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Resumo
Neste artigo vamos estabelecer uma relação entre o Paradigma da Questão Agrária e o projeto
camponês de Educação do Campo. Estamos utilizando como estudo de caso, o Curso Especial
de Graduação em Geografia para Assentados (CEGeo) na Unesp/FCT de Presidente Prudente
(convênio Incra/Pronera). Fazemos a análise das problemáticas do espaço rural a partir do
Paradigma da Questão Agrária no interior da vertente que entende que o desenvolvimento do
capitalismo no campo se faz a partir de um movimento desigual e contraditório. A Educação do
Campo – na perspectiva do Paradigma da Questão Agrária - é, necessariamente, um projeto de
oposição ao agronegócio. A oposição da Educação do Campo ao agronegócio reflete a luta de
classes no campo, bem como a disputa territorial que a classe camponesa trava com os
empresários do agronegócio no espaço rural.
Introdução
Neste artigo vamos estabelecer uma relação entre o Paradigma da Questão Agrária e o
projeto camponês de Educação do Campo. Estamos utilizando como estudo de caso, o
Curso Especial de Graduação em Geografia para Assentados (CEGeo) na Unesp/FCT
de Presidente Prudente (convênio Incra/Pronera).
O Paradigma da Questão Agrária é formado por autores que defendem que a Questão
Agrária é um problema estrutural, logo somente poderá ser resolvido com a luta contra
o capitalismo. Fazemos a análise das problemáticas do espaço rural a partir do
Paradigma da Questão Agrária no interior da vertente que entende que o
desenvolvimento do capitalismo no campo se faz a partir de um movimento desigual e
contraditório. Isto significa que existe um processo de produção de capital por meio de
relações não-capitalistas (relações camponesas), isto permite a reprodução camponesa
na contradição e no conflito com o capital.
A essência da Educação do Campo está na luta pela reforma agrária, na luta contra o
latifúndio, e pela superação das contradições da lógica do capital. Portanto, a nossa
intencionalidade é a de reafirmar a necessidade de contextualizar a práxis da Educação
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do Campo a partir do pressuposto da existência de dois projetos de campo em conflito e
em disputa. A Educação do Campo – na perspectiva do Paradigma da Questão Agrária
- é, necessariamente, um projeto de oposição ao agronegócio, pois é formada pelos
sujeitos da resistência que esse modelo de desenvolvimento capitalista no campo quer
desterritorializar. A oposição da Educação do Campo ao agronegócio reflete a luta de
classes no campo, bem como a disputa territorial que a classe camponesa trava com os
empresários do agronegócio no espaço rural.
O Debate Paradigmático
Nosso debate se dá entre os dois paradigmas que envolvem reflexões antigas como o
fim do campesinato (Paradigma da Questão Agrária) discutido desde as obras seminais
que tratam sobre a questão agrária, até as discussões mais atuais relacionadas à
metamorfose do campesinato (Paradigma do Capitalismo Agrário), ou seu oposto, sua
recriação na contradição, na resistência e na luta (Paradigma da Questão Agrária).
Partimos da perspectiva de que o Paradigma da Questão Agrária é formado por autores
que defendem que a Questão Agrária é um problema estrutural, logo somente poderá
ser resolvido com a luta contra o capitalismo (FERNANDES, 2009; CAMACHO,
2010; 2011).
Todavia, é necessário esclarecermos que participamos de um grupo de pesquisadores
que defendem a existência da recriação camponesa. Fazemos a análise das
problemáticas do espaço rural a partir do Paradigma da Questão Agrária no interior da
vertente que entende que o desenvolvimento do capitalismo no campo se faz a partir de
um movimento desigual e contraditório (OLIVEIRA, 1986; 1997; 1999; 2002; 2004,
FERNANDES, 2001). Isto significa que existe um processo de produção de capital por
meio de relações não-capitalistas (MARTINS, 1981; OLIVEIRA, 1986).
Por isso, o campesinato é uma classe social e um modo de vida heterogêneo e complexo
inerente à contradição do modo de produção capitalista e não um resíduo social em vias
de extinção. Ele se recria, assim, na contradição estrutural e por meio da compra e da
luta pela terra na sua resistência ao capital (OLIVEIRA, 1997; 1999; 2004;
FERNANDES, 2001; 2009; ALMEIDA, 2003; 2006; PAULINO, 2006; ALMEIDA;
PAULINO, 2010). Os territórios produzidos dessa relação são territórios não
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capitalistas ou territórios não alienados (FERNANDES, 2009; CAMACHO, 2010;
2011; CAMACHO; MOTA, 2011).
Numa perspectiva geográfica, podemos explicar essa subordinação do campesinato ao
capital por meio de dois conceitos que significam o mesmo processo: o primeiro é a
territorialidade do agronegócio no território camponês (FERNANDES; 2009), e o
segundo é a monopolização do território pelo capital monopolista (OLIVEIRA, 1997;
1999; 2004). Nesses processos, o camponês não é expropriado, mas sua renda fica
subordinada ao capital, e uma dessas formas, é sendo obrigado a repassar o produto do
seu trabalho para o capitalista (OLIVEIRA, 2004). Essa parte da renda camponesa que é
apropriada pelo capitalista é utilizada por este para reprodução/acumulação de capital
(MARTINS, 1981). Apesar de permitir que o campesinato continue se reproduzindo,
esta condição faz com que o camponês se reproduza numa situação precária, daí a
necessidade ruptura com o capital (ALMEIDA, 2006).
A tendência proletarista é aquela que tem como principal referencial teórico o
marxismo ortodoxo agrário e a tendência campesinista é aquela que tem como
principais referencias teóricos o marxismo heterodoxo e o narodnismo marxista.
(GUZMÁN; MOLINA, 2005). O narodnismo é marcado pela influência de diversas
concepções teóricas, diferentes práxis intelectuais e políticas. Todavia, o ponto principal
é a defesa de um modelo de desenvolvimento não-capitalista para Rússia. Sendo que o
campesinato ocupa papel de destaque neste modelo, participando como protagonista
(GUZMÁN; MOLINA, 2005). Ou seja, o campesinato no narodnismo é visto como
agente revolucionário (ALMEIDA; PAULINO, 2010). É a influência dos narodnistas
russos no pensamento de Marx que o levou a uma aproximação com o campesinato.
Essa relação dos nardodnistas com Marx gerou a corrente conhecida como
nardodnismo marxista (ALMEIDA; PAULINO, 2010).
Outra tendência importante que divergiu com o marxismo ortodoxo, é o marxismo
heterodoxo clássico. Nesta vertente, destacamos a importância de Rosa Luxemburgo
para a criação de uma teoria que foi fundamental para embasar a crítica ao marxismo
ortodoxo agrário. O marxismo heterodoxo e o narodnismo marxista deram elementos
concretos que possibilitaram a construção de uma tendência campesinista no Paradigma
da Questão Agrária possibilitando a construção de uma geografia agrária campesinista.
As críticas às elaborações teóricas baseadas no evolucionismo unilateral e na
uniformidade do mundo presentes no marxismo ortodoxo estão entre as principais
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contribuições de Rosa Luxemburgo para pensarmos o movimento do desenvolvimento
do capitalismo no campo.
Podemos dizer que o debate da Educação do Campo é permeado por interesses distintos
das classes sociais. Estes interesses definem diferentes projetos para o campo. Estes
projetos são representados pelo agronegócio de um lado e pelo projeto camponês de
Educação do Campo do outro. Tendo em vista que são propostas antagônicas, vão
resultar em interesses político-pedagógicos distintos. Enquanto a educação para o
campo, vista sob a ótica do agronegócio tem a intencionalidade de formar sujeitos que
sejam funcionais à reprodução do capital, buscando inculcar ideologias dominantes,
contribuindo para a perpetuação das desigualdades sociais e manutenção da sociedade
de classes. Em oposição, a educação camponesa busca formar indivíduos não
fragmentados na sua totalidade e que possam compreender as relações humanas tanto na
sua diversidade cultural como nas desigualdades sociais, econômicas e políticas geradas
pelo capital. Portanto, um projeto de educação que objetive atender aos setores
camponeses ou a qualquer outro projeto de sociedade que busque superar as relações
capitalistas, não pode ser pensado a partir da ótica do agronegócio. Devemos buscar
propostas condizentes com uma educação camponesa tendo por base que essa educação
não pode ser um projeto de integração/subordinação capitalista, mas sim de defesa dos
interesses daqueles que vivem do seu próprio trabalho (MENEZES NETO, 2009).
Dessa forma, se faz necessário que reafirmemos qual é a essência da gênese do
movimento de Educação do Campo neste momento histórico em que a concepção de
Educação do Campo está sendo disputada por dois projetos distintos de sociedade.
Estamos reafirmando a essência da concepção de Educação do Campo que foi gerada na
prática de luta dos movimentos socioterritoriais camponeses. A essência da Educação
do Campo está na luta pela reforma agrária, na luta contra o latifúndio, e pela superação
das contradições da lógica do capital. A conflitualidade inerente à lógica de reprodução
do capitalismo no campo, que desemboca na disputa por territórios materiais e
imateriais entre o agronegócio e os movimentos socioterritoriais camponeses, é um dos
elementos centrais que fundamenta a produção de nossa análise teórica acerca do campo
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e da Educação do Campo. É esta contradição de classe que movimenta a história e
resulta em uma produção do conhecimento científico a partir de diferentes perspectivas.
[...] Exatamente o que lhe é constitutivo, o que a fez surgir, que foram as
lutas e os conflitos no campo e a busca dos movimentos sociais e sindicais
por outro projeto de campo e de sociedade – e, dentro dele, outro projeto de
educação –, tem sido intencionalmente negado por setores relevantes dessas
instâncias governamentais. Assim, exclui-se do planejamento da ação
pedagógica o essencial: o próprio campo e as determinações que
caracterizam os sujeitos que vivem nesse território. Essas instâncias
governamentais querem fazer Educação do Campo sem o campo: sem
considerar, como dimensão indissociável desse conceito, a práxis social dos
sujeitos camponeses, a materialidade de suas condições de vida, as
exigências às quais estão submetidos os educandos e suas famílias no
processo de garantia de sua reprodução social, tanto como indivíduos quanto
como grupo. (MOLINA, 2012, p. 592, grifo nosso).
Corroborando neste sentido, Roseli Salete Caldart vai dizer que alguns órgãos públicos
tentam difundir uma Educação do Campo, muitas vezes, afastada dos movimentos
sociais e de suas bandeiras de luta. Em suas palavras:
[...] porque hoje existe nos governos a “pasta” da Educação do Campo, “viva
a Educação do Campo!” Apenas é preciso tratar de afastá-la desses
“agitadores pré-modernos,” ou de “Movimentos Sociais como o MST”, que
ainda continuam empunhando a bandeira da Reforma Agrária, da soberania
alimentar e energética, da biodiversidade, do respeito ao meio ambiente...
(2010, p. 116).
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inerente a Educação do Campo, entendemos que se a mesma estiver desvinculada das
lutas dos movimentos sociais, ela não poderá ser considerada como sendo
verdadeiramente uma Educação do Campo. A essência da Educação do Campo está em
ser contra-hegemônica.
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protagonistas do processo porque continuam sendo subalternos aos interesses do
capital (FERNANDES, 2006).
A Educação do Campo “Camponesa” não é a mesma Educação do Campo da
“Agricultura Familiar”. A Educação do Campo do Paradigma da Questão Agrária tem,
necessariamente, o conflito, a superação do capitalismo, a luta de classes, as disputas
territoriais, o modo de vida camponês, a crítica ao neoliberalismo etc. como elementos
inerentes da sua constituição. Não é uma Educação Campo Reformista, é uma
Educação do Campo Revolucionária. Busca a ruptura com a essência das estruturas de
funcionamento do modo de produção vigente.
Concordamos com István Mézáros que o “[...] capital é irreformável porque pela sua
própria natureza, como totalidade reguladora sistêmica, é totalmente incorrigível. [...]”.
(2005, p. 27, grifo do autor). Desse modo, entendemos que não há possibilidades de se
estabelecer relações com o agronegócio sem que o campesinato fique submisso e perca
sua autonomia. Porque o agronegócio, que segue a lógica do capital globalizado, é
excludente, concentrador de terra e renda, e provocador de impactos socioambientais.
Dessa maneira, o movimento da Educação do Campo tem a intencionalidade de afirmar
a identidade territorial dos povos do campo numa perspectiva classista - classes
territoriais camponesas - cuja afirmação se dá na contraposição ao capital – agronegócio
– condenando sua lógica exploratória, excludente e hegemônica que expropria o
campesinato ou subjuga a sua renda. Corroborando neste sentido, Maria do Socorro
Xavier Batista diz que o movimento de Educação do Campo:
[...] afirma uma identidade dos povos que vivem no e do campo, compondo
uma categoria ampla de camponeses, entendidos na sua complexidade e
multiplicidade, que, numa perspectiva histórica estrutural e classista, afirma-
se na contraditoriedade do latifúndio e do agronegócio, modelo social
hegemônico direcionador de relações sociais de produção impositivas,
exploradoras, excludentes, que busca subjugar todos os povos do campo que
não têm a propriedade ou são pequenos proprietários à sua lógica. (2007,
p.181).
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A radicalidade da luta por educação do campo faz aflorar o compromisso
classista, cultural, político da educação e sua conflitualidade, afirma seu
papel na explicitação dos conflitos, cobra seu engajamento em favor
daqueles que, ao longo da História, construíram o país, que travaram as lutas
mais sangrentas para ter direitos à vida, à terra, à educação, ao
reconhecimento cultural, racial, às suas culturas, para provar a legitimidade
de suas lutas. (BATISTA, 2007, p. 187-188, grifo nosso).
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A Educação do Campo – na perspectiva do Paradigma da Questão Agrária - é,
necessariamente, um projeto de oposição ao agronegócio, pois é formada pelos sujeitos
da resistência que esse modelo de desenvolvimento capitalista no campo quer
desterritorializar. A oposição da Educação do Campo ao agronegócio reflete a luta de
classes no campo, bem como a disputa territorial que a classe camponesa trava com os
empresários do agronegócio no espaço rural.
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desconsidera o conhecimento popular produzido pelos sujeitos do campo em uma lógica
não capitalista. Em suas palavras:
Considerações Finais
Referências
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ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de; PAULINO, Eliane Tomiasi. Fundamentos
teóricos para o entendimento da questão agrária: breves considerações. Revista
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