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Arp wii roan xg Arqueologia militar romana da Lusitania: textos e evidéncias materiais Carlos Fabiao Universidade de Lisboa 1 A arqueologia militar romana da Lusitania A arqueologia militar romana da Lusitania possui uma evidente singularidade. Contrariamente a0 que sucede com estudos andlogos em outras regides do Impétio, & sobretudo a investigacao de um longo processo de con- quista ¢ dominio de um territério, que decorre em época republicana. Tal ndo impede, entenda-se, a presenga de alguns pequenos contingentes militares, em periodos mais recentes, em accbes pontuais de policiamento ¢ con- tole de territérios em zonas de populagdes mais belico- sas, de vias de circulagio ou de zonas com relevantes recursos minciros. Em primeiro lugar, sera conveniente explicitar a que regido me refiro, quando aqui utilizo o termo Lusitania, ‘uma vez que, como é sabido, esta denominagio repor- tou-se a distintas areas geogrificas ao longo do tempo (Pérez VitATELA, 2000). Ocupo-me do extremo ociden te peninsular, sobretudo da drea actualmente portuguesa, uma vez que'a parte oriental daquela que viria a ser a pro vincia romana se encontra genericamente mais bem estu- dada e conhecida (ALONSO SANCHEZ; FERNANDEZ, CorRALES, 2000). Esta opcio nio impediri, como adian- te veremos, alguma breve incursio a esta érea, sobretudo para melhor articular a informag3o aqui tratada, bem como um pequeno comentario marginal sobre algumas realidades a norte do rio Douro. O proceso de conquista em aprego decorreu, em boa parte, numa época em que 0 exército romano no tinha aleancado ainda o nivel de padronizagzo no equii- pamento que conhecemos para épocas posteriores, em se instalava também da forma regular que um célebre texto de Polfbio sugere (Hists. VI.26.10), 0 que dificul- ta particularmente as tarefas de prospeccio ¢ identifi cagio das instalagdes militares. Para além do mais, nio poucas vezes, destacamentos militares terio utilizado aglomerados indigenas, como o exemplo recentemente divulgado de La Caridad, Caminreal, Teruel (Vicent#; PUNTER; EZQUERRA, 1997) expressivamente demonstra Buscar os exércitos da conquista torna-se pois uma tare fa complexa, pelo que ndo € de estranhar que as invest gages sobre estas realidades tenham progredido. por entre equivocos e hesitagdes e, no estado actual dos con- hecimentos, sejam mais as dividas do que as certezas na hora de propor uma finalidade especificamente castrense para sitios e contextos arqueolégicos. Por outro lado, por se tratar de um processo de con- quista que ocorreu’ num momento precoce da expansio romana, a tradigao literéria greco-latina é particularmente prédiga para com os sucessos peninsulares no longo perio- do que se estende desde os finais do século III aos iiltimos decénios do I a, C., como tem sido sublinhado (Gaxcia ‘Monzxo, 1989), sendo muito mais avara em informagéies sobre os periodos subsequentes - 0 que ndo é sindnimo de uum conhecimento preciso das intimeras questoes que envolvem este complexo processo, como reiteradamente s¢ tem demonstrado. (GARCIA MORENO, 1987; 19892 ¢ 1989). Os sucessivos “traumas” politicos ¢ sociais deco- rrentes dos confrontos com Cartago, 0 deshumbramento com as notaveis riquezas mineiras locais, uma vez. consu- mada a apropriagao dos espacos anteriormente sob a égide dos bvircidas, os debates senatoriais concernentes 3 criagio ou nao de tim “Império”, com o que tal implicava de extensio de direitos civicos ¢ de revisio conceptual do nor- mal exercicio dos mesmos, as longas guerras de conquista, particularmente as da Lusittnia, a par dos episodios do assédio numantino, que dividiram as opinides em Roma, finalmente, os cenirios hispinicos das Guerras iiltimos passos da conquista contra Cantabros ¢ Astures, que o Principe chegou a liderar pessoalmente, constituem © encadeado de situages que justficam ¢ explicam toda a atengao que entao foi dedicada a Hispania, 2 ‘Textos ¢ evidéncias materiais Por estar relativamente bem documentada por diversos textos, a investigagio do processo da conquista romana do extremo ocidente peninsular tem sido escrita funda- mentalmente a partir deste legado textual, sendo os dados arqueolégicos meros elementos ilustrativos de um discurso que se constréi sem os considerar como cle- mentos centrais do mesmo. Constitui um bom exemplo desta infeliz tendéncia a longa lista bibliogrifica que se refere, directa ou indirectamente, ao grande estabeleci- mento de Caceres el Viejo, junto a actual cidade extre- meta do mesmo nome, uma vez que ainda hi quem per- sista em identificé-o com a Casira Caecitia pliniana (N. 4.117), apesar dos dados arqueoldgicos (um abando- 10 definitivo do local c. de 80 a. C.) 0 desmentirem cate~ goricamente (SCHULTEN, 1936-1940 ¢ Unsent, 1984) Deve dizer-se, que a inversa atitude se verifica também, isto €, os arquedlogos perante as evidéncias materiais bus” cam nos textos as fundamentagdes, justificagdes ¢ (ndo poucas vezes) as préprias datagoes para as realidades observadas. Uma vez mais a titulo de exemplo, veja-se como tem sido negado, nos tiltimos anos, 0 carécter mili- tar do fortim de Castelo da Lousa, Mourio, construido sobre © Guadiana, porque supostamente jé no haveria justificagdo para a edificagao de uma estrutura deste tipo em tais paragens no segundo quartel do século I a.C. (WAHL, 1978 © ALARCAO, 190). ‘ Para li destas questdes relativas & dignidade conferi- dda aos testemunho de escritos literérios e dados arqueo- légicos, deve reconhecer-se que nem sempre € cil arti- cular de um modo harménico uns ¢ outros. A presumida precisdo cronolégica de cada evento maior do processo da conquista, por exemplo, torna cientificamente inde- monstrivel @ associagao de’ um qualquer sitio ou nivel arqueolégico a determinada campanha militar, simples- mente porque os intervalos cronolégicos de que dispo- mos para datar as evidéncias materiais no permitem (nem autorizam) esse grau de precisio. Consegue-se, sim, obter yerosimeis conexdes, mas nfo mais do que isso. Refira-se que, apesar da ampla informacio disponi- vel, & sempre possivel descobrir novas realidades total mente silenciadas em outras fontes: por exemplo, 0 elo- quente caso da chamada deditio dos SEANO|...], dita de Alcantara (LOPE? MELERO / SANCHEZ ARAL /" GARCIA Jistenez, 1984 € Garcia MORENO, 1987, retomado em 1989b), que nos revelou, simultaneamente, um casus belli € wm ctndnimo totalmente desconhecidos, bem como um governador da Ulterior, também ele ignoto. Assim, podemos dizer que, para o estudo do pro- cesso da conquista romana da Lusitania, dispomos de duas grandes ordens de fontes: literirias ¢ arqueologicas (nos quais se poder englobar a epigrafia, desde textos como a deditio até as mais modestas, mas no. menos expressivas, inscrigdes sobre gliandes pitrmbeac). Umas ¢ ‘outras possuem virtualidades e limitagées, que importa ter presentes. 3 Evidéncias literdrias directas ¢ indirectas Como em outro texto jé foi referido (FARIA / GUERRA, 11p.), poderemos considerar duas grandes realidades dis tintas, no tratamento dos sitios relacionadas com 0 pro- cesso de conquista romana do extremo ocidente penin- sular: 08 locais de estabelecimento militar deduzido, de forma directa ou indirecta, a partir da informagio liters- ria; 0s locais de estacionamento de tropas identificados pelo registo arqueologico. Embora interesse aqui tratar sobretuclo dos segundos, poderemos dedicar algumas breves palavras aos primeiros. Deve sublinhar-se que a nica referéncia concreta ¢ directa a instalagdes militares romanas no extremo o¢i dente peninsular é a de Estrabao (11.3.1) que menciona as fortificagdes erguidas por Bruto na sua campanha. ‘Tudo o mais constitui indicagio indirecta de presencas, nna maior parte dos casos, sugerida pela toponimia antiga Uma primeira abordagem, diga-se, aquela que tem sido sistematicamente ensaiada, € a que se atém as noti cias das fontes escritas que narram os progressos milita- res, de forma indirecta adquirindo, por isso mesmo, a toponimia antiga uma especial relevancia, Neste particu lar, as monumentais obras de Adolf Schulten, Fontes His- paniae Antiquac (1922-1959) © Landeskunde der Ibert chen Halbinsel (1955-1957), esta iltima no concluéda, mas continuada mais tarde por Antonio Tovar, em para~ lelo com as suas escavagdes arqueolégicas em Numantia € outras paragens hispanicas onde estanciaram exércitos romanos - Céceres el Viejo, por exemplo- constituiu, nao 36 um louvavel e pioneiro esforgo de indagacio no terre no das informagOes contidas nas fontes literdrias greco- iatinas; mas, também, por varias décadas, se estabeleceu como ‘a “vulgata” por onde se aprendia a conqnista romana da Hispania - este tiltimo tera sido mais “per verso” aspecto da obra do investigador alemao (Garcia MoxeNo, 1989a: 28-31). Nos iiltimos anos, porém, a revisio. dos materiais arqueolégicos que 0 Professor germanico recolheu, particularmente os que se referem a estabelecimentos militares romanos, tem demonstrado que as suas publicagdes teriam pecado por um excessive apego aos textos eseritos ¢ que, nem sempre os teste: munhos arqueolégicos parecem concordar com o discur so do Autor, somente.a titulo de exemplo, veja-se o resul tado da revisio das cronologias dos acampamentos do cerco de Numantia (HILDEBRANDT, 1979) ou a atribui- da a Caceres el Viejo (UiBERT, 1984 ¢ HILDEBRANDT, 1984), Por outro lado, um tratamento critico mais apura do da informasao transmitida pelos Autores greco-latinos tem permitido uma assinalivel revis20 dos acontecimentos historico-militares da conquista hispénica (Gaxcts More: NO, 1987, 1988 ¢ 19892), em clara demonstracio de que nao sao de modo algum simples e lineares as noticias que nos chegaram ¢ que, acima de tudo, nio se deve perder de vista a diacronia dos diferentes autores € suas fontes (Perez. VitareLa, 2000), A primeira dificuldade suscitada pela leitura e inter- pretagdo dos textos literirios que se referem ao processo de conquista do extremo ocidente peninsular tem a ver com a extraordinaria escassez. de informag3o concreta Hi de facto vagas mengGes a campanhas contra lusitanos sempre apresentadas Com um cardcter punitivo -, noti- cias esparsas de expedigdes de saque que estes moveriam contra territérios € populacoes jé enquadradas na drbita do poder de Roma, acgdes punitivas contra aglomerados ‘ou tertitérios que supostamente apoiariam os “salteado- res”, ou que simplesmente se revoltavam contra 0 poder romano; ¢m suma, referéncias que indiciam um quadro geral de reiterada instabilidade © confrontos, de dificul- dades experimentadas pelos exércitos em campanha, mas nada que permita uma reconstituiga0 minimamente fide- digna das rotas seguidas pelos governadores romanos da Ulterior, antes das grandes operacdes militares de Jiinio Bruto em 138-136 a.C.Y, jd depois das guerras lusitanas. ‘A situagio nio deixa de suscitar alguma perplexida- de, Para no recuarmos a épocas mais antiga, passamos de uma fase em que os lusitanos sublevados obrigam os governadores provinciais a uma atitude defensiva, acan- tonados nos locais de hé muito controlados e fiéis a0 seu poder, a sul do Guadiana, quando nao mesmo circuns- ritos'20 vale do Guadalquivir (KNAPP, 1977: 29-32 ¢ ROLDAN, 1985: 51 e ss.) - ainda que este quadro territo- rial deva’ser entendido com a plasticidade recentemente sublinhada por P. Le Roux (1995) ¢ nio na dptica de “fronteira natural”, ou sequer de busca de “acidentes naturais” para estabelecer limites -, impotentes para deter uma insurreigio generalizada e incapazes de encontrar apoios firmes entre as populagdes locais para um efectivo dominio do territério; para uma outra, em que 0 procdn- sul Jtinio Bruto instala as suas posigdes de retaguarda no baixo Tejo (Estrabio TIT.3.1.), 0 que pressupdc uma pacificacio prévia da totalidade da regiao do Sudoeste, sem que se consiga perceber quando ¢ por accio de {quem tal processo se teria cumprido. A hipotese de ter Q. Servilio Cipido, o anterior governador da Ulterior (139 a.C.) -vencedor dos lusitanos e putativo fundador da ainda nio localizada Cacpiona, registada por Ptolemeu (2.5.6.), bem como da Castra Servilia, do texto pliniano (NH, 4.22.17), certamente nas imediagdes de Cice res-, um papel importante nessa conquista permanece mera conjectura. Os aglomerados que teria fundado ¢ que Robert Knapp alvitrou poderem ter sido local de assentamento de veteranos envolvides na guerra contra Viriato (Kwarr, 1977: 23; Tovar, 1976: 216 ¢ 238), sugerem nma movimentagio ampla, abrangendo nao so a orla maritima ~para as bandas de Alcacer do Sal ¢ Sesimbra tém oscilado as propostas de localizagao de Cacpiona (TOVAR, 1976: 216)-, mas também 0 inte- rior, justamente na Zona abrangida pelo eixo viario sudes- te-noroeste, desde Cordiuba, ainda que nao fagamos ideia de onde poderia estar localizado o mencionado aglome rado pliniano. Permanece, no entanto, a divida sobre os modos como teria decorride a conquista deste amplo espago, bem como as razBes de uma tio extraordinaria eficacia, Como se compreenderd, uma correcta avaliacio desta situagio depende estreitamente do conhecimento das dimensoes dos territérios ocupados pelas diferentes entidades politicas, uma vez que teriam sido muito varia- das as respostas locais & pressio militar romana, Por outro lado, nao. devemos esquecer que a deditio de Alcintara, datada de 104 a. C. (LOPEZ MELERO; SAN~ HZ Anat; Gaxcia JimEntZ, 1984), nos fornece uma interessante referéncia cronolégica para 0 processo de instalagio ¢ dominio das regides interiores, desenvolvido, provavelmente, 20 longo de vias de comunicagio jé exis Tentes e que a informagio fornecida pela dispersio de importagOes de origem mediterranea permite conjecturar (Atvarez Rojas; Gi MonTEs, 1988; BerRocaL Rax GEL, 1992; RopRicuEZ Diaz, 1995: 214-223). Os modos de submissio das populagdes locais parecem ter obedecido a um mesmo principio genérico, andlogo a0 anteriormente ensaiado por Jiinio Bruto, as Condigoes da deditio, lavradas na placa de bronze, embora um tanto mais benévolas, o que poderd ter algum significado poli- tico, no parecem muito diferentes dessas outras que, segundo Apiano (Iher. 71-73), 0 procénsul da Ulterior teria imposto aos habitantes de Talabriga, wés décadas antes, Estas recorréncias nao deisam de ser interessantes, ‘uma vez que sugerem quase a existéncia de uma “norma” no relacionamento com as populagdes locais. Esta “norma” poderia assentar na liberal concessio de direi- tos, desde que se reconhecesse a submissio total Na falta de melhores informagdes, parece que esta mos reduzidos & possibilidade de rastrear nos vestigios ‘materiais os ritmos deste processo de conquista: quer atra- vvés da presenga de instalagdes militares de cardcter mais ou menos permanente (afinal, aquelas que garantem um efectivo dominio ¢ controle dos territ6rios, objectivos sempre perseguidos), quer pela identificagio de evidentes sinais de transformacio nas estruturas do habitat pré= romano (abandonos stbitos, niveis de destruigao, derru- be das estruturas defensivas, etc.). Mais complexa me parece ser ainterpretagao a dar presenga de materiaisiti- licos de importacao, encontrados em povoados locais. Por um lado, € evidente que as comunidades indigenas os receberam em quantidade, © que poder relacionar-se (embora nao necessariamente) com fenomenos de aqui- sigao de novos habitos de consumo ¢ priticas sociais. Por outro, nao se afigura sensato supor que toda a pandplia de artefactos romanos de época republicana recolhidos em sitios arqueolégicos do Ocidente esteja exclusivamente associada 20 mundo indigena, como também nao parece- 1 aceitével imaginar o contririo: que todos os objectos importados documenta presencas romanas. Excluida que parece estar a hipotética fungio militar dos eastella conhecidos por inscrigdes latinas encontradas nas regides meridionais hispanicas, 20 que tudo indica, nem sequer localizaveis nestas paragens, mas que Robert C. Knapp chegou a valorizar (1977: 24), restam-nos as referéncias toponimicas a uma Cacpiona ea uma Caeci~ Hana, presumindo-se que ambas representam formas adjectivais do substantive Castra, 0 que permitiria rela- ciond-las com acgdes militares empreendidas por gover~ nadores da Ulteriar. A primeira, tida por fundagto de Servilio Cipido (139 a. C.) para instalar veteranos das {guerras viriatinas e garantir, por esse meio, a passividade user 8 Pa amb 3» Chere Vig 4- Che eA pope 5 Satria, 10 Cael du Lat, Laci armed dos lusitanos, como sugeriu Knapp? & conhecida somente pela referéncia de Ptolemeu (2.5.6.), que a localiza cm territorio céltico, entre Laccobriga © Miro- briga (Kxavp, 1977: 23 ¢ Tovar, 1976: 216); a segun da, de discutivel putativo fundador (Kxarr, 1977: 22- 3), figura no Ttineririo de Antonino, como mansio da estrada de Olisipo a Augusta Emerita-Tovar parece acei- tar a proposta de Bandeira Ferreira de localizacao deste posto militar em Seixola ou Aguas de Moura, ainda que se nfo conhegam elementos de natureza arqueolégica ‘que o permitam confirmar (FERREIRA, 1959 e Tovar, 1976: 216). Apesar dos diferentes alvitres sobre as suas cexactas localizagoes, hi que reconhecer que para nenhu- ma delas existe, na verdade, uma proposta minimamente consistente €, muito. menos, qualquer fundamento arqucolégico para as dispares propostas vindas a lume. A reter, de significativo, haverd somente os factos de, aparentemente, se localizarem ambas na peninsula de Setitbal ¢ de serem mencionadas em fontes mais tardias do que a presumida data de fundac30, 0 que sugere terem ambos os locais sobrevivido, certamente com ‘outras finalidades, 3s fungdes militares que supostamente determinaram a sz implantagio. © aspecto mais curioso destas pretensas fundacdes ‘militares prende-se com 0 facto de se poderem relacionar com dois outros sitios ~Castra Servilia € Castra Cacci- Jia que, pelos seus nomes, poderiam ser atribuidos aos mesmos fundadores dos outros supracitados, indepen dentemente das interrogagdes sobre qual dos Caecilii que serviram na Hispania teria sido aquele que thes deu ‘0 nome (KNAPP, 1977: 22-23). Tal como acontece com os anteriormente citados, também estes dois estabeleci: ‘mentos s¢ localizam na mesma rea, a regito de Caceres. Assim, deveremos supor terem existido acgOcs militares que se desenrolaram em semelhantes teatros; se n30 mesmo a realizacio de duas grandes campanhas que, per correndo as mesmas rotas, geraram aglomerados, em zonas préximas, que sobreviveram as fungdes militares ‘que teriam justificado a sua fundago e que, assim sendo, poderiam ser entendidos como locais de instalagio de vYeteranos das campanhas militares. Resulta estranha, de qualquer modo, esta longevidade de todos estes nicleos, nao $6 por no parecerem corresponder aos ritmos de ocupagao/abandono conhecidos para outros locais de segura (ou possivel) fungio castrense, mas também por ser dificil entender a razao de se fundarem novos estabe- lecimentos em locais onde jd existiriam outros ainda uti- liziveis, como se deduz da sua longuissima permanéncia toponimica - a nao ser que a sta particular importincia estratégica justificasse reiteradas instalagdes, de Veteranos de diferentes campanhas. Para além deste argumento de “senso comum”, chamemo-lhe assim, parece haver uma total discordincia entre esta longevidade de ocupagao € as dinimicas de ocupacio do espaco conhecidas a0 longo de todo o sé. 1a.€. 4 Evidéncias arqueolgicas directas ¢ indirectas A investigacio arqueolégico portuguesa tem andado arredada da temética militar romana. De facto, exchuindo algum interesse verificado nos meados do século XX, bem se pode dizer que praticamente pouco de novo se fez, para ld das tentativas de revisio geral da informacio disponivel, que temos ensaiado a partir do estudo do estabelecimento da Lomba do Canho, Arganil, o que aju dard a explicar os siléncios observados em obras recentes, dedicadas 20 tema dos aquartelamentos hispinicos (Monit.t0, 1991 e BLAZQuEZ, 1999). Hi, contudo, novos dados, novos temas ¢ questoes merecedores de alguma atengio, diria, numa Optica mais estritamente arqueol6- gica, menos presa a pesquisa de putativas identificagoes materiais de lugares referidos pela literatura Estas investigagdes mais antigas partiam, uma vez mais, dos textos literirios, designadamente da célebre des- criga0 polibiana dos estabclecimentos militares romanos (Hist VI. 26. 10). Assim, buscavam-se sitios de grandes dimensdes, destinados a albergar uma ou duas legides, delimitados por estruturas defensivas de terrapleno & fosso(s), construidas com explicito desprezo pelas con’ digdes naturais de defesa e, por isso mesmo, instalados em. zonas baixas. Instalagoes de campanha, ‘naturalmente, simples construgoes precirias destinadas a albergar exérci- tos em trinsito, Neste particular, de pouco serviu 0 caso dos estabelecimentos do assédio de Numancia, claramen: te distintos deste padrio, uma vez que um outro caso, © mais proximo e mais expressivo, até obedece 3 norma da regularidade de construgio, refiro-me, naturalmente, & grande instalagio de Caceres el Viejo, ainda que a existén cia de estruturas complexas e de uma organizacao de tipo turbano sugerisse claramente tratar-se de um estabeleci- ‘mento concebido para uma larga permanéncia O texto de Amorim Girio € Bairrio Oleiro justa- mente dedicado aos campos fortificados romanos consti tui um bom exemplo das orientagdes que norteavam os programas de pesquisa. Ali se tratava dos trés locais iden- tificados entao como acampamentos militares romanos, respectivamente, a Cava de Viriato, Viseu, a Cidade Velha da Mata’ de Antanhol, Coimbra, e Choes de Alpompé, Santarém (GiRAo; OLEIRO, 1953), consideran: do-se que constitufam um mesmo tipo funcional de for- tificagao, aplicado em diferentes contextos geogrificos. Comega’ por parecer manifestamente exagerada esta aproximagio estrutural entre realidades morfologicamen- te tio distintas. A Cava de Viriato € um vasto octégono com mais de 30h, rodeado por um terrapleno; 0 estabe- lecimento das imediagées de Coimbra uma’ estrutura subrectangular, regular, com uma muralha de terra, pelo ‘menos em alguns pontos, associada a fossos, que circuns- creve cerca de 9 ha; ¢ o estabelecimento instalado junto da confluéncia do’ Alviela com o Tejo, uma area de terragos fluviais bastante irregular que s¢ estenderé por ‘uma superficie compreendida entre 0s 20 ¢ os 30 ha, 30 sendo ficil propor estimativas mais seguras por se tratar de uma rea profundamente recortada pela erosto, Desta diversidade, emergem somente como elementos comuns a todos eles a grande dimensio, apesar de tudo, bastante variivel, ¢a existéncia de muralhas de terra eventualmen- te associadas a fossos. Destes trés sitios, algo haverd a acrescentar relativa mente 20 que deles se costuma dizer. 41 A Cava de Viriato, Viseu O estabelecimento de Viseu, com marcada regularidade de tracado, afasta-se claramente dos tragados conhecidos para estabelecimentos castrenses romanos €, acrescente- se, a varias intervengdes realizadas no seu interior nada entregaram de significativo, para ki de fragmentos de tegulac de um dendrio de prata, datado de 41 a. C. (Correia, 1928: 211-214; ALARCAO, 1973: 47 ¢ 110). Em suma, pode dizer-se que nem sequer uma data de construga0 no ambit do perfodo romano se Ihe pode atribuir, pelo que resulta manifestamente abusiva a sua

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