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Diego Paiva

Vamos supor que eu odeie McDonalds.


Vamos supor que eu entre no McDonalds.
Armado.
Vamos supor que eu distribua balas à vontade e mate absolutamente todos os funcionários. Não
sobra um, do faxineiro ao gerente. Se pá, como eu não avisei que faria isso, ainda acerte um cliente
da loja, mas esse nem é o foco, o foco é: entrei no McDonalds e passei geral que trabalha lá.
No primeiro dia, repercussão e debates acalorados de gente condenando minha atitude. E vai
aparecer até uns pra me defender, que Big Mac faz mal mesmo, tinha que matar essa galera que só
faz mal pra sociedade. Também vai aparecer gente pra dizer que esses funcionários só produziam
Big Mac por falta de oportunidade melhor, vai aparecer o caso de um amigo do amigo que resistiu
ao emprego de chapeiro do McDonalds e hoje é advogado e vão rebater que essa vaga não tem pra
todo mundo e etc.
Tudo isso é irrelevante.
O mais interessante é que, na realidade, no táctil, no offline, se o McDonalds quiser no segundo dia
aquela loja pode estar operando. No mais tardar no terceiro. Remaneja de outras lojas, pega uns
reservas, não é um trabalho que requer tanto treinamento, etc. Há estrutura para isso. Há material
humano para isso.
Eles têm estrutura para isso por diversos motivos, mas eu vou ser grosseiro e apontar os dois eixos
principais que levariam a esse McDonalds de funcionários fuzilados reaparecer como novo em 3
dias:
1 - O McDonalds é uma organização Internacional com metodologia padronizada que desconhece
fronteiras e com alto poder financeiro;
2 - As pessoas (incluindo eu e você) querem comer Big Mac.
Então, se eu quiser acabar com o McDonalds eu tenho pouca chance de fazer isso metralhando uma
loja. Ou duas. Ou duzentas.
O fato é que o Ronald McDonald tá muito acima de mim, inalcançável.
É nisso que eu fiquei pensando hoje da tal polêmica quando o ex chefe da Rocinha foi preso. Para
além da ideia torta dos policias de tirar selfie sorrindo, o que já é naturalmente equivocado. Triste
mesmo é pensar nas razões de felicidade pra tão pouco. Comemorar a prisão de um gerente de
McDonalds.
Porque é isso que ele é, um gerente de McDonalds. Prende-lo só faz colocar uma placa de
"Contrata-se gerente". Se pá nem isso, já tem definido quem vai ficar na pista tirando ordem.
Alguns desses ao longo dos anos deixaram de ser só gerentes. Não é o caso.
Enquanto isso, o Ronald McDonald tá de boas. A Birdie tranquilona lucrando na fronteira. O
Papaburguer janta em Paris. O Shake tem um helicóptero de cocaína e imunidade parlamentar.
O que a gente fez é mexer com o emocional da população classe média pra fingir que enxugar gelo
é bom. Porque o gerente de McDonalds não é igual a gente, ele comanda as coisas que mais nos
afetam diretamente, se resolver ele como problema tá bom, a classe média se sente tranquila. Já o
Ronald McDonald se veste como a gente gostaria de ser, aparece na Caras. Não tem como odiar.
"Mas se prender um por um ninguém mais vende".
Tem lógica, mas não tem fundamento no real. Se não há ninguém para ocupar aquela vaga ela não é
preenchida, isso é fato. Mas veja, se a gente combate o postulante do que a vaga as consequências
são o que a gente vê, saturamos a polícia, em consequência saturamos a justiça e na sequência
saturamos o sistema carcerário, que nem finge mais que é pra reeducar. "Ah mas é pra punir
mesmo". Ok, então porque cada vez mais a gente tem que jogar gente nele? Onde está a eficiência
disso?
"O negócio então é matar todo mundo!"
Bom, se você mata alguém aquela pessoa não pode fazer nada. Não deixa de ser verdade. Mas
vamos pensar um pouquinho mais.
Ao contrário do que diz o senso comum, ninguém odeia mais o policial que a classe média
conservadora. Eu gostaria bastante do policial vivo. A classe média gosta mesmo é de entregar um
armamento e equipamentos defasados para um jovem com pouco treinamento nas atuais condições,
dar um tapinha nas costas e falar "vai, herói do povo brasileiro".
Tudo isso para depois pegar aquele mesmo jovem, agora em forma de cadáver, e perguntar "até
quando vamos perder nossos jovens de bem?". Se for um cadáver deixando uma esposa grávida
então, pra classe média melhor ainda, mais emoção enquanto grita "cadê o pessoal dos direitos
humanos agora?"
Bom, o pessoal dos direitos humanos tá aqui faz um tempão avisando que nessa guerra burra morre
gente dos dois lados sendo que um é tipo o McDonalds e tem capacidade de se reoxigenar mais
rápido que outro, que tá falido e tem que se preocupar com outras coisas. E olha que os funcionários
do McDonalds real não andam todos armados.
Tá aqui faz um tempão querendo explicar que as estruturas de poder paralelo não se chamam
"poder" à toa, que você pode fuzilar um gerente mas não uma vaga de gerência.
Tá aqui faz um tempão querendo explicar que tem alguém lucrando com isso e não é você.
Tem
Alguém
Lucrando
Com
O
Sangue
De
Todo
Mundo
E
Não
É
Você.
A solução pra isso é meio fácil, na cara, óbvia, já debatida, legalize já. Mas sabe como é, o Ronald
McDonalds vai perder poder, não vai ficar feliz. E o Shake vai falar que o negócio é mais Polícia,
mais prisões, inclusive a gente pode ganhar uma nota privatizando isso, win-win situation.
Ninguém aqui dos direitos humanos tá falando que com legalização as pessoas jogarão fuzis na
fogueira e todos de mãos dadas cantaremos We Are the World.
O que a gente tá dizendo é que a capacidade absurda de se reoxigenar do poder paralelo diminui.
Que vai ter mais gente viva, inclusive policiais.
As coisas são muito mais que "defender o direito de um bando de maconheiro safado". É ainda mais
triste ouvir isso de um bando de bebedor de uísque safado.
A gente vai passar o dia debatendo a atitude desses policiais em vez dos motivos que levaram a isso.
O Beltrame dizia que se a polícia não enxugasse gelo em breve estaria tendo que enxugar um
iceberg.
É verdade.
Mas qual a diferença entre um iceberg e um gelo que não diminui nunca de tamanho?
Não é pra ficar triste com a prisão de um cara que oprimia uma comunidade e cobrava ágio em gás
e outros produtos. Nem um pouco.
Mas daí a ficar feliz tem uma diferença enorme.
E muito menos é para tirar selfie com sensação de dever cumprido

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