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Maria em Lucas síntese

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Lucas apresenta o mais belo e diversificado perfil de Maria na Bíblia.


Para o evangelista, o discípulo de Jesus é aquele(a) que ouve seu apelo, segue-o e
aprende com ele no caminho (Lc 5,10s; 13,22). Ser aprendiz de Jesus significa também
fazer parte de sua comunidade, peregrinar na fé e participar da causa de Jesus, que é o
Reino de Deus. O seguidor de Jesus é aquele que “ouve a Palavra de Deus num coração
generoso, conserva no coração e frutifica na perseverança” (Lc 8,15: explicação da
parábola da semente e dos tipos de terra). Ora, a grande novidade de Lucas é apresentar
Maria como a imagem viva do discípulo(a) de Jesus.
Podemos resumir as seguintes características de Maria no terceiro evangelista: a
seguidora de Jesus, a peregrina na fé, o sinal da opção de Deus pelos pobres e a mulher
contemplada pelo Espírito Santo.

(1) Seguidora de Jesus: Maria realiza as três qualidades básicas do discípulo fiel. Ela
acolhe a palavra de Deus com fé (relato da anunciação: Lc 1,28-38), conserva a palavra
no coração e a medita, confrontando-a com os fatos (Lc 2,19 e Lc 2,51) e frutifica esta
palavra viva; sendo uma pessoa de intensa fé (“feliz de você que acreditou”: Lc 1,40) e
a mãe do messias (“bendito é o fruto do teu ventre” em Lc 1,42). Somente Lucas relata
a cena da mulher na multidão que grita: “Feliz o ventre que te gerou e o seio que te
amamentou”, em claro elogio à maternidade biológica. Mas Jesus lhe responde: “Antes,
felizes os ouvem a palavra de Deus e a realizam” (Lc 11,27). Antes de ser uma crítica à
Maria, este texto revela sua real importância. A maternidade é conseqüência e expressão
de sua fé. Neste sentido também, Lucas refaz a expressão final do (des)encontro de
Jesus com os familiares, com a expressão: “Minha mãe e meus irmãos são os que
ouvem a Palavra de Deus e a realizam”(Lc 8,21). Há portanto uma prioridade da fé,
enquanto adesão à Jesus e à sua causa, sobre o simples fato de ser mãe de Jesus.

(2) Peregrina na fé: Somente Lucas relata as palavras de Simeão a Maria: “Quanto a ti,
uma espada transpassará tua alma” (Lc 2,25). Não se trata de uma alusão ao sofrimento
de Maria na hora da cruz, pois nos evangelhos sinóticos Jesus morre sozinho e Maria
não está incluída entre as mulheres que o observam, de longe. A espada tem um sentido
metafórico. Alude a Jesus, que é a palavra-gesto do Pai, conforme Hb 4,12s: “A Palavra
de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes. Julga as
disposições e as intenções do coração. E não há criatura oculta à sua presença”. Maria,
como os outros aprendizes de Jesus, não sabia tudo. Foi fazendo descobertas no correr
de seu caminho espiritual. Neste sentido, o relato da perda no templo confirma que
Maria e José não entendem naquele momento as palavras e os gestos de Jesus (Lc 2,41-
50). Por isso mesmo, ela precisa refletir e buscar o sentido dos fatos. A interpretação
nova que Jesus dá à Lei, ao sábado, ao templo e às tradições questionava seus
seguidores, trazia conflitos e lhes provocava mudanças na sua visão religiosa. Era uma
espada! Maria passou pelo crivo da espada da Palavra, e cresceu com isso.

(3) Sinal da opção de Deus pelos pobres: Lucas é o evangelista que mais desenvolve a
dimensão social da Boa Nova de Jesus. Coerente com esta orientação, Maria é
apresentada por ele como uma mulher pobre, da desconhecida terra de Nazaré da
Galiléia. Jesus nasce num lugar sem recursos e é envolvido em faixas (Lc 2,12). Como
são pobres, os pais de Jesus oferecem pássaros no templo, em vez do cordeiro (Lc 2,24).
O cântico de Maria, chamado “Magnificat” resume, de forma poética, a proposta de
Jesus nas Bem-Aventuranças (Lc 2,46-55 em comparação com Lc 6,20s). Sinaliza, com
clareza, que a Boa Nova de Jesus propõe uma mudança nas atitudes das pessoas e nas
estruturas sociais. Deus se volta sobretudo para os mais pobres, pois são os que mais
necessitam. Sua misericórdia permanece para sempre.

(4) Mulher contemplada pelo Espírito Santo: Em Lucas, Jesus começa a missão
recordando a profecia de Isaías: “O Espírito de Deus está sobre mim” (Lc 4,14). É o
Espírito que age em Jesus e nos seus seguidores, após pentecostes. Maria é apresentada
então como a mulher sobre a qual “a sombra do altíssimo” se estende, para possibilitar a
concepção de Jesus. Ela também participa da comunidade que prepara a vinda do
Espírito (At 1,14). Portanto, Maria é “contemplada” duplamente pelo Espírito Santo: no
nascimento de Jesus e no nascimento da comunidade cristã, após a ressurreição de
Jesus.

:: Veja também Maria em Mateus e Marcos


:: Bodas de Caná e Maria: os símbolos – Maria em João parte I

A partir de Lucas, descobrimos traços originais da figura de Maria. O “sim”,


pronunciado com inteireza no início da juventude, se renova no correr da vida. Ela
passa por crises e situações desafiadoras, que a fazem crescer e caminhar sempre mais
na adesão ao Senhor. Maria nos recorda que Deus escolhe preferencialmente os
simples e humildes para iniciar o Reino de Deus, esta recriação da humanidade e dos
cosmos. A partir do Magnificat, ouve-se o apelo por novas relações interpessoais,
econômicas, políticas, culturais e ecológicas.
Maria simboliza o ser humano em construção, aberto a Deus, tocado pelo Espírito
Santo, cultivando um coração solidário.Essas características marianas inspiram atitudes
de vida de cada cristão e da Igreja-comunidade

Sentimo-nos chamados a sermos discípulos fiéis de Jesus, ouvindo, acolhendo,


guardando no coração e praticando sua Palavra. Renovamos o nosso “sim”, mesmo no
meio das crises, pois sabemos que somos “bem-amados de Deus” (Ef 1,6).
Alimentamos, como Maria, um coração agradecido a Deus, que O louva por todo o bem
que Ele realiza em nosso meio e através de nós. E nos empenhamos pela solidariedade e
pela cidadania planetária, construindo uma sociedade mais próxima do projeto de Deus.

Doutor em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.


Professor de Teologia no ISTA (Instituto Santo Tomás de Aquino) e na Faculdade
Jesuíta (FAJE), em Belo Horizonte.

Maria na bíblia: panorama


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As comunidades cristãs das origens fizeram um caminho de descoberta a respeito da


figura de Maria, a mãe de Jesus. Vamos ver os traços mais importantes deste processo.

Já se fala sobre Maria no Antigo testamento? Grande parte dos estudiosos da Bíblia
está de acordo neste ponto: não há nenhum texto nas escrituras judaicas, ou primeiro
testamento, com a intenção explícita de fazer um anúncio antecipado sobre Maria. Na
realidade, depois que Maria se tornou reconhecida na comunidade cristã, a partir do
século 3, aconteceu uma releitura dos textos bíblicos. Ampliou-se o sentido original.
Assim, algumas imagens e alegorias, como “a descendência da mulher que esmaga a
cabeça da serpente” (Gn 3,15), passaram a ser compreendidas em relação à mãe de
Jesus.

Nos escritos de Paulo não há referência direta a Maria. Somente o texto de Gálatas 5,5
faz uma ilusão à mãe de Jesus, ao falar que Deus “enviou seu filho, nascido de uma
mulher”.

:: Leia mais 'Maria em Mateus e Marcos'


:: Maria em Lucas: síntese

No evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, Maria aparece no meio dos


familiares de Jesus, sem qualquer destaque. O evangelista mostra com clareza que, para
Jesus, importa sobretudo uma nova família, não mais formada por laços de parentesco.
A verdadeira família de Jesus será, de agora em diante, a dos seus seguidores, ou seja,
os discípulos e discípulas que fazem a vontade do Pai.

Já Mateus acrescenta um dado novo. Ele prepara o anúncio da vida pública de Jesus
com os “relatos de infância”, que estão centrados na figura de José, o homem justo que
sempre age de acordo com o apelo de Deus. Assim, José acolhe a Maria como sua
esposa e não tem relações intimas com ela até o nascimento. Adota Jesus como seu
filho, mesmo não sendo o pai biológico e protege a ambos dos perigos que surgem.
Maria é apresentada como aquela que concebe pela ação do Espírito e está unida ao
filho, como mostra a expressão “o menino e sua mãe”, repetida 5 vezes.

Este é perfil de Maria em Lucas: perfeita discípula, peregrina na fé, sinal da opção de
Deus pelos pobres, mulher contemplada pelo Espírito Santo.

O evangelho que mais se refere a Maria é Lucas. A começar pela quantidade dos relatos
nos quais ela aparece ou se diz algo sobre a mãe de Jesus: anunciação, visita a Isabel,
cântico do Magnificat, nascimento de Jesus, apresentação no templo, profecia de
Simeão, desencontro no templo aos 11 anos, a vida em Nazaré, as palavras de Jesus
sobre a família, o diálogo com a mulher na multidão, a presença de Maria na
comunidade nascente, preparando a vinda do Espírito Santo. Através de todos estes
relatos, Lucas nos apresenta Maria como a figura da/o perfeito discípulo de Jesus, que
ouve a Palavra de Deus, guarda-a no coração e dá frutos na perseverança.

Além disso, Maria trilha um caminho na fé. Totalmente entregue aos projetos de Deus,
ela não entende tudo o que lhe acontece, e por isso mesmo precisa continuamente
meditar o sentido dos acontecimentos. Passa por momentos belos e difíceis, alegres e
sofridos. O fato de ter que aprender o “jeito novo” de ver o mundo que Jesus propõe
causa-lhe conflitos, que lhe atravessam o coração como uma espada. Como mulher
proveniente de Nazaré da Galiléia, Maria vive e anuncia a opção preferencial de Deus
pelos pobres, tal como Jesus o vive e anuncia no sermão da planície.
Por fim, Maria é uma pessoa especialmente contemplada pelo Espírito Santo, que a
cobre com sua sombra na concepção de Jesus e atua na comunidade dos discípulos em
Pentecostes, como línguas de fogo. “Nuvem” e “fogo” são os símbolos da presença de
Deus junto de seu povo peregrino, desde a libertação do Egito. Nuvem quer dizer
proteção e fecundidade. Já o fogo alude a energia, amor e vitalidade. Este é perfil de
Maria em Lucas: perfeita discípula, peregrina na fé, sinal da opção de Deus pelos
pobres, mulher contemplada pelo Espírito Santo.

João completa o perfil de Lucas acrescentando duas outras características. Ao


apresentar Maria no início da missão de Jesus (bodas de Caná) e no momento derradeiro
(junto à cruz), expressa que é uma pessoa significativa para Jesus e sua comunidade.
Nos dois relatos, Jesus não a chama de “mãe”, e sim de “mulher”, como o faz com
outras mulheres importantes, como a Samaritana e Madalena. Em Caná, Maria é
apresentada como a “pedagoga da fé”, que orienta os servidores para “fazer tudo o que
Jesus disser”. Ajuda a reunir os discípulos em torno a Jesus. Possibilita a realização do
primeiro sinal, que inicia o processo de acreditar em Jesus e compreender quem ele é. Já
na cruz, Maria aparece junto com as mulheres e o discípulo amado, perseverante na fé,
no momento em que cessam os sinais. Por vontade de Jesus, há uma adoção recíproca.
Ela assume a missão de mãe da comunidade cristã, representada pelo “discípulo
amado”, e a comunidade a acolhe como tal.

O texto de Apocalipse 12 não é originalmente mariano. A mulher, revestida de sol, com


as estrelas debaixo dos pés e as doze estrelas significa, em primeiro lugar, a
comunidade-igreja, que já experimenta neste mundo os frutos da glorificação de Jesus.
De outro lado, também sofre os ataques das forças do mal na história, é frágil, vive no
deserto (lugar de tentação e de encontro com Deus) e sente a solidariedade da Terra.
Como aconteceu com textos do Antigo Testamento, houve posteriormente uma releitura
de Apc 12, dando-lhe uma conotação mariana. Ela se apóia no fato de Maria ser mulher
e mãe do messias. Nas comunidades cristãs do século 4 nasce assim a intuição de que
ela participa, de forma singular, da glorificação que será concedida a todos os
seguidores de Jesus.

O perfil bíblico de Maria é fundamental para elaborar uma mariologia consistente,


equilibrada e centrada em Jesus. A partir dele, corrige-se os exageros do
devocionismo e do maximalismo mariano. Estabelece-se assim elementos para o
diálogo enriquecer com outras Igrejas cristãs.

Ir. Afonso Murad,Marista

É doutor em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de


Roma. Professor de Teologia no ISTA (Instituto Santo Tomás de Aquino) e na
Faculdade Jesuíta (FAJE), em Belo Horizonte.

Maria em Mateus e Marcos


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Maria no Evangelho de Marcos

 Não há relatos sobre a infância de Jesus


 Reflete-se sobre a relação conflituosa de Jesus com sua família biológica
 A nova família de seguidores substitui a família com laços sanguíneos

O Evangelho de Marcos se constitui em duas questões fundamentais: Quem é Jesus de


Nazaré? Como ser discípulo de Jesus, o Cristo? Questões que Maria, mãe de Jesus,
como todos de sua família e todos da comunidade cristã, inclusive Marcos buscam
entender.

No Evangelho de Marcos a pessoa de Maria aparece em duas passagens: Mc 3,31-35 e


Mc 6, 3-4. Nestes textos Maria é a mãe biológica de Jesus que busca entender o filho
juntamente com seus familiares. A mulher maternalmente solícita pela sorte do filho.
Mas, que também é convocada a ser discípula na busca de compreender Jesus e sua
missão e acolher sua proposta. Ela também podia estar entre os primeiros a nutrir
preocupações ainda muito humanas pela missão e a obra de Jesus.

Marcos indica que a verdadeira família de Jesus não é a de ordem carnal e que a ela
pertencem todos os filhos do Reino. Assim, Maria, Mãe de Jesus é fundamental
testemunho dos verdadeiros laços que criam comunhão com Jesus. Depois de ter levado
Jesus, seu filho no ventre, era preciso que ela o gerasse no coração, cumprindo a
vontade de Deus (cf. Mc 3,35), que se manifestava naquilo que Jesus dizia e realizava.
Neste sentido, a figura de Maria “mãe” se harmoniza e se completa com a figura da
“discípula” (SERRA, 1995).

:: Leia também Maria na bíblia: panorama


:: Maria em Lucas: síntese
Maria no Evangelho de Mateus

1. Nos relatos de infância, José é o personagem principal

2. Maria é a Mãe virginal do messias

No Evangelho de Mateus a pessoa de Maria aparece em dois momentos: nos relatos da


infância (cf. Mt 1-2) e no ministério apostólico de Jesus ( cf.Mt 12,46-50; 13,54-58). O
primeiro é composto por relatos próprios de Mateus; o segundo está em dependência de
Marcos, mas Mateus toma diante dele tal liberdade que é capaz de transformar seu
sentido e seu ensinamento (ALVAREZ, 2005).

No Evangelho da Infância em Mateus, Jesus, como todos os meninos, não chega ao


mundo sem um pai e uma mãe. Mateus fala de José, esposo de Maria (cf. Mt 1,16) e de
Maria esposa de José (cf. Mt 1,24). Maria, por sua vez não tem existência sem José, do
qual é esposa, e sem Jesus, do qual é mãe. Maria é aquela que gera e é mãe, ao passo
que José é somente o pai legal.

Mt 1,3 fala sobre a concepção de Jesus, diz que esta se realizou “para que se cumpra o
oráculo do Senhor, por meio do profeta [...]” e cita Is7, 14, aplicando a Jesus a realidade
do “Emanuel” e a Maria a de “virgem”. (Mateus quando) Ao falar do nascimento de
Jesus, Mateus recorrendo ao texto de Isaías, não somente assume a interpretação dos
LXX, mas ele mesmo interpreta teologicamente esse nascimento: Jesus é o Emmanuel e
nasce de Maria Virgem. Neles dois se realiza plenamente o oráculo do profeta: Jesus é o
Messias, e Maria é a Mãe-Virgem e, este fato maravilhoso somente pode ser entendido
como a obra do Espírito Santo (ALVAREZ, 2005).

Maria na bíblia: panorama


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As comunidades cristãs das origens fizeram um caminho de descoberta a respeito da


figura de Maria, a mãe de Jesus. Vamos ver os traços mais importantes deste processo.
Já se fala sobre Maria no Antigo testamento? Grande parte dos estudiosos da Bíblia
está de acordo neste ponto: não há nenhum texto nas escrituras judaicas, ou primeiro
testamento, com a intenção explícita de fazer um anúncio antecipado sobre Maria. Na
realidade, depois que Maria se tornou reconhecida na comunidade cristã, a partir do
século 3, aconteceu uma releitura dos textos bíblicos. Ampliou-se o sentido original.
Assim, algumas imagens e alegorias, como “a descendência da mulher que esmaga a
cabeça da serpente” (Gn 3,15), passaram a ser compreendidas em relação à mãe de
Jesus.

Nos escritos de Paulo não há referência direta a Maria. Somente o texto de Gálatas 5,5
faz uma ilusão à mãe de Jesus, ao falar que Deus “enviou seu filho, nascido de uma
mulher”.

:: Leia mais 'Maria em Mateus e Marcos'


:: Maria em Lucas: síntese

No evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, Maria aparece no meio dos


familiares de Jesus, sem qualquer destaque. O evangelista mostra com clareza que, para
Jesus, importa sobretudo uma nova família, não mais formada por laços de parentesco.
A verdadeira família de Jesus será, de agora em diante, a dos seus seguidores, ou seja,
os discípulos e discípulas que fazem a vontade do Pai.

Já Mateus acrescenta um dado novo. Ele prepara o anúncio da vida pública de Jesus
com os “relatos de infância”, que estão centrados na figura de José, o homem justo que
sempre age de acordo com o apelo de Deus. Assim, José acolhe a Maria como sua
esposa e não tem relações intimas com ela até o nascimento. Adota Jesus como seu
filho, mesmo não sendo o pai biológico e protege a ambos dos perigos que surgem.
Maria é apresentada como aquela que concebe pela ação do Espírito e está unida ao
filho, como mostra a expressão “o menino e sua mãe”, repetida 5 vezes.
Este é perfil de Maria em Lucas: perfeita discípula, peregrina na fé, sinal da opção de
Deus pelos pobres, mulher contemplada pelo Espírito Santo.

O evangelho que mais se refere a Maria é Lucas. A começar pela quantidade dos relatos
nos quais ela aparece ou se diz algo sobre a mãe de Jesus: anunciação, visita a Isabel,
cântico do Magnificat, nascimento de Jesus, apresentação no templo, profecia de
Simeão, desencontro no templo aos 11 anos, a vida em Nazaré, as palavras de Jesus
sobre a família, o diálogo com a mulher na multidão, a presença de Maria na
comunidade nascente, preparando a vinda do Espírito Santo. Através de todos estes
relatos, Lucas nos apresenta Maria como a figura da/o perfeito discípulo de Jesus, que
ouve a Palavra de Deus, guarda-a no coração e dá frutos na perseverança.

Além disso, Maria trilha um caminho na fé. Totalmente entregue aos projetos de Deus,
ela não entende tudo o que lhe acontece, e por isso mesmo precisa continuamente
meditar o sentido dos acontecimentos. Passa por momentos belos e difíceis, alegres e
sofridos. O fato de ter que aprender o “jeito novo” de ver o mundo que Jesus propõe
causa-lhe conflitos, que lhe atravessam o coração como uma espada. Como mulher
proveniente de Nazaré da Galiléia, Maria vive e anuncia a opção preferencial de Deus
pelos pobres, tal como Jesus o vive e anuncia no sermão da planície.
Por fim, Maria é uma pessoa especialmente contemplada pelo Espírito Santo, que a
cobre com sua sombra na concepção de Jesus e atua na comunidade dos discípulos em
Pentecostes, como línguas de fogo. “Nuvem” e “fogo” são os símbolos da presença de
Deus junto de seu povo peregrino, desde a libertação do Egito. Nuvem quer dizer
proteção e fecundidade. Já o fogo alude a energia, amor e vitalidade. Este é perfil de
Maria em Lucas: perfeita discípula, peregrina na fé, sinal da opção de Deus pelos
pobres, mulher contemplada pelo Espírito Santo.

João completa o perfil de Lucas acrescentando duas outras características. Ao


apresentar Maria no início da missão de Jesus (bodas de Caná) e no momento derradeiro
(junto à cruz), expressa que é uma pessoa significativa para Jesus e sua comunidade.
Nos dois relatos, Jesus não a chama de “mãe”, e sim de “mulher”, como o faz com
outras mulheres importantes, como a Samaritana e Madalena. Em Caná, Maria é
apresentada como a “pedagoga da fé”, que orienta os servidores para “fazer tudo o que
Jesus disser”. Ajuda a reunir os discípulos em torno a Jesus. Possibilita a realização do
primeiro sinal, que inicia o processo de acreditar em Jesus e compreender quem ele é. Já
na cruz, Maria aparece junto com as mulheres e o discípulo amado, perseverante na fé,
no momento em que cessam os sinais. Por vontade de Jesus, há uma adoção recíproca.
Ela assume a missão de mãe da comunidade cristã, representada pelo “discípulo
amado”, e a comunidade a acolhe como tal.

O texto de Apocalipse 12 não é originalmente mariano. A mulher, revestida de sol, com


as estrelas debaixo dos pés e as doze estrelas significa, em primeiro lugar, a
comunidade-igreja, que já experimenta neste mundo os frutos da glorificação de Jesus.
De outro lado, também sofre os ataques das forças do mal na história, é frágil, vive no
deserto (lugar de tentação e de encontro com Deus) e sente a solidariedade da Terra.
Como aconteceu com textos do Antigo Testamento, houve posteriormente uma releitura
de Apc 12, dando-lhe uma conotação mariana. Ela se apóia no fato de Maria ser mulher
e mãe do messias. Nas comunidades cristãs do século 4 nasce assim a intuição de que
ela participa, de forma singular, da glorificação que será concedida a todos os
seguidores de Jesus.

O perfil bíblico de Maria é fundamental para elaborar uma mariologia consistente,


equilibrada e centrada em Jesus. A partir dele, corrige-se os exageros do
devocionismo e do maximalismo mariano. Estabelece-se assim elementos para o
diálogo enriquecer com outras Igrejas cristãs.

Ir. Afonso Murad,Marista

Maria na História da Salvação


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A mariologia insere Maria na história da salvação, pois aí ela encontra seu sentido e seu
papel específico. A história da salvação constitui o desenvolvimento da ação salvadora
de Deus através do tempo. É uma série de fatos bem unidos e concatenados entre si que
formam uma linha ininterrupta. O que dá coesão é o projeto de Deus. Cada fato se une
ao outro. Nada fica separado.

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A salvação dá-se na história humana. Por isso, a história da salvação abrange todos os
acontecimentos humanos nos quais Deus quer realizar o seu projeto de amor. No “plano
de Deus não há duas histórias paralelas, isto é, uma história humana e uma história de
salvação. A história humana seria, pois, como um marco, uma ‘ocasião’ onde cada
homem individualmente vai sendo fiel ou infiel à lei de Deus, no caminho da salvação
ultraterrena” (Segundo Galilea, teólogo latino-americano).

Sentido pleno

Para que possamos compreender a figura e a missão de Nossa Senhora, é necessário


inseri-la no marco da história da salvação. Ela não é uma personagem isolada,
independente dos eventos salvíficos de Deus na história humana. Pelo contrário,
pertence ao conjunto da ação salvadora. Na história da salvação Maria adquire sentido
pleno. Em sua missão, Nossa Senhora é parte integrante e essencial da história da
salvação.

Em sua missão, Nossa Senhora é parte integrante e essencial da história da salvação. Em


24 de abril de 1970, o Papa Paulo VI afirmava que ela “não é uma circunstância
ocasional, secundária, insignificante: ela é parte essencial do mistério da salvação.
Cristo, para nós, veio de Maria. Dela o recebemos. É dela que o recebemos, na sua
primeiríssima relação conosco. Ele é Homem como nós, é nosso irmão pelo mistério
maternal de Maria. Se almejamos ser cristãos, devemos ser marianos, isto é, devemos
reconhecer a relação essencial, vital e providencial que une a Virgem com Jesus,
abrindo-nos o caminho que ele conduz”.

Maria está intimamente ligada a Jesus Cristo, nosso salvador. No mesmo discurso,
Paulo VI perguntava: “Quem é Cristo, como veio entre nós, qual sua missão, sua
doutrina, seu ser divino e sua influência nos destinos da humanidade? Como veio Cristo
entre nós, veio de si mesmo, veio sem nenhuma relação, sem nenhuma cooperação por
parte dos homens? Pôde ser conhecido, compreendido, considerado, prescindindo das
relações reais, históricas, existenciais, que necessariamente implicam sua aparição no
mundo? Claro que não. O mistério de Cristo está extremado, por desígnio divino, da
participação humana. Veio entre nós palmilhando a senda da geração humana. Quis ter
uma Mãe, encarnar-se mediante o ministério vital de uma Senhora, da Senhora bendita
entre todas”.

Presença real

A salvação humana não é uma conjectura, uma hipótese, mas uma realidade histórica e
verdadeira. Nela nós deparamos com Nossa Senhora e sua missão junto ao Cristo. A
presença de Maria não é uma suposição ou algo que poderia dispensar. Ao contrário, é
um fato real, que marca a história da salvação. Para a teologia cristã séria, não interessa
o que Deus poderia ter feito no passado, mas o que fez e como fez. Jesus Cristo não
veio ao mundo por si mesmo, sem participação humana. Ele se encarnou, tornou-se
pessoa humana real no seio puríssimo de Maria, por ação do Espírito Santo.

Jesus Cristo é o centro da história da salvação, pois é a suprema, decisiva e perfeita


intervenção salvadora de Deus. Em sua bondade e sabedoria, Deus realiza a nossa
salvação através de uma longa história que ainda não acabou. Na Bíblia, o Antigo
Testamento descreve a criação e a história do povo de Deus, marcado pela promessa e
espera do Reino de Deus. No Novo Testamento Deus realiza tudo o que o povo
esperava: manifesta inteiramente o seu projeto de salvação através da ação e palavra de
Jesus Cristo. Ele próprio é a chegada e a concretização do Reino de Deus.
A encarnação de Jesus Cristo dá-se através de Maria. “Chegada a ‘plenitude dos
tempos’ (Gl 4,4), Deus Pai envia ao mundo seu Filho Jesus Cristo, Senhor nosso, Deus
verdadeiro ‘nascido do Pai antes de todos os séculos’, e homem verdadeiro nascido da
Virgem Maria por obra do Espírito Santo. O Filho de Deus assume o humano, e no
humano o universo todo, que desde a criação é orientado para o homem, restabelece a
comunhão entre o Pai e nós” (CNBB. Catequese Renovada, nº. 187). Feito filho da
mulher Maria de Nazaré, Jesus assume a nossa natureza humana para que pudéssemos
receber a filiação adotiva (cf. Gl 4,4). Junto de Jesus, Maria cooperou e continua a
cooperar no seu projeto de salvação na história.

::Maria na bíblia: panorama

Figura bíblica

A história da salvação é narrada nas Sagradas Escrituras, que têm como fio condutor a
aliança de Deus com a humanidade. “Quando lemos a Bíblia, devemos estar atentos
para perceber como ela vai contando a história da aliança entre Deus e os homens. É
como a aliança dos noivos e casais. Nasce da escolha livre de Deus e da resposta livre
do homem. Manifesta-se como relação de compromisso, isto é, de relação em que um e
outro se empenham. Exprime-se através do amor, que gera vida nova em todos os
sentidos; e através da fidelidade, que produz uma relação de liberdade e de libertação”
(Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin, biblistas brasileiros).

Na história da salvação, a figura e a missão de Maria, a Mãe do Salvador, são


entendidas à luz das Sagradas Escrituras. “A figura bíblica de Maria é o primeiro degrau
indispensável para compreender sua pessoa e sua missão, tanto na vida, morte e
ressurreição de Jesus, quanto na vida da Igreja hoje” (Ir. Afonso Murad, mariólogo
brasileiro).

O estudo da Sagrada Escritura deve ser como que alma da mariologia.

Os documentos da Igreja têm insistido em situar Maria no âmbito da Bíblia. A Carta da


Congregação para Educação Católica afirmou de maneira incisiva: “O estudo da
Sagrada Escritura deve ser como que alma da mariologia” (25 de março de 1988, no.
24). A formação mariana inspira-se na Bíblia.

Nas Sagradas Escrituras, Antigo Testamento esboça e indica a figura da Mãe do


Salvador, que se clarificará somente com a perspectiva do Novo Testamento. Existe
uma “revelação autêntica da Mãe do Senhor nas páginas veterotestamentárias, mas
revelação apenas esboçada e que se descobrirá através do Novo Testamento, ‘revelador’
do Antigo, e na interpretação oficial da Igreja” (Ir. Aleixo Maria Autran, mariólogo
brasileiro).

Já o Novo Testamento apresenta Maria de forma explícita, sempre associada a


Jesus Cristo e à sua obra de salvação. Ali ela aparece em cerca de 183 versículos, os
quais se encontram em 17 textos. São 7 livros que se referem à Mãe de Jesus.

Como devotos, nós necessitamos estudar a pessoa e a missão de Maria na história da


salvação, tendo como referência as Sagradas Escrituras. “Se amamos Nossa Senhora,
precisamos conhecê-la, e a fonte primeira de nosso conhecimento é a Bíblia” (Pe. João
Batista Megale, teólogo brasileiro).

Pe. Eugênio Antônio Bisinoto C.Ss.R.

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