista particular sobre o filme, mas demonstra que Deus é soberano
sobre todas as coisas! O homem poderia julgar e questionar ao
Senhor da Palavra, dizendo: “Se Deus está no controle, porque não
preservou outras Bíblias, em outros locais?” ou “Porque
justamente uma Bíblia em braile?”, ou ainda “Porque Deus
permitiria uma guerra nuclear?”. Esses sempre serão os
questionamentos de homens destituídos da glória de Deus.
Maravilhosamente, o filme preza em demonstrar o zelo pela Palavra
e o fascínio pelo estudo do Evangelho, e o personagem principal
personifica todos aqueles que lutaram perseverantemente, m todas
as épocas, sob todas as circunstâncias, pela defesa do Evangelho de
Deus.

4.1. A Veracidade Absoluta e a Suficiência das Santas Escrituras.

Seus livros históricos, proféticos, poéticos e doutrinários são


expressos por diversos tipos de pessoas de diferentes períodos da
história e de diversidades geográficas com fidelidade e temor do
Deus que proferiu tais palavras, seja por meio de revelações, visões
e outros diferentes métodos de acordo com Sua soberana vontade.
Assim, mediante uma revelação progressiva, o homem pode
conhecer a Deus e servi-lo para Sua glória, alegrando-se Nele e

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

gozando-o para sempre. Atualmente, as páginas da Bíblia revelam-


se de forma suficiente para que conheçamos a Deus e Seu eterno
plano de salvação. Não que Deus tenha se revelado por completo,
pois as coisas que são encobertas pertencem unicamente a Ele, para
Sua eterna glória (Deuteronômio 29:29). Mas as revelações
contidas nas Santas Escrituras são suficientes para que O sirvamos
em inteireza de coração e espírito quebrantado.
No Artigo IV da Declaração de Chicago afirma-se que “a
Palavra escrita em sua inteireza é revelação dada por Deus” e
nega-se que “a Bíblia é meramente um testemunho da revelação,
ou que apenas se torne revelação de modo fortuito ou que depende
da resposta do homem para sua validade”. Portanto, as Escrituras
são a Palavra de Deus independentemente se o homem diga que ela
o seja ou não. Isso independe da opinião de um indivíduo caído.
Assim como a Palavra de Deus é a revelação de Deus, Deus É.
A verdade absoluta sobre Deus reflete-se na pessoa de Jesus
Cristo como explanado nas Santas Escrituras (João 17:17; Mateus
22:29; 24:35; 1 Coríntios 2:12-13; 2 Timóteo 3:16-17;
Romanos 10:13-17). Ainda que os muçulmanos, por exemplo,
afirmem que Jesus não é Deus, mas ao mesmo tempo admitem que
Ele seja profeta, e que tal não pode mentir, então deve-se concluir
que Jesus é Deus e não somente profeta (apesar de também o ser)
por Cristo ter afirmado diversas vezes ser Deus. Nenhum outro
profeta ousou fazer tal afirmação pelo próprio temor inerente que
cada um possui do Criador. Toda a Bíblia, do início ao fim, de
Gênesis a Apocalipse, aponta para a pessoa do Senhor Jesus como o
Deus criador (Gênesis 1:1-26; João 1:1-3; Colossenses 1:14-17;

155
Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

João 3:16-18). Isso tudo é revelado nas páginas da inerrante e


suficiente Palavra de Deus. A fé cristã não é apenas um pensamento
filosófico, mas é uma fé histórica baseada em fatos concretos, e
também algo sobrenatural concedido exclusivamente por Deus
como um dom exclusivo aos seus filhos (Hebreus 11:1,6; Efésios
2:6-10; 1 Coríntios 2:18).
Existem diversos versículos na Bíblia que afirmam ser tais
palavras as Palavras do próprio Deus. No Antigo Testamento,
muitas frases introdutórias são iniciadas por “Assim diz o Senhor”
como as palavras de um rei que devem ser obedecidas de forma
inquestionável pelos seus súditos. Todos os profetas do Senhor
entendiam com muito temor e tremor que eles eram mensageiros
do Rei dos reis e do Senhor dos senhores, e as palavras proferidas
pelo Senhor de toda a Terra deviam ser transmitidas fielmente ao
povo, ouvidas e obedecidas sem restrições ou questionamentos.
Em outros versículos, por conseguinte, é deixada clara a
intenção de Deus em falar mediante seus profetas com autoridade
divina. Quando tais profetas se pronunciavam, era como se o
próprio Deus estivesse proferindo Suas palavras ao Seu povo. Essas
palavras eram escritas para que ficassem registradas como
ordenanças às gerações futuras como as palavras expressas pelo
Criador do Universo. Praticamente todo o Antigo Testamento foi
escrito dessa forma e expressa a total autoridade de Deus em Sua
Palavra, apesar de Deus ter usado pessoas pecadoras para
expressarem Sua soberana vontade (Deuteronômio 18:18-20;
Jeremias 1:9; 14:14; 23:16-22; 37:2; Ezequiel 2:7; 1 Reis

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

14:18; 20:35-36; Ageu 1:12; 1 Samuel 10:8; dentre muitas


outras).
No Novo Testamento, os discípulos e os apóstolos
mencionavam o Antigo Testamento como a Palavra de Deus
inquestionável, como por exemplo, Paulo ao dizer que: “Toda a
Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar,
para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça” (2
Timóteo 3:16). De acordo com Wayne Grudem, a palavra
“Escritura”, do grego graphe, refere-se aos escritos do AT, assim
como as outras 55 ocorrências dessa palavra no NT. Por
divinamente inspirada, Paulo usa o termo grego theopneutos, o qual
confirma o entendimento bíblico de que as palavras do AT são as
Palavras de Deus escritas.
Nisso, o apóstolo Pedro também afirma categoricamente a
certeza da veracidade das Santas Escrituras, ao dizer que: “E temos,
mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar
atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia
amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações.
Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é
de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida
por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus
falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2 Pedro 1:19-21). Os
termos em grego são os mesmos utilizados por Paulo nesses
versículos, o que comprova a convicção de todos os apóstolos e
discípulos de que as palavras do AT são verdadeiramente as
Palavras de Deus que se cumpriram profeticamente, em sua
maioria, em Cristo Jesus. Digo “em sua maioria” pois existe uma

157
Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

parte escatológica do AT contida, por exemplo, no livro do profeta


Daniel, que ainda não se cumpriu em sua totalidade e faz parte da
escatologia do último dia.
Pedro considera as cartas de Paulo às igrejas como parte das
Escrituras e da revelação divina para a o corpo de Cristo ao firmar:
“E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como
também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a
sabedoria que lhe foi dada; falando disto, como em todas as suas
epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os
indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras,
para sua própria perdição” (2 Pedro 3:15-16). O termo
“igualmente as outras Escrituras” reforçam a ideia de Pedro ao
afirmar que não apenas os escritos de Paulo correspondem à
revelação divina, mas também que toda a Bíblia reflete as Palavras
do Deus vivo aos seus eleitos. Nisso podemos ter a certeza dos
apóstolos de Jesus que as palavras contidas nas Santas Escrituras
foram proferidas pelo próprio Deus como revelação de Sua glória ao
Seu povo.
Na Declaração de Chicago, há uma breve exposição que
reafirma a totalidade da Bíblia como Palavra de Deus plenamente
eficaz e que não pode falhar. Nisso, podemos ter a confiança de que
ela expressa em verdade e com exatidão todas as palavras que o
Senhor proferiu aos profetas e a todas as pessoas que usou como
instrumento de disseminação de seus eternos propósitos e decretos.
Entendemos que as Escrituras assim nos revelam toda a autoridade
de Deus e a soberania de Sua vontade, os quais são expressos e

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

determinados para Sua eterna glória. Nessa breve declaração, lemos


que:

1. Deus, que é Ele mesmo Verdade e fala somente a


verdade, inspirou a Sagrada Escritura a fim de por ela
revelar a Si mesmo à humanidade perdida através de
Jesus Cristo como Criador e Senhor, Redentor e Juiz. A
Sagrada Escritura é o testemunho de Deus acerca de Si
mesmo.
2. A Sagrada Escritura, sendo a Palavra do próprio
Deus, escrita por homens preparados e superintendidos
pelo Seu Espírito, é de autoridade divina infalível em todos
os assuntos que aborda: é para ser crida, como instrução
de Deus, em tudo o que afirma, obedecida como comando
de Deus em tudo o que exige; assumida como penhor de
Deus em tudo o que promete.
3. O Espírito Santo, o divino autor da Escritura, tanto
a autentica para nós por Seu testemunho interior, como
abre nossas mentes para entendermos seu significado.
4. Sendo inteira e verbalmente dada por Deus, a
Escritura é sem erro ou falha em todo o seu ensino, tanto
no que declara acerca dos atos de Deus na criação, dos
eventos da história do mundo, e acerca de sua própria
origem literária sob Deus, quanto em seu testemunho da
graça salvadora de Deus nas vidas individuais.
5. A autoridade da Escritura é ineludivelmente
arruinada se esta total inerrância divina é, por qualquer

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

modo, limitada, desconsiderada ou tornada relativa a uma


visão de verdade contrária àquela da própria Bíblia; e tais
lapsos trazem séria perda tanto à fé individual como à
Igreja.”

No início da Confissão de Fé de Westminster é dada


importância fundamental à Bíblia como Palavra de Deus, inerrante
e plenamente eficaz, pela qual Deus comunicou aos homens seus
eternos propósitos e decretos a fim de que, buscando-O pela fé com
entendimento, o homem fosse salvo de sua total depravação e
impossibilidade de buscar ou praticar o bem e glorificasse a Deus
em tudo. Essa Confissão de Fé prioriza a inerrância bíblica e seu
supremo valor a fim de que ela seja exaltada como Palavra de Deus
suficiente e totalmente necessária para que um indivíduo alcance a
salvação predeterminada em Cristo Jesus, nosso Senhor.
Logo no primeiro capítulo, no primeiro item, podemos ler:
“Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da
providência de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria e o
poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, contudo não são
suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua
vontade necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido,
em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua
Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e
propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e
conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de
Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado


aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo”.
Na carta aos Romanos, no primeiro capítulo, o apóstolo
Paulo diz que todos são inescusáveis com relação ao conhecimento
da glória de Deus, principalmente os gentios que não receberam
diretamente do Senhor a Lei e os profetas e poderiam de alguma
forma “culpar” a Deus por não O conhecerem desde o princípio a
Sua Palavra, pois “as suas coisas invisíveis, desde a criação do
mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se
entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas,
para que eles fiquem inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a
Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes
em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se
obscureceu” (Romanos 1:20-21).

Se recebemos o testemunho dos homens, o testemunho de


Deus é maior; porque o testemunho de Deus é este, que de
seu Filho testificou. Quem crê no Filho de Deus, em si
mesmo tem o testemunho; quem a Deus não crê mentiroso
o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu
Filho deu. E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida
eterna; e esta vida está em seu Filho (1 João 5:9-11).

Porém, ainda que ninguém esteja inocente diante do Senhor


pela manifestação de sua glória em todo o universo, mesmo os que
nunca ouviram falar das Santas Escrituras ou da salvação em Jesus
Cristo, a Palavra de Deus é imprescindível para que uma pessoa

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

possua o suficiente conhecimento de Deus e seja salvo por Ele,


mediante a exposição clara e fiel do Evangelho. Ainda que tenha
sido escrita por homens pecadores usados por Deus, Ela não está
sujeita à vontade ou à predisposição humanas. Deus é soberano e
cabe a Ele somente definir o método pelo qual todos serão salvos.
Porém, o princípio fundamental estabelecido pelo Pai para resgatar
seus filhos desobedientes é a exposição do Evangelho. Dizemos
assim que o método extraordinário pelo qual Deus liberta seus
filhos é a pregação da Palavra, mas nada impede que o Deus da
Palavra utilize qualquer outro método para resgatar um filho
totalmente perdido em sua total depravação. Deus é soberano e
muitas das vezes estabelece diferentes padrões para que seja em
tudo glorificado na salvação de um pecador.

Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será


salvo. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram?
e como crerão naquele de quem não ouviram? e como
ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não
forem enviados? como está escrito: Quão formosos os pés
dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem
alegres novas de boas coisas. Mas nem todos têm
obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem
creu na nossa pregação? De sorte que a fé é pelo ouvir, e o
ouvir pela palavra de Deus (Romanos 10:13-17).

Por esse motivo, o apóstolo Paulo afirmou que mesmo estando


preso e próximo de seu martírio, a Palavra de Deus não estava presa

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

com ele. O apóstolo demonstrou a Timóteo sua completa submissão


à soberana vontade do Pai e o entendimento de que o Deus da
Palavra é o autor e o eterno responsável pela salvação e pela
propagação do Evangelho aos eleitos. “Por isso sofro trabalhos e até
prisões, como um malfeitor; mas a palavra de Deus não está
presa” (2 Timóteo 2:9).

4.2. A Inerrância da Palavra de Deus.

Por inerrante devemos entender que a Palavra de Deus é


perfeita em Sua essência, servindo Deus comunicá-la de forma
plena utilizando os sentidos do homem natural, o qual a transcreveu
assim como o Senhor predeterminou. Ainda que apresente
aparentes contradições, o erro encontra-se em nossa interpretação
limitada. As contradições bíblicas, a princípio impossíveis de serem
solucionadas, são a causa do nosso limitado conhecimento de Deus
e de Sua soberana vontade, e não nos será possível desvendá-las por
completo sem a iluminação direta do Espírito Santo. Tudo o que
não compreendemos perfeitamente devemos aceitar por fé e
aguardar a revelação “face-a-face” após consumada a redenção em
Cristo.
Existem questões bíblicas de extrema dificuldade de
compreensão, como por exemplo, a doutrina da Trindade e a
doutrina da eleição vinculada ao livre-arbítrio humano. São
questões de difícil compreensão, mas que são reveladas a nós por
uma enxurrada de versículos bíblicos. Entender a Trindade com um
Deus único e verdadeiro personificado em três pessoas – Pai, Filho

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

e Espírito Santo – ora como a pessoa do Pai, ora atuando como


Filho e ora como o Espírito Santo e outras vezes atuando ao mesmo
tempo – como na criação em Gênesis 1 – não nos é compreensível
de imediato senão pela revelação das Escrituras e nossa aceitação
mediante a fé. Da mesma forma, a doutrina da predestinação, a qual
Deus escolheu indivíduos antes da fundação do mundo, uns para
salvação eterna e outros para condenação eterna, segundo o
beneplácito de Sua vontade, e vincular esse conhecimento ao fato de
que o homem possui a livre vontade de escolher ou não a salvação
em Cristo, demonstra a nossa incapacidade de compreender tais
doutrinas puramente bíblicas reveladas pelo Pai celestial em Sua
Palavra.
Segundo Augustus Nicodemus Lopes, “a Bíblia foi escrita
por autores sobrenaturalmente inspirados por Deus a ponto de ser
verdadeira em tudo o que afirma, e isto não somente em matérias
de fé e história da salvação. Ela é livre de erros, fraude e enganos.
A Escritura não pode errar por ser em sua inteireza a revelação do
Deus verdadeiro. Ela não é somente uma testemunha da revelação
e nem se torna revelação num encontro existencial. Ela permanece
a inerrante Palavra de Deus independentemente da resposta
humana”.
O próprio Jesus referiu-se por diversas vezes à Escritura como
Palavra de Deus que Nele se cumpria. “E ele lhes disse: Ó néscios, e
tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!
Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e
entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, e por todos os
profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

Escrituras” (Lucas 24:25-27). Obviamente, não haveria como os


homens de épocas posteriores ouvirem as profecias diretamente
dado que os profetas não mais se encontravam ali para falarem
pessoalmente as Palavras de Deus. Logo, a única forma de crerem
nas profecias seria se todas elas estivessem indubitavelmente
escritas de acordo com a vontade soberana de Deus. Aquilo que o
próprio Jesus chamou de Escrituras são as profecias reveladas por
Deus a homens em diferentes períodos da história e localizações
geográficas.
Afirmar a inerrância da Bíblia não exclui o fato de que Deus
falou perfeitamente e o homem inspirado pelo “sopro do Espírito”
escreveu a linguagem divina de acordo com seus conhecimentos
pessoais, sua gramática e linguagem da época. Existem erros
científicos na Bíblia quando a comparamos com a ciência empírica
da atualidade, mas devemos ter em mente que ela não é um livro
empírico, nem possui obrigação de o ser, mas um retrato exposto
pelo observador que relatava os fatos em sua limitada percepção.
Como quando se diz que “o Sol se pôs”. A ciência provou
definitivamente que a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário.
Porém, para qualquer observador da Terra, o Sol parece se
movimentar no céu e a Terra estar parada. Outro erro científico no
campo da biologia é apontar o morcego como ave, sabendo que ele é
um animal mamífero. Porém, para a época em que fora escrito, todo
animal que tinha asas era considerado uma ave em sua classificação
e nomenclatura científica humana. Devemos também levar em
consideração que a Palavra de Deus não é um livro de precisão ou
datação científica e histórica.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

O mais importante a destacarmos nesse sentido é a


sensibilidade de Deus ao expor sua glória revelada aos homens por
meio de Suas palavras. Obviamente que a glória de Deus não pode
ser expressa em palavras, mas o Senhor utiliza nossos fracos
sentidos para que tenhamos uma concepção, ainda que limitada, da
glória divina. E quando afirmo que a glória divina é revelada nas
Escrituras é pelo fato que ela expressa em todos os seus capítulos e
versículos a pessoa do Senhor Jesus Cristo como um único e
verdadeiro Deus santo, justo e bom. Cristo é o ápice da revelação
divina em todas as suas páginas. A satisfação pela glória de Deus
está justamente no fato de que somos salvos de nossos pecados
única e exclusivamente pela graça soberana de Deus. Sem ela, a
obra de salvação humana seria, de fato, impossível de ser
consumada.
A Palavra de Deus é inerrante pois ela comunica ao homem, de
forma precisa, e de acordo com o entendimento humano, a glória de
Deus. Assim como não havia sentido algum falar em tempo relativo
ou Física Quântica na época de Isaac Newton e Galileu Galilei,
assim também não faz sentido algum Deus comunicar ao homem,
por meio de Suas eternas palavras, numa época onde se carregavam
pedras com escravos, que um átomo pode ser subdivido em próton,
elétron, nêutrons, quarks, léptons e outras partículas. Tal
conhecimento – apesar de espantoso e de também louvar a Deus em
Sua glória – não seria de forma alguma útil para o conhecimento
progressivo da revelação divina a Abraão, por exemplo. Mas, se
Deus quisesse ter assim feito, nada O impediria de fazê-lo e de

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Abraão entender perfeitamente sobre aquilo o seu Senhor estava


dizendo.
Mesmo porque muitas descobertas arqueológicas atuais têm
provado a veracidade dos acontecimentos bíblicos e muitos
argumentos que refutavam a Bíblia como Palavra de Deus tem caído
por terra. Uma delas é a Teoria da Evolução de Charles Darwin,
comprovadamente pelos meios científicos e pelos maiores
estudiosos do ramo uma teoria com diversas lacunas e
questionamentos e peças de um quebra-cabeça muito complexo que
simplesmente não se encaixam. Basta examinarmos a complexidade
do olho humano para surgirem diversos questionamentos sobre
uma possível evolução dessa magnífica e complexa estrutura
humana. Apesar de fatos ainda um tanto controversos, em
biografias posteriores de Darwin nos é relatado que o próprio
cientista declinou de suas ideias primordiais ao atingir maior
maturidade de pesquisas ao ponto de tornar-se um homem rendido
pela graça de Deus no final de sua existência. Diz-se que Darwin, em
si, não era ateu, mas um seguidor assíduo do cristianismo de origem
Anglicana.
Fatos controversos ou não, a maioria das pessoas da atualidade
negam a inerrância bíblica e preferem colocá-la na estante de suas
bibliotecas como um livro religioso respeitado. Porém, as páginas
das Escrituras contém a Palavra de Deus capaz de transformar o
mais vil pecado em um homem salvo pela maravilhosa graça de
Deus, se assim o Senhor determinar. E essa veracidade independe
do homem. Isso implica dizer que se não existisse nenhum ser
humano vivo no universo e houvesse uma única Bíblia, esta seria a

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Palavra de Deus totalmente suficiente e eficaz impressa de alguma


forma no universo – ainda que nisso não houvesse sentido para a
existência de uma Bíblia, visto que ela é a comunicação da glória de
Deus ao homem.

4.3. Aparentes Contradições.

É certo que Deus utilizou-se de diferentes métodos para


inspirar os homens para escrever a Sua Palavra. A alguns, como a
João, foram ditadas as palavras específicas que deveriam ser
escritas às sete igrejas da Ásia, nos três primeiros capítulos do livro
da Revelação. A outros, como a Moisés, Deus ordenou que Suas
Palavras fossem escritas: “Disse mais o Senhor a Moisés: Escreve
estas palavras; porque conforme ao teor destas palavras tenho
feito aliança contigo e com Israel” (Êxodo 34:27). Mas também
Deus usou homens para documentar os fatos mediante narrativas
históricas, como no caso de Lucas, o qual escreveu o Evangelho que
leva seu nome e o livro de Atos. “Tendo, pois, muitos empreendido
pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram,
segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o
princípio, e foram ministros da palavra, pareceu-me também a
mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelente Teófilo, por sua
ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o
princípio; para que conheças a certeza das coisas de que já estás
informado” (Lucas 1:1-4). Foi o Senhor quem inspirou a Davi
escrever os Salmos em louvor à Sua glória, assim como Ele
concedeu sabedoria a Salomão a fim de que este escrevesse o livro

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de Provérbios e Eclesiastes. Foi Deus quem comunicou seus eternos


decretos aos profetas e fez com que eles registrassem Suas profecias,
das quais a grande maioria está cumprida.
O Artigo VII da Declaração de Chicago afirma que:
“Afirmamos que a inspiração foi a obra pela qual Deus, por Seu
Espírito, através de escritores humanos, deu-nos Sua Palavra. A
origem da Escritura é divina. O modo da inspiração permanece
em grande parte um mistério para nós. Negamos que a
inspiração possa ser reduzida a uma visão interior humana, ou a
qualquer tipo de estado elevado de consciência”.
Embora Deus tenha inspirado homens a escrever sua infalível
Palavra a todas as gerações utilizando diferentes formas e métodos,
os teólogos – que a princípio deveriam defender sua inerrância e
total suficiência – tornaram-se liberais através dos anos e tentaram
ofuscar o brilhantismo do “sopro de Deus”. Uma teologia
antropocêntrica deu origem a diversos livros filosóficos que
obscureceram ainda mais a mente de exímios pesquisadores. A
filosofia relativista encontrou grande aceitabilidade entre os mais
estudiosos por não indicar a necessidade de um conflito de ideias,
fazendo com que todas as correntes religiosas dos mais
diversificados estereótipos encontrassem a um Deus por diferentes
caminhos. A Bíblia perdeu a autoridade que possuía como Palavra
de Deus tornou-se apenas mais um compêndio de tentativas
teológicas fracassadas de tentar escrever sobre Deus e sobre o
universo. Neste cenário, “ressurgiram” os teólogos reformados que
buscaram assim defender a autoridade bíblica como Palavra de
Deus exclusiva e defnitiva.

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Apesar da teologia reformada de Karl Barth (1886-1968) ir


contra a maré do liberalismo teológico na Alemanha, ele não foi
plenamente eficaz ao combatê-la no sentido de afirmar que as
palavras da Bíblia se tornam as Palavras de Deus enquanto as
lemos. Porém, de acordo com as confissões de fé reformadas e a
própria Bíblia, ela é a Palavra de Deus independentemente se
abrirmos suas páginas e a recebermos em nossas vidas. As
Escrituras não dependem de nós para que se tornem a Palavra de
Deus para nós, elas o são, pois foi o próprio Deus quem inspirou
homens a escrevê-la, de acordo com Sua soberana e eterna vontade.
Por isso, Deus é glorificado em Sua Palavra, pois ela é a mesma
Palavra que originou e deu ordem ao universo caótico. E essa
Palavra não apenas refere-se a Cristo como também é o próprio
Cristo glorificado (João 1:1-3). E ainda que Deus usasse pecadores
para transmiti-la a todos nós, ela sempre existiu na mente de Deus
desde antes da fundação do mundo. Que Deus seja glorificado em
Sua Palavra eternamente! Amém!
Louis Berkhof diz que “a revelação de Deus na Escritura é
uma revelação dada não somente ao homem, mas na qual o
homem é de interesse vital. Não é uma revelação de Deus no
abstrato, mas uma revelação de Deus em relação às Suas
criaturas, e particularmente em relação ao homem. É um registro
dos procedimentos de Deus par com a raça humana, e
especialmente uma revelação da redenção que Deus preparou
para o homem e para a qual Deus procura preparar o homem”.
Devemos concordar com isso se, e somente se, a revelação de
Deus na Escritura faça com que o homem seja conduzido em alegria

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por Deus a Deus a fim de glorificá-lo para sempre, e em tudo Deus


seja glorificado. Berkhof afirma que “isto explica por que o homem
ocupa um lugar de central de importância na escritura, e por que o
conhecimento do homem em relação a Deus é essencial para
entendê-la adequadamente”. Se formos comparar aqui o homem
em posição de destaque com relação às outras criaturas devemos
concordar com essas palavras, pois o próprio Jesus declarou essa
superioridade na criação e o primeiro capítulo do livro de Gênesis
nos revela que o homem foi concebido de forma especial pela
Trindade. Isso porque quando lemos as Escrituras, quem ocupa um
lugar central de importância com relação a tudo é o próprio Deus.
Pode-se indagar que não há como provar que a Bíblia é a
Palavra de Deus por ela mesma e, caso isso seja provado, seria uma
redundância sem fundamento. Simplesmente dizer que a Bíblia é a
única Palavra de Deus inspirada por ela mesma, apenas, pode
parecer uma crença cega que exclui por completo todas as outras
fontes de aparente autoridade divinas escritas pela humanidade,
argumento no qual os críticos do cristianismo encontram
verdadeiras avenidas para pavimentar suas filosofias sobre o
fundamentalismo ou o fanatismo religioso. De fato, apenas
compreenderemos e creremos que a Escritura é a própria Palavra de
Deus revelada se, e somente se, o Espírito Santo assim nos revelar.
De outra forma, considerá-la-emos apenas mais uma fonte de
estudos teológicos referentes a métodos espirituais de como
alcançarmos ao Deus Criador do Universo, como o Livro dos
Mórmons ou o Alcorão. Portanto, é intrinsecamente necessário o
poder do Espírito Santo para que cheguemos à conclusão perspicaz

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que aprouve ao Senhor revelar parte dos Seus eternos decretos a


toda humanidade mediante as Escrituras, literalmente “soprando” a
Sua Palavra a homens pecadores destituídos de Sua glória.
Essa revelação progressiva, como diz Wayne Grudem, é
como uma espiral vertical que atinge Deus em seu ápice. Podemos
afirmar que a Escritura é a Palavra de Deus revelada a nós se Deus
tirar dos nossos olhos as escamas e dotar-nos de plena fé, de
maneira que possamos crer e entender a Sua Palavra de acordo com
Sua soberana vontade. Na maioria das vezes não compreenderemos
por completo muitos pontos, pois a Sua revelação é progressiva. Um
texto que lemos hoje se torna mais completo amanhã. Alguns
teólogos liberais entendem que a revelação de textos bíblicos dá-se
para determinadas situações específicas culto-a-culto. Isso não é
verdade, pois a revelação divina para um texto é única para todo e
qualquer culto em qualquer parte da história da humanidade. Mas
esse conhecimento pode ser agregado por diferentes teólogos devido
a parte da revelação divina fornecida a cada um, e cada vez mais
unificado para que se torne um conhecimento genuinamente
bíblico.
Nisso Deus revela-se em Sua Palavra não em uma sequência de
pensamentos lógico-dedutivos. A Bíblia pressupõe a existência de
Deus e a revela progressivamente na própria Palavra. De outra
forma, é possível ao homem conhecer a Deus sujeito aos atributos
que Deus impôs em sua consciência sobre a existência de um
Criador e no próprio universo que revelam a Sua glória. De acordo
com Berkhof, o “cristão aceita a verdade da existência de Deus
pela fé. Mas esta fé não é uma fé cega, mas fé baseada em provas,

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e as provas se acham, primariamente, na Escritura como a


Palavra de Deus inspirada, e, secundariamente, na revelação de
Deus na natureza”.

4.4. A Plena Veracidade Bíblica.

E se a Escritura é a Palavra de Deus revelada, devemos


obedecê-la incondicionalmente, pois reflete a própria autoridade
divina. Deus não pode mentir (Números 23:19; 1 Samuel 15:29;
Tito 1:2) ou enganar-se. E, para que provasse a veracidade de Suas
Palavras, aprouve ao Pai, segundo o beneplácito de Sua vontade,
fazer uma promessa e cumpri-la, proferindo juramento por si
mesmo e provando Sua incapacidade de mentir, de acordo com os
versículos: “Por isso, querendo Deus mostrar mais
abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da
promessa, se interpôs com juramento; para que por duas coisas
imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a
firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a
esperança proposta” (Hebreus 6:17-18). Logo, duvidar das
Escrituras implica em duvidar do próprio Deus e colocar em xeque
Sua existência. Wayne Grudem diz que se cremos nas Escrituras,
devemos crer nela por completo. Sendo assim, é necessário
considerar a Sua veracidade e crer em absolutamente tudo o que ela
diz, apesar de muitas vezes não compreendermos diversos textos
que nos são apresentados. Não compreender não significa ignorar
ou deixar de crer. Crer sem a princípio compreender é obedecer a
Palavra e ao próprio Deus.

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O Artigo VII da Confissão de Westminster diz que: “Na


Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do
mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam
ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou
outro passo da Escritura são tão claramente expostas e explicadas,
que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos
meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão
delas”.
Grudem assim conclui que não pode haver nada que não seja
verdadeiro nas Escrituras, e todas as suas palavras são
completamente verdadeiras e sem erros em qualquer parte. O
Senhor Jesus Cristo afirma a veracidade bíblica – sendo Ele o
próprio Verbo (João 1:1-3) – ensinando que nós devemos obedecer
a todas as palavras contidas nas Escrituras e cumprir todos os
mandamentos de Deus nela escritos. “Não cuideis que vim destruir
a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em
verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota
ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido. Qualquer,
pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e
assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos
céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado
grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça
não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis
no reino dos céus” (Mateus 5:17-20). Se nós, verdadeiramente
cremos em Cristo e em suas Palavras, devemos considerar a Bíblia
como a verdadeira e infalível Palavra de Deus revelada.

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Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu


disse: Sois deuses? Pois, se a lei chamou deuses àqueles a
quem a palavra de Deus foi dirigida (e a Escritura não
pode ser anulada), àquele a quem o Pai santificou, e enviou
ao mundo, vós dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho
de Deus? (João 10:34-36)

Todos os teólogos reformadores creem na inerrância da


veracidade bíblica. Lutero disse que ele estava pronto a confiar nos
pais da fé se eles provassem que suas opiniões estavam baseadas
nas Escrituras, a qual não pode falhar. Apesar de Calvino não ter
utilizado especificamente o termo “sem erro”, ele disse que segundo
o Espírito de Deus, todos os autores bíblicos escreveram “uma e a
mesma história, com o acordo mais perfeito, mas de maneiras
diferentes”.

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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

BIBLIOGRAFIA (Principais)

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Trad. Odayr


Olivetti. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
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Confissão de Fé de Westminster
GRUDEM, Wayne. Entenda a Fé Cristã: Um guia prático
e acessível com 20 questões que todo cristão precisa
conhecer. Editora Vida Nova, São Paulo, 2010.
GRUDEM, Wayne. Manual de Teologia Sistemática. Trad.
Heber Carlos de Campos. São Paulo: Editora Vida, 2001.
EDWARDS, Jonathan. Sermão: Pecadores nas Mãos de
Um Deus Irado.
HARRIS, Joshua. Cave Mais Fundo. O que você
acredita? Por que isso importa? Ed. Fiel, 2010.
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para o português realizada por Daniela Raffo, Iglesia Bautista de la
Gracia AR, 2007.
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Rodrigo R. Gonçalez Ano de Impressão: 2017

http://www.monergismo.com/textos/credos/declaracao_chicago.ht
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Confissão de Fé de Westminster, acessado em
http://www.monergismo.com/textos/credos/cfw.htm, no dia 18 de
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