Você está na página 1de 39

O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

O aprendizado da
análise crítica sobre as
obras audiovisuais
Professor Edson Gardin

1
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

1 Introdução 3

2 Poética de Aristóteles 3

3 Crítica jornalística 4
SUMÁRIO 4 Exemplo de crítica jornalística 5

5 Crítica ou resenha 6

6 Primeiras impressões 6

7 Conhecimentos específicos 7
7.1 Roteiro 7
7.2 Direção 8
7.3 Interpretação 8
7.4 Direção de arte 9
7.5 Fotografia 9
7.6 Efeitos visuais 9
7.7 Mixagem, edição de som e trilha sonora 10
7.8 Finalização 11

8 Gêneros 12

9 Analisando críticas 26

Referências bibliográficas 39

2
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

1 INTRODUÇÃO televisão e em jornais, revistas e diversos periódicos,


feitas pelos chamados críticos de cinema, visa mais
Mais do que uma apreciação, criticar é desenvolver conduzir os hábitos de consumo cultural com base
um olhar minucioso, um exame com objetivos em suas próprias preferências e as do grande público
elucidativos. É o julgamento do valor de obras do que desenvolver um texto capaz de interpretar
científicas, literárias ou artísticas. Frequentemente e compreender as relações entre os elementos do
vista com desconfiança e até mesmo temida pelos filme.
autores, a construção de uma crítica vai muito além
da subjetividade ou da intuição. O cinema como arte Criticar um filme é, de forma isenta, atribuir um
para contar histórias e fomentar o debate através de juízo de valor através de uma minuciosa avaliação
imagens se desenvolveu e construiu uma linguagem de muitos aspectos técnicos, culturais, entre outros,
própria, formas narrativas e absorveu os gêneros considerando a beleza, a verdade e o público a quem
literários. o filme se destina.

A crítica cinematográfica nasceu da interpretação


e análise dos filmes e pode ser realizada de maneiras
diversas através dos mais variados meios. Podemos
2 POÉTICA DE ARISTÓTELES
considerar qualquer texto que fale dos filmes e de seus
Ao pensar uma metodologia para a crítica
conteúdos, porém, interpretar um conteúdo narrativo
cinematográfica, temos que voltar para muito antes
com relevância, seja para um estudo acadêmico
da invenção do cinema. Aristóteles, em sua obra
ou para fins jornalísticos, requer conhecimento e
A Poética, analisou o modo de ser e proceder da
habilidades específicas de acordo com o meio a que
epopeia e da tragédia. Para Aristóteles, toda arte tem
a crítica se destina.
um valor em si mesma e a experiência estética possui
uma finalidade em si mesma.
Pode-se dizer que não há uma metodologia aceita
ou consensual. O crítico observa o que pode para
A primeira contribuição importante retirada da
produzir sua convicção além do subjetivo, apoiado
Poética consiste na ideia de que a obra deve ser
inteiramente em suas qualidades, ou seja, em sua
pensada em função da sua destinação. Quando
habilidade literária, cultura e talento. Não é por isso
se efetiva, quando produz um efeito, é que uma
que a falta de uma disposição metódica amplamente
operação se torna obra, resultado. Podemos dizer
compartilhada, com caráter normativo, impossibilite
que para Aristóteles cada gênero de representação
que caminhos sejam percorridos com a utilização de
tem uma própria destinação, isto é, provocar um
técnicas e preceitos já desenvolvidos. As técnicas
determinado efeito sobre os seus apreciadores.
cinematográficas empregadas na narrativa, o roteiro,
a homogeneidade, a coerência narrativa e seu
Temos assim a criação de um programa de estudos
impacto dramático são apenas alguns aspectos da
que se encarregam com os efeitos da composição de
obra fílmica a serem observados na construção da
cada um dos gêneros e da relação entre tais efeitos
crítica.
realizados e as estratégias presentes. Em cada um
dos gêneros de representação, o autor deve buscar
Com o desenvolvimento da indústria do cinema e
um efeito próprio e conveniente. Ele deve projetar,
a destinação de filmes como objeto de consumo, a
prever e organizar os efeitos no apreciador adequado
crítica jornalística assumiu o lugar como formadora
para o seu gênero de obra.
de opinião na tomada de decisão para o consumo
cultural. Muitas vezes a análise em programas para

3
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

Quando aplicamos a Poética ao cinema, deve-se que um filme determinado é capaz de produzir
constituir um programa teórico e metodológico que na apreciação. (MIMURA, 2011, p. 6).
assume duas teses como seus próprios pressupostos.
Um dos pressupostos é uma tese sobre a natureza da
peça fílmica, e o outro é uma tese sobre a natureza
No entendimento de Wilson Gomes (2004 apud
da apreciação do filme.
PENAFRIA, 2009, p. 6) e sua análise poética, o filme
- Natureza da peça fílmica: consiste em identificar é uma programação ou criação de efeitos. A seguinte
e tematizar os artifícios que estrategicamente foram metodologia rege tal análise:
postos no filme para despertar esta ou aquela reação
no espectador. Esses artifícios ou recursos expressivos
dizem respeito aos materiais visuais (escala de planos,
1) Enumerar os efeitos da experiência fílmica,
fotografia, enquadramento, movimentos de câmera, ou seja, identificar as sensações, sentimentos e
luz, profundidade de campo), sonoros (trilha sonora sentidos que um filme é capaz de produzir no
e música), cênicos (direção de atores, cenários, momento que é visionado; 2) A partir dos efeitos
figurino, maquiagem, direção de arte) e narrativos chega à estratégia, ou seja, fazer o percurso
(roteiro, movimento de câmera, edição). inverso da criação de determinada obra dando
conta do modo como esse efeito foi construído.
- Natureza da apreciação fílmica: um filme não Se considerarmos que um filme é composto
existe enquanto obra em qualquer lugar ou momento por um conjunto de meios (visuais e sonoros,
exceto no ato da sua apreciação por um espectador, por exemplo, a profundidade de campo e a
isto é, só existe no momento que provoca efeitos e banda sonora/musical) há que identificar como
sentidos para o receptor. é que esses meios foram estrategicamente
agenciados/organizados de modo a produzirem
determinado(s) efeito(s).

Podemos observar que cabe ao analista


identificar em que instância o filme exerce seus
efeitos nos telespectadores e desabrocha como 3 CRÍTICA JORNALÍSTICA
arte, em que universo obscuro e intangível o
mesmo penetra. Identificá-lo equivale a isolar as Rabaça e Barbosa (2001 apud CASSAROTI, 2006,
sensações, os sentimentos e os sentidos que se p. 31) definem a crítica jornalística como uma
realizam no telespectador durante a experiência
do filme e por causa dela. Discussão fundamentada e sistemática, a
respeito de determinada manifestação artística,
De outra forma, no programa teórico e publicada geralmente em veículos de massa
metodológico da poética o começo de tudo é a (jornal revista, livro, rádio, TV) e emitida por
identificação daquilo que compõe a experiência jornalista, professor, escritor ou por outros
fílmica, daquilo que o filme faz com os seus especialistas. Em geral profissionalmente
apreciadores, daquilo que emerge da cooperação vinculados ao veículo como colaboradores
entre intérprete e texto, esta experiência se regulares. Apreciação estética e ideológica,
estrutura como uma composição, variável desenvolvida a partir de um ponto de vista
em sua materialidade singular, de sensações, individual, em que entra a experiência prática
sentimentos e sentidos. Alcançar tal extrato da e/ou teórica do crítico, a respeito de trabalho
experiência significa a identificação dos tipos e literário, teatral, cinematográfico, de artes
modos de sensações, sentimentos e sentidos plásticas etc. O exercício da crítica implica

4
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

na compreensão de tudo o que participa do técnico, os analistas deverão possuir conhecimentos


processo de criação de uma obra artística, suas relacionados à linguagem visual e de todas as
técnicas, significados, propostas e importância ferramentas necessárias de produção, gravação e
no âmbito de um contexto cultural. “A crítica visa edição. Na apreciação, o mesmo deverá possuir
ao conhecimento e valoração da obra, tendo em cultura suficiente para um domínio seguro daquilo
mira orientar o gosto e a da curiosidade leitor”.
que está comentando. No artístico, o processo de
Elaborada a partir de um padrão – moderno
compreensão do filme e a interpretação do roteiro
ou acadêmico – de proposta artística e pela
dependerão do conhecimento do filme e das relações
comparação dos valores e informações da obra
do argumento, dotada de um grau considerável no
com o ideal estético daquele que analisa e opina,
a crítica é também uma atividade criativa, na
domínio da informação.
medida em que reinterpreta intelectualmente
o objeto examinado e propicia ao leitor um 4 EXEMPLO DE CRÍTICA JORNALÍSTICA
conjunto de impressões, ideias e sugestões,
enriquecendo a informação original.

A posição da crítica jornalista, atualmente, é a de


direcionar a decisão em torno do consumo cultural:

A crítica jornalística distancia-se cada vez


mais de funções que o ambiente cultural lhe
atribuía no passado, de forma que entre o exame
analítico dos filmes, de um lado, e o registro
jornalístico do produto e a caracterização veloz
dos elementos que permitem que um público de
massa forme a sua decisão de consumo, de outro,
tende decisivamente a ficar com o segundo.
Importa ao analista identificar as características
fundamentais que estabelecem as pequenas
diferenças entre os produtos em oferta de modo
a orientar a decisão sobre o filme que deverá ser
consumido. (MIMURA, 2011, p. 2). Fonte: <http://search.genieo.com/results.html?v=smtsem&q=
a+arvore+da+vida&page=1&category=images>. Acesso em
25/06/2014.

Como observamos, a qualidade interna da crítica


de cinema acaba por pautar-se em sua influência
nas decisões e hábitos de consumo cultural, com Considerar Terrence Malick como diretor genial –
o objetivo de que a audiência adote a sua agenda um trono ocupado por vários diretores, como Stanley
cultural. Kubrick – é uma posição da crítica. A realização de
um filme está diretamente ligada ao humor e ao
Para uma boa análise crítica, o analista deve tempo dos considerados gênios do cinema. Esses
ter predicados relacionados ao campo do cinema. diretores sempre acabam confundindo os críticos,
Devemos considerar os ambientes técnico, artístico dando um nó com suas obras-primas e dessa forma
e de apreciação (do espectador). Do ambiente são considerados gênios do cinema.

5
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

Apesar da crítica admitir que ambos trabalham de livros, mas também está no jornalismo. A crítica
paralelamente em algumas felizes coincidências, pois acaba trabalhando com outras expressões artísticas,
A árvore da vida, filme que Malick dirigiu, pode ser como cinema, teatro, exposições, e característica
da mesma competência que Kubrick, tal disposição veículos de comunicação como jornais, revistas etc.
não leva Malick a ser considerado um “novo Kubrick”.
6 PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Malick nunca fez cinema pensando na bilheteria.
Seus filmes são épicos, nem um pouco religiosos, e Bagagem cultural
ultrapassam o happy end com verdades próprias. Ao
invés disso, são mais filosóficos. Há mais do que uma A crítica do cinema é, sem dúvida, uma atividade
frase de efeito ou uma lição de moral antes da subida que vai além de entender a forma, meios e trucagens
dos créditos. contidas no filme. Como se trata de contar histórias
através de imagens e sons, temos inseridos contextos
Com um roteiro sobre uma família do Texas, A culturais, sociais, filosóficos, literários, estéticos,
árvore da vida fala sobre as dores da rejeição e da históricos e artísticos em geral. É fundamental o
inveja de um filho, com uma melancolia do pai frustrado entendimento das técnicas inseridas no roteiro, na
e uma doce mãe linda e tolerante. Propositalmente, luz, na montagem e nos mais diversos recursos
há pouco diálogos no filme e uma bela fotografia empregados na peça fílmica, além de pensar o filme,
de Emmanuel Lubezki. Quando à parte musical, o que ele pretende comunicar com o próprio olhar e
completada pelas obras primas de Bach, Brahms para quem ele possivelmente se destina.
entre outros, Malick liga a vida de uma família com
a criação do universo, onde um espetáculo visual é Podemos dizer, portanto, que a atividade do
apresentado ao espectador, formando uma sucessão crítico é a de um mediador cultural. A interpretação,
de milagres, luzes e efeitos. derivada do seu conhecimento, sensações e talento,
possibilitará ou não a aproximação do público,
Para onde vamos? Pode ser uma caminho onde o influenciando diretamente em sua decisão de
filme A árvore da vida nos faz pensar. consumir e, muitas vezes, no modo de consumo das
obras de cultura. A relação que se dá entre mediador
5 CRÍTICA OU RESENHA e o público é essencial. Nela acontece uma troca
de experiências entre os espectadores e o crítico,
Crítica e resenha se apresentam como segmentos que leva toda a sua bagagem cultural e expõe ao
distintos. No jornalismo, os textos que aparecem observador as indicações de forma isenta para
em obras teatrais, cinematográficas e de artes facilitar seu entendimento sobre as obras de arte.
plásticas estão no campo da crítica, isto é, no olhar
da construção da obra, avaliando as qualidades Nessa relação de mediação, principalmente no
técnicas, artísticas e de entretenimento. Já a resenha cinema, também são incluídas as peças publicitárias
olha para o relato da obra, avaliando para onde a e as diversas formas de divulgação. Como o filme
obra poderá seguir, criando assim debates dentro do é produto de uma indústria, o convencimento
campo das ideias. para o seu consumo é realizado com frequência
de forma maciça, criando um novo fato cultural e
Dessa forma, apesar das possíveis semelhanças, social, influenciando não só opiniões, mas o próprio
entendemos que resenha e crítica sejam dois gêneros interesse do publico, o que torna o objeto-filme uma
distintos. Podemos dizer que a resenha trabalha em necessidade de consumo.
um processo mais acadêmico, destinado à avaliação

6
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

7 CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS emocionar, questionar, discutir, acrescentar ou


simplesmente reforçar ideias já estabelecidas.
É essencial que o crítico de cinema conheça as
diversas áreas, departamentos e meios utilizados Por ter a função de mediador, o crítico precisa
na construção de um filme. Sem nos atermos às perceber já no roteiro o público para quem o filme
minúcias, vamos destacar as principais questões e se destina. Roteiros são pensados e escritos para um
pontos importantes a serem apreciados pelo olhar determinado tipo de espectador, para quem ele quer
crítico. comunicar. Essa identificação, porém, não exime o
trabalho do crítico em julgar e fomentar o olhar mais
seletivo do público. Assim formam-se as opiniões.
7.1 Roteiro
Filmes como Cidadão Kane, Pulp fiction, Beleza
Roteiros originais ou adaptados, assim como
americana e Noivo neurótico, noiva nervosa são
suas versões menores, argumento e sinopse, são as
ótimos exemplos para o estudo de roteiros que
primeiras traduções de uma ideia para a possibilidade
superam os padrões e ainda assim resultam em
de se fazer um filme. Assunto amplamente discutido
filmes amplamente aceitos pelos mais diversos tipos
e com diversas publicações importantes, as técnicas
de público.
de como escrever um roteiro capaz de prender a
atenção do espectador durante toda experiência
fílmica devem ser amplamente conhecidas pelo
crítico de cinema.

De um bom roteiro poderemos ter um bom


filme, mas de um roteiro ruim, nunca poderemos
ter um bom filme. Essa afirmação demonstra bem a
importância do roteiro, mas também acaba por induzir
os roteiristas a buscar formas de desenvolvimento já
amplamente testadas e aceitas pelo público, apesar
do roteiro não poder ser classificado como uma
obra literária, uma vez que não cumpre a função de
comunicar em si.

Filmes com grandes orçamentos, principalmente


no cinema americano, têm optado por roteiros
engessados com um único plot, atores reconhecidos
e muitos efeitos visuais para garantir um publico
permanente. Já os filmes com menor orçamento Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-D6HRfvCeZvU/TrX2ZwCGgaI/
tendem a ousar mais, construindo uma narrativa AAAAAAAACA8/LwScyHovyZI/s1600/citizen-kane2.jpg>.
Acesso em 25/06/2014.
menos linear desde o roteiro para despertar interesse
e comunicar. Como em toda arte, não existem regras
ou modelos rígidos, e cabe ao crítico de cinema
identificar a qualidade do roteiro, o modo como foi
desenvolvido, o enredo, a qualidade dos diálogos,
o que e para quem ele comunica e se consegue

7
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

pensado e escrito para obedecer a uma visão estética


ou narrativa específica a ser conduzida. Como
exemplo, podemos citar o dinamarquês Lars Von Trier,
Woody Allen, Federico Fellini, Glauber Rocha etc. O
crítico de cinema precisa ler as marcas de autoria do
diretor e avaliá-las sem cair na armadilha do “culto
estético à personalidade”. André Bazin alerta para o
risco de assumir que um filme de determinado diretor
é bom apenas porque é desse diretor.

Analisar o trabalho de um diretor é mais do


que avaliar a estética ou condução narrativa de
um filme. Os diferentes gêneros também alteram
a forma narrativa e, consequentemente, o público.
Independentemente de todas essas questões, o crítico
de cinema observará como as sequências e cenas
se desenvolvem, o trabalho de direção dos atores,
movimentos de câmera na construção narrativa e
muito outros aspectos que vão variar de acordo com
7.2 Direção a direção, gênero e estética. Existem, porém, dois
resultados que praticamente todo diretor procura
Também conhecido pelo nome de cineasta, a fazer em seus filmes: comunicá-lo ao seu publico e
função do diretor acaba por acompanhar praticamente prender a atenção do espectador, seja através de
todos os processamentos do filme, a partir do roteiro emoções ou de informação.
pronto até a cópia final. Por conduzir a execução
das filmagens, entre tantas outras funções, o diretor 7.3 Interpretação
imprime seu olhar na imagem se posicionando como
uma espécie de autor do filme. Essa importância O ator dá vida à personagem e a personagem
precisa ser observada com muita atenção pelo crítico dá vida ao filme. Uma boa atuação – a química,
de cinema. como costumamos dizer – entre dois protagonistas,
ainda que um narrador se faça presente, fazem toda
Se um bom roteiro pode resultar em um bom filme, a diferença para um bom filme. Afinal, o drama é
uma boa direção e roteiro aumentam incrivelmente conduzido pela ação das personagens.
as chances de sucesso. Assim como acontece com o
roteiro, os cineastas buscam um público determinado, Assim como o espectador se identifica com
desenvolvendo um estilo muitas vezes associando ao determinado gênero ou diretor, o mesmo acontece
gênero – Alfred Hitchcock com o suspense, James com o ator. Não seria exagero dizer que muitas pessoas
Cameron com aventura e ficção cientifica, Michael escolhem os filmes que pretendem ver com base nas
Moore com seus documentários polêmicos etc. preferências por determinados atores. Essa tomada
de decisão nem sempre propicia ao espectador a
O chamado “cinema de autor” normalmente é experiência desejada, mas o fenômeno social do culto
observado – mas não como regra – quando o diretor à personalidade e a possibilidade de ir ao cinema
e roteirista estão em uma única pessoa. Dessa forma, para ver uma pessoa admirada interpretando uma
além da impressão do olhar ao dirigir, o roteiro é personagem, vivendo vidas possíveis ou impossíveis,

8
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

faz com que os produtores escolham atores que se 7.5 Fotografia


identifiquem com o mesmo público pretendido pelo
filme desde o roteiro. Sem deixar de lado os produtores executivos e
outros, as decisões que definirão a estética e, por
A interpretação é parte importante para a boa que não dizer, a visão artística do filme é tomada
condução narrativa do filme. Representações por três pessoas: o diretor, o diretor de arte e o
exageradas ou inexpressivas podem abalar a boa-fé fotógrafo. São esses os profissionais que definirão
do espectador. Por outro lado, uma boa interpretação, de fato como será feito o filme. A função primária
além de criar identificação com o público, valoriza do cinema é registrar a luz em um filme fotográfico
a narrativa, o tempo diegético e a própria peça de forma contínua, dando a ilusão do movimento
fílmica como um todo. Bons exemplos de grandes para a percepção do olho humano. A importância da
interpretações, entre muitos outros, podem ser fotografia, então, é singular e de caráter decisivo,
vistos em A Dama de Ferro, interpretado por Meryl tanto para a verossimilhança como para a narrativa.
Streep, no papel da ex-primeira ministra da Inglaterra
Margaret Thatcher na idade mais avançada, ou As cores possuem uma influência muito forte às
Marlon Brando em O poderoso chefão. emoções humanas. Cabe ao fotógrafo a escolha da
paleta de cores. Um filme como O último imperador,
7.4 Direção de arte do respeitado fotógrafo Vittorio Storaro, é um bom
exemplo da utilização das cores para causar uma
A direção de arte responde pela concepção visual reação psicológica no espectador, iniciando com
do filme, ou seja, cenários, objetos, maquiagem, vermelho e finalizando com o violeta. O olhar crítico
figurino, entre outros. Mesmo fazendo parte de deve observar a luz propriamente dita e as cores, mas
apenas um departamento, é salutar desmembrar principalmente a união e integração entre fotografia
cada função para realizar uma análise melhor. Cabe e a direção de arte e como estas produzem, em
ao cenógrafo o desenvolvimento, a construção e a conjunto, o efeito narrativo desejado.
manutenção dos cenários de acordo com a proposta
e as decisões anteriormente estabelecidas para 7.6 Efeitos visuais
proporcionar verossimilhança. Os objetos são de
grande força narrativa e devem ser cuidadosamente Com o advento dos efeitos visuais gerados por
escolhidos. A maquiagem, mais facilmente percebida computadores e sua respectiva evolução, o cinema
em filmes do gênero terror, ficção cientifica e filmes – principalmente dos Estados Unidos, com seus
de época, também são essenciais, assim como o orçamentos milionários – utilizam esse recurso
figurinista, que seleciona e muitas vezes confecciona não só narrativamente, mas também para atrair
as roupas a serem utilizadas pelos atores. o espectador das mais variadas faixas etárias,
que busca o desligamento com a realidade que o
O olhar crítico deve se ater a todos os detalhes envolve, ainda que por algumas horas. Os efeitos
que impulsionam a ação dramática. Muitas vezes, um visuais possibilitaram à peça fílmica elementos,
objeto como um anel em Senhor dos anéis ou uma ângulos de câmera, cenários e até mundos digitais
dentadura de ouro em Boca de ouro, cenários como com personagens, como podemos ver em Avatar, de
nos filmes de Stanley Kubrick, a maquiagem em James Cameron.
Hellraiser ou Alice no país das maravilhas e o figurino
em Maria Antonieta são itens da direção de arte que Os efeitos visuais devem funcionar como um meio
podem adicionar valor inestimável à narrativa fílmica. e não como um fim. É inegável, porém, que filmes
com muitos efeitos visuais atraem grandes públicos

9
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

às salas de cinema e que muitas questões ainda utilizadas esponjas molhadas para a chuva dos
serão apontadas à medida que avanços tecnológicos hambúrgueres.
aparecerem e influenciarem na forma de fazer e ler
o cinema. O score, composto por artistas especializados,
confere grande identificação e força narrativa ao
Na avaliação de um filme, devemos observar os filme. Muitos cineastas fizeram uma espécie de
efeitos visuais como recurso para impulsionar a ação dupla com compositores, o que adicionava grande
de forma verossímil e criar meios e formas de contar. identidade aos seus filmes. Podemos citar como
A crítica destina-se ao público, que, por sua vez, vê exemplo Federico Fellini e Nino Rota, Alfred Hitchcock
nos efeitos visuais um fator importante na tomada e Bernard Hermann e, mais recentemente, Steven
de decisão de consumo do filme. Não devemos fazer Spielberg e John Willians, Tim Burton e Danny
uma separação preconceituosa entre o cinema com Elfman, entre muitos outros.
características europeias – que busca despertar
emoções e questões baseadas em uma condução Apesar de serem artes diferentes que se
dramática tradicional – e o cinema que se utiliza de complementam na experiência fílmica, cada
tecnologia e recursos visuais. O objetivo de provocar compositor possui um estilo próprio, o que torna
emoções e prender a atenção está presente em fundamental o acerto na escolha do mesmo para um
ambos os casos e comumente atrai públicos distintos. determinado filme. A análise crítica do som para o
cinema deve vir acompanhada de certa experiência,
7.7 Mixagem, edição de som e trilha e o ideal é possuir um conhecimento prévio das
várias escolas de cinema: a americana, a europeia,
sonora
a indiana, entre outras, e analisar como o som é
O áudio – tanto as falas como os ruídos e o score utilizado na condução da ação nos filmes. Enquanto
– é uma arte por si própria. Aliado à imagem, se Hollywood se utiliza de grandes orquestras, sistemas
transforma em um poderoso meio de comunicação de mixagem e muita tecnologia para maximizar a
sensorial. Profissionais como sound designers, experiência do espectador, o cinema europeu utiliza
compositores, arranjadores e cineastas se valeram mais o silêncio, pausas e mais simplicidade, sem abrir
desta aliança para adicionar ao filme verossimilhança mão da originalidade. Já a indústria indiana adiciona
e reforçar as emoções pretendidas. Não é por acaso muitas canções aos seus filmes para atrair um público
que sistemas sofisticados de som em salas de cinema que gosta de cantar e participar durante a exibição
ou mesmo em nossas casas fazem tanto sucesso, do filme.
assim como cada vez mais recursos como o panning,
Os principais usos do som são:
utilizado para simular o deslocamento do som entre
caixas introduzido na fase de mixagem, são cada vez
- Ambiente: captado de forma direta ou mixado
mais utilizados.
para ter um aspecto natural.

Com a evolução da tecnologia de efeitos visuais


- Establishing sound: mistura de sons e ruídos
digitais e com o crescente aumento das animações,
colocados sob uma imagem para informar ao
técnicos passaram a criar sons que nunca poderemos
espectador o que ele está vendo. Uma imagem com
ouvir de fato, mas que fornecem uma experiência
prédios e sons de buzinas, sirenes, tráfego e vozes
convincente, como no filme Jurassic Park, com todos
remetem à um lugar especifico, como uma grande
os ruídos emitidos pelos dinossauros, ou mesmo
cidade.
na animação Tá chovendo hambúrger, onde foram

10
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

- Soundscape: complexa massa de diálogos, que ela representa. Como um artesão, o montador
música, ruído e efeitos sonoros que compõe a possui vários recursos e os principais são:
maior parte dos filmes. Muitas vezes é desenvolvida
antes mesmo do filme ser rodado. Uma espécie de - O ritmo do corte
filme auditivo, com todas as chaves emocionais da
narrativa visual, mas em forma de som. - Fade in, fade out

- Superposição
7.8 Finalização
- Cutaway
Dar ordem ao material colhido implica em:

- Cortes casados (matched)


- dar a forma final do filme;

- Cortes contínuos
- criar o ritmo da narrativa;

- Jump cut
- acrescentar camadas, dando significado às
imagens;
Além de controlar o modo como o espectador
experimenta a narrativa, o montador também tem
- criar “realismo emocional”, mesmo que o
domínio sobre o tempo e o espaço.
espectador, racionalmente, saiba ser “apenas um
filme”.
- Tempo subjetivo: tempo como percebido por
determinada personagem (mais lento ou rápido
No início da produção cinematográfica não havia
demais).
montagem, até porque não havia o que montar. A
necessidade de aumentar a duração das sessões,
- Tempo comprimido/passagem de tempo: pode
oferecendo mais ao público, só podia ter sido
ser breve (o subir de uma escada) ou longo (dias ou
resolvida com a adição de mais imagens. Em 1903,
anos).
Porter levou adiante sua experiência com o que pode
ser considerado o primeiro filme de ação. Com doze
- Tempo simultâneo: eventos diferentes em locais
minutos e possuindo característica de western, O
diferentes que parecem acontecer ao mesmo tempo.
grande roubo do trem narra a conquista do Oeste
utilizando recursos ousados que se tornariam - Tempo ambíguo: tempo subjetivo, quando
parte integrante da linguagem do cinema. Eventos a personagem está alterada por algum motivo
acontecendo ao mesmo tempo em dois lugares (apaixonado, sonhando, drogado).
diferentes, compreensão do tempo, tela dividida e
naturalidade nos cortes fizeram o espectador acreditar - Tempo natural: normalmente obtido pelo plano-
que o cenário da estação de trem e a floresta por sequência, sem interrupções ou cortes.
onde os bandidos fugiram fazem parte da mesma
realidade e compõe uma história sem interrupções.

Atualmente, a montagem na finalização é tão


importante que muitos diretores a tomam nas mãos
sem medo do enorme, sistemático e paciente trabalho

11
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

8 GÊNEROS - Temas básicos: os filmes são sobre temas


semelhantes, frequentemente em contextos
Alvo de incansáveis discussões entre teóricos históricos, culturais e sociais semelhantes.
e cinéfilos, os gêneros servem de código de
compreensão, tanto para os realizadores como para - Ambiente: lugar e tempo onde a trama se passa.
o espectador. É importante salientar que os gêneros
- Iconografia: uso de “ícones” semelhantes:
são como organismos vivos que se modificam e
objetos, atores, cenários, uso de certo tipo de
evoluem, como o próprio cinema. Herdeiro de muitas
linguagem e terminologia.
formas de expressão, assim como a literatura, o
teatro, as artes plásticas, a fotografia, entre outras
- Técnica e estilo: iluminação, paleta de cores,
artes, o cinema se debruçou sobre praticamente
movimento de câmera e enquadramento semelhantes.
todas as facetas da atividade e do sonho humano,
expressando-as em uma profusão de formas. Ao O cinema é uma arte em constante evolução.
reorganizar estes elementos em uma narrativa que Temas e estilos que encontram grande aceitação por
possa ser compreendida pelo público, unidas apenas parte do público podem se tornar gêneros, e seus
pela cumplicidade de uma sala escura, o cinema criou elementos podem ser copiados, reinterpretados e
seus códigos interiores – os gêneros. respondidos por outras visões e realizadores. Através
da repetição, o gênero se cristaliza, tornando-se
Segundo Barthes, não se pode definir gêneros
plenamente um clichê pronto para ser criticado,
estudando a realidade. Ninguém foi perseguido por
destroçado, ironizado, satirizado e eventualmente
um androide assassino pelas ruas e, no entanto,
esquecido, até virar novidade de novo e reinterpretado
aceitamos perfeitamente que estas imagens
por um novo olhar.
componham um elemento importante da história de
filme O exterminador do futuro, de James Cameron. O ciclo aproximado da vida de um gênero passa
O espectador já sabe o que esperar ao deparar-se pelas seguintes fases:
com o androide nas telas antes mesmo de vê-lo. Esse
“saber antes mesmo de ver o filme” cria uma série de - Enunciação: os primeiros elementos se formam
associações que permitem que a narrativa visual se normalmente emprestados de outras formas de
conecte de maneira mais intensa na mente. É como expressão.
se o filme solicitasse uma parceria com o público,
dando-lhes os sinais necessários para o diálogo. - Sofisticação: elementos recorrentes são
estabelecidos.
O cinema é uma arte empírica. Tempo e prática
se encarregam de acumular signos e realizá-los em - Apogeu: elementos claros, amplamente repetidos
gêneros. Elementos que definem um gênero são: e reconhecidos.

- Narrativa: tramas, premissas, situações, - Fórmula: a repetição supera a possibilidade de


obstáculos, conflitos, resoluções etc. renovação, não há mais espaço para a criatividade.

- Caracterização das personagens: tipos - Dissolução: o público perde o interesse pelo


semelhantes de personagens (próximo aos excesso de clichês.
estereótipos) com qualidades, motivações, objetivos
e aparência similares. - Retomada: novos elementos, renovação e
renascimento através do processo crítico.

12
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

É fundamental, na função de crítico de cinema, o reduzido à sua forma mais simplificada, com heróis
entendimento dos gêneros e seus respectivos ciclos. musculosos e com poucas palavras. Suas origens
Muitos filmes lançados recentemente pertencem ou e propósitos, porém, são tão nobres quanto às do
possuem aspectos de gêneros ou subgêneros cada drama, e, por apelar para nossas emoções mais
vez menos utilizados: a nova safra de filmes de terror, instintivas, o filme de ação é extremamente eficiente
western, musicais e até o cinema mudo. Reconhecer e poderoso quando aliado a ideias e propostas bem
um possível ressurgimento ou mesmo saber avaliar fundamentadas.
obras de gêneros menos filmados e identificar o
público a quem ele se dirige é uma função do crítico, Na Poética, Aristóteles ressalta a importância da
que precisa estar sempre atento. ação: “A ação é o princípio vital, a alma mesma do
drama. O drama é uma imitação não de pessoas, mas
Apesar das intermináveis discussões em torno dos de ações” (BAHIANA, 2012, p. 295). Para Aristóteles,
gêneros cinematográficos, podemos identificá-los da a ação é mais eficiente em provocar a catarse quando
seguinte forma: são respeitadas as três unidades:

- Ação Unidade de tempo

- Comédia Quanto mais contido e claro é o período em que


o filme se passa, mais eficiente é a ação dramática.
- Drama Idealmente, um drama impulsionado pela ação deve
se desenrolar em um dia e uma noite.
- Fantástico
Unidade de lugar
- Ficção científica
Idealmente, a ação deve se desenrolar em
- Film noir somente um local, onde mandatoriamente tem que
se dar a crise e sua resolução.
- Musical
Unidade de ação
- Terror
A trama deve se limitar a apenas uma cadeia de
- Suspense incidentes claramente relacionados por causa e efeito,
e com um começo, um meio e um fim igualmente
- Western
claros.

Ação
Mesmo que Aristóteles tenha se referido ao teatro,
mais propriamente à tragédia grega, a ação dramática
De uma forma simples, filmes de ação são
vale igualmente para o cinema e, de fato, os melhores
caracterizados por uma narrativa dramática
filmes de ação respeitam pelo menos uma dessas
impulsionada pelas ações, e não pelos diálogos.
unidades, se não todas. A série Bourne (A identidade
Nesses filmes, os heróis e vilões constituem um
Bourne, Doug Liman, 2002, A supremacia Bourne,
contraponto fundamental em uma história.
Paul Greengrass, 2004, e O ultimato Bourne, Paul
O filme de ação/aventura ganhou péssima Greengrass, 2007) é um bom exemplo de cinema
reputação nos anos entre 1980 e 1990, quando foi de ação com ideias. Mantém-se presa a uma clara
cadeia de incidentes: a jornada do protagonista em

13
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

busca de sua identidade enquanto é perseguido por Na composição de críticas para filmes de ação
inimigos. Embora a trama se movimente por unidades ou aventura, não se pode deixar levar pelos clichês,
diversas de espaço, a unidade de tempo de cada um rotulando-os como bons ou ruins. A apreciação fílmica
dos episódios é absolutamente precisa e limitada a deve ocorrer em sua totalidade e alguns aspectos são
alguns poucos dias. quase inevitáveis nesse gênero. Situações como o
fim do mundo, a péssima pontaria dos vilões, o herói
O filme de ação versa sobre o herói e sua multifunção que pilota até helicópteros, bordões, força
capacidade de superar obstáculos trazidos por acima do normal, entre muitos outros são inerentes
acontecimentos externos e alheios à sua vontade. aos filmes de ação e devem ser compreendidos por
Idealmente, o filme de ação deve falar ao nosso herói uma realidade própria.
interior, despertando nossos recursos pessoais de
coragem, resistência, abnegação e engenho. Como Como exemplos de filmes de ação podemos citar:
no princípio aristotélico, o herói não deve precisar Indiana Jones e os caçadores da arca perdida (Steven
de palavras para nos empolgar. Seus atos, decisões Spielberg, 1981), Duro de matar (John McTiernan,
e reações frente a obstáculos que o espectador 1988), Homem-Aranha (Sam Raimi, 2002), As
não ousaria enfrentar deve nos convencer de seu aventuras de Robin Hood (Michael Curtiz e William
heroísmo. No filme de ação, os obstáculos não são Keighley, 1938), Rambo 2 - A missão (George P.
gratuitos, são como testes das virtudes dos heróis. Cosmatos, 1985) e Os sete samurais (Akira Kurosawa,
1954).
A conclusão do filme obrigatoriamente deve se dar
com o triunfo do bem contra o mal, mesmo que isso
represente enormes sacrifícios para o herói ou até
mesmo resulte na sua própria morte. A meta não é
o alivio com um final feliz, mas a catarse heroica – o
herói nos redime por encarnar o que há de melhor
em nós.

Podemos ressaltar três elementos essenciais para


que a ação seja produtiva, neste gênero:

- Heróis extraordinários

Os heróis são pessoas comuns, assim como nós.


Seus dotes são usados somente quando surge algum
desafio.

- Antagonistas à altura dos heróis

- Violência

O que no drama pode se resolver com diálogos,


nos filmes de ação, o confronto deve ser físico,
expressado em atos extremos.

14
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

espectadores. Para isso, recursos e estratégias, assim


como modalidades, são amplamente utilizados:

- o exagero, o equívoco, o absurdo, o insólito,


o escatológico, o anacrônico, o imprevisto, entre
outros, serão utilizados de acordo com o tom e o
propósito de como serão utilizados, e então teremos
a paródia, a sátira, a ironia, o escárnio, o sarcasmo,
o ridículo, o cáustico, o espirituoso etc.

Os heróis cômicos não precisam salvar o mundo,


curar doenças, fazer resgates ou compor sinfonias.
Tarefas simples já são suficientes para ele, como
regar o jardim ou passear com o cachorro. Nesses
momentos, ocorrem estratégias como o imprevisto
ou mesmo o exagero, entre as mais diversas
possibilidades. Muitas vezes, a personagem não
é propriamente uma figura cômica, mas acaba
figurando em situações que fogem ao seu controle,
deflagrando momentos engraçados. Para melhor
Fontes: <http://2.bp.blogspot.com/_x4zyfqt8jH0/SaFyyxBT9zI/ entendermos, vamos separar os tipos de comédias
AAAAAAAAABY/hV9GYVeaqDQ/s320/homem-aranha-
cinematográficas em três categorias:
poster02.jpg>;<http://2.bp.blogspot.com/_1wf806qKQXE/
TE7K4GGd7iI/AAAAAAAAAxk/tIJPwrFNIEU/s1600/Seven_
Samurai_poster.jpg>. Acesso em 25/06/2014. - Na alta comédia, as situações cômicas nascem
das ideias, do comportamento das personagens.
Comédia
- A comédia de situação busca o riso nas situações
Segundo Aristóteles, a comédia é a “irmã” menor em que as personagens sem encontram.
e menos importante do drama. Sua origem está
no Komos, danca-pantográfica fálica praticada na - A comédia/pastelão é a forma mais simples de
antiguidade nos vilarejos gregos. A comédia como comédia: a casca de banana, o tombo etc.
forma mais exaltada de imitação da ação tem a
hamartia (falha de caráter/“errar o alvo”) como Entender o gênero comédia e saber classificá-
essência. Uma falha ridícula, um erro não doloroso lo, sentir o timing correto das piadas, identificar as
ou destrutivo, um caráter inocente, ao contrário do estratégias e modalidades é essencial para o crítico
drama, em que lições são aprendidas, mas nada cinematográfico. Filmes como Primavera para Hitler
se pode fazer depois de deflagrada a ação, na (Mel Brooks, 1968) e Bananas (Woody Allen, 1971)
comédia o herói deve ter a oportunidade de corrigir são bons exemplos de farsas, onde exageros de
o erro e escapar das consequências. Seu objetivo é gestos, vozes, expressões e situações passam pelo
necessariamente suscitar o riso. surreal, o absurdo. Os diálogos são rápidos, cheios
de piadas contidas em uma única frase e as trocas
No drama, os heróis nos proporcionam, por ou confusões são constantes. A crítica social está
exemplo, duras lições de existência. Por sua vez, na fortemente presente. Por sua vez, filmes como Noivo
comédia, os heróis somos nós. Uma boa comédia neurótico, noiva nervosa (Woody Allen, 1977) se
deve encontrar ecos nas experiências individuais dos

15
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

utilizam de uma comédia mais intelectualizada, mais interromper livremente, impulsionando ou pontuando
cerebral. Ao contrário da farsa, a comédia cerebral a narrativa. Como exemplo, temos Sete noivas para
se utiliza de ideias, ironias, sarcasmo e referências sete irmãos (Stanley Donen, 1954). A sátira, que
culturais para provocar o riso sem a necessidade exercita de forma cirúrgica a missão da catarse, pode
de situações ou gestos exagerados. Outro tipo de ser vista nos filmes do Mel Brooks, como Banzé do
comédia muito apreciado é a chamada comédia oeste (1974) ou Jovem Frankenstein (1974). E temos
romântica. É retratado o amor e seus percalços, com ainda a animação cômica em filmes como Shrek
um final normalmente favorável ao protagonista. (Andrew Adamson e Vicky Jenson, 2001) e a Black
Comumente vemos no primeiro ato o rapaz que comedy, que se caracteriza pela fusão da comédia
ganha a moça, ou vice-versa, depois a perde e com terror em filmes como Marte ataca (Tim Burton,
depois a ganha de volta. Simples, mas eficiente. Bons 1996) ou Queime depois de ler (Ethan e Joel Coen,
exemplos são Ligeiramente grávidos (Judd Apatow, 2008).
2007), Bonequinha de luxo (Blake Edwards, 1961)
ou até Sex and the city (Michael Patrick King, 2008),
que, apesar de poder ser visto como uma comédia
romântica, é carregada de cinismo e reproduz uma
convivência mais áspera entre os sexos.

Fonte: <http://www.pinterest.com/pin/380624605979781334/>.
Acesso em 25/06/2014.

Para facilitar a identificação dos filmes,


denominaremos subcategorias da comédia para uma
melhor compreensão:

- Farsa
Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_czP55vlU1D4/S6yPnez2BXI/
AAAAAAAAAfc/7kcNY2caSGI/s1600/annie-hall.jpg>. Acesso - Comédia cerebral
em 25/06/2014.

- Comédia romântica
Temos ainda filmes que podem ser classificados
como comédia musical. É a estilização suprema do - Comédia musical
musical, intermediado pelo romance e com finais
felizes, onde o canto e a dança têm permissão para - Sátira

16
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

- Animação cômica No drama, a caracterização dos personagens


ganha sempre muita complexidade e os
- Black comedy acontecimentos acabam tendo grande relevância,
pois as consequências do conflito são centrais no
Drama filme. Nesse sentido, a tensão dramática é sempre
maior e provoca confrontos com situações diversas.
Recorreremos mais uma vez à Poética de Aristóteles.
Para ele, o drama, visto em sua época como tragédia, O drama pode ser visto como a base narrativa
é a forma mais perfeita e exaltada da arte dramática. cinematográfica da ficção. Suas principais variantes
A única capaz de nos proporcionar lições duradouras são o drama social, o drama bélico, o drama
e catarses poderosas. De certa forma, quase todos psicológico, o drama romântico/melodrama, o drama
os filmes, até mesmo as comédias poderiam ser familiar, o drama político e o drama de crime (policial).
encaixadas na categoria «drama». Psicologicamente,
ansiamos pelo drama como uma forma de enxergar Exemplos de filmes do gênero drama: Touro
o pior que acontece aos outros para termos algum indomável (Martin Scorsese, 1980), A doce vida
conforto, tanto na humanidade compartilhada quanto (Federico Fellini, 1960), Forrest Gump - O contador
no saldo final de nossas tormentas e perdas. de histórias (Robert Zemeckis, 1994) e Menina de
ouro (Clint Eastwood, 2004).
Ao traduzir as regras aristotélicas da tragédia para
os três atos da narrativa filmada, o cinema codificou
o gênero em torno de alguns temas-chave:

- Superação: o protagonista deve ser submetido a


provas de uma forma que ele chegará ao terceiro ato
somente se recorrer às suas insuspeitas qualidades e
vencer seus piores medos.

- Heroísmo: em geral, o herói é conduzido ao


sacrifício. O heroísmo da sobrevivência do dia a dia.

- Destino: mais do que na tragédia grega, o drama


cinematográfico acredita na fatalidade, no acaso e na
necessidade de cumprir uma missão predeterminada.

- Descobertas interiores: o drama apoia-se


fundamentalmente na capacidade de o protagonista
descobrir de que substância moral ele é feito.

- Grandes questões morais: há um dilema moral


que aparece na maioria das vertentes do drama
como prova das qualidades morais dos heróis.

17
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

Fontes: <http://www.cinemadetalhado.com.br/2012/03/critica-
touro-indomavel-raging-bull.html>;<http://2.bp.blogspot.com/_
Pn96fSqXU1k/S8xSeCq7GJI/AAAAAAAAAqE/wMdi4ISx2FQ/
s1600/Forrest_Gump.jpg> ;<http://nuke.romeheritagetours.
com/Portals/0/la_dolce_vita(2).jpg> ;<http://www.kino.tv/wp-
content/uploads/2011/05/Million-Dollar-Baby.jpg> . Acesso em
25/06/2014.

Fantástico

Na fantasia, o realismo interno se dá puramente


na imaginação. A única lógica necessária é a lógica
interna. Mundos são criados com suas próprias regras,
mantidas a todo custo durante toda a narrativa.

A causalidade é um dos fatores decisivos para a


compreensão da narrativa. No filme fantástico, as
concepções realistas e leis comuns se afastam da
causalidade.

Outros gêneros podem ser misturados a este, como


filmes de aventura, ação, terror e ficção científica,
mas é necessário ficar atento a essas contaminações.

No gênero fantástico, a imaginação toma conta da


razão e da lógica. Não se imita mais a realidade, como
no universo descrito por Aristóteles em Poética, mas
imagina-se, sonha-se, cria-se outra realidade. Uma
nova lógica é criada e se atém em si. O espectador
se propõe a aceitar praticamente tudo, menos a
incoerência.

18
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

Por estar tão além de qualquer conexão com a


realidade, o filme de fantasia é um bom veículo para
abordar temas filosóficos, como a mortalidade e o
sentido da vida.

Como exemplo de filmes do gênero fantástico


temos: Senhor dos anéis - A sociedade do anel (Peter
Jackson, 2001), O mágico de Oz (Victor Fleming,
1939) e A fantástica fábrica de chocolate (Mel Stuart,
1971).

Fontes:<http://2.bp.blogspot.com/-esR7aVJ1NwI/UOkoXagjGEI/
AAAAAAAADhc/0axjyD2HV7M/s1600/The_Wizard_Of_
Oz.jpg>;<http://clipandfollow.com/wp-content/uploads/2013/04/
Willy-Wonka-the-Chocolate-Factory.jpg>. Acesso em
25/06/2014.

Ficção cientifíca

Ao nos debruçarmos sob a morfologia contida


no gênero ficção científica, podemos facilmente
identificar e entender seu significado e destinação.
Ficção científica é portanto o gênero em que a
narrativa imaginária leva em consideração as
premissas do conhecimento científico vigente ou
especulável acerca de um determinado fato ou
fenômeno, projetando, sempre a partir delas, as suas
consequências ou desenvolvimentos em um momento
futuro. Se esta especulação tende a virar-se para o
futuro, nada impede, porém, que o seu objeto seja
os acontecimentos passados, como observamos em
filmes sobre viagem no tempo.

O elemento essencial para guiar essa lógica


interna é a ciência. Outros elementos podem ser

19
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

tolerados desde que sejam uma extensão da ciência


ou por ela puderem ser explicados. Por isso, neste
gênero a tecnologia é essencial. O público de ficção
científica gosta de ver se concretizar diante de seus
olhos objetos possíveis mas inexistentes. Isso reforça
a sensação de realismo e nos dá a percepção de
que estamos vendo projeções coletivas das nossas
possibilidades.

Tanto esse gênero, assim como o fantástico,


deixa de se basear essencialmente sobre o que está
acontecendo no mundo no momento em que o filme
foi feito. Esse distanciamento de tempo e espaço leva
ao espectador a sensação de conforto e tranquilidade
quando são abordados temas mais fortes como fome,
holocausto nuclear, superpopulação, entre tantos que
acabam por causar menos impacto no espectador ao
serem abordados na ficção científica.

Exemplos de filmes de ficção científica: 2001


Fontes: <http://kalafudra.files.wordpress.com/2011/02/2001_a_
- uma odisseia no espaço (Stanley Kubrick, 1968), ET s p a c e _ o d y s s e y. j p g > ; < h t t p : / / 2 . b p . b l o g s p o t . c o m / _
- o extraterrestre (Steven Spielberg, 1982), Guerra v42LCUO_1aQ/TSi0EGQ8zeI/AAAAAAAABZc/RtL65SkU458/
s1600/et.jpg>. Acesso em 25/06/2014.
nas estrelas - o retorno de Jedi (Richard Marquand,
1983) e Solaris (Andrei Tarkovski, 1972).
Film noir

Nascido na década de 1940 com um estilo muito


específico de contar o drama de crime, o film noir está
longe de ser consenso quanto à sua classificação como
gênero. Muitos autores entendem se tratar mais de
um estilo nascido naturalmente de uma interessante
conjugação de fatores artísticos e econômicos.

Esses filmes tinham em comum influências


estéticas do expressionismo alemão dos anos 1920
e 1930. Usavam poucos recursos, mas conseguiam
boa eficiência dramática. Em um período pós-
guerra e com orçamentos restritos (portanto, menos
equipamentos), os cenários eram mais simples e
com poucas fontes de luz. A fotografia em preto e
branco ressaltava o contraste. O ponto de vista era
pessimista, sofrido, cínico. Os heróis repletos de
problemas e contradições, muitas vezes não muito
distantes dos vilões. As mulheres são perigosas e
atraentes, mas falsas. Finais amargos e sem maiores

20
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

consequências, tanto para os maus como para os


bons.

As narrativas eram fracionadas, com vários fatos


novos fazendo mudar o curso da história. Ângulos
inusitados, vasto uso de sombras e ambientes repletos
de crimes, gangues e quadrilhas onde transitam
os anti-heróis e as mulheres fatais. Inspirado nas
novelas pulp de detetive da época, o film noir se
caracterizou pela narrativa em off, normalmente do
ponto de vista do anti-herói.

O cinema noir ainda hoje se faz presente com


boas produções e influencia muitos filmes. Como
exemplos do noir pós-guerra temos A dama de
Xangai (Orson Welles,1947) ou À beira do abismo
(Howard Hawks, 1946). No chamado neo-noir temos
Fontes: <http://1.bp.blogspot.com/-gHo1HRWF8E0/
Chinatown (Roman Polanski, 1977) e filmes que UacL93a_DwI/AAAAAAAIWb0/T66SKic0TZY/
sofreram fortes influências, como Sin City - a cidade s1600/Lady_from_Shanghai-1947-MSS-dvdcover-1.
jpg>;<http://3.bp.blogspot.com/_edvj69xeTPM/
do pecado (Robert Rodriguez e Frank Miller, 2005) e TO0zgVKi_lI/AAAAAAAACp4/KUk8gWQpuWM/s1600/
Blade Runner (Riddley Scott, 1980). Sin%2BCity%2B-%2BA%2BCidade%2Bdo%2BPecado.
jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Musical

O gênero musical nasce nos EUA como um gênero


de grande sucesso. A música assume um papel de
entretenimento e caracterização de personagens,
e se transforma em um dispositivo narrativo em
si mesmo. Entretanto, a música não está sobre a
trama, mas surge a partir da própria vivência das
personagens e determina os seus comportamentos.
Com isso a música detém um papel singular na
morfologia da narrativa.

No musical, as motivações, as decisões dos


protagonistas, formam elementos musicais distintos,
agindo muitas vezes como se de um bailado ou de
uma ópera se tratasse. Essas cenas, em muitos
casos, possibilitam a caracterização das personagens
e propulsionam o desenvolvimento da ação.

21
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

No final do século XX e inicio do século XXI, o


gênero cinematográfico musical voltou a ser exaltado
devido ao aumento da variedade dos públicos. Esse
gênero se adaptou às novas tecnologias e tendências
e, para envolver os espectadores, os musicais tiveram
que atingir um nível de qualidade e sofisticação muito
alto, a ponto do canto e a dança se tornarem parte
contínua e importante da história.

Como exemplos do musical clássico, temos


Cantando na chuva (Stanley Donen e Gene Kelly,
1952) e a Noviça rebelde (Robert Wise, 1965).
Exemplos do musical contemporâneo são Mamma
Mia! (Phyllida Lloyd, 2008) e Nine (Rob Marshall,
2009).

Fontes: <http://2.bp.blogspot.com/E8I7clxGV3M/UYfbE6sLsiI/
AAAAAAAAF28/568l6XekgKw/s1600/Cantando+na+Chuva.
jpg>;<http://www.sinemablog.com/wp-content/uploads/2008/09/
mamma_mia.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Terror

No gênero terror, a catarse já não se faz pelo


transe ou pelo encantamento, mas pelo sofrimento
alheio. É um olhar para si e nossos piores medos
em um ambiente seguro e controlado, mantendo
a devida distância da narrativa fictícia, mas com o
completo envolvimento que as imagens provocam.
O espectador escolhe por vivenciar o medo com o
máximo de intensidade e depois saber que acabou,
ficou na tela. É uma exibição sem finalidade ou
propósito de crueldades, com um convite implícito
para que o espectador traduza que a tortura, o
massacre e barbarismo é diversão. Dessa forma, a
identificação do público não se faz com as “pessoas
comuns”, mas sim com quem comete os atos de
crueldade.

O filme de terror desde muito cedo encontrou


seu lugar no cinema. O expressionismo alemão
entre os quais O Gabinete do Dr. Caligari (Robert

22
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

Wiene, 1920) e Nosferatu (Friedriche Murnau, 1922). linha dramática clara em sua narrativa. Na série Sexta-
Trevas, penumbras e mistério são características a feira 13, por exemplo, temos jovens acampando
este gênero. Uma linguagem muito própria e que perto de lago, onde são assassinados por um morto-
se alargaria para o futuro do gênero em Hollywood, vivo com uma mascara e um facão. O espectador
onde conheceria as suas mais destacadas obras. sabe que o assassino conhecido como Jason não vai
morrer, sabe que ele terá um duelo no final com o
Narrativas complexas, vítimas e vilões fazem “bonzinho” entre os jovens que foram acampar – como
com que o gênero terror avance para fronteiras e uma fórmula independente do ambiente/espaço, que
características que acabam se confundindo com sempre segue da mesma forma. Criticar esse gênero
outros gêneros parecidos, como o fantástico e a é se aproximar ao máximo da visão do espectador. A
ficção científica, bem como filmes de ação e thriller. qualidade do vilão, como vampiros, zumbis e outros
é decisiva, assim como a identificação dele com o
Herdeiro de uma tradição literária de gênero público.
que antecedeu o surgimento do cinema, o filme de
terror desde cedo encontrou um lugar privilegiado Na busca de referências do filme de terror, podemos
na produção fílmica, como o demonstram títulos ir aos tempos mais recuados e apontar títulos como
fundamentais do expressionismo alemão, entre os Drácula (Tod Browning, 1931) ou Frankenstein
quais O Gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920) (James Whale, 1931). Mais recentemente, temos
e Nosferatu (Friedriche Murnau, 1922). As ambiências The evil dead (Sam Raimi, 1981) e Sexta-feira 13
de trevas, penumbras e mistério tão características (Sean S. Cunningham, 1980).
a este gênero haveriam de encontrar na estilística
do cinema alemão dos anos 1920 um contexto
extremamente propício e que se alargaria para o
futuro do gênero em Hollywood, onde conheceria as
suas mais destacadas obras.

A enorme variedade de situações e pretextos


narrativos, bem como de vítimas e vilões, faz com
que o gênero de terror estenda as suas fronteiras
para lá das convenções que lhe são características ou
as confunda mesmo com outras categorias de filmes.
Entre estas contam-se o fantástico, a ficção científica,
filmes de ação e principalmente o thriller. Exemplo
paradigmático desse cruzamento é a série Alien,
sempre indecisa entre o terror, a ficção científica, o
fantástico e o filme de ação.

Por se tratar de um gênero que possui um


público especifico e concebe filmes normalmente
de orçamento modesto, com atores desconhecidos
e enredo de qualidade duvidosa, o olhar crítico
deve entender que o filme de terror pode divergir
completamente do que Aristóteles descreve. É
possível que o filme de terror sequer contenha uma

23
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

em direção uma conclusão final, mas o thriller usa a


tensão e a dúvida, adiando a resolução dos conflitos
até os limites. O tempo muitas vezes é um elemento
essencial na narrativa. É a escassez de tempo,
determinada por um prazo, que torna urgentes todas
as decisões e atitudes do protagonista, originando
uma espécie de ansiedade crescente à medida que o
tempo se esgota. Outro recurso muito encontrado é
o labirinto. O protagonista acaba frequentemente por
se perder em uma espécie de deriva que incrementa
a sua angústia e, consequentemente, a angústia do
espectador.

O thriller é um modo de lidarmos coletivamente


com questões perturbadoras do indivíduo, da época
e da sociedade. Recorrendo novamente à Aristóteles,
aquilo que nos dá pena ver acontecer com os
outros provoca em nós o medo mais profundo: o
“medo trágico”. Para que o medo trágico seja de
fato catártico e leve ao exorcismo desejado, temos
Fontes:<http://www.imdb.com/title/tt0080761/>;<http://www. que nos identificar com o sofredor, sentir o que
filmaffinity.com/es/reviews/1/358442.html>. Acesso em ele supostamente está sentindo com igual medo,
25/06/2014.
antecipação e dor.
Thriller
No thriller, a forma narrativa é o que realmente
Gênero onde a perspicácia, a crença, a ingenuidade importa e precisa extrair do espectador todas as
ou a afetividade do espectador são postas à prova. sensações de forma amplificada. O herói, assim
Pela intensidade com que o espectador tende a como no gênero ação, deve frustrar os planos do
envolver-se na trama, geralmente complexa, de antagonista, deixando o público com a possível
acontecimentos que são narrados, o thriller é um dos vitória do mal até o final, para assim atingir o clímax
gêneros mais apreciados pelo público. A excitação, o com uma resolução moralmente satisfatória. Durante
nervosismo, assim como a duvida é sempre ressaltada o filme, o protagonista e o espectador muitas vezes
no espectador, obrigando-o frequentemente a rever adquirem conhecimentos distintos. Ou o protagonista
as suas hipóteses. A verossimilhança presente pode sabe mais, obrigando ao jogo de dedução por parte
ser enganosa, fazendo o público entrar em um jogo do espectador, ou o espectador sabe mais, o que
de permanente inquietação, incerteza, ansiedade e amplifica as sensações, o medo e a angústia.
angústia. O que parece ser, normalmente não é.
Como bons exemplos de filmes desse gênero
A tensão dramática provém, em grande medida, podemos destacar: O homem que sabia demais
do fato de as personagens atravessarem a história (Alfred Hitchcock, 1956), Um corpo que cai (Alfred
em uma situação de risco quase fatal e de perigo Hitchcock, 1958), Seven (David Fincher, 1995) e O
iminente, como se, a qualquer momento, algo de silêncio dos inocentes (Jonathan Demme, 1991).
irremediável estivesse prestes a acontecer. Assim como
no gênero ação, os conflitos vão ocorrendo sempre

24
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

Western

O western é uma criação explicitamente


cinematográfica e a forma como se incorporou na
cultura popular americana no princípio e se espalhou
pelo mundo como um gênero notável que, na
realidade, está longe de corresponder à sua verdade
histórica. Um retrato do Oeste americano, mostrando
a civilização na instauração da lei e da ordem,
utilizando bandidos e mocinhos, índios e vilões fora
de lei.

A cidade e o campo está para a ordem e o caos,


como se a imposição da ordem ao nível social fosse
acompanhada por uma mesma imposição ao nível
territorial. É nesse temática que o gênero Western
obteve sucesso no cinema.

Assim como o drama, encontramos elementos


da jornada do herói. Superação, heroísmo, destino,
descobertas interiores e grandes questões morais em
forma de dilema caracterizam o gênero western. A
definição clara do bem e do mal e a violência como
resolução dos conflitos normalmente impulsionam
a narrativa para um embate final, um duelo para
restaurar a ordem moral.

Como referência, temos filmes como: Meu


ódio serra sua herança (Sam Peckinpah, 1969),
Os brutos também amam (George Stevens,
1953), O dólar furado (Giorgio Ferroni, 1965)
e Os imperdoáveis (Clint Eastwood, 1992).

Fontes: <http://3.bp.blogspot.com/_ChkYlXdArdc/TCcB_
H71mUI/AAAAAAAAAOI/xi_Qn5SBjyo/s1600/vertigo.
jpg>;<http://2.bp.blogspot.com/-8K8jSK-2Kj0/UIsoXDHUrNI/
AAAAAAAADTQ/L7gLGvL6p10/s1600/O%2BSil%25C3%25AA
ncio%2Bdos%2BInocentes.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

25
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

9 ANALISANDO CRÍTICAS
Sem adentrarmos no campo do debate entre
erros e acertos, analisaremos a construção e a
argumentação de críticas feitas por profissionais
experientes em distintos gêneros cinematográficos,
visando o entendimento e possíveis caminhos para
uma boa crítica fílmica.

Quem quer ser um milionário?, por Marcelo


Janot

É difícil dizer em que aspecto Quem quer ser


um milionário? é mais falho: como drama de
forte cunho social ou como fábula romântica.
São quase dois filmes distintos misturados no
mesmo saco de gatos para agradar a gregos,
troianos e votantes da Academia de Hollywood.
Se analisarmos pelo lado do drama social, o que
se percebe é um olhar deslumbrado sobre a
miséria do terceiro mundo. Para nós, brasileiros,
não é nenhuma novidade ver crianças sendo
exploradas para pedir esmolas, catando comida
em depósitos de lixo para sobreviver, cometendo
pequenos golpes contra turistas e até mesmo
pegando precocemente em armas – um fetiche
já devidamente explorado por Fernando Meirelles
em “Cidade de Deus”. Mas o inglês Danny Boyle
não só reitera o que Meirelles já havia mostrado
– com direito a perseguição frenética na favela,
tal qual o início do filme brasileiro –, como vai
além, mostrando, de forma superficial, desde os
conflitos étnico-religiosos ao desenvolvimento
urbano de Bombaim, a bordo de um roteiro que
se pretende engenhoso, mas é cheio de clichês
e simplificações.
Fontes: <http://1.bp.blogspot.com/_slNC7I1Jw2Y/
TGNokcXmUBI/AAAAAAAAAO8/Bv0nT9-x0Gc/
s1600/Meu+%C3%93dio+Ser%C3%A1+sua+He
ran%C3%A7a++(The+Wild+Bunch).jpg>;<http://
obradoretumbante.files.wordpress.com/2011/02/os_
imperdoaveis_poster.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

26
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

diretor promissor e ousado de seus primeiros


filmes. Depois de uma sequência de realizações
decepcionantes em Hollywood, ele parece
ter mirado o populoso mercado indiano e,
graças à globalização, ampliou seu mercado.
Boa música, belas imagens e muita sacarose
acabaram bastando para que os cada vez
menos exigentes público, crítica e Academia se
deliciem com este insosso curry inglês. (Fonte:
Fonte: <http://www.purebreak.com/news/dev- <http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/
patel-et-freida-pinto-slumdog-millionaire-que-sont- posts/2009/03/06/bonequinhos-divididos-para-
ils-devenus/72538>. Acesso em 25/06/2014. quem-quer-ser-milionario-166256.asp>. Acesso
em 27/06/2014).

Explicar cada resposta certa no quiz televisivo


com flashbacks que mostram a trajetória de
Comentário
vida de Jamal é uma fórmula interessante,
mas esquemática demais para se sustentar ao
A crítica feita por Janot enfatiza os
longo das duas horas de projeção. Boyle quer
problemas no roteiro, personagens caricatas e
chamar a atenção para as maldades feitas pelos
situações inverossímeis. Utiliza-se de uma visão
exploradores da miséria infantil, mas permite
social para demonstrar como o filme tenta fazer
que o protagonista do seu filme, já como uma
uma ligação sentimental do protagonista com o
celebridade televisiva, aceite ser torturado
espectador e ainda expõe a relação amorosa,
na delegacia e no dia seguinte desperdice a
que existe também para buscar um elo com o
oportunidade de denunciar os maus-tratos em
público, mas que parece ser inusitada e sem
rede nacional. E como imaginar um novo herói
bases realistas, assim como a situação vivida no
da nação saindo da emissora de TV anônimo e
concurso e na polícia por Jamal. Janot termina
curtindo sua fossa sentado no chão da estação
com uma crítica aos trabalhos anteriores do
de trem, sem ser incomodado? Esses e outros
diretor e ao público pouco exigente, fechando
equívocos não conseguem ser justificados pelo
com um recurso muito utilizado: a comparação
segundo filme que há dentro de “Quem quer ser
do filme com algo fora de si, mas que possui
um milionário?”: a fábula amorosa envolvendo
laços culturais, sociais ou artísticos. Esses
Jamal e Latika. Só mesmo no reino do faz de
comentários, comumente chamados de “sacadas”
conta e no cinema de B(H)ollywood somos
ou comparações com o cotidiano comum são
levados a crer na forma que se dão os encontros
muito úteis para fazer um fechamento ou serem
e desencontros dos dois, um amor tão puro e
utilizadas em momentos adequados durante
irreal que nas cenas em que aparece com uma
uma crítica.
cicatriz tão bem desenhadinha no rosto, Latika
parece a miss Índia numa propaganda de
cosméticos.

Tirando a obsessão pelos coliformes fecais


(lembram da cena em que Ewan McGregor
mergulha numa latrina em “Trainspotting”?),
Danny Boyle parece ter se tornado um outro
cineasta, que nem de longe faz lembrar o

27
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

eficientíssimo Steve Carell (de “A Volta do Todo


Poderoso” e “O Virgem de 40 Anos”) para o
papel principal de Maxwell Smart. A consultoria
dos criadores manteve o espírito original da
série, enquanto Carell se mostrou uma opção
mais do que exata, perfeita. Além de fisicamente
parecido com Don Adams (o ator principal do
seriado, falecido em 2005), Carell também tem
na sutileza de gestos e expressões a melhor
marca de seu humor, que trafega na contra-mão
do escracho atual.

Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/8ImKuIz9TiU/T_
nblgCkpbI/AAAAAAAAAKA/3wkX8G01UKM/s1600/
Quem+quer+ser+um+milionario.jpg>. Acesso em 25/06/2014.

Agente 86, por Celso Sabadin

Fonte: <http://s650.photobucket.com/user/zank-29/media/
Transpor para a tela grande do cinema o super_agente_86.jpg.html>. Acesso em 25/06/2014.
humor ágil e sutil do antigo seriado de TV
“Agente 86” poderia ser um grande desastre.
Afinal, o confuso agente secreto criado por Mel
Brooks e Buck Henry, com a intenção explícita A trama atualiza a história do Controle,
de parodiar os filmes de James Bond, destilava agência secreta de espionagem onde trabalha
na telinha um humor sutil, de pequenos gestos Maxwell Smart. Agora, o Controle vende a
e texto inteligente. Ou seja, características que ideia de que ele não existe mais, pois teria sido
passam longe das comédias americanas de descontinuado pelo governo dos EUA, logo após
cinema da era pós-Irmãos Farrelly. o desmoronamento da União Soviética. Como
sua principal função era a espionagem contra os
Felizmente, porém, os produtores deste antigos comunistas, a agência teria se tornado –
novo “Agente 86” realizaram dois grandes literalmente – peça de museu. Porém, este boato
acertos: contratar os próprios Mel Brooks e Buck nada mais é que uma estratégia para manter
Henry como consultores do filme, e escalar o o Controle mais secreto ainda. Ele continua

28
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

existindo em algum lugar nos subterrâneos de a Polícia Vem Aí 33 1/3”) conseguiu imprimir ao
Washington, por onde só se chega através de um seu elenco. Não somente ao casal central, como
elevador disfarçado de cabine telefônica, ícone também aos ótimos coadjuvantes Alan Arkin
inesquecível da abertura do seriado original. (como o Chefe) e Dwayne “The Rock” Johnson,
como o Agente 23. Com direito a uma pontinha
É neste momento que o roteiro confunde um de Bill Murray.
pouco o fã da antiga série. Neste novo contexto,
ainda que ambientado nos dias de hoje, Smart Graças às suas elaboradas cenas de ação,
ainda é um agente apenas burocrático, interno, “Agente 86” é uma produção cara, de custos
sem atuação em espionagens em campo. Ele estimados em US$ 80 milhões. Se for sucesso
ainda não conhece a agente 99 (Anne Hathaway, de bilheteria – o que deve acontecer – espera-
de “O Diabo Veste Prada”, revelando seu lado se uma continuação. Mesmo porque neste filme
sensual), tampouco o vilão Siegfried (Terence Max ainda não disse “eeeeeu... vou adorar!”.
Stamp, de “Priscilla, a Rainha do Deserto”) da (Fonte: <http://www.planetatela.com.br/critica.
agência do Mal KAOS. Ou seja, se o Controle vive php?cri_id=206>. Acesso em 27/06/2014).
uma nova fase, pós-Guerra Fria, como 86 ainda
sequer conhece aquela que viria a se tornar
sua inseparável parceira, e como ele também
desconhece o grande vilão da era comunista? Comentário
Em que tempo, afinal, o filme se passa?
Celso Sabadin inicia sua crítica expondo
seus receios quanto a versões modernas de
clássicos, o que serve tanto para aproximar
o leitor – que possivelmente tem o mesmo
sentimento – como serve de estopim para
desenvolver o texto, principalmente se for
para posteriormente elogiar essa relação do
medo com a grata surpresa. Sabadin cita os
problemas com o enredo do filme e o do antigo
seriado. Mesmo que muitos não os tenham
visto, é importante conhecer aspectos do filme
aos quais a crítica se destina, principalmente
neste caso (uma versão para o cinema de um
seriado clássico dos anos 1960). Para isso não
basta ver uns episódios, mas conseguir inseri-
lo culturalmente e socialmente com a época
Fonte: <http://35mms.files.wordpress. quando era produzido. No final, temos citações
com/2008/06/folheto-agente-86-promocao-fnac- de trabalhos anteriores dos realizadores, o que
pinheirosfinal.jpg>. Acesso em 25/06/2014.
ajuda a aproximar o espectador com o filme, e
dos valores do custo da produção. Ele termina
com uma frase muito usada no seriado que
Engolido este dogma cinematográfico, não se fez presente no filme, remetendo a uma
resta curtir a nostalgia, o bom humor, as possível continuação. É uma crítica que inicia
situações divertidas, os antigos bordões (“Errei bem o texto, desenvolve-se com conhecimento e
por um tantinho assim” ou “Acreditaria se eu informação e termina igualmente bem, fazendo
dissesse...”), os diálogos espirituosos e a intensa um prognóstico para uma possível continuação.
química que o diretor Peter Segal (de “Corra que

29
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

Os vingadores, por Rubens Ewald Filho É verdade que o filme custa um pouco a
engatar por uma razão evidente: são muitos
personagens e depois de uma primeira sequência
de ação há muito o que explicar e contar (o que
às vezes é feito em flashbacks recurso pouco
usado neste tipo de filme). Mas as informações
são fundamentais. Nick Fury (Jackson), que não
possui superpoderes, tem surpreendentemente
pouco a fazer a não ser gritar ordens e brigar
com o Conselho Supremo, já que a ação fica
por conta dos outros super-heróis que andou
convocando e recolhendo.

O que tem mais presença, a princípio, é


mais conhecido do público em geral: O Homem
de Ferro (que afinal já teve duas aventuras
próprias). Robert Downey está com a língua
afiada soltando farpas e sendo até amoroso com
Pepper ou implicando com outro que retorna, o
Capitão América (Chris Evans, já mais a vontade
com o personagem). Logo a princípio, um
desconhecido ainda para o espectador, o Gavião
(Hawkeye) já é cooptado pelo inimigo (não gosto
Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/-zmhrAkRDl6Q/T5kZ6hLy9fI/ do ator que o interpreta, Jeremy Renner, que é
AAAAAAAAD-0/iER7U6giXzo/s1600/avengers2.jpg>. Acesso o único que não me convence) assim como o
em 25/06/2014. Professor Erik Selvig (Stellan).

Já faz anos que a gente está se preparando para Toda a ação é motivada por um ataque de
a chegada deste Avengers, promovidos de maneira alienígenas que vêm recuperar uma fonte de
muito hábil com teasers no final dos filmes individuais energia que estava sendo estudada e explorada
dos super-heróis e endereçados diretamente aos fãs pelos humanos, e advinha quem está no
de quadrinhos. comando da invasão? Justamente o irmão
adotivo de Thor (que naturalmente se junta ao
Também a escolha do diretor parecia acertada grupo e em determinado momento, veja que
ao usar o critério de aproveitar um diretor alívio, irá recuperar o seu Martelo!). E o tal de
que fosse fã do gênero (como fizeram com Loki é interpretado sinistramente pelo britânico
Sam Raimi em Homem-Aranha) e que mesmo Tom Hiddleston. Desta vez sem o menor
fazendo algumas mudanças, respeitasse as escrúpulo de assumir sua vilania encenando um
regras fundamentais do original. No caso, Joss espetacular assalto e destruição a Nova York.
Whedon, vindo da TV (mais adiante a biografia Scarlett Johanson faz a única mulher do grupo,
dele e algumas restrições). a Viúva Negra, de origem russa (não fizeram o
filme dela ainda).
Ainda assim este primeiro grande blockbuster
do ano (não esqueçam que o fracassado John Mas sabem quem rouba o filme? É justamente
Carter levou à derrubada do Presidente da o Hulk, que já vinha de duas tentativas fracassadas
Disney!) deve agradar e fazer sucesso. Para de ser aceito no cinema e que parece encontrar
mim, por uma razão básica: é bem divertido! seu passo certo com a cara de Mark Ruffalo (que

30
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

sempre é uma boa figura) e sempre desenhado UP - altas aventuras, por Luiz Carlos Merten
por efeitos digitais. Acho que Whedon sacou o
importante: Hulk vem com senso de humor e
provoca duas ou três situações que fazem os fãs
vibrar!

Faço restrições apenas a direção de Whedon,


já que ele insiste em closes e planos próximos
(defeito que adquiriu da televisão de onde
veio, que incomodam principalmente na tela
grande das salas). Há muita câmera na mão
e principalmente uma ausência de estilo, de
enquadramentos mais elegantes, de um desenho
de produção marcante (melhora a situação na
criação dos ETs e principalmente suas naves, já
que nesse caso a execução ficou em cima dos
computadores).

Mas a restrição acaba não sendo tão


importante, porque o filme sabe brincar com
os possíveis defeitos (numa hora em que Chris
Hensworth que faz o Thor, começa a falar
com seu vozeirão empolado, Downey Jr. vem Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/-mZd0vO7ieOg/T4B-SWIpDdI/
tirando sarro: Para com essa história de fazer AAAAAAAABuQ/AmlRs4dhrgI/s1600/up-altas-aventuras-poster.
jpg>. Acesso em 25/06/2014.
Shakespeare (se referindo a  Shakespeare no
Parque, que é a temporada de peças do autor Cannes habitualmente se veste de gala, mas este
que são encenadas anualmente no Central Park, ano o festival adotou óculos especiais para a abertura com
em Nova York). (disponível em: <http://noticias. UP - Altas Aventuras. A nova animação da Pixar, em 3-D,
r7.com/> apud <http://cavernadohulk.blogspot. permanece fiel ao primeiro mandamento do estúdio que
com.br/2012/04/rubens-ewald-filho-elogia-o- revolucionou os desenhos - tudo pela história. A de UP
hulk-em-os.html>.) lembra um pouco a de Almoço em Agosto. Assim como os
produtores italianos diziam ao diretor e roteirista Gianni
Comentário di Gregorio que ninguém ia querer ver um filme sobre um
grupo de velhas, havia a mesma descrença na Disney, par-
Rubens Ewald Filho desenvolve uma crítica
ceira da Pixar, de que o público pudesse se interessar por
opinativa e descritiva do enredo do filme. Ainda
um velho rabugento como Carl. (Fonte: <http://cultura.
que comente de forma rápida aspectos técnicos
estadao.com.br/noticias/cinema,critica-sobre-up-de-luiz-
como enquadramento ou informe dados sobre
-carlos-merten,429471>. Acesso em 27/06/2014).
os realizadores, é com opiniões sobre atores,
o andamento do filme e até sobre as ações de
promoção feitas pelo estúdio que o texto se Comentários
desenvolve. Esse tipo de crítica se comunica
diretamente com o espectador. Porém, por ser Normalmente encontramos esse tipo de
opinativa, acaba criando grupos através de crítica em espaços diminutos nos jornais, tipo
pontos de concordância entre leitores frequentes. tijolinho e, devido ao espaço muito reduzido,
Em contrapartida, o grupo que não concordar costumam apenas dar uma direção. Luiz Carlos
deixa de ler suas críticas. Merten deixa claro do que se pode esperar

31
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

quando comenta que a animação permanece


fiel ao estúdio, uma vez que grandes foram os
sucessos da Pixar, mas não é muito claro em
outros pontos. Esse tipo de crítica costuma estar
acompanhada por uma avaliação numérica ou
outra qualquer para apoiar os argumentos.

Batman - o cavaleiro das trevas ressurge,


por André Miranda

À sombra do herói

“A ideia era ser um símbolo. O Batman


poderia ser qualquer um”, justifica Bruce Wayne,
entre uma coluna quebrada, um tapa na orelha
e uma tentativa frustrada de resolver todos os
problemas do mundo. No último filme da trilogia



de Christopher Nolan sobre o herói mascarado Fonte: <http://capasdvddahora.blogspot.com.
de Gotham, Batman se transforma num símbolo br/2012/07/batman-o-cavaleiro-das-trevas-
ressurge.html>. Acesso em 25/06/2014.
político de mudança, enquanto o homem, Bruce
Wayne, é quem toma a frente das ações. A
fantasia perde espaço para a realidade em
“Batman — O Cavaleiro das Trevas ressurge”,
Dali para a frente, Nolan oferece aos
concluindo com inteligência os melhores filmes
espectadores uma sucessão de cenas de dar
já feitos a partir de personagens de histórias em
inveja ao catastrófico Roland Emmerich. Nova
quadrinhos. 


York, quer dizer, Gotham vira alvo da destruição
do terrorista Bane em belas sequências. As
O novo “Batman”, que estreia amanhã, se
pontes explodem, as ruas explodem, o estádio
passa alguns anos após os acontecimentos do
explode. As torres só não explodiram também
filme anterior, quando o herói assume a culpa
porque Gotham nunca teve duas torres idênticas
pelos crimes cometidos por um ex-promotor.
em seu centro financeiro, mas não era preciso
Wayne (Christian Bale) se tranca em sua mansão
ser tão óbvio para deixar clara a intenção de
com o mordomo Alfred (Michael Caine, perfeito
relacionar a realidade com a fantasia. 


em suas poucas aparições), até que um novo
inimigo surge em Gotham. Trata-se de Bane
Desde o primeiro filme da trilogia, a trama
(Tom Hardy), sujeito extremamente forte cujo
tem conexão com fatos reais, a começar
objetivo é destruir a cidade para dar uma lição à
pelo 11 de Setembro. O diretor já afirmou
sociedade que considera degenerada.
que Ra’s al Ghul (Liam Neeson), o inimigo de
“Batman begins” que volta em “Cavaleiro das
Trevas ressurge” como inspiração de Bane, foi
levemente baseado em Osama Bin Laden. A
ideia é que ambos os vilões, o real e o da ficção,

32
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

se consideram espécies de paladinos de um novo Comentário


mundo que vai surgir a partir do terror. É um
discurso distorcido, é lógico, mas que encontra André Miranda constrói sua crítica baseando-se
eco. A dúvida que Nolan deixa no ar é de quem nas relações socioeconômicas presentes no ficcional
é a culpa pelo clima de guerra. Dos poderosos de e o real. Sem qualquer menção quanto às técnicas
Gotham que excluem os menos favorecidos? Ou cinematográficas e fazendo apenas uma comparação
de quem reage à segregação e sai às ruas, ora quase imperceptível com Roland Emmerich, diretor
para cometer pequenos delitos, ora para gritar
de filmes como 2012 e Um dia depois de amanhã,
palavras de ordem como “Occupy Gotham”? 


descreve os acontecimentos e as personagens dando
uma visão ampla ao espectador do que esperar. Em
No entendimento de Nolan, as reações a um
sistema falido têm uma mesma origem. Uma
relação ao enredo, como não poderia deixar de ser,
década separa os atentados terroristas da Wall encerra com uma lição de moral. Apesar da crítica
Street de 2001 da ocupação da Wall Street de não ser opinativa, ela comunica com o espectador
2011. E quem melhor para representar essa de forma sensorial, levando o público a construir
crise capitalista do que o homem mais rico da uma leitura reflexiva, saindo do clichê de comentar
cidade? Para a população, Bruce Wayne é um a jornada do herói, o que de fato o próprio filme
playboy excêntrico, um milionário com dinheiro se encarrega em fazer, suscitando questões internas
suficiente para comprar quem ele quiser e contidas em cada indivíduo. Esse tipo de crítica é
ainda dar gorjeta. Já Batman é o fruto de uma normalmente bem visto e prepara o espectador para
sociedade que não acredita mais em seus líderes sua própria análise acerca do que foi dito mesmo
e quer reagir. De dia, um faz o jogo do sistema. antes de assistir ao filme, criando um “modo de ver”
De noite, o outro confronta o sistema.
próprio e experimentar.

Da mesma forma, os demais personagens


Um método perigoso, por Filipe Quintans
são parte desse simbolismo político. Todos têm
uma circunstância. Selina Kyle, a Mulher-Gato
de Anne Hathaway, é a moça boazinha que se
torna ladra por falta de opção; o detetive John Raros são os cineastas cujos filmes podemos
Blake (Joseph Gordon-Levitt) é o ex-órfão que reconhecer num estalo. Assim é com os filmes de
luta pelo bem por acreditar no ser humano; e Scorsese, assim sempre foi e sempre será com
a executiva Miranda Tate (Marion Cotillard) é a os filmes de Hitchcock e Billy Wilder. Nesse nem
esperança no futuro, alguém que surge como tão vasto universo temos David Cronenberg, que
uma nova líder para uma sociedade responsável. com bem menos representatividade e apelo, faz
por merecer integrá-lo. 
Mas nem sempre dá para acreditar que existe
um futuro possível para Gotham. Quando Bane O caso de Um Método Perigoso  é exemplar.
grita que seu objetivo é devolver o controle da Nada do que se passa é por força do conflito, mas
cidade ao povo, ele se baseia num discurso por força da vontade pura. A direção de arte é
anarquista para promover seu terror. Os tolos um personagem, a palavra é comedida, embora
o seguem, o ciclo se alimenta e novos heróis contundente. Se ainda é possível imprimir estilo
são necessários para garantir a ordem. pessoal no cinema, aí está, sem dúvidas.
A melhor questão deixada pela trilogia de Nolan
é exatamente saber quando as pessoas vão Cronenberg talvez tenha dirigido o primeiro
parar de esperar por um herói para assumirem a filme sobre um triângulo psicanalítico de que se
responsabilidade pelo mundo. A máscara, como tem notícia. Quando Carl Gustav Jung (Michael
diz Bruce Wayne, é apenas um símbolo. 
 Fassbender) tem o primeiro contato com sua

33
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

paciente Sabina Spielrein (Keira Knightley) Comentário


sabemos que dali sairá um romance. Sairá a
fórceps, mas sem maiores prejuízos, apenas Nessa crítica, Filipe Quintans consegue descrever
deixando o gosto amargo do fim da paixão. O a beleza do filme de forma técnica e comparativa
encontro com Sigmund Freud (Viggo Mortensen) com dados relevantes sobre os realizadores e sobre
faz Jung ficar entalado entre a interpretação de o próprio filme em si. É um bom exemplo de uma
certas neuroses pelo viés sexual (teoria da qual crítica que reúne conhecimento e comunica com o
não discorda, mas acha limitante) e o amor, cada
espectador tudo que ele precisa saber para tomar a
vez mais latente, por sua paciente. 
decisão de ver ou não e do que esperar. Claro que esse
texto pode não atingir a todos. Certamente atingirá
O triângulo assim se estabelece e a partir
dele o roteiro de Christopher Hampton, também
mais aos cinéfilos, como os críticos de cinema. Filipe
autor do texto teatral no qual ele é baseado, diz o essencial sem ficar descrevendo cenas, com
tece conexões e consequências. O trabalho de bom ritmo e relevância. É importante ressaltar que o
Cronenberg é tirar a melhor foto. A beleza das crítico não deve se prender no “culto ao artista” por
locações e o delicado trabalho de cenografia se tratar de um filme de Cronenberg. Deve levar em
conferem um certo encanto até.  A câmera é consideração as obras anteriores, porém sem gerar
instrumento de observação – pelo reflexo do influência direta ao texto sobre o filme pretendido.
espelho, pela porta entreaberta do quarto onde
Jung surra Sabina, única maneira de levá-la ao A pele que habito, por Gabriel Medeiros
clímax. Eis o tema central do longa: o prazer não
é simples, sobretudo entre quem estuda suas
motivações. (Fonte: <http://www.jb.com.br/
cultura/noticias/2012/03/30/critica-um-metodo- O que significa ser genial no cinema
perigoso/>. Acesso em 27/06/2014). contemporâneo? No caso específico de dois
grandes cineastas do nosso tempo, Quentin
Tarantino e Pedro Almodóvar, a criação de uma
obra-prima passa pelo processo de construção
de um sistema de referências (filmes vistos, livros
lidos, situações vividas etc.), que precisa ser
desconstruído, misturado e reinventado para que
algo novo possa nascer de coisas que já foram
utilizadas antes. No caso do cineasta espanhol,
a mescla de gêneros, que podem ir do filme noir
ao melodrama, da comédia escrachada à ficção
científica, tudo isso em um mesmo filme (ou, até
mesmo, em uma única cena!), sempre foi sua
marca registrada. Em  A pele que habito  temos
a oportunidade e o privilégio de observar a
maestria do diretor em controlar essa salada de
gêneros, em mais uma trama de complexidade
única, que já nos acostumamos a ver em grandes
filmes como Fale com ela (2002) e Má educação
Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/-B9na_EP2TxE/T8-qoXFlWXI/
AAAAAAAACPQ/V0Q4rnPJfhg/s1600/Um-Metodo-Perigoso- (2004).
poster.jpg>. Acesso em 25/06/2014.
A história se passa no sugestivo ano de
2012 (seria uma ironia colocar sua história

34
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

futurista tão próxima do nosso tempo?), e traz controle perfeito sobre o tempo cinematográfico,
o impecável Antonio Banderas como o bem- sobre o espaço cênico e sobre o que seus atores
sucedido cirurgião plástico Richard Legrand que, têm a oferecer. Com isso, cria momentos de
após a trágica morte de sua esposa (que tem sensibilidade ímpar. A mescla de sentimentos
seu corpo completamente incinerado em um opostos e de gêneros completamente diferentes
acidente), parte em busca de uma “pele perfeita”, em uma mesma cena é a maneira que Almodóvar
que poderia tê-la salvado. Sem limites em sua tem de mostrar a sua visão sobre a vida, em que
insaciável busca, Richard é capaz de tudo para tragédia, comédia e melodrama digno de novela
tentar reescrever a história e evitar o inevitável. mexicana estão sempre misturados, com limites
muito mal-estabelecidos entre eles.
A verdade é que qualquer resenha sobre a
nova película de Almodóvar seria redutível em Em  A pele que habito, por trás da complexa
relação à grandiosidade da obra. O diretor vai trama, Almodóvar traz ainda uma complexa
e volta no tempo e constrói a história de forma discussão. Na busca do homem pelo controle
que nossas emoções fiquem sempre suspensas, sobre a vida, na tentativa eternamente frustrada
na espera do que pode acontecer no momento de evitar a morte e alcançar a eternidade,
seguinte. E as reviravoltas não param em vimos nossas ciências e tecnologias chegarem a
nenhum momento da trama. níveis extremos de evolução. E se, nessa busca,
tivermos a chance de enfim darmos à luz a
esse “super-homem”? Quais são os limites que
estaremos dispostos a ultrapassar e os sacrifícios
que estaremos dispostos a fazer? A última fala
do filme pode ser, talvez, um sopro desesperado
para que se veja a humanidade por trás de toda
a “perfeição” técnica. A superficialidade dessa
última não pode se sobrepor à intensidade da
primeira.

Com seu ensaio sobre amor, ódio, vingança


e busca pelo inalcançável, Pedro Almodóvar
nos brinda com mais uma pérola de seu cinema
único. Um filme imperdível.

Comentário

Fonte: <http://maniacosporfilme.files.wordpress.com/2012/03/a-
pele-que-habito.jpg>. Acesso em 25/06/2014. Gabriel Medeiros faz uma crítica elogiosa,
justificando os pontos positivos da narrativa e da
habilidade de Almodóvar em mesclar gêneros e
prender a atenção do espectador. Tudo bem escrito,
O diretor francês François Truffaut disse uma
com boas referências, exaltando o cinema de autor
vez que o diretor de cinema era o único que não
e tendendo para o elogio. Medeiros faz ainda um
podia se queixar de nada, pois, independente do
breve comentário sobre questões implícitas no filme
que fizesse, o filme teria a sua marca no final.
e termina jogando flores. É importante dizer que esse
Almodóvar tem a consciência disso e sabe a
é realmente um filme muito bom e que Almodóvar
responsabilidade que sua posição traz.  Ele tem o

35
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

possui um público específico, fãs acostumados com raciocínio que permite  pensamentos similares
o seu trabalho. Para esses espectadores, essa crítica ao, em um estupro, considerar a mulher como
comunica muito bem. Cabe, porém, pensarmos mais motivo.
uma vez sobre o “culto ao autor”.
Outros personagens também sofrem por não
A primeira coisa bela, por Alice Turnbull serem politicamente corretos. Bruno, o filho,
interpretado por Valerio Mastandrea, busca
fugir da realidade com drogas lícitas e ilícitas.
O porquê é preconceituosamente explicado pela
Depois de dois anos, o longa A primeira mãe: “desejo de ser infeliz”. Um pensamento um
coisa bela, de Paolo Virzì, chega aos cinemas tanto quanto torto.
brasileiros. Indicado ao Oscar de 2010, o filme
de teor machista e tragicômico narra a história Por essas e outras, A primeira coisa bela é
de uma dramática e fragmentada família que, um filme “quadrado”. Mas nem tudo é tão
após muitos anos, se vê reunida pelo estado radical. Também é possível analisá-lo com um
grave de saúde da mãe. olhar conformista do tipo “mas é assim que a
maioria enxerga”. A partir daí a beleza de uma
Sem muita força, porém não sem estética, crônica pode até ser avistada. Mas o título seria
o filme começa bem ao fazer da breguice do “A Novela da Moral”. (Fonte: <http://www.
concurso de Mamãe Mais Bela metonímia jb.com.br/cultura/noticias/2012/06/19/critica-a-
da época e na produção da beleza natural e primeira-coisa-bela/>. Acesso em 27/06/2014).
sem jeito de Micaella Ramazzotti.  Apesar de
bem produzida e de encantar visualmente,
Ramazzotti, esposa do diretor, não convence
no papel da mãe quando jovem. Ao longo de
sua atuação ainda sofre com a maquiagem
que, na tentativa de envelhecer a atriz, peca. O
resultado é apenas estranho. Já mais velha, em
2009, Anna surpreende. Interpretada pela atriz
Stefania Sandrelli, a mãe finalmente nos envolve
e faz juz ao espírito da personagem.

Repleto de julgamentos e sem nenhuma


desconstrução de estereótipos, Virzì apresenta
seus personagens de maneira preconceituosa e
moralista. O exemplo máximo é a mãe, Anna,
que durante todo o filme é tida como uma
libertina por quase tudo e todos:  sua beleza,
seu comportamento dito “ousado”, suas roupas,
seu espírito livre, tudo é usado como justificativa
para o tratamento que recebe. Por fim, seus
acusadores terminam justificados. Uma sentia
inveja, um a cobiçava, outro tinha ciúme. Na Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-MNNijCeK4I4/T9Id5nqvvyI/
trama, ninguém julga sem “motivo”. Já Anna, AAAAAAAA8Ns/uHJgqFhRNeM/s1600/14830_1%C2%BA-
coisa-bela.jpg>. Acesso em 25/06/2014.
por seu amor materno e sua vontade de viver,
é “perdoada”. Ato que a condena como sendo
culpada do machismo alheio. Uma linha de

36
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

Comentário ouvi mais de uma vez de quem também assistiu


ao filme), talvez essa sensação venha do fato de
Criticar o cinema europeu requer um olhar o personagem tratar o esporte como um meio,
diferenciado. Assim como nos filmes nacionais, o não um fim, de conservar seu sucesso.
roteiro, a estética, as personagens e suas relações
são os elementos que normalmente impulsionam a
narrativa. Temos assim personagens mais complexos
e conflitos sociais constantemente presentes. A crítica
de Alice Tumbull descreve as relações e conflitos
abordados no filme apontando os erros e acertos
segundo sua ótica. Não há certo ou errado, o papel
do crítico é julgar, e nesse caso, tudo é justificado.

Heleno, por Marcelo Hessel

“Todo jogador deveria ver ópera antes de


entrar em campo”, brada Heleno de Freitas
(Rodrigo Santoro) contra os demais jogadores
do Botafogo. Cobrar raça e emoção já era, nos
anos 1940, comum entre craques de futebol que
carregavam seus times nas costas, mas o fato de Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-xnGS1-DAUeA/T88xrAZG2RI/
Heleno falar em ópera, entre a grandiloquência AAAAAAAABbk/RTbRCoEqnyw/s1600/cartaz-do-filme-heleno-
com-rodrigo-santoro-circula-pelas-midias-sociais-1326583>.
e o esnobismo, diz muito sobre sua figura, como
Acesso em 25/06/2014.
retratada no filme Heleno.
É um pouco por essa falta de um propósito
Formado em Direito, com cara de galã de
elevado – quando Heleno cria pra si uma
cinema, Heleno não é um dos cabeças de bagre,
imagem grandiloquente, o que se espera dele é
nas suas palavras, que povoam o esporte.
um propósito à altura – que a vida de Heleno
Circula de conversível pelas praias do Rio,
soa tão vazia no filme. O constante vaivém
canta no rádio em um inglês impecável. Na sua
temporal reforça isso; a cada excesso do jogador
escolha de cenários, o filme faz uma distinção
na juventude, o roteiro corta para o futuro, com
que é gritante: de um lado, os bailes black-tie
Heleno demente de sífilis no sanatório onde
que Heleno frequenta no Copacabana Palace;
passou seus últimos dias. É uma relação imediata
do outro, o treino do Botafogo, com o cachorro
de causa e efeito que, em si, não precisaria
amuleto do clube presente na arquibancada e o
existir (ser bad boy não mata ninguém), mas
bode, aparador de grama, amarrado na grade.
que o filme intensifica para demarcar a tragédia.

Rapidamente fica claro que o Heleno do filme,


embora grite sua paixão pela camisa, está alheio
às coisas prosaicas do futebol – um esporte
popularizado no país, em boa medida, justamente
por seus prosaísmos. Se fica a impressão de que
falta futebol em Heleno (um comentário que já

37
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

O que provoca um curto-circuito em Heleno,


já que o roteiro cheio de elipses de Felipe
Bragança, Fernando Castets e José Henrique
Fonseca evita forçar causalidades durante a
juventude do jogador. Paira ao fundo o vulto
materno (Heleno telefona frequentemente à
mãe, que nunca aparece em cena), mas o filme
usa isso apenas sutilmente para justificar-lhe o
comportamento mulherengo. Assim, sobra ao
espectador trabalhar com a relação causa-efeito
mais ostensivamente oferecida, que são os saltos
temporais vinculando a boa-vida à doença.

Que Heleno de Freitas é uma figura trágica


– como outros ícones efêmeros do Botafogo, só
conseguiu ser campeão defendendo outro time –
não há dúvida. O problema de Heleno, ao tornar
patologia os excessos do jogador, é que isso tira
do personagem sua única glória: jogar não pelo
prazer de jogar, mas pelo prazer narcisista de
reafirmar seu gênio ante os demais.

Comentário

Por se tratar de um filme com características


biográficas, a crítica de Marcelo Hessel segue pela
vertente de comentar o Heleno real e ficcional.
Sem se aprofundar na estética ou na interpretação
do protagonista, faz ressalvas quanto ao roteiro
e se apoia no drama pessoal vivido por Heleno,
seus conflitos e frustrações. Ele termina sua crítica
fazendo a afirmação mais forte do texto em um ótimo
parágrafo que, em si, já poderia ser uma critica.

38
O aprendizado da análise crítica sobre as obras audiovisuais

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SEGER, Linda. A arte da adaptação: como


transformar fatos e ficção em filme. São Paulo:
ALVES, Giovanni. Análise do filme 2001: Uma Bossa Nova, 2007.
odisseia no espaço: Stanley Kubrick (1968). São
Paulo: Praxis, 2010. Coleção Tela Crítica, v. 14.

BAHIANA, Ana M. Como ver um filme. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

BARTHES, Roland. A câmara clara. Lisboa:


Edições 70 - Brasil, 2014.

CASSAROTI, Lourdes C. Crítica de cinema no


jornal Folha de São Paulo: um estudo do gênero.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem).
2006. 103 p. Universidade do Sul de Santa Catarina,
Tubarão/SC.

CIMENT, Michel. Conversas com Kubrick.


Tradução Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo:
Cosac Naify, 2013. Coleção Mostra Internacional
de Cinema.

MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-


ROTH, Desirée. Gêneros: teorias, métodos,
debate. São Paulo: Parábola, 2005.

MIMURA, Verusk A. Análise fílmica:


internalização, diversidade e identidade.
In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUDESTE,
16., 12-14 maio, 2011, São Paulo. Anais
eletrônicos... São Paulo: Intercom, 2011.

NEVES, David E. Telégrafo visual: crítica


amável de cinema. São Paulo: 34, 2004.

PENAFRIA, Manuela. Análise de filmes -


conceitos e metodologia(s). In: CONGRESSO
DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE CIÊNCIAS
DA COMUNICAÇÃO (SOPCOM), 6., abr. 2009,
Lisboa. Anais eletrônicos... Lisboa: Sopcom,
2009.

39

Você também pode gostar