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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II


- DIÁLOGOS INTERMIDIÁTICOS
Profa. Dra.  Maria Amélia Bulhões
APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

Caro Aluno
Estamos iniciando uma nova disciplina, algumas questões talvez os este-
jam intrigando. Porque desenvolver uma abordagem específica da arte em
tecnologias digitais e mídia arte?
Que tal lembrar que as câmaras digitais, a internet, o telefone celular, o
IPod são alguns dos recursos tecnológicos que alteraram a vida cotidiana
nas últimas décadas e já se instalaram definitivamente no campo das ar-
Profa. Dra. Maria Amelia
Bulhoes Garcia tes visuais, ganhando terreno a largos passos, como se pode observar pela
presença de fotos digitais interferidas, vídeos, vídeos instalações e mesmo
web arte, em feiras, exposições e bienais internacionais. A produção artística
contemporânea promoveu profundas alterações na visualidade moderna e
as tecnologias digitais concorrem de forma significativa para que se estabe-
leça um novo regime visual.
Qual a importância de desenvolvermos estudos e experimentações com
os recursos da internet?
No âmbito das produções com tecnologias digitais, que se desenvolve-
ram a partir dos processos de modernização tecnológica por que passou a
sociedade contemporânea em termos mundiais, o uso de novas estratégias
processuais e das possibilidades das tecnologias digitais on line inaugura-
ram novas categorias, dinamizando e alargando o campo da art. Neste mó-
dulo  abordaremos  especificamente  a  web arte,  ou, mais especificamente,
a arte produzida com, e a partir dos recursos da internet. Destaca-se o seu
caráter marginal e democrático; de fácil acesso, com inúmeras possibilidades
de explorar interesses, percursos e trajetórias tanto individuais como coleti-
vas. Sua flexibilidade e amplitude de ação possibilitam driblar os controles
dominantes, rompendo de alguma maneira, e dentro de certos limites, com
o sistema da arte. Além disso, a dinâmica da interatividade que esta produ-

*Curriculo: Profa. Dra. Maria Amelia Bulhoes Garcia - Possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (1973), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1983), douto-
rado em História Social pela Universidade de São Paulo (1990) e pós doutorado na Universidade de Paris I, Sorbonne
(1997) e na Politecnica de Valencia (2008). Atualmente é professor do corpo permanente do PPG em Artes Visuais da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atuando na área de Artes Visuais, com ênfase em História,Teoria e Críitica
da Arte. Coordena o Grupo de Pesquisa “territorialidade e subjetividade”. Dedica-se principalmente aos seguintes
temas: artes visuais contemporâneas, arte na América Latina e web arte.

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

ção utiliza e desenvolve estabelece novas formas de relação com o público


que podemos explorar. Vamos navegar juntos!

Dados da Disciplina

EMENTA

Análise do processo histórico de articulação da arte e tecnologia e seus


reflexos na produção artística contemporânea, com foco no cibercultura.
Abordagem de conceitos de autoria, interatividade, hipertexto, manipula-
ção, apropriação, hibridação. Desenvolvimento de pesquisas e experiências
relacionadas à  web arte. 
 
OBJETIVOS
• Compreender os processos que movem a dinâmica histórica da arte a
partir da segunda metade do século XX em suas relações com o desenvol-
vimento tecnológico, e a consolidação da cibercultura.
• Ampliar conhecimentos sobre a presença da arte na internet e a pro-
dução específica de web arte, utilizando meios de navegação e pesquisa
específicos.
• Trabalhar com os recursos disponíveis na rede web para o desenvolvi-
mento de experimentos pessoais criativos.
• Compreender e valorizar a interatividade como meio de novas relações
no campo da arte.

Unidades
UNIDADE 1 – CIBERCULTURA E CIBERSPAÇO
1.1 Possibilidades e limites
1.2 O blog como espaço pessoal
UNIDADE 2 – LUGARES DE ARTE NA INTERNET
2.1 O lugar real e o lugar virtual
2.2 Tipologias dos espaços de arte
UNIDADE 3 – WEB ARTE
3.1 Conhecendo a web arte
3.2 O regime visual da web arte e suas possibilidades

UNIDADE 4 – HIPERTEXTO
4.1 Hipermídia: usos do hipertexto na internet
4.2 Experimentando o hiperlink

UNIDADE 5 - INTERATIVIDADE E MIDIAS LOCATIVAS


5.1 Explorando a interatividade
5.2 Mídias locativas e seus usos na arte

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Unidade 1
CIBERCULTURA E CIBERSPAÇO

O fenômeno da Cibercultura é a marca do mundo contemporâneo, carac-


terizada pelas relações sócio culturais que se estabelecem pelo desenvolvi-
mento das tecnologias de base micro-eletrônicas desenvolvidas a partir dos
anos 70. A Cibercultura é fortemente marcada pelas tecnologias digitais que
proliferam atualmente, tais como, computadores, internet, mídias móveis e
outras tecnologias de comunicação que interconectam as pessoas em di-
ferentes regiões do mundo em uma rede de aparatos de comunicação que
modificaram nosso cotidiano (Ver Figura 01).

Figura 01 – Dinâmica que envolve o universo da cibercultura

Ciberespaço é o termo normalmente utilizado para se referir a um espa-


ço de comunicações, utilizando a Internet que é um conglomerado de redes
interligadas pelo protocolo IP, a world wide web (www). Uma rede remo-
ta internacional, que proporciona a transferência de arquivos e dados para
milhares de pessoas ao redor do mundo, via computadores, mais popular-
mente designada como rede web. A origem do termo cibernética, de onde
advém ciberespaço está ligada a um modelo conceitual baseado na idéia
de conduzir, guiar ou pilotar comunicações, e está ligada a sua utilização
original para fins militares. Segundo a maioria dos autores, o ciberespaço se
caracteriza pelo tempo-real e pela interatividade, estabelecendo em decor-
rência destas duas circunstâncias novas possibilidades relacionais.
Anne Cauquelin (CAUQUELIN, 2005) aponta a passagem do regime de
mercado da arte moderna para o regime de comunicação da arte contem-
porânea. Segundo ela, neste último, as redes artísticas apresentam-se como

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

um sistema de interligações que não se concentra em um ponto central,


mas cujo movimento permite inúmeras conexões, fazendo com que cada
ponto da rede seja a sua totalidade (Ver Figura 02). Estar na rede garante a
capacidade de produzir arte. Idéia bastante semelhante apresenta Jose Luis
Brea (BREA, 2007), ao analisar o que ele denomina Cultura RAM. Para esse
autor, no mundo contemporâneo, são as redes de conexão as responsáveis
pela produção de conhecimento e não mais as estruturas de armazenamen-
to de dados. Dessa forma, os inúmeros nós de circulação e transferência de
informações que se observam na rede são os verdadeiros produtores da cul-
tura. A polêmica entre os defensores do armazenamento dos dados digitais
(memória ROM) e defensores da produção do conhecimento pelas cone-
xões dentro da rede (memória RAM) deixa perceber que esse é um proble-
ma ainda não resolvido. De qualquer forma, fica evidente que a sociedade
da comunicação estabelece novas relações de trabalho e novas formas de
estruturar o pensamento, e que as artes visuais não estão fora deste debate.
Questões conceituais e práticas permeiam a polêmica sobre a necessidade
de arquivar as trajetórias no campo das artes visuais, de utilizar unicamente
a rede internet ou sua combinação com a produção de CD-ROM.

Figura 02 - Interatividade no ciberespaço.

O desenvolvimento internacional da rede internet, com sua utilização


generalizada a partir dos anos 90, oferece aos usuários formas individu-
alizadas de percorrer as inúmeras infovias a sua disposição, buscando
encontrar os objetos de seu interesse e se conectar com seu grupo ou tri-
bo. Uma ampla gama de possíveis caminhos e diferentes conexões pode
conduzir a que se imagine o ciberespaço livre dos opressores controles
sociais. Criando seus lugares particulares, com suas específicas relações
de pertencimento, ao instalar-se neste amplo e difuso conjunto de vias
de informação, arte não fica fora destas disputas.

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

DICA DE FILME
Assista o filme Matrix Roloaded, que evoca um possível futuro no universo
da Cibercultura,com personagens e temas caros a ficção científica cyber-
punk e questões relativas às redes telemáticas, ao mundo virtual,às ações
dos hakers e ao controle imposto ao indivíduo pelas tecnologias cibernéti-
cas. Você encontra o filme disponível na internet, sem legendas
http://www.vii.sk/video/wtiookka/film-matrix-reloaded/
Ficha técnica
titulo original: (The Matrix Reloaded)
lançamento: 2003 (EUA)
direção: Andy Wachowski , Larry Wachowski
duração: 138 min
Sinopse: Após derrotar as máquinas em seu combate inicial, Neo (Keanu
Reeves) ainda vive na Nabuconodosor ao lado de Morpheus (Laurence
Fishburne), Trinity (Carrie-Anne Moss) e Link (Harold Perrineau Jr.), o novo
tripulante da nave. As máquinas estão realizando uma grande ofensiva con-
tra Zion, onde 250 mil máquinas estão escavando rumo à cidade e podem
alcançá-la em poucos dias. A Nabucodonosor é convocada para retornar a
Zion, para participar da reunião que definirá o contra-ataque humano às
máquinas. Entretanto, um recado enviado pelo Oráculo (Gloria Foster) faz
com que a nave parta novamente, levando Neo de volta à matrix. Lá ele
descobre que precisa encontrar o Chaveiro (Randall Duk Kim), um ser que
possui a chave para todos os caminhos da matrix e que é mantido como
prisioneiro por Merovingian (Lambert Wilson) e sua esposa, Persephone
(Monica Bellucci).

PARA REFLETIR
Como era sua vida há 15 anos atrás? Que vantagens e desvantagens as tec-
nologias digitais trouxeram para seu cotidiano? Como estas mudanças re-
percutem nas artes visuais?

PROBLEMATIZANDO
Quem está à margem da cibercultura?
Entreviste pessoas que não tem acesso a internet e outros meios digitais.
Troquem estas entrevistas com outros pesquisadores e discutam o tema.

1.1 Possibilidades e limites

A rede internet evidencia ser um privilegiado espaço de difusão, atingin-


do o público em seu próprio ambiente, sem exigência de afastamentos de
casa ou local de trabalho. Responde, portanto, a uma demanda de redução
dos deslocamentos, e consequentemente dos transtornos e custos que os
mesmos ocasionam. Pesquisas indicam que, principalmente nas grandes ci-
dades, as pessoas preferem buscar alternativas culturais que não impliquem
em afastar-se de seu entorno, evitando as perdas de tempo com o trânsito
e os riscos da violência urbana. Também responde a necessidades daque-

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

les que habitam regiões mais distantes, para os quais as opções culturais são
em geral bastante limitadas. A internet encontra-se atualmente disponibilizada
para um grande número de usuários, atingindo mesmo locais de difícil acesso.
Torna assim realidade o velho sonho de deslocar-se por vários locais do mundo
sem sair de seu espaço. A oferta de produtos culturais, desta forma mais direta e
acessível, tem seduzido um grande público, fazendo com que cresça, mundial-
mente e a cada dia, o número de ofertas e acessos a esse tipo de lugares.
Esse caráter aparentemente democrático da rede, no entanto, não deve
ocultar uma importante limitação que se evidencia no mapa da utilização da
internet no mundo (Figura 03). Nele percebe-se uma concentração de pon-
tos de uso nos EUA e na Europa, com grandes vazios na áfrica Ásia e América
central e do sul. São bastante significativas essas restrições na distribuição
de usuários deste meio no espaço físico geográfico mundial. Além disso, o
domínio na propriedade e gerenciamento das tecnologias da comunicação
telemática estabelece ordens de controle e poder no mundo, que não se
pode omitir ou ignorar. Os constantes avanços e transformações nesse tipo
de dispositivos estabelecem uma corrida da qual muitos segmentos sociais,
possivelmente a grande maioria, não participa. O monopólio do desenvol-
vimento tecnológico das comunicações se apresenta como uma decisiva
instância de dominação política e econômica, principalmente pelas inúme-
ras possibilidades de vigilância e manipulação ideológica que oferece. As
atuações de rakerativistas tem sido a contrapartida deste tipo de controle
indiscriminado que, principalmente através das novas tecnologias digitais,
tem sido desenvolvido para dominar o mundo em todos os sentidos.

Figura 03 – Internet no Mundo.

Igualmente restritivo em termos de ideais democráticos é o uso da lín-


gua inglesa, utilizada mundialmente como padrão na internet, o que já está
indicado no próprio nome como é internacionalmente conhecida – world
wide web. A língua pode ser um empecilho na distribuição de conteúdos
na rede, por isso alguns dispositivos de tradução on-line já estão sendo dis-
ponibilizados em muitos sites, oferecendo uma espécie de alternativa semi-
eficiente para esta problemática. As traduções são bastante limitadas em
termos qualitativos e reduzidas a alguns elementos.
Por outro lado, as possibilidades relacionais da internet, presente nas
suas opções interativas, superam os limites da recepção passiva que a TV
impunha (Ver Figura 04). A posição mais participativa do público afasta o

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II
fantasma da dominação manipuladora das consciências, que freqüentava
os textos mais críticos contra a indústria cultural nos anos 70. É nesse ponto
- interatividade - que se apóiam a maioria dos defensores da internet que
a vêem como uma nova abertura de possibilidades comunicacionais para
a humanidade. Os softwares livres estão se tornando a cada dia mais nu-
meroso, e a Web 2.0 (modelo mais livre e interativo) cresce de uma forma
vertiginosa, levando a crer que este será o padrão de uso no futuro próximo.
Essa participação é considerada por setores mais conservadores como uma
ameaça, por romper com o domínio das autorias e dos controles de proprie-
dade, bases do sistema capitalista de propriedade privada. As questões são
complexas e se estendem bem alem dos limites da arte.

Figura 04 – Indicativo de acesso a internet por regiões do globo.

As tarefas de questionamento, de crítica e de coesão devem ser a con-


tribuição da arte na internet. Usando a criatividade como ferramenta para
implementar processos em que o indivíduo e os grupos possam se fazer
representar, e que ponham em cheque as estruturas de poder estabelecidas
dentro e fora da rede. No caso da arte, o ciberespaço se evidencia como
uma possibilidade de subverter as hierarquias de poder tradicionais deste
circuito, bastante elitista, dominador e excludente. A cultura atual dirige-se
a uma tendência eminentemente relacional, em que as práticas culturais se
tornam primordialmente políticas, abandonando o regime de mercado para
se integrarem nas novas economias de distribuição. A possibilidade de que
qualquer indivíduo ou grupo, utilizando-se das tecnologias disponíveis crie
seu lugar de arte na rede, abre frestas nos controles sociais.
Entretanto, alguns limites do uso da internet se relacionam a uma in-
compatibilidade entre o regime de imagem da web e o da arte tradicional,
que tem sido apontada por diversos artistas e críticos. Eles questionam as
contradições da incorporação de obras tridimensionais, matéricas, espaciais
e mesmo sensoriais, aos recursos bi dimensionais da tela do computador.
Alguns desses limites podem ser minimizados pelos avanços tecnológicos,
porém, nada ainda parece superar essas diferenças. A distância permanece
e muitos desacreditam de uma possível compatibilização entre estes dife-

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

rentes regimes de imagem. Essa talvez seja a raiz da rígida segmentação que
se percebe entre o grupo de artistas identificados com o uso de recursos
tecnológicos digitais e os mais ligado aos meios tradicionais.
Os limites de armazenamento de dados também se colocam como restriti-
vos para imagens, que pesam demasiado nos sistemas de tele transportação.
Algumas alternativas, como a veiculação de parte dos projetos on-line e parte
off-line têm sido utilizadas e ainda este tipo de restrição pode ser sanada pe-
los avanços qualitativos dos sistemas de comunicação, deixando antever sua
superação em breve. Permanecem, entretanto, as restrições de algumas insti-
tuições em incorporar as novas possibilidades das linguagens digitais. Mesmo
atuando na internet, muitas delas conservam sistemas e processos cuja inten-
ção é transportar o mundo tradicional para o mundo virtual, sem perceber as
mudanças operacionais e conceituais que o mesmo exige.
Segundo Arlindo Machado, “As poéticas tecnológicas foram perdendo seu
caráter marginal e quase underground para rapidamente se converterem em
novas formas hegemônicas da produção artística.” (MACHADO, 2007, pg 53)
Esta observação se estende ao ciberespaço, onde se percebe uma diversida-
de de posições e objetivos que tendem a ser homogeneizados pela própria
dinâmica do meio. Assim, recuperar táticas de questionamento e abrir es-
paços de igualdade mediante a produção estética coletiva (HOLMES, www.
descuerdos.org) está entre as premissas de uma arte renovadora. Inúmeras
organizações e coletivos de artistas, assim como outras formas de associa-
ções pluri e interdisciplinares, inseridas na rede web, vêm realizando proje-
tos para explorar os limites do pré-estabelecido e das práticas hegemôni-
cas, instaurando novas possibilidades de socialização e de ação crítica. Vale
a pena buscá-las neste mar de informações e proposições generalizadas,
onde navegar é uma aventura a empreender permanentemente.

DICA DE SITE
Visite o blog Http://arteemrede.blogspot.com leia mais sobre arte e tecno-
logias digitais.
Escolha um dos temas tratados no blog Arte em Rede, pesquise na internet
sobre o mesmo e participe de um fórum de discussão com os colegas.

OLHO VIVO
Consulte o tutorial sobre como pesquisar sobre arte na Internet.

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

1.2 O blog como espaço pessoal

O  blog é um site cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de


acréscimos dos chamados posts, ou postagens. Os blogs podem apresen-
tar informações, comentários ou notícias sobre os mais diversos assuntos
interessando a comunidades específicas de usuários. Um blog típico, como
qualquer espaço na internet, se caracteriza como multimídia, podendo
combinar texto, imagens (fixas e em movimento), sons e links para outras
páginas da internet relacionadas a seu tema. A maioria deles oferece a possi-
bilidade do intenauta visitante deixar comentários de forma a interagir com
o autor e com outros visitantes. As postagens são, em geral, organizadas de
forma cronológica inversa, podendo ser colocadas por um número variável
de pessoas, de acordo com a proposta dos criadores dos blogs.
Existem disponível gratuitamente alguns sistemas de criação e edição
de blogs que são muito atrativos pelas facilidades com que disponibilizam
ferramentas que dispensam conhecimentos de técnicos de informática para
a elaboração da páginas. Além disso, sites especializados (blogspot...) ofere-
cem também gratuitamente o serviço de hospedagem de blog.
A linguagem dos blogs consiste em textos curtos, fugindo da rigidez dos
meios de comunicação mais tradicionais, deixando o leitor (principalmente
os mais jovens) próximos do assunto de forma descompromissada e com
a alternativa de diálogo com o autor e com outros usuários. Os blogs, que
surgiram como diários online, se tornaram ferramentas indispensáveis como
fonte de informação e entretenimento. O que era visto com certa descon-
fiança pelos meios de comunicação mais tradicionais virou até referência
para pesquisa e fonte de informações. O caráter democrático dos blogs per-
mite a cada indivíduo ter seu próprio espaço na rede internet para difundir
idéias e criar conexões. Você também pode ter o seu.

OLHO VIVO
Você já tem o seu blog na disciplina de Estágio Supervisionado II Elabore
um novo blog para o Atelier de Arte e Tecnologia: Diálogos Intermidiáticos
faça dele um espaço de criatividade, coloque imagens, sons, vídeos e outros
recursos multimídias relativos às artes visuais. Entrem nos blogs uns dos ou-
tros e postem comentários, criando uma comunidade.

2contração do termo Web log, Blog


é um sistema aberto disponível gra-
tuitamente para qualquer usuário
para publicação na web de conteú-
dos destinado a divulgar informa-
ção, à semelhança de um diário.
Os blogues ganharam grande popu-
laridade porque permitem que utili-
zadores com poucos conhecimentos
técnicos de informática publiquem
facilmente conteúdos na web.

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UNIDADE 2
LUGARES DE ARTE NA INTERNET

A maioria dos autores nos âmbitos da Sociologia e da Economia eviden-


ciam hoje o desenvolvimento do que denominam capitalismo cognitivo ou
cultural. Segundo eles, o capitalismo clássico fabrica objetos de onde extrai
a mais-valia ou lucro. O capitalismo cultural produz desejos, crenças e va-
lores, o lucro é gerado mais no marketing de um produto do que em sua
produção fabril.
Nesse novo modelo capitalista, o elemento chave é o trabalho imaterial ,
que cria e modifica o ambiente ideológico e cultural do consumidor, produ-
zindo uma relação social que transforma o usuário. Para entender-se isso,
deve-se levar em conta que o capitalismo clássico produz objetos e obtém
seu lucro na sua comercialização; no capitalismo cognitivo ou cultural, que
se desenvolveu nas ultimas décadas, é a fabricação de desejos e crenças
que gera a maior riqueza. Assim, o valor de um tênis encontra-se mais no
trabalho intelectual que elabora o conjunto de idéias que garante que ele
representa um estilo de vida do que na sua produção fabril. A fábrica pro-
duz objetos, a empresa produz um mundo. A mercadoria produzida pelo
trabalho intelectual não se acaba no consumo, mas se alarga e transforma o
ambiente ideológico e cultural do consumidor.
O campo da arte pode ser considerado um antecessor desse capitalismo
cultural e do trabalho imaterial, pois é nele que se cria o valor arte e todo
o conjunto de idéias e crenças que a sustentam. A problemática desse valor
pode ser abordada de inúmeros ângulos. Entretanto, é preciso destacar-se
que a arte é, por si própria, uma categoria social instauradora de concei-
tos e padrões. Isso porque, de um imenso conjunto das práticas simbólicas
plásticas que envolvem todo tipo de manifestação, -- desde uma blusa pin-
tada vendida em uma feira de artesanato, passando pela pintura corporal
e pelo grafite, até uma cadeira com sua foto e o texto de sua definição no
dicionário --, somente uma pequena parcela recebe a definição, o valor de
arte e o reconhecimento coletivo dele decorrente. Nesse reconhecimento,
as instituições do campo artístico desempenham um importante papel. Elas
constituem o lugar oficial onde passa tudo que é produzido como arte, di-
fundido como arte, comentado como arte e vendido como arte.
Resultante de um trabalho imaterial, essa categoria de produção é bas-
tante recente na história da humanidade, tendo surgido como resultado de
um statusquo que determinados produtores obtiveram no Renascimen-
to. Os pressupostos desse grupo restrito de criadores, bem como suas co-
nexões com a elite econômica, política e cultural que os mantinha, nesse

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

caso, foram brilhantemente defendidos por Giorgio Vasari, na obra Vida de


Homens Ilustres . Considerado como possivelmente o primeiro crítico de
arte, ele marcou o surgimento desse conjunto de relações socialmente re-
conhecido. Entretanto, foi percorrido um largo caminho no estabelecimen-
to de seus estatutos institucionais, com a instauração das academias e dos
museus de belas artes (na Itália, em 1585, na França, em 1648). Somente na
segunda metade do século XVIII, foram formuladas suas estruturas teóricas,
com a criação das disciplinas de Estética, por Alexander Baumgarten (1714-
1762), e História da Arte, por Johann Winkelman (1717-1768), e da atividade
de Crítica de Arte, por Denis Diderot (1713-1784) .
Com essa rede de relações, estabeleceu-se o sistema da arte, qual seja: “...
o conjunto de indivíduos e instituições que produzem, difundem e conso-
mem objetos e eventos por eles mesmos definidos como artísticos e deter-
3. O conceito de trabalho minam os critérios da Arte para toda uma sociedade em determinada épo-
imaterial é desenvolvido por ca”. Essa categorização estabelece padrões de classificação superiores para
Maurizio Lazzarato. Algumas as obras de arte, definindo como artesanato ou artes menores as demais
de suas idéias são apresenta- produções que ficam fora desse sistema. Assim, pode-se afirmar que arte é
das em http://revistaglobal. um atributo que instaura o valor de determinados objetos ou eventos e que
wordpress.com/2006/12/17/ o mesmo é arbitrado através de um sistema de instituições e indivíduos.
lazzarato-e-entrevistado- As práticas de artistas, críticos, curadores, marchands, colecionadores e
pela-carta-maior/ outros tantos envolvidos no sistema da arte podem ser consideradas um
trabalho imaterial, uma vez que o valor se instaura não nos objetos em si
mas no conjunto de idéias, desejos e crenças que a arte estabelece. É o
4. Obra de Joseph Kosuth trabalho desses indivíduos que cria e transforma o ambiente ideológico dos
denominada Uma e Três Ca- participantes, que consomem, muito mais do que objetos, uma relação so-
deiras, exposta no MOMA de cial de pertencimento. Assim, o capitalismo cognitivo -- que se organiza
Nova Iorque, em 1965. em redes e fluxos -- no campo da arte, cria e transforma o ambiente, produz
um mundo, fabrica crenças. A própria História da Arte deve ser percebida
como uma construção que identifica e consagra artistas e obras, incorpo-
5. O trabalho de Giorgio rando progressivamente manifestações mais contemporâneas e atuando,
Vasari, no reconhecimento ainda, como referencial para definições de valor em relação às novas pro-
social da categoria artística, duções. A arte contemporânea veio instaurar novas relações no sistema da
e na valorização de seus me- arte, com o deslocamento do foco do objeto para o evento, tornando, as-
cenas, foi primorosamente sim, a exposição o lugar da escritura da História da Arte e o curador a figura
analisado por Georges Didi central no sistema. A difusão pode ser considerada como um dos seus mais
Huberman em seu livro De- importantes aspectos, produzindo-se nela os valores estéticos, ideológicos
vant L´Image, publicado em e econômicos da arte
1990, em Paris, pela editora Uma das mudanças relacionadas à sua difusão e à sua recepção diz res-
Minuit. Também Carlo Ginz- peito ao fato de a arte ter se transformado em uma das principais esferas de
burg em seu texto clássico construção de identidade. A atividade artística, hoje, não é mais encarada
História da A rte Italiana, somente como status, lazer ou prazer estético, seu crescimento e sua pro-
publicado no livro A Micro– liferação devem ser considerados como importante agente da moderniza-
História e Outros Ensaios, ção em uma nova etapa da sociedade de consumo. Alterações na esfera da
Lisboa/ R.J. , Difel/Betrand produção artística estão relacionadas com os novos direcionamentos de sua
Brasil, 1991, enfatiza a im- função no âmbito de sua difusão, criando espaços que possibilitam trazer à
portância de Giorgio Vasari tona problemáticas importantes do mundo contemporâneo de ordem tan-
na consolidação de um pa- to local como global, abordando questões muito diversas que abarcam a
drão hegemônico de arte. esfera pública e o domínio das individualidades.

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

O desenvolvimento dos processos comunicacionais no mundo atual e


a desterritorialização da indústria cultural são importantes fatores que in-
fluenciam a expansão sem precedentes do universo da arte que se viven-
cia atualmente e que termina por transformar este em um dos principais
setores da economia na sociedade globalizada. Essa mudança qualitativa e
quantitativa implicou alterações que trouxeram significativas redefinições
ao papel da arte num contexto social marcado por um crescimento acelera-
do da população e pelo desenvolvimento acelerado da cibercultura.
Cresce e se diversifica continuamente a presença da arte na rede web,
deixando perceber que uma nova realidade se instala no seu circuito tradi-
cional. Como pensar, então, a institucionalização da arte contemporânea, a
crítica de arte, os museus, as bienais e o mercado de arte, se desconsiderar-
mos esse novo fenômeno? A arte detém, nesse amplo e difuso conjunto de
infovias, lugares particulares que determinam as suas relações de pertenci-
mento. Nessa rede de identidade de interesses, o indivíduo passa a compar-
tilhar experiências e informações. Assim, cada vez mais instituições e artistas
vêm buscando ampliar a abrangência de seu trabalho, realizando vôos ex-
perimentais por meio da internet para difusão de práticas e produtos. Obje-
tivam com isso aceder ao público dentro da tela do computador, ampliando
seu leque de relações mais além de seu espaço físico-geográfico específico.
Para identificar-se os lugares da arte no ciberespaço deve-se explorar os 6. Paul Kristeler analisa esse pro-
inúmeros blogs, sites e, plataformas , estabelecendo alguns ordenamentos cesso de estabelecimento de siste-
que permitem perceber como eles se estruturam, como desenvolvem seus mas teóricos no seu livro El Pensa-
métodos e processos, como estabelecem seus objetivos e como se conec- miento Renascentista y las Artes,
tam ao mundo tradicional da arte. Madrid, Taurus, 1986.
Propõe-se um mergulho no panorama geral dos espaços de arte na in-
ternet, explorando suas organizações e interconexões, investigando suas
formas de viabilizar alternativas e de superar desafios no estabelecimento 7. Esse conceito foi desenvolvido
de novas possibilidades criativas. Explorar as diferentes maneiras de o grupo em BULHÕES, Maria Amélia. Parti-
ou tribo da arte na web promover suas inter-relações, representa um desafio cipação e distinção: o sistema das
para a compreensão da circulação no funcionamento do campo artístico. artes no Brasil nas décadas de 60 e
70. Tese de Doutorado, USP, 1990.
DICA DE SITE
8. Site é um conjunto de documen-
Visite o site WWW.ig,art.br/lugares da arte e descubra um mundo da arte
tos interligados entre si e que par-
que você pode acessar de sua casa.
tilham o mesmo nome de domínio;
uma pagina da internet, espaço
OLHO VIVO adquirido em provedores com mais
capacidade de armazenamento
Consulte o tutorial sobre como captar páginas de arte da internet. e possibilidades gerenciais e téc-
nicas. Plataformas são processos
operacionais utilizados para gerir
2.1 O lugar real e o lugar virtual os espaços. O termo também é
utilizado para identificar espaços
Uma importante diferenciação básica se estabelece entre dois modos a serem utilizados e administrados
de existência física dos diversos lugares de arte estabelecidos na rede. Por em áreas conjuntas, com amplas
modo de existência física entendemos sua estruturação na rede e fora dela, possibilidades de gerenciamento e
com diferenciados programas.

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

ou seja, sua realidade particular em termos territorial. Um primeiro grupo


abrange as instituições que existem fisicamente em um determinado local
geográfico, sendo seu espaço on-line um veículo de divulgação dos proje-
tos que desenvolve no âmbito do circuito tradicional da arte. Este é o caso
dos sites de museu, como o Louvre (figura 05) ou a Tate Galery (Figura 06),
que divulgam as exposições que estão sendo realizadas em seus espaços,
seus acervos e outros diferentes elementos de seu funcionamento. Revistas,
como Flash ou Art Daily (Figura 07), em suas edições na internet, apresen-
tam imagens das publicações, informando os artigos publicados, números
antigos e resenhas. Eventos, como Arte Cidade, ou Percursos, mostram em
mapas os locais onde ocorrem as intervenções dos artistas, assim como dis-
ponibilizam imagens das obras produzidas e instaladas. A maioria das feiras
de arte divulga em seus sites a lista das galerias e artistas participantes, as
atividades paralelas, assim como suas programações. Em termos tecnológi-
cos, em geral esses espaços utilizam processos de digitalização para colo-
car seus conteúdos na rede, e seu objetivo é ampliar suas possibilidades de
divulgação, transpondo informações de suas atuações para o ciberespaço.
Mesmo que possibilitem interações e algum tipo de participação do usuário,
em geral, funcionam como uma espécie de portfólio de imagens e textos.
Estes lugares na rede buscam contato com um público mais amplo, e uma
abrangência internacional que seria difícil obter sem o uso da internet.
Um segundo grupo abrange os espaços que não existem fisicamente
em nenhum determinado local geográfico. Tendo sidos criados especifica-
mente para a internet, não detêm uma existência física fora da rede, e sua
existência se limita a tudo que disponibilizam na internet. Suas estruturas
e seus conteúdos são quase sempre pensados e produzidos a partir das
possibilidades oferecidas pelas novas ferramentas de linguagem digital e
com os recursos tecnológicos das interfaces de perfil interativo auto-gera-
tivas. Neste segundo grupo se encontram, por exemplo, o MUVA (Museun
Uruguay Visual Arts) (Figura 08), e o Greenmuseun (Figura 09), museus
cujos acervos são constituídos de obras que existem em diferentes locais,
mas que como conjunto, se apresenta somente no espaço virtual da rede.
Oferecem aos usuários da internet exposições que jamais teriam acesso
fora dela, desenvolvendo com sua prática o conceito do museu imaginário
de André Malraux (MALRAUX, xxxx ). Identificam se com um processo de
substituição simbólica, e contribuem para a problematização do sentido
da arte na sociedade contemporânea. Também se enquadram neste se-
gundo grupo as revistas on-line como, Flux, It’s Liquid ou Art Web Brasil,
que divulgam os mais diversos assuntos de arte, com artigos, imagens e
notícias. Incrementam a participação dos usuários e leituras de um público
mais amplo que o tradicional das revistas de arte, geralmente de pouca
circulação e alto custo. Os espaços de conexão e os net lab são igualmente
lugares de arte cuja existência se restringe à internet; tendo sido criados
especificamente a partir das necessidades e dos interesses deste novo tipo
de produção. Eles se dedicam especificamente a interconectar esse tipo
de trabalho, funcionando totalmente a partir das possibilidades ofereci-
das pelos recursos tecnológicos da rede. Essas organizações funcionam
como plataformas, hospedando trabalhos de arte, produzidos a partir de

22
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

experimentos com softwares, interligando e difundindo reflexões, como é


o caso de Art Info (Figura 10), Turbulance e Rhizome. Temos ainda os sites
de eventos, como Treasurecrumbs, criados especificamente para abrigar
projetos de net arte, legitimando e difundindo esta produção.

Figura 05 – Interface do Museu do Louvre. Endereço do site: www.louvre.fr .


Acesso em 09/07/2010.

Figura 06 – Interface da Tate Gallery. Endereço do site: www.tate.org.uk.


Acesso em 09/07/2010.

23
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

Figura 07 – Interface do site Art Daily. Endereço do site: www.artdaily.com .


Acesso em 09/07/2010.

Figura 08 – Interface do MUVA. Endereço do site: http://muva.elpais.com.uy/.


Acesso em 10/06/2010.

24
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

Figura 09 – Interface do Greenmuseum. Endereço do site: www.greenmuseum.org .


Acesso em 10/06/2010.

Figura 10 – Interface do site Art Info. Endereço do site: www.artinfo.com . Acesso em


10/06/2010.

25
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

SAIBA MAIS
“Quando foi a última vez que você visitou um museu de arte? Uma pesquisa
recente realizada pela Fecomércio-RJ, revelou que apenas 4% dos brasilei-
ros visitaram museus ou espaços culturais ao longo de 2009. E um museu
online, você já visitou alguma vez? Mas qual é a real situação dos sites dos
museus brasileiros? Como eles estão utilizando as tecnologias digitais para
estabelecer novos canais de produção, formação e circulação com artistas e
o público?” Leia em:
http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/002911.html

PARA REFLETIR
Visite lugares de arte na internet, museus, revistas galerias? Que observou
sobre eles? Comente a diferença em entre visitar um museu de arte tradi-
cional e um museu de arte virtual, ou uma revista impressa e outra virtual?
Debata com seus colegas de grupo. Apresente comentários e imagens de
sites de arte no seu blog pessoal.

2.2 Tipologias dos espaços de arte

Em nosso trabalho de pesquisa identificou-se linhas de conduta e siste-


máticas de atuação que permitem estabelecer algumas tipologias, através
das quais, propomos uma cartografia dos lugares de arte na internet, com
o objetivo de obter uma perspectiva mais ampla e dinâmica desta comple-
xidade. Nesta classificação eles não foram diferenciados por sua existência
física - atuante em um local geográfico especifico ou unicamente on-line
- pois encontramos desenvolvendo uma mesma função, os dois tipos de
lugares. Chamou nossa atenção a possibilidade de estabelecer tipologias
que, com pequena variação, duplicam aquelas que observamos no circuito
tradicional da arte: museus, galerias, revistas, eventos, espaços de artistas,
centros de pesquisa e espaços de conexão. As novas tipologias são, basica-
mente, os laboratórios de mídias digitais e os espaços de conexão, que não
existiam no circuito anterior.
Os museus são instituições dedicadas a dar visibilidade a obras e artistas,
disponibilizando informações sobre o circuito artístico e objetivando des-
pertar o interesse do público para o campo da arte. Eles balizam tendências
e legitimam produções e produtores, participando ativamente da constru-
ção da historia da arte, cumprindo na rede Web as mesmas funções, com
maior abrangência e alcance globalizado. As galerias se destinam a divulgar
artistas e suas obras no intuito de comercialização. Algumas delas, na rede,
se dedicam somente à difusão, porquanto as atividades de venda são res-
tritas ao seu contato direto com os clientes. Outras estabelecem cotações e
viabilizam vendas, utilizando os recursos disponíveis para compras on-line
já existentes para inúmeros tipos de produtos. Em ambos os casos a função
básica é o comércio de obras e o estabelecimento de cotação no mercado.
As revistas se dedicam a colocar na internet noticias do meio artístico, entre-

26
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

vistas e outras seções de formação e informação. Elas cumprem a importan-


te função de difusão da arte, com destaque na atualidade dos conteúdos.
Divulgam obras, artistas e conteúdos de arte, criando novos leitores para
este tipo de assunto, uma vez que muitos dos internautas que circulam por
estes sites não são tradicionais consumidores de revistas de arte.
Os eventos se destinam a divulgar ou abrigar um acontecimento de arte,
podendo os mesmos estar acorrendo no circuito tradicional, como é o caso
da maioria das bienais e feiras, ou então o site ser o próprio local onde ele se
realiza. Estes espaços são importantes para que o acesso a acontecimentos
transitórios, muitas vezes bastante rápidos, possa ser disponibilizado duran-
te um maior tempo e para um número mais amplo de pessoas. Através deles
os internautas podem acompanhar o seu desenrolar durante a realização do
mesmo; e quando são regulares, em geral, fica on-line a documentação de
cada edição para consultas posteriores. Os sites de artistas são locais espe-
cíficos de difusão de obras individuais ou de grupos, administrados pelos
próprios produtores, que podem alocar fotos de trabalhos, comentários e
outras informações. No caso da web arte os sites garantem uma possibili-
dade de existência mais permanente on-line para os artistas e obras, uma
vez que os eventos podem ser mais temporários. Sua função é conectar os
artistas diretamente com o público, dando visibilidade aos seus trabalhos,
apresentados de forma independente.
Os centros de pesquisa ou laboratórios de novas mídias estão voltados
para a experimentação em arte e tecnologia. Funcionando junto a univer-
sidades, empresas ou outros pólos de formação, eles se dedicam a difundir
na internet os resultados de suas investigações em algumas áreas como, por
exemplo, performance, instalações, net arte ou vídeo arte. A maioria deles
promove eventos, seminários e mesmo mostras, como é o caso do Laboral,
Glowlab e Turbulence. Com eles muitas vezes se confundem os espaços de
conexão, que são lugares específicos da rede Web, cuja função é agrupar
informações sobre a própria rede e oferecê-las, de forma organizada e siste-
mática aos internautas. Alguns deles como, por exemplo, Nettime, Rhizome ,
Art info e Nabi dedicam-se especificamente a captar o movimento de arte na
internet, estabelecendo plataformas de contato que possibilitam aos usuá-
rios aceder mais facilmente aos espaços dedicados ao tema, que se encon-
tram dispersos em inúmeros sites e blogs.

PROBLEMATIZANDO
Escolha um site de arte que você apreciou em especial, comente sobre ele
no seu blog, ilustre com imagens de página captadas. Transforme seu blog
num espaço de visitações e comentários.

27
Unidade 3
WEB ARTE

Nem todo trabalho de arte que se encontra na internet pode ser chamados
de web arte. Estes se caracterizam por serem criados especificamente com os
recursos da internet e existirem total e unicamente on-line e por serem realiza-
dos a partir de programas específicos de composição de páginas na rede world
wide web (www), reunindo diferentes recursos multimídias como sons, textos,
gráficos, imagens fixas e em movimentos e outros (Ver Figura 11).

Figura 11 – Interface do site Projeto 6billionothers. Exemplo de Projeto de Web Arte


integrando diferentes recursos multimídia. Endereço do site: www.6billionothers.org .
Acesso em 10/06/2010.

Uma adequada análise do uso das nomenclaturas net arte e web arte ou arte
on line pode ser encontrada em textos on-line. Preferimos utilizar a nomen-
clatura web arte por considerar que tratamos de obras cuja existência se reali-
za especificamente na rede internet. Os artistas que as produzem participam,
em geral, de equipes interdisciplinares, que mantém seus próprios sites para
alocarem seus projetos, ou então participam de eventos especializados na sua
difusão. Eles problematizam o campo da arte por inúmeras questões que co-
locam como: interatividade, funcionamento em tempo real, imaterialidade e
transitoriedade. Algumas destas obras também questionam o próprio campo
das mídias eletrônicas, liberando softwares, realizando operações de haktivis-
mo e outros experimentos que abalam o controle de informações tecnológi-
cas, vistas como fonte de poder econômico e político a ser desestabilizado.

28
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

Segundo a maioria dos autores, o termo net art foi cunhado por Vuk
Cosic que recebeu uma mensagem anônima, em dezembro de 1995, que
por incompatibilidade de software se tornou praticamente ilegível. O único
fragmento com sentido era .....j8~g#/:Net. Art{-^s1}. Ele ficou impressionado
pois a própria rede havia dado a ele um nome para o tipo de trabalho que
vinha desenvolvendo. Se real ou mítica esta história, ela inaugura o uso do
termo que denomina um tipo de produção específica em artes visuais.
Muitas das propostas de web arte colocam em xeque as tradicionais
noções de autoria individual, de tempo e de originalidade da obra de arte.
Alguns artistas não atuam mais como o “autor único” de sua obra, mas com-
partem com uma equipe de criação e com os usuários essa responsabilidade
(Ver Figura 12).. Coletivos de trabalho – em que técnicos e artistas dividem
idéias, tarefas e resultados – estão muito presentes neste tipo de produção.
Por outro lado, também os papéis do autor e do receptor podem se redefinir,
impulsionando uma participação mais ativa do espectador. Nesses casos,
não haverá mais um resultado previsível e controlado pelo artista, uma vez
que cada imagem, para seu aparecimento ou desaparecimento, depende
tanto das alternativas de trajetos estabelecidas desde o princípio, como das
decisões do internauta. Aliás, com esse tipo de trabalho abre-se também
a possibilidade dos usuários participarem, enviando dados e imagens que
passam a compor a obra e cujos desdobramentos nem podem ser imagina-
dos pelo artista em sua proposição original.
Ao criar uma proposta de web arte, o artista deve sempre aceitar e in-
corporar em seu projeto as eventuais mudanças que se processam em sua
idéia a partir do desenvolvimento do trabalho e de sua recepção por cada
internauta. O tipo de equipamento do usuário e os programas de que dispõe
fazem com que os se alterem os resultados, não sendo nunca possível os
mesmos serem totalmente previsíveis na proposta inicial. Além disso, mui-
tas vezes o uso de determinados softwares para a produção inviabilizam a
recepção e a navegação de usuários que não dispõem dos programas exigi-
dos para leitura. Assim, o artista necessita lidar de forma balanceada com o
projeto desejável e o resultado viabilizável, considerando a diversidade e a
heterogeneidade dos níveis técnicos de computação existentes nas dife-
rentes regiões do mundo. A imprevisibilidade, a instabilidade e a mutabilida-
de próprias do suporte condicionam inevitavelmente o processo criativo dos
artistas que assumem seu risco.

SAIBA MAIS
Uma detalhada análise desse tipo de produção e do uso das nomenclaturas
- net arte, web arte ou art on line - pode ser encontrada nos seguintes textos
LEÂO, Lucia Uma cartografia das poéticas do ciberespaço, http://www.ucs.
br/ucs/tplConexao6/editora/periodicoscientificos/conexao/conexao6/con-
teudo/sumario/resumo_06
MAYALL, Moiana O que é web-arte? http://www.guggenheim.org/interne- Figura 12 – Interface do site Eternal
tart/internetart_index.html Sunset. Exemplo de Projeto de
Web Arte integrando recursos
de interatividade e autoria
coletiva. Endereço do site: www.
eternalsunset.net . Acesso em
10/06/2010.

29
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

3.1 Conhecendo a web arte

Uma questão fundamental na abordagem estética da web arte é que se


trata de uma produção multimídia, que combina pelo menos um tipo de mí-
dia estática (texto, gráficos, fotografias), com, pelo menos um tipo de mídia
dinâmica (animação, áudio, vídeo). Assim, privilegiando o uso dos diferentes
sentidos: visão, audição e tacto este tipo de tecnologia abrange e mesmo
exige a conexão de diversas áreas da informática.
A web arte impõe uma série de desafios aos museus e galerias como ins-
tituições, ao exigir algumas redefinições em relação as noções tradicionais
de obra de arte, artista e público. Ainda que alguns trabalhos on-line tenham
semelhanças com os objetos artísticos tradicionais, funcionando como obje-
tos fechados, com imagens e sons que se alteram quando o internauta clica
em alguns pontos, a maioria dessas obras dependem de um constante fluxo
de informações e incorporam os usuários ao trabalho. A noção de público
enquanto espectador se altera profundamente uma vez que o conteúdo
torna-se informação em trânsito e o internauta se converte em participante.
Só isso já contraria a idéia tradicional de contemplação a qual associa-se a
arte. O artista se transforma em um deflagrador de experiências, propondo
formas de interação, e solicitando contribuições que podem levar sua pro-
posta a caminhos não planejados, ou controlados, por ele. Essas questões
demandam que o meio de arte se reconfigure e se adapte às necessidades
da web arte. Esse processo tem ocorrido com a participação deste tipo de
trabalho em bienais e outras exposições internacionais como a de São Pau-
lo, a de Kassel ou em museus como o Whitney, e o MoMA, evidenciando o
quanto podem contribuir no desenvolvimento da arte contemporânea.

DICA DE LEITURA
Uma boa análise das relações dos museus com a web arte pode ser lida no
seguinte endereço:
BEIGUELMAN, Giselle. Qual é o lugar da web arte?
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/597,1.shl

30
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

PROBLEMATIZANDO
Visite o Banco de dados da pesquisa Territorialidades (Ver Figura 13), conhe-
ça inúmeros trabalhos de web arte e observe quais artistas trabalham com
cada uma dessas possibilidades:

Figura 13 – Interface do site do banco de dados da pesquisa Territorialidades.


Endereço do site: http://territorialidadeterritoriality.blogspot.com/. Acesso em
10/06/2010.

3D imersão: Os trabalhos de artistas que utilizam recursos de 3D permitem


a ilusão de imersão, com ambientes tridimensionais por onde o internauta
pode navegar como se estivesse adentrando neles (Ver Figura 14)

Figura 14 – Montagem de interfaces do site do Projeto Street Witha View. Endereço


do site: www.streetwithaview.com . Acesso em 10/06/2010.

Experiências visual e sonora: Os trabalhos artísticos que possibilitam experi-


ências visuais e sonoras podem fazê-lo separadamente ou em conjunto em
vídeos, por exemplo. De qualquer forma, o usuário pode ouvir e ver os ele-
mentos que fazem parte do site (Ver Figura 15).

Experiências visual e sonora: Os trabalhos artísticos que possibilitam


experiências visuais e sonoras podem fazê-lo separadamente ou em
conjunto em vídeos, por exemplo. De qualquer forma, o usuário pode
ouvir e ver os elementos que fazem parte do site (Ver Figura 15).

31
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

Figura 15 – Interface do site do projeto de Barbara Bloom Half Full - Half Empty.
Endereço do site: http://65.181.178.190/bloom/VA.html . Acesso em 10/06/2010.

Interatividade: Os trabalhos de arte que envolvem interatividade exigem do


internauta mais que a simples participação manual com o uso do mouse.
Essas propostas solicitam participações mais ativas, como por exemplo o
envio de materiais como fotos, vídeos ou mesmo a criação coletiva do tra-
balho em si.
Comente cada uma dessas possibilidades escolhendo os trabalhos que mais
lhe agradam, divulgue-os em seu blog. Justifique suas escolhas e partilhe-
as com seus colegas.

3.2 O regime visual da web arte e suas possibilidades

Duas importantes fontes concorrem na formação do regime visual des-


ta produção: imagens captadas da realidade e transmitidas ao computa-
dor por meios digitais, e imagens construídas totalmente via computador.
Embora ainda basicamente experimental, a criação de imagens utilizando
os recursos expressivos do computador está sendo muito aplicada na arte
produzida na Internet. Bastante diferentes entre si, as imagens destes dois
tipos de fontes convivem de forma articulada nas produções de Web arte.
Entretanto, uma terceira fonte de imagens deve ainda ser mencionada: o
uso da linguagem gráfica. As palavras ou ícones que trazem as informa-
ções e indicam ao usuário como navegar são recursos importantes deste
regime visual híbrido, tanto em termos de cores e formas, quanto de me-
didas e disposição na tela. As imagens captadas, as imagens construídas
e o grafismo de palavras e ícones concorrem para a construção de uma
visualidade híbrida, na qual as fontes imagéticas podem se articular, cons-
truindo universos complexos. Diluem-se os limites de cada fonte empre-
gada, trazendo para seu interior as inter-relações e interconexões dessas
diferentes origens. Com essa articulação, a web arte estabelece uma ver-
dadeira revolução no regime de imagens da arte contemporânea.
A comunicação na Internet é sempre dependente das palavras e dos íco-
nes que estabelecem significados e que determinam orientações para a na-
vegação. Na medida em que o usuário clica sobre eles, intercalam-se páginas

32
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

e imagens. A leitura dessas orientações surge como elemento essencial da


significação na experiência interativa. No caso dos ícones, eles vão estabele-
cendo uma espécie de alfabetização visual, que possibilita ao navegador des-
cobrir possíveis indicações de caminhos oferecidos pelo artista. Entretanto, as
palavras ou ícones são mais do que meros complementos: constituem um ele-
mento fundamental neste regime de imagens, de uma maneira nunca antes
vista na arte ocidental, com exceção da arte conceitual e suas derivações, em
que as palavras fazem parte da estrutura da própria obra.
Muitas das propostas de web arte colocam em xeque as tradicionais
noções de autoria individual, de tempo e de originalidade da obra de arte.
Alguns artistas não atuam mais como o “autor único” de sua obra, mas
compartem com uma equipe de criação e com os usuários essa responsa-
bilidade. Coletivos de trabalho – em que técnicos e artistas dividem idéias,
tarefas e resultados – estão muito presentes neste tipo de produção. Além
disso, ao estabelecer suas propostas, os artistas da podem experimentar o
potencial fluído e rizomático do meio em que estão atuando, assim como
as novas possibilidades de interação com o público de que podem dispor.
Ao potencializarem a diversidade e a amplitude deste novo meio, e do re-
gime híbrido de imagens que ele possibilita, alargam as fronteiras da arte,
ao mesmo tempo em que questionam seus fundamentos. Estão, assim,
construindo uma nova cultura visual.

PROBLEMATIZANDO
Elabore um projeto de web arte. Explore seu regime híbrido, indicando que
material visual, sonoro ou outras mídias vai articular. Detalhe o mais possível
as ferramentas a serem utilizados, os conceitos e intenções de sua proposta.
Não se preocupe se não possui o domínio dos aspectos técnicos para sua
execução. Esta é uma fase de projetos. Apresente a proposta no seu blog.
Troquem comentários dos trabalhos com seus colegas.

33
Unidade 4
HIPERTEXTO

Segundo Lucia Leão (LEÃO, 2005, p 15) “O hipertexto é um documento


digital composto por diferentes blocos de informações interconectadas”
(Figura 16). No dicionário on-line Priberam encontramos “ Sequência de tex-
to que permite a remissão para outra localização (documento, ficheiro, página
da Internet, etc.)”. No dicionário on-line Michaelis encontra-se “sistema de or-
ganização da informação, no qual certas palavras de um documento estão
ligadas a outros documentos, exibindo o texto quando a palavra é selecio-
nada”. O prefixo grego hiper remete à superação de limites em relação ao
termo que ele antecede. Assim, o hipertexto vai mais além do pensamento
sequencial do tradicional texto escrito, no sentido de uma ampliação e ex-
troversão do mesmo. A construção do hipertexto abre a possibilidade de
produzir uma narrativa que represente melhor a forma como nosso pen-
samento se estrutura, pressupondo multi associações, e um processo de
produção colaborativa. O hipertexto apresenta-se como uma estrutura,
que coloca dentro de um mesmo texto janelas que abrem outras leituras,
em um contínuo desdobramento de idéias e informações. Embora ele não
seja uma criação da internet, foi neste meio que atingiu possibilidades até
então inusitadas.

Figura 16 – Dinâmica do hipertexto

34
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

A idéia do hipertexto enquanto desdobramento não linear de infor-


mações a partir de algumas palavras ou conceitos em um texto é antiga,
podendo ser associada às notas de rodapé, referências cruzadas e mesmo
aos comentários, na tradição escolástica. Sua lógica é a de abertura, e seu
vetor o de expansão, sendo possível aplicá-lo em inúmeros campos do co-
nhecimento e da criação. Na literatura, uma tradição de não linearidade se
evidencia com autores como Julio Cortazar que no seu livro O jogo da ama-
relinha propõe duas possibilidades de leitura. Uma que pode ser feita de
forma seqüencial dentro da orientação clássica, com início, meio e fim. E
outra, que possibilita ao leitor jogar, seguindo sua leitura de acordo com as
indicações dos números entre parênteses que aparecem ao final de cada
capítulo. Essa segunda possibilidade avança na construção de rizomas,
com um ganho expressivo que a primeira não oferece. O Hipertexto pode
ser também uma ferramenta no trabalho didático, impulsionando o aluno
à pesquisa e à abertura de novas perspectivas, estabelecendo dinâmicas
nas quais a aprendizagem acontece em desdobramentos e descobertas. O
aluno, ao buscar informações para construir o hipertexto, participa ativa-
mente de um processo de construção do conhecimento. O mesmo recurso
pode ser utilizado em experimentos de criação coletiva, ou na identificação
de usos do hipertexto em diferentes circunstâncias.
O hipertexto quase sempre é composto por blocos de informações ou
conteúdos (lexias) e os vínculos que interligam esses blocos são denomina-
dos nós (Ver Figura 17). Segundo Lucia Leão pode-se observar três tipos de
variações básicas: quanto aos limites das lexias, quanto a presença ou não

Figura 17 – Vínculos que se criam num processo de leitura por meio de hipertexto.

35
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

de hierarquia na organização e concepção delas, e quanto aos relaciona-


mentos entre elas. Uma importante ferramenta para trabalhar com o hiper-
texto pode ser o organograma de idéias, que permite um desdobramento
do pensamento mantendo eixos de conceitos e objetivos. Pode-se observar
variações na estrutura do hipertexto segundo a forma como ele se organiza:
seguindo uma lógica arborescente ou uma lógica de rede. No primeiro caso
há um núcleo central, que funciona como o caule de onde saem os anexos
que enriquecem a sua leitura, e acrescentam conteúdos ao tema central. No
segundo caso, todos os pontos se interconectam possibilitando o desenvol-
vimento de inúmeros caminhos, e uma dispersão sem fim ou limites.

SAIBA MAIS
No livro LEÃO, Lucia, O Labirinto da Hipermídia, SP, Iluminuras, 2005, a auto-
ra desenvolve inúmeras idéias e conceitos sobre o hipertexto e sua utiliza-
ção na internet.

DICA DE FILME
Veja o filme Ilha das Flores (Figura 18) e verifique como Jorge Furtado usa a
idéia de hipertexto na sua narrativa. O filme apresenta um ácido e divertido
retrato da mecânica da sociedade de consumo. Acompanhando a trajetória
de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, o curta escan-
cara o processo de geração de riqueza e as desigualdades que surgem no
meio do caminho.
Ficha Técnica
Direção: Jorge Furtado
Roteiro: Jorge Furtado
Ano: 1989
Duração: 13 minutos
Elenco
Júlia Barth
Paulo José (Voz Narrativa)
Ciça Reckziegel (Dona Anete)
Figura 18 – Cena do filme Ilha das Flores.

Você encontra o filme completo disponível na internet no seguinte endereço:


http://www.youtube.com/watch?v=KAzhAXjUG28&feature=player_embe-
dded. Acesso em 10/06/2010.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE
Como você pode ver no filme, o uso do hipertexto oferece o risco de que o
autor se perca nos desdobramentos. Elabore um organograma para a cria-
ção de um texto sobre artes visuais com o recurso do hipertexto mantendo

36
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

4.1 Hipermídia: usos do hipertexto na internet

Theodor Nelson, mais comumente conhecido por Ted Nelson cunhou o


termo hipertexto em 1965. Segundo ele As idéias não precisam ser separadas
nunca mais (...) Assim, eu defino o termo hipertexto simplesmente como escritas
associadas não sequenciais, conexões possíveis de se seguir, oportunidades de
leitura em diferentes direções.( Nelson, in LEÃO, 2005, p.21)
O hipertexto na internet é composto por blocos de informações de di-
ferentes meios – imagens fixas e em movimento, sons ou textos – articu-
lados através de vínculos eletrônicos. O seu uso na internet é denomina-
do hiperlink, sendo mais comumente conhecido como link. Colocado em
destaque, ele se abre com a pressão do mouse. Com ele, é possível passar
quase que instantaneamente de uma página a outra, localizada entre mi-
lhões de outras na rede. A lógica e as ferramentas do computador favore-
cem a leitura descontinua, e promove o deslocamento através de rápidas
ligações estabelecidas pelas palavras destacadas em cores, os chamados
pontos quentes ou hotword. O uso do link é feito através de um simples
clique sobre a palavra grifada, ou sobre uma imagem onde aparece uma
mãozinha, indicando a abertura para novas informações. Assim, a internet,
por sua própria estrutura digital em rede, possibilita a abertura de inúmeras
janelas em cada página.
Pode-se dizer ainda que estas produções estruturam-se sob a forma de
rizoma lidando com um mundo de possibilidades sobrepostas e aparente-
mente infinitas, cujos limites são dados tanto pelo software utilizado, como
pelos caminhos e alternativas que o internauta vai escolhendo. A cada pá-
gina captada se sobrepõe outra no próximo clique, a tela que se abre re-
percute na leitura da anterior completando-a ou alterando-a. Mesmo que
ausente, todas elas fazem parte de uma unidade comunicativa. Potencial-
mente podem-se ver todas as paginas de um site, mas nunca o conjunto
unitário de todas elas. Um ponto se conecta a qualquer outro, negando a
idéia de finalização e fechamento, fazendo movediças as direções, instável
e imprevisível os resultados. Ao estabelecer suas propostas, os artistas ex-
ploram este potencial fluído e rizomático da imagem no meio em que estão
atuando, assim como as novas possibilidades de interação com o público
de que podem dispor, potencializando sua diversidade e sua amplitude.

9. Ele é o criador do projeto Xanadu,


SUGESTÃO DE ATIVIDADE
uma espécie de biblioteca universal
Entre no site http://www.fabiofon.com/webartenobrasil e experimente abrir em que as pessoas podiam trocar
os hiperlinks. Comente no seu blog pessoal como foi esta leitura para você. imagens, sons, documentos etc.

10. Este termo se refere a conceito


de rizoma desenvolvido por Gilles
Deleuze e Felix Guattari (1995),
bastante utilizado na análise da arte
contemporânea, mas que se aplica
com maior precisão a web arte.

37
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

4.2 Experimentando o hiperlink

O desenvolvimento das potencialidades narrativas do hipertexto, como


rede dinâmica composta por pessoas e grupos que em conjunto com as
máquinas e software, abre perspectivas criativas até pouco tempo inima-
gináveis. A internet trabalha basicamente com uma modalidade de espa-
cialização de diferentes discursos de forma não linear, que permite aliar sua
condição multimídia a estrutura do hipertexto. Cada site se desenvolve em
extensão e profundidade, apresentando-se como um produto visual e con-
ceitual em camadas, em uma rede labiríntica de dados. Os arquivos funcio-
nam a partir de um trabalho conjunto do tempo e dos espaços, de forma se-
melhante como se processa com nossa própria memória. Cada informação
vai se desdobrando em outras, em ordenações complexas e inesgotáveis
Em Assoziationa Blaster (Figura 19), de Alvar C.H. Freude e Dragan Espens-
chied oferecem um bom exemplo de trabalho com hipertexto que explora
tanto imagens como palavras e suas conexões. Trata-se de um site interativo,
composto a de um conjunto de links que funcionam a partir de um sistema
de busca. O internauta pode escolher uma palavra escrita e clicar ou mesmo
digitar uma nova palavra. Todas as palavras chave têm um link para uma fra-
se ou um conjunto de frases, que por sua vez possui várias outras palavras
com links para outras frases. As frases são criadas pelos internautas, para cada
nova palavra ou para as já existentes. Assim, o trabalho se elabora em um
processo em que o texto vai se abrindo através das colaborações dos usuá-
rios, em um número cada vez maior de possíveis leituras. Deslocando a idéia
de finalização e fechamento, o hipertexto abre a e-imagem para o fluxo e os
desdobramentos, exigindo mudanças radicais na forma de organização do
pensamento. Este projeto trabalha com o conceito de narrativa a partir do
entrecruzamento de sistemas computacionais dos banco de dados.

Figura 15 – Interface do site Assoziations Blaster.


Endereço do site: http://www.assoziations-blaster.de/english/. Acesso em 10/06/2010.

38
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

OLHO VIVO
Siga as orientações e veja como criar e usar o hiperlink na internet. (tutorial
em anexo)

PROBLEMATIZANDO
Use o texto que você criou com o auxilio do organograma e aplique nele o
sistema de links que remetam a outros sites relacionados ao mesmo assunto
para colocá-lo no seu blog pessoal. Faça isso de forma criativa, pensando
que isso poderia ser um trabalho artístico.

39
Unidade 5
INTERATIVIDADE E MIDIAS LOCATIVAS

Na era da comunicação computadorizada e da internet, a interatividade é


a ação que permite ou oportuniza que um usuário execute um comando que
o programa responde, ou que controle as ações e a forma como o programa
funciona (Ver Figura 20). O termo se refere, ainda, ao sistema de visualização
que é capaz de reagir a diferentes entradas do usuário, ou o computador
que permite ao usuário colocar comandos, programas ou dados, recebendo
respostas imediatas.
A interatividade tem suas origens mais próximas nos ideais utópicos das
vanguardas dos anos 60 e 70, em termos de partilha dos processos criativos
através de uma comunicação de igual para igual, manifestando aspirações
de transformação social através da arte. É digno de nota que propostas de
interação do público com as obras já se evidenciavam no Brasil com a série
Bichos, de Lygia Clark, bem como com as experiências de arte em rede, com
o uso de telefone e de fax. O que se altera com a web arte é que, neste caso,
o próprio meio, com seus recursos tecnológicos, propicia e estimula a inte-
ratividade.
Pode-se considerar a existência de diferentes níveis de interatividade,
desde o mais básico, em que o usuário tem possibilidade de contatar o artis-
ta através de e-mail ficando, a interação em termos privados, sem afetar de-
cisivamente a obra. Passando, ainda, por uma participação totalmente pau-
tada pelo artista, até o nível mais alto, quando o usuário tem possibilidade

Figura 20 – Controle de ações por meio de comandos.

40
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

de converter-se em co-autor, modificando e ampliando os dados recebidos


pelo artista e pelos softwares. Embora a interatividade tenha sido impulsio-
nada pelos recursos disponibilizados pela internet, níveis mais altos de par-
ticipação parecem distante da realidade de produção destas obras. Vários
críticos denunciam a permanência da autoria, com destaque ao nome dos
artistas, e a participação restrita dos usuários às instruções de uso propostas,
como limites desta interatividade desejada e divulgada. De qualquer forma
esta ainda é uma questão em aberto, uma vez que a internet em si estimula
e favorece a partilha da criação, e o abandono do regime de autoria indivi-
dual do artista. Talvez, o que permaneça seja uma herança do pensamento
estético tradicional que marca o meio de arte, do qual a maioria dos artistas
atuantes na internet são oriundos .
Novas formas comunicacionais para a arte desenvolvem-se na rede web,
enfrentando seus desafios. Mais aberto, flexível e democrático, nele, as tra-
dicionais hierarquias diluem-se em um mar de informações que não se clas-
sificam, não se ordenam e não se controlam tão facilmente. As inúmeras
ofertas de caminhos disponíveis para a escolha do usuário estabelecem ní-
veis de participação mais ou menos articulados e interativos com diferentes
grupos de interesse. As inúmeras conexões e os olhares compartidos am-
pliam o potencial de diálogo, e de experiências ativas, que os internautas
podem estabelecer com os territórios da arte. As autoridades, as autorias e
as propriedades diluem-se nesse espaço, onde copiar e colar são procedi-
mentos padrões e as formas de apropriação e hibridação generalizam-se.

DICA DE FILME
Assista o filme Cama de Gato, feito de sugestões de internautas. O filme é
uma espécie de drama de humor negro com forte crítica social, que preten-
de discutir os conceitos de ética e preceitos morais coletivos em confronto
com a Ética e a Moral de cada indivíduo. Ele foi produzido em vídeo digital,
com algumas seqüências em celulóide. A trilha sonora é composta por mú-
sicas de bandas desconhecidas selecionadas por meio de campanha pela
Internet, teve o orçamento de R$13 mil, toda a equipe técnica e elenco não
cobraram cachê.
Ficha Técnica
Título original: Cama de Gato
Duração: 92min.
Lançamento (Brasil): 2002
Direção: Alexandre Stockler
11. Uma das mais duras criticas aos
O filme Cama de Gato tem cenas de violência e não é indicado para menores limites da net arte tem sido feita
de 18 anos. O making off que mostra a entrevista com os jovens paulistanos por Laur a Baigorri, importante
que resultou na seqüência do filme pode ser vista na internet :
especialista no tema.
http://vimeo.com/7241448

PROBLEMATIZANDO 12. Pode-se observar nos sites


analisados que geralmente apre-
No seu blog, inicie uma ficção e solicite aos colegas que dêem continuidade
a ela. Usem recursos gráficos, textuais e outros de que dispuserem.
sentam currículo dos autores a sua
formação em escolas de arte.

41
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

PARA REFLETIR
Você acredita que a interatividade reduz a importância da autoria do artista,
uma vez que suas decisões na elaboração da obra são diminuídas ou anula-
das pela participação do interator?

Para alguns autores, na linha de Pierre Lévy e Jose Luis Brea, um novo ho-
rizonte delineia-se, realizando os pressupostos ideais de democracia e parti-
cipação solidária. No entanto, a realidade de seu funcionamento abre uma
grande gama de restrições e contradições, exigindo, para sua análise, instru-
mentos conceituais mais específicos e questionadores. Vale a pena aventurar-
se criticamente nesses redemoinhos que dão origem a novos fluxos na comu-
nicação e na criatividade humana. Afinal, a era da reprodutibilidade técnica,
com toda sua complexidade e ambigüidades estava somente começando,
quando Walter Benjamin a explorou com seu olhar arguto e sensível.

5.1 Explorando a interatividade

Ao utilizar tecnologias digitais e recursos de interação da rede internet


interpõe-se novos mecanismos de recepção e intercâmbio dos indivíduos
com a arte, assim como em suas relações com o coletivo. Neste tipo de pro-
dução muitos artistas não atuam como o autor único de sua obra, mas com-
partem com uma equipe técnica e com os usuários essa responsabilidade.
Coletivos de trabalho, em que engenheiros, especialistas em informática e
artistas dividem idéias e tarefas estão muito presentes nesta prática artís-
tica, que exige diferentes, complexas e específicas habilidades e conheci-
mentos. A interatividade, prevista na grande maioria dos projetos, redefine
os papeis do autor e do receptor, fazendo desaparecer a figura passiva do
espectador. Isso por que, na maioria dos casos, não há um resultado previsí-
vel e controlado. O desenvolvimentos dos trabalhos dependem em grande
parte das decisões do usuário, a partir das inúmeras alternativas de trajetos
propostos pelo artista, e estabelecidos a priori na programação de softwa-
re utilizada. Além disso, pode ser solicitada a participação dos internautas,
enviando dados que passam a compor a obra, cujos desdobramentos não
podem ser definidos pelo artista em sua proposição
A necessidade de pensar a interatividade como elemento fundamental
desta visualidade que se constrói de forma ainda bastante experimental,
tem sido destacada por diversos autores. Entretanto, as possibilidades e
os limites desta interatividade viabilizada pela internet, e explorada por di-
versos artistas, ainda suscita muitos debates. O simples uso do mouse para
abrir janelas, assim como a opção de escolher trajetos que já estão estabele-
cidos a priori na proposta do artista pode ser questionada enquanto forma
de participação interativa. Alem disso, estes trabalhos em geral mantêm um
importante grau de autoria, pois, mesmo que os usuários participem como
colaboradores, e que os resultados só existam a partir destas interlocuções,
é o nome do artista, ou do grupo de criadores que se apresenta no site e o
identifica. Mesmo quando há equipes de produção, os artistas se destacam,
deixando perceber que a tradicional força do nome do autor no campo da

42
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

arte, permanece vigente nas proposta colaborativas. Quase nunca se encon-


tra produções verdadeiramente anônimas e coletivas em termos de autoria.
Em termos de interatividade, deve-se considerar, ainda, o desenvolvi-
mento da web 2.0 (Wikipédia, Yutube, Blogger, Fliker, Myespace, Facebook,
Orkut e outros) em que os conteúdos são criados pelos próprios usuários. O
cerne desta inovação está na separação da estrutura técnica do conteúdo,
deslocando a ênfase para a produção coletiva de dados e de informação.
Assim, o usuário não necessita conhecer nem ter acesso aos códigos de fun-
cionamento dos programas para poder publicar on-line. A comunidade es-
tabelece a importância destes sites pelo uso que faz deles e a propriedade
destes conteúdos pode ser convertida em valores econômicos.
A interatividade demanda um estado de alerta, de total implicação nas
escolhas e desvios, nas conexões e nas imersões nos ambientes virtuais, ou
seja, interagir demanda uma entrega total dos participantes na experiência.
Na ciberarte, a vida do trabalho depende da implicação de quem intera-
ge com o sistema. O artista propõe algo a ser vivido, solicitando o diálogo
através de escolhas, das perguntas e das respostas, ou ainda, nos ambientes
interativos, pela performance total do corpo que deve agir no espaço físico
com o sistema. Em todas as situações, é necessário o envolvimento do ho-
mem com as máquinas de seu tempo. O que se percebe claramente, é que a
interatividade na rede web abre novas possibilidades de participação, crian-
do também uma nova concepção de público. A dinâmica interativa, que se
inaugura com esse tipo de proposta, otimiza e multiplica efeitos. Com sua
rede pluridirecional a internet faz reverberar o diálogo de uma forma mui-
to mais ampla e numericamente mais significativa. Ela supera, em termos
quantitativos, as tradicionais interferências do público, que quase sempre
se limitam ao pequeno grupo de frequentadores dos eventos em tempo e
espaço real.
É digno de nota que propostas semelhantes de interatividade já se eviden-
ciavam nos anos 60 e 70, com a série Bichos, de Lygia Clark, bem como com
as experiências de arte em rede, com o uso de telefone e fax. O que se altera
com a Web arte é que, neste caso, o próprio meio, com seus recursos tecno-
lógicos, propicia e estimula esta interatividade. É o caso, por exemplo, do site
Post urbano (www.wokitoki.com.ar/post), que localiza e documenta pontos
exatos da cidade de Buenos Aires. Produzido com o auxílio da ferramenta
Googlemap, o site traz um mapa da capital argentina, com a localização exata
de cada recado/depoimento enviado pelos internautas que responderam à
proposta do coletivo de arte argentino Wokitoki. A idéia do grupo é que o
público conte histórias de um lugar específico da cidade, tal como “foi nes-
ta casa em que eu nasci”, ou “nesta rua aconteceu tal coisa”. Para participar,
as pessoas clicam no mapa, indicando o endereço relacionado à história que
querem contar. Abre-se então uma janela, na qual é possível escrever o relato
pessoal que, no final, vai assinado. A partir de então, esses depoimentos ou re-
cordações serão integrados ao mapa, podendo ser, inclusive, impressos como
cartazes e fixados junto às ruas e casas aos quais se referem. O interessante
é que, se esses cartazes, por um lado, acabam revelando histórias íntimas e
pessoais de cada participante, por outro terminam por se confundir com a
própria estética da publicidade de rua... Trata-se, portanto, de um projeto de

43
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

interferência no espaço público, por uma ação gerada a partir do ciberespaço.


Em um processo coletivo, são redesenhados os intercâmbios do real com o
imaginário, bem como as relações do sujeito com a cidade.

PROBLEMATIZANDO
No seu blog, inicie uma ficção e solicite aos colegas que dêem continuidade
a ela. Usem recursos gráficos, textuais e outros de que dispuserem.

5.2 Mídias locativas e seus usos na arte

As sociedades contemporâneas estão envolvidas em processos de des-


territoirialização, com fluxos mundializados de indivíduos, de informação
e de produtos, entre outros, que muitos autores denominam nomadismo.
Essas diversas formas de mobilidade deram origem a fenômenos como as
flash mobs e as smart mobs, que reconfiguram as relações sociais e a parti-
cipação do público. As primeiras são manifestações relâmpago, de um con-
junto de indivíduos que não têm conexões entre si estabelecidas anterior-
mente ao evento a cuja solicitação respondem. São processos semelhantes
a performances e happpenings, sem um sentido ou objetivo em comum.
Essas manifestações agregam as pessoas por meio de mensagens tipo SMS,
e-mails ou blogs enviadas por aqueles que exercem sua convocação. Elas
podem ser usadas, também, como formas de manifestações, de protesto, ou
com outros tipo de demandas, nestes casos são denominadas smart mobi-
les ou mobilizações inteligentes.
Como mídias locativas podem ser consideradas todo tipo de equipamen-
to móvel capaz de conexão on-line, tais como Sistemas Globais de Posicio-
namento (GPS), telefones celulares, Ipods, palmtops e laptops (Ver Figura
21). Elas desenvolvem o conceito de comunicação ubíqua e pervasiva, que
é utilizado na Mobile arte. Com estes recursos se potencializam as possi-
bilidades de compartilhamento de experiências e a interconexão mundial.
Artistas também desenvolvem estratégias com mídias locativas, como por
exemplo, Antoni Abad que realiza seu trabalho emprestando celulares com
máquina fotográfica a grupos que sofrem algum tipo discriminação para
que estes documentem seu dia a dia. A abordagem se efetua da seguinte
forma: localizando um grupo em uma cidade e entrando em contato com
eles através de seminários ou grupos de trabalho. O trabalho possui um
cunho sociológico, no momento em que estuda o cotidiano dessas mino-
rias, criando redes de comunicação e tornando visíveis as perspectivas de
cada um desses grupos. A internet neste caso funciona como uma platafor-
ma de disseminação dessas informações, e como banco de dados do proje-
to. Os grupos já abordados em trabalho até então foram: desabrigados na
Colômbia, deficientes físicos em Gêneva e Barcelona, motociclistas em São
Paulo, trabalhadores imigrantes da Nicarágua na Costa Rica, profissionais do
sexo em Madrid, jovens camponeses em Leon e Lleida e taxistas no México.
Figura 21 – GPS.
O projeto estabelece canais para cada grupo em que mostra fotos feitas pe-
Exemplo de mídia locativa. los integrantes dos grupos. Estas fotos se organizam no site em subdivisões:

44
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

seres, atividades, espaços e objetos, cada uma destas possui palavras-chave


que direcionam o internauta a fotografias relacionadas ao tema escolhido. O
espectador pode vivenciar uma imersão no cotidiano destes grupos e teste-
munhar reivindicações e críticas que são feitas por cada indivíduo do grupo,
o que dá um caráter de veracidade ao projeto.

DICA DE SITE
Utilizar o Google maps em seus trabalhos pode ser uma interessante alter-
nativa para trabalhar com mídias locativas, basta seguir as orientações abai-
xo. (Tutorial para uso do Google maps em anexos)

PROBLEMATIZANDO
Faça uma proposta de web arte com o uso de mídias locativas e ou com o
uso do Google map, descrevendo o funcionamento do trabalho de forma
bem detalhada, usando recursos gráficos e outros que lhe interessarem. Se
você tiver condições desenvolva sua proposta, caso lhe falte apoio técnico
deixe somente em nível de projeto. Quem sabe no futuro você possa dar
continuidade a ele.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi muito importante para mim desenvolver esta disciplina, espero que
possam ter tirado dela algo significativo para a vida de vocês. Considerando
que a internet hoje é uma realidade da qual não podemos nos furtar e cujo
uso somente nós mesmos poderemos estabelecer. A idéia básica de nossa
proposta de trabalho è estimular que vejam a internet e a cibercultura como
uma realidade de nosso tempo, e possam pensar e desenvolver maneiras
mais criativas e sensíveis de lidar com ela. Não podemos fugir desta reali-
dade, acusando-a de muitos males, nem tampouco ver nela a solução de
todos os problemas. Os humanos, desde a origem dos tempos, criaram suas
ferramentas e, de seu desenvolvimento decorreram formas de relaciona-
mento entre eles e com o meio ambiente. No mundo contemporâneo não
é diferente, as tecnologias digitais fazem parte de nossa realidade. Precisa-
mos lidar com elas conhecendo-a e obtendo com elas formas mais completas
de vivência. Espero que nesta disciplina tenham desenvolvido um pouco
mais de competência para isso.
Depois de tantas informações, propostas de tarefas e leituras é possí-
vel que tenhamos nos aproximado desse objetivo. Para mim esse trabalho
foi uma experiência prazerosa e enriquecedora, espero que tenham podi-
do compartilhar disso.

45
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II

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47
2
Estágio Supervisionado 3

Professores autores Dra. Leda Maria de Barros Guimarães e Prof. Dr. Ronaldo Alexandre de Oliveira
APRESENTAÇÃO

Caros(as) Estudantes

No primeiro Estágio, discutindo a escola como parte da cidade, pedimos


que fizessem um mapeamento da localização da escola no bairro, conec-
tando-a com outras áreas mais abrangentes. Fizemos o exercício retrospec-
tivo da sua trajetória educativa como “apreendente” e como profissional, e
iniciamos o exercício do olhar etnográfico no contexto escolar procurando
perceber sua complexidade de dinâmicas, relações e configurações cultu-
rais. Depois no Estágio 2, foi proposto um foco do olhar etnográfico para
Profa. Dra. Lêda Maria de
Barros Guimarães a sala de aula, um recorte dentro do contexto educacional específico que
estava sendo investigado. O Estágio 2 possibilitou um aprofundamento de
nossas competências investigativas etnográficas, com nossas imersões no
campo escolar.
Nessa terceira disciplina de Estágio Curricular Obrigatório, vamos dar
continuidade ao exercício de imersão em contextos educativos, mas dessa
vez buscando diálogos com espaços de educação não formal. Essa preocu-
pação da expansão desse olhar segue a tendência movimento das cidades
educativas e dos desafios de uma tecnologia que abre mundos, onde a rede
www e a cidade como um todo se apresentam como espaços formativos
Prof. Dr. Ronaldo para a docência de artes visuais.
Alexandre de Oliveira

*Curriculo: Leda Guimarães é professora da Universidade Federal de Goiás. Professora do Mestrado em Cultura Visual, co-
ordenadora de Estágio da Licenciatura em Artes Visuais e do curso de Licenciatura em Artes Visuais em EaD pelo programa
da Universidade Aberta do Brasil. É doutora em Artes pela ECA-USP e mestre em Educação pela Universidade Federal do
Piauí. Tem livros publicados: “Desenho, desígnio, desejo: sobre o ensino de desenho” (UFPi, 1996); “Objetos Populares da
Cidade de Goiás” (Sebrae-Go/UFG, 2001) e “A natureza feminina do Cerrado” (2006, UFG). É membro da ANPAP e do InSEA
membro da diretoria da Federação dos Arte Educadores do Brasil -FAEB. É representante do Brasil no CLEA- Conselho La-
tinoamericano de Educação para a Arte.

*Curriculo: Ronaldo Alexandre de Oliveira , Graduado em Educação Artística pela Santa Marcelina / S.P – 1987; Especiali-
zado em Arte Educação pela ECA/USP (1991); Mestre em Educação, Arte e História da Cultura (2000) pela Universidade Pres-
biteriana Mackenzie e Doutorado em Educação (Currículo) pela PUC/SP (2004). Atuou enquanto professor de arte em todos
os níveis de ensino – Ensino Fundamental ao Ensino Médio na Rede Pública Estadual do Estado de São Paulo e também
na Rede Municipal da cidade de Jacareí / São Paulo. Atualmente é Professor Adjunto do Departamento de Artes Visuais da
Universidade Estadual de Londrina. Atua na Área de Metodologia e pesquisa do Ensino de Artes Visuais com formação de
professores; É líder do grupo de pesquisa cadastrado no CNPq “Formação Inicial e Continuada de Educadores em Arte:
Marcas e Perspectivas dos saberes e fazeres Docentes”, onde pesquisa a formação via relatórios de estagio curricular.

50
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

Dados da Disciplina

emanta
Formação, estágio e o ensino de arte. A cidade enquanto espaço de pos-
sibilidades educativas. Aprofundamento do exercício etnográfico para con-
textos de situação não formal. Revisão e aprofundamento do processo da
etnografia do campo escolar. Metáforas de conexão da experiência etnográ-
fica. A sala de aula como reflexo da Imersão nos conteúdos e nas rotinas e
conflitos pedagógicos no espaço da sala de aula. Discussão de abordagens
pedagógicas para o ensino de artes visuais correlacionadas ao contexto do
estágio. Planejamento, desenvolvimento e avaliação de proposta de inter-
venção em artes visuais.

Objetivos
• Aprofundar competências etnográficas para a investigação e imersão
em de outros campos de estágio.
• Analisar os contextos educativos não formais de ensino como meios
sociais em que se produz e se compartilha conhecimento socialmente legi-
timado
• Observar os modos como o ensino de arte é inserido nesses contextos,
do ponto de vista do projeto pedagógico das instituições onde se desenvol-
ve educação
• Caracterizar projetos de ensino de artes visuais, e analisar a sua opera-
cionalização;
• Mapear possibilidade de conexão entre instâncias de educação formal
e não formal.

Unidades
UNIDADE 1 – A CULTURA DA CIDADE COMO ESPAÇO DE IMERSÃO: EXEMPLOS E PROPOSIÇÕES
1.1 A cidade educativa: seus lugares, seus habitantes, seus ofícios, sua cultura
1.2 Imagens: (des)construções - Proposta para um passeio etnográfico
UNIDADE 2 – A CIDADE E SUAS POSSIBILIDADES EDUCATIVAS
2.1 A Cultura da Cidade como Espaço de Imersão: Exemplos e Proposições
UNIDADE 3 – IMERSÕES NA CIDADE EDUCATIVA
3.1 Metodologia para o desenvolvimento da proposta
3.2 Como pode ser nosso projeto com a cidade educativa?

51
Unidade 1
A CIDADE E
SUAS POSSIBILIDADES EDUCATIVAS

O Estágio I trouxe a oportunidade de re-avaliarmos nossa prática do-


cente, ao mesmo tempo em que reconstruímos essa prática em outros
paradigmas conceituais, teóricos e práticos, com nossos mapeamentos e
cartografias, bem como nossas metáforas conceituais. Para muitos de nós,
foi a oportunidade de termos as primeiras aproximações investigativas
com espaços educativos, escolas, salas de aulas. Isso pode ter se tornado
ainda mais desafiante também por termos uma orientação voltada para
tais paradigmas conceituais, interacionistas, e com abordagens chamadas
ideográficas - muito diferentes do que, em geral, fomos formados.
Tivemos a oportunidade de refletir sobre rotinas, conflitos e saberes
pedagógicos e realizamos nossa primeira intervenção pedagógica nesse
curso, em um espaço de educação formal. Planejamos nossas ‘vidas’ na
escola com a construção de nossos planos de ação / cronogramas. Obser-
vamos, vivenciamos, para depois idealizarmos nossas oficinas: sonhamos!
Como o explicado por Madalena Freire, vivenciamos uma dinâmica com
movimentos que foram desde o idealizar/fantasiar ao ‘cair na real’ (desi-
lusionamentos), levando-nos à instrumentalizações para sonhos mais re-
ais. Com isso, planejamos e replanejamos, sistematicamente, nossa ação
pedagógica, para depois, desenvolvê-la, e... avaliamos (o calcanhar de
Aquiles). Alguns de forma individual, outros em grupos, mas todos am-
parados de alguma forma, pela turma toda e pela equipe de professores.
O desenvolvimento da disciplina e os relatórios finais, de uma forma geral,
demonstram as efetivas construções de conhecimentos e percepções.
Nesse Estágio Supervisionado 3 nossa proposta é ampliarmos a expe-
riência de estágio para além dos muros da escola tomando a cidade como
referência para a elaboração de projetos de ação educativa. Considera-
mos que é em uma “escala intra urbana que a vida cotidiana e a relação
entre cidade, cultura e cidadania podem ser analisadas com maior pro-
fundidade” (CAVALCANTI, 2001, p. 13). Também não excluímos algumas
articulações mais amplas e em rede, entre âmbitos locais e globais.
1. Ver a discussão empreendida no material
da disciplina “Pensamento e Investigação Com o percurso das cinco disciplinas de estágio desenhadas para nossa
em Arte-Educação”, de autoria do profº Licenciatura em Artes Visuais buscamos uma abordagem integral para nossos
Drº Raimundo Martins, Módulo 6 (2010),
capítulo 2.1: “Duas perspectivas de mundo crescimentos: construímos nossas aprendizagens e nossas percepções tanto
e suas representações”, p. 246-250. pela via de nossos sentidos diretos quanto pela via de nossas reflexões.

52
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

1.1 A cidade educativa: seus lugares, seus habitantes, seus ofícios, sua cultura

O meu olhar é nítido como um girassol.


Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhamos para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
Eu sei dar por isso muito bem....
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo

Alberto Caieiro

Iniciamos nossa conversa, com este trecho do poema de Fernando Pes-


soa, no heterônimo de Alberto Caieiro. O desafio é olhar para a cidade de
uma maneira diferente, nesse sentido trazido pelo poeta - olhar daquele
que acaba de chegar, de quem acaba de nascer para a eterna novidade
do mundo. Ver aquilo que nunca havíamos prestado atenção no contexto
cotidiano, no dia a dia. Pensar a cidade enquanto um organismo vivo, dinâ-
mico, que trás uma história construída ao longo dos tempos (seja ela recente
ou de longa data), uma história feita pelos seus habitantes, cada um com
suas relações, suas profissões, seus ofícios, sua cultura; a cidade formada,
por seus lugares; físicos, afetivos, simbólicos. A cidade que é feita pelas
mãos daqueles que as constroem.

[…] falar em produção do espaço é falar desse espaço como componente da produção social em
geral […]. Isso é diferente de falar em organização, que ressalta a forma e o aspecto técnico dessa
forma, que destaca também um sentido de exterioridade frente ao modo de produção da socieda-
de, um sentido de neutralidade frente a esse modo de produção. (CAVALCANTI, 2001, p. 13)

Assim, com o Estágio 3, propomos a discussão de cidade como produção


de espaço urbano e consideramos a importância da superação do entendi-
mento de organização do espaço para o entendimento de espaços produzi-
dos. Consideramos também as contradições na produção do espaço urbano
e da cidade, pois concordando com Cavalcanti (2001, p. 16), pensar a cidade
é pensar também em lógicas não capitalistas, pré-capitalistas; é pensar na
cidade como obra; é, pensando a cidade centralizada na lógica da produção
capitalista, pensar também nos interstícios e nas contradições espaciais, nas
desconstruções e (re) territorializações.
Ao considerarmos a racionalidade do modo de produção capitalista,
consideramos também as contra-racionalidades, pois

Ante a racionalidade dominante, desejosa de tudo conquistar, pode-se de um ponto de vista dos
autores não beneficiados, falar de irracionalidade, isto é, de produção deliberada de situações não-

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razoáveis […]. Essas contra-racionalidades se localizam, de um ponto de vista econômico, entre


as atividades marginais, tradicional ou recentemente marginalizadas, e, de um ponto de vista ge-
ográfico, nas áreas menos modernas e mais ‘opacas’, tomadas irracionais para usos hegemônicos.
(SANTOS, 1996, p. 246, apud CAVALCANTI, 2001, p. 18)

Considerações para alargamento das contra-racionalidades contrapõem-


se a racionalidade hegemônica de cultivo ao individualismo, à vida privada,
à separação entre casa e rua, nos cotidianos com a cidade. Tais contraposi-
ções reforçam as noções de valores culturais/sociais, as práticas solidárias e
cidadania coletiva. A efetivação da cidade como educadora se constitui na
resistência à tendência de práticas individualistas na cidade. Veja:

Defender um projeto de cidades educadoras é realçar seu caráter de agente formadora, sua dimen-
são educativa. Todas as cidades educam, à medida que a relação do sujeito, do habitante, com esse
espaço é de interação ativa [...]. (CAVALCANTI, 2001, p. 21)

Aqui você deve se lembrar do conceito de cultura com o qual estamos


trabalhando. A cultura diz respeito a todos os fazeres, saberes e viveres pe-
los quais as pessoas se constituem em seus lugares, nas suas cidades, nas
suas terras. A cultura diz respeito às diferentes maneiras como as pessoas
trabalham, produzem, pensam as mais diferentes profissões/ações que
compõem a vida da sua cidade – a sua dinâmica, as particularidades de cada
bairro. Orientamos para uma perspectiva em que

[…] torna-se relevante compreender a cidade como um lugar que abriga, produz e reproduz cul-
turas. Na realidade, para a análise da cidade como modo de vida materializado cotidianamente,
como ‘espaço banal’ (Santos, 2000), é mesmo imprescindível a consideração dessa instância cultu-
ral. (CAVALCANTI, 2001, p. 19)

A compreensão da cidade como produção, fundada em racionalidade e


contra-racionalidades leva-nos a uma perspectiva favorável a uma educa-
ção para a vida, e para uma vida melhor.

1.2 Imagens: (des)construções - Proposta para um passeio etnográfico

Ver a cidade constitui-se ainda uma experiência corporal. Trata-se do corpo apropriando-se do es-
paço da cidade e percebendo tanto o odor de um rio fétido, quanto a brisa suave no final da tarde.
O corpo também está atento à violência, aos sinais de trânsito, ao asfalto quente, ao verde. Ele é
tanto entidade formuladora de imagens quanto elemento constitutivo da imagem, pois é parte in-
tegrante da paisagem urbana. O corpo também é objeto de discurso. Papel ambíguo esse do corpo.|
Objeto e sujeito de discursos. (ARRAIS, 2001, p. 179)

Após os estudos e exercícios das unidades anteriores essa caminhada


imaginária pela cidade, tomando para si tudo aquilo que este passeio pode
ter suscitado, sugerimos que você “bote o pé na rua” e caminhe de fato pela
sua cidade exercitando o que o conselho da professora Flávia Bastos:

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Tornar o familiar estranho!!!

Frequentemente, a arte que existe em nossa vida cotidiana é invisível.


No entanto, quando a arte local é interpretada a partir do seu contexto, essa
interpretação aciona não só uma maior compreensão da arte em si, mas
também uma análise crítica do sistema de produção e dos valores nela re-
fletidos (...). O perturbamento do familiar descreve esse processo de tornar
visível a arte e a cultura locais(...). (BASTOS, 2006)

Em outras palavras:
A noção de perturbamento no familiar
a) descreve metaforicamente o processo pelo qual membros da comuni-
dade adquirem um maior discernimento sobre a própria cultura.
b) ddescreve interpretações feitas não por forasteiros, mas por pessoas
da comunidade, e consiste um passo essencial para compreender a iden-
tidade cultural que possuímos.
c) esse processo convida a um envolvimento histórico e político e uma
reflexão sobre as possibilidades de mudança.
d) essa noção também possibilita identificar formas de autoria em dife-
rentes grupos culturais e os sistemas de valores que as sustentam (Ham-
blen, 1990).
e) busca enriquecer o discurso atual em arte/educação pela articulação
das questões de gênero, classe social e etnia que afetam as comunidades
(BASTOS, p.234 e 235);

1.2.1 Orientações e ferramentas para levar nesse passeio

Para esse passeio, será necessário uma câmera fotográfica ou filmadora,


bloquinhos de anotações, e cuidados com a hidratação da pele, água, etc.
Não se esqueça de levar ferramentas muito importantes: a curiosidade e
esse olhar indagador, disposto a descobrir coisas mesmo nos lugares que
você julga que já conhece!
Você pode pensar que “ver de novo” seja igual a “rever”. No entanto, re-
ver não é ver a mesma coisa duas vezes, é lançar um novo olhar sobre uma
mesmo coisa ou situação. O olhar que não se renova envelhece.

A cidade, ao longo da história, tornou-se um lugar privilegiado para a proliferação de discursos e


construção de imagens, devido a enorme concentração de pessoas e objetos, que se tornam a todo
momento, símbolos espaciais. O contato cotidiano também favorece a construção de imagens.
É através do contato com os outros e com o mundo, através dos discursos, das representações,
desejos e receios, que a imagem é construída. (ARRAIS, 2001, p. 178)

Exercitemos, então, um novo olhar para essa cidade, um olhar podero-


so, desconstruidor de discursos caracterizadores e imagens construídas, em
busca de visualidades, territorialidades, espacialidades, em uma perspectiva
multicultural crítica.
Toda cidade forma, todas elas educam, pois todas são resultados de um
processo cultural, histórico e social. As pessoas não se juntam, organizam-se

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num determinado lugar despretensiosamente! Nesse sentido, toda cidade


pode ser educadora, pois ela fala de cada um de nós e do outro com o qual
ajudamos a formar!
Assim, propomos esse olhar sobre a cidade: buscando descobrir em cada
um a cidade que habita, que foi se construindo ao longo dos tempos e que,
podem representar a possibilidade de ir consolidando um olhar mais apu-
rado - olhar crítico e mais sensível para o contexto e o meio ambiente. Aqui
temos a transição de um olhar indiferente rumo a um olhar reflexivo, olhar
que pergunta, olhar que indaga. Veja o que nos diz Carlos Brandão (2002),
sobre sua imersão em campos de pesquisa:

Quando eu chego na comunidade, num primeiro momento, como disse a vocês, não vou direta-
mente às pessoas com quem quero trabalhar. [...] Eu procuro ir contactando pessoas a esmo. O
dono de um bar, a pessoa que está me acolhendo na sua casa, pessoas que eu encontro na rua, e
assim por diante. [...] então, isso é uma porta de entrada, entrar por aí. (p. 24)

Faça anotações, desenhos, esquemas, fotografe, registre as conversas es-


tabelecidas, as entrevistas, as observações. Enfim, todos os acontecimentos
provenientes do exercício etnográfico feito desse outro lugar da cidade,
pois o que queremos é acentuar as instâncias educadoras da vida na cida-
de, seus moradores, seus saberes, seus ofícios... E não importa se eles estão
organizados ou não, pois todos fazem parte da sua cidade. Aqui pensamos
a cidade enquanto uma confluência de práticas culturais, formando essa
grande paisagem.

PARA REFLETIR
A CIDADE POSSÍVEL

Assistam ao “Vídeo de ciudades educadores”, no site da Associación Interna-


cional de Ciudades Educadores e reflitam sobre os sentidos e posturas que
um olhar atento aos aspectos da cidade pode suscitar. Segue o link:¬
http://w10.bcn.es/APPS/eduportal/pubPortadaAc.d

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PROBLEMATIZANDO
Com base no “passeio etnográfico” escolha uma “porta de entrada” para re-
alizar a proposta de intervenção pedagógica. Por “porta de entrada” que-
remos dizer ponto de partida, que pode ser um ambiente, um espaço na ci-
dade, pessoas, organizações, etc. Todas serão entendidas como “ambiências
pedagógicas” no tecido da cidade educativa.

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Unidade 2
A CIDADE COMO PALCO DE
AÇÕES EDUCATIVAS

De acordo com Moacir Gadotti, várias cidades brasileiras são membros


da Associação Internacional de Cidades Educadoras: Belo Horizonte (MG),
Caxias do Sul (RS), Cuiabá (MT), Pilar (PB), Porto Alegre (RS), Piracicaba (SP),
Alvorada (RS) e Campo Novo do Parecis (MT). Você tem algum conhecimen-
to sobre esse movimento e sobre essa associação internacional de cidades?
Pesquise sobre esse assunto: do que se trata, concretamente? Quais são os
paradigmas conceituais envolvidos? Como é a participação do Brasil, nessa
associação? Como compreender as dimensões e a rede de implicações de
tal movimento?
Achamos importante ressaltar o quanto a “Carta das Cidades Educado-
ras” fala de uma cidade possível. Apesar de todos os obstáculos do mundo
contemporâneo, esta cidade é viável na medida em que nos esforçarmos
para sua existência. Como educadores, somos responsáveis pela compre-
ensão que se faz desta cidade e do mesmo modo, da escola. E se não traba-
lharmos no sentido de atribuir-lhe as qualidades que desejamos, tal cidade
e escola serão sempre injustas e terão muito pouco de educadoras.
O principal objetivo de uma cidade educadora é promover a cidadania.
Esta, no entender de Moacyr Gadotti

[...] é essencialmente consciência de direitos e deveres e exercício da democracia: direitos civis,


como segurança e locomoção; direitos sociais, como trabalho, salário justo, saúde, educação, ha-
bitação, etc. direitos políticos, como liberdade de expressão, de voto, de participação em partidos
políticos e sindicatos, etc. (GADOTTI, 2005, p 1)

Para Gadotti, não existe cidadania sem democracia. E a própria cidada-


nia pode ser entendida em seus vários âmbitos: social, econômico, políti-
co, cultural, etc. Assim, almejamos uma cidade que eduque e que exista
“além de suas funções tradicionais” (GADOTTI, 2005, p 1). A escola possui
um papel fundamental nesta cidade educadora, pois um vínculo estreito
deve haver entre a escola e os processos educativos promovidos na cidade.
A escola deve buscar eliminar a distância entre os seus processos pedagógi-
cos e aqueles que a cidade possui, e vemos que isso é possível nessa nossa
vivência do estágio, na concepção com a qual trabalhamos e acreditamos.
Uma escola que se estende à vida e a vida que se interpenetra na escola.
O desafio agora, nesta empreitada do estágio é olhar, aproximar, conver-
sar, sistematizar as informações advindas de outros diferentes segmentos
que fazem parte da cultura da cidade. Você deve ter percebido que esta-

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mos considerando a cidade e suas possibilidades educativas num sentido


amplo, pois todos têm sua importância e significação: os moradores, tra-
balhadores, suas profissões enquanto parte integrante e importante nesta
construção cultural da cidade.
Aliada à concepção de cidadania está a intenção de que a cidade possua
uma personalidade própria, que esteja integrada no país, mas que tenha bem
claro e definido o seu próprio perfil como comunidade e espaço de vivências.
Esta identidade deve ser reconhecida por muitas outras cidades como uma
individualidade ímpar. Assim como uma pessoa que se faz reconhecida por
seu grupo, tal cidade tem um jeito e modo de ser que lhe são próprios.
Uma cidade educadora não poderia deixar de priorizar a cultura e for-
mação de sua população. Aqui estamos falando de cultura como anterior-
mente trabalhada tanto no Estágio Supervisionado 1 como no Estágio Su-
pervisionado 2. Ou seja, cultura enquanto um processo dinâmico que se faz
no convívio estreito do humano com o espaço e aí inclui, indistintamente,
todas as práticas do fazer e do saber humano. Enganam-se aqueles que su-
põem que a cultura deve estar sempre em segundo plano e que ela é algo
que se aprende nos bancos da escola, pois cultura é aquilo que trazemos
nas nossas marcas, nas nossas ancestralidades e contemporaneidades. Ela
é aquilo que nos faz humanos, sociais, históricos, é o que nos faz ser deste
lugar e não daquele.
De acordo com a própria Carta das Cidades Educadoras, a cultura e a
educação devem ter prioridades no recebimento de investimentos, pois so-
mente a partir deste investimento é que os cidadãos poderão desenvolver
seus potenciais. Acreditamos que enquanto estudantes / educadores pre-
cisamos nos ater nestes investimentos. Talvez a nossa prática em investir
seja potencializar os saberes e os fazeres próprios do lugar, estabelecer co-
nexões, trocas simbólicas e materiais, por que não? Trocas dialogadas entre
os saberes da instituição formal e de todos os espaços que a cidade possui
e que são territorialidades potencialmente próprias para exercermos essa
vivência da cidade enquanto um espaço que educa.
Todos os cidadãos devem ter, portanto, a formação, promoção e desen-
volvimento de suas capacidades e potencial humano. Tal potencial é cons-
tituído de individualidade, construtividade, criatividade e um sentido de co-
munidade e responsabilidade, que culminam com a capacidade de diálogo,
confrontação e de solidariedade. Conforme Gadotti, a escola, neste contex-
to, deve “contribuir para criar as condições que viabilizem a cidadania, atra-
vés da socialização da informação, da discussão, da transparência, gerando
uma nova mentalidade, uma nova cultura, em relação ao caráter público do
espaço da cidade (GADOTTI, 2005, p 4).
Vale ressaltar que a cidade educadora dispõe não somente da educação
formal, mas também e, principalmente, da não-formal, e que todas estas
práticas possuem objetivos pedagógicos claros, que ultrapassam a forma
aleatória com que possam surgir no âmago das comunidades. Para a rela-
ção educação e cidade, Cavalcanti (2001) dialoga com outros estudiosos e
considera três dimensões:

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A primeira dimensão consiste em considerar a cidade como conteúdo de educação, com suas ins-
tituições, recursos, relações, experiências. Essa dimensão se identifica com a fase ‘aprender na
cidade’. A segunda dimensão é a que considera o meio urbano um agente educador, um emissor
de informação e de cultura, trata-se do ‘aprender da cidade’. A terceira dimensão é a que considera
a cidade como conteúdo educativo e a expressão que a define é: ‘aprender a cidade’. [...]

Enquanto essa terceira dimensão refere-se mais a uma educação formal


sobre a cidade, as duas primeiras estão mais ligadas a processos de educa-
ção informal e não formal. (p. 21-22)
A escola deve, neste sentido criar um elo estreito com as manifestações
informais, e vemos que é ai que reside o nosso trabalho: Religar ou mesmo
ligar dimensões tão desejadas. Naturalmente tão praticadas, as relações en-
tre vida e espaço escolar, saberes e fazeres cotidianos acabam por serem,
cada vez mais, distanciados ou dicotomizados pelas formalizações e pela
institucionalização das aprendizagens. Precisamos urgentemente alterar
essa relação, legitimar aquilo que a própria comunidade aprendente já
instituiu e que nós demoramos tanto por acatar.
A cidade educadora deve estar aberta à cooperação e promover
projetos de estudo e de investimento em esferas locais, regionais e, inclusi-
ve, internacionais.
Na cidade educadora tudo concorre para o direito à cidadania. Nesta ci-
dade, como afirma a Carta das Cidades Educadoras “as crianças e jovens
deixaram de ser protagonistas passivos da vida social e, por conseguinte, da
cidade”. Há neste espaço urbano meios e oportunidades de formação, desen-
volvimento pessoal e entretenimento. Neste espaço também é estimulada a
diversidade, a compreensão, cooperação e paz mundial. Não há espaço na
cidade educadora para a exclusão racial, sexual, cultural, ou atitudes discrimi-
natórias de idade, deficiência, condição econômica, etc. Nesta cidade, ao con-
trário, busca-se eliminar os obstáculos, incluindo as barreiras físicas e também
as barreiras imaginárias e das diversas representações que temos e fazemos
da cidade, que muitas vezes nos afasta de determinados segmentos. Neste
sentido, o papel da administração municipal é de vital importância, pois não
somente administra o bem comum, mas também trabalha em função das ne-
cessidades de seus habitantes. E somos nós educadores/estagiários que pre-
cisamos contribuir para acionar, mobilizar essas instâncias na consolidação
desta cidade educadora.
Somente assim, poderá a cidade educadora conhecer os mecanismos de
exclusão e marginalização e trabalhar para sua eliminação. Suas intervenções
poderão, deste modo, ser destinadas a corrigir desigualdades, possibilitar o
acesso à informação, valorizar os costumes e cuidar do planejamento urbano
e do meio ambiente.
Neste sentido, tanto os propósitos colocados pela Carta das Cidades Edu-
cadoras, assim como as reflexões de Gadotti reverberam aquilo que Jurjo
Santomé (2001) nos aponta:

Os currículos e conteúdos que são desenvolvidos na maioria das instituições escolares enfatizam
as culturas que podemos chamar de hegemônicas. As culturas ou vozes dos grupos sociais mino-
ritários e/ ou marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de poder costumam ser

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silenciadas. Sem dúvida, a reflexão sobre o verdadeiro significado das diferentes culturas das raças
ou etnias é uma das importantes lacunas que ainda existem. É precisamente em momentos como
os atuais, em que surgem problemas devido a que raças e etnias diferentes tratam de compartilhar
ou utilizar um mesmo território, que esse vazio mais se deixa sentir (Santomé, 2001, p 161).

Estas falas nos mostram o importante e decisivo papel que tem a edu-
cação nesse processo de transformar estes olhares e estas práticas exclu-
dentes. Aqui evidenciamos a instituição escolar enquanto lugar privilegiado
para o trabalho com a diversidade cultural. Segundo Ana Mae Barbosa, a
multiculturalidade é o denominador comum dos movimentos atuais em di-
reção à democratização da educação em todo mundo. A autora nos chama
a atenção para o quanto essa diversidade se faz presente nos espaços da
cidade e também nos espaços educacionais:

Os grupos culturais que se imbricam podem ser identificados pela raça, gênero, orientação
sexual, idade, locação geográfica, renda, idade, classe social, ocupação, educação, religião (
Ana Mae Barbosa).

Arthur Efland (2005) nos adverte que há outras culturas para além do
horizonte e, assim, necessitamos de uma arte educação internacional, na
qual diferenças culturais não sejam simplesmente reconhecidas, mas que
sejam vistas como recursos para capacitar o indivíduo a completar o seu
potencial (...) a percepção humana de si permanece incompleta se não pu-
der descobrir como cada um de nós é o outro do “outro” (EFLAND,2005,184).
Moacir Gadotti chama a atenção para o potencial político de uma escola
assim, que projeta a capacidade coletiva autônoma para as transformações:
O grande desafio da escola numa cidade educativa é traduzir esses prin-
cípios em experiências práticas inovadoras, em projetos para a capacitação
cidadã da população, para que ela possa tomar em suas mãos os destinos da
sua cidade (GADOTTI, 2005, p 3).

É uma escola presente na cidade e que cria novos conhecimentos sem abrir mão do conheci-
mento historicamente produzido pela humanidade, uma escola científica e transformadora
(GADOTTI, 2005, p 3).

Estas reflexões muito nos interessam, pois estamos considerando “o


campo de estágio”, enquanto espaço para o encontro dos diferentes, seja
lá onde estivermos, nas instituições formais ou não-formais, mapeando os
espaços, ofícios e profissionais da cidade. Este mapear lança o olhar sobre
aquelas profissões e ofícios que são legitimados, que fazem parte do nosso
dia-a-dia, e também sobre aqueles espaços e ações nas cidades que muitas
vezes não são falados, não são mostrados.
Assim, depois de termos ido ao campo ‘empírico’ (o passeio etnográfico
pela cidade), quando evidentemente estivemos fazendo reflexões o tempo
todo, agora, nessa unidade, a proposta é que voltemo-nos para uma busca
de explicações de nossas sensações com a cidade.

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PROBLEMATIZANDO
Que reflexões você propõe a partir da sua experiência de trilhar entre as
culturas da cidade¿ O termo “Cidade Educadora” ganhou outros sentidos, ou
reafirmou-se nas questões propostas¿

2.1 A Cultura da Cidade como Espaço de Imersão: Exemplos e Proposições

Para essa disciplina – Estágio Supervisionado 3 – seguiremos uma estru-


tura similar ao Estágio 2: observação - plano de ação - negociações para o
plano de intervenção – intervenção e avaliação. Mas agora, sairemos dos
muros da escola em direção as ruas, espaços, acontecimentos, culturas, bus-
cando compreender a cidade como espaço

PARA REFLETIR
Ao longo deste curso, nas diversas disciplinas, você foi instiga-
do a realizar imersões e mapeamentos na sua cidade e seus atores.
Vamos relembrar quais foram estes momentos e o que eles trouxeram para
a sua aprendizagem?

Ao longo do curso em muitas disciplinas temos afirmado sempre a im-


portância que a arte e a cultura têm para cada um de nós. Então, como fazer
com que estes nossos conhecimentos construídos possam se traduzir em
novos olhares para nós, que nos levem em direção também da construção
de outros conhecimentos, envolvendo os mais diferentes públicos e ofícios?
Estamos numa esfera de conhecimento que é a do âmbito das múltiplas vi-
sualidades. Visualidades que compõem a vida contemporânea, quando to-
das as cidades, das maiores as menores, são afetadas por suas questões.

Portanto como olhar, perceber? Dialogar? Conversar? Trocar?

Você pode estar se perguntando:

O que ou como todo esse olhar e sentir com a cidade tem a ver com
o estágio em artes visuais?

Vamos refletir sobre algumas experiências desenvolvidas em espaços


que não sejam a escola. Selecionamos uma experiência em museu, uma
numa exposição de artes visuais, a terceira dentro de uma fábrica e a quarta
dentro da universidade mas que buscou a interconexão entre escola (espaço
formal), museu (espaço não formal) e a comunidade escolar (informal). Veja-
mos de que forma esses exemplos para nos fornecem pistas para o desafio
que estamos propondo para esse estágio:

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2.1.1 Exemplo 1: Exposição Lavras e Louvores, no Museu Antropológico da UFG

Nesse primeiro exemplo nossa referência é a exposição de longa dura-


ção, no Museu Antropológico da UFG em Goiânia - exposição intitulada La-
vras e Louvores, sob curadoria das antropólogas Nei Clara de Lima e Selma
Sena. As curadoras “ressaltam que escolheram pensar a exposição por meio
do trabalho e da festa, da lavra e do louvor por serem duas formas importan-
tes das nossas representações identitárias.” (LIMA E SENA, 2009)
É possível ver algumas imagens no site do museu, http://www.museu.
ufg.br . Este é um bom exemplo de como estão ali presentes muitos dos ar-
tefatos que convivemos cotidianamente em nossa cidade. A exposição trata
exatamente de discutir o quanto o lugar, as maneiras de cultuar, de festejar
vão determinando a cultura de um povo ou de uma região. No texto que
está disponível no próprio site do museu, podemos perceber esses modos
da constituição da cultura, da identidade da nossa região.
(...) Inaugurada em dezembro de 2006, Lavras e Louvores foi pensada
para estimular a discussão sobre a região Centro-Oeste, da perspectiva da
construção simbólica das identidades regionais: o conjunto de imagens, sen-
timentos, símbolos e objetos significativos da construção dessa identidade.
Dessa forma, os objetos são compreendidos como portadores de sentidos,
como signos desencadeadores de sentimentos, idéias, conhecimentos, me-
mórias que dizem sobre nossas identidades. A Exposição inaugura um ou-
tro modo de dizer a Região; os instrumentos de trabalho, os objetos rituais
religiosos e as imagens telúricas e de pessoas foram escolhidos para dizer
que toda região é uma construção cultural ou simbólica à espera de inter-
pretação e não uma realidade externa independente de nós. Construindo a
narrativa de Lavras e Louvores, o novo design das salas de exposição, o mo-
biliário, os suportes, as cores, as texturas e a iluminação se articulam com as
imagens, os textos, as instalações, as ilustrações e uma diversidade de peças,
selecionadas das coleções que compõem os acervos etnográficos (indígena
e popular) e arqueológico sob salvaguarda do Museu Antropológico (...).
http://www.museu.ufg.br

(...) Inaugurada em dezembro de 2006, Lavras e Louvores foi pensada para estimular a dis-
cussão sobre a região Centro-Oeste, da perspectiva da construção simbólica das identidades
regionais: o conjunto de imagens, sentimentos, símbolos e objetos significativos da constru-
ção dessa identidade. Dessa forma, os objetos são compreendidos como portadores de sen-
tidos, como signos desencadeadores de sentimentos, idéias, conhecimentos, memórias que
dizem sobre nossas identidades. A Exposição inaugura um outro modo de dizer a Região; os
instrumentos de trabalho, os objetos rituais religiosos e as imagens telúricas e de pessoas fo-
ram escolhidos para dizer que toda região é uma construção cultural ou simbólica à espera de
interpretação e não uma realidade externa independente de nós. Construindo a narrativa
de Lavras e Louvores, o novo design das salas de exposição, o mobiliário, os suportes, as co-
res, as texturas e a iluminação se articulam com as imagens, os textos, as instalações, as ilus-
trações e uma diversidade de peças, selecionadas das coleções que compõem os acervos etno-
gráficos (indígena e popular) e arqueológico sob salvaguarda do Museu Antropológico (...).
http://www.museu.ufg.br

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Nesta mesma perspectiva trazida pelas antropólogas que conceberam a


exposição Lavras e Louvores, a de que “toda região é uma construção cultu-
ral ou simbólica à espera de interpretação e não uma realidade externa in-
dependente de nós”, trazemos outro exemplo para que possamos pensar a
cidade, a região enquanto prática cultural e que podemos concebê-la numa
dimensão educativa que está implícita nesses processos.

2.1.2 Exemplo 2: Projeto “Sabores e Línguas” de Antoni Miralda

Durante a 27ª Bienal Internacional de São Paulo, tivemos a presen-


ça de um artista Catalão chamado Antoni Miralda. Trata-se de um artista
contemporâneo que tem na “alimentação” um dos vieses da sua obra, cujo
tema é recorrente. O projeto intitulado “Sabores e Línguas” consiste num
resgate, numa “catação” muito pessoal que o artista faz, pelas cidades as
quais visitas, de impressões sobre a cultura local. O artista faz uma palestra,
expõe seu projeto e distribui, ao final, pratos em branco. Esses pratos deve-
rão ser trabalhados pelos participantes e entregues para, em princípio, faze-
rem parte de exposições posteriores. Além da exposição dessa participação
dos visitantes na própria bienal de São Paulo, tais peças foram expostas tam-
bém em um museu na Espanha/Barcelona, chamado FoodCulturaMuseum.
Muitos foram os exemplos de imagens, provenientes de diversas cidades
que se fizeram presentes na mostra da Bienal, como Belém, Rio de janeiro,
Brasília e Salvador, além de outras cidades da America Latina que fazem par-
te do projeto: Cidade do México, Caracas, Lima, Bogotá e Havana. Assim,
cidades por onde ele andou estavam ali presentes, pratos que traziam esse
imaginário de cada lugar, as impressões, as mais variadas formas pelas quais
as pessoas concebiam e concebem seus lugares, suas culturas, suas tradi-
ções, suas culinárias.
Ora, as imagens criadas se reportavam diretamente aos sabores do lu-
gar, trazendo pratos típicos. Mas em outros momentos extrapolavam esse
sentido somente da alimentação enquanto culinária e apareciam questões
ligadas à religiosidade, aos problemas sociais, a sexualidade, a mídia, a fome,
as dificuldades enfrentadas pelo cidadão comum, que produziu aquela de-
terminada imagem (Ver Figura 2).

Figura 2 – Recortes da instalação “Sabores e Línguas”

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O projeto é uma possibilidade de vermos a maneira como determinada


prática artística, concebida enquanto prática cultural, mostra esse imaginá-
rio destes diferentes lugares e vai nos revelando um intrigante e interessan-
te panorama/painel sobre as questões relacionadas as identidades cul-
turais, políticas, sociais, econômicas, religiosas. Questões cotidianas dessas
cidades visitadas vão aparecendo enquanto testemunho cultural daquele
que vive naquele lugar; daquele que pensa sobre seu lugar e sua condição
no mundo e a representa sob forma de uma prática que também é cultural.
Esse trabalho do Antoni Miralda nos aponta para uma questão impor-
tante na produção contemporânea de arte - do quanto ela vai incorporando
esse espectador na construção da obra; no lugar de um espectador passivo,
existe um convite para que esse espectador passe a condição de criador, de
propositor, de participador. Em casos assim se o ‘espectador’ não se dispo-
nibiliza a participar, a obra não será realizada, pois ela não é completada,
concluída. O projeto vai dando visibilidade a esse anônimo e vai também
alterando esses lugares, essas temáticas, essas possibilidades da vida: o co-
tidiano ocupar lugar nas manifestações e práticas culturais e artísticas. De
certa maneira e de outros modos, também vai legitimando esses fazeres,
saberes, esses sabores, odores, gostos de cada lugar.

2.1.3 Exemplo 3: “Universos da Arte” de Fayga Ostrower

Podemos também pensar no curso de História da Arte desenvolvido por


Fayga Ostrower, com um grupo de funcionários da Encadernadora Primor
S/A, fábrica situada na cidade do Rio de Janeiro. O desenvolvimento deste
curso está registrado na publicação “Universos da Arte” e nos trás reflexões
a partir de uma experiência que a artista teve com este grupo que, sem for-
mação em arte, vão pouco a pouco se encantando com esta potencialidade
humana e se inteirando do universo da História da Arte, no universo dos
artistas, das suas sensibilidades, potencialidades.
No texto inicial a autora descreve sua relutância em aceitar o convite para
ministrar o curso. Ela fala sobre o medo, a insegurança e relata de forma
sensível como as negociações e desenvolvimento do processo foram sendo
construídas. As atividades, que se desenvolveram no período de sete me-
ses, nos intervalos destinados ao horário de almoço dos funcionários, abor-
daram conteúdos relacionados aos princípios básicos da linguagem visual
e análise crítica. Interligando explicações teóricas e exercícios práticos que
mediaram a construção de saberes a partir da análise de imagens artísticas
e estudo de informações dos artistas dos períodos estudados, o curso foi
desenvolvido.

As aulas deveriam ser realizadas no recinto da própria fábrica e em horário normal de tra-
balho. Não fazia sentido querer que as pessoas dedicassem seu tempo livre a algo quenão co-
nheciam e que talvez nem julgassem pertinente. . ...............................................................

Não se faria nenhuma seleção dos participantes à base de testes. De modo algum eu queria que o
curso tivesse conotação de exames, ou pudesse reproduzir o contexto professor-aluno. De início,
achei importante eliminar situações de competitividade. Quaisquer critérios de seleção, aplicados

65
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

pela direção da empresa, deveriam ter em vista unicamente as pessoas e sua disponibilidade de
tempo para poder acompanhar o curso durante um determinado período. Caso o curso se concre-
tizasse, a continuidade seria fator relevante no êxito que fosse possível alcançar.

O número de participantes foi estabelecido em torno de 25 pessoas, de várias faixas etárias. Não
haveria chefes ou pessoas de “autoridade” presentes nas aulas.

A fábrica arranjaria um quadro-negro e giz. O resto do material eu mesma levaria, seriam reprodu-
ções e livros. Não quis, neste curso, utilizar a projeção de slides como material didático, justamente
para evitar a situação de conferencista falando no escuro para uma audiência passiva. Nós tínha-
mos que poder olhar um para o outro. (OSTROWER, 2004, p. 05)

A metodologia partiu de problematizações que envolveram compreen-


sões que deslocaram ações variantes entre o simples e o complexo. Neste
contexto, os funcionários foram se inteirando também do direito que cada
um tem de conhecer uma história da qual ele também faz parte. Essa é a
Historia da Cultura Humana, história que, muitas vezes, não é vivenciada na
instância educacional formal. Não há, neste caso, uma aproximação entre
essa história legitimada e a história de cada um, mas sim do sujeito e de suas
percepções mediadas pelo estudo do universo artístico.

2.1.4 Exemplo 4: Escola, Museu, Comunidade

O terceiro exemplo foi gestado na disciplina Estágio Supervisionado (IV


e V) no curso de Artes Visuais – Licenciatura da Faculdade de Artes Visuais
da UFG. O grupo de estagiárias formado por Daniela Garcia de Oliveira Flo-
res, Juliana Salvador Coelho, Maria Lina de Oliveira Fernandes e Sonia Mar-
tins Lemes Moura resolveram fazer uma triangulação entre os espaços do
Museu Antropológico, a escola San Damiano e a comunidade familiar dos
alunos daquela escola. Estas alunas universitárias levantaram as seguintes
questões:
• Porque a comunidade em geral, não tem o hábito de freqüentar museus
e exposições artísticas?
• Como os museus, dentro de suas especificidades, nas suas funções so-
ciais, educativas e culturais, podem democratizar efetivamente os seus
espaços?
• Porque em Goiânia, o arte-educador não intensifica a sua atuação, a sua
presença em espaços culturais, como museus e galerias de arte?
• Porque as escolas de nossa cidade, quase nunca investem na promo-
ção de visitas a espaços culturais?
• Como podemos contribuir, já neste estágio, nos aspectos de leitura e
interpretação de imagens, com alunos que estão sendo educados nas
escolas públicas de Goiânia?
O projeto buscou desenvolver estratégias para a elaboração de ações
educativas em artes visuais a serem trabalhadas no Museu Antropológico.
A motivação desse grupo partiu dos seguintes pontos: Interesse pela fun-
ção social dos museus; Ausência do arte educador nos museus; Ausência de
uma disciplina específica sobre museus no currículo do curso de Licenciatu-

66
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

ra em Artes Visuais da FAV; Interesse por questões ambientais, patrimoniais,


culturais e históricas; Pela importância do Museu Antropológico como fonte
de documentação e pesquisa científica.
Movidas por essas questões as estagiárias projetaram para sua ação pe-
dagógica o seguinte desafio: Como questões pertinentes ao Museu Antro-
pológico podem ser exploradas no ensino de Artes Visuais num espaço de
educação formal (escola)?
Tendo já firmado a pareceria com o Museu Antropológico (as estagiárias
acompanharam o processo de elaboração e montagem da exposição La-
vras e Louvores) as estagiárias firmaram uma parceria com o Instituto San
Damiano, entendendo escola como laboratório de conscientização para as
questões de identidade, patrimônio cultural, memória, bem como a noção
de museu.
Na escola, depois de várias negociações de horários, turmas, espaços e
colaborações, conseguiram desenvolver as seguintes etapas do projeto in-
tulado CAIXA DE MEMÓRIA: Fase 1-pediram aos alunos que representassem
por desenhos e escrevessem sobre os objetos de sua “caixinha de memória”.
A intenção era fazer com que os alunos da escola San Damiano passassem
pelas etapas possíveis que precedem uma exposição: escolha, preparação
do objeto e local a ser exposto. Assim como os objetos institucionalizados
nos museus, testemunham as narrativas, num sentido social e público, os
objetos dos nossos alunos, também revelam suas narrativas sociais no âm-
bito pessoal e individual. Depois dos desenhos prontos, fizeram uma “cata-
logação” dos desenhos apresentados:

Categorias 8ª A 8ª B 8ªC Total de


alunos
Achados Pedras, moedas Moedas antigas Moedas antigas, 12
Arqueológicos antigas pedras
caneta, pedras

Brinquedos (memó- Bonecas, Piões, bolas, pipas Trenzinho, moto 21


rias de infância) carrinhos, bola
de gude
Caixas vazias 01 02 03 06
Cartas 04 recebidas de 03 cartas para pai 07
(memória /afeto) amigos e mãe
Cartas de baralho 01 03 04
Coleções Chaveiro, moe- Cartão telefônico Brinco, ingressos 11
das, gibis de cinema
Fotografias Família, infância Namorado, família Família, ídolos 12
Grafite( grafismos) Desenhos spray Letras, nomes 06
Memória de corpo Dente, cabelo Digital Cabelo 04
do namorado
Objeto afetivo Chave, camisa Faixa de Ursinho, almofa- 10
de time, cruci- miss,vestido de da, bichinho de
fixo batizado pelúcia
Objeto de recordação Colar, papel de Medalhão, papel Ovos enfeitados, 09
bala, anel de ovo de páscoa discos,tênis
Obra de arte Paisagem, Pintura, escultura Desenho de uma 07
planta galeria de arte

67
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

Fase 2:

Partindo destas reflexões, foi proposto para o próximo encontro – se-


gunda aula – a construção da “caixinha de memória” ou “museu pessoal”.
As O museu pessoal ou caixa de memórias, parte do princípio de que cada
um de nós tem o seu, pois, colecionamos, guardamos coisas, tentamos pre-
servar tanto objetos em sua forma física quanto as lembranças e histórias
que carregam em si. Neste sentido, foi solicitado aos alunos que montassem
individualmente o seu museu, dentro de uma caixinha. A delimitação da
caixa foi proposital para que eles passassem por um processo de seleção,
colocando dentro dela o que lhes fosse mais significativo. Solicitamos caixas
de sapato e diversos materiais que pudessem ser utilizados na ornamenta-
ção de sua caixa (fitas, papéis, recortes de revistas e outros de seu interesse).
Orientamo-los para que selecionassem objetos pessoais que tivessem para
si uma história significativa, e tais objetos seriam colocados neste “museu”.
Na sequência partiram então para a construção dessa “caixa de memó-
ria”. Cada aluno de acordo com seu projeto inicial, construiu numa caixa de
sapato (ou similar) seu pequeno “museu”. Cada etapa ia sendo discutida.
Depois da caixa pronta os alunos construíam as justificativas das suas esco-
lhas. Vejamos um exemplo:
Uma das estudantes intitulou o seu texto “A chave antiga”, e afirmou:
“Essa chave tem uma grande história, era ela que abria e fechava uma por-
ta de uma casa velha. Essa casa era aonde os meus avós moravam, aquela
época era boa. Depois que os meus avós partiram, derrubaram a casinha
velha, e só sobrou essa chave, mesmo assim se não tivesse pego ela não
estaria comigo”.

Figura 3 - Nelson Leiner. Você Faz Parte II, 1964. Figura 4 – Configuração imagética do texto: “A chave antiga”

68
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

A partir de cada objeto foi proposto uma correlação com os procedimen-


tos da construção artística na contemporaneidade, por meio de exemplos
Aqui, o trabalho da estudante que propôs o texto “A chave antiga” dialoga
com o objeto do artista Nelson Leirner.
Os alunos ficaram surpreendidos ao ver que as coisas do dia a dia, de uso
individual, coisas comuns, banais, que se codificam ou re-significam, que se
assemelham ou se diferenciam, são recursos do contexto contemporâneo:
“arte não é bicho de sete cabeças, ela faz parte de nossas vidas” ( afirmação
da aluna Ana Márcia, turma 8ª A).
Na segunda etapa, observaram se o trabalho feito anteriormente na es-
cola, de fato preparou os alunos para um olhar mais consistente na visitação
da exposição de longa duração “Lavras e Louvores” inaugurada em setem-
bro de 2006. Os resultados da visita foram refletidos como informações im-
portantes para a relação ensino de arte, museu e escola.

PROBLEMATIZANDO
Reflita sobre os exemplos citados e elabore um comentário crítico apresen-
tando suas percepções sobre os espaços de imersão da arte e da educação
na cultura de cada um desses espaços de vivência.

Os quatro exemplos que trouxemos aqui mostram possibilidades do


exercício docente crítico e problematizador de artes visuais em outras ins-
tâncias que não a escola. A maneira como a Instituição Museológica, neste
caso o Museu Antropológico de Goiânia contribui para eliminar distâncias e
lacunas entre o ensino e a arte. Aqui a Instituição lança mão de objetos con-
textualizados e faz uma leitura e uma organização por meio da exposição,
no sentido de explorar a força, a memória, os saberes que emanam destes
objetos. Faz com que nos reconheçamos e nos identifiquemos com aquilo
que nos faz ser de um lugar e não de outro. Tanto o artista Antoni Miralda
quanto a educadora/artista Fayga Ostrower trabalham as questões que en-
volvem arte, cultura e visualidades dos lugares e nos lugares. Miralda lança
mão dos saberes e dos fazeres das “pessoas comuns” de diferentes lugares,
regiões, países — pessoas que não necessariamente são artistas — para im-
pregnar naqueles pratos as suas impressões, seus gostos, seus saberes há
muito instalados, as maneiras singulares ou as janelas pelas quais cada um
vê o mundo.
Essas palavras a respeito dessas produções fazem-nos pensar – sob a
mesma perspectiva - a cidade, a cultura do lugar, seus habitantes, seus ofí-
cios e seus profissionais/mestres enquanto um conjunto que constrói um
espaço, espaço que se constitui na confluência de pessoas, do trabalho, de
seus modos de ser e de operar naquele lugar.
Nessa dinâmica, convém retomarmos a metáfora da mola e os diferentes
desenhos por ela formados na medida em que as curvas são colocadas em
deslocamento (Ver Figura 1). Observe que as dinâmicas continuam a serem
alteradas na medida em que o foco de imersão ora se afunila, ora se amplia,
nos momentos de escolha.

69
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

Vemos, assim, a cidade enquanto um espaço potencialmente possível de


ser um lugar que educa, pois este lugar está carregado de símbolos, saberes
e fazeres impregnados nas suas construções, na sua arquitetura, nos jeitos
singulares do seu povo, mas suas tradições e costumes. Este é um lugar para
se estabelecer diálogos, trocas, sejam elas simbólicas, afetivas, cognitivas; é
lugar de reencontro junto ao outro e no outro, de modo que espaços inter-
nos e externos se abram para que o outro também se encontre em nós. Este
processo de encontro com a cidade e o outro é o centro dos caminhos da
nossa formação nesse estágio.

Figura 5– Dinâmicas provocadas pelos deslocamentos

70
Unidade 3
DIMENSÕES EDUCATIVAS:
CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA

Nesse momento da disciplina, convidamos vocês a desenvolverem um


projeto a partir da idéia de cidade educativa para explorar possibilidades de
um exercício pedagógico em artes visuais. Veja a quantidade de diferentes
portas de entrada possíveis, para as dimensões educativas de sua cidade:

Figura 6 – metáforas para “portas de entradas” na cidade educativa

A sua porta de entrada pode ser uma pessoa em determinado contexto,


que exerça desterminada profissão ou ofício ou ainda que tenha determi-
nadas histórias que você considere importantes para nossa campo de artes
visuais. Pode escolher um espaço não formal (galeria, museu, associações,
ONGs, um circo, etc) ou espaços informais da cidade: praças, ruas, ou outros
locais que você resolva potencializar pedagogicamente para uma experi-
ência pedagógica e cultural com artes visuais. O desafio é pensar a cidade,
seus espaços e seus atores, suas narrativas, seus conflitos, problemas, me-
mórias, como um espaço educativo.
Veja alguns exemplos de elementos para uma cidade: os espaços para o
lazer, o tecido comunicativo, os espaços com a natureza: parques, bosques,
praças; transporte e trânsitos, instituições de saúde, o trabalho – ofícios, pro-
fissionais e empresas, os lugares para alimentação, as associações de bairros
e associações em geral, galerias, teatros... A educação artística, estética e
cultural pode ter efeitos também aleatórios: pela efemeridade, fragmenta-
ção e heterogeneidade da cidade.

71
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

Para escolher esse espaço, não se esqueça dos nossos sentidos so-
bre cidade educativa e sobre o estágio, do quanto eles se interpenetram.
Acreditamos nesse sentido da cidade que educa e acreditamos que a escola
é somente mais um dos espaços para a educação e formação dos indivíduos.
Os exemplos que apresentamos são apenas indicadores de como apro-
ximar da cultura e dos elementos de cada cidade. Como já dissemos, cada
cidade tem especificidades que configuram desenhos identitários desse lu-
gar. Alguns são mais visíveis, outros ficam velados. Nessa proposta, cabe a
você descobrir caminhos e possibilidades de como percorrê-los.
A idéia é aproximar-nos destas organizações, pessoas e ofícios com a
compreensão de que elas, assim quanto seus saberes, fazeres e viveres
compõem a cultura da cidade; ver aqui a cidade enquanto uma prática cul-
tural, um grande texto que está aí para ser lido, compreendido, aprendido e
ver também que esta apreensão se dá na interação.

3.1 Metodologia para o desenvolvimento da proposta

Tais interações podem ser mais bem desenvolvidas por nós com as no-
ções de “Arqueologias dos vestígios”, de Luciana Loponte. Pensemos sobre
nossas motivações pessoais em nossas escolhas. Podemos fazer ‘garimpa-
gens’ nesse grande texto de culturas que é a cidade, relacionando-o para as
afinidades próprias de cada um(a) de nós. Assim, vamos construindo nossos
trajetos, nas trilhas que configuramos para o Estágio Supervisionado 3.
Feita essa escolha, passemos então a fazer o exercício da etnografia:
conhecer, conversar, observar, produzir registros: anotar por escrito, dese-
nhar, fotografar, etc. Entrar nos mistérios desse lugar. O que nos guia nesse
exercício e nesse olhar é:
• O que posso aprender aqui? Nesse lugar? Com essa organização? Com
essas pessoas? Que tipos de troca posso fazer? Que diálogos podem ser
estabelecidos?
• O que eu sei e que posso trazer para conversar? O que eu vivo até hoje
me ajuda a compreender as atividades / territorialidades desse lugar /
organização?
• O que daquilo que eu já tenho construído (que já conheço) que pode
ser somado ao que acabo de conhecer? Que tipos de conexões posso
fazer?
• Quais são as dimensões dos saberes e as condições de trabalho da orga-
nização que escolhi? No que se refere à autonomia e controle sobre o tra-
balho, que relações podem ser estabelecidas com um trabalho docente?
• *Como esse diálogo me enriquece como arte / educador(a)?
O conceito de cidade educativa e a proposta de atuação em espaços não
formais ou informais de educação, com essa disciplina, nos remetem de for-
ma ainda mais incisiva a tipos de ambiências pedagógicas e ‘aulas’ ainda
mais diretamente relacionadas com nossa imersão em campos culturais.
Campos culturais onde, muitas vezes, temos nos sentido como “estranhos
no ninho” (ESTÁGIO 1, p. 112). E é, justamente, em tais campos que temos o
desafio de desenvolver as possibilidades democráticas fomentadas por essa
complexidade cultural, em nossas interações / intervenções pedagógicas.

72
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

Como no Estágio Supervisionado 1, consideramos que cultura é a prática


cotidiana vivida. A cultura envolve sujeitos e relações sociais que carregam
tensões, conflitos, inovações e mudanças reais e constantes. Estamos suge-
rindo que as atuais formas de ambiência terão de ser ressignificadas para
que o estágio curricular possa existir nesse “novo” contexto de complexida-
de que a educação em rede instaura. Assim, temos também um novo desa-
fio, o de desenvolver nossas competências para:

[...] entender a importância das atividades interpretativas, para os exercícios dialógicos, para a
construção de autonomias e de parcerias etc. Tudo isso nos leva a um alargamento da concepção
de escola e de educação e, consequentemente, de estágio (ESTÁGIO I, p. 112).

Além disso, chamamos a atenção para o conceito de estágio com o qual


trabalhamos: etnografia e aproximação com a pesquisa qualitativa, para a
construção da identidade docente como investigador(a).
Com tais noções sobre como deve ser nossa atuação nesse campo para
o Estágio Supervisionado 3, como poderemos planejar nossas ações, desde
as primeiras visitas até a última, quando buscaremos interações para as ava-
liações / considerações finais? Para organizar sua ação você deve primeiro
pensá-la em forma de projeto.
Por exemplo, como seria uma dinâmica - a união do grupo - dependendo
dos espaços / territorialidade? Como instalar essa ‘sala de aula’ - prazer, au-
tonomia, liberdade, criticidade e nossas conseqüentes aprendizagens? De-
vemos imaginar tais espaços e imaginar também como lidar, interagir com
esses espaços e pessoas / culturas: desde um parque infantil a um Centro
de Convivência de Idosos, os chamados CCIs, tão presentes na cidade de
Goiânia, por exemplo...
Ou um hospital, uma empresa de transporte... Uma granja ou um laticí-
nio, ou mesmo pequenos clubes de recreação, como os pesque-e-pagues,
com lugares tão importantes e visitados, para as culturas do lugar...
Para a elaboração da proposta e construção de planos de intervenção
pedagógica, retomemos, mais uma vez, as orientações contidas no material
do Estágilo Supervisionado 1:
• Ter flexibilidade na elaboração e no desenvolvimento da proposta.
• Buscar parcerias; considerar o diálogo da proposta ao contexto do espaço;
• Checar a existência (ou a não-existência), a disponibilidade e funciona-
mento de lugares, salas, pátios, que pudessem funcionar para as necessida-
des de sua proposta, checar equipamentos, móveis...
• Providenciar antecipadamente ferramentas; desenvolver materiais e
recursos,
• Insistência na busca de colaboradores, etc.
E, sobretudo, devemos entender a elaboração do plano de intervenção
como um processo a ser criado e recriado em várias etapas, de acordo com
as condições do contexto pesquisado e aberto à participação de atores do
espaço, da comunidade. Assim, escreva seu plano inicial, baseando-o nas
perguntas fundamentais e dialógicas para o seu Planejamento: “Por quê?”,
“Para quê?”, “O quê?”, “Como?”, “Para quem?”, “Onde”, “Quando?”...

73
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

SAIBA MAIS
Para ajudá-los nessa tarefa trouxemos as orientações da professora Jurema
Sampaio sobre a construção de um projeto pedagógico em artes visuais.

O que é um Projeto Pedagógico em Artes Visuais?


Jurema Sampaio

De acordo com as diretrizes curriculares para os cursos de artes visuais, uma


das competências que se espera do aluno licenciado nestes cursos é a de ser
capaz de desenvolver Projetos Pedagógicos em Artes Visuais. Ou seja, o alu-
no deve estar apto a desenvolver propostas para projetos pedagógicos de
cursos e conteúdos curriculares contemplando as especificidades da área de
artes visuais (área em que ele é formado), nos moldes do que é apresentado
como necessidades mínimas nas diretrizes para sua própria formação.
Há diversas formas de se desenvolver Projetos Pedagógicos nas diversas áre-
as de conhecimento. As Diretrizes Curriculares de Artes Visuais, sistematiza-
das pela Comissão de Especialistas de Ensino de Artes Visuais da SESu/MEC
são, em linhas gerais, as orientações para o desenvolvimento de projetos pe-
dagógicos consistentes e coerentes com a própria formação do profissional
de artes visuais, procurando atender uma visão de formação contemplando
as especificidades da área. Assim, o planejamento de um curso ou unidade
de conteúdo, em Artes Visuais, é um arranjo de ações/atitudes/proposições
para atender a uma proposição mínima de formação que, com suas peculia-
ridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abranjam os elemen-
tos estruturais e possa ajudar a construir um percurso.
I – Objetivos.
Nas diretrizes curriculares de artes visuais é chamado de “Objetivos gerais
do curso, contextualizados em relação às suas inserções: institucional, polí-
tica, geográfica e social”.
Em linhas gerais, uma proposta consistente de projeto pedagógico parte
que uma questão clara: o que se pretende ter sido alcançado ao fim do curso
(unidade)? Tendo claro de onde se partiu no início do processo, onde, ao fim
do percurso, terá o aluno chegado, em termos de resultados?
Já os objetivos específicos são mais detalhados, mais delimitados quanto
que se pretende ou que se espera que tenha se modificado, no aluno, após
ter percorrido este percurso proposto. Ou seja: O que será alterado, no alu-
no, após terminar este curso planejado?
II – Justificativa.
A justificativa é, necessariamente, uma contextualização dos motivos que
“explicam” a necessidade de se desenvolver uma proposta de projeto pe-
dagógico daquela forma que está sendo feita. Diferente dos objetivos, que
são o “aonde” se quer chegar, na justificativa deve estar claro o “por que” é
importante chegar neste “lugar”. O que explica que seja necessário desen-
volver esta proposta?
Nela se encaixam, também, o que, nas diretrizes, é chamado de “condições
objetivas de oferta e a vocação do curso” e o contexto de apresentação da
proposta do projeto que pode, também, ser um item em separado, ai cha-
mado de “introdução” ou “contextualização”. Uma justificativa bem escrita
já é, em si, a introdução de um trabalho de projeto pedagógico, porém a
separação dos itens pode ser necessária para um maior entendimento de
algumas propostas.
Justificativas consistentes têm bases teóricas que dão suporte à argumen-

74
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

tação utilizada para defesa de uma proposta de projeto pedagógico. Nada,


numa proposta pedagógica séria, é “porque sim”. A presença, ou não, de
uma visão, idéia, teoria, método etc. deve estar diretamente relacionada e
embasada em argumentações consistentes, apoiadas por teoria adequada
que valide a proposição.
III – Cronograma.
Nas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Artes Visuais, vemos um item que
se chama “Cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do
curso”. Este item, que também poderia ser chamado de “cronograma”, mais
do que um calendário, com datas inflexíveis, o cronograma detalha justa-
mente essas informações. Carga horária das atividades, descrição do modo
como serão desenvolvidas, seqüenciamento das etapas/conteúdos, se são,
ou não, pré-requisitos para etapas seguintes e se é necessário haver, ou não,
conhecimentos anteriores para seu desenvolvimento.
Em muitas propostas há, por exemplo, a necessidade de haver conhecimen-
tos específicos anteriores. Por exemplo, se é a elaboração de uma proposta
a ser desenvolvida em ensino médio, é necessário haver, previamente pre-
sentes, os conhecimentos do ensino fundamental. Pode ser interessante
proporcionar um nivelamento de conhecimentos mínimos essenciais para
o desenvolvimento da proposta que está sendo elaborada. Enfim, cronogra-
ma é o detalhamento mesmo, da previsão do processo. Pode (E deve!) ser
flexível e trabalhar com valores percentuais e não absolutos, porém deve ser
claro o suficiente para servir base para o estabelecimento dos critérios de
avaliação, a serem desenvolvidos como auxiliares do processo pedagógico.
IV – Metodologia.
Neste campo deve ser descrita, detalhada e embasadamente, a forma como
se pretendem trabalhar os conteúdos, dentro deste projeto pedagógico, a
fim de atender os objetivos, reflexos da justificativa. Ou seja, a metodologia
é a forma escolhida para processarem-se as ações que vão levar ao atendi-
mento do que se espera ser atingido ao fim do processo.
A escolha do método de trabalho a ser utilizado é importante, nos projetos
pedagógicos, no sentido de que é pela aplicação correta do método que se
alcançam os objetivos. Há uma série de métodos possíveis, a serem usados
como base de trabalho em propostas pedagógicas consistentes, é impor-
tante refletir, antecipadamente, sobre o(s) mais adequado(s) ao que está
sendo proposto pelo projeto pedagógico que está sendo desenvolvido.
Algumas metodologias privilegiam um determinado aspecto. Em outras,
outro, ou outros aspecto(s) é o mais evidenciado. Por isso, antes de escolher
uma metodologia, é necessário conhecer, e bem, as possibilidades, objeti-
vos, bases teóricas e, principalmente, características de pontos, fortes e/ou
fracos, das propostas existentes e conhecidas.
A presença da interdisciplinaridade nas propostas pedagógicas atuais tem
sido notada como uma constante. O mesmo se repete nas diretrizes curri-
culares de artes visuais. Uma proposta de projeto pedagógico pode não ser
feita com esta visão, e mesmo pode não pretender contemplar a interdis-
ciplinaridade, porém as propostas em consonância com as diretrizes curri-
culares que, como já dito, orientam os projetos pedagógicos dos cursos de
formação em artes visuais, têm se mostrado mais coerentes e efetivas no
atendimento das necessidades contemporâneas de processos educativos
mais efetivamente consistentes.
Trabalhar com interdisciplinaridade é bem mais amplo que “trabalhar com
várias disciplinas” e entende que a mesma só se processa de houver, além
do trabalho, uma real interação entre as áreas de conhecimento, no sentido
de atendimento dos objetivos. Nas diretrizes Curriculares o item “Formas de
realização da interdisciplinaridade” pede que sejam esclarecidas as proposi-

75
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

ções para que a interdisciplinaridade possa efetivamente ser contemplada.


V – Modos de integração entre teoria e prática.
Os projetos pedagógicos bem desenvolvidos devem apresentar bem defini-
das as separações e especificidades dos aspectos teóricos e práticos de um
curso ou unidade de conhecimento, que esteja sendo tratado na proposta,
assim como as formas de proporcionar a integração de ambas as áreas ga-
rantindo o atendimento dos objetivos da proposta.
Não é necessário haver, num projeto pedagógico, um item específico para
este fim, se a proposta de trabalho contemplar uma temática em uma das
áreas somente, mas é interessante, mesmo nestas ocasiões, ter ciência da
necessária integração entre teoria e prática, mesmo que esta seja esperada
como conseqüência do aprendizado.
Por exemplo, um curso/proposta de aprendizagem de uma técnica em es-
pecial, como uma técnica de pintura, pode não proporcionar, naquele mo-
mento, a integração com a teoria da pintura, mas é certo que deve refletir,
como proposta, uma base teórica que sustenta o aprendizado e prática da-
quela técnica. O mesmo em sentido contrário. Uma teoria aprendida deve,
em essência, proporcionar reflexos na prática á partir deste aprendizado.
VI – Avaliação.
As “Formas de avaliação do ensino e da aprendizagem”, faladas nas diretri-
zes curriculares é o item que costumamos chamar, de forma mais simplifica-
da, de avaliação.
A avaliação, com seus critérios que devem ser bem claros, é o que permite,
ao fim da aplicação do projeto pedagógico, dimensionar se os objetivos fo-
ram, ou não, atendidos ao longo da proposta. Apresentadas num projeto
pedagógico, as formas de avaliação são variáveis e tantas quantas forem
possíveis de acordo com os objetivos.
No entanto avaliação não é, nem deve ser “prêmio” ou “punição”. Cumprir
uma etapa de uma proposta só deve merecer atribuição de valores se isto o
cumprimento da etapa for condição para atendimento dos objetivos traça-
dos originalmente.
Avaliar tem sido ao longo do tempo uma das principais dificuldades dos pro-
fissionais de educação. De arte/educação inclusive. Tanto que existem vários
e vários volumes escritos sobre o tema. Independente do tipo que seja es-
colhido para avaliar uma proposta é importante ter em mente que a clareza
de critérios de avaliação é fator preponderante de sucesso de uma proposta
pedagógica. Qualquer uma. Para avaliar é preciso saber o que avaliar!
VII – Bibliografia
A bibliografia é uma listagem dos documentos utilizados como referência
na construção da proposta de projeto pedagógico. É pela bibliografia sele-
cionada que se constroem as bases de sustentação teórica com que a pro-
posta dialoga para efetiva construção de conhecimento depois de realizado
o percurso.
Há normas para a citação bibliográfica para os diversos tipos de materiais
que podem ser vir de base de uma proposta. Livros, revistas, sites, discos e
demais suportes e dispositivos multimídia, enfim, qualquer material utiliza-
do como referenciação em uma proposta deve ser listado na bibliografia na
forma como regulamente a ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas.
VIII – Esquema simplificado
Cada uma das áreas de um projeto pedagógico deve, em essência, atender
e responder a uma questão específica:
1. “onde estou?” – introdução.

76
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2. “onde quero chegar?” – objetivos.


3. “por que fazer?” – justificativa.
4. “o quê fazer?” – cronograma.
5. “como fazer?” – metodologia.
6. “deu certo?” – avaliação.
7. “quem me ajuda?” – bibliografia
Um bom projeto pedagógico elabora e procura responder a estas perguntas
como forma de roteiro ao percurso a ser percorrido na aplicação do projeto.
Jurema Sampaio é Mestre em Artes Visuais, especialista em Ensino e Produ-
ção de Arte, licenciada em Arte-Educação, Desenho e Artes Plásticas (PUC-
Campinas). Atualmente cursa Doutorado. Professora Universitária.

As ações para nossa atuação com a cidade educativa devem ser distribuídas
pelo tempo de curso da última unidade de estudos dessa disciplina: a efeti-
vação das três etapas da ação pedagógica. Assim, sugerimos um esquema de
cronograma para um Plano de Ação.
Plano de Ação

Etapas Período Ação Objetivo Interlo-


cutores
Primeiros contatos
Planejamento
inicial
Negociações
Elaboração do
projeto
Realização
Avaliação

3.2 Como pode ser nosso projeto com a cidade educativa?

Você deve estar lembrado dos estudos sobre a arte brasileira, as vanguardas,
os diferentes momentos da Historia da Arte. Vocês poderão ver que também na
história, todas as produções artísticas também são frutos da cultura humana,
localizadas, contextualizadas, e que os produtores destas obras também olha-
ram para os seus lugares. Em algum momento olharam para as suas regiões,
para os seus espaços e deixaram suas marcas, seus olhares, fazeres e pensares
registrados sob forma de arte. A arte aqui é vista como parte da cultura huma-
na, testemunhos destas diferentes apreensões do mundo e da vida.
a) Retome o exercício etnográfico realizado na unidade 1.2, “Proposta II : Es-
colha de um espaço educativo não formal”, quando você escolheu um lugar
/ espaço / territorialidade para a instalação de sua ambiência educativa, em
sua cidade;
b) Detecte os saberes naquele espaço e como esses saberes e aprendiza-
gens de organizam;
c) Entreviste pessoas envolvidas naquele contexto e busque pelas suas his-
tórias de vida;
d) Agende uma reunião envolvendo os diversos atores: Diretor? Supervisor?
Coordenador? Oficineiros? Gerente? O objetivo dessa reunião é, juntos, dis-
cutirem a elaboração de um projeto de intervenção pedagógica naquele
lugar.

77
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

Por que buscar pelas histórias de vida, nas entrevistas? Concordamos


com Carlos Brandão e consideramos a pertinência de se “puxar” a
entrevista pelo fio da vida, pois:

Existem pessoas para quem o melhor caminho, em que elas se sentem respeitadas e valorizadas,
é quando se perguntam coisas que têm a ver com a comunidade, a partir da experiência delas [...].
Muitas vezes é interessante num caso começar a pesquisa por um fio de vida, por uma história de
vida (p.19).

As ações pedagógicas são condicionadas pela visão de mundo de seu


autor. Assim, as concepções que o(a) professor(a) de artes visuais tem sobre
educação, cultura, escola, arte e ser humano condicionam o tipo de ação
pedagógica que ele(a) planeja e que, efetivamente, realiza. Seus objetivos,
conteúdos, os tipos de avaliação que empreende e, sobretudo, talvez, os mé-
todos que constroem para sua atuação em ‘sala de aula’ (ou para quaisquer
ambiências pedagógicas que sejam instaladas), serão, sem dúvida, também
estabelecidos de acordo com tais concepções - de forma consciente ou não.
Para o planejamento dessa intervenção pedagógica, reafirmamos a ne-
cessidade de revisões conceituais, já discutidas no Estágio 1 (Referência, p.
111), quais sejam:

1 - Repensar a educação na cena cultural contemporânea;


2 - Repensar os conceitos de arte / educação / cultura: aproximar os nos-
sos conceitos com abordagens culturais para educação e a perspectiva
da cultura visual para a arte.
3- Aproximação do conceito de comunidade; a escola expandida e o con-
ceito de cidade educativa, conforme discussão das unidades anteriores
deste texto;
4 - Repensar o sentido ou ressignificar a relação entre o aprender e o en-
sinar: repensar o papel do professor e do aluno, nesse contexto;
5 -Pensar com as ferramentas midiáticas: passagem de uma didática ins-
trumental para uma Arte/Educação, aproximando-se de uma pedagogia
crítica.

Além desses seis itens, chamamos a atenção novamente para nossos


conceitos sobre estágio (pesquisa qualitativa e etnografia; o professor como
um investigador), conforme discutido na entrada dessa unidade. Contudo,

Esses seis itens listados não esgotam nossa necessidade de revisão, mas servem, no momento,
para indicar que precisamos investir em outro tipo de competência: a competência para não ter
competências prontas, fixas. (ESTÁGIO I, p. 112).

Competência para não ter competências prontas, fixas... E se nos depa-


rarmos com um espaço diferente do que estamos acostumado(a)s, com nos-
sas ‘aulas’? Precisamos imaginar os mais variados espaços não formais por
onde transitaremos, em nossas escolhas com a cidade educativa.Vamos re-
fletir, por exemplo, com a experiência da professora Fayga Ostrower, com os
trabalhadores de uma fábrica; em seu livro Universos da Arte ela nos conta

78
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

que desenvolveu sua intervenção pedagógica em um galpão, em uma mesa


de tábuas (onde os trabalhadores faziam suas refeições), utilizando figuras
impressas (cartazes)...
O trabalho pedagógico, como toda atividade humana, só pode ser con-
siderado conseqüente se foi adequado ao fim pretendido, ou seja, só terá
sido conseqüente se provocou a concretização daqueles objetivos estabele-
cidos. As intervenções pedagógicas realizadas até aqui não se constituíram
com um fim em si mesmas, evidentemente. Mesmo nossas pequenas in-
tervenções com esta disciplina são mediações com uma finalidade educa-
cional. Para a avaliação de menores ou maiores êxitos em nossos processos
de aprendizagem com a cidade educativa devemos buscar pela consecução
dos objetivos. “Por isso é que se pode dizer que ensino e aprendizagem são
duas faces de uma mesma moeda. Não pode existir uma, se não existe a ou-
tra. Não há ensino, se não se deu o aprendizado.” (PARO, 2001, p. 37).
Consideramos que a avaliação educacional acontece em função do en-
sino aprendizagem. Assim, ela sempre se remete aos objetivos estabeleci-
dos. Estes, por sua vez, remetem-se aos conceitos de educação, conceitos
de arte e de ser humano, presentes na intervenção pedagógica proposta
e de acordo com os valores e opções filosóficas de seu ator(a), futuro pro-
fessor de artes visuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Qual é o valor de nossa intervenção, para nós e para as pessoas com as


quais nos relacionamos, nesse lugar escolhido da cidade educativa?
Durante todo o tempo estivemos avaliando: antes, durante e depois...
Precisamos ter consciência dessa avaliação ‘contínua’, quando reorientamos
o nosso caminhar, enquanto caminhamos mesmo: ajustamos a rota, a todo
o momento. A necessidade dessa consciência e reflexão sobre as reorien-
tações que acontecem, ‘naturalmente’ no processo, são muito necessárias:
Como foi aquele espaço (fértil de aprendizagens), que ficou entre o plano
que você fez para suas ações e os acontecimentos que, de fato, se efetivaram
com você, no lugar que você escolheu? E, novamente: como foi a diferença
entre seu plano de ‘aula’ e a intervenção que, de fato, se efetivou? Importa
tomar consciência sobre as alterações do trajeto!
Mas e agora? Qual o significado da ação - não só para nós, mas para to-
dos os envolvidos?
Quais foram as motivações? Todos tivemos consciência de estar no pro-
cesso? Como os participantes (inclusive nós, evidentemente), depois de con-
cluído o processo, nos apropriamos dos conhecimentos construídos, para
nossas vidas pessoais, profissionais...?
Quais foram as mudanças? Transformações? Tomadas de consciência? Qual
é o valor de uma experiência como essa? Mesmo as mudanças que podemos
considerar ‘pequenas’, devem ser acolhidas, consideradas, valorizadas: se trans-
formou-se a parte, o todo também já não é mais o mesmo....
Assim, avançamos para uma compreensão mais realística do processo. Como
diz Madalena Freire, se perdemos a ilusão é para revitalizar nossos sonhos, de-
senvolvendo condições e nos instrumentalizando para sonhos mais reais.

79
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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81
3
Ateliê de Poéticas Visuais
Contemporâneas
Prof. Msc. Paulo Veiga Jordão
APRESENTAÇÃO

Caros Alunos,

Por outro lado, o Capitalismo saíra renovado e fortalecido da grande catás-


trofe. Após terem enfrentado uma longa recessão mundial por toda a década
de trinta, os agentes capitalistas (principalmente os EUA) viram na guerra uma
boa oportunidade de aquecerem o mercado da indústria armamentista (e de
Prof. Msc. Paulo toda uma vasta produção industrial exigida pelo estado de guerra, como, por
Veiga Jordão exemplo, a metalurgia e a indústria têxtil), e encontraram na reconstrução dos
territórios destruídos a oportunidade de solidificarem ali as suas bases ideológi-
cas e mercadológicas.
Este é o cenário onde surge e se desenvolve a Arte Contemporânea, o
mundo capitalista da segunda metade do século (em constante Guerra Fria
com o bloco comunista), que caminha para a pós-modernidade ; um mundo
caracterizado pela proliferação de marcas e pela aceleração do consumo,
pela diversificação e popularização dos canais de mídia, marcado pela corri-
da ao espaço, que chegaria ao auge com a conquista da Lua em 1969, e por
intensas agitações políticas na América e na Europa, por guerras sangrentas
como a do Vietnã, nos anos 60, ou tecnológicas como a Guerra do Golfo, no
início dos anos 90, e pelo acirramento de um negativismo na cultura e na
arte que permanece até hoje.
Este negativismo cultural, que nos anos 60 foi chamado de Contracultura,
é um dos elementos definidores da Arte Contemporânea. Qualquer obra, para
ser contemporânea, deve conter esta célula contracultural, crítica, negativa.
Neste sentido, a Arte Contemporânea descende diretamente das iniciativas
antiartísticas da primeira metade do século, como as soirées futuristas, a ico-
noclastia dadaísta e, sobretudo, as operações de Marcel Duchamp. Em todos
estes casos, o negativismo presente é tributado ao estado de desilusão e crise
do século XX que, tendo já mostrado seus contornos na primeira metade do
século, encontra sua forma definitiva na segunda metade.

*Curriculo: Artista plástico formado pela FAV-UFG (1991) é Mestre em Publicidade e Produção Simbólica pela ECA-USP
(1998). Atua como professor na FAV desde 1994 nas áreas teóricas e práticas da Arte Contemporânea tendo experimen-
tado desde 1990 diversas linguagens como artista plástico, sendo estas: pintura, escultura, instalação, performance e
vídeo. Suas principais exposições coletivas são: Rumos - Itaú (2000), Panorama da arte Brasileira (2005), Projeto FIAT
Mostra Brasil (2006). Atualmente, atua com o Grupo Empreza, coletivo dedicado a produção em performance e vídeo,
com quem já se apresentou em diversas capitais brasileiras e também no exterior.

84
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Neste módulo, então, rastrearemos a arte que se nos mostra hoje, que
comumente vemos nas Bienais, nos salões de arte e nas exposições de arte
contemporânea ; é a arte que, nas últimas décadas, vem dando respostas e
se posicionando diante de uma realidade pós-moderna e tecnológica carac-
terizada por mudanças velozes e drásticas.

Bom estudo!

Dados da Disciplina

Ementa

Desenvolvimento do fazer artístico em variadas linguagens e manifes-


tações; Laboratório de pesquisa sobre as poéticas contemporâneas; Inves-
tigação de inter-relações entre cultura erudita, popular e indústria cultural.

Unidades
INTRODUÇÃO
UNIDADE 1 – A NOVA ICONOGRAFIA
1.1 O Novo Realismo
1.2 O Neo-Dadaísmo
1.3 A Arte Pop
UNIDADE 2 – TENDÊNCIAS REDUTORAS
2.1 A Op-Art
2.2 O Minimalismo
2.3 O Pós-Minimalismo
2.4 A Arte Povera
2.5 A Arte Conceitual
UNIDADE 3 – NOVOS MEIOS E LINGUAGENS
3.1Intervenções na natureza e no meio urbano
3.2 O Happening
3.3 A Performance
3.4 Fotografia e Vídeo
UNIDADE 4 – DOS 80 PARA CÁ
4.1 Neo-expressionismo
4.2 A Transvanguarda
4.3 O Neoísmo
4.4 Arte e Tecnologia/ Arte e Ciência

85
Unidade 1
A Nova Iconografia

A Arte Moderna que vigorou na primeira metade do século XX foi,


essencialmente, avessa à imagem da realidade. Entre as vanguardas,
o Cubismo, o Expressionismo e a arte abstrata promoveram um distancia-
mento gradual e inexorável entre a imagem artística e as imagens da reali-
dade e, de fato, apenas no Surrealismo poderemos encontrar alguma repre-
sentação pictórica de objetos reais (sobretudo em Magritte e em Salvador
Dalí), porém, contextualizados em situações surreais.
Profundamente anti-realistas, os artistas modernos se negavam
a olhar a impressionante revolução visual que passou a tomar as cidades :
Automóveis, aviões, motocicletas, fotografia e cinema, a imprensa, produ-
tos de consumo de toda ordem, além de cartazes (Ver Figura 01), fachadas,
letreiros, rótulos, embalagens, etc ( o Capitalismo, usando como instru-
mentos, além da produção industrial serial, o Design, a Publicidade e os
Figura 01 -.Mimmo Rotella. meios de comunicação, tornou-se o maior produtor de imagens de toda
Marilyn – 1961.
a história humana).
A primeira metade do século XX veria, assim, surgir todo um novo repertó-
rio de imagens, de ícones próprios ao capitalismo industrial e à sociedade de
consumo, sem que os artistas do período, em sua maioria, dessem conta disto.
Dois artistas modernos, porém, tomaram o caminho oposto ao da maio-
ria, e não só foram muito atentos ao vasto novo repertório visual da socie-
dade moderna, como se apropriaram destas imagens em seus trabalhos,
eles são Marcel Duchamp e o dadaísta Kurt Schwitters.
Duchamp usou produtos intrustrializados como um moderno vaso sa-
nitário, uma roda de bicicleta, além de cartões postais e outros impressos
em seus trabalhos. Não os representava numa pintura, mas capturava-os
e os exibia como Ready-mades. Também Schwitters colecionava todo tipo
de pequeno dejeto moderno que pudesse coletar nas ruas (Bilhetes de
trem, pregos, grampos, fósforos, fragmentos de jornais e revistas, botões,
arames e fios elétricos, etc.) com os quais montava suas assemblagens.
Assim, enquanto um Mondriam levava às últimas consequências o ímpeto
iconoclasta moderno, estes dois artistas tratavam de investigar a nova e im-
pressionante geração de ícones (imagens) surgida no Capitalismo.
Em meados dos anos 50, ainda na esteira do pós-guerra, jovens artistas na Eu-
ropa e nos EUA viriam a recuperar e continuar o trabalho iniciado por Duchamp
e Schwitters. Saturados com o sentimentalismo solitário e vazio do Expressio-
nismo Abstrato, estes artistas, inspirados naqueles velhos mestres, elegeram
a realidade social, a cidade e a rua, o supermercado e as salas de cinema, a

86
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

publicidade e a indústria como campos onde recolheriam todo um novo e


surpreendente repertório material e imagético para sua produção artística.
Após estar décadas de olhos fechados para a realidade, a Arte novamen-
te desperta e olha para fora. O novo e profundo envolvimento entre o artísti-
co e o real que resultou daí seria o foco de pelo menos três movimentos dos
anos 50 e 60 : O Novo Realismo, o Neo-dadaísmo e a Arte Pop.

Figura 02 .Tinguely. Metamático –


1.1 O Novo Realismo 1959.

No fim dos anos 50, em Paris, o crítico Pierre Restany (1930-2003) teste-
munhou uma sequência de eventos onde uma novíssima geração de artis-
tas radicados na França propunha um caminho totalmente diverso daquele
do então celebrado Tachismo.
O primeiro destes eventos foi a exposição-manifesto “O Vazio“ de Yves
Klein (1928-1962), ocorrida na Galeria Iris Clert, em 1958. Nesta exposição,
Yves Klein, tendo pintado as paredes da galeria de branco, manteve-as rigi-
rosamente nuas, e apenas sua presença (a do artista) no local, sensibiliza-
va-o e tornava-o um espaço de arte. Em 1959, na Bienal de Paris, dois artis-
tas se destacavam: Tinguely (1925-1991) surgiu com seus “Metamáticos“
(Ver Figura 02), que eram máquinas que desenhavam, usando um braço me-
cânico que segurava um lápis ou pincel; Raymond Hains (Figura 03) apre-
sentou seus tapumes, retirados das ruas, cobertos de cartazes rasgados.
No Salão de Maio, o escultor Cesar (1921-1998) apresentou seus car- Figura03. Raymond Hains.
cartazes rasgados colados em
ros apreendidos em ferros-velhos e prensados em blocos de metal retor- folha de zinco - 1960.
cido. Em 1960, também na galeria Iris Clert, o artista Fernandez Arman
(1928) realizou a exposição-resposta a Yves Klein: Encheu a galeria de lixo,
até o teto, e intitulou a mostra de “O Cheio“.
Restany percebeu nestes, e em outros artistas de sua geração, a influência
do Dadaísmo e de Duchamp, bem como o ímpeto de trazer novamente uma
reflexão sobre a realidade para a obra de arte e, em 1960, fundou o movimen-
to “Nouveau Réalisme“, ou Novo Realismo. Seus principais integrantes foram
Yves Klein, Tinguely, Cesar (Figura 04), Arman, Raymond Hains, Martial
Raysse, Spoerri, Dufrene, Villeglé, Mimmo Rotella (1918) e Niki Saint-
Phalle (1930-2002). Posteriormente, o artista búlgaro Christo (1935), se jun-
taria ao grupo. O Novo Realismo durou apenas até 1963, tendo um vida curta
mas ativa e influenciando determinantemente as futuras gerações.
Como característica geral do movimento há o fato de todos estes artistas
terem como estratégia artística o gesto de apropriação do real inaugura-
do por Duchamp; todos eles promoviam apropriações, ou seja, capturavam
objetos e outros aspectos da realidade para elevá-los à condição de obras
de arte. A começar por Klein que, segundo Restany, pretendia ativar uma
Figura 04.Cesar.
“sensibilidade cósmica“ em sua obra. A intenção de Klein ficou clara quando Compressão – 1960.
ele elaborou e se apropriou de um pigmento industrial azul, propondo-o
como arte; este pigmento é conhecido como IKB (International Klein‘s Blue),
e Klein o utilizou para revestir diversos objetos, para produzir telas e para
realizar suas célebres performances intituladas “Antropometrias“, em que
ele usava mulheres nuas como pincéis vivos para pintar em grandes telas
(Ver Figuras 05 e 06).

87
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Foram usadas as mais diversas estratégias para se apropriar da realidade


contemporânea: Arman construía esculturas formadas a partir do acúmulo
(repetição) de um mesmo objeto industrializado (Ver Figura 07), como fer-
ros de passar, máquinas de escrever ou barbeadores elétricos, além de reali-
zar performances onde destruía sistematicamente instrumentos musicais e
aparelhos de televisão.

Figura 05 - Yves Klein. Antropometria – 1961. Figura 06 - Yves Klein. Detalhe.


Antropometria – 1961.

Rotella e Hains apropriavam-se de tapumes pichados e com mui-


tas camadas de cartazes colados, retirando-os diretamente da rua para
a galeria. César produziu uma grande série de carros comprimidos,
e depois passou a realizar esculturas feitas com resinas industriais expansi-
vas. Tinguely produziu um grande conjunto de máquinas, além de suas céle-
bres máquinas de desenhar; como as suas máquinas auto-destruidoras, cujo
melhor exemplo foi a que ele usou no Happening “Homenagem a N. York“,
de 1960 : Uma torre onde se misturavam bicicletas, carrinhos, rádios, moto-
res a explosão e até um piano de cauda, e que se auto desmantelou ruidosa-
mente diante do público. Já Christo desenvolveu uma estratégia que utiliza
até hoje: ele embrulha coisas; inicialmente objetos pequenos, depois gran-
des monumentos, tudo pode ser embrulhado pelo artista (Ver Figura 08).
Ainda, Spoerri desenvolveu o conceito de superfície-armadilha: Numa
mesa, por exemplo, tudo o que sobrou de um jantar, dos talheres às migalhas,
é colado no lugar, e depois a mesa é exibida na vertical, como uma pintura (Figura 09).

OLHO VIVO
Principais Artistas do neo-realismo são Yves Klein, Fernadez Arman,
Tinguely, Cesar, Villeglé, Raymond Hains, Daniel Spoerri, Mimmo Ro-
tella, Niki Saint-Phalle, Christo.

88
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS
1.2 O Neo-Dadaísmo

O Neo-Dadaísmo ocorreu em N. York, a partir de meados dos anos 50,


e foi fortemente ligado à cultura visual norte-americana. É um movimento
irmão do Novo Realismo, tendo surgido no mesmo período, e com várias
idéias em comum, como o uso recorrente das estratégias de Duchamp e
Schwiters. Assim como seu correlato Francês, o Neo-Dadaísmo surgiu na
América como uma reação ao Expressionismo Abstrato, então uma corrente
hegemônica na arte. Seu gesto inicial pode ser considerado o de Robert
Rauschemberg, em 1953, quando adquiriu um desenho de De Kooning, um
dos mais célebres expressionistas abstratos e, uma vez em seu estúdio, apa-
gou todo o desenho; depois emoldurou o papel branco e o chamou de “De
Figura 07 - Arman. Máquinas de
Kooning apagado“. escrever – 1962.
No início dos anos 60, os neo-dadaístas reencontraram Marcel Duchamp,
então praticamente esquecido, morando em N. York e levando uma vida
pacata como professor de francês e enxadrista. Os neo-dadaístas foram res-
ponsáveis pelo resgate de boa parte da obra do velho mestre, ainda antes
de seu falecimento em 1968.
O Neo-Dadaísmo tem em comum com o Novo Realismo a reutilização
das manobras de Duchamp e Schwiters, bem como a extrema atenção dada
ao repertório de imagens gerado pela sociedade contemporânea. Também
pode se notar que ambos os movimentos herdaram do Dadaísmo uma
aversão aos sistemas sociais burgueses, particularmente ao sistema de Arte.
Neste sentido, estes movimenos produzem obras que tendem a desafiar
a noção corrente (burguesa) de “bom-gosto“ Os artistas querem cada
vez mais dificultar que seus trabalhos sejam absorvidos pelo sistema Figura 08 - Christo. Le Diable - 1963.
como mero objetos comerciais; incorporação de lixo e sucata nos tra-
balhos, por exemplo, dificultam o seu apelo comercial.
Rauschemberg é a figura mais controvertida do movimento. Além do ges-
to de apagar o desenho de De Kooning, ele ainda executa outro gesto
fundador quando, em 1961, convidado a realizar o retrato da galerista Iris
Clert, de Paris, ele enviou um telegrama com o seguinte texto: “Este é um
retrato de Iris Clert, se eu disser que é“.
Porém a volumosa obra de Rauschemberg é melhor ilustrada por suas as-
semblagens, onde ele acumulava os mais diverrsos elementos contempo-
râneos, como máquinas velhas e pneus, misturando-os a elementos mórbi-
dos, como animais empalhados (Ver Figura 10); também capturava fotos
e ilustrações de revistas, tranferindo-as para outra superfície com o uso de
solvente e a técnica de frotagem. Por vezes, sobre tudo, ele ainda aspergia Figura 09 - Spoerri. S. Título - 1965.
tinta, imitando sarcasticamente o gesto dos expressionistas abstratos.
Jasper Johns é basicamente um pintor. De forma pioneira, ainda em
meados dos anos 50 ele dirige seu olhar para o repertório visual do coti-
diano, e decide pintar imagens emblemáticas e populares, como réplicas
da bandeira norte-americana (Figura 11) e alvos. A figuração de Johns
será uma das bases para a o aporte da Pop arte, anos mais tarde.
Já Chamberlain vai se interessar pelas máquinas modernas, principal-
mente carros, assim como César. Mas, ao contrário de César, Chamber-
lain não comprime os carros, antes os desmancha, desmonta-os recor-
tando suas latas, retorce-as e as expõe como esculturas (Ver Figura 12).

89
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Figura 10 - Rauschemberg. Monograma – 1958. Figura 11 - Jasper Johns. Flag – 1955.

Figura 12 - Chamberlain. Figura 13 - Hamilton. Figura 14 - Warhol.


Hatband – 1960. O que torna os lares de hoje tão Nove Marilyns – 1967.
atraentes? – 1956.

1.3 A Arte Pop

Embora tenha se desenvolvido nos Estados Unidos, a Arte Pop nasceu na


Inglaterra. A denominação Pop foi empregada em 1954 pelo crítico in-
glês Lawrence Alloway para referir-se aos produtos da cultura de massas.
Também foi ali que organizou-se, ainda nos anos 50, o primeiro grupo de
artistas pop, cujo nome mais destacado é o de Richard Hamilton (1922).
O papel de Hamilton é fundamental: Ele era um entusiasta de Duchamp,
e foi o primeiro a realizar uma retrospectiva do mestre em Londres; além
disto, uma obra sua intitulada “O que torna os lares de hoje tão atraentes“
(Figura 13), de 1956, é considerada o primeiro trabalho de Pop-Arte.
A partir do início dos anos 60, a Arte Pop se tornaria um fenômeno
de sucesso, encontrando seus contornos definitivos nos Estados Uni-
dos, principalmente em N. York.

OLHO VIVO

Os principais artistas do Neo-Dadaismo são Robert Rauschemberg


(1925-2008), Jaspers Johns (1930) e John Chamberlain (1927).

90
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

A Pop-Art (Arte Pop ou Pop-Arte), como o nome sugere, apropriou-se


do aspecto visual mais popular da realidade contemporânea: A cultura
dos meios de comunicação. Sua iconografia estampa o universo visual
que, na década de 60, dominava o ocidente capitalista, composto de
imagens oriundas da Publicidade, dos rótulos e marcas, dos objetos de
consumo, das mídias impressas (jornais e revistas), da Televisão e do
Cinema. Tendo tido enorme divulgação, a Pop- art vigorou por toda a
década e também influenciou o Design e a Publicidade. Figura 15 - David Hockney.
A Bigger Splash – 1967.
Embora a Pop-Art produzisse esculturas e, em menor escala, objetos,
instalações, performances e vídeos, sua linguagem preferencial é a pin-
tura. Neste caso, os temas tradicionais da pintura são revistos em ótica
contemporânea: Os célebres retratos dos nobres e ilustres do Renas-
cimento, por exemplo, são substituídos por retrados de celebridades
da mídia, como Marilyn Monroe. Também a técnica é revista; a forma
tradicional de pintar é substituída, em muitos casos, pelo uso de es-
tênceis, técnicas de impressão gráfica e de serigrafia (Ver Figura 14).
Além de Hamilton, outro artista inglês com destaque na Arte Pop é Figura 16 - Lichtenstein.
Blam – 1962.
David Hockney. Radicado nos Estados Unidos, Hockney especializou-se
em retratar a vida ensolarada da burguesia californiana. São célebres as
telas onde ele as piscinas das mansões com extremo virtuosismo (Ver
Figura 15).
Lichtenstein foi sempre fiel à sua técnica, onde reproduzia a estética das
histórias em quadrinhos. Suas telas ão grandes e coloridas, reproduzem
o que seria um único quadro extraído de uma HQ, inclusive os balões
de diálogo (Ver Figura 16). A retícula gráfica utilizada nas impressões Figura 17 - Oldemburg.
Floor burger - 1962.
off-set também é ampliada e reproduzida. Aparentemente ingênuas,
as obras de Lichtenstein revelam, num segundo momento, uma ironia
fina que comenta a banalização da cultura.
Claes Oldemburg é sueco de nascença, radicado nos Estados Unidos.
Ao contrário da grande maioria dos artistas pop, que praticavam a
pintura, Oldemburg escolheu a escultura. Inicialmente fazia réplicas
de estantes de guloseimas e presuntos (Ver Figura 17); posteriormente
desenvolveu a sua série de objetos moles, esculturas feitas em vinil
costurado para parecer um telefone, um vaso sanitário, etc. Também é
célebre a sua série de objetos gigantes, onde representações de obetos
como uma pá de pedreiro são realizadas centenas de vezes acima da
escala real. O resultado é a representação gigantesca de um objeto Figura 18 - Warhol.
comum interferindo na paisagem. Pepsi - 1962.
Andy Warhol foi figura mais conhecida e mais controvertida da Arte
Pop; atuou com escultura e cinema, foi escritor, promoter, produtor
musical, mas celebrizou-se como pintor. Mostrou sua concepção da
produção mecânica da pintura em substituição ao trabalho manual
em seu estúdio, chamado The Factory (A Fábrica), onde telas eram
produzidas em serigrafia, em ritmo industrial. Seus motivos eram
variados: Retratos de ídolos da música popular e do cinema, como
Elvis Presley e Marilyn Monroe, imagens da publicidade de produ-
tos populares como Coca-cola, Pepsi (Figura 18), Brillo (Figura 19)
e Sopa Campbell (Figura 20), imagens de desastres e eventos políti-
cos extraídas de jornais, etc. Figura 19 - Warhol. Caixas
Brillo – 1964.

91
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Figura 20 - Andy Warhol. Sopa Campbell – 1964.

OLHO VIVO
Os principais artistas da Pop Art são Richard Hamilton, David Hockney
(1937), Andy Warhol (1928-1927), Roy Lichtenstein (1923-1997) e Claes
Oldemburg (1929).

92
UNIDADE 2
Tendências Redutoras

De maneira geral, a quase totalidade das vanguardas da primeira metade


do século XX operaram com manobras redutoras, principalmente aquelas
com tendência geométrica, como o Cubismo, o Suprematismo e o Neoplas-
ticismo. Nestes casos, a obra de arte era cercada de preceitos rígidos, redu-
tores; como é o caso extremo de Mondrian, para quem a pintura reduzia-se
a um jogo de linhas horizontais e verticais, e cores primárias e neutras.
A segunda metade do século verá ressurgir esta tendência redutora em
novos movimentos, que veremos a partir de agora.

2.1 A Op-Art

O nome Op-art vem do inglês optical art (arte óptica), e foi usado pela
primeira vez em 1965, na revista Times, para designar uma tendência que,
derivada da pintura geométrica abstrata da primeira metade do século XX,
utilizava padrões geométricos para provocar efeitos visuais e ilusões de óp-
tica (Ver Figura 21).
Não houve um movimento coeso ou um grupo ligado à Op-Art; portanto,
trata-se mais de uma tendência. Esta tendência ganhou força na metade da
década de 1950, mas passou por um desenvolvimento relativamente lento.
Enquanto o Pop era tremendamente popular, o Op era para poucos admi-
radores. Apenas em 1965 foi organizada a primeira exposição de Op Art, no
Museu de Arte Moderna de Nova York. A mostra foi chamada “The Respon- Figura 21 - Vasarely.
Vega-nor - 1969.
sive Eye” (O Olho que Responde), título que aludia ao caráter interativo da
Op-Art, uma vez que ela pede uma participação ativa do olho do espectador.
Sem o ímpeto contestador e crítico dos novos realistas, ou da Arte Pop, a
Op-Art parece excessivamente cerebral e sistemática, reduzindo o leque da
obra de arte ao retirar dela qualquer possibilidade de “expressão“, deixando
apenas os aspectos visuais. A Op-Art é basicamente geométrica e abstrata.
Em suas pinturas, a repetição de padrões e formas gera imagens que explo-
ram a falibilidade do nosso olho, provocam ilusões de movimento e sensa-
ções cromáticas conforme é possível perceber na Figura 22.

OLHO VIVO
Os principais artistas da Op Art são Victor Varasely, Richard Anusziewicz,
Bridget Riley, Ad Reinhardt, Kenneth Noland e Larry Poons.
Figura 22 - Bridget Riley.
Movimento com quadrados – 1961.

93
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

2.2 O Minimalismo

O Minimalismo (Minimal Art) teve lugar no início dos 1960 em Nova York
e se estenderia para além das Artes Plásticas, chegando à Música, ao Design,
ao Teatro e à Dança. O termo firmou-se em 1966, depois que R. Wollheim
se referiu à produção artística dos anos 60 como concebida a partir de
“conteúdos mínimos”.
Num cenário marcado pela emocionalidade do expressionismo abstrato,
e pelo apelo popular da Arte Pop, o Mimalismo surge cerebral, programáti-
co e duro, herdeiro das estéticas rigorosas de Malevitch e Mondriam. Porém,
enquanto as escolas geométricas abstratas da primeira metade do século
davam preferência para a pintura, o Minimalismo será um movimento que
enfatizará a escultura. Suas obras são quase sempre despojadas, neutras,
modulares e acentuam a repetição. São formas elementares, geométricas,
que recusam acentos ilusionistas e metafóricos, construídas com mate-
riais industriais, como vidro, aço, acrílico, placas de metal ou de cerâmica
(Ver Figuras 23 e 24), entre outros.
Totalmente anti-semântico, o Minimalismo nega qualquer possibili-
dade de significado na obra de arte. Suas esculturas não contém sentidos
ocultos, efeitos expressivos, elementos poéticos, formas simbólicas, nunca
são figurativos e nunca devem comunicar rigorosamente nada, a não ser
a sua simples presença física. A obra é o que é, um objeto material e não um
veículo portador de idéias ou emoções; e nesta simplicidade mínima deve
ser oferecida ao público.
Judd é o minimalista mais conhecido de sua geração. Seu trabalho
é preferencialmente realizado em metais como cobre, latão, aço; e invaria-
velmente se compõe de módulos geométricos, como caixas metálicas, que
se repetem ordenadamente no espaço, em intervalos matematicamente
calculados (Ver Figura 25).

Figura 25 - Donald Judd. S. tit. 1975.

Figura 23 - Donald Judd. Figura 24 - Carl Andre. Figura 26 - Carl Andre.


S. tit. - 1970. Equivalent VIII – 1966. Quadrado 10x10 de cobre – 1967.

94
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Figura 28 - Robert morris.


Labirinto - 1974.

Figura 27 - Dan Flavin. S. Tit. - 1964. Figura 29 - Robert Morris.


Peça de feltro verde – 1984.

Andre também opta pelos módulos. Porém, ele evita construir ou enco-
mendar a feitura de peças moduladas, preferindo apropriar-se de módulos
industriais comercializados já prontos, como placas padronizadas de cobre
ou aço, blocos de cerâmica ou de madeira. Normalmente, Andre dispõe
estes blocos em conjunto, formando grandes quadrados ou retângulos no
chão, ou ainda outras formas geométricas (Ver Figura 26).
Flavin optou por trabalhar com uma única matéria: A luz. Luz esta pro-
duzida por lâmpadas fluorescentes coloridas que irradiam cromaticamente
o ambiente (Figura 27). O resultado é um desenho na parede da sala, for-
mado pelas lâmpadas, e uma sutil matéria luminosa que toma conta do am-
biente a partir destas luzes, combinando uma ou várias cores utilizadas.
Outro artista que também se utiliza de formas metálicas modulares
é Morris, embora ele também gostasse de grandes peças metálicas únicas
que irrompiam no espaço, sem pedestal (como em Brancusi), como pura
presença material que se oferecia à nossa percepção. Na verdade Morris
é um artista de transição; após alguns anos dentro do rígido programa mini-
malista, ele começa a flexionar seu trabalho. Para isto foi fundamental a des-
coberta do feltro como matéria para as esculturas; sendo mole e maleável,
o feltro não é um bom material para o minimalismo. O resultado foi es-
culturas onde o rigor minimalista deixa-se contaminar pelo acaso e pelo
orgânico (Ver Figuras 28 e 29).

OLHO VIVO
Os principais artistas do Minimalismo são Donald Judd (1928), Carl An-
dre (1935), Dan Flavin (1933 - 1996), Robert Morris (1931).

95
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

2.3 O Pós-Minimalismo

O minimalismo “contaminado“ de Morris faz eco a toda uma nova


geração de artistas que, assim como ele, permitiram o uso de formas
e materiais orgânicos, com incorporação do acaso e do erro, em diálogos
mais eloquentes com o espaço. Estes artistas foram indistitamente chamados
de pós-minimalistas já a partir do fim dos anos 60. Eles ganhariam força
por toda a década de 70, embora não formassem um movimento coeso
e programaticamente coerente como seus antecessores minimalistas,
e fossem mais uma tendência.
Em comum com os minimalistas, esta nova geração tinha a idéia de uma
obra que fosse pura presença física e sensorial, avessa a leituras, simbolismos
e interpretações. Porém, o rigor formal minimalista é desprezado em favor de
um repertório de formas menos rígidas, o que permitia a utilização de ma-
teriais industriais “moles“, como plásticos, borrachas e tecidos, por exemplo,
e também de materiais “orgânicos“, como gravetos, pedras brutas, terra, etc.
A Maioria dos pós minimalistas é ainda viva e atuante. Alguns mais co-
nhecidos são James Turrell (1941), Ellsworth Kelly (1923), Eva Hesse
(1936 - 1970) e Richard Serra (1939). Chamamos a atenção para Eva Hesse
que, em uma década importante para o processo de emancipação feminima,
surgiu com força em um cenário majoritariamente masculino, portadora
de uma obra vigorosa (Ver Figura 30). Destacamos também Richard Serra,
que ainda segue nos dias de hoje a sua estética pós-minimalista, produzindo
gigantescas esculturas com placas de ferro que desenham curvas, círculos
e elipses no espaço (Figura 31).
Na Europa (França), o principal herdeiro da estética minimalista é Daniel
Buren (1938), que segue, há décadas, a mesma manobra de interferir nos
espaços com padrões de listras brancas e coloridas. Buren também en-
comenda industrialmente os tecidos listrados e os vende a metro, como
se fossem pintura (Ver Figura 32).

Figura 30 - Eva Hesse. Figura 31 - Richard Serra. Figura 32 - Daniel Buren.


Accession II – 1968. Diversos Trabalhos – 2007. S. Tit. – 2007.

2.4 A Arte Povera

O termo Arte Povera, que traduz-se do italiano por “Arte Pobre“, foi criado
pelo crítico Germano Celant, em 1967, para designar um grupo de artistas, a
maioria radicados na Itália, que aplicavam princípos estéticos, técnicos e ma-
teriais redutores (pobres) em suas obras. O movimento tornou-se conhecido

96
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Figura 33 - Mario Merz. Ligotto - 1968. Figura 34 - Michelângelo


Pistoletto. Vênus dos trapos - 1969.

com a exposição no Museu Cívico de Turim, Organizada por Celant e pela


crítica norte americana Lucy Lippard, em 1970.
O conceito de “pobreza“ estava ligada às manobras estéticas elementares,
e ao uso de materiais simples extraídos do cotidiano e aparentemente estra-
nhos ao universo da arte, como carvão, gravetos, areia, cavacos de madeira,
trapos, jornais velhos, espelhos, etc. Materiais que queriam ultrapassar as dis-
tinções entre arte e vida, entre natureza e cultura, e eram manipulados por
processos notadamente artesanais (Ver Figuras 33 e 34).
Celant escreve no catálogo da exposição de 1970:

Animais, vegetais e minerais participam do mundo da Arte. O artista sente-se atraído por suas pos-
sibilidades físicas, químicas e biológicas (...) – o nascimento de uma planta, a reaccão química de
um mineral, o movimento de um rio, a grama, terra ou neve...

Celant chama a atenção para o fato de que na Arte Povera o conceito de


“efemeridade“ era bastante explorado. Muitas obras eram propositalmente
efêmeras, e incorporavam sua fragilidade temporal e suas mudanças como
parte de sua poética. São emblemáticos, por exemplo, o trabalho onde Gio-
vanni Anselmo esmaga um pé de alface entre dois blocos de granito (Figura
35), e a exposição de Jannis Kounellis que consistia em doze cavalos vivos
dentro da galeria (Figura 36).

Figura 35 - Anselmo. Figura 36 - Kounellis. Cavalos - 1969.


S. tit. – 1968.

97
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

A Arte Povera opunha-se ao Pop, uma vez que não manipulava ícones
contemporâneos, e também ao minimalismo, uma vez que não adotava
a ordem racional ou as superfícies impecavelmente polidas dos minimalis-
tas. De fato, contrariando o vazio semântico proposto nas obras minima-
listas e pós-minimalistas, os trabalhos de Arte Povera não se negam à ela-
boração de significados poéticos; o próprio conceito de pobreza, no caso,
é entendido metaforicamente. Neste sentido, a Arte povera aproxima-se
mais das manobras dos novos realistas e neo-dadaístas, como herdeira
das lições de Duchamp e Schwiters.
Os pioneiros são Fontana e Manzoni, ambos já falecidos quando da
exposição de 1970. Fontana já havia algum tempo experimentava traba-
lhar uma pintura conceitual, ao mesmo tempo que física. Sua manobra era
realizar um ou mais cortes precisos, feitos com estilete, em telas monocromá-
Figura 37 - Fontana. S. tit. – 1962.
ticas (Ver Figura 37). Já Manzoni escandalizou a arte italiana quando, ainda
no início dos anos 60, realizou obras conceituais e performances.
Seu trabalho mais polêmico é o conjunto de latas onde ele conservou indus-
trialmente as próprias fezes; o trabalho se chama “merda de artista“ (Figura 38).
Embora anteriores ao movimento, estes artistas foram incluídos por Celant
no grupo de Arte Povera.

OLHO VIVO
Os principais artistas da chamada Arte Povera são Giovanni Anselmo
(1934), Alighiero Boetti (1940 – 1994), Luciano Fabro (1936 – 2007), Lu-
cio Fontana (1899 – 1968), Jannis Kounellis (1936), Piero Manzoni (1933
– 1963), Mario Merz (1925 – 2003), Michelangelo Pistoletto (1933).
Figura 38 - Manzoni.
Merda de artista – 1961.

2.5 A Arte Conceitual

A Arte Conceitual surgiu na Europa e nos Estados Unidos na década de 1960. O


termo “arte conceitual“ surgiu num texto de Henry Flynt, em 1961, onde ele defende
que os conceitos são a matéria da arte e por isso ela estaria vinculada à linguagem.
Porém, há que se dizer que toda a Arte Contemporânea é, pelo menos em par-
te, conceitual. Em movimentos como o Novo Realismo, O Neo-Dadaísmo, a Arte
Povera, e mesmo entre os minimalistas e pós minimalistas, é possível perceber que
as idéias e conceitos por trás da obra são, em muitos casos, mais importantes do
que suas carcterísticas físicas ou estéticas.
Figura 38 - Joseph Kosuth.
Uma e três cadeiras – 1963. Já para Duchamp o conceito ou a atitude mental tinha prioridade em
relação à aparência da obra. Neste sentido, a obra de Duchamp e Schwi-
ters é essencialmente conceitual. No início da segunda metade do século,
a ação de Rauschemberg, de apagar o desenho de Koonong, e, depois, de
mandar um telegrama para Iris Clert, como se fosse o seu retrato, anun-
ciava o recrudescimento desta posição, onde uma atitude mental era pro-
posta como obra. Alguns anos depois do gesto de Rauschemberg, em 1963,
Joseph Kosuth realizaria aquela que é considerada a primeira obra do novo
movimento, chamada “Uma e três cadeiras“ (Figura 38). A Arte conceitual vi-
gorou nas décadas de 60 e 70, e derivações de suas propostas são fortes até hoje.

98
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Para a Arte Conceitual o que importa é a invenção da obra, o conceito, que


é elaborado antes de sua materialização. Caso a obra venha a ser realizada,
não é exigido que seja construída pelas mãos do artista; ela pode ser realizada
por um técnico, segundo determinações do projeto.
Dentro da vasta produção dos anos 60 e 70, caraterizada pela diversi-
dade, é difícil, muitas vezes, determinar os limites do que pode ou não ser
considerado como arte conceitual.
Porém, havia um núcleo radical no movimento, que propunha a quase
total eliminação do objeto artístico, e sua substituição por elementos de lin-
guagem, como frases, palavras, conceitos, textos, documentos. Quando se
fala da Arte Conceitual como um movimento coeso, fala-se deste grupo, e é
destes artistas que trataremos a seguir.
Kosuth é considerado uma espécie de líder intelectual do movimento.
Sua obra “Uma e três cadeiras“, de 1963 é considerada fundadora, e ele
logo depois retiraria qualquer referência objetual em seus trabalhos, subs-
tituindo-os por conceitos. Em 1967, em sua série “Art as idea“ (Figura 39),
as imagens são substituídas por impressões com definições extraídas do
dicionário. Tornou-se célebre a exposição onde Kosuth ocupou as paredes
da galeria com definições de dicionário das palavras “arte“, “pintura“, etc.
Lawrence Weiner também trabalha no extremo da desmaterialização
da obra. Sua manobra consiste em declarar frases que sugerem imagens
mentais. Funciona assim: o espectador ouve ou lê uma frase, e uma imagem
é formada instantaneamente na cabeça. Como, por exemplo: “Uma caneta co-
mum lançada ao mar“. Weiner defende que, desta maneira, a obra não pode ser
um objeto de consumo, e ninguém pode ser proprietário exclusivo de qualquer
trabalho, uma vez que todos podem ter suas imagens mentais (Ver Figura 40).

Figura 39 - Kosuth. Figura 40 - Lawrence Weiner. Figura 41 - On Kawara. Today - 1967.


Art as idea – 1967. Tão longe quanto o olho pode ver - 2008.

O Japonês On Kawara desenvolveu (e ainda desenvolve) várias séries de


trabalhos conceituais. A série mais conhecida é a intitulada “Today“; nesta
série, Kawara se propõe a pintar uma tela, todos os dias, onde conste ape-
nas a data (dia, mês e ano) em que a tela foi pintada (Ver Figura 41).
Da alemanha, temos Hans Haacke, o principal artista conceitual de ori-
gem européia. Haacke celebrizou-se pelo conteúdo explicitamente político
dos seus trabalhos. Por exemplo, o trabalho Moma Poll, de 1970, que consis-
te de uma votação pública; o público deveria responder à pergunta que es-

99
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

tava escrita na parede e depositar a cédula em uma das duas urnas expostas
(Ver Figura 42). O texto era o seguinte:

Would the fact that Governor Rockefeller has not denounced President Nixon’s Indochina policy
be a reason for you not to vote for him in November ?
O fato do Governador Rockefeller não haver denunciado a política do Presidente Nixon para a
Indochina seria uma razão para você não votar nele em novembro?

A Arte Conceitual influencia, ainda hoje, gerações de artistas. A mais no-


tória herdeira contemporânea de suas propostas é a norte-americana Jenny
Holzer (1950). Holzer trabalha preferencialmente em espaços públicos, pro-
Figura 42 - move intervenções urbanas usando canais de publicidade, como out-doors
Haacke. Moma Poll – 1970. e painéis luminosos, para divulgar frases de efeito (Figura 43).

OLHO VIVO

Os principais representantes da Arte Conceitual são Joseph Kosuth


(1945), Lawrence Weiner (1942), On Kawara (1933) e Hans Haacke (1936).

Figura 43 - Jenny Holzer. Proteja-


me daquilo que eu quero – 1985.

100
UNIDADE 3
Novos Meios e Linguagens

A Arte Contemporânea é marcada pela busca, por parte dos artistas, de


novos meios de expressão, novos suportes, novos materiais e novas técni-
cas. Linguagens que haviam se mantido em estado embrionário, na primeira
metade do séc. XX, como a Performance e a Fotografia, ressurgem com for-
ça, firmando território no cenário artístico; outras linguagens surgem devido
a novas posições e idéias, como é o caso dos Happenings, e outras ainda
surgem devido à conquistas de novas tecnologias, como é o caso do Vídeo.
Figura 44 - Robert Smithson.
Spiral jetty – 1970.
3.1 Intervenções na natureza e no meio urbano

Ainda na primeira metade do séc. XX, o Dadaísmo já desafiava cons-


cientemente as noções de bom-gosto, de beleza e, particulamen-
te, questionava a obra de arte como objeto de desejo e propriedade.
O fato de que o burguês podia comprar arte em uma galeria com a mesma
facilidade e superficialidade com que comprava carne no açougue indignava
os artistas dadá que, como represália, passaram a aspirar a uma espécie de
obra de arte invendável, que não pudesse ser comercializada e nem pudesse
ser propriedade privada de um indivíduo.
É verdade que esta vontade foi, em boa parte, frustrada, uma vez que,
mesmo os mais anti-estéticos objetos produzidos pelos dadaístas foram,
com o tempo, reconhecidos, valorizados, comercializados e colecionados,
estando hoje em acervos particulares, ou em museus.
De qualquer maneira, este sonho de uma obra de arte que não pudesse ser Figura 45 - Christo. Islands
tratada como um objeto de consumo persistiu na segunda metade do século; Surroundeds – 1983.

já vimos como os neo-dadaístas e novos realistas reeditaram este projeto; tam-


bém a aridez visual do Minimalismo e da Arte conceitual denotam uma tentati-
va de esvaziar as propriedades estéticas e o apelo mercadológico da obra.
É neste contexto que surgem, na década de 60, os projetos de inter-
venção: os artistas começam a executar trabalhos em espaços públicos,
na cidade e no campo, provocando uma intervenção na paisagem, ou no
meio-ambiente. Estes trabalhos eram, algumas vezes, desmaterializados;
outras vezes eram enormes; eram, enfim, cercados de manobras que tor-
navam impossível o deslocamento a venda e a propriedade privada da
obra. Os trabalhos executados no meio natural ganharam o nome de
Land-art, ou Earth-art (não há uma tradução para o português) confor-
me podemos observar nas Figuras 44 e 45; aos trabalhos realizados nas
cidade, chamou-se Intervenção Urbana (Ver Figura 46). Figura 47 - Vik Muniz.
Nuvem – 2001

101
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Os trabalhos de caráter intervencionista perduraram dos anos 60 até os


dias de hoje; ainda se fazem muitos trabalhos de Land-Art e as Intervenções
Urbanas estão em alta. Um bom exemplo desta tendência na atualidade
vem do fotógrafo brasileiro Vik Muniz (1961), que tem, recentemente, reali-
zado e fotografado enormes desenhos feitos com pás mecânicas em gran-
des terrenos, e também usa aeroplanos para executar, com vapor, desenhos
quase infantis de nuvens nos céus das cidades (Ver Figura 47).
A Land-art é caractrizada pelos trabalhos excutados no meio natural
(campo, praia, montanha, deserto, o céu, um lago, etc); os trabalhos podem
ser gigantescos, mas também pequenos e delicados, também podem ser
permanentes ou efêmeros. Na maior parte dos casos, estes trabalhos não
contam com acréscimo de materiais estranhos ao ambiente, e são executados
usando seus recursos naturais; porém, há exceccões, como é o caso das inter-
venções do artista Christo que, após o Novo Realismo, passa a executar grandes
instalações ambientais efêmeras usando tecidos e plásticos (Ver Figura 48).
Nos anos 60 e 70, era comum que os artistas escolhessem locais inóspitos,
distantes, de difícil acesso, como os desertos, para realizarem os trabalhos. Isto
fazia parte da tentativa de afastar a arte do circuito oficial e mercadológico;
um trabalho feito longe da civilização, e que não pode ser removido de lá, pa-
recia um tipo de obra ideal para não ser cooptada pelo sistema (Ver Figura 49).
Já as Intervenções urbanas são necessáriamente efêmeras, uma vez que
ocupam o espaço público das cidades, onde não podem estar permanente-
mente. Por sua natureza passageira, a Intervenção urbana pode assumir uma
grande diversidade de formas; pode ser uma Performance que ocorre na rua,
uma nuvem desenhada no céu da cidade, como fez Vik Muniz, Um out-door,
como faz Barbara Krueger (1945) conforme podemos observar na Figura

Figura 46 - Gordon Matta-Clark. Figura 48 - Christo.


Splitting - 1974 Ponte Neuf embrulhada - 1985

Figura 49 - Richard Long. Figura 50 - Barbara Krueger.


Linha no Saara – 1988 I shop therefore i am - 1987

102
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

50, uma intervenção arquitetônica, como fazia Gordon Matta-Clark (1943 –


1978), que provocava cortes em casas comuns, chegando até ao Grafitti.
Robert Smithson (1938 – 1973) é o mais celebrado artista da Land-art, e
é dele aquela que talvez seja a obra de Land-art mais conhecida do mundo,
a Spiral Jetty, uma gigantesca espiral de terra e pedras que avança sobra as
águas do Lago salgado, em Utah (Ver Figura 44).
Também Michael Heizer (1944), nos anos 60 e 70, trabalhou exaustiva-
mente no deserto do meio-oeste norte-americano. Sua manobra básica con- Figura 52 - Walter de Maria.
Ligtning field – 1977.
sistia em abrir grandes buracos, recortados em formas geométricas, no solo
do deserto (Figura 51). Seu trabalho mais conhecido é “Double negative“, de
1969, onde ele abriu duas grandes fendas nas encostas de uma montanha.
O britânico Richard Long (1945) gosta igualmente de locais ermos. Já pe-
regrinou por todos os desertos e cadeias montanhosas do mundo, em busca
de sítios isolados onde realizar seus trabalhos, que depois são fotografados
por ele próprio. É necessário dizer que tanto Long quanto os outros artistas
da Land-art, ao decidirem fazer trabalhos invendáveis, corriam o risco de não
conseguirem custear seus projetos e sua própria sobrevivência. Isto era resol- Figura 53 - Christo. Gates. 2005.
vido com fotografias: Os artistas fotografavam os trabalhos, e vendiam cópias
assinadas destas fotografias para galerias e colecionadores.
Walter de Maria (1935) foi outro artista que optou por trabalhar no de-
serto norte-americano. Seu trabalho mais conhecido é “Ligtning field“, que
consta de um quadrilátero de 1x1 km formado por pára-raios. Este campo
atrai raios nas tempetades, que são registrados em fotografias (Ver Figura 52).
Christo, que embrulhava os mais diversos objetos no Novo Realismo, res-
surge com embrulhos enormes. Ele embrulha literalmente qualquer coisa,
seja uma ponte em Paris, ou o prédio do parlamento em Berlim. Seu trabalho
mais recente é “Gates“ de 2005, quando ele instalou 7.500 grandes estruturas
metálicas com tecido laranja no Central Park, em N. York (Figura 53).
O britânico Andy Goldsworthy (1956) é, além de artista, ambientalista
militante. Embora construa também estrturas grandes e permanentes, sua
especialidade são as esculturas delicadas e pequenas, desafiadoramente
Figura 51 - Michael Heizer –
efêmeras, que ele contrói com gravetos, folhas, pétalas, sementes, etc. No Dissipate – 1968.
inverno britânico, ele constrói também delicadas intervenções com escultu-
ras feitas artesanalmente de gelo. Mais uma vez, aqui o objeto a ser comer-
cializado, para a sobrevivência do artista, são fotos assinadas (Ver Figura 54).

3.2 O Happening

O termo happening surgiu no fim dos anos 1950; foi criado pelo ameri-
cano Allan Kaprow (1927 – 2006) para designar uma forma de arte que,
partindo da Performance, mistura artes visuais e teatro em apresentações multi-
midiáticas que necessariamente devem envolver ativamente o público. Seus pre-
cursores históricos são as soireés futuristas e dadaístas do iníciodo século.
O primeiro Happening, de autoria do próprio Kaprow, intitulava-se “18
Happenings in 6 parts“ e ocorreu em N. York, em 1959. Durante várias noi-
tes, em ambientes preparados dentro da galeria com divisória plásticas e
repletos de objetos inusitados, pessoas preparadas pelo artista executavam
e envolviam o público em diversas ações. Figura 54 - Andy Goldsworthy.
I ce Spiral – 1990.

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ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Assim como a Performance, o Happening alcançou grande projeção


internacional e foi muito praticado nos anos 60 e 70; o próprio Kaprow re-
alizou por volta de duzentos (Ver Figura 55 e 56) . Além dele, outros artistas
como Claes Oldemburg e Robert Rauschemberg também realizaram ha-
ppenings, e o grupo Fluxus elegeu o Happening como uma forma prefe-
rencial para os suas apresentações. Na Holanda, o grupo Provos realizou,
Figura 55 - Allan Kaprow. Mulheres no início dos anos 60, inúmeros happenings nas ruas de Amsterdã.
lambendo geléia
da lataria de um carro – 1964. Também os membros da Internacional Situacionista eram adep-
tos do Happening. O Situacionismo, movimento artístico e políti-
co criado na Europa no fim dos anos 50, propunha uma dissolução
das fronteiras entre arte e vida, e alertava para o valor poético da
“Situação“, ou seja, do momento vivido. Guy Debord (1931-1994) foi
sua maior liderança. Entre os Happenings situacionistas estavam as “
Derivas“, onde era indicado às pessoas que, em uma cidade estranha, andas-
sem à deriva e se perdessem, aproveitando os insigths da situação.
Inicialmente, é preciso dizer que não houve um movimento coeso dedi-
Figura 56 - Kaprow. Yard – 1967.
cado ao Happening, a não ser dentro de grupos como o Fluxus e a Interna-
cional Situacionista. No mais, o Happening foi eventualmente praticado por
artistas de todas as vertentes.
O Happening congrega elementos das artes visuais e do teatro, podendo
ainda agregar música, dança, e ainda outras linguagens. Trata-se de um evento
coletivo, proposto por um artista ou grupo de artistas, mas que deve ser realiza-
do pelo público. De fato, a participação ativa do público nos happenings é o que
diferencia esta linguagem da Performance, uma vez que na Performance não há
Figura 57 - Wolf Vostell.
Decollage – 1965. espaço para a participação do espectador.
O principal executor e divulgador da nova linguagem é mesmo Allan
Kaprow, que contruirá sua obra basicamente com a realização de happe-
nings. Artistas de outros movimentos realizavam eventualmente happenin-
gs, como é o caso de Rauschemberg e Oldemburg, e também de Jim Dine
(1935), que em 1960 realizará seu famoso Happening “Car crash“. No grupo
Fluxus destaca-se o alemão Wolf Vostell (1932 – 1998) que será um dos
principais promotores do Happening dentro do grupo (Ver Figura 57).
No Brasil, a maior promotora de happenings nas décadas de 60 e 70 foi
Ligia Clark (1920-1988), que por quase vinte anos desenvolveu sua propos-
ta, chamada “Nostalgia do corpo“ (Figura 58), que envolvia a realização de
Figura 58 - Ligia Clark.
Nostalgia do corpo (teia) – 1974. vários happenings. Um dos mais conhecidos é “Baba antropofágica“ (Figura
59), onde uma pessoa é deitada e doze outras pessoas passam a retirar li-
nhas cheias de saliva da boca e depositá-las sobre o corpo deitado.

3.3 A Performance

A Performance surge embrionariamente na primeira metade do século XX,


nas soireés futuristas e dadaístas. Também Marcel Duchamp desenvolvia seu
lado performático quando se travestia de Rrose Sélavy. Novas pesquisas com
performance passam a ocorrer, no início dos anos 50, nos Estados Unidos, no
Black Mountain College, com colaborações entre Rauschemberg, O músico
John Cage (1912-1992), e o coreográfo Merce Cunningham (1919-2009).
Figura 59 - Ligia Clark.
Baba antropofágica - 1973. No Japão saído recentemente dos traumas da guerra, o grupo Gutai, fun-

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ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

dado por Jiro Yoshihara (1905-1972), em 1954, aspirava a uma arte que fos-
se mais “concreta“, mais vital, e a Performance era a sua principal linguagem.
Na primeira exibição do grupo, em 1955, foram marcantes as performances
de Kazuo Shiraga (1924-2008), “Challenging mud“ (Ver Figura 60), onde o
artista lutava com uma grande massa de argila, e também as performances
de Atsuko Tanaka, que se vestia com dezenas de lâmpadas e válvulas, e dan-
çava com todas elas acesas (Figuras 61 e 62).
Na Europa, a Performance reaparece com Yves Klein que, além de artista
afiliado ao Novo Realismo, era mestre em judô, o que o levava a fazer suces-
sivas viagens ao Japão e, consequentemente, a tomar contato com o tra-
balho do grupo Gutai. Em 1958, em sua exposição-performance “O vazio“,
Klein inicia uma longa série de performances que continuariam com suas
célebres antropometrias. Também Arman, entre os novos realistas, passará
a fazer performances. Figura 60 -
No Brasil, as primeiras performances foram realizadas pelo artista Flávio de Kazuo Shiraga.
Challenging mud - 1955.
Carvalho (1899-1973). Tornou-se célebre a ocasião, em 1956, quando ele desfi-
lou na Avenida Paulista usando o seu “Traje de verão“ (Figura 63).
Desde a sua retomada histórica nos anos 50, a Performance permaneceu
em voga até os dias de hoje, embora devamos notar que o seu momento
de maior força foi nos anos 60 e 70. Isto porque estas foram décadas de
instabilidade política em boa parte do globo, e a performance pareceu um
meio adequado de expressão política para muitos artistas. De fato a Perfor-
mance veio a tornar-se a mais “política“ das linguagens artísticas, contando,
para isto, com o fato de ser instantânea e ocorrer ao vivo, sendo, portanto,
perfeita para as correntes que pretendiam dissolver as barreiras entre arte
e vida. Além disto, a Performance não é objetual; não é possível comprar e
colecionar uma performance, o que a torna ideal para artistas que, como era comum na
época, buscavam uma obra de arte que não pudesse virar mercadoria (aqui, mais uma
vez, a sobrevivência dos artisas era garantida com a venda de fotos e filmes das ações.
A Performance se caracteriza basicamente pela apresentação ao vivo e
Figura 61 - Atsuko Tanaka.
em tempo real de uma ação, por um ou mais artistas (ou performers con- Electric dress – 1955.
vidados pelo autor), diante ou em meio ao público. Diferentemente do Ha-
ppening, aqui o público não participa ativamente da ação.
Embora contenha elementos de teatro, a Performance no campo das ar-
tes plásticas não comporta interpretações ou dramatizações, o trabalho do
performer não é o mesmo de um ator; neste sentido, não há “representa-
ção“, mas a “apresentação“ de uma ação. Também podem entrar na Perfor-
mance elementos de música, dança, vídeo, etc.
Dentro da Performance, uma vertente acabou fundando uma sub-categoria
que se chamou Body-Art. Atualmente, o termo Body-art está ligado à área das
tatuagens e modificações corporais. Nos anos 60 e 70, entretanto, a body-art
designava um tipo especial de performance onde o corpo não era apenas o veí-
culo da ação, mas também o seu suporte; a ação era executada sobre o corpo, e
muitas vezes contra ele. Muitas ações de Body-art comportam elementos como
violência auto-inflingida, escatologia, esforços físicos extenuantes, etc.
O grupo Gutai, no Japão, Yves Klein, na Europa, e Rauschemberg, nos EUA, são os pio-
neiros da retomada da Performance na segunda metade do Século XX. Como se vê, a Per- Figura 62 - Atsuko Tanaka.
formance torna-se rapidamente internacional e, em meados dos anos 60, torna-se um fenô- Electric dress.
Detalhe de movimento – 1955.

105
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

meno mundial, com adeptos que iam da América do Sul aos confins da Oceania.
Nos EUA, podemos citar Bruce Nauman (1941) que, nos fins dos
60 e início dos 70, executou uma série de performances (exercí-
cios corporais), hoje emblemáticas (Ver Figura 64). As performan-
ces de Nauman não eram realizadas em público; ele preferia a so-
lidão do ateliê para executar os exercícios, que eram filmados.
Os filmes, estes sim, eram exibidos publicamente.
O também norte-americano Dennis Oppenheim (1938) executou,
em 1970, sua performance mais política: Em “ Posição de leitura para queima-
dura de segundo grau“ ele deita-se ao sol, com parte do torso coberto por
um livro de táticas militares de infantaria, retirado da biblioteca do exército,
e deixa-se tostar até provocar queimaduras de segundo grau em sua
pele (um trabalho de Body-art), numa clara a crítica à participação dos EUA
na guerra do Vietnâ (Figura 65).
Ainda entre os norte-americanos adeptos da Body-art, destaca-se Chris
Burden (1946) que, no início dos anos 70 realiza uma série de performances
radicais, como ficar cinco dias preso em um maleiro de rodoviária (Five days
locked - 1971), ou ainda quando pede para um amigo dar um tiro em seu bra-
ço com uma carabina (Shot-1971) conforme podemos observar na Figura 66.

Figura 63 - Flávio de Carvalho. Figura 64 - Bruce Nauman. Studies for


Experiência n. 3: Traje de Verão – 1956. holograms - 1970.

Figura 65 Dennis Oppenheim. Figura 66 - Chris Burden.


Posição de leitura para queimadura de Shot – 1971.
segundo grau – 1970

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ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

As performances de Vito Acconci (1940) são emblemáticas da Body-


art: em Trappings (1971), por exemplo, o artista leva horas vestindo o seu
pênis com roupas de bonecas e conversando com ele. Em Seedbed (1970),
masturba-se ininterruptamente sob uma plataforma de madeira, enquanto
o público caminha por cima. Em outras performances ele explora questões
ligadas à alteridade, como em Follow Piece (1969), quando ele segue osten-
sivamente pessoas na rua e em outros locais públicos (Figura 67).
Carolee Schneeman (1939) usava particularmente as qualidades fe- Figura 67 - Acconci.
Follow Piece – 1969.
mininas de seu corpo em seus trabalhos de Body-art. Em uma época onde
a emancipação social da mulher era um discurso corrente, ela levou ao ex-
tremo a sua feminilidade ao explorar o interior da própria vagina. Em In-
terior Scroll (1975), ela fica nua, pinta o corpo com lama, e depois começa
a retirar lentamente uma fita de papel de dentro de sua vagina, enquanto lê
o texto que está escrito ali (Figura 68).
O grupo Fluxus, formado pelo lituano Georges Maciunas (1931-1978),
em 1961, pregava a derrubada de fronteiras entre arte e vida, atentava vi-
gorosamente contra os meios tradicionais da arte, e contra o seu caráter
mercadológico. Fluxus (fluxo) se torna um movimento internacional, e tem
na performance um dos seus principais veículos de expressão. Entre os per-
formers de Fluxus podemos citar a japonesa Yoko Ono (1933), que em 1964
apresentou a sua performance Cut Piece, onde deixava que o público cor-
tasse e levasse pedaços de sua roupa (Figura 69). Figura 68 - Carolee
Também ligado ao Fluxus temos o alemão Joseph Beuys (1921-1986). Schneeman.
Interior Scroll – 1975.
Beuys trabalhava com fotografia, desenho, escultura, instalação, performan-
ce, além de ser o autor de uma utopia artística onde cada ser humano se
tornaria um artista. Sua obra é sagazmente política, como na performan-
ce “Coyote: I like America and America likes me“, de 1974: Ele entra em um
transporte em Berlim, que o deixa diretamente em N. York, dentro de uma
galeria, onde há um coiote recém capturado no oeste americano; o artista e
o coiote conviveram durante quatro dias (Ver Figura 70).
Na Áustria, o grupo de Viena, o Actionismus, reunia Rudolf Schwarzko-
gler (1941-1969), Günther Brüs (1938), Herman Nitsch (1938), entre ou-
tros, e usava uma estrutura mais ritualística e por vezes orgiástica em suas
performances. Herman Nitsche, por exemplo, sacrificava e dissecava ritu-
alisticamente animais diante do público, sobre um lençol branco. O lençol
sujo de sangue, depois, era proposto como pintura (Ver Figura 71).Da Sérvia,
Marina Abramovic (1946) surgiu no início dos anos 70 realizando perfor- Figura 69 - Yoko ono.
Cut Piece - 1964.
mances em dupla com seu marido, Ulay. Nestas performances eram explo-
radas questões de gênero e de alteridade, bem como questões em torno
da moral social que cerca o corpo. No trabalho intitulado Imponderabilia
(1977), por exemplo, ambos ficam em um corredor, nus, de frente um para o
outro, deixando apenas uma estreita passagem para o público que, se qui-
sesse passar, teria que se espremer entre eles (Ver Figura 72). Hoje, Abramovic
trabalha só; sua última grande obra de alcançe internacional foi Balkan Erotic
Epic, uma série de vídeo-performances onde trabalha com visões poéticas da
sexualidade, inspirada nas tradições populares de sua terra natal (Figura 73). Figura 70 - Joseph Beuys.
Na Itália, Gina Pane (1939) executa, nos anos 70, uma série de incisões em Coyote: I like America and
America likes me – 1974.
seu corpo, feitas com lâminas, diante do público, tornando-se um expoente

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ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

da body-art européia.Um dos trabalhos mais impactantes desta série é a mar-


ca de cesariana que auto-inflingiu, em 1974 (Figura 74).
Na França, igualmente adepta da Body-art, a artista Orlan (1947) inicia,
em 1990, o trabalho “Reencarnação de Santa Orlan“, que consiste em se sub-
meter a uma série de cirurgias plásticas no rosto, cada parte modificada para
se assemelhar a uma pintura (retrato de mulher) famosa na História da Arte.
O cipriota radicado na Austrália Stelarc (1946) também surgiu no início
dos anos 70, com suas performances de suspensão. Os fios eram presos em
sua pele através de perfurações, como piercings (Figura 75). Hoje, ele tra-
balha com próteses robóticas e outros elementos de tecnologia avançada.
Figura 71 - Herman Nitsche. O Brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980) também pode ser considerado um
Action 4 - 1969. pioneiro da Performance. Ainda no início dos anos 60 ele já apresentava os
seus Parangolés. O parangolé é uma escultura feita de tecidos, para ser vestida
por um performer, que deve então desenvolver uma ação corporal, como dan-
çar, enquanto veste a obra. Um dos mais notórios modelos usados por Oiticica
em seus parangolés foi o famoso passista Nildo da mangueira (Ver Figura 76).

3.4 Fotografia e Vídeo

A Fotografia e o Vídeo seguiram trajetórias próprias até se firmarem como


linguagens das artes plásticas. A Fotografia, invenção do séc XIX, desenvolveu
um caminho paralelo ao da arte moderna, estando um tanto isolada das van-
guardas artísticas da primeira metade do século XX. De fato, por déca das a
fotografia foi vista mais como um documento visual do que uma obra de arte;
os grandes fotógrafos do início do século passado são, em sua maioria, foto-
Figura 72 - Abramovic-Ulay. documentaristas ou foto-jornalistas (exceção seja feita para Man Ray).
Imponderabilia – 1977.
A partir dos anos 50, passa a haver um novo entrecruzamento entre arte
e fotografia: Fotos oriundas da Publicidade passam a integrar obras de arte,
como em Rauschemberg, em Mimmo Rotella e, depois, em Warhol. Nos
anos 60, devido aos esforços de se retirar da obra seu apelo ou possibilida-
des comerciais, como na Arte Conceitual, na Land-art, nos Happenings e nas
Performances, a Fotografia passou a ocupar um papel de destaque, uma vez
que o documento fotográfico era, muitas vezes a única coisa que restava da
obra, ou a única maneira de provar que a obra existiu. Como já dissemos,
fotografias de obras de Land-art, ou de Performances eram assinadas pelos
artistas e vendidas com status de obras de arte.
Apenas a partir dos anos 70 a Fotografia assumiu autonomia, livre de seu
papel documental, e se firmou como mais um meio de expressão das Artes
Figura 73 - Abramovic. Plásticas. Hoje em dia, com a multiplicação dos formatos, suportes e meios
Balkan Erotic Epic – 2006.
(inclusive digitais) de impressão, a Fotografia viu ampliadas suas possibilida-
des técnicas, estéticas e poéticas, e é uma linguagem constante nas exposi-
ções de Arte contemporânea (Ver Figura 77).
O Vídeo começa a se popularizar na arte a partir dos anos 60, na mesma
medida em que a TV se tornava um fenômeno nos lares do mundo. Neste
período, apesar das experiências em vídeo de Warhol, por exemplo, esta mí-
dia se prestava, majoritariamente , a um papel documental: muitos artistas
de Land-art, Happening e Performance usaram do Vídeo para registrar os
Figura 74 - Gina Pane. seus trabalhos. No final da década, artistas como Bruce Nauman, Vito Ac-
Action Psyche – 1974.

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ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

conci e os membros do grupo de Viena, inventariam a Vídeo-performance:


Ações que eram feitas em estúdio ou ateliê, longe dos olhos do público,
apenas para as câmeras. O objeto final era um vídeo da ação, que passava a
ganhar estatuto de obra de arte.
Assim como a Fotografia, o Vídeo conquistou lentamente autonomia e
teve, nestes últimos anos, grandes avanços tecnológicos. Hoje é uma das
Figura 75 - Stelarc. Performance.
linguagens obrigatórias em qualquer exposição de arte Contemporânea. A Década de 1970.
cena contemporânea de Fotografia e de Vídeo é muito ampla, tendo se de-
senvolvido espantosamente nas três últimas décadas. Aqui, citaremos ape-
nas alguns nomes exponenciais nestas linguagens.
Robert Mapplethorpe (1946 – 1989) foi, indiscutivelmente o fotógrafo
mais polêmico de sua geração (Figura 78). Homossexual assumido, desco-
briu, em meados da década de 80, que era portador do vírus HIV, o que
naquela época era o mesmo que uma sentença de morte. Decidido a provo-
car e polemizar até o fim, Mapplethorpe, que vinha de uma bem sucedida
carreira de fotógrafo de celebridades, além de produzir delicadas compo-
sições com flores e motivos clássicos, passou a explorar a sua sexualidade
abertamente em suas fotos (Figura 79), produzindo imagens de um apelo
homoerótico desconcertante, inclusive com registro de situações sado-ma- Figura 76 - Hélio Oiticica. Nildo da
Mangueira veste Parangolé – 1964.
soquistas, prática da qual era adepto. Quando morreu, no final da década,
Mapplethorpe havia já se tornado um dos nomes mais importantes da Arte
Contemporânea. Em 1990, a polícia invadiu uma exposição póstuma, em
Cincinnati, tornando-se o primeiro caso de um museu americano processa-
do criminalmente por uma exposição.
A obra de Mapplethorpe está inserida na tendência contemporânea cha-
mada Multiculturalismo. Esta tendência dá expressão a minorias sociais e
permite que artistas que vivem em situações excêntricas, como em guetos Figura 77 - Bruce Nauman.
Square dance - 1967.
underground, possam documentar imageticamente o seu universo. Outra
grande representante desta tendência é a fotógrafa Nan Goldin (1953). Gol-
din conviveu desde os anos 70 com personagens da cena underground, como
travestis, prostitutas, drag-queens, viciados em drogas, os quais registrou com
imensa sensibilidade. Na década de 80, Goldin acompanhou diversos casos
de amigos seus que morreram em decorrência da AIDS, documentando sua
luta e sua lenta decadência (Figura 80). Uma sequência fotográfica célebre de
Goldin é aquela em que ela se registra após ter apanhado de seu amante, do-
cumentando dia após dia, a recuperação de seu rosto (Figura 81).Uma atitude
rica em fetiche e subjetividade pode ser encontrada na obra da americana
Figura 78- Robert Mapplethorpe.
Cindy Sherman (1954). Sherman invariavelmente fotografa a si mesma em Louise Bourgeois -1982
cenas calculadas para reproduzirem imagens que remetem ao cinema, à pin-
tura, além de produzir imagens bizarras onde usa próteses de borracha. Em
geral, suas fotografias, além de serem ricas em conteúdos psíquicos, dialogam
com a cultura visual e com a História da Arte (Figuras 82 e 83).
O trabalho de Sherrie Levine (1947) adota manobras bem mais cere-
brais. Levando ao extremo o conceito duchampiano de apropriação, e que-
rendo provocar os conceitos de autoria e de originalidade, Levine recorre ao
recurso de reproduzir obras de artistas já consagrados. São bem conhecidas
as reproduções que ela fez de trabalhos do fotógrafo norte-americano da Figura 79 - Mapplethorpe.
Homem com terno de
primeira metade do séc. XX Walker Evans. Levine enquadrou a fotografia de polyester – 1980.

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ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Evans em sua câmera, e a fotografou. O resultado foi uma fotografia idêntica


ao seu modelo, a qual Levine assinou e intitulou After Walker Evans (Depois
de Walker Evans). Criticada impiedosamente por sua atitude, a artista de-
fendeu-se argumentando que qualquer fotógrafo aponta sua câmera para
qualquer objeto do mundo, à sua escolha, e o fotografa; ela fizera a mesma coi-
sa, apenas o objeto que ela escolheu foi uma foto de Walker Evans (Figura 84).
Figura 80 - Nan Goldin. O fotógrafo e publicitário italiano Oliviero Toscani (1942) criou para a
Kotscho kissing Giles – 1993.
marca Benetton, nos anos 90, uma das mais originais e polêmicas campa-
nhas publicitárias, totalmente composta por fotografias de alto impacto,
com inegável conteúdo político. As fotos de toscani denunciavam e criti-
cavam questões como o preconceito racial, a homofobia, a guerra e a hipo-
crisia moral da sociedade como um todo. Suas imagens eram tais como a
roupa ensanguentada de um soldado que morrera na guerra, um homem
que morre vítima da AIDS cercado por seus familiares (Figura 85), um beijo
Figura 81 - Goldin.
Um mês depois de ser surrada – 1983. entre um padre e uma freira, etc.
Mais recentemente podemos citar o fotógrafo novaiorquino Spencer Tu-
nick (1967). Tunick especializou-se no tema clássico do nu artístico, recon-
textualizando-o. Seus nus são registrados em espaços públicos, desafiando
a moral social sobre o corpo, o que levou várias vezes à interferência da po-
lícia. Podem ser individuais ou coletivos. As fotos de nus coletivos chegam
a arrebanhar milhares de participantes e vêm sendo feitas no mundo todo,
inclusive em São Paulo. Estas fotos demandam semanas de produção; todos
os modelos são voluntários e ganham uma cópia da foto como pagamento
Figuras 82 e 83 - Cindy Sherman.
S. título – 1990. (Ver Figura 86).
Da Europa, temos a italiana Vanessa Beecroft (1969). Esta fotógrafa,
assim como Tunick, promove happenings, onde pessoas são convidadas a
integrarem a obra. No caso de Beecroft, ela prepara cenas coletivas, geral-
mente com mulheres semi-nuas que, embora expressem frieza, emanam
também uma inegável atmosfera de sensualidade e fetiche. Seus grupos são
organizados em formações simples, como filas, e as mulheres usam inva-
riavelmente peças como meias-calças, perucas, sandálias, e outros itens do
Figura 84 - Sherrie Levine.
After Walker Evans – 1981. vestuário feminino misturados a peças incongruentes, artificiais. Suas apa-
rências e poses são de manequins (Figura 87).
O Brasil possui, na atualidade, pelo menos dois fotógrafos com renome
internacional. São eles Sebastião Salgado (1944) e Vik Muniz (1961). Se-
bastião salgado é um fotógrafo rigorosamente clássico, que consegue dotar
seus temas com dimensões épicas. Seus motivos preferidos são as migrações,
as multidões, as massas em deslocamento ou em situação de trabalho (Fi-
gura 88), os movimentos sociais (como o MST) e os personagens anônimos
Figura 85 - Oliviero Toscani. SIDA – 1992.
que compõe estas sagas. As fotografias de Salgado são analógicas e em preto
e branco, segundo a velha escola do foto-documentarismo, e passam por uma
cuidadosa seleção antes de virem a público.
Vik Muniz é um artista jovem radicado em Nova Iorque, onde estourou
antes de ser conhecido por aqui. Sua manobra consiste em reproduzir ima-
gens, algumas extraídas da História da Arte, outras da tradição cultural vi-
sual do Ocidente, em diversos materiais inusitados, como calda de choco-
late, molho de tomate, açúcar, etc. Com estes materiais, Muniz desenha a
Figura 87 - Vanessa Beecroft. imagem que quer, e depois a fotografa (Ver Figura 89). Assim, a obra final
S. título – 2001.

110
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

é a fotografia. Recentemente, Muniz vem realizando imensos desenhos em


depósitos de lixo; desenhos que são fotografados do alto, e que se revelam
minuciosamente executados .
A Videoarte, como já foi dito, alcançou lentamente a sua autonomia. Na
primeira metade do séc. XX foram feitos experimentos pioneiros, ainda com
status de cinema, por dadaístas e surrealistas. Porém, é a partir dos anos 60
que encontraremos os primeiros trabalhos autônomos de Videoarte, a co-
meçar pelas experiências de Andy Warhol e também do grupo Fluxus. Esta
linguagem passaria a ter uma presença mais constante no meio artístico a
partir dos anos 80, até se tornar, hoje, em um dos meios mais importantes
da Arte Contemporânea.
Um dos principais videoartistas da atualidade é o norteamericano Bill Vio-
la (1951). Viola trabalha com vídeo desde os anos 70, quando suas obras inves-
tigavam a luz, e aspectos da vida urbana. Posteriormente, sua poética ama-
dureceu para uma investigação dos elementos, sobretudo a água. Podemos
dizer, sem erro, que hoje Bill Viola é o maior poeta visual que tem na água seu
principal material. Ele explora suas luzes, seus movimentos e reflexos, e estuda
os movimentos dos corpos imersos na água, sua dança flutuante, o efeito de
voar dentro do meio aquoso (Ver Figura 90). Normalmente, seus vídeos são Figura 88 - Sebastião Salgado.
Subindo (Série Serra Pelada) – 1986.
feitos em altíssima resolução, e fazem uso constante da velocidade slow, o que
potencializa seu efeito poético. Hoje em dia, é possível encontrar vários vídeos
de Bill Viola hospedados no Youtube.
Normalmente, os vídeos de Viola não são feitos para serem visualizados
em uma TV. O artista prefere exibi-los em video-instalações, como em seu
trabalho permanente no Museu Beaubourg, em Paris, Cinco Anjos para o
milênio, onde pessoas vestidas de branco caem na água em uma velocida-
de superlenta, em cinco grandes projeções simultâneas em um mesmo am-
biente (Figura 91).
Outro grande artista do vídeo da atualidade é o também norteamerica- Figura 89 - Vik Muniz.
no Gary Hill (1951). Hill iniciou seus experimentos nos anos 70, tentando
trabalhos que reunissem vídeo, texto e som, e evoluiu para uma investiga-
ção mais ampla, onde se interrelacionam linguagem, imagem, identidade
e corpo. Atualmente, Hill também trabalha com vídeo-instalações em am-
bientes imersivos, como é o caso de seu trabalho Viewer, de 1996, onde, em
um ambiente escuro, uma sequência de imagens de pessoas projetadas em
tamanho natural nos observa e, esporadicamente, fazem movimentos que
parecem se relacionar com a nossa presença no ambiente (Figura 92).
Uma presença constante no circuito internacional também pode ser atri- Figura 90 - Bill Viola. Dissolution – 2005
buída à videoartista suíça Pipilotti Rist (1962). Rist iniciou seus experimentos
no formato Super-8, até evoluir para o vídeo. Seus trabalhos são quase sempre
simples, e discutem gênero, sexualidade, identidade, feminilidade, pelo que
é apontada por alguns críticos como sendo uma artista feminista. Em Pickel-
porn, trabalho de 1992 que lhe deu notoriedade, Rist opera com as questões
do corpo feminino e da excitação sensorial e sexual. Uma câmera olho-de-
peixe passeia sobre os corpos de um casal nu. As imagens são ligeiramente
distorcidas e muito aproximadas, o que causa ambiguidade. As cores são in-
tensas, invocando o forte caráter sensorial do trabalho (Ver Figura 93). Figura 91 - Bill Viola.
Cinco Anjos para o Milênio
– 2001.

111
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Figura 92 - Gary Hill. Viewer – 1996.

Figura 93 - Pipilotti Rist. Pickelporn – 1992

112
UNIDADE 4
Dos 80 para cá

A escola expressionista é uma das mais fortes e constantes na arte. Ela


deriva das experiências do Romantismo, na passagem dos sécs. XVIII para o
XIX, e das experiências dos pós-impressionistas, como Van Gogh. No séc. XX,
o Expressionismo ressurge inicialmente no Fauvismo francês e nos grupos
alemães A Ponte e O Cavaleiro Azul. A partir da segunda década do século,
ao lado da vertente expressionista figurativa, Kandinsky funda o Expressio-
nismo Abstrato, baseado em manchas cromáticas. Sempre reciclado, o ex-
pressionismo permaneceria vivo, principalmente na alemanha, até a década
de 30, quando foi oficialmente condenado pelo Nazismo. Porém, depois da
Segunda Guerra, uma nova onda expressionista varreu o Ocidente, basea-
da nas lições abstratas de Kandinsky. Na Europa, esta vertente se chamou
Tachismo, e nos EUA chamou-se Expressionismo Abstrato. Esta nova onda
expreessionista vigorou por toda década de 50, arrefecendo diante das pro-
postas fortemente conceituais dos anos 60. De fato, nos anos 60 não houve
Expressionismo; ali pintava-se à maneira Op, Pop, ou pintava-se palavras e
textos, como gostavam os artistas conceituais. Nos anos 70, entretanto, verí-
amos surgir uma novíssima retomada do expressionismo, agora francamen-
te figurativo, inspirado nos artistas dos anos 20 e 30, a qual se chamou de
Neo-expressionismo.

4.1 Neo-expressionismo

O Neo-expressionismo surge na Alemanha, no início dos anos 70, e a


partir dos anos 80 torna-se um movimento internacional. Na Alemanha,
os neo-expressionistas se inspiraram no expressionismo figurativo histó-
rico de Klee, Kokoschka, Kirchner e Nolde. Ali são retomadas as distorções
dramáticas das figuras, as cores ácidas e desagradáveis, a pintura de pin-
celadas aparentemente grosseiras, e a atmosfera de decadência e niilismo,
traduzindo o espírito trágico tão presente no povo germânico. No plano
internacional, o Neo-expressionismo incorporou outras questões, chegan- Figura 94 - A. R. Penck .
The way - 1989.
do mesmo a tornar-se abstrato (como no Brasil, por exemplo); porém, sem-
pre fiel em representar o estado de angústia contemporânea presente no
final do séc XX.
Na Alemanha destacam-se A. R. Penck (1939), com suas pinturas que
lembram desenhos rupestres, símbolos tribais, cheios de seres híbridos e
invocações aos símbolos nacionais alemães, como a águia (Ver Figura 94).
O também alemão Georg Baselitz (1938) tem suas formas inspiradas em

113
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Kokoschka e Nolde, e também na pintura do inglês Francis Bacon. Suas


figuras são solitárias, fantasmagóricas, mesmo quando ele usa cores fortes
e pinceladas grosseiras; neste sentido, lembra também a solidão obscena
das figuras de Schiele. Nos anos 80, Baselitz notabilizou-se pela série em
que pintava seus personagens de cabeça para baixo (Figura 95).
Ainda da Alemanha vem aquele que é talvez o pintor neo-expressionis-
ta europeu mais conhecido: Anselm Kiefer (1945). Dono de uma cultura
invejável, Kiefer faz aportar em suas pinturas gigantescas toda a tradição
pictórica do Ocidente, ao mesmo tempo que invoca o espírito sombrio e
romântico do povo alemão. Suas imagens nos mostram paisagens e vistas
soturnas, plúmbeas, francamente decadentes do mundo contemporâneo
e da tradição artística e filosófica de seu país (Ver Figura 96).
Figura 95 - Baselitz.
Clown – 1981. Na América, encontramos um pioneiro do Neo-expressionismo em
Philip Guston (1913-1980), um pintor canadense que, sendo da mesma
geração de Francis Bacon e Dubuffet, diferenciou-se por anexar à dra-
maticidade do gesto e da figuração expressionista, o humor e o cinismo
da arte Pop, o que antecipou a síntese que os neo-expressistas viriam a
perseguir (Ver Figura 97).
Nos Estados Unidos, encontramos um importante experimentador
das possibilidades expressivas dos materiais e processos em Julian Sch-
Figura 96 - Anselm Kiefer. nabel (1951). Morador de Nova Iorque, Schnabel começou a agregar
Nigredo – 1984.
diversas matérias, como cacos de louça, às suas pinturas (Figura 98). O
resultado é sempre uma imagem carregada, dúbia, com uma matéria ur-
bana que domina a espontaneidade do gesto.
O Neo-expressionismo, nos EUA, alcançou sua feição mais urbana, assu-
mindo definitivamente a sua semelhança com o Grafite de rua, o que em
Penck já era sinalizado. De fato, dois grafiteiros nova-iorquinos vieram a
se tornar grandes representantes do Neo-expressionismo; eram eles Keith
Haring (1958-1990) e Jean-Michel Basquiat (1960 – 1988).
Basquiat é descendente de pai haitiano, de família pobre, tendo nasci-
do em N. Iorque. Começou a grafitar na adolescência, com o pseudônimo
SAMO (Same Old Shit). Já adulto, chegou a morar na rua e dormir no Central
Figura 97 - Guston.
Head and bottle – 1975. Park, vivendo da venda de pequenos desenhos que oferecia a pessoas em
bares ou nas ruas. Gastava quase todo seu dinheiro comprando material
para grafitar e desenhar. Seus desenhos são fortemente expressivos, quase
primitivos, onde ele mistura elementos coletados na sociedade, como mar-
cas, pessoas, números, palavras, objetos (Ver Figuras 99 e 100), entre outros
simbolos gráficos. Seu trabalho passou a ser mais conhecido no começo dos
anos 80, quando conseguiu se inserir no exigente circuito de Manhattan,
e conheceu Andy Wahrol, de quem se tornou amigo. Sua ascenção foi es-
petacular; em poucos anos, Basquiat deixou de ser sem-teto para se tornar
um dos mais festejados artistas do mundo. Seus quadros alcançaram pre-
ços astronômicos, embora ele gastasse quase tudo, na época, com drogas.
As drogas terminariam por matá-lo em 1988, no auge de sua carreira.
Keith Haring fez escola de Design, e era totalmente afeito ao estilo das artes
Figura 98 -
Julian Schnabel. Divan – 1979. gráficas, o qual ele empregava em seus grafites em Nova Iorque. Assim como
Basquiat, após penar no anonimato por algum tempo, Haring foi descoberto
pelo circuito nova-iorquino e alçado ao posto de artista internacional em um

114
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

piscar de olhos. Sua obra é bem humorada, portadora de um traço quase in-
fantil, mas com uma capacidade crítica desconcertante (Ver Figura 101). Tam-
bém como Basquiat, Haring morreu jovem, vítima da AIDS, em 1989.
O Neo-expressionismo chegou também na arte brasileira, dentro do
período que ficou conhecido como Geração 80. Sem se alinharem exata-
mente com a vertente alemã, nem com a americana, os neo-expressio-
nistas brasileiros encontraram seus próprios caminhos. Os principais ex-
poentes da tentência no Brasil foram Iberê Camargo (1914-1994), que
já era expressionista figurativo de longa data, mas que teve seu trabalho Figura 101 - Keith Haring. Pop Shop
Quad – 1988.
revalorizado nos anos 80; Jorge Guinle (1947-1987), que trabalhou um
expressionismo mais abstrato, próximo de De Kooning (Ver Figura 102);
Nuno Ramos (1960), que passou a agregar matérias como plásticos , bor-
rachas e tecidos aos trabalhos, tensionando a pintura até o seu limite: e
Leonilson (1957-1993), que tinha uma pintura forte, cujas formas lembram
um pouco o desenho de Guston, mas de caráter mais intimista e lírico.

4.2 A Transvanguarda

Transvanguarda é o nome pensado por Achille Bonito Oliva, lançado


em seu livro A Transvanguarda Italiana, para designar uma tendência que Figura 102 - Jorge Guinle.
aportou na arte italiana a partir do fim dos anos 70, dentro do movimen- Parafernália – 1981
to internacional neo-expressionista. Não é exagero dizer que a Transvan-
guarda é o Neo-Expressionismo italiano.
A Transvanguarda reagia e opunha-se ao cerebralismo conceitual da
Arte Povera, movimento que vigorou na Itália nos anos 60 e 70. Ela cele-
brava o prazer da manufatura da obra, a experiência vigorosa e alegre
de pintar (sempre quadros figurativos, nunca abstratos, e tendo o corpo
humano como tema principal). O movimento teve grande repercussão na
década de 80 e, embora tenha saído de cena alguns anos depois, nunca
foi encerrada oficialmente, e seus artistas continuam ativos ainda hoje.
A Transvanguarda foi um movimento de pintura e escultura caracteri-
zado pela diversidade. As pinturas eram figurativas, com traços e formas
Figura 99 - Basquiat. GE – 1984
que remetiam ao expressionismo histórico, mas também à Bad Paiting de
Philip Guston, e invariavelmente exibiam situações com figuras humanas.
Avessa à noção de estilo, e negando os conceitos da Vanguarda,
a Transvanguarda propunha recorrer de maneira não linear à História da
arte, subvertendo o movimento da vanguada histórica. Hipoteticamente,
as pinturas deveriam conter elementos de vários estilos, primar pelo ecle-
tismo e pela desarmonia, pela falta de virtuosismo técnico e pela rejeição
de qualquer cerebralismo dogmático. Neste sentido, a Transvanguarda
é um tipo de anti-movimento artístico, que não reconhece os rigores
conceituais propostos pelos demais movimentos.
No geral, os transvanguardistas usam elementos das vanguardas
históricas, como o Fauvismo e o expressionismo, elementos de arte pri-
mitiva, da arte paleo-cristã e medieval, misturando tudo isto em suas
pinturas (Ver Figuras 103 e 104). Os principais nomes da Transvanguarda
Italiana são Francesco Clemente (1952), Sandro Chia (1946), Mimmo Figura 100 - Basquiat.
Palladino (1948), Enzo Cucchi (1949). Auto-retrato – 1985

115
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

4.3 O Neoísmo

O Neoísmo surgiu no início dos anos 80, inicialmente impulsionado pelas


redes de Mail Art (Arte Postal), tornando-se rapidamente num movimento inter-
nacional; seu principal mentor e articulador é o britânico Stewart Home (1962).
De maneira geral, o Neoísmo reeditava o espírito da Contracultura dos
anos 60; propunha ações de desafio e confronto com as instituições, negava
a sociedade burguesa, adotava abertamente a fraude e a sabotagem como
estratégias válidas, revivendo também a fúria anti-capitalista e anti-bur-
guesa do dadaísmo. Neste sentido, o Neoísmo é diametralmente oposto à
Transvanguarda italiana; enquanto esta pretendia a superação das vanguar-
Figura 103 - Francesco Clemente.
das, aquele propunha sua continuação em seu aspecto político mais feroz.
Água e Vinho – 1981. Ao longo da década de 80 foram realizados diversos festivais neoístas,
para onde ia gente do mundo todo, sempre em apartamentos. Os neoístas in-
ventaram os Apartment Festival, onde um grupo de artistas convivia durante
um certo tempo em uma residência, de maneira que todo o tempo ocorriam
performances e outras intervenções, e tudo, inclusive as conversas informais
era considerado arte, o que promovia uma sobreposição entre Arte e Vida.
Em 1985, Stewart Home organizou o Festival do Plágio. O plágio, por si-
nal, era uma forma considerada válida e mesmo enaltecida pelos neoístas.
No final da década de 80, os neoístas propuseram a Greve de Arte, o que sig-
nificava que no Reino Unido não se realizaria nehum produto cultural entre
Figura 104 - Sandro Chia.
Figura - 2006 1990 e 1993 (não funcionou, mas eles tentaram).
O Neoísmo não se encerrou oficialmente. Stewart Home está ainda ativo,
escrevendo e provocando.
O Neoísmo declarava ser herdeiro dos futuristas, dadaístas, surrealistas,
situacionistas, do Fluxus e do Punk. Sua orientação é francamente alinha-
da com a esquerda anarquista originalmente vista no Dadaísmo e, também
como em Dadá, havia uma aversão à produção de objetos estéticos, às ins-
tituições culturais sustentadas pelo capitalismo, e ao mercado e o sistema
de arte. Combatia as noções de autoria, desconhecia direitos autorais ou
qualquer outra legislação aplicada à arte. Repelia qualquer forma de culto
à personalidade do artista: “Atacamos o culto ao indivíduo, os ´eu-mesmistas´,
as tentativas de se apropriar de nomes e palavras para um uso exclusivo.
Rejeitamos a noção de copyright. Pegue o que puder usar.“ Diz um trecho
de seus manifestos.
Programaticamente, o Neoísmo enaltecia o plágio: “Afirmamos que o plá-
gio é o verdadeiro método artístico moderno. O plágio é o crime artístico contra
Figura 105 - Luther Blisset. Home
trabalhando para Humanity in a propriedade. É roubo, e, na sociedade ocidental, o roubo é um ato político”, diz
Ruins – 1988. outro dos manifestos do movimento. Assim, um dos principais métodos dos
artistas dessa corrente consistia em apropriar-se da própria história da arte
para criar um significado novo para o que consideravam um passado morto.
Pregava-se uma forma de tornar vida e arte como experimentos exis-
tenciais, ou exercícios de filosofia prática. Esta Filosofia estava, entretanto,
distante daquela encontrada nas universiades, considerada autoritária (mais
fundamentada na retórica do que na observação factual), mas devia ser tes-
tada nos bares, nas ruas, na convivência.
Por outro lado, os neoístas eram mais produtores de ações do que de ima-

116
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

gens. Não há um acervo de obras neoístas, a não ser textos, fotos e documen-
tos (Ver Figura 105). Em vez de se preocuparem com imagens, os performers
Neoístas estavam interessados na relação social entre pessoas cujas vidas são
mediadas por imagens: “O Neoísmo tem mais a ver com os usos sociais do
mito do que com as formas pelas quais os mitos individuais são criados“.
Porque eram avessos ao culto ao artista e à autoria, a maioria dos neoístas
nunca participou dos eventos com seus verdadeiros nomes. Antes, eles adota-
vam nomes coletivos, ou seja, nomes escolhidos que podiam ser apropriados
por qualquer um que quisesse se manifestar como neoísta. Qualquer pessoa
podia virar um Neoísta simplesmente se declarando parte do movimento e
adotando um nome coletivo. Os nomes coletivos mais usados eram: John
Berndt, Luther Blissett, Monty Cantsin, Tentatively Convenience e Karen Eliot,
este último um dos mais conhecidos pseudônimos do próprio Stewart Home.
Figura 106 -
4.4 Arte e Tecnologia/ Arte e Ciência Duchamp. Disco rotativo – 1920.

O entrecruzamento da Arte com a tecnologia não é novo. A mistura de


pigmentos usada pelos pintores rupestres, a maquinaria e procedimentos
utilizados na construção das grandes pirâmides egípcias, a forma sofisticada
com que os Incas lavravam a pedra, montando encaixes de cantaria até hoje
inexplicáveis, são exemplos da parceria que, ao longo da história, a Arte for-
mou com a Ciência, a tecnologia e a técnica.
Houve, porém, um período pós-renascentista onde esta parceria estava
quase esquecida. Se no Renascimento Arte e Ciência andavam juntas (o maior
exemplo disto foi a personalidade singular de Da Vinci), no período posterior
isto deixa de ser verdade. O Barroco era muito mais afeito á Retórica do que Figura 107 - Stelarc.
às outras ciências, e os movimentos que o sucederam, como o Romantismo, Projeto Orelha Extra – 2006.
o Neo-classicismo e o Realismo tinham um vínculo fraco com o pensamento
científico, sendo mais movimentos políticos. Esta história começou a mudar
com o impressionismo, que voltou a buscar na Ciência respostas para ques-
tões estéticas, ao estudar as leis da óptica e os fenômenos da luz.
No século XX, Arte e Tecnologia voltaram a se aproximar, como nos discos
ópticos de Duchamp (Figura 106), nas parafernálias futuristas e na Bauhaus.
Porém, após a metade do século XX, esta ligação ganharia contornos inéditos,
e se tornaria uma tendência da arte. Nos anos 50 e 60 podemos ver a utiliza- Figura 108 - Orlan.
ção de fotografias e vídeos pelos artistas, além de aparelhagens de som, luzes Reencarnação de Santa Orlan ;
sétima cirurgia – 1997.
elétricas, máquinas as mais diversas e aparelhos de TV. Este acirramento da
parceria entre a Arte, a Ciência e a Tecnologia continuaria nas décadas seguin-
tes até que, no final do século surgiu a tendência chamada de Arte e Tecno-
logia, ou Arte e Ciência. Esta é, hoje em dia, a vertente mais aquecida da Arte
Contemporânea; a cada avanço tecnológico ou científico, uma infinidade de
possibilidades se apresentam para os artistas.
A&T (Arte e Tecnologia) divide-se em dois grandes campos: No primeiro
estão trabalhos e pesquisas feitos para o universo digital, como softwares, jo-
gos, redes de trabalho na internet, imagens construídas e hospedadas na Web,
trabalhos em telepresença, teleperformances, ambientes imersivos, realidade
virtual, etc. No segundo campo estão práticas que, embora também se utilizem
Figura 109 -
de ferramentas digitais, são centradas em outras ciências, como a Biologia, a Fujihata. Beyond pages – 1995.

117
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Medicina, a Física, a Genética, a Engenharia, a Robótica, a Química, etc. A este


segundo campo costuma-se mais comumente chamar de Arte e Ciência.
Na atualidade, existem artistas dentro de laboratórios os mais diversos, no
mundo inteiro, em projetos conjuntos com cientistas. Isto implica dizer que,
agora, os resultados de experimentos científicos foram alçados ao status de
obra de arte. Uma célula geneticamente modificada, um programa de com-
putador, uma reação química, uma prótese, um evento atmosférico, um con-
junto de cirurgias plásticas, uma transmissão via satélite, um hipertexto, uma
Figura 110 - Fujihata. máquina podem ser obras de arte. Os papéis de artista e de cientista não são,
Beyond pages – 1995.
muitas vezes, bem definidos, o que faz do cientista um artista, e vice-versa.
A A&T acompanha os avanços científicos e tecnológicos; neste sentido
é justo pensar que, como a Ciência nunca pára, ela sempre fornecerá novas
possibilidades para a Arte. A&T é, assim, um nicho da arte onde ainda há a
possibilidade de alguma surpresa, na mesma medida em que nos surpreen-
demos com as novidades trazidas á luz pelos cientistas.
Arte e Tecnologia, ou Arte e Ciência, enquanto movimentos, são ainda re-
centes, o que dificulta que se lance sobre eles um olhar histórico. Entretanto,
é possível perceber ações, propostas e pesquisas que estabelecem novos pa-
râmetros, que problematizam questões ainda impensadas, e que, por isto, se
tornam referenciais. Tentaremos citar alguns dos artistas que estão nesta frente.
Um dos artistas mais polêmicos a promover a união entre a Arte e a Ci-
ência, na atualidade, é o artista cipriota Stelarc. Oriundo das experiências em
Figura 111 - Davies. Body-art ocorridas nos anos 70, Stelarc desenvolveu um conjunto de idéias
Osmose (detalhe) – 1995. de cunho ético, político, poético, filosófico e científico que se inscreve dentro
das teorias contemporâneas do Pós-Humano. O Pós-humano propõe que a
humanidade reconheça que seu corpo biológico é falido e obsoleto, e que
não corresponde ás necessidades e desejos das pessoas na contemporanei-
dade. A solução seria alterar este corpo até torná-lo uma máquina híbrida,
por natureza imortal, e com infinitas possibilidades que nosso corpo orgânico
não proporciona. Stelarc realiza, hoje, performances cheias de equipamentos
robóticos, como próteses. Em seu trabalho mais polêmico, Stelarc implantou
uma orelha desenvolvida em laboratório em seu braço (Figura 107).
Também oriunda da Body-Art, a francesa Orlan utiliza práticas da Medicina
em seu trabalho, uma vez que adotou como programa artístico provocar inin-
terruptas modificações em seu corpo. Seu trabalho mais conhecido é a série
de cirurgias plásticas a que se submeteu para modificar seu rosto, segundo o
rosto de mulheres presentes em pinturas clássicas célebres (Ver Figura 108).
Masaki Fujihata (1956) é um dos artistas pioneiros em Arte e Tecnologia
Figura 112 - Shaw. Legible City –
1988-91. no Japão, tendo iniciado suas experiências nos anos 80. Fujihata especializou-
se em instalações interativas com o uso de tecnologia digital de ponta, e re-
cursos de realidade virtual. Seu trabalho mais conhecido é Beyond Pages, uma
sala de leitura onde, sobre a superfície de uma mesa há a projeção de um livro.
Com uma caneta especial é possível folhear este livro virtual. A cada página
que é passada surge a imagem de uma maçã que é paulatinamente consumi-
da, enquanto um dispositivo sonoro emite o som inconfundível de uma maçã
sendo mordida e mastigada (Ver Figuras 109 e 110).
A canadense, de Ontário, Char Davies (1954) também começou suas pe-
quisas com recursos digitais nos anos 80. Seu trabalho Osmose, de 1995, con-

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ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

vida o público a, usando um macacão e óculos especiais, mergulhar em um


universo virtual, onde nos movemos com respiração e pequenas inclinações
do corpo, e passeamos por campos, lagos e florestas (Figura 111).
Jeffrey Shaw (1944) é australiano e também é um dos pioneiros na utili-
zação de recursos digitais na arte. Geralmente, seus trabalhos são ambientes
imersivos e interativos com projeções de imagens digitais. Uma instalação cé-
lebre de Shaw, Legible city, é um ambiente imersivo onde o espectador sobe
em uma bicicleta fixa em uma plataforma e, à medida que pedala, vai pas-
seando por um labirinto virtual, que surge em uma grande projeção diante
dele. Este labirinto é formado por palavras escritas em grandes dimensões,
dispostas como se fossem uma cidade. Enquanto passeia, o espectador vê as
palavras e sentenças que vão formando um texto (Ver Figura 112).
No Brasil, a cena da arte tecnológica é ainda jovem, embora nós também
tenhamos artistas e teóricos pioneiros, como Waldemar Cordeiro (1925-
73), que nos anos 60 já pesquisava a utilização de motores elétricos em suas
obras, como em O Beijo (Figura 113), e também desenhos produzidos por
computador, utilizando as antigas impressoras matriciais (Figura 114).
Na atualidade, podemos citar Eduardo Kac (1962), brasileiro radicado
em Chicago, que causou furor com seus trabalhos em arte transgênica. Kac
especializou-se em trabalhos com manipulação genética e transgenia. Seu
trabalho mais polmêmico é GPF Bunny, uma coelha transgênica, na qual foi
acrescentada uma proteína fluorescente verde (GPF) que faz com a coelha
emita luz verde quando está sob luz azul (Figura 115). Esses são alguns exem-
plos que abragem as reflexões sobre Arte e Tecnologia no atual contexto.

Figura 113 - Waldemar Cordeiro. O Beijo – 1967.

Figura 115 - Eduardo Kac.


Figura 114 - Cordeiro. GPF Bunny – 2000.
A Mulher que não é BB – 1971.

119
ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

REferências Bibliográficas
COTRIN, Cecilia. FERREIRA, Glória. Escritos de artistas – Anos 60 e 70.
Rio de Janeiro : Zahar, 2009.
DE FUSCO, Renato. História da Arte Contemporânea. Lisboa : Edito-
rial Presença,1988.
DOMINGUES, Diana (org.). A Arte no século XXI. São Paulo : Unesp,
1997.
JANA, Reena. TRIBE, Mark. Arte y nuevas tecnologias. Colônia : Taschen,
2006.
MORAIS, Frederico. Panorama das Artes Plásticas. Séculos XIX e XX.
São Paulo : Instituto Cultural Itaú, 1989.
MORRIS, Catherine. The essential Cindy Sherman. N. York : Abrams,
1999.
RESTANY, Pierre. Os novos Realistas. São Paulo : Perspectiva, 1979.
RUSH, Michael. New Media in late XXth century. London : Thames &
Hudson, 1999.

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ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

121
4
Psicologia da arte

Profa. Dra. Terezinha Maria Losada Moreira


APRESENTAÇÃO

Caros (as) estudantes é com imensa satisfação que iniciamos a jornada


rumo à compreensão e reflexão acerca das teorias que discutem as ques-
tões de criatividade e ensino de arte. Nosso foco será conhecer conceitos
filosóficos que  envolvem tais questões. Não se limitem as questões propos-
tas. Pesquise, questione e amplie seu repertório para construção de novas
reflexões. Terezinha Maria Losada Moreira*

DADOS DA DISCIPLINA
Dra. Terezinha Maria
Losada Moreira
Ementa:
Arte e experiência estética; Concepções sobre criatividade e expressão
artística; Função criadora e diferentes concepções de criatividade; Cognição,
percepção e imaginação.

Unidades
UNIDADE 1 – CRIATIVIDADE NAS ARTES PLÁSTICAS
1.1 Conceitos de Gênio criativo
1.2 Conceitos de trabalho
UNIDADE 2 – A QUESTÃO DA CRIATIVIDADE NA ARTE CONTEMPORÂNEA
2.1 Vertentes construtivistas, descontrutivistas e esteticista
2.2 Questões do pós-modernismo
UNIDADE 3 – CRIATIVIDADE E O APRENDIZADO DA ARTE
3.1 Criatividade e Ensino de Arte

*Curriculo: Terezinha Losada (Londrina – PR, 1959) é artista plástica, com


diversos prêmios e exposições realizadas, e professora do Instituto de Ar-
tes VIS\IdA\UnB. Mestre em educação linguagens pelo CCE\UFPI e doutora
em arte pela ECA\USP - Hoehampton University de Londres. Publicou o livro
artífice, artista, cientista, cidadão: Uma análise sobre a arte e o artista de van-
guarda, EDUFPI, 1996.

134
Unidade 1
cRIATIVIDADE NAS ARTES PLÁSTICAS

O conceito de criatividade ganha geralmente grande destaque quando


se discute a identificação e avaliação das habilidades e talentos artísticos.
Sobre esse tema, na obra criatividade e processos de criação, Fayga Ostro-
wer comenta que “Retirando à arte o caráter de trabalho, ela é reduzida
a algo supérfluo, enfeite talvez, porém prescindível” à existência humana.
(...) Entretanto a atividade artística é considerada uma atividade sobretudo
criativa, ou seja a noção de criatividade é desligada da idéia de trabalho”
(1983, p.31).
Esta advertência de Fayga Ostrower nos permite perguntar se a sobre-
valorização da criatividade na arte é um mito, ou uma ideologia sustentada
por motivações culturais, políticas e econômicas. Em torno de tal questão,
buscarei no desenvolvimento desta Unidade desconstruir alguns pressu-
postos sobre as relações entre arte e criatividade, para, ao final da discussão,
tentar reorganizá-los sobre outros parâmetros, tratando, particularmente,
do campo das artes visuais.

1.1. Conceito de Gênio criativo

Enquadram-se no campo das artes visuais desde os grandes monumen-


tos arquitetônicos, as esculturas, os murais, as pinturas, as gravuras, até os
adereços e artefatos utilitários produzidos pelas diversas civilizações de to-
dos os tempos históricos. Seja atrelada a funções ritualísticas, religiosas, ou
concebida como uma atividade autônoma, como ocorre hoje, a preserva-
ção desses produtos em templos, palácios ou museus atestam seu grande
prestígio nas diversas sociedades. O prestígio da obra de arte, contudo, não
implica necessariamente que o trabalho do artista que a produziu tenha
tido sempre igual consideração.
A valorização do trabalho do artista muda de acordo com a função do
que identificamos como arte em cada sociedade. Diante da qualidade téc-
nica das pinturas rupestres paleolíticas, o historiador da arte Arnold Hauser
(1973) - sempre interessado nas relações de trabalho, em razão de sua for-
mação marxista - afirma que é plausível argumentar que, à época, a arte
fosse uma atividade especializada. Isto é, um ofício aprendido e realizado
por alguns poucos membros da sociedade, talvez um xamã, incumbido de
funções mágicas.
A simplicidade esquemática das imagens do posterior período neolítico
poderia revelar, entretanto, que esta era uma atividade diletante, a qual se-

135
PSICOLOGIA DA ARTE

ria realizada por todos ou grande parte dos membros de uma comunidade,
os homens ou as mulheres, durante o interstício das atividades agrícolas de
plantio e colheita, como ocorre em muitas sociedades primitivas atuais.
A caligrafia e a pintura de motivos naturais na arte japonesa tradicio-
nal estavam estreitamente ligadas a concepções filosóficas e religiosas, e o
artista era considerado uma pessoa de alta qualidade espiritual. No Egito
antigo, há indícios de oficinas especializadas anexas aos grandes monu-
mentos arquitetônicos, e nota-se que os artistas obedecem aos rigorosos
cânones vinculados à representação religiosa, sem nela imprimir a marca
individual da autoria. O anonimato do artista prevalece ao longo da Idade
Média, não havendo distinção entre a arte e as demais atividades artesa-
nais. Cresce, todavia, a força política e econômica do trabalho, por meio do
surgimento das corporações.
De todo modo, o prestígio que o artista adquire no início da era mo-
derna na sociedade ocidental, sendo considerado um gênio, portador de
habilidades e talentos quase divinos, é algo, até onde se sabe, sem prece-
dentes na história da humanidade. Curiosamente, essa supervalorização
ocorre no Renascimento, momento em que há um resgate da tradição
clássica greco-romana, que estigmatizava as artes visuais como perten-
cente às artes servis, pelo seu caráter de trabalho manual. Esta se opunha
às chamadas artes liberais, entre as quais pertencia a filosofia, a literatura
e também a música.
Hannah Arendt relaciona essa nova situação do artista ao advento do
capitalismo comercial. Interessada em demonstrar a paulatina degradação
da atividade política na sociedade ocidental, desde a Antigüidade clássica
até a contemporaneidade, a filósofa afirma que:

... o fenômeno do gênio criativo parecia constituir a mais elevada legitimação da convicção do homo
faber de que os produtos de um homem podem ser mais e essencialmente maiores que o próprio
homem. (...) Em outras palavras, a transformação do gênio em ídolo encerra a mesma degradação da
pessoa humana que os demais princípios reinantes na sociedade comercial (1991, p.222).

Está implícito à noção de gênio, portanto, que doravante o homem vale


por aquilo que é capaz de fabricar, e não mais por aquilo que ele é, ou seja,
por seus atos e palavras, fundamento do conceito político de cidadão na An-
tigüidade clássica. Com essa análise perspicaz, Hannah Arendt conclui que,
por causa das mudanças econômicas do início da era moderna, o trabalho
adquire novo valor cultural, antes ocupado pela ação na Antiguidade clássi-
ca, tornando-se, então, a principal atividade pública da sociedade ocidental.
Por maiores e mais importantes que sejam os talentos criativos para o
desenvolvimento da humanidade, tema da presente publicação em seus
diversos capítulos, deve-se reconhecer que há, na inversão analisada por
Arendt, um empobrecimento da dimensão humana.

Problematizando
Pesquise a biografia de Hannah Arendt

136
PSICOLOGIA DA ARTE

1.2. Conceito de trabalho

O conceito de trabalho para Hannah Arendt e suas relações com o campo


da arte devem aqui ser destacados. A filósofa desenvolve essa análise na obra
a condição humana a partir de três categorias teóricas: labor, trabalho e ação.
Tais categorias são identificadas como atividades estruturais da vida social
que, no entanto, assumem diferentes valores em cada momento histórico.
O labor, ou a atividade do animal laborans, vincula-se ao reino da necessida-
de e ao processo biológico de manutenção da vida, a fim de torná-la mais fácil
e longa. Seus produtos não têm nenhuma durabilidade, eles são consumidos
quase imediatamente após sua produção, num processo contínuo e cíclico.
O trabalho constrói o mundo, o tornado mais útil e belo. O homo faber,
inventor de ferramentas e utensílios, é o autor de toda artificialidade e mun-
danidade. A durabilidade dos objetos de uso, em oposição à fugacidade dos
bens de consumo, confere a dimensão cultural da humanidade, pois, “sem
um mundo interposto entre os homens e a natureza, haveria eterno movi-
mento, mas não objetividade” (Arendt, 1991, p.150).
Por fim, a ação, com o complemento necessário do discurso, nada produz
para o consumo ou para o uso, sendo a mais efêmera dessas atividades. É a
esfera da política, da interação social, “sua realidade depende inteiramente
da pluralidade humana, da presença constante de outros que possam ver
e ouvir e, portanto, cuja existência possamos atestar” (Arendt, 1991, p.106).
Das relações entre a ação e o trabalho, Arendt articula o conceito de mun-
do como construção cultural e, nesse bojo, o conceito de arte, pois, na sua
utilidade e durabilidade, os objetos fabricados pelo trabalho representam
nosso modo de viver. Para além de suas funções práticas, as vestimentas, os
utensílios domésticos, as ferramentas de trabalho e as construções arquite-
tônica sintetizam visões de mundo, que evidenciam a pluralidade humana,
configurando as diversas culturas.
Nesse vasto universo de coisas fabricadas, chamamos de arte os obje-
tos que normalmente não têm qualquer função ou utilidade, senão fazer
essas representações dos valores culturais. Por essa razão, tais objetos são
geralmente poupados dos desgastes do uso ordinário, sendo guardados em
templos, praças, palácios ou museus, a fim de manter viva a identidade e a
memória daquela sociedade. Assim, para Hannah Arendt, a arte é a reifica-
ção, ou seja, a materialização da efêmera ação humana, transformando-a
em algo tangível, que pode ser lembrado e comentado no seu próprio tem-
po e pelas futuras gerações.
Podemos observar, por conseguinte, estreita coerência entre as citações de
Fayga Ostrower e Hannah Arendt aqui apresentadas, pois ambas as autoras sub-
sumem o fundamento da arte a partir do conceito de trabalho. Em oposição
ao caráter repetitivo e cíclico do labor, Arendt destaca a criatividade como de-
finidora do conceito de trabalho, não só do artístico, mas também do trabalho
científico, tecnológico e artesanal. Enfim, todos os registros do conhecimento e
todas as formas que moldando a natureza criam a diversidade do mundo.
A objeção de Ostrower consiste exatamente em verificar uma degrada-
ção do trabalho no mundo moderno, o qual vem tornando-se uma ativida-
de destituída de seus atributos criativos fundamentais. Segundo a artista:

137
PSICOLOGIA DA ARTE

Enquanto o fazer humano é reduzido ao nível de atividades não-criativas, joga-se para as artes
uma imaginária supercriatividade, deformante também, em que já não existe delimitações, con-
fins de materialidade. (...) Por isso mesmo, a arte permanece submersa num mar de subjetivismo
(Ostrower,1883, p.39).

Essa desqualificação do trabalho, tão bem estudada por Marx, ocorreu


a partir da Revolução Industrial e foi, posteriormente, tratada por inúmeros
autores, particularmente os filósofos da Escola de Frankfurt, que discutem
os processos de crescente alienação e massificação do ser humano na mo-
dernidade tardia. Nesse momento, Arendt identifica uma nova mudança
na vida social, caracterizada por ela como a vitória final do animal laborans,
porque, segundo a autora numa sociedade de consumidores:

...o quer que façamos devemos fazê-lo a fim de ‘ganhar o próprio sustento’; este é o veredicto da
sociedade, e o número de pessoas que poderiam desafiá-lo, especialmente nas profissões liberais,
vem diminuindo consideravelmente. A única exceção que a sociedade está disposta a admitir é o
artista que, propriamente falando é o único ‘trabalhador’ que restou numa sociedade de operários
(Arendt, 1991, p.139).

138
Unidade 2
A questão da criatividade
na arte contemporânea

Nas últimas décadas, o termo criatividade sofreu grande desgaste nas


discussões sobre a arte, tornando-se mesmo algo estigmatizado. É por essa
via que muitos autores divisam as fases modernista e pós-modernista da
cultura contemporânea.
O modernismo é normalmente caracterizado pela exaltação da criativi-
dade, a qual se traduz num intenso experimentalismo que visa à negação
das tradições do passado em nome de novas formas artística. É possível
identificar três tendências nesse movimento.

2.1. Vertentes construtivista, descontrutivistas e esteticista

Guiada por princípios utópicos de construção de uma nova sociedade,


o caráter construtivo da Bauhaus, escola alemã do início do século XX, que
integra as artes e os ofícios, consuma essa vertente. Apesar das críticas que
posteriormente foram feitas ao modernismo na arquitetura, especialmente
por Charles Jencks (1987), que denuncia seu caráter universalizante e eli-
tista, os artistas da Bauhaus, de fato, criaram os protótipos da visualidade
do mundo moderno. Além de revolucionar a arquitetura, a racionalidade
geométrica de suas pesquisas foram aplicadas também nas artes gráficas e
no design de objetos cotidianos, desde mobiliário até utensílios domésticos.
Diante disso, pode-se dizer que tais artistas romperam os limites da
arte, entendida como produto único, puramente estético, súmula de uma
expressão individual ou autoral. Com referência nos nexos entre ciência e
tecnologia, verifica-se que seus ateliês-escola funcionaram como labora-
tórios de pesquisas onde - experimentalmente - foram testadas hipóteses
e formuladas teorias que, posteriormente, redundaram em tecnologias de
produção de objetos de uso em escala industrial.
De volta aos conceitos de Hannah Arendt apresentados anteriormente,
nota-se que a Bauhaus sintetiza o fundamento criativo do conceito de tra-
balho, não no sentido estrito de representação artística, mas no seu sentido
lato de construção do mundo.
No sentido oposto, observa-se o espírito desconstrutivista e mesmo nii-
lista do Dadaísmo. Sem qualquer otimismo sobre os caminhos da socieda-
de moderna, o experimentalismo desse movimento não quer propriamen-
te explorar os limites da arte, mas ultrapassá-lo, integrando arte e vida. Ao
romper com os cânones artísticos, esta tendência quer, ao final, fustigar e
subverter os valores da sociedade burguesa. Decorre de seu experimenta-

139
PSICOLOGIA DA ARTE

lismo um crescente abandono da materialidade física da arte. Isso se dá ini-


cialmente por meio da apropriação de elementos do cotidiano (ready-made)
e, depois, nas vanguardas da década de 1960, pelo entendimento da arte
como performance (ação), ou happening (acontecimento).
Enquanto a Bauhaus promove a aplicação das pesquisas artística na pro-
dução de objetos de uso ordinário, nesse caso passa a haver uma crescente
indeterminação entre o campo da arte e da ação política, conforme é defini-
da por Hannah Arendt. Prova disso é fato de as performances e happenings,
criadas pelos artistas nesse período, terem se transformado em expedientes
corriqueiros dos movimentos sociais em suas manifestações públicas. São
iniciativas como essas que caracterizam o ativismo político dos caras-pinta-
das no Brasil, as diversas manifestações do Green Peace ao longo do mundo,
entre tantos outros exemplos.
Cubismo, futurismo, surrealismo e abstracionismo são movimentos artísticos
emblemáticos do modernismo. Nota-se que as vertentes construtivista e des-
construtivista promoveram, respectivamente, uma dissolução da arte na esfera
dos objetos de uso cotidiano ou da ação política. Nesta terceira vertente, os atri-
butos tradicionais do objeto estritamente estético e artístico foram preservados.
Um dos aspectos normalmente salientados para discriminar essa ten-
dência das demais é a manutenção dos materiais e suportes tradicionais da
arte, tais como a tinta a óleo e o quadro de cavalete. Contudo, mais signifi-
cativo na sua definição é verificar a manutenção do sentido de autonomia
da obra de arte. Não há nela a ruptura dos limites entre arte e os objetos da
realidade objetiva, ou entre a arte e a experiência humana. A obra de arte
é neste caso estritamente uma representação, isto é, retificações que – sim-
bolicamente - condensam a memória do mundo, conforme Arendt define
o trabalho artístico. Por essa razão, as outras tendências apresentadas são
chamadas por muitos autores como movimentos de antiarte.
Após a II Guerra Mundial, houve uma radicalização do esteticismo. Isso
se deu tanto na produção artística, quanto em suas formulações teóricas,
especialmente nos diversos artigos de Greenberg (1997, Ferreira e Cotrin,
Org.), crítico de arte norte-americano que postula total independência entre
arte e realidade. Segundo ele, a arte devia se deter na pesquisa de suas pró-
prias especificidades enquanto linguagem. De fato, há vários momentos da
história da arte marcados por um extremo formalismo. Porém, a recusa em
representar a realidade não deixa de ser uma forma de – negativamente –
representá-la, como salienta Adorno (1988).

2.2. Questões do pós-modernismo

A valorização da criatividade é o ponto de convergência das tendências


apresentadas. Diante da exacerbação desse espírito experimental em suas
diversas matrizes – construtivista, desconstrutivista e esteticista –, muitos
teóricos viriam a denunciar, ainda na década de 1970, o esgotamento das
vanguardas ou a situação aporética das artes na sociedade atual. Umber-
to Eco (1981) observa um distanciamento entre arte e público em razão
do crescente hermetismo das pesquisas artísticas nas vanguardas. Adorno
(1988), por sua vez, destaca que tal experimentalismo visa a romper com a

140
PSICOLOGIA DA ARTE

lógica da racionalidade utilitarista da sociedade moderna, e que, entretanto,


tal negatividade era sempre neutralizada e absorvida pelo próprio sistema
como produto de consumo, concluindo que, na sociedade moderna, a arte
encontra-se numa situação sem saída.
A partir das discussões filosóficas entre Habermas e Lyotard, prosperam
no início da década de 1980 as teorias sobre o pós-modernismo. A tese fun-
damental de Lyotard (1990), questionada por seu par, era a de que o projeto
iluminista de redimir os problemas da sociedade com a luz da razão e do
desenvolvimento da ciência havia se esgotado. Segundo ele, não era mais
possível compreender e enfrentar a grande complexidade do mundo con-
temporâneo mediante o emprego de grandes teorias universalizantes, rei-
vindicando um olhar pontual na pluralidade e diversidade humana.
Novamente se delineiam muitas tendências na arte que, talvez pela sua
atualidade, sequer permitem a formulação de classificações muito precisas.
A recusa à obsessão modernista pelo novo inicialmente se manifesta pelo
resgate do já feito, não como nostalgia ou culto aos valores da tradição, mas
como pastiche, como negação da história, que ao mesmo tempo denuncia
um descrédito sobre qualquer utopia de um futuro redentor.
Avessas ao formalismo, surgem outras manifestações de cunho declara-
damente político. Interessadas na diversidade cultural, elas tratam de ques-
tões de raça, gênero, sexualidade, entre outras. Tais manifestações ora assu-
mem a estrutura desconstrutivista das performances e intervenções, ora as
formas artísticas tradicionais.
Numa análise mais radical, Vattimo (1985) afirma que, no contexto pós-
moderno, o próprio conceito de artista vem se transformado. Segundo ele,
o grande desenvolvimento dos meios tecnológicos provocou uma “gene-
ralização da estética”, de modo que a definição tradicional do artista como
criador hoje se funde à figura do técnico, do comunicólogo, do vendedor e
do animador cultural.
Esta observação de Vattimo nos remete à Bauhaus e, bem mais aquém,
ao panorama pré-moderno das corporações medievais, nas quais não havia
a distinção entre as artes e os ofícios, pondo assim em pauta seus correla-
tos estigmas, particularmente a distinção entre arte erudita e arte popular,
nesse caso, a cultura de massa. De fato, o desenvolvimento dos meios de
comunicação, em especial a conexão do mundo em rede via internet, é uma
das questões centrais e mais controvertidas do pós-modernismo. Este tema
tem mobilizado a reflexão de filósofos, críticos de arte, artistas e também
dos arte-educadores, pois, não considerá-la na educação, significa negar o
universo cultural do jovem contemporâneo.

141
Unidade 3
criatividade e o
aprendizado na arte

Os itens anteriormente expostos visaram a problematizar historicamen-


te a questão do talento criativo na arte. Nos dois primeiros foi discutida a
origem do conceito de gênio no Renascimento e sua relação com a ativida-
de do trabalho. No anterior, foi feito um breve panorama da arte recente,
pontuando a questão da busca pelo novo nas diversas vertentes dos movi-
mentos artísticos modernistas e pós-modernistas. Neste, serão levantados
certos aspectos cognitivos sobre o processo de criação artística, derivando
algumas implicações para o ensino de arte nas escolas.
Nos seus estudos sobre a psicologia da representação, Ernest Gombrich
(1986, p.24) afirma reiteradas vezes que “nenhum artista é independente de
predecessores e modelos”. Esta afirmativa também desconstrói concepções
ingênuas sobre a criatividade, que a tomam como pura inspiração ou algo
livre de qualquer influência. Com esse argumento, Gombrich defende a tese
de que a arte é uma linguagem, isto é, um código construído e transforma-
do culturalmente.
A título de provocação, apenas para contextualizar as idéias do autor,
poderíamos perguntar, tendo sido Beethoven um músico tão criativo, por
que ele nunca compôs um samba ou um tango? Será que ele poderia fazê-
lo? Ora, se isso fosse possível, a arte não teria uma história. Seria, sim, um
conjunto disparatado de eventos criativos, sem qualquer conexão entre si,
inviabilizando a própria noção de estilo.
Num paralelo com a relação entre “língua” e “fala” na linguagem ver-
bal, Gombrich defende que na linguagem visual os estilos funcionam como
códigos desenvolvidos pela tradição artística de cada sociedade, sobre os
quais o artista articula a sua expressão individual. O talento criativo, portan-
to, está na habilidade do artista em lidar com as estruturas de representação
de que ele dispõe em sua cultura e época, enriquecendo-a e transforman-
do-a. Levando Gombrich a endossar o argumento de Wölfflin (1984) de que
na arte nem tudo é possível em toda época e lugar.
Naturalmente, quanto mais informações o artista tem sobre a sua pró-
pria cultura e a de outros povos e tempos, mais rico se torna o seu repertó-
rio e suas possibilidades de experimentação. Esse trânsito de informações
sempre influenciou os caminhos da arte e é fundamental no mundo con-
temporâneo, marcado pela globalização.
Por isso a história da arte é um campo de pesquisa possível e reconhe-
cido. Sua tarefa é estudar as características, as motivações contextuais e as
influências que definem as manifestações artísticas das diferentes culturas e

142
PSICOLOGIA DA ARTE

suas transformações ao longo do tempo. Em última análise, é esse lastro his-


tórico que permite identificar o caráter excepcional do trabalho de alguns
artistas, que criam novas possibilidades para a arte, subvertendo as regras
vigentes em sua época.
Diante disso, Gombrich afirma que, em termos estritamente cognitivos,
a criação artística não é diferente da científica, ou de qualquer outro proces-
so de descoberta. Para explicá-la, ele recorre à teoria do filósofo da ciência
Karl Popper, a qual postula que toda descoberta decorre do jogo de ensaio
e erro, também chamado de método hipotético-dedutivo.
Dedicado ao estudo da lógica das descobertas científicas, Popper (1982)
é autor de algumas afirmações aparentemente paradoxais. Uma delas é a
de que a ciência não prova a verdade, mas a mentira. Outra postula que no
processo de descoberta a resposta vem sempre antes da pergunta. Embora
voltadas à reflexão sobre a ciência, ambas possibilitam paralelos que facili-
tam a compreensão do processo criativo na arte.
A primeira afirmação busca revelar o caráter provisório do conhecimen-
to. Popper sustenta que, como explicação dos fenômenos da natureza, uma
teoria científica tem valor de verdade até seus pressupostos serem contes-
tados pelos experimentos de uma nova teoria. De fato, a história da ciência
se faz nesse movimento de conjecturas e refutações, título da obra em que o
autor realiza essas reflexões.
Enquanto representação simbólica da cultura humana, o mesmo ocorre
com a arte. Cada estilo é súmula da visão de mundo do seu próprio lugar
e tempo. Com a mudança das relações culturais, esses estilos passam a ser
questionados pelos artistas, dando lugar a novas formulações artísticas. Um
estilo pode se manter como o mais apropriado ou válido por milênios, como
ocorre em muitas sociedades tradicionais já mencionadas, ou então pode
se transformar, assumindo novas estruturas e estratégias de representação
em alguns séculos, décadas, ou poucos anos, conforme já analisado na dis-
cussão sobre a arte moderna e pós-moderna.
Essas transformações da arte não anulam o valor estético ou a qualidade
artística das obras do passado. Ao mesmo tempo em que traduz o espíri-
to de uma época, a arte também sintetiza valores e inquietações humanas
atemporais, que são atualizadas pelo público de outros tempos e lugares.
Muitas vezes essas atualizações são tão intensas, levando os artistas a bus-
car resgatar para o presente ideais artísticos do passado. Esse é o caso do
classicismo grego, resgatado pelos artistas do Renascimento e depois, no
século XVIII, pelo movimento neoclássico. A história, porém, não se repete.
Na pretensão de restaurar o passado, cada uma dessas iniciativas condensa
aspectos sintáticos e semânticos de sua atualidade, configurando um novo
estilo. Existe ainda o estrito sentido estético da beleza, do exótico, que nos
leva a admirar obras de culturas distantes, mesmo quando não temos aces-
so aos seus significados e funções originais.
A segunda afirmação de Popper pretende situar o método hipotético-
dedutivo. Segundo ele, sempre que formulamos uma pergunta é porque já
imaginamos uma resposta hipotética para ela. A título de exemplo, apenas
quando imaginou a existência de uma força de atração, Newton pode for-
mular a lei gravitacional, respondendo à questão da queda dos corpos. Com

143
PSICOLOGIA DA ARTE

isso Popper, busca negar a convicção positivista de que a ciência é constru-


ída por meio do método indutivo, que vai do particular para o geral. Seu
argumento é o de que as descobertas ocorrem no sentido inverso – do geral
para o particular -, por meio do jogo de ensaio e erro, típico do pensamento
hipotético dedutivo.
Gombrich, apropriando-se dessa teoria, afirma não ser diferente o pro-
cesso de criação artística. Não se pode perder de vista que, embora a arte
represente o universo de questões culturais de uma sociedade, não é a so-
ciedade que muda a arte, como faz crer algumas explicações sociológicas
reducionistas, mas o artista, por meio de seu trabalho concreto.
O artista, portanto, cria e recria a arte, formulando e testando hipóteses
que geram diferentes esquemas de representação. Assim foram desenvol-
vidas as várias modalidades de desenho plano, os diversos tipos de repre-
sentação em perspectiva, a configuração fragmentada do cubismo, as pos-
sibilidades das formas puras na arte abstrata, entre tantas outras estratégias
representativas. O artista, para tanto, precisa testar as possibilidades expres-
sivas dos diversos materiais e suportes, tais como o carvão e pigmentos so-
bre a parede da caverna, a tinta óleo sobre a tela de tecido, ou a combinação
de pixels num suporte eletrônico. Nesse exercício experimental contínuo,
são testados, por fim, os próprios limites do conceito de arte, como atestam
as pesquisas sobre os ready-mades, performances, happenings e instalações,
mencionadas em nosso breve histórico da arte atual.
Nenhuma dessas mudanças ocorre de forma natural ou espontânea. Ao
contrário, elas são escolhas, fruto das hipóteses que os artistas formulam.
Por essa razão, Fayga Ostrower afirma que “criar é um pensar específico so-
bre um fazer concreto” (1983, p. 73). Em suma, no aprendizado e desenvolvi-
mento práticos da arte, material e idéia, assim como forma e conteúdo, es-
tão sempre indissociavelmente ligados, de modo que pesquisas puramente
sintáticas - muitas vezes consideradas um esteticismo fútil - redundam na
formulação de novos valores semânticos e vice-versa.
Pontuando, para concluir, o problema da educação, pode-se dizer que,
apenas quando a escola romper com a visão mecanicista e indutivista do
conhecimento, ela poderá vir a protagonizar o desenvolvimento de talentos
e altas habilidades, não só no campo das artes, mas em todas as áreas.
Muitas teorias educacionais já discutiram esse assunto, criticando a con-
vicção do ensino tradicional de que o conhecimento é construído pelo mero
repasse de informações prontas, ou pela indução de comportamentos con-
dicionados. Podem aí serem citados o caráter exploratório, tipicamente hi-
potético-dedutivo, das fases do desenvolvimento infantil, formuladas por
Piaget, o socioconstrutivismo de Vigotisky e a ênfase nas contextualizações
culturais presentes nas teorias e métodos educacionais desenvolvidos por
Paulo Freire.

3.1. Criatividade e Ensino de Arte

No campo específico do ensino de artes, os princípios da Escola Nova


representam a primeira iniciativa de ruptura com a educação tradicional. Fi-
liada ao ideário modernista do início do século XX, essa tendência preconiza

144
PSICOLOGIA DA ARTE

a livre expressão, desvinculada de regras, de modelos artísticos e influências


teóricas, desenvolvendo um ensino pautado no trabalho prático nos ateliês.
A partir da década de 1980, os pressupostos escolanovistas são criticados
por correntes ligadas ao pensamento pós-moderno. O grupo norte-ameri-
cano denominado Ensino de Arte Baseado em Disciplinas (DBAE) destaca o
estudo da história da arte, da apreciação de obras artísticas e do trabalho
nos ateliês como áreas que possuem uma autonomia disciplinar que pre-
cisam ser contempladas no ensino. Outros educadores põem em pauta a
questão da diversidade cultural. Reivindicam, questionando a ênfase do en-
sino de arte na cultura ocidental, branca e masculina, abordagens mais am-
plas e representativas. Deriva-se, então, um movimento mais radical, que,
substituindo o termo “arte” por “cultura visual”, investiga o vasto espectro
das manifestações da cultura popular e de massa na constituição da identi-
dade do jovem contemporâneo.
Se a principal restrição ao escolanovismo é sua ênfase excessiva na cria-
tividade, abordada muitas vezes de forma ingênua e descontextualizada,
questiona-se, nessas novas tendências, certa redução do ensino de arte a
discussões teórico-críticas, em detrimento da experiência concreta do fazer
artístico. Os fundamentos cognitivos da Abordagem Triangular formulada
por Ana Mae Barbosa (1991) tem ajudado os professores a enfrentarem essa
questão. Nela, a autora destaca que na prática do ensino devem sempre es-
tar integrados a apreciação estética, a contextualização histórico-cultural
e o fazer artístico, entendidos como vértices da unidade sensível, crítica e
criativa da arte.
De todo modo, cada uma dessas tendências representa uma nova hipó-
tese que, dialogando com a tradição, delineiam novas possibilidades para
educação no mundo contemporâneo.

Considerações Finais

Por meio das desconstruções apresentadas neste texto, não se quis mini-
mizar o valor da criatividade nem as especificidades do fazer artístico e seu
ensino. Teve-se, sim, como objetivo contextualizar esses temas nas diversas
formas de trabalho. Do mesmo modo, não se buscou negar a importância
das altas habilidades ou a existência do gênio criativo. Felizmente, ao longo
da história da humanidade sempre houve talentos que - superando todas as
adversidades e mesmo prescindindo das formulações aqui apresentadas -
desenvolveram suas atividades, revolucionando e recriando o mundo.
Porém, se desejamos a expansão do mundo em toda a sua riqueza e plu-
ralidade, devemos cultivar os fundamentos críticos e criativos do trabalho
em geral e assim manter viva a potência identitária da arte, o que torna as
discussões dos diversos capítulos deste livro uma atitude política da maior
importância.

145
PSICOLOGIA DA ARTE

Referências biBliográficas
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WÖLFFLIN, H. (1984) Conceitos fundamentais da história da arte. São
Paulo: Martins Fontes.

146
PSICOLOGIA DA ARTE

147
5
Questões multiculturais
para o ensino de arte
Prof. Dr. Imanol Aguirre Arriaga
APRESENTAÇÃO

Caro(a) estudante,

A disciplina Questões Multiculturais para o Ensino de Arte insere-se como


conteúdo fundamental para compreensão do Projeto Pedagógico deste
curso. O conceito de Multiculturalismo propõe a ser um eixo integrador en-
tre as diferentes experiências já vivenciadas, tanto nas disciplinas de História
da Arte quanto nas relativas ao debates envolvendo questões específicas
relacionadas ao campo do ensino de Artes Visuais e, também das disciplinas
de Estágio Supervisionado.
Dr. Imanol Aguirre Arriaga
Com base nestas reflexões, o professor Imanol Aguirre propõe uma sé-
rie de questões envolvendo a preocupação com as diferenças culturais e
a importância do diálogo entre tais diferenças, no universo do ensino da
arte. Durante o curso outras disciplinas já tocaram nessas questões: Teorias
da Arte e da Cultura, Arte e Cultura Visual, Fundamentos da Arte Educação.
Muitos exercícios também foram propostos para provocar as reflexões sobre
as questões multiculturais. A diferença é que agora, temos um maior apor-
fundamento dessas questões em relação ao ensinar arte, ao ser professor, da
qual depende a maneira como vamos entender a produção artística. Assim,
o professor Imanol discute as obras de arte como relatos abertos, relembra a
necessidade de experimentá-las em seu contexto histórico e cultural, e não
como elementos isolados, e importância de compreendê-las em termos de
experiências de vida (Dewey, 1934). Contarmos com a participação do pro-
fessor Imanol Aguirre como conteudista certamente enriquece nosso curso
e mostra que as inquietações que animam o nosso currículo tem alcance na-
cional e internacional conferindo atualidade na formação de nossos futuros
professores(as) de artes visuais.

Profa. Dra. Leda Guimarães

*Curriculo: Doutor pela Universidade do País Basco e professor de Arte e


Educação na Universidade Pública de Navarrar. Dirigiu vários projetos de
pesquisa, sendo o último deles “A formação nas artes visuais nas instituições
sociais e culturais da cidade de Montividéo” , financiado pela AECID. É autor
do livro Teorias y Praticas en educación artística e de diversos artigos sobre
o tema em revistas nacionais e internacionais. Tem colaborado frequente-
mente com o Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual da Faculdade
de Artes Visuais da UFG.

154
QUESTÕES MULTICULTURAIS

Dados da Disciplina

Ementa:
Cultura como perspectiva de análise de processos de ensino e aprendiza-
gem da arte; Pós-Modernidade, estética do cotidiano e reflexão contempo-
rânea sobre princípios e funções da arte na educação.

Unidades
UNIDADE 1 – POR QUE O PRAGMATISMO? IMAGINANDO NOVAS FORMAS DE ENSINO DA ARTE
1.1. A Arte como experiência e relato aberto
1.2. O debate sobre o campo de estudo: Artes canônicas, cultura visual, arte popular
1.2.2 O diálogo com a arte popular
UNIDADE 2 – O debate sobre o multiculturalismo no ensino da arte
2.1. O debate metodológico: a questão da interpretação
2.1.1. O enriquecimento das “molas” da experiência estética e de vida
2.1.2. O jogo dialético e a redescrição ironista como fundamento de uma nova atuação docente
2.1.3. “Leitura inspirada”: O reequilíbrio entre a análise e a emoção
2.2. O debate sobre a finalidade da educação: A criação de um “eu” próprio e a participação solidária
em um “nós”
2.2.1. O debate sobre o poder da arte e seu valor para a reconstrução social
2.1.2. Algumas conseqüências

155
Unidade 1
POR QUE O PRAGMATISMO? IMAGINANDO
NOVAS FORMAS DE ENSINO DA ARTE

Sempre tentei manter certa distância de classificações e designações de


princípios normativos de qualquer espécie. Por isso, devo esclarecer que, quan-
do falo de uma perspectiva próxima às idéias desdobradas pelo pragmatismo
filosófico, não tenho a intenção de divulgar uma nova crença, nem pretendo,
evidentemente, inventar um novo modelo (mais um) para o ensino da arte.
De fato, o que me interessa especialmente no pragmatismo, como pers-
pectiva filosófica para abordar os desafios da educação artística atual e re-
pensar uma renovação da mesma, é justamente seu caráter antinormativo,
sua posição crítica ante a ditadura do método e sua nula pretensão de ser
um modelo de explicação da realidade. Espero que ninguém acredite que
estamos diante de uma nova doutrina na busca de soluções para os proble-
mas do ensino da arte, porque as razões que me possibilitaram encontrar
idéias como as de Rorty, Dewey, Shusterman ou Greene, são completamen-
te circunstanciais, e como tais, podem deixar de servir no futuro.
O importante destes encontros, e o motivo pelo qual sou grato a esses
autores, é que me permitiram enriquecer meu olhar, mudar meu jogo de
metáforas, como diria Nietzsche, por outras mais úteis e confortáveis com
meu aqui e agora. Esta mudança têm me permitido aprofundar em formas
de entender o ensino da arte, que, humildemente acredito, podem contri-
buir com esta tarefa que há anos nossos colegas vêm realizando. São várias
as idéias pragmatistas que, acredito, podem ser uma sentinela para se re-
pensar o ensino da arte: O questionamento do instituído: Uma perspectiva
pragmatista nos força a manter alerta diante do conhecimento já estabele-
cido e olhar sem medo para uma mudança de paradigmas. Dewey e Shus-
terman nos mostram que cada teoria da arte é uma resposta intelectual a
determinadas condições socioculturais e às perplexidades diárias, nos con-
vidando a soltar as amarras conceituais e ir em busca da teoria da arte que
corresponda ao nosso tempo.
1. A impossibilidade da verdade: Uma visão como a do pragmatismo,
mesmo estando longe da pretensão de alcançar uma verdade definitiva
que explique tudo, proporciona uma certa tranquilidade ao nosso traba-
lho como educadores e pesquisadores, tornando possível que aceitemos
a nós mesmos como construtores de discurso, entrelaçadores de idéias e
experiências, e não como transmissores de certezas, já que essas quase
sempre se chocam com a realidade.
1. O Oriente, nesse sentido, é entendido 2. O uso da dialética como forma de construção do conhecimento:
como tudo que não é europeu. O valor dado pelo pragmatismo às formas menos usuais de expressão

156
QUESTÕES MULTICULTURAIS

do conhecimento, como a ironia, por exemplo, nos permite situar nossa


atuação educativa numa posição muito próxima das formas de produzir
e refletir no campo das artes, sendo possível assim uma maior familiari-
dade conceitual e metodológica com o objeto do nosso trabalho.
3. A idéia de arte como experiência: Finalmente, a proposta deweyana
de conceber a arte como experiência nos proporciona, na minha opinião,
a visão mais adequada para enquadrar claramente a natureza “esquizói-
de” do gosto, as práticas culturais e a experiência estética da maioria da-
queles que estão comprometidos com o ensino da arte.
De fato, um dos principais dilemas da educação artística – a escolha do
tema – vem da natureza fragmentada de nossa experiência estética, já que,
por um lado convivemos e desfrutamos de formas culturais muito distantes
dos modelos de arte culta, ao mesmo tempo que, como professores, somos
formados para valorizar as formas estéticas da aristocracia culturalmente
mais refinada.
Veremos agora, de forma mais detalhada, como essas idéias podem nos
ajudar a reformular nosso discurso e atuação no ensino da arte:

1.1. A Arte como experiência e relato aberto

Para começar, é preciso tirar a arte e suas obras da dimensão transcen-


dental onde a tradição moderna as colocou – o que Dewey (1934) descreve
como “a concepção museística da arte” ou a “idéia esotérica de Belas Artes”.
Diante da tradição acadêmica, que considera os trabalhos artísticos como
“obras”, os organiza em discursos, como por exemplo o historicista, e de-
termina seus significados (Barthes, 1971), acredito que seja mais adequado
conceber as produções artísticas como relatos abertos à investigação cria-
tiva. Proponho que a abordagem da obra de arte seja feita, não como uma
mensagem cifrada que podemos desvendar, mas como um resumo de ex-
periências que podem ter infinitas interpretações, pois a essência e o valor
da arte não está na obra em si, senão na atividade experimental através da
qual essa obra foi criada e é observada ou utilizada.
Conceber as obras de arte como relatos abertos pressupõe:
1. Neutralizar seu caráter elitista (Greene, 2005), vivenciando-as como
exemplos de experiências estéticas que alcançaram um grau de consen-
so social que as tornaram aceitas pela maioria. Nisso, Shusterman (1992)
coincide com Dewey (1934), quando afirma que a experiência estética
está nas possibilidades e que a arte intencionalmente materializa essas
possibilidades de maneira clara, coerente, apaixonada e especial.
2. Experimentá-las em seu contexto histórico e cultural, e não como ele-
mentos isolados, aceitando que seus significados podem mudar com a
mudança dos hábitos e realidades que influenciam nossas experiências
(Dewey, 1934, Geertz, 1983, Barthes, 1971). Compartilho com Rorty a idéia
de que todas as práticas culturais, que na história têm pretendido ser resul-
tado de uma evolução da lógica e da razão, podem ser repensadas como
“distinções entre conjuntos de práticas de existência contingente ou estra-
tégias empregadas dentro de tais práticas” (Rorty, 1989:101). Isto implica
reescrever a própria história da arte, que deixaria de ser concebida como

157
QUESTÕES MULTICULTURAIS

uma sucessão de momentos classificados por estilos, fechados e em uma


progressão lógica, para ser vista como uma sucessão de jogos metafóricos
que vêm e vão em função de contingências históricas e culturais.
3. Compreendê-las em termos de experiências de vida (Dewey, 1934),
tratando-as como tecidos de crenças e desejos. Assim, a obra de arte
não faz mais do que desenvolver e acentuar o que é significativamente
valioso nas coisas que apreciamos diariamente. Esse ponto de vista de
Dewey é particularmente interessante porque nos permite estabelecer
que nossa tarefa como educadores será restaurar a continuidade entre
as formas refinadas e intensas da experiência – as obras de arte – e os
acontecimentos que constroem a experiência cotidiana.
Efetivamente, conceber as práticas artísticas a partir deste ponto de vista
e, com ele, recuperar a união da experiência estética com outros processos
vitais, também tem conseqüências que afetam nossas concepções educa-
tivas. Para Dewey, cobrar essa continuidade entre a experiência estética e
a vida, é uma forma de romper com a “concepção fragmentada das belas
artes”. Com isso, segundo Shusterman, Dewey “não apenas destruía as di-
cotomias arte/ciência e arte/vida, como também insistia na continuidade
fundamental de um conjunto de noções binárias e distinções genéricas
tradicionais, cuja oposição e contraste amplamente assumidos estruturou
grande parte da filosofia estética: forma/conteúdo, belas artes/artesanato,
cultura elevada/cultura popular, artes espaciais/artes temporais, artista/es-
pectador, para citar apenas algumas” (Greene, 2005).

1.2. O debate sobre o campo de estudo: Artes canônicas, cultura visual, arte
popular

Um dos aspectos especialmente interessantes que as concepções estéticas


comentadas podem trazer para o nosso trabalho como educadores, é a de nos
estimular a promover a restauração da continuidade entre as formas refinadas
e intensas da experiência – ou seja, as obras de arte – e os fatos que constituem
a experiência cotidiana, quebrada pela estética da modernidade. É justamente
nesse terreno que encontramos os fundamentos da resposta a um dos dilemas
mais vivos do ensino da arte atual: a delimitação do campo de estudo.
Certamente, buscar a continuidade da experiência estética com outros
processos vitais, traz como conseqüência que nos vejamos agradavelmente
encorajados a ampliar nosso campo de estudo para todos os produtos ar-
tísticos geradores deste tipo de experiência, sejam eles das belas artes, das
artes populares ou da chamada cultura visual.

1.2.1. O diálogo com a Cultura Visual

Na minha opinião, esta que acabo de expor é a principal razão porque


um ensino da arte renovado deve incluir em seus estudos a cultura visual.
Ao contrário do que frequentemente recomenda a educação artística de
viés pós-moderno, não vejo contradição em fazer essa inclusão e propiciar
simultaneamente o envolvimento experimental dos estudantes com as for-
mas de arte tradicionalmente aceitas.

158
QUESTÕES MULTICULTURAIS

Os estudos de cultura visual abriram o foco dos pesquisadores de arte –


filósofos, historiadores, antropólogos ou educadores – para formas culturais
muito mais vitais para a experiência estética da maioria da população con-
temporânea. Nisso, sua contribuição é digna de grande reconhecimento.
Contudo, como disse Shusterman, “o projeto pragmatista para a esté-
tica não é abolir a instituição da arte, e sim, transformá-la” (Shusterman,
2002:185). E pretende fazer isso de duas maneiras: primeiro, como venho
comentando, abrindo para a inclusão de outras formas de produção estéti-
ca. Em segundo lugar, porque “precisamos de uma maior abertura para os
meios pelos quais a grande arte pode promover uma agenda ética e socio-
política progressista” (Shusterman, 2002:185).
É nesse mesmo sentido, que há anos venho mostrando que é um erro
apresentar o estudo da cultura visual como um campo alternativo e distinto
do estudo da arte culta.
O que faz de um estudo algo alternativo e distinto não é a seleção de um
novo tema, mas sim, o olhar que projetamos sobre essas formas culturais da
experiência, e para esse olhar, nenhuma forma de arte é insignificante.
A questão relevante para nossos objetivos como educadores não é se as
artes pertencem ou não ao universo da cultura visual, se devem ser estuda-
das separadamente ou em conjunto como parte de um mesmo universo. O
que, na minha opinião, as equipara no âmbito educacional não é seu caráter
sociocultural, que obviamente é diferente, mas sim o seu potencial didático.
A arte erudita foi e ainda é usada como instrumento legitimador de certas
ideologias hegemônicas e reforçador do status quo de uma aristocracia cul-
tural. Porém, isso não exclui a possibilidade de aplicações diferentes e é a
isso que se refere Shusterman quando afirma ser possível promover uma
agenda ética a partir da arte culta.
É curioso me ver defendendo as possibilidades didáticas da arte erudita.
Às vezes, tenho recebido críticas por isso, mas concordo com Shusterman
na idéia de que não há significados e aplicações perversos inerentes ao tra-
balho com as artes cultas, perante significados e aplicações educacionais
independentes no caso da cultura visual. Por isso, acredito ser mais frutífero
o diálogo, a dialética que podemos articular a partir do ensino nesses cam-
pos, do que a estratégia de confronto entre eles. Não são os objetos de estu-
do que devem enfrentar-se, mas os modelos pedagógicos com os quais os
abordamos. Artes, cultura visual e outras formas de cultura estética podem
compartilhar o mesmo espaço educacional. O problema não está no objeto
de estudo, senão no uso que fazemos dele.
Concebidas através da perspectiva da experiência, as imagens da cultu-
ra visual atual, o legado artístico herdado e as formas mais premiadas da
arte canônica são apenas respostas humanas, em formato estético, aos pro-
blemas vitais de hoje e de sempre ou à circunstâncias semelhantes àquelas
que vivenciamos em algum momento. Todas essas formas de manifestação
cultural – sejam populares, cultas, canônicas ou de massas – constituem di-
ferentes respostas a necessidades de expressão cultural e experiências esté-
ticas parecidas, mediadas por um contexto que lhes dá sentido.
Nisso reside, na minha opinião, o principal impacto de seu interesse
educacional, já que essas respostas podem ser usadas como modelos

159
QUESTÕES MULTICULTURAIS

para a revitalização e o começo de suas próprias experiências e, desse


modo, podem ser submetidas à uma análise crítica e à desconstrução
de suas relações com as redes de supremacia e poder. O fato de que
algumas formas de expressão cultural ocupem um lugar de destaque
no imaginário dos jovens estudantes ou nas classes mais populares da
sociedade também faz com que um educador responsável se dedique à
elas, porém, não acredito que esta seja, como se diz frequentemente, a
razão principal para essa dedicação.

1.2.2 O diálogo com a arte popular

A estética de Shusterman (2002) representa o fracasso do projeto moder-


nista para superar o rompimento entre a arte culta e a vida. Projetos de inte-
gração entre a vida cotidiana e as expressões artísticas populares, como as de
Picasso, Duchamp, os surrealistas ou os performáticos, não apenas não per-
mitiram que se fechasse a lacuna, como aprofundaram as diferenças entre os
usuários das artes erudita e popular.
Segundo Shusterman, esses e outros ensaios foram absorvidos pelo pró-
prio sistema, aprofundando sem querer a separação entre as aristocracias
culturais e a população culturalmente submissa, reforçando ainda mais seu
sentimento de ignorância e inferioridade. Shusterman continua dizendo
que quando a arte erudita se opõe à arte popular, surge um elemento confi-
gurador de um novo cenário para o rompimento desta hegemonia cultural
e a transformação da concepção de arte que dominou durante séculos.
Temos assim, a arte popular completamente inserida no debate da esté-
tica contemporânea. Agora, penso que a análise de Shusterman é precisa,
porém incompleta, porque no meu entendimento não representa a razão
do fracasso. Como no caso da cultura visual, acredito que novamente nos
deparamos com a crença de que mudar o objeto de estudo ou incluir novas
formas culturais, necessariamente implica mudar sua utilização. Se alguma
coisa nos mostrou a mostrou a modernidade, foi a capacidade fagocitária
das instituições de arte de incorporar em seu seio a si mesmas e o seu opos-
to. Nenhuma forma de expressão estética que tenha se apresentado como
alternativa, não havia sido incorporada e institucionalizada. Por que não
aconteceria o mesmo com a arte popular?
Na minha opinião, o problema ao qual se deve estar alerta, é novamente
que se mudarmos apenas o objeto e não o ponto de vista, a arte popular
também pode acabar fagocitada pela estética antes aristocrática e agora
burguesa. Esta mudança de olhar é especialmente necessária na educação,
onde frequentemente se pretende que uma simples substituição de currícu-
lo represente um novo conceito de educação.
Mais uma vez, creio que a estética pragmatista pode nos ajudar na mu-
dança de foco, tirando-o da atenção ao objeto para direcioná-lo a atenção à
experiência que envolve e estimula. Novamente devemos afirmar que o en-
contro da arte com a vida (fundamental para que seja útil educacionalmente)
não resulta da natureza do objeto artístico, e sim do uso que fazemos dele.

160
Unidade 2
O debate sobre o multiculturalismo
no ensino da arte

Na Unidade anterior assinalei que, considerar as obras de arte como


geradoras de experiências estéticas, possibilita aproximar-se das borradas
fronteiras entre as diferentes formas de arte e cultura de uma maneira dife-
rente e mais enriquecedora do que aquela baseada em critérios classifica-
dores tradicionais. Algo parecido ocorre quando abordamos o fenômeno
da multiculturalidade através da percepção da arte como sistema cultural e
experiência estética.
O pensamento de Geertz (1983) nos mostra que o interessante da obra
cultural não é tanto seu caráter prescritivo, definidor de um estilo de vida,
mas a constante interação sistêmica com todas as áreas simbólicas que a
compõe, sejam vindas do interior de seus personagens, como da incor-
poração de elementos daqueles contextos culturais e simbólicos, cujos
significados não são familiares. Adotar essa perspectiva supõe aceitar que
também são borradas as fronteiras onde estão organizadas as propostas
de educação multicultural.
Pela perspectiva que estou desenvolvendo, não podemos dizer que há
culturas fechadas, senão sistemas em contínua e fluente interação, em que
se cruzam imaginários, gerando constantemente novos significados e reno-
vando incessantemente as relações.
O que é interessante nesse ponto de vista não são os limites entre as
culturas, mas sim as transgressões dos mesmos, ou seja, as ressignificações,
que deveriam ser o eixo do estudo.
Tudo é questão de mudança de foco e acredito que na educação – e no
ensino da arte também – focar na construção de sentido, nas aplicações,
mais que nos valores ou traços culturais, nos coloca em posição muito me-
lhor para abordar fenômenos culturalmente tão complexos como os que são
vivenciados em praticamente todas as sociedades do mundo. Do ponto de
vista educacional, é inútil prestar atenção nas essências culturais, enquanto
suas aplicações estão constantemente lhe atribuindo novos significados.
Em minha tese de doutorado sobre arte basca e identidade cultural,
pude explorar como foi construída no imaginário coletivo a identidade étni-
ca basca e, sobretudo, pude detectar claramente aqueles que contribuíram
com esse processo. É por isso que, quando me deparo com alguma situa-
ção educacional em que é preciso usar definições ou significados culturais,
é inevitável me questionar sobre a autoria de tais conceitos. Acredito que é
bom para as propostas multiculturalistas em educação, que nunca se perda
de vista o questionamento sobre a origem dos valores que muitas vezes se

161
QUESTÕES MULTICULTURAIS

apresentam como essenciais ou característicos de uma cultura, assim como


sobre a posição que ocupam seus defensores no jogo das hegemonias so-
ciais, políticas e econômicas presentes em seus contextos culturais.
Para explicar melhor, vou citar apenas um exemplo, e espero que seja su-
ficientemente significativo: Uma das autoras que, com mais autoridade e sa-
bedoria, abordou a questão da multiculturalidade no campo das artes e da
educação é, sem dúvida, Jacqueline Chanda (2004). Em seu trabalho intitu-
lado “Ver o outro através de nossos próprios olhos: problemas na educação
multicultural”, a célebre educadora norte-americana lamenta a forma inade-
quada como a educação artística de seu país incorporou elementos de outros
contextos culturais, especialmente africanos, em seus estudos de arte. Espe-
cificamente, se refere a certa incapacidade de alguns de seus colegas de ver o
“outro” e suas produções artísticas à partir do seu próprio contexto de origem.
Concordo com Chanda em seu repúdio ao fato destes produtos ou even-
tos artísticos serem analisados sem uma abordagem do contexto em que
foram produzidos, no entanto, minha perplexidade surge quando Chanda
vincula a legitimidade de qualquer interpretação desses produtos culturais
com os respectivos significados de seus contextos: “É necessário contemplar
o objeto com os olhos do outro e sentir o desejo de compreender suas cren-
ças e suas formas de pensar (.../ ...) Infelizmente, em geral, vemos as obras de
arte com os olhos da cultura dominante, porque a princípio estamos condi-
cionados a pensar dentro de uma perspectiva normativa. As descrições e as
interpretações de um objeto artístico visto com os olhos de alguém que não
está familiarizado com a cultura de origem do objeto, refletirá unicamente
os conceitos filosóficos, ideais e história desta pessoa, e não da cultura que
se está estudando. Uma estátua Ikenga, criada pelo povo Igbo na Nigéria,
será percebida de maneiras diferentes por um nativo do povo Igbo e um
etnógrafo britânico do século XIX”.(Chanda, 2004:3)
Não é difícil concordar com algumas das afirmações que acabo de citar,
mas sua apresentação me causa perplexidade porque há, na minha opinião,
pelo menos duas questões que escapam à educadora norte-americana:
A primeira é que considerar muitos desses produtos como arte já é uma
ressignificação própria de formas culturais distintas, a maioria das vezes, do
contexto em que esses produtos foram criados.
A segunda é que quando falamos de “os olhos do outro”, ou qualquer
termo equivalente, referindo-nos a contextos culturais diferentes do nosso,
não estamos submetendo a críticas o jogo de legitimação das distintas vo-
zes que, sem dúvida, existe na comunidade de origem de tais produtos. Ela
faz distinção entre um Igbo e um etnógrafo do século XIX, mas não ficam
claras as diferenças entre os próprios Igbo, porque, nesse ponto, quando
nos referimos ao outro como sinônimo de outra cultura, devemos nos per-
guntar: Quais são os significados de uma cultura? De seus líderes? Dos espe-
cialistas? Dos produtores? Dos usuários? Quais são as vozes legitimadas de
cada cultura e quais são os mecanismos que as legitimam? Raramente essas
questões são levadas em conta nas propostas de intervenção multicultura-
lista no ensino da arte, por serem muito críticas.
Aqueles que, como Chanda, não acreditam nas essências culturais ou nos va-
lores permanentes da cultura, mas sim, em uma constante transformação e res-

162
QUESTÕES MULTICULTURAIS

significação dos mesmos por seus usuários, deveriam mudar o foco do proble-
ma da idéia de permanência cultural para a interação dinâmica dos significados.
O que nos interessa são as transformações de sentido e suas razões, os jogos de
poder e hegemonia que perpetuam ou transgridem. É por isso que digo que as
fronteiras interculturais estão indefinidas, porque quando focamos nesse jogo,
percebemos que as mudanças de sentido não ocorrem necessariamente pró-
ximas aos limites tradicionais entre as culturas, se é que isso existe, mas se dão
com a mesma intensidade tanto no interior dessas fronteiras, como em seu con-
tato com o que está fora delas. A própria Jacqueline Chanda se descreve como
“um produto de, no mínimo, três culturas, a cultura norte-americana, em geral,
a afro-americana e a indiana.” (Chanda, 2004:3) Uma identidade tripla que lhe
permite observar e entender as obras de arte através de várias lentes distintas.
Certamente isso torna o problema da multiculturalidade um fato mais comple-
xo, como ela mesma afirma, porém, essa complexidade não é nada compara-
da ao resultado de uma descrição que ultrapasse as coordenadas tradicionais
das classificações etnográficas. Porque além de ser afro-americana ou indiana,
Jacqueline Chanda também é, por exemplo, mulher e professora universitária,
detalhes identificadores que podem ter tanto peso em suas experiências esté-
ticas, ou até mais, do que as etnias auto atribuídas. Pode haver quem encontre
nesta perspectiva resquícios de um velho subjetivismo. Estou disposto a aceitar
isso, sempre que considerarmos um sujeito, uma pessoa, uma encruzilhada e
um ponto de encontro de diferentes contextos simbólicos e culturais ou múl-
tiplas biografias, mas agora não posso desenvolver melhor essa idéia. Enfim, o
que digo é que uma das principais funções que podemos outorgar ao ensino
da arte centrado na experiência é a de possibilitar que todas as vozes sejam ou-
vidas (melhor assim do que dizer ouvir todas as culturas), inclusive aquelas que
as práticas tradicionais de ensino ignoram ou minimizam. Se trata, portanto, de
romper as dinâmicas escolares tradicionais, que buscam perpetuar os discursos
e as relações de poder já estabelecidos, favorecendo a presença curricular de
algumas pessoas (ou camadas culturais), em detrimento de outras, e assim per-
petuar discursos e relações de poder.

2.1. O debate metodológico: a questão da interpretação

Para este fim, a partir da concepção da arte como experiência e relato


aberto, combinada com uma perspectiva crítica da educação, podem se ar-
ticular diferentes estratégias metodológicas cujos fundamentos podem ser,
pelo menos, três:
• O enriquecimento das “molas” (influências) da experiência estética e de vida;
• O jogo dialético e a redescrição ironista;
• O reequilíbrio entre a análise e a emoção, através da prática da “leitura
inspirada”.

2.1.1. O enriquecimento das “molas” da experiência estética e de vida

Considerando que a experiência estética surge nos contextos mais diver-


sos, sejam artísticos ou de outra ordem cultural, parece adequado, como já foi
dito, ampliar a familiarização e a sensibilidade dos estudantes frente a todas

163
QUESTÕES MULTICULTURAIS

as formas de expressão artística ou estética. Tal familiaridade possibilitará que


eles sejam capazes de encontrar os discursos ideológicos, sociais e culturais
que constituem as obras, assim como os estímulos sensíveis e as narrativas
que lhes dão forma material. Na educação artística é decisivo, portanto, criar
em torno dos estudantes, um ambiente culturalmente rico, e fazer da arte, e
em geral de todo o conhecimento, um cenário onde se pode recriar, testar e
representar experiências de vida. Afinal, os usuários da arte não devem viver
como mundos distintos – típicos de gênios criativos, aficionados ou povos dis-
tantes – das respostas a impulsos vitais parecidos e necessidades psíquicas,
ideológicas e, até mesmo, políticas semelhantes às suas.

2.1.2. O jogo dialético e a redescrição ironista como fundamento de uma nova


atuação docente

A metáfora de Richard Rorty sobre a atitude ironista é uma das mais bem
sucedidas dos últimos tempos na capacidade de renovar meu pensamento.
Rorty descreve essa atitude como a prática consciente e constante da dúvi-
da ou da descrença. Ironista é para Rorty aquele que, na tarefa de conhecer,
exclui toda a pretensão de fazer com a verdade. A postura do ironista em
relação às descrições e fatos da experiência é a de aceitar que não são histó-
rias vindas diretamente da realidade, mas apenas jogos de linguagem sobre
a mesma. Por isso, é corrosivo para os princípios e práticas o jogo dialético
na sua tarefa de representar o mundo.
O ironista descrito por Rorty usa a técnica de provocar mudanças ines-
peradas de configuração por meio da transição entre terminologias: “Seu
método é a descrição e não a dedução (lógica) (…/…) de objetos e aconte-
cimentos em um jargão formado, em parte, por neologismos, na esperança
de encorajar as pessoas a adotá-lo e difundi-lo.” (Rorty, 1989:96). Esta nessa
forma de pensar o jogo dialético que Rorty coloca a crítica literária, que con-
forme suas abordagens, não consiste em “explicar o verdadeiro significado
dos livros”, senão situá-los no contexto de outros livros, ou ainda situar figu-
ras no contexto de outras figuras. Desse modo podemos dizer que um dos
pilares do método ironista é a redescrição, convertida em uma espécie de
“crítica cultural”. O interessante sobre o ironista rotyano, cujas características
foram brevemente apresentadas, é que oferece um bom material para tecer
um novo perfil do educador artístico e fundamentar nossas práticas edu-
cativas de forma mais adequada às diferentes condições sociais e culturais.
Partir de uma atitude ironista nos leva, entre outras coisas, a considerar
escritores, filósofos ou artistas plásticos e suas obras, não como canais que
nos conduzem para a verdade, mas sim, com exemplificações ou “abrevia-
turas de determinados léxicos modernos e das formas de crenças e desejos
típicos de seus usuários” (Rorty, 1989:97).
Visto assim, o estudo da arte ou da cultura visual deveria se transformar
em uma maneira de fazer amizade com pessoas estranhas, com experiên-
cias distantes, que nos ajudem a rever e renovar as nossas: “Nada pode servir
como crítica a uma pessoa, a não ser outra pessoa, ou como crítica de uma
cultura, salvo uma cultura alternativa, pois, para nós, povos e culturas são
vocabulários encarnados” (Rorty, 1989: 98).

164
QUESTÕES MULTICULTURAIS

Uma educação orientada por esses critérios constantemente encoraja o


surgimento de novos jogos de linguagem e o confronto dialético, não por-
que estão em busca de uma finalidade, mas porque essa estratégia traz no-
vas maneiras de ver o mundo e liberta a imaginação (Greene, 2005). Para
realizar esse trabalho de confronto de vocabulários ou criação de novos
jargões, segundo o método de ação do ironista, poderíamos recorrer a di-
versos recursos sistemáticos como a manipulação do contexto e a redefini-
ção, a desconstrução, o jogo entre símbolos, ou qualquer outra estratégia
de interpretação, sempre despojadas de sua pretensão de atingir alguma
verdade fora do seu próprio discurso.
Além disso, a adequação de uma perspectiva ironista ao campo do
ensino da arte, como a que estou demonstrando, nos convida a repensar
nossa idéia de interpretação e, sobretudo, de “compreensão” em nossa
atuação como docentes. Deste ponto de vista, entender as obras de arte
não seria necessariamente atribuir-lhes algum sentido preestabelecido,
mas ser capaz de descrevê-las, envolvendo-as com as influências estéticas
que constituem a experiência de vida de cada um. O cenário de produção
das obras de arte ou das imagens pode ser importante para uma idéia de
compreensão que procure dar conta de seus significados fixos e definiti-
vos. No entanto, na minha opinião, o contexto pessoal ou social de aplica-
ção é o que realmente tem relevância para os educadores artísticos, pois é
nesse contexto que as imagens podem se tornar alimento para o imaginá-
rio juvenil e elementos ativos na formação da sua identidade. Em termos
rortyanos, o que nós educadores buscamos em nossa interação com as
obras de arte é redescrevê-las em um novo jargão, com a esperança de
que esse jargão possa se espalhar e abrir caminho para novos jargões. Ou
seja, temos esperança de progredir na mudança de vocabulário que está
fazendo de nós e de nosso meio, os melhores possíveis.

2.1.3. “Leitura inspirada”: O reequilíbrio entre a análise e a emoção

Já vimos que, tanto Dewey como Rorty, dão a tônica sobre a interação
entre a obra de arte e a experiência de vida, considerando que esta ligação
constitui a finalidade de nossa relação com as artes. Ambos indicam clara-
mente que, depois da crítica analítica, chegou o momento de nos deixar-
mos levar sem medo para “vivenciarmos” as obras de arte, para nos envol-
ver cognitiva e emocionalmente com elas, desenvolvendo em sua plenitude
cada experiência estética.
Coerente com esta idéia e indo para o campo específico da prática edu-
cativa, considero que as estratégias de compreensão não devem ficar exclu-
sivamente no nível analítico-cognitivo, como é habitual na perspectiva crí-
tica, também devem progredir simultaneamente no nível emotivo-estético.
Na base da compreensão estética está a capacidade humana de participar
imaginativamente – de viver esteticamente – cada um dos atos de sua vida,
e é nesse contexto que o ser humano se prepara para participar e transfor-
mar o seu ambiente social, porque, como disse Dewey (1934:12) “a obra de
arte desenvolve e ressalta o que é significativamente valioso nas coisas que
apreciamos diariamente”.

165
QUESTÕES MULTICULTURAIS

Da perspectiva pragmatista, o propósito da compreensão estética seria


o enriquecimento da experiência, ao passo que a análise deveria ficar em
segundo plano. Para ele, seria muito pobre uma proposta de ensino da arte,
cuja finalidade fosse buscar a interpretação precisa ou encontrar a chave do
significado das obras de arte; que isso seja feito atendendo a intenção do
autor, ao sentido da própria obra ou aos valores culturais que poderiam ter
no contexto, onde originalmente se dotou de significado.
Contudo, isso não significa ignorar o valor que a análise de conteúdo, a
desconstrução ou qualquer outra forma de interpretação possam vir a ter,
como estratégias que provocam nossa imaginação e nos ajudam a chegar
além do que já sabemos no ato da compreensão. A teorização e a análise
crítica podem ser, sem dúvida, ferramentas eficazes para romper o confor-
mismo e favorecer a compreensão na educação artística. Mas, a análise não
é a compreensão, da mesma forma que a história da produção de uma obra
de arte não é suficiente para explicar esta obra ou lhe atribuir significado. A
análise deve servir para situar a obra em um contexto cultural, nunca para
substituir ou reproduzir plenamente a experiência da obra de arte.
Do ponto de vista que estou expondo, ver obras de arte (assim como ler
textos literários ou escutar peças musicais) não é apenas tentar achar o seu
significado, mas sim, vê-las à luz de outras obras de arte, de outros textos,
de experiências passadas ou das experiências de outras pessoas. Essa é a di-
ferença entre o que Rorty chama de leituras metódicas – as que sabem exa-
tamente o querem de uma obra de arte – e as leituras inspiradas – ou seja,
aquelas guiadas pelo “apetite por poesia”, feliz expressão de Kermode. As
primeiras projetam o conhecimento do espectador sobre a obra analisada,
já o segundo tipo de leitura consiste em se colocar diante das obras de arte
disposto a querer algo diferente, algo que lhe estimule a mudar, melhorar,
ampliar ou diversificar seus objetivos e, assim, sua própria vida.

2.2. O debate sobre a finalidade da educação: A criação de um “eu” próprio e a


participação solidária em um “nós”

Os fundamentos estéticos, filosóficos e educativos que estou apresentan-


do trazem como consequência a necessidade de projetar nossos objetivos
educacionais para além da alfabetização visual, do conhecimento da arte,
por mais profundo que este seja, ou da sempre indispensável crítica cultural.
Mesmo sem negar o interesse que cada um desses objetivos pode ter
para orientar a formação dos nossos alunos, na minha opinião, a finalida-
de do ensino da arte deveria ser criar competência, critérios e sensibilidade
para fazer uso das experiências transmitidas pela arte ou pela cultura visual.
Se o ensino da arte tem algo interessante a oferecer, certamente é a opor-
tunidade perfeita de enriquecer nossos próprios projetos de vida com as
tramas tecidas por outros autores, cruzando suas experiências estéticas com
as nossas. Definir a arte como experiência nos força a estabelecer necessaria-
mente uma relação com as produções estéticas e os seus autores, baseada
exclusivamente no conhecimento, seja analítico formal ou desconstrutivo.
O encontro com as obras de outros autores pode nos levar a estabelecer
um tipo de relacionamento que contribua para a satisfação de dois objeti-

166
QUESTÕES MULTICULTURAIS

vos educacionais complementares e convergentes: por um lado, o enrique-


cimento da própria experiência pessoal, ou como disse Rorty, “a criação de
si mesmo”; e o surgimento da solidariedade baseada na ampliação do “nós”,
uma forma mais democrática que a mera aceitação do “outro”.
Na minha opinião, ambos os objetivos indicam muito bem o caminho que
a educação artística deve tomar para oferecer alternativas de melhoria para
os diversos tipos de sociedade e de estudantes que hoje temos diante de nós.
O valor da arte na geração do “eu” se dá enquanto todo artefato estéti-
co, como mostrei anteriormente, é suscetível a converter-se em um resumo
simbólico, no qual se pode cristalizar sentimentos, formar valores ou ter ex-
periências estéticas.
Todo objeto, ação ou discurso, inclusive as obras de arte, pode se aliar à
história de vida de alguém para produzir uma experiência, que pode ou não
ser estética, mas que de qualquer forma afeta a criação do “eu”: “Tudo, do
som de uma palavra ao contato com a pele, passando pela cor das folhas,
pode servir, de acordo com Freud, para dramatizar ou cristalizar o sentido
que um ser humano dá a sua própria identidade. Porque qualquer coisa
pode desempenhar na vida de alguém o papel que, para os filósofos, po-
deria ou, pelo menos, deveria ser desempenhado unicamente por coisas
universais, comuns a todos. Tudo isso pode simbolizar a marca cega que
conduz todas as nossas ações” (Rorty, 1989: 56-57).
Por isso, buscar o significado dos produtos estéticos no seu contexto de
origem, como sugerem algumas didáticas multicuturalistas, é apenas uma
das possibilidades de trabalho oferecidas, pois o fato de compreendê-los
como mediadores de valores, crenças, desejos e fantasias, nos estimula
a tirar muito mais proveito de suas qualidades estéticas ou artísticas. Pelo
contrário, como disse antes, é mediante a redescrição dos outros ou através
do envolvimento com suas obras, que se realiza sua própria construção. O
processo começa quando desejamos saber se temos que adotar a imagem
daqueles que nos surpreenderam e buscamos essa resposta experimentan-
do jogos de linguagem e metáforas elaboradas por eles.
No jogo com esse novo vocabulário redescobrimos a nós mesmos, nosso
passado, o contexto em que estamos e comparamos os resultados a outras re-
descrições alternativas. Fazemos tudo isso, pois esperamos que essas redescri-
ções façam do nós o melhor eu possível (Rorty, 1989:98). Aliás, enquanto nós
cultivamos nossa identidade, nos tornamos sensíveis à linguagem dos outros,
nos equipando com uma bagagem cognitiva e afetiva que nos ajude a evitar
uma humilhação. É desta forma, através da redescrição, que a linguagem dos
outros fica gravada em nós mesmos. Os “outros” já não estranhos, alguém que
devemos entender ou tolerar, mas uma extensão de nós mesmos.

2.2.1. O debate sobre o poder da arte e seu valor para a reconstrução social

Ensinar a compreender as obras de arte não é, portanto, apenas desven-


dar os mecanismos de poder implícitos nas obras e, assim, libertar os indi-
víduos, e sim, fornecer informações completas sobre os princípios, crenças
e desejos alheios, de forma que esse conhecimento nos possibilite ser soli-
dários às causas justas. A ação educativa de compreender a cultura estéti-

167
QUESTÕES MULTICULTURAIS

ca (nossa e dos outros) deve ter como missão ampliar o espectro do “nós”,
única forma possível de concretizar a solidariedade diante do sofrimento.
Esse é o meio mais eficaz de nos identificar com o outro e “fazê-lo nosso”.
Nesse sentido, o ensino da arte é ideal para desenvolver uma identidade
leve, casual, permeável e aberta à aceitação do outro, bem como, eficaz na
transformação e reconstrução social, enquanto esse tipo de identificação
nos predispõe a ser sensíveis à humilhação.
No meu entendimento, não é através de um suposto exercício de ação
direta da arte, mas sim, com a educação frente à desigualdade, que o ensino
da arte pode contribuir com a reconstrução social. É a capacidade da arte
de evocar o contingente e imaginar novas linguagens que torna possível
extendendo nossa sensibilidade para as contingências do outro e, com isso,
expandir-nos – em vez de “compreender o outro” – ampliando, desse modo,
o leque de opções do que consideramos objeto de nossa solidariedade.
As experiências estéticas não resolvem nada por si mesmas, tampouco a
arte, mas contribuem para uma diversificação e expansão das crenças pes-
soais, além do crescimento da sensibilidade, que em última instância e de
acordo com um paradigma moral baseado na igualdade, respeito pelos ou-
tros, etc., podem levar à melhoria das relações sociais, uma maior identifica-
ção com a sensibilidade estética do outro e, assim, com sua maneira de estar
no mundo e lidar com ele.

2.1.2. Algumas conseqüências

Finalmente gostaria de comentar que, por trás dessa concepção que es-
tou sugerindo, existe algo além de um método para discriminar os limites
do nosso campo de estudo e nossos objetivos educacionais, porque quan-
do decidimos qual é o espaço da nossa ação educativa, estamos assumindo
um compromisso com a ética. A forte carga ética e estética que acompanha
muitos dos produtos culturais atualmente consumidos por nossos estudan-
tes, nos estimula a enfrentar a situação partindo de onde a experiência es-
tética tem lugar, ou seja, produtos e situações derivados dessa experiência.
Repensar nossa atuação como educadores e os eixos do nosso trabalho
são os grandes desafios que temos pela frente. Porém, não é uma tarefa
fácil em razão das próprias características do território onde devemos de-
senvolver nossa ação e pelo peso que ainda tem em nossa cultura o antigo
imaginário escolar. Por sorte, acredito que uma visão pragmatista pode nos
proporcionar o matéria-prima necessária para gerar novas linguagens, no-
vas formas de imaginar a educação e nos reinventarmos nela.
Por um lado, nos mostra que não é importante definir se o objeto de
estudo do nosso campo de trabalho é a arte visual ou a cultura visual. Na
verdade, não há contradição entre os dois termos, nem entre cultura popu-
lar e cultura erudita, se esse tipo de produto for considerado um compêndio
de experiências. Também nos permite evitar a necessidade de impor formas
de arte supostamente refinadas à outras que achamos que não são. Ao con-
trário, uma perspectiva pragmatista nos incita a buscar a melhoria da capa-
cidade sensível para viver esteticamente (e eticamente), como centro das
ações educacionais; e aperfeiçoar o desenvolvimento de uma ferramenta

168
QUESTÕES MULTICULTURAIS

para o desenvolvimento pessoal do indivíduo, ou seja, uma ferramenta útil


para melhorar a vida.
Os trabalhos de Rorty têm me dado a possibilidade de experimentar uma
renovação de linguagem e, com ela, do imaginário respeito ao professor e
às atividades educativas. Tentei adaptar o modelo de pensamento e ação
ironista, destacado Rorty, para essa finalidade e o resultado foi um tipo de
educador muito diferente daquele que habita o imaginário atual. Longe de
considerar o professor como aquele que sabe tudo e tem como única mis-
são transmitir seus conhecimentos, do ponto de vista do modelo ironista,
vemos um professor muito peculiar:
• Intrigante,
• Instigador,
• Aberto às necessidades e
• Criador de relações inéditas.
Esse mesmo modelo também possibilita imaginar de outra maneira as
práticas e, principalmente, os objetivos educacionais, centrados não apenas
na aquisição de conhecimento, mas na preparação para a vida.
Sei que esta tarefa não deveria ser exclusivamente assumida por edu-
cadores de arte, mas este deve ser o marco de uma ação educativa geral.
Também sei que nesse caso, poderia acontecer de nos ser exigido tratar uni-
camente das artes visuais. Mas o principal é não manter a idéia ultrapassada
de que cabe a nós ensinar arte e apenas arte. Porque sem uma proposta
didática de formação de pessoas capazes, competentes, bem equipadas e
preparadas para as novas realidades que vamos encontrar, se torna irrele-
vante que os estudantes saibam mais ou menos sobre arte, assim como não
importa que saibam muita álgebra, trigonometria ou os nomes dos artistas
do barroco brasileiro.
Talvez seja a hora de perceber que a escola de hoje, se não abrir suas portas
e romper com seus costumes, no seu papel de cofre intransponível do conhe-
cimento, de costas para a vida; não será o lugar mais apropriado para aproxi-
mar os estudantes do legado cultural e muito menos para tornar esse legado,
parte do seu imaginário estético e útil para suas experiências de vida.

169
QUESTÕES MULTICULTURAIS

referências bibliográficas
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170
QUESTÕES MULTICULTURAIS

171
6
Ensino de Arte e Necessidades
Educacionais Especiais
Professor autor Ms. Fernando Antônio Gonçalves de Azevedo
APRESENTAÇÃO

Prólogo ou primeiras conversas...

E eis que surgem as primeiras questões: quem são os meus interlocu-


tores? Que história de vida pessoal e profissional construíram? O que fazer
para estabelecer o diálogo? Dizer de mim primeiro é reforçar a relação man-
do-obediência, ou seja, é reafirmar a ideia de professor que sabe e estudante
que não sabe, por isso quero começar dizendo que parto da ideia de dialo-
gicidade apreendida de Paulo Freire: No terceiro capítulo da obra Pedagogia
do Oprimido (2005) encontramos o ponto preciso para que conexões, laços,
Prof. Ms. Fernando Antônio
conflitos e reelaborações de aprendizagens possam ser estabelecidas no
Gonçalves de Azevedo*
sentido da transformação e da emancipação humana.
No caso desta disciplina, a possibilidade de construção da passagem
da concepção de educação excludente para uma concepção de educa-
ção inclusiva. Portanto, proponho começarmos pelo princípio da “dialogi-
cidade”.
Você já leu algum texto sobre esse assunto? Sabe algo sobre o papel de
Noemia Varela para o campo da Arte/Educação? Já estudou algum texto
sobre a relação de Paulo Freire com o campo do ensino da Arte? Sabe que
existe uma conexão entre o pensamento de Paulo Freire com Noemia Varela
e Ana Mae Barbosa?
Para inicio de diálogo pensei em contar um pouco de minha história de
arte/educador. O texto que inicia a Unidade 1 faz parte de minha dissertação
de mestrado (ECA/USP) que tem como título Movimento Escolinhas de Arte:
em cena memória de Noemia Varela e Ana Mae Barbosa.

Sigamos nosso diálogo!

* Currículo: Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco (1976)


e mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo (2001). Doutorando em Educação
pela CE/UFPE. Atualmente é professor titular do Governo do Estado de Pernambuco,
professor - Faculdades Integradas da Vitória do Santo Antão e professor titular da Facul-
dade Decisão. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Ensino de Arte, atuan-
do principalmente nos seguintes temas: arte educação, educação especial, ensino de
arte, formação continuada de professores e inclusão social e cultural, além de Filosofia
e Filosofia da Educação.

174
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

Dados da Disciplina

ementa:
Estudo da história das articulações entre a Arte/Educação com a Educação
Especial. Compreensão dos trânsitos históricos, políticos e conceituais en-
tre a concepção de Arte na Educação Especial para a concepção de Arte na
Educação Inclusiva.

objetivos
• Destacar na História da Arte/Educação brasileira as contribuições de
Noemia de Araújo Varela sobre a Arte na educação de pessoas com ne-
cessidades especiais;
• Construir uma visão crítica da passagem histórica da concepção de Edu-
cação Especial para a concepção de Educação Inclusiva;
• Reconhecer a importância da Arte seu ensino e sua história na forma-
ção do ser humano a partir de seu caráter aberto ao experimento e a
inventividade.

Unidades
UNIDADE 1 – Arte Educação e Educação Especial: Histórias do Ensinar
1.1. Fio da Memória e da Narração
1.2. Noemia Varela: uma vida, fazeres e pensares
UNIDADE 2 – Arte Educação e Educação Especial: Questões Políticas
2.1. Base Legal
UNIDADE 3 – Arte Educação e Educação Especial: Reflexões
3.1. Arte e Provocações

175
UNIDADE 1
Arte Educação e Educação
Especial: Histórias do Ensinar

“Talvez seja importante nessa dissertação você narrar também sua pró-
pria história de arte/educador”. Essas palavras estão escritas, com a própria
letra de Mariazinha Fusari, em meu relatório de qualificação e ficaram em
minha cabeça como um eco que muitas vezes me acordou no meio da noi-
te. Foi em uma dessas madrugadas que resolvi começar a reinventar minha
história de aluno, de aprendiz, e da vontade de ser arte/educador. Como
se contasse uma história de uma personagem, fui construindo minha nar-
rativa: recurso para que a exposição em que me empenho, neste momen-
to, fosse, de certa forma, aliviando a dor e reforçando a delícia de recordar
meus primeiros contatos com a Arte, com a Educação e com a vida.
Parti avidamente para a aventura, sem nenhuma preocupação de escre-
ver/narrar ou inventar/reinventar esta minha história com veracidade: muito
mais que isso, tentei perseguir um veio poético e ficcional, fragmentado e
contraditório, reconstruído a duras penas, e por isso mesmo mais dialógico.
Tudo começa com um tênue fio que possibilitou tecer esta história carre-
gada de ambiguidades e provisoriedades. Eis, aqui, parte dela.
Um reino de brincadeiras espalhado em um quintal, que a meus olhos
de criança era enorme.
Fantasias e cenários inventados das coisas mais velhas que eram jogadas
num quartinho no fundo do quintal. Era um resgate, minha forma de brin-
car – diferente da dos meus irmãos – desde muito cedo, fomos nos diferen-
ciando; eles, com nossos pais, em uma casa grande com cachorro, árvores
de frutas das mais variadas e uma cocheira com um casal de cavalos; eu, em
um pequeno apartamento, único companheiro de uma avó separada (era
assim que chamavam as mulheres descasadas na época, termo inclusive
carregado de preconceito). Minha avó gostava de ouvir ópera, ir ao teatro e
tomar chá lendo poesia. Esse foi o meu mundo primeiro, o primeiro olhar às
coisas: toques, cheiros, contato com o entorno – minha primeira consciên-
cia de um universo muito peculiar.
Não sabia ler direito as letras e os números, e nem me importava com
isso, talvez nem precisasse, adivinhava o futuro. O que gostava mesmo era
de juntar roupas usadas e com elas representar personagens diferentes
diante de um espelho enorme – possibilidade de inventar novos gestos,
lembrando as peças infantis, os artistas de cinema, as pessoas que via na
rua e me chamavam a atenção, pessoas diferentes, personagens diferentes.
Havia em mim uma espécie de fascínio pelo diferente, em um mundo que
já primava pelo igual, pela média, pelo medíocre.

176
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

Trancado em nosso único quarto (meu e de minha avó), desafiava o mun-


do do lado de fora a cada nova personagem, que, com uma lógica muito
especial e própria, apenas pela emoção da brincadeira, reinventava, improvi-
sava, envolvido no prazer de brincar. Minha avó assistia as minhas represen-
tações, discutia as tramas, criticava o excesso de meneios, propondo novos
gestos, novos tons, e, assim, eu continuava sem saber ler direito nem letras,
nem números, mas fascinado pelas cores, pela possibilidade de desenhar,
pela teatralidade da própria vida a que assistia da janela de nosso quarto.
Quando a professora vinha dar aulas, pagas por meu avô, eu me sentia
cansado, chateado com o exagero de realidade de separar as sílabas, de jun-
tá-las, de ler só as letras e desprezar as imagens das lições, de somar e dividir
bolinhas. Essa professora vinha do subúrbio, algo que era enfatizado por mi-
nha avó como muito distante, quase um outro mundo, e isso me fazia sonhar.
A professora não tinha nenhum respeito por meu inventar histórias, e eu
percebia, que escondida, de minha avó, ela ria dessas histórias.
Um dia, fomos buscar meus pais no aeroporto, primeira vez que ia vê-los
depois de quatro anos, mais ou menos. Minha avó dizia a todo instante na
preparação do encontro: “Se comporte bem, finja que eu estou sempre com
você, não diga a ninguém que eu saio à noite...” e mais uma série de reco-
mendações.
Esse reencontro me causou medo e eu não compreendia bem por que, do
caminho do aeroporto até o hotel em que eles (meus pais) iriam ficar pairava
um clima de desconforto, de tensões entre minha mãe e minha avó, até que
minha mãe disse alto e severamente dirigindo-se à minha avó: “Você tornou
esse menino uma coisa diferente.” Segundo eles, acuado, cheio de medos,
muito delicado (demais), e, acima de tudo, sem saber ler.
Daquele primeiro dia até a volta para Recife, passaram-se trinta e dois dias
de intensas negociações entre minha avó e meus pais, nas quais, minha avó
sempre saía perdendo diante dos argumentos deles. Voltei a contragosto
com meus pais e, quase que imediatamente à chegada, fui levado para fazer
testes na escola Ulisses Pernambucano (famosa escola de educação especial
do Estado de Pernambuco).
Passaram-se muitos dias; eu, triste e assustado, fui colocado na escola de
crianças excepcionais da APAE. Nessa escola, fui atendido em sessões de es-
tudo, principalmente de leitura, pela própria diretora, professora Anita Perei-
ra da Costa1. Passei também por sessões de fonoaudiologia, oficina de marce-
naria e horas maravilhosas de desenhar, pintar, trabalhar com mamulengos.
A hora do lanche também era mágica: todos juntos, ostensivamente diferen-
tes, uma festa de crianças com as quais, pela primeira vez em minha vida, eu
sentia a segurança de estar em uma espécie indizível de fraternidade.
Mas devo dizer que, a princípio, tinha muito medo das crianças mongolói-
des, defeituosas demais, para meus olhos desacostumados; então, eu ficava
me lembrando de um filme a que havia assistido sobre crianças cruelmente
tratadas em um campo de concentração nazista, arrancadas de seus pais du- 1. Anita Pereira da Costa participou da
Liga de Higiene Mental criada por Ulisses
rante o holocausto. Pernambucano e estava no grupo de
Dessa escola, no entanto, trago os primeiros conhecimentos sistemáticos educadores pernambucanos que foi com
Noemia Varela para o Rio de Janeiro em
de Arte. O primeiro mamulengo que construí, da massa até a representação 1949 participar de um Congresso da
atrás da caixa mágica, e o prazer de aprender. Sociedade Pestalozzi.

177
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

Para mim, era engraçado, porque o que fazia escondido com a minha
avó, agora eu podia fazer na escola, podia representar, criar histórias, fanta-
siar. A professora, como minha avó, perguntava sobre a minha criação, criti-
cava com jeito, melhorava.
Em dias muito felizes – especiais, podíamos representar para muitas pes-
soas e também para os pais. Também os meus. Não, apenas para minha mãe,
e ela simplesmente detestava aquilo. Ela não me dizia, mas eu percebia que
ela não gostava. Ela escondia sua humilhação. Voltávamos sempre para casa
com um ar pesado entre nós. É curioso, porque ela nunca levou nenhum de
meus irmãos para assistir a algumas daquelas festas de minha escola – es-
cola de crianças excepcionais. No fundo, eu sabia, porque ela me dizia sem-
pre que eu não podia falar que estudava lá, mas eu nem ligava para isso, já
estava acostumado com vida secreta, aprendera tão bem com minha avó a
não contar sobre seus namorados a ninguém e no fundo não me interessa-
va muito pelo mundo, que, na ocasião, era-me imposto. Por isso, buscava o
fundo do quintal daquela velha casa, hoje demolida e transformada em uma
igreja dessas religiões novas.
Na escola, criei uma continuação de meu mundo lúdico e onírico sem o
glamour de ver minha avó se enfeitar e sair para ir ao teatro, ao cinema ou
namorar, mas, com a liberdade de poder lidar com tintas e pincéis, massa
de modelar, vestir os bonecos, criar histórias, participar da bandinha, tudo
pelo prazer de brincar. Com meus pais, nunca fui ao teatro e ao cinema, ape-
nas podia assistir aos filmes de que meu pai gostava. Portanto, com tintas e
pincéis, tinha contato em minha maravilhosa escola de crianças diferentes
– excepcionais – que modernamente trabalhava, hoje sei, a livre expressão
da criança, inclusive das crianças diferentes. Essa escola foi muito importan-
te em minha vida. Lá aprendi a amar a leitura, a respeitar as diferenças, as
pessoas, a gostar da escola, e lá descobri que em tudo pode haver mágica e
mistério, principalmente no aprender a ler a vida.
Hoje, penso que exatamente porque se trabalhava ali a leitura e a es-
crita de outros códigos – as linhas, os movimentos, as cores, os gestos e as
sonoridades – pude escolher ser arte/educador, porque ficou gravado para
sempre em minha memória que aprender tem a ver com aventura e que a
escola deve ser esse lugar privilegiado que impulsiona o aventurar-se ao co-
nhecimento, e que ela não pode ser opressiva e excludente, ao contrário, ela
tem que incluir todos – na aventura de aprender – com suas ricas e infinitas
diferenças.
Esse fragmento narrativo de minha história é uma resposta não apenas à
professora Mariazinha (da qual todos nós guardamos belos ensinamentos),
mas também à forma que encontrei de me incluir mais enfaticamente neste
trabalho de pesquisa sobre o Movimento Escolinhas de Arte, através do de-
poimento de duas arte/educadoras, (Noemia Varela e Ana Mae), que, entre
outras, construíram a história desse movimento, contribuindo para a difusão
da Arte/Educação em nosso país.

178
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

Esta unidade pretende colocar alguns aspectos históricos que provavel-


mente ajudam a ampliar nossos conhecimentos sobre a Arte, seu ensino e
sua história. Proponho começarmos assistindo ao vídeo intitulado Noemia
Varela: uma vida, fazeres e pensares, material que foi elaborado para com-
por o módulo da exposição – uma vida – organizada em homenagem a
grande arte/educadora brasileira Noemia de Araújo Varela.
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=oekplNIgedQ

saiba mais
Vocês também podem acessar outro vídeo com uma entrevista concedi-
da por Noemia Varela ao Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais:
http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.Navigat
ionServlet?publicationCode=16&pageCode=441&textCode=1848&date=cur
rentDate
Neste endereço eletrônico há também entrevistas com outros arte/edu-
cadores: Gisélia Sátiro, Fernando Azevedo, Rejane Coutinho, Jaisa Farias.

E agora? Vamos refletir um pouco sobre a História da Arte/Educação no


Brasil? Vou começar pelo fio da memória e da narração. Esta é, apenas, uma
versão, um ângulo da História, mas um fragmento que é de extrema impor-
tância para o estudo e a pesquisa nesta disciplina...

1.1 Fio da Memória e da Narração

Vamos, então, iniciar com um trecho do texto de Walter Benjamin, um


dos integrantes da famosa Escola de Frankfurt. Escola que criou a teoria críti-
ca. Este pensador afirma sobre o ato de narrar:

A narrativa, [...] – é, por assim dizer, uma forma artesanal de comunicação. Sua intenção primeira
não é transmitir a substância pura do conteúdo, como o faz uma informação ou uma notícia. Pelo
contrário, emerge essa substância na vida do narrador para, em seguida, tirá-la dele próprio. Assim
a narrativa revelará sempre a marca do narrador, assim como a mão do artista é percebida, por
exemplo, na obra de cerâmica. Trata-se da inclinação dos narradores de iniciarem sua história com
uma apresentação das circunstâncias nas quais foram informados daquilo que em seguida passam
a contar; isto quando não apresentam todo o relato como produto de experiências próprias [...]
Assim, sua marca pessoal revela-se nitidamente na narrativa, pelo menos como relator, se não
como alguém que tenha sido diretamente envolvido nas circunstâncias apresentadas (1975, p. 69) .

Em sua obra recente, Ensino da Arte: memória e história, Ana Mae Barbosa
afirma: “Na arte e na vida memória e história são personagens do mesmo ce-
nário temporal, mas cada uma se veste a seu modo. [...] A história intelectu-

179
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

al e formal, usa a vestimenta acadêmica, enquanto a memória não respeita


regras nem metodologias, é afetiva e revive a cada lembrança (2008, p.01)”.
Acrescento a compreensão de Ana Mae uma afirmação de Marilena Chauí
sobre a história [...] é descontínua e não progressiva cada sociedade tem sua
história própria em vez de ser apenas uma etapa numa história universal das
civilizações (2005, p. 50).
Neste amálgama não posso esquecer as lições de minha professora Ecléa
Bosi, com quem aprendi o sentido de história como memória, presente em
sua obra Memória e Sociedade: lembranças de velhos, da qual ressalto: “Uma
lembrança é diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o
trabalho da reflexão e da localização, seria uma imagem fugidia. O senti-
mento também precisa acompanhá-lo para que ela não seja uma repetição
do estado antigo, mas uma reaparição (1994, p. 81)”.
E para fechar esta introdução, ressalto António Nóvoa em Vidas de profes-
sores “[...] não é possível separar o eu pessoal do eu profissional, sobretudo
numa profissão fortemente impregnada de valores e ideais e muito exigen-
tes do ponto de vista do empenhamento e da relação humana (1995, p.16)”.
É, pois, no sentido de trazer a luz fragmentos de memórias, colhidas junto
a Noemia Varela, portanto, sem obedecer a uma linha de tempo linear, que
convido vocês a tecer suas próprias considerações: juntando partes, tecer
tramas, reinventar a história estabelecendo seus fios condutores, pois como
chama atenção Ana Mae à memória não respeita regras nem metodologias,
ela é afetiva .
Eis minha narração... Refletir sobre o papel de Noemia Varela na História
da Arte/Educação brasileira exige trazer a tona seus laços afetivo-intelectu-
ais, pois nossa personagem trabalha sempre em grupo, respeitando e valo-
rizando a diversidade de contribuições e as decisões do coletivo, ou seja, re-
fletir sobre sua história pessoal é também refletir sobre os contextos de sua
história profissional e consequentemente sobre contextos da história que
construímos em Arte/Educação.
Noemia Varela é nordestina da cidade de Macau, no Rio Grande do Norte;
cedo foi morar em Pernambuco e por isso se diz culturalmente pernambuca-
na, em Recife formou-se em Pedagogia.
Um destaque significativo de sua vida pessoal/profissional – de arte/edu-
cadora – diz respeito ao seu encontro com a Escolinha de Arte do Brasil (EAB).
Na verdade a primeira e grande paixão em Arte/Educação de Noemia Varela.
Este encontro aconteceu em 1949, quando Noemia Varela recém forma-
da em pedagogia, foi ao Rio de Janeiro para participar do I Congresso Na-
cional da Sociedade Pestalozzi, presidida por Helena Antipoff, e entre suas
descobertas conheceu a EAB.
A EAB foi criada um ano antes, em 1948, no Rio de Janeiro (então Distri-
to Federal), pelo artista plástico e poeta pernambucano Augusto Rodrigues
juntamente com a professora de Arte gaucha Lúcia de Alencastro Valentim e
a escultora norte-americana Margareth Spencer.
Sobre o contexto de fundação da EAB trago o próprio Augusto Rodrigues
que em tom poético enfatiza:

180
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

Quando a escolinha realmente começou, creio que a tendência era ela se chamar Escolinha Castro
Alves, porque estava na Biblioteca Castro Alves. Mas eu não quis dar nome à Escolinha. Estávamos
realmente fazendo uma experiência em aberto, até o momento em que começamos a sentir que
precisava de um nome. Aí é que surgem as crianças que já começavam a dizer: ‘amanhã eu vou à
Escolinha’, e elas só chamavam de escolinha. Percebi de imediato que elas faziam uma distinção
entre a escola institucional e aquele lugar que elas passavam a chamar de Escolinha. Escolinha, no
diminutivo, com o componente afetivo. Uma era a escola onde ela ia aprender, a outra onde ela ia viver
experiências, expandir-se, projetar-se. Então foram elas mesmas que deram o nome (1980, p. 39).

Para que fique mais claro o encontro marcante de Noemia Varela com a
EAB e sua compreensão crítica do significado da filosofia e da prática desen-
volvida na escolinha ressalto o que afirma Noemia Varela:

A fidelidade da Escolinha de Arte ao nome [...] realmente foi muito positiva porque mostrou, com
acuidade de compreensão, que não é o nome que vai dar importância à experiência, é quem está
na experiência, e o que é feito, e o resultado e o processo dela, em termos de suas conseqüências
no sistema educacional brasileiro...

Na verdade, muitos artistas e educadores no Brasil e na América Latina fizeram experiências e


pesquisas na área de educação e arte... O que a Escolinha de Arte do Brasil fez [...] de singular para
mim é apresentar-se como proposta aberta, modelo gerador de novas Escolinhas de Arte, modelo
no sentido científico, não para ser imitado, mas para ser o ponto de partida para a mudança. Ela
nunca propôs a nenhuma Escolinha: ‘faça o que eu faço’. Mas: ‘tenha os fins, a expectativa, leve
as atitudes geradoras de uma experiência coerente com o seu meio’. Modelo gerador de novas
Escolinhas de Arte diversificadas na medida do sonho e da força criadora de seus fundadores. [...]

E se cada Escolinha – pelos seus ideais e princípios – se liga à experiência-mãe da Escolinha de Arte
do Brasil, por outro lado caminha independentemente em seu processo de desenvolvimento, au-
tônomo na dimensão que lhe conferem aqueles que a constituem, que fundamentam e orientam
a experiência (1980, p.70-71).

Assim, não posso negar que provavelmente esta viagem foi marcante
para a sua formação profissional: como pedagoga já demonstrava interes-
se pela educação de pessoas com deficiência, não é por acaso sua ida ao
congresso da Pestalozzi, pois já tinha algum conhecimento, sobre as contri-
buições de Helena Antipoff, para a educação especial articulada a Arte. Ela

181
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

não sabia, no entanto, que havia uma escolinha de arte (EAB) que trabalhava
atividades artísticas também com pessoas com deficiência e que Augusto
Rodrigues (que conheceu na referida viagem) era sempre convidado por He-
lana Antipoff para ministrar cursos de Arte Plasticas na Sociedade Pestalozzi.
A seguir destaco suas impressões poéticas de seu encontro com a EAB:

[...] havia plantas, havia as mesmas mesinhas que estão hoje lá, havia uma arrumação mais livre.
[...] vinte, vinte e cinco crianças de idades diferentes e uma jovem professora – Lucia Alencastro
Valentim – atendendo aquelas crianças sem assistentes. E elas livremente apanhando seus diários,
fazendo as suas pinturas.

[...] Enquanto eu olhava as crianças trabalharem tão poeticamente, eu ouvia a voz de Augusto fa-
lando de Herbert Read, as experiências, o interesse e a importância da auto-expressão. Aquilo tudo
me encantou – mas me encantou o ato, o fazer, a ação da expressão da criança (1978. p.88).

Penso que o testemunho crítico/poético e ao mesmo tempo apaixonado


de Noemia Varela deixa claro não apenas a experiência inovadora e pioneira
da EAB e consequentemente do Movimento Escolinhas de Arte, mas tam-
bém o papel que as escolinhas tiveram na formação das novas gerações de
arte/educadores. Não sendo por acaso o fato de Noemia Varela ter coorde-
nado, durante anos, o Curso Intensivo de Arte na Educação (CIAE), oferecido
pela EAB, dirigido para a formação de arte/educadores do Brasil inteiro. Se-
gundo Ana Mae, ao longo de anos o único curso que formava realmente no
campo da Arte/Educação.
Em sua volta a Recife Noemia Varela criou na Escola de Educação Especial
Ulisses Pernambucano um atelier de Arte para crianças consideradas fora
do padrão de normalidade, crianças que na época eram denominadas de
excepcionais. Este acontecimento possibilitou ser reconhecida na História
do ensino da Arte como a primeira arte/educadora brasileira a articular Arte/
Educação com Educação Especial.
Cabe um parêntese para enfatizar que na História mais ampla do Ensino
da Arte o trabalho elaborado por Victor Lowenfeld com crianças cegas na
Áustria é também um marco muito significativo da articulação entre Educa-
ção Especial e Arte/Educação.
Outro aspecto importante que deve ser ressaltado da vida de Noemia
Varela está relacionado aos vínculos que estabeleceu ao longo de sua histó-
ria pessoal e profissional. Em Pernambuco, seu contato com Paulo Freire foi
significativo para a Arte/Educação brasileira. Paulo Freire não foi apenas con-
temporâneo de Noemia Varela na Universidade do Recife na Escola de Belas
Artes, foi ele quem a indicou para ministrar a disciplina Prática de Ensino em
Artes Plásticas, no curso de professorado de Desenho, do qual o próprio Pau-
lo Freire era professor da disciplina Filosofia e História da Educação.
Amizade selada entre ambos foram professores de outros cursos, entre es-
ses destaco o que ministraram para preparar candidatos ao cargo de profes-
sores da rede de ensino do estado de Pernambuco, que ocorreu no Instituto

182
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

Capibaribe (escola criada pelo casal – Paulo e Elza Freire – e Raquel de Crasto)
em Recife. Neste curso uma das estudantes/candidatas era Ana Mae Barbosa.
Sobre o contexto do encontro com Paulo Freire e Noemia Varela, deci-
sivo para vida pessoal e profissional, de Ana Mae Barbosa prefiro ser fiel
ao texto Narrativa Circunstanciada, documento escrito pala própria para a
obternção de livre docência da Universidade de São Paulo.
Não havia uma vasta escolha profissional naquele tempo em Recife. As
Faculdades de Filosofia ainda não tinham credibilidade. Um aluno, primeiro
lugar da classe, para não desperdiçar seu talento era, invariavelmente, acon-
selhado por seus mestres a escolher dentre as três mais importantes carrei-
ras: Medicina, Engenharia ou Direito. Para mim, [...], restou a vala comum do
Direito.Para esta escola iam todos os aspirantes a atividades humanísticas.
A interferência da família continuou na base de negação de apoio finan-
ceiro para meus estudos. Resolvi, então, trabalhar, mas a única função externa
que meus familiares consideravam digna para uma mulher, era o magistério.
Surgiu um concurso para professores primários da Secretaria de Educação de
Pernambuco. Estes concursos eram extremamente concorridos porque a pro-
fessora primária, na década de 50, ainda tinha status e reconhecimento social.
Vários cursos preparatórios para o concurso foram organizados.
No Instituto Capibaribe, [...]. A primeira aula foi dada por Paulo Freire que
simplesmente pediu que escrevessemos explicando por que queríamos ser
professores. Meu texto foi o inverso: procurei explicar por que não queria
ser professora. Paulo Freire me chamou então para uma conversa individual
e me convenceu de que educação não era o que eu tinha tido; era outra
coisa que procuraríamos descobrir durante o curso. Descobri, sim, que edu-
cação é uma constante descoberta de si, dos outros e do mundo (Narrativa
Circunstanciada, s/d) (grifo meu).
Das conexões entre Paulo Freire, Noemia Varela e Ana Mae Barbosa, por-
tanto, nasceu a concepção de Arte/Educação crítica – que se caracteriza
por um postura contra-ideológica – e vem contribuindo fortemente para a
constituição da concepção de Arte/Educação pós-crítica – que se caracteri-
za por uma visão inter/multicultural trazendo para o espaço da formação do
arte/educador as questões de gênero, raça, etnia, sexualidade. Neste senti-
do abrindo o debate para a inclusão das e pessoas com deficiência.
Para finalizar esta unidade trago um pouco da exposição em homena-
gem a Noemia Varela destacando o texto de parede a seguir e algumas fo-
tos.

1.2 Noemia Varela: uma vida, fazeres e pensares

No trecho abaixo, o objeto evocado e encantado que se deseja revelar é


uma pessoa, uma historia de vida: Noemia de Araújo Varela.

Educar com arte para arte, esse fazer devemos, no Brasil, muito de seu desenvolvimento a Noemia
Varela. A formação aberta e sem demarcação de fronteiras: da psicologia, da filosofia, da história da
arte, da música, da pintura, da cerâmica à educação, inclusive, à educação especial, eleva a obra desta
professora, mestra de todos os que se interessam pelo ensino, a uma rica fonte de reflexão sobre o

183
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

sentido da arte na sociedade contemporânea.

Porém, ainda assustando a muitos, para essa pensadora, a arte não é compreendida com o uma dis-
ciplina que possa ser compartimentada o que largamente nos evidenciou os anos instigantes da Es-
colinha de Arte do Brasil, que tiveram uma missão pioneira em nosso país. (Lucimar Belo, 2001, p.11)

Noemia (ou D. Noemia, como chamamos nos seus aprendizes, em sinal de reverência) dedicou sua
vida a relações de aprendizagens, ao delicado ato concreto/mágico e humanizador de ensinar Arte.
Sua história de vida pessoal confunde-se maravilhosamente com a sua história de vida profissional.

Por ser múltipla podemos apresentá-la por meio de variadas maneiras.


Este é, portanto, um modo, apenas, de apresentar a homenageada desta
exposição. Eis uma outra maneira: Noemia Varela nasceu no interior do Rio
Grande do Norte, formou-se em Pedagogia em Recife, morou alguns anos
no Rio de Janeiro, onde trabalhou na Escolinha de Arte do Brasil(EAB) ao
lado de seu criador, o poeta e artista plástico, pernambucano, Augusto
1. Depois da morte da Drª Nise da Silveira em
Rodrigues e no Conservatório Brasileiro de Música. Lá, entre os inúmeros
30 de novembro de 1999, o Grupo de Estudos
passou a ser denominado com os nomes de Jung amigos que fez, estabeleceu laços afetivos e intelectuais com a Drª Nise da
e Silveira. Silveira , tendo participado do famoso Grupo de Estudos Carl Gustav Jung
2. Helena Antipoff, segundo Augusto Rodrigues durante todo o tempo em que morou no Rio Sua história de professora é
foi médica e educadora Russa, que veio ao Brasil também uma história de amor ao estudo e a vida: sempre atenta aos desa-
a convite de Francisco Campos (Secretário de fios da vida e da careira tem sempre como principio olhar o outro pelo ân-
Educação de Minas Gerais, um dos líderes do
Movimento Escola Nova). Em 1945 Helena veio ao gulo das suas capacidades inventivas, nunca pelo ângulo da falta, da perda,
Rio de Janeiro e a exemplo do que fizera em Minas da deficiência. Foi também no Rio de Janeiro que conheceu e se apaixonou
Gerais criou a Sociedade Peslalozzi do Brasil. São
inúmeras suas contribuições a Educação brasileira
por Arte/Educação, quando participando de um Congresso da Sociedade
embora seja injustamente esquecida pela Pestalozzi conheceu a EAB e ao voltar para Recife, cheia de idéias, criou na
História da Educação nacional. Entre as principais atual Escola de Educação Especial Ulisses Pernambucano um atelier de Arte
contribuições destaco: criou cursos de recreação,
teatro infantil, logopedia e cursos especializados para crianças especiais – marco que a faz ser reconhecida com a primeira
para professores de pessoas com necessidades arte/educadora brasileira a trabalhar com Arte na Educação Especial.
especiais. Criou também um dos primeiros
cursos de Psicologia em nível superior – o de
O amor à educação como possibilidade de libertação a fez juntar-se ao
Psicopedagógico – e foi professora do Instituto grande Paulo Freire. Assim não é por acaso que em seu memorial para ob-
de Serviços Sociais da Universidade do Brasil. tenção da livre-docência da Universidade de São Paulo Ana Mae Barbosa
Ele ajudou a trazer para o nosso país grandes
especialitas entre eles Claparède de quem foi tenha registrado o fato de escolher educação por ter sido fortemente in-
assistente em Genebra, lá foi professora de fluenciada pela pedagogia libertaria de Paulo e pela maneira libertária de
Psicologia entre os anos de 1926 a 1929. Sua
conceber Arte/Educação de Noemia Varela.
ligação com o movimento de Arte/educação
brasileiro deve-se a amizade com Augusto A exposição foi organizada em dois módulos articulados – uma vida e
Rodrigues e mais tarde com Noemia Varela. desenhos que contam histórias. Para o módulo uma vida, elaboramos um ví-

184
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

deo, cujo roteiro buscou ressaltar laços estabelecidos por Noemia Varela ao
longo de sua existência. Nesse, ela fala em tom de encantamento, sobre a
Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Também faz parte desse módulo uma vi-
trina em que as fotografias de família e de amigos, textos escritos em livros,
jornais e revistas de sua autoria e sobre seu trabalho compõem de maneira
não linear a história de sua vida.
A exposição Uma vida e desenhos que contam histórias, foi pensada, em

saiba mais
Busque no seguinte endereço www..funarte.gov.br o caderno de textos
1 Arte sem Barreiras ( ano 1 nº1 setembro/dezembro 2002) os seguintes
textos:
Abordagem histórica: do ensino da Arte especial ao ensino de arte inclu-
sivo de AZEVEDO, Fernando A. G.
As artes visuais e a educação inclusiva de MARTIS, Alice F.
Convergências: educação, arte inclusão? De AGUIAR, Ritamaria
Observação: neste mesmo endereço vocês podem encontrar outros
textos sobre Arte, educação e inclusão.

DICA DE LEITURA
Busque no seguinte endereço www..funarte.gov.br o caderno de textos
1 Arte sem Barreiras ( ano 1 nº1 setembro/dezembro 2002) os seguintes
textos:
Abordagem histórica: do ensino da Arte especial ao ensino de arte inclu-
sivo de AZEVEDO, Fernando A. G.

As artes visuais e a educação inclusiva de MARTIS, Alice F.

Convergências: educação, arte inclusão? De AGUIAR, Ritamaria

Observação: neste mesmo endereço vocês podem encontrar outros


textos sobre Arte, educação e inclusão.

185
UNIDADE 2
Arte Educação e Educação
Especial – Questões Políticas.

Inicio esta segunda unidade propondo a vocês uma reflexão sobre al-
guns pontos muito significativos para a teoria e prática “arteducativa”, pon-
tos que estão conectados com a política da diversidade cultural. Esta política
possui como fundamento os objetivos e princípios da Convenção sobre a
Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, aprova-
da na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação,
a Ciência e a Cultura, em sua 33ª reunião, celebrada em Paris, de 03 a 21 de
outubro de 2005, afirmando a diversidade cultural como: característica es-
sencial da humanidade. O Brasil retificou esta política por meio do Decreto
Legislativo 485/2006.
http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224POR.pdf

2.1 BASE LEGAL

A base legal deste curso toma os Objetivos e Princípios diretores da Con-


venção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais:

Artigo 1 – OBJETIVOS

Os objetivos da presente Convenção são:


(a) proteger e promover a diversidade das expressões culturais;
(b) criar condições para que as culturas floresçam e interajam livremente em benefício mútuo;
(c) encorajar o diálogo entre culturas a fim de assegurar intercâmbios culturais mais amplos e equili-
brados no mundo em favor do respeito intercultural e de uma cultura da paz;
(d) fomentar a interculturalidade de forma a desenvolver a interação cultural, no espírito de construir
pontes entre os povos;
(e) promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e a conscientização de seu valor nos
planos local, nacional e internacional;
(f) reafirmar a importância do vínculo entre cultura e desenvolvimento para todos os países, espe-
cialmente para países em desenvolvimento, e encorajar as ações empreendidas no plano nacional e
internacional para que se reconheça o autêntico valor desse vínculo;
(g) reconhecer natureza específica das atividades, bens e serviços culturais enquanto portadores de
identidades, valores e significados;
(h) reafirmar o direito soberano dos Estados de conservar, adotar e implementar as políticas e me-
didas que considerem apropriadas para a proteção e promoção da diversidade das expressões cul-
turais em seu território;

186
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

(i) fortalecer a cooperação e a solidariedade internacionais em um espírito de parceria visando, es-


pecialmente, o aprimoramento das capacidades dos países em desenvolvimento de protegerem e de
promoverem a diversidade das expressões culturais.

Artigo 2 – PRINCÍPIOS DIRETORES

1. Princípio do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais


A diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem garantidos os direitos
humanos e as liberdades fundamentais, tais como a liberdade de expressão, informação e comunica-
ção, bem como a possibilidade dos indivíduos de escolherem expressões culturais.
Ninguém poderá invocar as disposições da presente Convenção para atentar contra os direitos do ho-
mem e as liberdades fundamentais consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e ga-
rantidos pelo direito internacional, ou para limitar o âmbito de sua aplicação.

2. Princípio da soberania
De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, os Estados têm o
direito soberano de adotar medidas e políticas para a proteção e promoção da diversidade das expres-
sões culturais em seus respectivos territórios.

3. Princípio da igual dignidade e do respeito por todas as culturas


A proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais pressupõem o reconhecimento da
igual dignidade e o respeito por todas as culturas, incluindo as das pessoas pertencentes a minorias e
as dos povos indígenas.

4. Princípio da solidariedade e cooperação internacionais


A cooperação e a solidariedade internacionais devem permitir a todos os países, em particular os países
em desenvolvimento, criarem e fortalecerem os meios necessários a sua expressão cultural – incluindo
as indústrias culturais, sejam elas nascentes ou estabelecidas – nos planos local, nacional e internacional.

5. Princípio da complementaridade dos aspectos econômicos e culturais do desenvolvimento


Sendo a cultura um dos motores fundamentais do desenvolvimento, os aspectos culturais deste são tão
importantes quanto os seus aspectos econômicos, e os indivíduos e povos têm o direito fundamental
de dele participarem e se beneficiarem.

6. Princípio do desenvolvimento sustentável


A diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos e as sociedades. A proteção, promo-
ção e manutenção da diversidade cultural é condição essencial para o desenvolvimento sustentável em
benefício das gerações atuais e futuras.

7. Princípio do acesso eqüitativo


O acesso eqüitativo a uma rica e diversificada gama de expressões culturais provenientes de todo o
mundo e o acesso das culturas aos meios, de expressão e de difusão constituem importantes elemen-
tos para a valorização da diversidade cultural e o incentivo ao entendimento mútuo.

8. Princípio da abertura e do equilíbrio


Ao adotarem medidas para favorecer a diversidade das expressões culturais, os Estados buscarão pro-
mover, de modo apropriado, a abertura a outras culturas do mundo e garantir que tais medidas este-
jam em conformidade com os objetivos perseguidos pela presente Convenção.

187
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

PARA REFLETIR
A partir dos objetivos e princípios apontados por este documento pro-
ponho uma reflexão sobre pontos norteadores da articulação entre Arte/
Educação e Educação Inclusiva.
Para tanto cito Ana Mae Barbosa e Paulo Freire no terceiro capítulo da obra
Pedagogia do Oprimido sabiamente coloca:

A política cultural euroamericana, segmentada e separatista, que impede pensar a arte


como fenômeno mais amplo, tornou necessário que se criasse um museu de arte só
para mulheres, um só para hispâno-americano, um para a arte popular, outro para a
arte industrial, outro para as relações de arte com antropologia, outro para a arte in-
dígena etc. Esta política já não serve para eles próprios neste momento histórico [...] e
serve muito menos para nós, que podemos tomar partido da flexibilidade intercultural,
que caracterizou o movimento imigratório no Brasil e que se assentou entre nós como
costume comportamental (Ana Mae Barbosa, 1998, p. 100)

Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca
em mim?

Como posso dialogar, se me admito como homem diferente, virtuoso por herança, diante dos
outros, meros ‘isto’, em quem não reconheço outros eu?

Como posso dialogar, se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da


verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são ‘essa gente’, ou são ‘nativos
inferiores’?

Como posso dialogar, se parto de que a pronuncia do mundo, é tarefa de homens sele-
tos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar?

Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e
até me sinto ofendido com ela?

É recorrente entre professores a seguinte argumentação: para se traba-


lhar com estudantes especiais é necessário um preparo adequado a cada
uma das “deficiências” e complementam tal argumento dizendo que a ideia
de inclusão é imposição de políticas governamentais.
Na realidade a transformação que vem ocorrendo atualmente com rela-
ção à inclusão cultural e social de grupos minoritários, e tem rebatimento na

188
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

escola, diz respeito à luta e a organização de grupos sociais que não tinham
“nem vez nem voz” e hoje começam a ser considerados no contexto mais
amplo da sociedade.
Neste sentido, os estudos culturais, o multiculturalismo crítico ou o intercul-
turalismo têm ajudado estudantes e educadores a compreenderem a escola
como um grande palco de negociações entre diferentes sujeitos culturais e
sociais, desconstruindo o mito da turma ou grupo homogêneo e chamando
a atenção para a riqueza que é a heterogeneidade cultural e social.
Cabe, aqui, uma importante diferenciação entre a concepção de inclu-
são e a concepção de integração partindo da ideia de que a pessoa com
deficiência é apenas diferente, mas não desigual do ponto de vista de seus
direitos, como enfatiza o trecho do documento Convenção sobre a Proteção
e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e o fragmento de texto
de Ana Mae e Paulo Freire que convida TODOS ao diáogo.
Para iniciar o diálogo esclareço: a concepção de inclusão não é sinônima
da concepção de integração, como o senso comum insiste em afirmar.
A primeira coloca em debate valores, preconceitos e crenças construí-
das no plano do senso comum, provocando um movimento de crítica e
desconstrução dos modelos de instituições sociais que legitimam o padrão
hegemônico de normalidade, padrão que exclui todos aqueles que estão
fora de tal modelo. A inclusão surge desse modo, como uma “nova” atitude
social de respeito ao Outro – ao diferente – com sua historia de vida singular,
suas potencialidades, seus direitos. É o reconhecimento do diferente como
semelhante, ou melhor, do Outro como diferente, mas nunca como desigual
em sua condição humana, em seus direitos – do respeito ao outro nascem
possíveis e enriquecedores diálogos que mudam a face da sociedade fazen-
do-nos pensar que um mundo mais justo e solidário pode se tornar real.
A concepção de integração impõe ao diferente, isto é, aqueles que estão
fora dos modelos preestabelecidos pela hegemonia cultural e social uma
busca – desumanizadora – de adaptar-se aos padrões dominantes, a mé-
dia, aos valores hegemônicos da sociedade, ou seja, se constrói a partir de
preconceitos, crenças e pré-juízos desconsiderando a diversidade humana.
No campo da Arte/Educação brasileiro os estudos culturais vêm sendo
pesquisados por Ana Mae Barbosa (1988, 2002) e Ivone Mendes Richter
(2003). As autoras em destaque usam as expressões multiculturalismo e in-
terculturalismo, evidenciando que a primeira expressão tem que ser acom-
panhada do adjetivo “crítico”. Quanto à segunda expressão, destaca Ivone
Richter

Atualmente, vem sendo utilizado o termo ‘interculturalismo’, que implica uma inter-relação de
reciprocidade entre culturas [...]. Esse termo seria, portanto, o mais adequado a um ensino-apren-
dizagem em artes que se propunha a estabelecer a inter-relação entre os códigos culturais de
diferentes grupos culturais (2003 p. 19).

Ivone Richter afirma ainda que a denominação multicultural é a que está


consagrada na literatura, do campo mais amplo da educação e no campo

189
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

específico da Arte/Educação.

O senso comum no âmbito da Arte/Educação tem difundido uma com-


preensão do multiculturalismo como sendo, apenas, uma postura de res-
peito e tolerância para com os diferentes sujeitos culturais e sociais, ou seja,
enfatiza-se o respeito por todas as expressões culturais que não são hege-
mônicas, escamoteando, assim, os conflitos e as lutas simbólicas travadas no
palco da vida social e no palco da escola em nome do politicamente correto.
Conflitos que, por sua vez, exigem o enfrentamento, e este em Arte/Edu-
cação vai exigir a construção de uma compreensão estética e artística não
hierárquica, humanizadora, mais dialogal, mais plural.
O fato de desconsiderar os conflitos entre diferentes sujeitos culturais
sob a alegação da postura de respeito e de tolerância para com a diversida-
de – celebrando as diferenças – tem sido uma maneira pela qual as cultu-
ras dominantes manifestam sua arrogância e supremacia sobre as culturas
minoritárias, calando as vozes dos diferentes, pois suas vozes vindas dos
porões da sociedade não encontram eco nas camadas superiores – são os
filhos do silêncio, os deserdados do direito à palavra. Foram privados, por-

PROBLEMATIZANDO
O que significa para Paulo Freire as expressões “pronuncia do mundo”
e “cultura do silêncio”? E o que estas expressões têm haver com Arte,
Educação e Inclusão?

190
UNIDADE 3
Arte Educação e Educação
Especial –Reflexões

A Arte é fundamental a vida? A Arte transporta a gente para um mundo


diferente? Para um mundo de sonho? A Arte provoca a reflexão? A Arte nos
tira da zona de conforto e nos faz pensar? Ou a Arte simplesmente acomoda?
Diante destas questões pensem sobre o texto a seguir. Texto colhido pela
artista, carioca de origem armênia, Rosana Palazyan, nas ruas de São Paulo
para seu trabalho intitulado O homem do Realejo. O autor é o Profeta Rai-
mundo, morador de rua que cultiva o hábito da leitura. O texto faz parte de
um projeto de Arte pública, desenvolvido pela artista (2003/2004) e exposto
na 26ª Bienal de São Paulo em 2004.

A arte em si não conduz a nada. Uma cozinheira é mais importante do que uma poetisa, do que
uma pintura, do que uma música, do que uma escultura. Ninguém precisa de música, ninguém
precisa de arte, ninguém precisa de pintura, ninguém precisa de escultura. Mas precisa de uma
comida bem feita. Mas, ao mesmo tempo, a arte transporta a gente para um mundo diferente, um
mundo de sonho, a gente se altera todo. A única coisa é que não são fundamentais à vida. Porque
nós podemos passar a vida sem arte. As artes são muito distintas, mas é atividade de mendigo.

Figura 01 - Desenhos elaborados pela artista para o projeto, escameados


do catálogo nacional da Bienal de 26ª Bienal de SP (2004).

Transcrevo do catálogo da 26ª Bienal de SP (2004) a crítica do curador


Paulo Herkenhoff:

A “sorte” - frases da gente de rua no bilhetinho escolhido pelo papagaio de “O Realejo” - é a possi-
bilidade de relações de alteridade. A “sorte” é excentricidade incômoda. É ouvir uma voz da rua: “A
arte em si não conduz a nada. Uma cozinheira é mais importante do que uma poetisa, do que uma
pintura, do que uma música, do que uma escultura. Ninguém precisa de música, ninguém precisa
de arte, ninguém precisa de pintura, ninguém precisa de escultura. Mas precisa de uma comida
bem feita. Mas, ao mesmo tempo, a arte transporta a gente para um mundo diferente, um mundo

191
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

A obra Homem do Realejo ou simplesmente O realejo é um projeto de-


senvolvido pela artista que busca trazer para o debate as vozes dos mora-
dores de rua da cidade de São Paulo, ou seja, sua proposição foi provocar o
publico (leitor) da Bienal a entrar em contato com os personagens invisíveis
da grande metrópole. Quando o publico pensava está tirando sua sorte no
realejo, deparava-se com textos colhidos pela artista que foram escritos por
moradores de rua. Textos provocativos o suficiente para nos fazer pensar
que seres humanos, mesmo em situação de exclusão pensam, sentem, criti-
cam e têm sonhos, desejos e indignações.
Penso que a artista por meio do delicado ato de estabelecer conexões
com essas pessoas e suas histórias de vida (singulares) encontra uma espécie
de canal de sintonia – a condição humana – entre ela e o Outro – entre ela e
seus “retratados” – e consequentemente entre esses e o público.
Esta é precisamente a razão que proponho a reflexão da expressão Nor-
mal é ser diferente – trazendo para vocês o Homem do Realejo, ou seja, cha-
mando a atenção para a ideia de que o debate sobre inclusão cultural e social
ultrapassa o campo da Educação Especial e requer de todos os envolvidos,
nessa tarefa política de enfrentar e quebrar preconceitos, uma compreensão
do ato de educar diferenciada, mas que pode ser (e deve ser?) articulada
entre o poético e o político. Busca, nesse sentido, a emancipação humana
Se no passado o modelo de Educação Especial se baseava em uma visão
da pessoa com deficiência como incapaz, que merecia apenas um cuidado
especial, o modelo de inclusão parte do seguinte princípio: somos todos
diferentes e únicos – singulares – por isso temos também potencialidades
diversas. Esta lógica leva a uma compreensão heterogênea de sociedade, de
certa maneira possibilitando compreender a riqueza que é o convívio entre
diferentes sujeitos culturais e sociais.
No entanto é importante lembrar uma discussão decorrente da argu-
mentação anterior, muito presente na escola, a partir dos questionamentos:
A escola deve flexibilizar o currículo para “facilitar” o processo de aprendiza-
gem de pessoas com deficiência? A escola deve adaptar seu currículo as ne-
cessidades de pessoas com deficiência? Ou o verdadeiro papel inclusivo da
escola seria (É) construir possibilidades de lidar com as diferenças assumindo
o papel de educar na perspectiva da emancipação?
Frente a tais questões trago para a nossa proposta de reflexão dois auto-
res: o primeiro é Tomaz Tadeu da Silva, estudioso e pesquisador do currículo
e o segundo é Paulo Freire ressignificado por Carlos Rodrigues Brandão.
Na obra Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currí-
culo (1999), do primeiro autor, tomo como referência para fundamentar a
discussão, um quadro proposto em que Tomaz Tadeu da Silva enfatiza as
palavras-chave que constituem o currículo tradicional, crítico e pós-crítico.
Nesta direção o autor chama a atenção para a questão: “As teorias críticas e
pós-críticas estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e
poder” (1999, p. 16).
O currículo na perspectiva crítica, segundo o autor, ressalta o peso da ide-
ologia dominante e seu papel de reprodutora cultural e social na educação,
sendo necessário a construção de um processo contra-ideológico, de resis-
tência, visando à emancipação, à libertação humana, ou seja, é um currículo

192
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

identificado com a compreensão de educação como processo de humani-


zação. Já o currículo pós-crítico enfatiza a constituição das identidades e das
diferenças (de gênero, de raça, de etnia, de orientação sexual) apontando
para as questões multiculturais. Assim colocando em cena o debate sobre
as conexões entre saber, identidade e poder e neste sentido abrindo para as
construções culturais de pessoas com deficiência.
Partido deste ponto de vista defendo que o currículo tanto na perspec-
tiva crítica quanto pós-crítica se complementam, ou melhor, eles se encon-
tram visando o processo de educação como processo emancipatório e hu-
manizador e não como processo de exclusão dos que não se adaptam ao
modelo legitimado pelo neoliberalismo de competência, segundo as exi-
gências do mercado.
Educar nesta preceptiva requer postura política, pois é necessária uma
atitude crítica com relação aos valores hegemônicos da sociedade, ou me-
lhor, não podemos partir do modelo de normalidade estabelecido.

OLHO VIVO
Na disciplina Cultura, Currículo e Avaliação, integrante do Módulo 04 da
sua coleção de estudo, a profa. Dra. Irene Tourinho apresenta referen-
cial teórico para reflexão acerca dos diferentes currículos presentes nos
espaços escolares. Que tal retomar a leitura e formular novas reflexões a
respeito?

Do pensamento de Paulo Freire, reelaborado por Carlos Rodrigues Bran-


dão, para a obra Dicionário Paulo Freire (2008) destaco os quatro princípios
dos círculos de cultura:

• Cada pessoa é uma fonte original e única de uma forma própria de saber, e qual-
quer que seja a qualidade deste saber, ele possui um valor em si por representar à representação
de uma experiência individual de vida e de partilha na vida social;

• Assim, também cada cultura representa um modo de vida e uma forma original e
autêntica de ser, de viver, de sentir e de pensar de uma ou várias comunidades sociais.
Cada cultura só se explica de seu interior para fora e os seus componentes ‘vividos e pensados’
devem ser o fundamento de qualquer programa de educação ou transformação social;

• Ninguém educa ninguém, mas também ninguém se educa sozinho, embora pes-
soas possam aprender e se instruir em algo por conta própria. As pessoas [...] educam-se umas as

193
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

outras e mutuamente se ensinam e aprendem, através de um diálogo midiatizado por mundos


de vivência e de cultura entre seres humanos, grupos e comunidades diferentes, mas nunca desi-
guais;

• Alfabetizar-se, educar-se (e nunca: ‘ser alfabetizado’, ‘ser educado’) significa algo


mais do que apenas aprender a ler palavras e desenvolver certas habilidades instrumentais. Signi-
fica aprender a ler crítica e criativamente ‘o seu próprio mundo’. Significa aprender, a partir de um
processo dialógico em que importa mais o próprio acontecer partilhado e participativo do processo
do que os conteúdos com que se trabalha, a tomar consciência de si mesmo (Quem de fato e de
verdade sou eu? Qual o valor de ser quem sou?). Tomar consciência do outro (quem são os outros
com quem convivo e partilho a vida? Em que situação e posições nós nos relacionamos? E o que
isso significa?); e tomar consciência do mundo (o que é o mundo em que vivo? Como ele foi e segue
sendo socialmente construído para haver-se tornado assim como é agora? O que nós podemos
fazer para transformá-lo?) (2008, p. 77/78).

Articulando estes dois autores por meio de seus posicionamentos teóri-

PROBLEMATIZANDO
Lembram do documentário, Janela da Alma, que vocês assistiram? Docu-
mentário, no qual seus autores João Jardim e Valter Carvalho, propõem
uma profunda reflexão sobre o olhar do ponto de vista daqueles que são
cegos ou vêm com dificuldade.
Gostaria de colocar algumas questões sobre o tema: José Saramago, es-
critor português autor de Ensaio sobre a cegueira, obra que foi apropriada
para o filme, com o mesmo título pelo cineasta brasileiro Fernando Mei-
reles (TAMBÉM SUGESTÃO DE LEITURA) coloca mais ou menos assim:...
Hoje vivemos mais acorrentados na Caverna de Platão (referindo-se ao
Mito da Caverna de Platão) do que na época do filosofo grego...
Sugiro que revejam o filme, considerando que uma obra de arte é um
discurso aberto e por isso mesmo, cada vez que vemos/lemos podemos
elaborar outras interpretações, às vezes mais ricas que as anteriores. Ima-
ginem se deixássemos de ler os grandes clássicos por que já sabemos de
seus enredos? Considero o documentário em foco um clássico e por isso
vocês já assistiram mais de uma vez, ou ele foi referência mais de uma vez
em outras disciplinas.
Caso queiram ler o Mito da Caverna de Platão podem encontra no livro
Convite à Filosofia de Marilena Chaui (2005), editora: Ática.
Na Arte existem alguns bons exemplos do que é lutar pela vida en-
frentando barreiras e quebrando limites: o filme enfatiza o exemplo de
Bavcar, fotógrafo cego.

194
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

3.1 Arte e Provocações

Na história multicultural da Arte brasileira encontramos: Artur Bispo do


Rosário e sua obra, elaborada ao longo de 50 anos dentro da Colônia Juliano
Moreira no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que mostra a dificulda-
de presente em nossa sociedade de saber lidar com as diferenças aponta
também para um problema da história da arte. Como pode um “louco” ser
considerado artista? Como pode um louco criar confinado em sua “doença”
e em sua privação do mundo?
Para a pesquisadora Patrícia Burrowes, em seu livro com o sugestivo títu-
lo, O universo segundo Arthur Bispo do Rosário:

O universo de Bispo comove pela força poética que extrai das banalidades. Coisas do uso cotidiano,
comum; coisas triviais, quase vulgares, aparecem ali em sua seriedade, uma solene pobreza. Os
materiais são rudes, toscos: a madeira vem sobretudo de caixas de feira e cabos de vassoura; o te-
cido vem dos lençóis e cobertores do hospital; a linha azul é desfiada dos uniformes. Utilitários de
plástico, copos, cestos, garrafas; canecas e talheres de metal; produtos de uso pessoal descartável
como canetas esferográficas, isqueiros pentes, aparelhos de barbear; pacas de carro e outras má-
quinas desfeitas; vestuário, calçados; ferramentas; brinquedos de plástico; moedas; embalagens
de alimentos, coisas dispensadas, sucata, lixo. Tudo isso é recriado, transformado, ressuscitado em
aglomerados de peças que compõem a obra (1999, p. 14)

O trabalho artístico de Bispo do Rosário coloca um problema para a His-


tória da Arte, pelo menos para uma visão mais conservadora dessa história,
pois ele é além de negro, considerado “louco” e construiu sua obra dentro
dos muros de um hospital psiquiátrico, enquanto a visão conservadora co-
loca o poder da criação artística privilegiando a perspectiva eurocêntrica:
OLHO VIVO
Querem conhecer a obra e Bispo do Rosário? Pesquisem nos seguintes
endereços eletrônicos:

www.proa.org/exhibiciones/.../id_salabispo.html pt.wikipedia.org/wiki/Bis-
po_do_Rosário

www.pr.gov.br/mon/exposicoes/bispo.htm

branca e pertencente às elites culturais.

Retomando a obra de Bispo como provocativa para uma visão conserva-


dora de história da arte proponho um exercício a vocês de relacioná-la com
outro artista desafiador.
A partir deste ponto de vista podemos estabelecer um paralelo entre Bis-
po e sua obra com o próprio Marcel Duchamp? Ou melhor, a obra “A Fonte”
que provocou uma mudança de rumo na História da Arte colocando em xe-
que o paradigma da originalidade e trazendo para o universo da Arte a ideia
de objeto de arte, assim ampliando o fazer e o pensar artístico. A seguir cito

195
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

o historiador da Arte Aguinaldo Farias destacando sua visão da obra a Fonte:

Duchamp implodiu a lógica do sistema artístico, introduzindo-lhe um objeto que não era pintura
nem escultura, um objeto industrial, anônimo - um objeto apenas - com isso, demonstrou que a
produção de sentido, o interesse estético, é também prerrogativa de quem olha, e não necessaria-
mente de quem faz (2002, p.17).

OLHO VIVO
Voces podem encontrar imagens do famoso “ready-made” de Duchamp
acessando os endereços:
• www.rainhadapaz.g12.br/projetos/.../fountain.htm
• educacao.uol.com.br/.../Marcel-Duchamp.jhtm
• pt.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp

E também de Nelson Leirner nos endereços:


• pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1595,1.shl
• forumpermanente.incubadora.fapesp.br/.../conf01_integra_ph/?...

Continuando a proposta de problematização pesquisem também sobre


o “Porco Empalhado” que é um objeto de arte do artista brasileiro Nelson
Leirner.

Sobre o Porco Empalhado e o seu criador (ou seria mais correta a expres-
são recriador?). Pensem sobre isso lendo :

Um mal-estar ronda o percurso de Nelson Leirner. Nascido em São Paulo, em 1932, em atividade
há cerca de 40 anos, o artista, que atravessou os anos da ditadura militar no Brasil comuma lingua-
gem contudente, é o próprio agente desse incômodo.O estigma remonta ao ano de 1967 quando,
ao ter sua obra aceita no IV Salão de Arte Moderna de Brasília, Leirnar interpela publicamente o júri
constituído de vários críticos, exigindo que justifique seus critérios de seleção. De saída, portanto,
uma discussão, na mais afiada tradução duchampiana,da autoria e da estratégia da arte – termo-
nologia inserida no vocábulo da pós-modernidade ( Lisette Lagnado, 1999, p.41)

A lógica para esta discussão/reflexão é a ideia de quebrar limites, colocar em

196
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

debate modelos estabelecidos, a ideia de conservadorismo. Tanto Duchamp,


no âmbito mais amplo da história da arte, quanto Leirner, no âmbito brasileiro
propuseram rever o valor da tradição modernista da ORIGINALIDADE.
Surge, então, a questão: A obra de Bispo, de certo modo, não pode ser
relacionada às obras em estudo ?
Penso que assim como Duchamp e Leirner, Bispo nos leva a pensar em
outros rumos para nossas intrepretaçãoes sobre sua obra. O que vocês pen-
sam sobre a produção de sentido, do discurso das Artes Visuais, para a edu-
cação do olhar fundada em uma compreensão do papel do arte/educador
como um mediador entre o universo da Arte e os estudantes? E quando
esse estudante é uma pessoa com algum tipo de deficiência? Será que não
vale partir da desafiadora expressão: Normal é ser diferente?
Para alargar nosso campo de reflexões e, portanto, nossos horizontes sobre
o papel do arte/educador na constituição e luta por uma escola inclusiva va-
mos ler um e-mail que recebi da arte/educadora, amiga e colega de mestrado,
a quem dedico este trabalho. Seu nome é Ana Amália Tavares Bastos Barbosa.

SOU PROFESSORA DE ARTES DE UM GRUPO DE CRIANÇAS CADEIRANTES, ASSIM COMO EU.

ESTAMOS PROGRAMANDO UMA VISITA AO JARDIM DAS ESCULTURAS NO PARQUE DA LUZ, A ESCOLA
FICA EM PERDIZES. SIMPLES! VAMOS DE TREM!

AO PROGRAMAR UMA VISITA EU GOSTO DE FAZER, ANTES, O TRAJETO PARA EVITAR TRANSTORNOS.
QUERIA QUE AS CRIANÇAS FOSSEM DA ESTAÇÃO BARRA FUNDA À ESTAÇÃO DA LUZ DE TREM, ESSA
EH UMA EXPERIÊNCIA QUE TODO PAULISTANO DEVERIA TER, MAS...

APESAR DE TEREM INDICAÇÃO DE ACESSIBILIDADE, OS TRENS SÃO INACESSIVEIS.

EU TENTEI PEGAR O TREM, MAS OS TRÊS QUE PASSARAM NÃO TINHAM COMO ENTRAR, POIS A
DISTÂNCIA ENTRE A PLATAFORMA E O TREM ERA ENORME. ACHAVA QUE ISSO JAH TIVESSE SIDO
RESOLVIDO, MAS PARECE QUE NÃO! FUI DE MÊTRO, NÃO EH A MESMA COISA!

NÃO ENTENDO PQ OS CADEIRANTES NÃO TEM OS MESMOS DIREITOS DOS ANDANTES, A UNICA DIFE-
RENÇA EH A CADEIRA SOMOS TODOS HUMANOS!

ANA AMALIA
http://amaliabarbosa.zip.net/
www.sba.art.br

197
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

www.nossosonho.org.br/oficina_arte_informatizada.html#
http://aa-barbosa.nafoto.net/photo20080529183740.html

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na realidade essas considerações vocês vão construir, são os atores e atri-


zes deste processo. O que me cabe, neste momento, é agradecer a atenção
retomando um trecho do prólogo para lembrar que todo o discurso organi-
zado na disciplina foi impulsionado pelo desejo de possibilitar a construção
da passagem de uma concepção de educação excludente para uma con-
cepção de educação inclusiva..
Espero, sinceramente, que o contato com a história de Noemia Varela,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Ana Mae (org.) Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte.
São Paulo: Cortez, 2002.

____ (org.) Memória e história.São Paulo: Perspectiva, 2008.

FRANGE, Lucimar Bello.Noemia Varela e a Arte. Belo Horizonte:C/


Arte,2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

RODRIGUES, Augusto. Escolinha de Arte do Brasil: análise de uma experi-


ência no processo educacional brasileiro. Rio de Janeiro: EAB, 1980.

RILK, Rainer Maria. Cartas do Poeta sobre a vida. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2007.

198
Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

199
7
Texto Complementar

Professor autor ms Ana Amália Tavares Bastos


“SER PROFESSOR É SABER,
SABER SER E SABER FAZER”

ESSA PESQUISA É UM TANTO QUANTO AUTO-BI-


OGRAFICA, ELA SURGE A PARTIR DA MINHA PROPRIA EX-
PERIÊNCIA. O ARTISTA QUE SOFRE UMA LESÃO, E CONTI-
NUA SEU TRABALHO, NO COMEÇO ERA APENAS ISSO, SÓ
TINHA PERGUNTAS E ESTAVA BUSCANDO AS RESPOSTAS
INICIALMENTE NA MINHA PRAXIS. ACREDITANDO NA IDÉIA
DE GRAMISH QUE A TEORIA É A CONSCIÊNCIA DA PRÁTICA.
DEPOIS DO AVC FIQUEI “VICIADA” EM COMPUTADOR,
Profa. Ms. Ana Amália PENSO NA TECNOLOGIA COMO UMA FERRAMENTA PARA A
Tavares Bastos
PINTURA. ELA É MUITO UTIL CASO A LESÃO SEJA GRAVE, NO
MEU CASO SERIA MENOS CANSATIVO E MAIS RAPIDO CRIAR
UTILIZANDO O COMPUTADOR, MAS FACILITAM ALGUMAS
COISAS NÃO TODAS. NO CASO DE CRIANÇAS ELAS PRECISAM
DE UM ESTIMULO SENSORIAL “CÁ ENTRE NÓS, EU TAMBÉM”.
TODAS AS MINHAS ATIVIDADES DOCENTES ATUALMENTE
SÃO NO SENTIDO DE BUSCAR ESSAS RESPOSTAS. AFINAL, MEU
TRABALHO COMO ARTISTA DEPENDE MUITO DA MINHA ATU-
AÇÃO COMO PROFESSORA, UM ALIMENTA O OUTRO.
DESDE O FIM DE 2007, VENHO DESENVOLVENDO AS ATIV-
IDADES DA OFICINA DE ARTES JUNTO A TERAPIA OCUPACIONAL
DA DIVISÃO DE MEDICINA DE REABILITAÇÃO DO HOSPITAL DAS
CLÍNICAS, COM ADULTOS. EU PREPARO UM ROTEIRO LEVO CIN-
CO COPIAS IMPRESSAS, O PROFESSOR RESPONSÁVEL LÊ COM OS
ALUNOS, ELES TIRAM DUVIDAS, PEGAM O MATERIAL E COMEÇAM
O TRABALHO, NO FINAL OLHAMOS TUDO E COMENTAMOS.

*Curriculo: Ana Amália Tavares Bastos Barbosa é artísta plástica e arte/educadora formada pela Fundação Armando Ál-
vares Penteado (FAAP/SP), em 1991. Também estudou História da Arte na Texas University at Austin, Design na School of
Visual Arts e Litografia na Columbia University em New York/USA e fez diversos cursos extra curriculares no Brasil com
professores como Paulo Portella, Carmela Gross, Evandro Carlos Jardim, Carlos Fajardo, Paulo Von Poser e Carlos Basualdo,
entre outros. Fundou a empresa “Arteducação Produções”, e tem sempre feito parte da equipe desde 2001. É mestre pela
Escola de Comunicações e Artes da USP. Além disso também atuou na área de ensino de línguas, dando aulas de inglês e
fazendo traduções simultâneas e escritas. Atualmente é doutoranda na ECA/USP. Em 2 de julho de 2002 teve um acidente
vascular cerebral de tronco e como seqüela adquiriu a síndrome do locked in, ou seja, ficou tetraplégica, muda e disfágica
mas inteiramente consciente e com a cognição plenamente preservada.

202
TEXTO COMPLEMENTAR

HA MUITO TEMPO QUE VENHO PESQUISANDO A QUESTÃO


DA INTERPRETAÇÃO, DE COMO OS OUTROS LEÊM MEUS DESEN-
HOS, HOJE EM DIA ME PREOCUPO MUITO COM A LEITURA DO
QUE EU ESCREVO, PORQUE DEPEDENDO DO MEU INTERPRETE
PODE SER APENAS UMA TRADUÇÃO LITERAL. A PESSOA QUE
ESTIVER SENDO MEU INTÉRPRETE PRECISA ESTAR EM SINTO-
NIA COMIGO. UMA TRADUÇÃO INTERPRETATIVA REQUER QUE A
PESSOA CONHEÇA BEM O ASSUNTO E QUE AO MESMO TEMPO
EM QUE SE COLOQUE, TAMBÉM COLOQUE MINHAS IDÉIAS.
QUANDO RETOMEI O DESENHO, FIQUEI IMPRESSIONADA
AO VER QUE TINHA ABERTO UM CANAL PARA ME COMUNICAR
COM MINHA FILHA, QUE AINDA ERA PEQUENA E, PORTANTO
NÃO ALFABETIZADA.

FIGURA 1 - DESENHO DE ANA LIA FIGURA 1 - FOTONARRATIVA: DESENHOS DE ANA LIA.

ESSA EXPERIÊNCIA FOI ESSÊNCIAL QUANDO COMECEI A


TRABALHAR NO INICIO DE 2008 COM AS CRIANÇAS DA ASSO-
CIAÇÃO NOSSO SONHO (CRIANÇAS TETRAPLEGICAS, COM DEFI-
CT VISUAL E PARALISIA CEREBRAL), PQ ELAS TEM QUE UTILIZAR
A LINGUAGEM NÃO VERBAL ASSIM COMO EU.
ALÉM DOS CONTEÚDOS DA ARTE EU ENSINO AS CRIAN-
ÇAS A USAREM TODO O CONHECIMENTO QUE ADQUIREM PARA
SUPERAR SUAS LIMITAÇÕES.
QUANDO EU COMECEI A LECIONAR, EM 1985, UMA PRO-
FESSORA MUITO MAIS EXPERIENTE DO QUE EU ME DISSE QUE
“SER PROFESSOR É SABER, SABER SER E SABER FAZER”, PORTAN-
TO, EU TINHA QUE APRENDER A SABER SER E FAZER NA ATUAL
CIRCUNSTÂNCIA, OU SEJA, EU SABIA COMO DAR AULA PARA
CRIANÇAS QUE RESPONDEM VERBALMENTE, E COMO ATUAR
VERBALMENTE, MAS NÃO ERA ESSE O CASO.

203
TEXTO COMPLEMENTAR

ASSOCIAÇÃO NOSSO SONHO

A ASSOCIAÇÃO NOSSO SONHO É UMA INSTITUIÇÃO


FILANTRÓPICA QUE VISA A INCLUSÃO DE CRIANÇAS E JOVENS
COM PARALISIA CEREBRAL (PC), TANTO NA SOCIEDADE COMO
NO MERCADO DE TRABALHO.

http://www.nossosonho.org.br/associacao.html

NESTA FAIXA ETÁRIA O IMPORTANTE É EXPOR AS CRIAN-


ÇAS À ARTE E PROPICIAR EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS. E O FATO
DE EU TAMBÉM SER TETRAPLÉGICA NOS APROXIMA.

FIGURA 2 - FOTONARRATIVA: ATIVIDADES DE EXPERIMENTAÇÃO

204
TEXTO COMPLEMENTAR

RESOLVI COMEÇAR PELAS CORES E PELO EXPRESSIONISMO AB-


STRATO.
DEPOIS DE CONHECER AS CRIANÇAS, PENSEI NO QUE
ANA LIA (MINHA FILHA) GOSTA E DEVE APRENDER EM TERMOS
DE ARTE, ELA ADORA TINTA E PAPEL COLORIDO (É CLARO QUE
TAMBÉM É PARA ME IMITAR), OUTRA COISA DA QUAL ELA GOS-
TA É DE OUVIR A HISTÓRIA DO ARTISTA.
NO PRIMEIRO SEMESTRE TRABALHAMOS COM AS CORES
PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS E VIMOS AS OBRAS DE ASHILE
GORKY, PHILIP GUSTON E CLYFFORD STILL.
NO COMEÇO, NEM EU NEM AS CRIANÇAS SABÍAMOS COMO
“SER”. ERA UMA SITUAÇÃO TOTALMENTE NOVA PARA TODOS
NÓS, MAS MESMO SEM O VERBAL NÓS NOS ENTENDEMOS.
QUANDO EU CHEGO, ELES VÊEM DE LONGE A CADEIRA COM
UM ADULTO E SABEM QUE SOU EU, A MAIORIA ME RECEBE SOR-
RINDO.

ESSES SÃO OS TRABALHOS FINAIS DO PRIMEIRO SEMESTRE:

FIGURA 3 - FOTONARRATIVA: TRABALHOS FINAIS DO PRIMEIRO BIMESTRE

SEGUNDO SEMESTRE - REFLEXÃO


EU SEMPRE ME PERGUNTAVA POR QUE EU FAÇO TANTA
QUESTÃO DE PINTAR DE FORMA TRADICIONAL SENDO QUE É
FISICAMENTE EXAUSTIVO: EU SÓ PINTO UMA VEZ POR SEMANA
COM A T.O., ÀS VEZES LEVO MAIS DE UM MÊS PRA TERMINAR
UM DESENHO
MAS HOJE, AO FAZER O PLANEJAMENTO DO CURSO

205
TEXTO COMPLEMENTAR

PARA AS CRIANÇAS DA “NOSSO SONHO”, PERCEBI QUE APESAR


DE NÃO PODER TOCAR NA TINTA, EU SINTO O CHEIRO DA TINTA
E POSSO SENTIR SUA TEXTURA, TEMPERATURA, ETC., E É ISSO
QUE EU QUERO QUE AS CRIANÇAS POSSAM SENTIR.
O COMPUTADOR NÃO PERMITE ESSAS SENSAÇÕES, MAS FA-
CILITA MUITO.
AO MESMO TEMPO EM QUE ACHO QUE AS CRIANÇAS SÓ
TERÃO TOTAL AUTONOMIA PARA DESENHAR SE USAREM O
COMPUTADOR, EU TAMBÉM ACHO QUE ELAS TÊM O DIREITO A
EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS.
PORTANTO...
NO SEGUNDO SEMESTRE TRABALHAMOS O CORPO COMO IN-
STRUMENTO E SUPORTE.
A PRIMEIRA ATIVIDADE FOI CONTORNAR NOSSOS CORPOS,
DESENHANDO – OS NO PAPEL.
DEPOIS, USANDO NOSSAS TABELAS DE CORES, PINTAMOS
POR PARTES (CABEÇA, BRAÇOS, MÃOS, TRONCO, PERNAS E PÉS).

206
TEXTO COMPLEMENTAR

207
TEXTO COMPLEMENTAR

FIGURA 4 - FOTONARRATIVA: O CORPO COMO INSTRUMENTO

A SEGUNDA ATIVIDADE FOI FAZER UM PORTA-RETRATOS, PINTÁ-


LO COM OS DEDOS, BATER A FOTO E COLOCÁ-LA NO PORTA-

208
TEXTO COMPLEMENTAR

FIGURA 5 - FOTONARRATIVA: SÉRIE DE PORTA RETRATOS

209
TEXTO COMPLEMENTAR

RETRATOS.
EM SEGUIDA, CONVIDAMOS UM ATOR PARA PINTAR AS CRIAN-

FIGURA 6 - FOTONARRATIVA: O CORPO COMO SUPORTE

210
TEXTO COMPLEMENTAR

ÇAS (O CORPO COMO SUPORTE).


POR FIM, APÓS ASSISTIREM AO FILME DA PERFORMANCE DE YVES

FIGURA 7 - FOTONARRATIVA: PERFORMANCE

211
TEXTO COMPLEMENTAR

KLEIN, ELES CARIMBARAM O PAPEL COM O PRÓPRIO CORPO.


APESAR DO POUCO CONTATO QUE TENHO COM ELES,
PUDE PERCEBER UMA MAIOR CONSCIÊNCIA CORPORAL E UMA
INVENTIVIDADE PARA ULTRAPASSAR OS LIMITES DO PRÓPRIO
CORPO.
OBSERVEI ISTO NO CASO DE UMA MENINA QUE VIVIA
COLOCANDO O POLEGAR NA BOCA E, PARA QUE ELA NÃO SE
FERISSE, ENROLARAM A MÃO DELA, MAS ELA ARRANCOU O
PANO COM OS DENTES. ERA A ÚNICA MANEIRA DELA SE DES-
VINCILHAR DE ALGO INCÔMODO NO CORPO AO QUAL ESTAVA
ACOSTUMADA, SEU CORPO.

212
TEXTO COMPLEMENTAR

213

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