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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Faculdade de Direito – Escola de Lisboa

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO – B

08.06.2016

Duração: 2h30m

Hans, com dupla nacionalidade portuguesa e austríaca, residente em Cascais, ao visitar o sítio na
Internet da empresa de automóveis eléctricos Nikola, decide comprar o Nikola Modelo S, crème de la
crème dos veículos eléctricos no mercado, por um valor de € 90.000. Para esse efeito, encomenda o
automóvel através do mencionado sítio na Internet, aceitando as cláusulas contratuais gerais do
contrato proposto e introduzindo os dados do seu cartão de crédito.

Após ser severamente repreendido pelos seus próximos pela despesa dissoluta com a aquisição do
automóvel, Hans arrepende-se da compra e pretende cancelá-la antes que seja tarde demais.

Para esse efeito, contacta de imediato a empresa Nikola, com sede em Nova Iorque, a qual o
informa que, de acordo com o estipulado nas cláusulas contratuais gerais aceites por Hans: a lei
aplicável ao contrato é a Lei do Estado de Nova Iorque, a qual não reconhece o “direito ao
arrependimento” dos consumidores; os eventuais litígios entre as partes deverão ser resolvidos
pelos tribunais do Estado de Nova Iorque, com preterição de quaisquer outros.

Consternado com esta resposta, Hans consulta-o para saber como reagir.

Considerando que:

1) O direito do consumidor ao arrependimento no prazo de 14 dias após a celebração do


contrato através da Internet resulta do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de
Fevereiro, que transpõe a Directiva n.º 2011/83/UE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores;
2) A Nikola não tem qualquer tipo de sucursal, agência, filial ou delegação na União Europeia;
3) Nos Estados Unidos a escolha da lei aplicável e do foro competente em contratos
celebrados com consumidores não está sujeita a qualquer tipo de limite;

Responda autonomamente às seguintes questões, fundamentado devidamente:

a) Qual é a lei aplicável ao contrato celebrado?


Situação absolutamente internacional pelo que suscita um conjunto de problemas:
problema da lei aplicável e competência internacional dos tribunais.
Temos de começar por dizer quais as ordens jurídicas potencialmente aplicáveis:
PT e EUA.

Que resposta dão a este problema? Conteúdo material das normas que seriam
aplicáveis? Em Portugal recorríamos ao art.10º e nos EUA o direito não é
reconhecido.

Quais as fontes às quais vamos recorrer? Temos de começar pelas fontes


hierarquicamente superiores  ROMA 1:
- Âmbito material: obrigação contratual, não há exclusão da matéria deste
contrato, pelo que este âmbito se verifica.
- Âmbito temporal: presumimos que o contrato foi celebrado após 17 Dezembro de
2009
- Âmbito espacial: aplicação universal

Nada obsta a que se aplique o regulamento:


Regra geral: autonomia da vontade – art.3º
As partes escolheram a lei aplicável porque o contrato foi celebrado pelo
consumidor e concordou com as condições. Houve esta escolha da lei  lei EUA.

Esta regra geral é aplicada neste caso? O problema coloca-se porque podemos ter
um contrato celebrado com consumidor para os efeitos do regulamento de Roma I
porque este regulamento estabelece regras especiais que se aplicam aos contratos
que especificamente esse mesmo regulamento considera merecer da tutela
conflitual que nos aparece aí enunciada. Há certos pressupostos.
Natureza do contrato celebrado: art.6º, nº1  a) e b) e última parte deste número –
a) não se verifica, a al. b) pode se verificar. Importa reter que há indícios que
podemos retirar do caso concreto e podemos abrir subhipóteses, o que significa,
saber se no site está indicada uma lista de países para a qual a empresa está
disponível para fazer entregas, se isto estiver explicitado então temos uma resposta
clara numa determinada direção. Podemos não ter estes indícios, o Tribunal de
Justiça declarou que a simples circunstancia de que existe um site acessível a todo
o mundo só por si não é indicio suficiente de que o profissional está a dirigir a sua
atividade a todos os países do mundo. Ao abrir subhipóteses tínhamos de
densificar o conceito de atividade dirigida. Porque é que esta exigência é
estabelecida? O desvio às regras gerais é para proteção da parte mais fraca, mas a
exigência da al. b) destina-se a assunção de risco.
Duas hipóteses:
- Se se entender que o profissional, empresa, dirigia as suas atividades para o
mercado português qual seria a consequência? Aplica-se o nº2 do art.6º  a
escolha não deixa de ser válida mas é limitada no seu alcance pela intervenção das
disposições imperativas vigentes no país da residência habitual do consumidor que
o protejam, ou seja, a aplicação do estado de NI não pode afastar as disposições
imperativas de PT. Logo aplica-se o direito de NI + direito de arrependimento. Ele
tem direito a fazer cessar o contrato dentro do prazo  resolução do contrato.
- Admitindo que não era esse o caso: o art.6º não seria aplicável, logo, tínhamos de
aplicar as regras gerais do art.3º - a lei aplicável seria a lei do Estado de NI.
Era ou não possível que o consumidor exercesse o direito de arrependimento? Em
ultima analise a ordem publica internacional; podíamos explorar a hipótese de ser
uma norma de aplicação imediata.

Havia violação da ordem publica neste caso?


b) Serão os tribunais do Estado de Nova Iorque exclusivamente competentes para apreciarem
qualquer litígio entre as partes?
A questão que se colocava era a da competência internacional e saber se podemos
aplicar o ROMA I bis.
Fonte aplicável? Aquilo que estamos a perguntar é se admitimos a competência
exclusiva dos tribunais de NI – apreciação deste facto de jurisdição – temos de ver
se se aplica o Regulamento:
- Âmbito material – art.1º, 1ª parte verifica-se;
- Âmbito temporal
- Âmbito espacial – Art.4º e 5º - regra geral: não é um EM (art.63º 
expressamente na hipóteses estava indicado que não tinha nenhum destes
elementos situados no estado membro, ou seja, o réu não estava domiciliado num
EM). Ver ainda o art.17º, nº2 que não se verifica. Ou seja, o réu não está
domiciliado no EM, logo o regulamento não é aplicável.
Podíamos ver se existia competência exclusiva (art.24º - não!) ou por força dos
pactos de jurisdição (art.25º - não! Porque estabelecerem como competente um
estado terceiro e não um estado-membro).

Art.6º  art.18º: alargamento da aplicabilidade do regulamento mesmo quando o


réu não tenha domicilio no EM  o estado português podia ter competência.
Os tribunais do estado NI não têm competência exclusiva.

c) Se for proferida uma sentença desfavorável nos Estados-Unidos da América, há algum


meio de impedir que esta produza efeitos em Portugal?

Problema do eventual reconhecimento da sentença estrangeira


As regras só se aplicam desde que se verifiquem dois pressupostos: sentença
proveniente de um estado membro e que a questão que se coloca seja a do
reconhecimento noutro estado membro (art.36º, nº1).
Neste caso não se aplica o regulamento, temos de recorrer ao CPC. Esta sentença
não violaria a ordem publica internacional. A parte poderia opor-se ao
reconhecimento da sentença.

II

Comente sinteticamente a seguinte afirmação:

“A aplicação de direito estrangeiro por tribunais do foro é uma ficção, porque os nossos juízes não
são versados em outros ordenamentos jurídicos. Daí que o princípio da boa administração da
justiça obrigue a maximizar o âmbito de aplicação do direito português”.
Cotações:

I. a) 8 valores

I. b) 4 valores

I c) 4 valores

II: 4 valores

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