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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES

UNIDADE DE ACADÊMICA DE HISTÓRIA

DISCIPLINA: HISTÓRIA DA PARAÍBA II

PROFESSOR: JOSÉ LUCIANO QUEIROZ AIRES

ALUNA: ROBERTA DOS SANTOS ARAÚJO

RESENHA

A cidade revelada: Campina Grande em Imagens e História

A obra do Professor Dr. Severino Cabral Filho (PPGH-UFCG) é parte da sua


tese de doutorado intitulada: A cidade através de suas imagens: uma experiência
modernizante em Campina Grande (1930-1950), defendida no ano de 2007 pelo
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba. O livro
apresenta uma discursão sobre o processo de modernização e os seus impactos na
cidade de Campina Grande, entre os anos de 1930 e 1950. Um tema recorrente na
historiografia local, no entanto, o aporte teórico e metodológico utilizado pelo
pesquisador assinalar o diferencial do trabalho.

O que Severino Cabral Filho trás de inédito em sua obra é a análise do processo
de modernização por meio de imagens fotográficas, auxiliado por linguagens literárias
diversas, que foram produzidas por memorialistas da cidade. As fontes utilizadas pelo
pesquisador vão desde fotografias que retratam Campina Grande em meados do século
passado, textos de memorialistas e cronistas campinenses, periódicos e até mesmo
processos judiciais. O autor, utilizando-se de um aparato teórico típico da história
cultural, apresenta-nos uma história do cotidiano e das sensibilidades na Campina
Grande que se modernizava.

O livro A cidade Revelada: Campina Grande em Imagens e História está


dividido em três capítulos: modernização e imagens: o mundo em Campina Grande;
modernização e trabalho: as dores do progresso e modernização, cotidiano e cultura
material. Ao longo destes capítulos, o autor faz uma instigante discursão sobre as novas
percepções e sensibilidades para o estudo das cidades e do mundo urbano, bem como
apresenta os paradoxos presentes no tão divulgado processo modernizante da “rainha da
Borborema”. Vale ressaltar que, mesmo se tratando de uma pesquisa pautada na história
cultural, em nenhum momento o autor se desprende dos aspectos políticos, econômicos
e sociais que permeiam todo o processo histórico.

Ainda nas primeiras páginas do livro, Cabral Filho faz um levantamento teórico
concernente às possibilidades que o historiador, ou cientista social, tem para fazer uso
da fotografia como fonte. Por se tratar de um trabalho de pesquisa de caráter inédito na
região de Campina Grande, no que diz respeito ao aporte teórico e metodológico usado,
o autor realiza um meticuloso exercício de explanação sobre a “revolução
historiografia” impetrada pela Escola dos Annales, apresenta os principais teóricos da
área, além de indicar os estudiosos das humanidades que se debruçaram sobre as fontes
imagéticas para a realização de suas pesquisas. Observações feitas pelo autor que dão
legitimidade e segurança ao trabalho.

No primeiro capítulo, nos deparamos com a cidade de Campina Grande dos anos
30. Embebida por fortes doses de ideias modernas, as suas autoridades políticas e
intelectuais dispostos a por em prática todo e qualquer plano de reforma para que a
cidade ganhasse ares modernos, civilizados, saudáveis. Toda essa efervescência tinha
uma origem. As reformas urbanas Europeias, especialmente as realizadas na Capital
francesa, influenciavam todo o ocidente. No Brasil, as grandes cidades do Sudeste não
ficaram imunes aos efeitos da onda de modernização. O Rio de Janeiro, sob o governo
de Pereira Passos, enfrentou uma verdadeira reformulação em sua paisagem urbana. As
principais cidades do Nordeste brasileiro seguiam o ritmo das transformações. Em
Campina Grande o ideário modernizante também encontrou espaço.
Seguindo em um ritmo lento, distinto do que era observado nas cidades do
Sudeste, a elite da “rainha da borborema” ia, aos poucos, configurando um plano de
reforma urbana para a cidade. Severino Cabral Filho ressalta que, no período em que
tiveram início as transformações na paisagem urbana campinense, quem ditava as regras
da economia local era o algodão, ou seja, a produção algodoeira favoreceu os planos dos
letrados e políticos da cidade. O “ouro branco” possibilitou a ascensão econômica de
poucos grupos, porém, ele favoreceu o engrandecimento do nome da cidade, que além
de ser conhecida como a “Liverpool Paraibana” era a responsável pela maior
contribuição fiscal do Estado.

Sob a égide dos tempos áureos do algodão, e elite campinense passou a


reivindicar uma cidade com novos ares. Vale salientar que, no recorte temporal
escolhido pelo autor, Campina Grande ainda apresentava fortes características
sertanejas, rurais, destoando das ideias e dos epítetos majestosos que eram sugeridos
para a cidade. Uma parcela pequena da sociedade clamava por reformas e pelo
embelezamento da “Capital do trabalho e do progresso”. Para que este sonho, de uma
minoria, fosse realizado, muitos foram os preços pagos pela sociedade Campinense.

O processo de transformação urbana em Campina Grande foi estudado pelo


autor a partir de linguagens fotográficas. Em várias partes da obra, ele utiliza destas
iconografias para ilustrar os efeitos que a cidade sofrera com a modernização. Avenidas
foram abertas, ruas enlanguescidas, casebres de palha destruídos, elementos tidos como
indesejados (mendigos, pedintes, prostitutas, vadios, etc.) foram retirados do centro da
cidade, dentre outras intervenções. Uma “nova” Campina surgia sob os efeitos de uma
modernização que beneficiava poucos e inquietava e marginalizava muitos.

Mas o progresso deveria chegar. A “Liverpool Paraibana” tinha de fazer jus ao


seu epíteto de grandiloquente cidade. Não caia bem, para os barões do algodão, andar
em ruas sujas e povoadas de mendigos. Não era indicado, para uma cidade do porte de
Campina, possuir feiras livre nas suas principais artérias. Cabral nos mostra, utilizando-
se de fontes imagéticas e literárias, as disputas políticas que circundavam as famosas e,
tradicionais, feiras da cidade. Além de não serem mais aceitas nas ruas centrais, as elites
letradas reivindicavam a concentração e, consequente institucionalização, das feiras em
um mercado central moderno, seguindo os preceitos de uma cidade limpa, organizada,
civilizada e moderna, como se pretendiam constituir Campina Grande.
Sobre a feira em Campina, Cabral faz uma interface entre a tradição e o
moderno. Respaldado em teorias defendidas por Eric Hobsbawm e Terence Ranger, ele
mostra que as autoridades encontraram certas resistências por parte dos feirantes, uma
vez que eles compartilhavam desta tradição desde os primórdios da história de Campina
Grande. Neste sentido, as mudanças propostas pelas autoridades quebravam com a
tradição, ao mesmo tempo em que se inventavam outras e reconfiguravam-se os
costumes. O moderno encontrava resistência nas tradições inventadas pela população.

Os olhos atentos e disciplinadores dos políticos e letrados de Campina Grande


não se limitaram à feira. A Cidade moderna exigia espaços para o lazer, o descanso e
para a acomodação dos seus visitantes. A Praça Clementino Procópio, os cinemas, o
Grande Hotel, entre outros espaços da cidade que foram construídos, ou reformados
para atender às exigências da elite. A reforma urbana campinense, atingia até mesmo os
espaços eclesiais. A igreja do Rosário, por exemplo, estava localizada no centro da
cidade, mas a avenida precisava ser enlanguescida, para isso, a igreja foi destruída e
uma nova foi construída no bairro na Prata.

Para a obtenção destas informações, ao autor bebeu em fontes imagéticas e


literárias. Quando uma fonte esgotava as possibilidades de análise, ele recorria aos
escritos dos memorialistas e aos periódicos. A mescla das fontes enriqueceu o trabalho.
Além de apresentar uma excelente leitura e problematização. A todo o momento, ao
longo de sua escrita, Cabral ressalta o cuidado que o historiador deve tomar ao
interpretar fontes, sejam elas literárias ou imagéticas, uma vez que estes documentos são
portadores de intencionalidades e não portadores de uma verdade absoluta. Esclarece
que o seu trabalho esta pautado na ideia de paradigma indiciário, ou seja, que estas
fontes apresentam apenas vestígios e possibilidades do real.

É sob o prisma do paradigma indiciário com o auxilio da invenção do cotidiano


de Michel de Certeau, que Severino Cabral desenvolve a análise do cotidiano
Campinense. No entanto, ele se volta para o cotidiano, para o dia-a-dia do povo
campinense, com o objetivo de identificar os flagelos procrastinados pela famigerada
modernização da cidade. O autor reforça a ideia de que, o progresso atingiu, de maneira
positiva, apenas os poderosos, ou seja, aqueles que se beneficiaram dele, por outro lado,
a sociedade, a maioria dela, sentiu os reflexos negativos do fenômeno. É sobre estes
flagelos que o autor dedica a terceira parte de sua obra.
As reformas urbanas atingiram a arquitetura, a higienização, a ordem e os
espaços das cidades, mas a mente, os costumes e os hábitos dos citadinos não ficaram
imunes a essas transformações. Os goles amargos do progresso quem beberam foram os
pobres. A mão destruidora do governo batia na porta dos menos desfavorecidos que
habitavam, em casebres de palha, as principais ruas de Campina Grande. Obrigados a se
afastarem do centro, famílias eram deslocadas e se aglomeravam nas periferias. A
limpeza da cidade ultrapassava o material e atingia o humano. Não era saudável,
higiênico e civilizado ter mendigos, pedintes e prostitutas circulando nas ruas.

A tecnologia adentrava pela cidade em forma de energia elétrica, de prensas


modernas para o algodão, de fábricas tecnologicamente montadas, etc. Apesar de
incipiente, o progresso tecnológico deixava suas maras em Campina. Alguns dos
flagelos da modernidade foram detectados pelo autor em suas fontes. Os trabalhos nas
fábricas e na distribuição de energia fizeram vitimam, até fatais. Por meios dos
processos judiciais, Cabral identificou casos de trabalhadores que se acidentaram e não
foram assistidos pelos seus empregadores. Exemplos que mostram o lado nefasto do
progresso e a desumanização dos capitalistas para com os seus dominados.

A questão do trabalho é recorrente na obra de Cabral, porém, ele não realiza um


trabalho estrutural sobre este tema. O objetivo dele ao tratar sobre o trabalho em
campina é, mostrar como os efeitos da modernização afetaram o dia-a-dia dos
trabalhadores. Neste sentido, após as observações feitas acima, podemos entender que
trabalho e modernidade não se relacionavam com tranquilidade. E nesta relação o mais
prejudicado era o trabalhador.

Os benefícios da modernidade não chegaram para todos. Enquanto a elite


esbanjava luxo e poder, em cima da economia cotonicultura, a pobreza se regozijava
com os restos e os refugos que eram comprados nas feiras da cidade. O progresso
campinense acontecia e concomitantemente o pobre se alimentava mal e vivia em
péssimas condições. Enquanto os barões se deleitavam em seus automóveis, maior
símbolo de modernidade da época, os pobres insistiam em empurrar suas carroças de
mão pela cidade. O cotidiano campinense estava repleto de paradoxos. Modernidade e
flagelo se cocavam em cada ponto da cidade.

Campina Grande, entre os anos de 1930 e 1950, sofreu suas maiores


intervenções urbana. Dentre os governantes que estiveram à frente da cidade neste
recorte temporal, destaca-se o nome do prefeito Vergniaud Wanderley. Esteve à frente
da prefeitura por dois mandatos e impetrou reformas significativas no cenário urbano
campinense. Reformas estas que custaram caro para a população pobre da cidade, bem
como para o seu patrimônio histórico que foi praticamente todo destruído para dar
novos aspectos à Campina moderna.

O estudo realizado pelo Dr. Severino Cabral Filho corrobora a tese de que, o
mesmo tema pode ser exaustivamente analisado, desde que novos olhares e novas
abordagens sejam lançados sobre ele. Uma pesquisa de folego, estruturada em coerentes
correntes teóricas. A cada capítulo exposto o autor, cuidadosamente, apesenta uma
revisão bibliográfica sobre o tema, expondo os clássicos da historiografia e da
sociologia que versam sobre a temática. Os espaços lacunares, que ele humildemente
alerta que não daria em conta em sua pesquisa, oferece para que futuros pesquisadores
possam se debruçar em uma investigação. Em suma, trata-se de uma pesquisa
enriquecedora, extremamente importante e atual, uma vez que os paradoxos, as
contradições e os flagelos oriundos do progresso não se resumiram às décadas de 30, 40
e 50 do século passado. Elas persistem, insistem em conviver com o moderno.

REFERÊNCIAS:

RESENHA

CABRAL FILHO, Severino. A cidade revelada: Campina Grande em Imagens e


História. Campina Grande, EDUFCG, 2009.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 1. Artes de Fazer. Tradução Ephraim


Ferreira Alves. Petrópolis , RJ, Vozes, 2000.

HOBSBAWM, E. J. e RANGER, Terence. A Invenção das tradições. Tradução Celina


Cardim Cavalcante. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

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