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Universidade Estadual de Santa Cruz

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Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação

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Eduardo Lopes Piris
Moisés Olímpio Ferreira

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Francês: Carlos Alberto Magni • Eduardo Lopes Piris • Moisés Olímpio Ferreira • Rodrigo dos
Santos Mota • Sébastien Giuliano Giancola • Sérgio Israel Levemfous • Silvana
Gualdieri Quagliuolo Seabra • Thaise Almeida dos Santos
Espanhol: Cristina do Sacramento Cardôso de Freitas • Ludmila Scarano Coimbra

Revisores
Denise Gonzaga dos Santos Brito • Eduardo Lopes Piris • Maria Helena Cruz Pistori • Mirélia
Ramos Bastos Marcelino • Moisés Olímpio Ferreira • Roberto Santos de Carvalho

Capa e logotipo
Laurenci Barros Esteves

Diagramação
Eduardo Lopes Piris
Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação

ANÁLISE E CRÍTICA DO DISCURSO ARGUMENTATIVOi


Christian Plantinii

A lógica, dita como a mãe da interação de discurso em oposição


argumentação (a menos que seja o (subseção 1). As abordagens críticas existentes
contrário), é a ciência da transferência recorrem a diversos sistemas de regras
correta da verdade de enunciado a normativas para dar uma primeira definição do
enunciado. Ela distingue discursos falacioso, mas elas sofrem limitações quando
encadeados de maneira válida e discursos colocam um ideal do discurso expressado em
duvidosos como “Eu não sou compreendido. uma linguagem “extra-ordinária”
Os grandes artistas nunca são (arregimentada), descontextualizada,
compreendidos (suspiro)”, que se pode alexitímica (subseção 2). No entanto, a noção
supor visar, de maneira não válida, à de discurso manipulador está longe de ser clara
conclusão “Eu sou um grande artista”. (subseção 3). Mostraremos, como conclusão,
que a noção de “discurso contra” permite gerir
Por generalização ou por analogia, pode-
a dimensão crítica do discurso argumentativo
se perguntar o que vem a ser essa noção de
validade, quando se passa para o discurso sem postular um sistema de normas extra-
ordinário: a teoria da argumentação fornece discursivas (subseção 4). Os parágrafos
os critérios que permitem opor discurso seguintes colocam o questionamento sobre a
“válido” e discurso “não válido”? Então, o relação entre a posição política da Análise do
Discurso (AD) e a posição crítica da Análise
que significa esse termo? Deve-se tomá-lo
no sentido puramente lógico, ou no sentido da Argumentação, em que as histórias recentes
foram construídas na ignorância mútua durante
amplo de falacioso, sofista, mentiroso,
manipulador, perverso...? De modo geral, os anos 70 (subseção 5). A subseção 6 sustenta
que a junção dessas disciplinas só pode ser
como construir os instrumentos de uma
crítica do discurso argumentativo, efetuada em torno de noções operatórias
partilhadas.
instrumentos sem os quais “o pensamento
crítico” corre o forte risco de esvaziar-se? A
pergunta abrange aspectos múltiplos e pode A interação argumentativa
facilmente dar lugar a mal-entendidos. Segundo a abordagem adotada aqui, uma dada
Tendo em vista a diversidade das situação linguageira começa a se tornar
concepções da argumentação, convém, antes, argumentativa quando manifesta uma oposição
precisar a concepção da argumentação que de discursos. A interação é totalmente
sustentará a discussão: ela é fundada sobre a argumentativa no momento em que essa

i
Referência do texto fonte desta tradução: PLANTIN, Ch. Analyse et critique du discours argumentatif. In: AMOSSY,
R.; KOREN, R. (éds). Après Perelman. Paris: L'Harmattan, 2002. p.229-263.
ii
Docente da Universidade de Lyon e diretor de pesquisas do CNRS, França. E-mail: christian.plantin@univ-lyon2.fr.

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Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação

diferença é problematizada em uma Questão, e argumentativos. No caso mais evidente, o da


que se extraem claramente os três papéis deliberação anterior, o mesmo ator pode
actanciais de Proponente (que apoia percorrer pacificamente todos os papéis
plenamente uma Proposição), de Opositor (que actanciais. Se um grupo fortemente ligado por
rejeita essa Proposição) e de Terceiro (que se um interesse comum examina uma questão
questiona sobre ela). A oposição de discursos colocando em jogo este interesse comum,
recobre a recusa de ratificar uma proposição, a acontece também que esses membros
simples diferença de julgamento ou examinam sucessivamente as diferentes
divergência de apreciação, como o desacordo, respostas possíveis a esta questão e os
o litígio, a discussão, o conflito... argumentos que as sustentam. No desenrolar
Logo, a argumentação não está localizada deste processo, eles percorrem de maneira
nem “na língua”, nem como uma simples metódica as diferentes posições actanciais,
postura enunciativa pela qual o locutor coloca sem identificação clara para uma dessas
em cena e gere, em um discurso monológico, posições, e sem que apareçam necessariamente
imagens do mundo, dos objetos, dos antagonismos de atores.
interlocutores e de seus discursos, mas como Por razões teóricas e empíricas, a
uma forma de interação problematizante polemicidade não é então inerente à
formada de intervenções orientadas por uma argumentação. Ela surge fatalmente, no que
questão. parece, quando os atores, estando estabilizados
A noção do papel argumentativo implica sobre posições de actantes, os discursos
uma distinção fundamental entre os actantes desempenham um papel essencial na
(Proponente, Opositor e Terceiro) e os atores estruturação das pessoas dos argumentadores1.
da comunicação argumentativa, que são os
indivíduos concretos engajados na 2. Teoria da argumentação como crítica dos
comunicação. Esses atores podem ocupar paralogismos
sucessivamente cada uma das três posições A ideia de crítica do discurso argumentativo
argumentativas (ou papéis actanciais). tomou vida há vinte e cinco séculos na ideia de
Reciprocamente, a mesma posição de actante crítica dos sofismas e dos paralogismos
argumentador pode ser ocupada por vários (falácias), questão sobre a qual se manifesta
atores, ou seja, por vários indivíduos aliados. uma diferença profunda entre os conceitos
A distinção actantes/atores permite retomar “continentais” e os conceitos “anglo-
o famoso slogan, estranhamente muito usado, saxônicos” da argumentação. A pesquisa de
“a argumentação é a guerra”, assim como língua inglesa desenvolveu-se, primeiramente,
também a família das metáforas bélicas que, às como uma teoria dos paralogismos, após a
vezes, com prazer, lhe é associada. É publicação de Fallacies (1970), obra
importante não confundir a oposição entre fundamental de Hamblin. Partindo da análise
discursos – entre actantes – e as eventuais das condições de validade do silogismo, visto
colaborações ou conflitos entre pessoas – entre como instrumento da ciência, a abordagem se
atores. A situação de argumentação assim
como acaba de ser definida só é conflitante 1
Encontramo-nos, então, nas situações como aquelas
quando os atores se identificam nos papéis tratadas por D. Maingueneau (1983).

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
Levemfous. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n.1, p. 17-37, nov.
2011.
generalizou na crítica lógico-epistêmica do Não é impossível atribuir ao texto seguinte,
discurso ordinário2. Ela fornece uma resposta à no qual se reconhecerá uma variante do
primeira questão crítica: “pode-se, graças à argumento do Primeiro Motor, uma tal
análise linguística e argumentativa, mostrar estrutura:
que um discurso na língua natural é um
discurso falacioso?”. Essa problemática E todos os gênios da ciência, Copérnico,
Kepler, Galileu, Descartes, Leibniz, Buler,
permanece estranha às abordagens em língua Clarke, Cauchy, falam como ele [=
francesa, quer estejam associadas à linguística Newton]. Eles todos viveram em uma
da língua, às ciências cognitivas ou retóricas. verdadeira adoração da harmonia dos
mundos e da mão todo-poderosa que os
jogou no espaço e que lá os mantém.
2.1 Interesse
Antes de mostrar, a partir de um exemplo E essa convicção, não é por impulsos,
como os poetas; é por números, teoremas
desenvolvido, o interesse dessa abordagem, de geometria que lhe dão sua base
tomemos um exemplo agradável e recente: necessária. E o seu raciocínio é tão simples
De qualquer maneira, baixas (na Bolsa de que crianças o seguiriam. Vejam de fato:
(1) eles estabelecem, primeiramente, que a
Valores) de 10% não se as terá durante 10
matéria é essencialmente inerte e que, por
dias (ouvido no rádio). consequência, se um elemento material está
Se a Bolsa tiver uma queda de 10% durante em movimento, é que um outro o obrigou,
(2) porque todo movimento da matéria é
10 dias, sobrará, evidentemente, ao aplicador necessariamente um movimento
na Bolsa, 34,86% de sua fortuna. Em outras comunicado. (3) Então, dizem, (3a) como
palavras: a argumentação em língua natural existe no céu um movimento enorme, que
deve também estar de acordo com a aritmética, leva, para os infinitos desertos, bilhões de
a geometria, a álgebra e a física, que não são sóis de um peso que esmaga a imaginação,
(3b) é que existe um motor todo-poderoso.
nem mais nem menos “naturais” que a lógica. Eles estabelecem, em segundo lugar, que
É um ponto sobre o qual é preciso insistir. esse movimento dos céus supõe resolvidos
Os trabalhos sobre os paralogismos os problemas de cálculo que demandaram
trinta anos de estudos [...]3 (BOUGAUD,
mencionam regularmente a existência de um 1883).
paralogismo dos quantificadores, que consiste
na permutação incorreta dos quantificadores O primeiro parágrafo argumenta sobre a
“existe” e “para tudo”. Assim Woods & autoridade especializada dos “gênios da
Walton (1994, p. 91) propõem analisar a ciência”, e o segundo parágrafo dá uma prova
argumentação seguinte como um paralogismo independente da existência da Mão todo-
de ambiguidade: poderosa. O dispositivo satisfaz, então, uma
exigência de base da argumentação de
Tudo tem uma causa / Cada um de nós tem
um pai
autoridade: os especialistas concordam e existe

então Alguma coisa é causa de toda coisa / 3


A segunda metade do século 19 vê florecer as obras da
Existe um indivíduo que é pai de todos nós apologética cristã, que tentam argumentar contra os
avanços positivos da ciência (cf., por exemplo, J.-B.
Jaugey. Dictionnaire apologétique de la foi catholique
contenant les preuves principales de la vérité de la
religion et les réponses aux objections tirées des
2
Cf. Plantin, 1996, cap. 5 “La loi du vrai: sciences humaines. Paris/Lyon: Delhomme et Briguet
argumentations et paralogismes”. Id., 1990, chap. 3 [prefácio datado de 1889]). Contrariamente ao que se
“Les racines de l'argumentation dans la sophistique”. diz, por vezes, a argumentação jamais foi esquecida:
Id., 1995. instrumento de lutas em vão, ela tem sido deslegitimada.

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
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uma prova independente (WOODS; Pode-se escrever (3b) “há um motor todo-
WALTON, 1994). poderoso” como
A estrutura lógico-retórica dos enunciados Existe um x qualquer que seja, para todo y
cruciais (1) - (3b), que apresenta uma clara (My  Cxy)
intenção argumentativa, é a seguinte: Se se postula neste texto uma ligação
(1) Eles estabelecem, inicialmente, apenas P; argumentativa entre (1)-(2) e (3b), e não
que, por consequência, se Q, é apenas R somente uma simples justaposição de
(2) porque S. enunciados, pode-se deduzir disso que ele
comete o famoso paralogismo de permutação
(3) Então, afirmam, já que T, é apenas U. de quantificadores:
Consideremos o enunciado (1). Seja “x” e Para todo elemento y, existe um elemento x
“y” elementos materiais diferentes. (My  Cxy)
– seja “My” o fato de que um elemento Existe um x qualquer que seja, para todo y
material “y” está em movimento; (My  Cxy)
– notamos: “Cxy” a afirmação “x constrange É possível que essa tradução force o texto –
y para o movimento” (não se sabe se houve nesse caso, ou ela é falsa, ou o texto não é
um choque inicial de “x” sobre “y” ou ação mesmo falso. Se se admite que ela tem alguma
permanente de “x” sobre “y”; em outras
coisa a ver com a lógica do texto deve-se então
palavras, se a criação é histórica ou
contínua); responder afirmativamente à primeira questão
crítica: “Pode-se, pela análise lógico-
– então: “se Q, é apenas (porque) R” se nota linguística de uma argumentação, mostrar que
“My  Existe um elemento x tal que Cxy” um discurso em língua natural é falacioso?”.
– em outras palavras: “Para todo elemento y,
Mas é preciso permanecer sensível às
existe um elemento x tal que: (My  Cxy)”.
condições sob as quais se estabelece essa
O enunciado (2) “pois todo movimento da conclusão; ela supõe um processo de tradução
matéria é necessariamente um movimento lógica que é geralmente fácil de rejeitar. Por
comunicado” é interpretado como uma exemplo, à acusação de sofisma dirigida ao
simples reformulação do enunciado anterior, encadeamento considerado na introdução (“Eu
ou seja: sou incompreendido. Os grandes artistas são
(2’) Para todo elemento y, existe um sempre incompreendidos”), responder-se-á que
elemento x tal como: (My  Cxy) simplemente se fez uma sugestão, que se
forneceu uma pista e não uma conclusão; à
O enunciado (3a) “existe no céu um acusação de permutação ilegítima de
movimento enorme, que leva para os infinitos quantificadores, um moderno objetará que a
desertos bilhões de sóis de um peso que ela falta o caráter radicalmente metafórico do
esmaga a imaginação” pode-se ler como uma texto (o Primeiro Motor é o Big Bang). Nos
afirmação da existência do movimento: dois casos, o que é agora declarado falacioso é
“Existe movimento”, “Existe y tal que My”. aquilo que está sob forma silogística do
Autorizando-se pela forma superlativa do enunciado e não o próprio enunciado... Em
enunciado, passa-se de “Existe movimento” outras palavras, o argumento do lógico é
para “Tudo está em movimento”. O Motor recusado como argumentum ad fallaciam, sua
Essencial exerce uma ação não somente local arbitragem é denunciada: o sofista é você.
(ele move tudo que está em movimento) mas
também universal (mas tudo está em Se o discurso, objeto de análise, estiver
movimento; então, ele move tudo). conforme as normas lógico-epistêmicas, ele

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
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deve simplesmente passar por alguns retoques; está ligada a esse tipo de restrição
se ele somente tiver a aparência de validade, convencional (que a convenção valha hic et
importa, então, manifestar o sofisma que nunc, como nos debates dialéticos tradicionais,
contém. O sentido geral e os riscos da ou que ela seja fixada num protocolo, como no
abordagem são perfeitamente resumidos na tribunal).
seguinte citação:
No fundo, a ideia que sustenta esses
As Richard Whately remarked, “… a very sistemas normativos é que um discurso se
long discussion is one of the most effective torna falacioso e potencialmente manipulador
veils of Fallacy; …a Fallacy which when na medida exata em que se torna retórico. E
stated barely … would not deceive a child, ele torna-se retórico na medida em que trata os
may deceive half the world if diluted in a problemas em função da situação (de
quarto volume” (Elements of Logic, p.
151). Consequently, an important weapon considerações periféricas), ele usa uma língua
against fallacy is condensation, extracting mal feita (a língua natural), ele é mantido por
the substance of an argument from a mass indivíduos interactantes atormentados por
of verbiage. But this device too has its afetos. Daí vem a solução: para ter uma boa
dangers; it may produce oversimplification, argumentação, saiam da linguagem, dos afetos,
that is, the fallacy a dicto secundum quid,
of dropping relevant qualifications. When da situação, da interação.
we suspect a fallacy, our aim must be to Apesar de toda a evidência, isso às vezes é
discover exactly what the argument is; and,
in general the way to do this is first to pick
necessário; não é tão fácil para a fada
out its main outlines an then to take into argumentação se desfazer dos trajes da bruxa
account any relevant subtleties or retórica. É necessário ver que uma das
qualifications (MACKIE, [s.d.]). características essenciais do debate é jogar de
acordo com as regras do debate4, ou, como
Seremos sensíveis à visão negativa da Gabriel Garcia Marquez faz dizer o seu herói,
linguagem que aí se expressa: “véu da falácia” José Arcadio Buendia, qual é o interesse do
“[diluição]”, “massa verborrágica”, que se jogo se estamos de acordo em respeitar as
interpõem ao exercício puro do pensamento. A regras?
análise lógica fornece as “armas” contra o
discurso espontaneamente enganador. Um dia, o pai Nicanor o convidou a jogar
Paralelamente, as pessoas em interação são damas. José Arcadio Buendia recusou, pois
engajadas na(s) “muito longa(s) ele não via interesse em uma competição
entre dois adversários que concordavam
discussão(ões)”, que as levam cognitivamente com as regras. O pai Nicanor, que nunca
a um estado “infantil”, em que tentam, semi- tinha visto o jogo de damas nesse ângulo,
inconscientemente, se “enganar” mutuamente. não pôde nunca mais jogar. (Gabriel Garcia
Marquez, Cem anos de solidão5)

2.2 Limites
A teoria moderna dos paralogismos tem o 4
M. Doury. Le débat immobile. L'argumentation dans
mérito essencial de engajar a teoria da le débat sur les parasciences. Paris: Kimé, 1997.
5
argumentação na direção de uma crítica do “En cierta ocasion en que el padre Nicanor llevo al
discurso argumentativo. O apelo às normas - castaño un tablejo y una caja de fichas para invitarlo a
jugar a las damas, José Arcadio Buendia no accepto
quer sejam lógica, lógico-epistêmica ou segun dijo, porque nunca pudo entender el sentido de
comunicacional - funciona bem para alguns una contienda entre dos adversarios que estaban de
tipos de debates que acontecem nos quadros acuerdo en los principios. El padre Nicanor, que jamas
comunicacionais institucionalizados, habia visto de ese modo el juego de damas, no pudo
fortemente arbitrados. A eficácia das normas volverlo a jugar” (Gabriel Garcia Marquez. Cien años
de soledad. Editorial Sudamericana, p. 79).

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
Levemfous. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n.1, p. 17-37, nov.
2011.
ator: “É possível mostrar que um discurso
3. As manipulações argumentativas
manipulatório é manipulatório?” A essa
segunda questão, minha resposta é que é
3.1 Do paralogismo à manipulação preciso esperar que sim, optando por um
otimismo bastante aristotélico: a verdade
3.1.1 A segunda questão crítica prevalece afinal. Pode-se, sem dúvida, opor a
um discurso manipulatório um contra-
A segunda questão crítica pode aparecer
discurso, melhor informado, melhor
como uma extensão da primeira, da qual, na
construído, melhor argumentado. Mas, para
verdade, é muito diferente: “Pode-se, por
tanto, é preciso ter acesso a dados do mundo.
análise argumentativa, mostrar que um
E isso não é para a análise de discurso ou de
discurso – por exemplo, os discursos sexistas,
interações, mas sim para as ciências sociais
racista... – é um mau discurso (falso,
vigorosas, que possuem o expertise ad hoc,
manipulador, ...)?”. Poderíamos dizer que, se a
que acabam de construir um discurso em que é
primeira questão concerne à formação e ao
reestabelecida a verdade, em que são
exercício do espírito crítico sobre o plano
denunciadas as explorações tendenciosas dos
científico, a segunda situa-se sobre o plano
números, a falta de métodos. Nada proíbe de
cidadão.
pensar que a análise linguística da
A resposta para essa pergunta é negativa. A argumentação possa colaborar com essa tarefa,
análise argumentativa tem por objeto a fala e o mas ela não pode certamente pilotá-la.
discurso em interação. Não há mais marcador
linguístico de um discurso verdadeiro do que 3.1.2 A argumentação da manipulação
marcadores linguísticos de um bom discurso
ou de um belo discurso. A situação no nível do O discurso sobre a manipulação não está
discurso é a mesma que no nível do enunciado; protegido dos “efeitos de campo”7. De fato,
nenhuma linguística permite dizer que o falar de manipulação é colocar-se na
locutor mente ao falar que “Pedro come a perspectiva de um discurso acusatório, e a
maçã”, se Pedro não come a maçã. Em outras partir de então tomado no jogo da contradição
palavras, assim como numa disputa em que se argumentativa. Nesse quadro, dizer que um
enfrentam duas concepções do mundo ou da discurso é manipulador é invalidar esse
vida o apelo às normas lógicas pode ser levado discurso pelo argumento da manipulação.
ao status de argumento, há aqui o apelo ao real
que é definido como um argumento, o
nós eles
argumento da realidade: você o enxerga bem!
nós iludimos, manobramos eles manipulam
Mas é preciso lembrar-se, entre outras coisas, com habilidade eles são de má fé
da história exemplar de Semmelweiss nós somos de boa fé eles mentem
(PLANTIN, 1996)6. nós, as vezes, erramos sistematicamente
nós categorizamos eles amalgamam
Enfatizamos que essas duas questões nós nos enganamos às eles nos enganam
críticas são ambas bem distintas da questão do vezes sistematicamente

6
Sobre a construção dogmática da evidência, ver:
7
DAHAN, G. L'affrontement. In: ______. Les Tem-se um efeito de campo, por exemplo, no seguinte
intellectuels chrétiens et les juifs au moyen-âge. Paris: caso: se alguém defende uma conclusão julgada boa por
Cerf, 1999. uma má argumentação (fatos mal construídos,
DAHAN, G. Présence du judaïsme. In: ______. La denominações invalidantes, encadeamentos
polémique chrétienne contre le judaïsme au Moyen acrobáticos), então seu campo dissocia e valida a
Age. Paris: Albin Michel, 1991 argumentação para a retidão da intenção.

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
Levemfous. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n.1, p. 17-37, nov.
2011.
Mas é sempre preciso lembrar-se da diferente: de gerações (adulto/adolescente),
recomendação: não se pode confiar nas sexuais (homem/mulher), institucionais
críticas, o livro que eles recomendam pode ser (alunos/professor). Os dialéticos pensam que é
bom. O mesmo princípio vale para a possível abstrair-se desses papéis sociais, para
argumentação: não se pode confiar no seu centrar a troca unicamente nos papéis
oponente, ele pode estar errado. Em outras argumentativos, mas consideramos que a
palavras: eu teria tendência em dizer que o situação didática, por exemplo, a
discurso ao qual eu me oponho é manipulador. complementaridade dos papéis
Mas ele pode sê-lo de verdade. professor/aluno, é inevitável. Ora, ela pode
voltar-se para a oposição e reforçar-se de
3.2 A argumentação é linguageira, situada, outras oposições de papéis sociais, como os
afetiva e problematizante precedentes. Se o professor tomar o papel
argumentativo de Proponente, então o aluno
Se se define a argumentação na contradição encontra-se no papel de opositor. Em outras
discursiva, então a argumentação é palavras, aproxima-se do paradoxo: se se quer
necessariamente retórica, ou seja, linguageira, ensinar alguma coisa, é necessário ensinar o
situada, afetiva (PLANTIN, 1997b, 1998) contrário.
(figurativa, metafórica...) e problematizante.
Segue-se, então, que a oposição nós
argumentamos / eles fazem retórica pode 3.2.2 A argumentação é problematizante
figurar vantajosamente no díptico NÓS/ ELES. A fada argumentação tem um
compromisso. Uma série de paradoxos se
3.2.1 A argumentação é situada prende ao fato de que argumentamos em uma
situação orientada por uma questão e em
Esse fato tem consequências múltiplas. presença de um contra-discurso.
Uma posição pode ser sustentada por dados
perfeitamente externos à questão (dados “de
ocasião” cf. Platin 1997a); existe sem 3.3 Argumentar a favor de P enfraquece P
nenhuma dúvida quadros comunicacionais que Primeiramente, porque argumentar é um
tornam todas as argumentações que se tenta erro corriqueiro de muita gente: como aceitar
manter radicalmente falaciosas. não ser engajado, não saber, não dar opinião?
Sob algumas condições, pode-se ser O gosto de argumentar a favor ou contra tudo
e qualquer coisa pode tornar-se uma doença, a
categoricamente posto em posição de ter de
mania de ter sempre razão, uma miserável
assumir uma posição que se rejeita Se eu apoio
máscara da vontade de poder; apliquemo-nos,
com firmeza a posição X diante de B, eu
antes, a descrever e relatar de modo próprio.
coloco B em posição de oponente, mesmo se,
Poder-se-ia desenvolver esse discurso contra o
no fundo, ele estiver de acordo comigo sobre a
debate, contra a argumentação.
posição X (sem dúvida tenho alguma razão
obscura em querer debater com ele). Um tom Em seguida, porque a crença argumentativa
“veemente” desempenha um papel essencial (“por indução”) será sempre considerada
nesse posicionamento do interlocutor. inferior à crença pela afirmação simples;
Newman formulou essa ideia de forma
A argumentação é estruturada por uma
particularmente enérgica, primeiro em epígrafe
diferença, uma oposição de papéis:
de sua Gramática do assentimento
Proponente, Opositor ou Terceiro. Ora, uma
(1870/1975), pela boca de Santo Ambrósio.
determinada situação pode ser estruturada por
diversos papéis de um tipo completamente

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
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2011.
É a última objeção que, na verdade, é a
Não é na dialética que agradou ao Senhor
mais grave. [...] É verdade também que
salvar seu povo,
tentar debater seria admitir o inadmissível
argumento das duas “escolas históricas”, a
ou então: “revisionista” e “a exterminacionista.”
Haveria, como ousa escrever um panfleto
Muitos são capazes de viver e morrer por de outubro de 1980 [...], os “partidários da
um dogma; ninguém gostaria de ser mártir existência das ‘câmaras de gás’ homicidas”
por uma conclusão (p. 153); e os outros, como há partidários da
cronologia alta ou da cronologia baixa
Para a maioria das pessoas, a argumentação pelos tiranos de Corinto. [...]
torna o ponto em questão ainda mais
duvidoso e consideravelmente menos Do dia em que R. Faurisson, universitário
impressionante (p. 154). devidamente habilitado, ensinando em uma
grande universidade, pôde se expressar no
Foi por isso que Tomás de Aquino Le Monde, pronto para ser refutado de
discutindo a questão “Devemos discutir em imediato, a questão deixava de ser marginal
público com os incrédulos?” destaca dentre os para se tornar central, e aqueles que não
tinham um conhecimento direto dos
argumentos negativos que “a religião é uma eventos em questão, os jovens
coisa muito certa; uma disputa pela sua própria principalmente, tinham o direito de
natureza, a coloca em dúvida” (DAYAN, perguntar se se queria esconder algo deles.
1991, p. 44; DAYAN, 1999, p. 353). Daí, a decisão tomada por Les Temps
modernes e por Esprit de responder.

3.4 Refutar P reforça P; não fazê-lo, ainda Responder como, já que a discussão é
mais. impossível? Procedendo como se faz com
um sofista, ou seja, com um homem que se
Sabe-se muito bem que é melhor ser parece com aquele que diz a verdade, e do
criticado do que ignorado, e que ser a fonte de qual é preciso desmontar, peça por peça, os
uma polêmica é sempre considerado como argumentos para desmascarar a falsa
aparência (P. Vidal-Naquet. Un Eichmann
uma posição ideal. Procurar os contraditores é
de papier. In: Les assassins de la
sempre uma estratégia argumentativa. mémoire. Paris: La Découverte, p. 11-13).
Inversamente, valida-se um discurso
provocando nele uma contradição. O ato se Tem-se aí a variante linguística de um
opor, colocando um discurso contra, provoca efeito geral muito conhecido das estratégias:
uma questão que, por retroação, legitima os espalhar sua força pode impressionar o
discursos que lhe respondem. P. Vidal-Naquet adversário, mas também pode fazê-lo parecer
descreveu de forma excelente essa armadilha mais impressionante em virtude do paradoxo
argumentativa no caso do discurso do mais forte:
negacionista.
A força espalhada, longe de minimizar o
Por muito tempo hesitei antes […] de inimigo, o fazia crescer (P. Miquel, La
escrever essas páginas sobre o pretenso guerre d'Algérie, p. 190).
revisionismo, a cerca de uma obra da qual
os editores nos dizem sem rir: “os A atualidade fornece regularmente novas
argumentos de Faurisson são sérios. É ocorrências:
preciso responder-lhes”. As razões de não
falar eram diversas, mas de valor desigual. Roger Garaudy “duvida” ainda da
[...] Enfim, responder, não seria acreditar
existência das câmeras de gás.
na ideia de que havia efetivamente debate,
e fazer publicidade de um homem que é
Mais adiante no livro, Roger Garaudy
intensamente ávido por ela? [...]
evoca Shoah, o filme de Claude Lanzmann,

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que ele trata como “um péssimo filme”.
“Vocês falam de ‘Shoah business’, vocês 3.5 É sempre legítimo problematizar?
falam que esse filme traz somente (opor-se / propor)
testemunhas sem demonstração. É uma
forma de dizer que as câmeras de gás não É a questão da certeza. Estamos certos de
existem”, sugere o presidente. “Certamente quê? Podemos debater o quê? Questionar,
não, protesta Roger Garaudy. Até que um
debate científico e público não seja
produzir um discurso de proposição, é exercer
organizado sobre a questão, a dúvida será seu direito de expressão, o que Bruno Latour
permitida” (Le Monde, 11-12 jan. 1998, p. chama “a liberdade de opinar”. No mesmo
7). sentido, van Eemeren & Grootendorst (1996)
colocam, como Regra 1 para a discussão
Aqui, o revisionista não se arrisca; ele crítica, que:
reivindica a posição do Terceiro. Ele pode
mesmo dizer que o presidente comete um Os parceiros não devem resistir à expressão
sofisma de argumentação sobre a ignorância ou à dúvida dos pontos de vista (p. 124).
(dizer que não se prova P, não é dizer não-P). É a posição, cuidadosamente argumentada,
Vê-se bem aqui que a refutação não poderia se de Stuart Mill:
prender ao discursivo, mas que ela deve
manifestar um saber: aqui a afirmação é falsa, If all mankind minus one were of one
pois o trabalho científico está feito. opinion, mankind would be no more
justified in silencing that one person than
O exemplo seguinte propõe uma variante he, if he had the power, would be justified
dessa estratégia formidável. O mesmo ator in silencing mankind. » (1859/1987, p.
76).8
atua em dois papéis fazendo-se Opositor de
uma Proposição que ele enuncia; uma
Temos, no entanto, o direito de duvidar de
refutação fraca de P reforça P.
tudo e de qualquer coisa? A resposta de
Gérard Chauvy comparece à difamação de Aristóteles é não (notaremos que ela se apoia
Raymond e Lucie Aubrac. em dois tipos de evidência, a evidência
sensível e a evidência moral):
Ele tinha citado uma memória de Klaus
Barbie descrevendo-os como resistentes Não se pode, enfin, examinar toda tese nem
“regressados”. todo problema: é somente no caso em que a
dificuldade é proposta por pessoas à
Gérard Chauvy, que afirma ter tido procura de argumentos, e não quando é
conhecimento da memória de Klaus Barbie uma punição que ela requer ou quando é
em 1991, foi o primeiro a assegurar a essas suficiente abrir os olhos. Aqueles que, por
sessenta páginas que circulavam com exemplo, questionam-se para saber se é
discrição, uma difusão pública, necessário ou não honrar os deuses e amar
reproduzindo-os in extenso nos anexos de seus pais só precisam de uma boa correção,
sua obra. Por isso, ele toma parte das teses e aqueles que perguntam se a neve é branca
como sustenta a parte civil? As reservas ou não só precisam olhar (Tópicos, I, 11).
que essa memória pareciam lhe inspirar são
apenas uma manobra a mais para lhe dar Esses posicionamentos gerais,
crédito? De qualquer modo, esse
descontextualizados, fazem abstração das
documento está no centro do debate (Le
Monde, 7 fev. 1998, p. 10). condições pragmáticas de “disputabilidade” de
proposição dada: não se discute
O Proponente é fraco quanto ao que necessariamente qualquer coisa com qualquer
sustenta o peso da prova. É forte, pois ele cria pessoa, em qualquer circunstância (não
uma questão.
8
J. S. Mill. On Liberty. Penguin Books, 1859/1987.

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importam quando, onde, como, para que também um discurso, e um discurso
finalidade...). Perelman & Olbrechts-Tyteca emocionado. Bally o lamenta:
são muito sensíveis ao “qualquer um”:
§166. Segundo exemplo: a noção de
Há seres com quem qualquer contato pode valor. Segue agora um caso mais especial.
parecer supérfluo ou pouco desejável. Há Nosso pensamento (e é uma das causas de
seres para os quais não nos preocupamos sua incurável impotência) adiciona
em dirigir a palavra; há também aqueles espontaneamente às mínimas percepções
com quem não queremos discutir, mas nos uma “ideia de valor”, ou seja, que um
contentamos em lhes dar ordens obscuro instinto de conservação se volta
(1958/1970, p. 20) todo para o nosso eu, a nossa vida, ao
nosso bem-estar. O primeiro resultado
dessa enfermidade é que nossas percepções
3.6 A argumentação é afetiva são acompanhadas de sentimento de prazer
ou de desgosto; [...] (1951, vol. 1, p. 152).
Van Eemeren & Grootendorst (1996)
propõem o seguinte exemplo de argumentação As argumentações contestadas partem de
falaciosa pela “exploração das emoções emoções para discutir valores e interesses. A
negativas... dos preconceitos étnicos...”: problemática moderna dos valores (“em nome
de...”) remete às problemáticas da
Como emoções positivas exploráveis,
citamos os sentimentos de segurança e subjetividade da afetividade e das orientações
lealdade; como emoções negativas, o medo, argumentativas. Quanto aos interesses, se eles
a avidez e a vergonha. As emoções devem ser diferenciados dos valores, é
negativas coletivas estão geralmente possível trazê-los facilmente à célebre trilogia
ligadas aos preconceitos sociais e étnicos.
“honos, uoluptas, pecunia”, o poder, o prazer,
Assim que entram em jogo tais emoções
coletivas, a identificação com o interesse o dinheiro. Somente o último foi etiquetado
do grupo exerce um papel essencial. (ad pecuniam), mas certamente falar-se-ia
Quanto mais essas emoções serão presentes tanto de argumento ad uoluptatem quanto de
no meio do grupo, mais elas serão argumento ad honorem. O questionamento dos
eficientemente exploráveis por um
valores e dos interesses são acompanhados
argumentum ad populum. Assim, o locutor
que deseja, por exemplo, reduzir o número forçosamente de emoção.
de estrangeiros em uma zona residencial Lembramos rapidamente (i) qual direção
valorizada se contentará em recorrer ao
interesse coletivo da assistência postulando pode tomar a discussão das argumentações
o preconceito segundo o qual a abertura aos fundadas sobre os valores, e (ii) que não há
estrangeiros pode comprometer a razão para denegrir o apelo aos valores como a
identidade do grupo. Se ele consegue identidade de grupo ou os interesses
simultaneamente colocar em jogo os financeiros. Suponhamos de fato que a
interesses individuais pela evocação de um
prejuízo material (fazendo temer, por argumentação sobre os valores tenha a forma
exemplo, uma queda dos valores do silogismo prático seguinte:
imobiliários), toda discussão sobre esse
(a) V é um valor positivo/negativo V
tema torna-se praticamente supérflua (p.
151-152). (b) X promove/opõe-se ao valor V
Regra de ação: Deve-se combater, agir, em
Mas se não se discute com seus oponentes,
favor de seus valores
com quem, então? A discussão seguinte se
inscreve no quadro da tese segundo a qual toda (c) Reforcemos / combatamos X!
construção linguístico-cognitiva de um evento
é acompanhada de uma construção afetiva
desse mesmo evento. O discurso verdadeiro é

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Aplicada à questão da identidade, esse talvez o domínio de exercício por excelência
“silogismo de valores” fornece o seguinte da argumentação. Nesse caso, a dedução não
encadeamento: deve se operar a partir de (1), mas de (1'):
(1) A identidade do grupo é um valor (1') O valor fundamental que rege as
positivo relações humanas não é a identidade grupal,
mas a fraternidade
(2) A abertura aos estrangeiros coloca em
perigo a identidade do grupo • Rejeição da premissa (2): A abertura
(3) Combatamos a abertura aos estrangeiros, para os estrangeiros leva/não traz prejuízo a
fechemos nossa fronteiras e nossos bairros! esse valor. Trata-se, agora, de determinar se o
apelo a tal valor está fundado ou não nessa
situação em questão “devemos receber os
(i) Rejeição desde a premissa (1) ou a
estrangeiros no nosso bairro?”. Pode-se
premissa (2)
admitir (1) e recusar (2), defendendo, por
• Recusa de operar exemplo, que a abertura aos estrangeiros
a dedução a partir da premissa (1): A fortalece a identidade do grupo, enriquecendo-
identidade do grupo é o valor que condiciona a a; ou então que a identidade do grupo é incerta
dedução? Todo valor afronta um contra-valor; há tanto tempo que ela não resistiu à prova de
ele pode e deve ser avaliado e criticado: é um abertura aos outros.
valor positivo ou negativo (um não-valor, um Nos dois casos, a conclusão será: se há algo
preconceito)? Qual é o seu grau de de falacioso, ou é o apelo a um valor que o
universalidade? Dizer que uma identidade do analista declara falacioso por essência, ou
grupo é um valor não é constituir o dito valor então é o recurso falacioso a tal valor em tal
em absoluto. contexto, mas de forma nenhuma o apelo aos
– Recusa da premissa (1): Pode-se, assim, valores em si mesmo. Esse recurso parece, ao
negar a conclusão (3) rejeitando a premissa contrário, fundamental em toda argumentação
(1): a identidade do grupo é um não-valor, que engaja os locutores, ou seja, precisamente
recusado pelo analista porque é sinônimo de nas trocas em que se pretende dar conta da
xenofobia, de etnocentrismo. Essa posição teoria da argumentação como “lógica não
constitui uma afirmação substancial sobre a formal”, ou “cotidiana”.
correção dos valores. Nesse caso, não é a
técnica argumentativa de apelo a um valor que (ii) Interesse e identidade não são valores
é invalidada, mas o apelo a esse valor; o diabólicos
contra-valor que funda essa rejeição, por É fácil mostrar que o apelo a valores como
exemplo, aquele que valoriza a “vila a “identidade do grupo” ou o “interesse
planetária” (a “mestiçagem”, “eu sou o financeiro” funciona nas argumentações de
outro”...) não deixa de ser um valor: não se aspecto perfeitamente digno, que constituem
pode excluir os valores, pode-se somente casos paralelos ao precedente.
trocá-los ou hierarquizá-los diferentemente.
– Para impor um regime de cota aos filmes
– Subordinação da premissa (1): a syldaves:
identidade do grupo é considerada como um
valor positivo, mas ela está subordinada a um (1) A identidade do grupo é um valor
outro valor mais alto, por exemplo, o valor (2) A importação agressiva de filmes
“fraternidade”. Encontramo-nos em um caso syldaves compromete a identidade do grupo
clássico de conflito de valores, que constitui

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(3) Limitemos a importação de filmes então, voltados à origem fundamentalmente
syldaves! interacional do objeto de estudos de
– Contra uma extensão das pistas do argumentação. Tomemos, por exemplo, os
aeroporto: discursos contra as testemunhas. Eles se
fundamentam sobre duas opções, exame do
Eu posso argumentar contra a extensão das fato, exame da testemunha; eles podem ser
pistas do aeroporto próximo do meu domicílio voltados para as seguintes linhas:
“pela evocação de um prejuízo material
(especulando, por exemplo, uma queda dos Contra as testemunhas:
valores imobiliários)”, através de uma – O fato não é acreditável, não é possível,
impecável argumentação ad pecuniam: não é verossimilhante.
(1) Meus interesses financeiros exigem no – A testemunha não é confiável:
mínimo a preservação do valor da minha – ela é interesseira, ela não é
casa sincera, ela mente.
(2) A extensão das pistas do aeroporto leva a – ela se engana: não há “a ciência
perda do valor da minha casa do fato”, ela não é competente, ela foi
Regra de ação: É legítimo defender seus abusada.
interesses – em outros casos em que seu
(3) Não à extensão das pistas do aeroporto! testemunho pôde ser verificado, seu
testemunho revelou-se falso.
Aí também, eu seria acessível a uma contra-
argumentação, me mostrando que o interesse – “Testis unus, testis nullus”: ela é
coletivo é um valor superior ao meu interesse a única a afirmá-lo, seu testemunho não
particular, e que deve então prevalecer, pode ser mantido.
sobretudo se ele vier acompanhado de uma –…
justa compensação financeira. Assim caminha Em outros termos, ter um espírito crítico
a racionalidade humana. frente a um testemunho é ser capaz de pôr em
prática, em um caso particular, a bateria de
4. Os “discursos contra” discursos críticos resumida abaixo, o que, a
No quadro anteriormente definido de uma propósito, exige, certamente, uma
abordagem da argumentação como aprendizagem substancial.
essencialmente interativa, linguageira, situada, Considera-se, então, que os locutores
afetiva e problematizante, a crítica da devem regrar eles mesmos seus diferentes, e
argumentação pode ser orientada para a noção que eles o fazem exercendo normalmente sua
de contra-discurso. Suponha-se que cada competência crítica discursiva, sem recorrer a
forma argumentativa (tipo de argumento) regras arbitrárias externas. Hamblin chama a
admite um contra-discurso: “Contra as atenção desse ponto:
testemunhas”, “Contra os experts”, “Contra a
analogia”, “Contra a causalidade”, “Contra as
definições”, “Contra as categorizações”,
“Contra as emoções” etc.9 Encontramo-nos, filosofia que põe em dúvida a existência e a
possibilidade do saber. Sextus Empiricus, IV. Against
the professors. Tradução inglesa de R. G. Bury. 1949.
9
Essa designação foi tomada o filósofo cético Sextus Sextus Empiricus. Esquisses Pyrrhoniennes.
Empiricus, cujo tratado Contre les professeurs inclui, Introdução, tradução e comentários de Pierre Pellegrin.
sobretudo, um livro “Contre les rhéteurs”. Os céticos Paris: Le Seuil (“Points”), 1997. F. Cossutta, Le
fazem da prática da refutação a essência de uma scepticisme. Paris: PUF (“Que sais-je ?”), 1994.

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Consider, now, the position of the onlooker (para Perelman, do discuso racional)10. A
and, particularly, that of the logician, who teoria das falácias baseia-se na exterioridade
is interested in analysing and, perhaps, de um sistema de normas (lógicas,
passing judgement on what transpires. If pragmáticas, comunicacionais) externas ao
he says “Smith's premisses are true” or diálogo, cuja eficácia supõe a existência de um
“Jones argument is invalid”, he is taking
part in the dialogue exactly as if he were a consenso sobre o que elas são por um lado, e
participant in it; but, unless he is in fact sobre suas condições de aplicação por outro
engaged in a second-order dialogue with lado. A discussão anterior tende a substituir,
other onlookers, his formulation says no nesses diversos sistemas, uma abordagem
more than the formulation “I accept Smith's imanente do diálogo, em que a única norma do
premisses” or “I disapprove of Jones's
argument”. Logicians are, of course, discurso é um contra-discurso. Do ponto de
allowed to express their sentiments but vista político, essas últimas abordagens
there is something repugnant about the idea conhecem uma limitação essencial, pois,
that Logic is a vehicle for the expression of parafraseando Poulantzas, não conseguiríamos
the logician's own judgements of secar com a colher de chá da crítica o oceano
acceptance and rejection of statements and
arguments. The logician does not stand de besteiras, de infâmias e de erros.
above and outside practical argumentation A análise do discurso, em sua primeira
or, necessarily, pass judgement on it. He is
not a judge or a court of appeal, and there is
maneira (AD)11, desenvolvida na França
no such judge or court: he is, at best, a durante os anos 70, estava ligada a
trained advocate. It follows that it is not the perspectivas, engajamentos e ambições
logician's particular job to declare the truth políticas, sociais ou epistêmicas mais radicais.
of any statement or the validity of any O parágrafo seguinte relembra que a análise do
argument.
discurso e a análise da argumentação
While we are using legal metaphor it might construíram-se a partir de projetos de pesquisa
be worth while drawing an analogy from que, em seus inícios, se ignoravam totalmente.
legal precedent. If a complaint is made by a
member of some civil association such as a
club or a public company, that the officials 5. AD e Análise da Argumentação:
or management have failed to observe Histórias paralelas.
some of the association's rules or some part
of its constitution, the courts will, in
general, refuse to handle it. In effect the 5.1 Nova retórica e análise de discurso
plaintiff will be told: “Take your complaint Não dispomos, pelo que eu saiba, de
back to the association itself. You have all
the powers you need to call public
estudos sobre a recepção dos trabalhos de
meetings, move rescission motions, vote Perelman na França durante os anos 60 e 70,
the managers out of office. We shall no momento em que nasce a Análise do
intervene on your behalf only if there is an Discurso. O Tratado, publicado em 1958,
offence such as a fraud.” The logician's talvez tenha sido lido, o que está longe de ser
attitude to actual argument should be
something like this. (1970, p. 244-245,
comprovado, mas não foi realmente praticado,
itálicos no texto)
10
Cf. “... a importância primordial do auditório
Perelman faz da universalidade do auditório universal enquanto norma da argumentação objetiva”
a norma ideal do discurso retórico “forte” (Perelman; Olbrechts-Tyteca 1958/1976: 40)
11
A notação AD refere-se a abordagens de análise de
discurso desenvolvida na década de 70, referindo-se a
uma constelação de autores (M. Foucault, M.
Pêcheux...) e a problemáticas (históricas,
epistemológicas, marxistas, psicanalíticas...).

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e, de qualquer maneira, sua influência foi 70, marcada pelas grandes figuras de
extremamente limitada. Essa afirmação deve Althusser, Deleuze, Foucault, Lacan, Pêcheux,
ser moderada em dois pontos: por um lado, os para citar alguns. As orientações intelectuais e
trabalhos ligados à Nova Retórica – que ideológicas dominantes, tão contraditórias
melhor valeria chamar de retórica neo-clássica entre si quanto poderiam ser, rumavam,
– sempre foram conhecidos e discutidos nos contudo, globalmente, no sentido de visões do
meios especializados dos filósofos do direito. discurso em oposição radical ao programa
Por outro lado, essa corrente constitui uma geral da Nova Retórica. A oposição é evidente
referência muito bem estabelecida pela Escola no terreno sócio-político. O programa político,
de Neuchâtel, com Jean-Blaise Grize e de então em vigor, favorecia a contestação não
Marie-Jeanne Borel, como mostram os temas verbal e a radicalização dos conflitos, em total
dos primeiros números da coleção Travaux du oposição ao programa de negociação e de
centre de recherches sémiologiques (= CdRS) mediação racionais, conduzidas entre atores
(trabalhos do Centro de Pesquisas razoáveis, que acompanha a Nova Retórica.
Semiológicas), no início dos anos 70. 12 Em segundo lugar, a AD põe política na teoria
A tabela geral nos anos 70 teria então o do discurso, ou seja, ela considera que noções
seguinte aspecto. Na Bélgica, a argumentação de sujeito, de sentido, de escolha e de
retórica desenvolve-se com Perelman, cuja intenção, fundamentais para a retórica, são do
influência é imediata nos Estados Unidos, nos “velho mundo”
“Speech Departments” e nos Departamentos clássico/tradicional/conservador/reacionário, e
de Comunicação que integram a retórica. Na que sua rejeição constitui, então, um ato
Suíça, a lógica natural propõe político fundador (ver subseção 7).
desenvolvimentos lógicos e cognitivos, Desde os anos 90, me parece que a análise
baseados na linguística de Culioli, e no quadro da argumentação integra-se a uma análise de
intelectual marcado por Piaget. Mas na França, discurso cuja problemática foi deslocada,
pelo que eu saiba, nada de notável aparece no considerando objetos mais complexos,
domínio da teoria ou da prática da sobretudo interacionais, levando em conta as
13
argumentação retórica ; a Nova Retórica não noções operatórias (esse ponto é desenvolvido
aparece como um fato cultural importante (em na subseção 7) menos imediata e
particular, ela não tem nenhuma influência na sistematicamente preocupada em implantar
educação). Essa situação prevaleceu até mais diretamente um dogma político na mínima
ou menos a “volta” de Perelman, no fim dos observação – no ponto em que a análise da
anos 80. argumentação poderia bem representar, volens
Para compreender essa assincronia, é nolens, a corrente crítica mais viva e mais
preciso levar em conta a atmosfera dos anos fértil na análise do discurso atual.

12
5.2 Segunda fonte: a argumentação na
Por exemplo, Vignaux, La nouvelle rhétorique. língua
Revue critique et perspectives d'application. (CdRS
1, 1969-70); Borel, Pour définir l'argumentation Na França, a relegitimação dos estudos de
(CdRS 3, 1969-70); ou Grize (éd.), Logique de argumentação não aconteceu com Perelman,
l'argumentation et discours argumentatifs (CdRS 7, mas com Ducrot (Les échelles
1971).
13
Mesmo fazendo a Roland Barthes a homenagem que argumentatives, 1973) e com Ducrot &
lhe é devida, não se pode comparar seu ensaio sobre Anscombre (L’Argumentation dans la
“L’Ancienne Réthorique” (1970) nem com o Traité langue, 1983). O conceito de argumentação
(1958), nem, na Alemanha, com o Handbuch der foi assim reintroduzido na pesquisa em
literarischen Rhetorik de Lausberg (1960).

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linguística em uma perspectiva semântica e “pragmatists”, cuja obra é amplamente
estrutural; reinscrito em um quadro estranha, ou em oposição, à AD (WILLIAMS,
saussureano que opõe a língua à fala, não só 199, p. 119, 151 etc.), e em que Perelman está
do lado do discurso – é uma diferença decisiva evidentemente ausente.
em relação a Perelman – mas também do lado Essas pesquisas apresentam-se então como
da língua, através do conceito (um pouco isolamentos teóricos14. O encontro entre
oximórico) de pragmática integrada. Falar de análise do discurso, retórica argumentativa e
“argumentação na língua” é considerar que a
argumentação na língua será feito somente
argumentação provém da competência mais tarde, sem dúvida, assim que todas essas
linguística. O fato de que esse conceito tenha
teorias tiverem sido trabalhadas a partir de
sido tão bem recebido, sem discussão nem dados menos restritos, menos associados aos
resistência, pode ser tomado como uma prova
domínios filosófico ou político, menos
da ausência completa de qualquer conceito condicionados pelas restrições teóricas a
neo-clássico de argumentação na época. Para priori, nas quais elas surgiram.
todas as teorias clássicas, a competência
argumentativa não é uma competência da
língua (no sentido saussuriano), mas 6. Reviravoltas de conjunturas
tipicamente uma competência de fala, de
discurso, o que implica, sobretudo, que não 6.1 Análise da argumentação e inversão da
basta falar para argumentar, e que a conjuntura
argumentação pode ser avaliada por outros
Como já vimos, poderia-se estimar a
critérios e não por aquele da boa formação
associação da análise da argumentação15 com a
gramatical do encadeamento “argumento +
análise do discurso como algo contra a
conclusão”: critérios lógicos, comunicacionais,
natureza, sendo a análise da argumentação, no
discursivos, por exemplo, como propõem as
mínimo, incapaz de levar em conta a visão
diferentes teorias de paralogismos, a nova
teórico-política ligada à AD, na pior das
retórica ou a nova dialética. A ideia de uma
hipóteses, ressaltando uma conjuntura hostil:
competência crítica discursiva é totalmente
estranha à teoria da argumentação na língua. [O percurso de Michel Pêcheux] encontra
subitamente a reviravolta da conjuntura
Essa constatação – que não é uma crítica,
teórica que surge na França a partir de
cada teoria não só tem o direito, mas também o 1975. Crítico da teoria e das coerências
dever de definir seus conceitos – basta para globalizantes, desestabilização das
mostrar que as relações da argumentação neo- positividades, de uma parte, e volta do
clássica com o conceito de argumentação “ na sujeito, fluindo em direção do vivido e do
indivíduo, de outra parte. Transformação da
língua” é problemática; a especificidade do
política em espetáculo! Era a grande
conceito semântico de argumentação é, por ruptura. Deixava-se o tempo da “luta das
outro lado, reconhecida por Anscombre classes na teoria” para entrar naquele do
quando ele fala de “argumentação em nosso “debate” (MALDIDIER, 1990, p. 8).
sentido” (1995, p. 16).
A teoria da argumentação na língua, não
mais do que com a Nova Retórica, não se
14
desenvolveu em relação com a AD dos anos Como acontece com a argumentação, os links da
1970: é possível ainda ver na obra de Williams análise da narrativa à análise do discurso e à análise
conversacional merecem um estudo mais aprofundado.
French discourse analysis, em que Ducrot e 15
Seria necessário falar de análises da argumentação,
Anscombre são considerados como alguns trabalhos misturando diversos modelos sem
preocupações teóricas excessivas.

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
Levemfous. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n.1, p. 17-37, nov.
2011.
Independentemente do relatório de boa ou perspectiva atomística. Maldidier (1990)
má conduta política que convém concernir à atribui a Certeau uma influência fundamental
conjuntura retórica, o recurso à argumentação na expansão do domínio da AD:
aparece atualmente útil para dar conta de um
conjunto de situações discursivas, marcadas Deslocando o “objeto dos discursos escrito-
legítimo-oficiais no registro dos diálogos,
pela afirmação ou pela elaboração de pontos réplicas, contos, histórias, e histórias
de vista contraditórios e pela necessidade de engraçadas, provérbios, aforismos...”
apoiar um discurso que o interlocutor se nega a ‘[Nota manuscrita de M. Pêcheux] parecia
ratificar. Ainda há um pouco de dialética no oferecer à análise de discurso o objeto que
debate, e a contradição não é sempre “na ela procurava. (p. 74)
teoria”. A questão do sujeito e aquela do
corpus são bons exemplos de domínios em que A expansão dos dados linguageiros
apareceram as evoluções que acabaram nessa tomados em consideração não parece,
situação. entretanto, ir até os dados interacionais:

Já se chamava de interação, o dialogismo.


6.2 Dados Michel Pêcheux fez questão, desde essa
época, de apresentar uma postura clara: a
Sabe-se que os primeiros corpora de AD questão do sentido não pode ser resolvida
são corpora sócio-políticos, geralmente na esfera das relações interindividuais, não
tomados em uma perspectiva militante. A mais naquela esfera de relações sociais
pensadas no modo de interação. (p. 53)
priori, tais corpora não são diferentes dos
objetos da análise retórica16; contata-se, então, No entanto, foi a tomada em conta de
que os primeiros exemplos de “formações corpus de interações que exerceu um papel
discursivas” parecem muito com os sistemas motor na evolução das práticas e dos conceitos
de regras correspondentes aos gêneros em análise de discurso, tanto quanto na análise
retóricos mais tradicionais: arenga, sermão, da argumentação. É claro que isso traz
pasquim, seminário, programa: consequências. Assim, quando se trata de
As formações ideológicas [...] comportam dados de fala ordinária, a discussão das
necessariamente, como um de seus condições de produção, no sentido político-
componentes, uma ou várias formações social, está numa execução impossível de
discursivas interligadas, que determinam o avançar com um mínimo de substância, e não
que pode e dever ser dito (articulado na esclarece muita coisa. As etiquetas políticas
forma de uma arenga, de um sermão, de um
pasquim, de um seminário, de um parecem servir somente para mascarar
programa etc.) a partir de uma posição dada atribuições de posições arbitrárias. A questão
em uma conjuntura dada (PÊCHEUX apud da produção é, a partir daí, trazida – ou
MALDIDIER, 1990, p. 24). reduzida – àquela do contexto, das condições
de comunicação, do formato interacional. É
É preciso destacar que a análise de discurso possível ver o desabamento das ambições
problematiza melhor a questão da constituição teóricas e políticas, ou a aprendizagem de um
dos corpora, enquanto a análise neo-clássica realismo, único capaz de dar para a análise um
da argumentação se contentava em recolher pouco de substância.
séries de exemplos chamativos, em uma
De modo geral, a AD é definida pela recusa
coerente de um grupo de noções (das quais se
16
Essa constatação remete à deslegitimação oficial da assegura que a tradição as tem como simples e
retórica no fim do século XIX, pelo que ela perdeu o
evidentes, o que está longe de ser o caso),
estudo dos discursos contemporâneos, e, em primeiro
lugar, o discurso de propaganda. entre as quais:

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
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o sujeito individual e coletivo, a controla todos os termos, cuja resposta é
comunicação intersubjetiva (p. 50) difícil, e que trará consequências concretas
para o grupo e para o indivíduo. O sujeito
as palavras comunicam um sentido, há planifica estrategicamente seu discurso (pode
pessoas e há coisas, subjetivo e objetivo, ser uma estratégia boa ou ruim), na realidade
emocional (retórica) e cognitivo (lógico)...”
(p. 37) de um confronto com um adversário que é
impossível de dominar fisicamente ou de
Todos esses conceitos se encontram exorcizar simbolicamente. Ele se entrega a um
criticados e retrabalhados (e não apenas trabalho enunciativo difícil, orientado em
exorcizados) na análise do discurso função de objetivos exibidos ou dissimulados,
argumentativo. Outros conceitos-chave estão visando a dividir (ou preferir) representações,
igualmente traduzidos – ou traídos, por discursos e a incentivar a uma tal linha de
exemplo “interdiscursividade” (que tem papel ação. É um sujeito manipulador ou
fundamental na constituição de corpora manipulado17 agente, capaz de jogar e de usar
especificamente argumentativos); ou de astúcia com as formações ideológicas e
“delinearização” (mas a atribuição linear, de discursivas, em função da situação concreta
um sistema coerente de etiquetas capazes de em que ele se encontra e, nessa situação,
caracterizar as diferentes operações sempre há, diante ou longe dele, um parceiro
argumentativas, não é uma tarefa fácil ou que nega ou se questiona, constituindo a
subalterna). norma tangível de sua fala. É por isso que a
argumentação está irredutivelmente no
Essas críticas abrem à pesquisa o campo enunciativo e no interativo, em um perpétuo
das determinações epistêmicas, sociais ou vai e vem entre o face a face e o reflexivo, do
psicanalíticas, inacessíveis à consciência e ao qual o motor é a contradição.
controle do sujeito (os indivíduos nem
possuem nem negociam o sentido de suas A integração a esse quadro geral dos dados
falas), mas declarados exprimíveis em certos retóricos clássicos não causam nenhum
quadros teóricos (a análise dá sentido aos problema particular. Trata-se de um gênero de
discursos). Essa posição instaura um abismo interação bem determinada (interatividade
entre prática científica e práticas ordinárias, restrita, estrutura de troca codificada
entre o saber ordinário do sentido e das institucionalmente), tomando o que Goffman,
práticas e as consciências sábias; a pesquisa na sua análise de situações de fala, chama de
não pode ser restituída aos indivíduos que “monólogo de palco” (1987, p. 147), e que
permanecem irremediavelmente como sendo constitui uma espécie de hiper-gênero que
os objetos. reúne “discursos políticos, comédias,
conferências, recitações, leituras poéticas... a
lavanderia não é mais o único lugar onde se
6.3 Sujeito, papel, posição
conversa” (id.). Nada tem o direito de limitar o
A noção de sujeito e de suas máscaras (das estudo da argumentação às falas retóricas
quais a mais conhecida tradicionalmente é a “palco”: os instrumentos interacionistas
máscara do ethos) é levada em conta na análise permitem analisar as confrontações em um
do discurso argumentativo, para a qual há algo lugar, processos enunciativos que se produzem
verdadeiramente emocional e cognitivo no tipo em paralelo (co-construção, cooperação) ou ao
de discurso que constitui seus objetos por
excelência. Tais discursos são produtos em 17
Em tudo isso, porém, nada se opõe à existência de
resposta a um problema posto determinações profundas que pesam sobre o “sujeito”,
independentemente do locutor, que não de natureza psicológica e social, mas trata-se, aqui, de
outros objetos de pesquisa.

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
Levemfous. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n.1, p. 17-37, nov.
2011.
contrário (construção por oposição). Assim direto, pelos nomes e pelas marcas da
que a confrontação acontece em um grupo, o segunda pessoa” (id).
encontro com psicologia social é inevitável. Enunciador/destinatário: “arbitrariamente,
Todo mundo concorda sobre a necessidade o chamarei enunciador e destinatário,
de intervir em toda análise de discurso uma respectivamente, a pessoas a quem é
atribuída a responsabilidade de um ato
série de instâncias enunciativas e de instâncias ilocucionário e aquela a quem esse ato é
de recepção; a questão urgente parece ser direcionado” (1980, p. 38).
aquela de sua definição, de sua articulação
teórica, das condições de sua aplicação correta c) A questão do sujeito falante é central à
em um caso dado. Lembremos algumas noção goffmaniana de quadro participativo. O
distinções fundamentais. quadro participativo é caracterizado pela
interação de duas instâncias complexas, uma
a) Austin distingue três tipos de atos, que
de produção da fala, outra de recepção
determinam funções enunciativas:
(ratified participants, addressed ou
ato fonético: “produzir certos sons”, unaddressed) opostos aos bystanders
(overhearers ou eavesdroppers) (Cf. Goffman
ato fático: “produzir certos vocábulos […] 1987, p. 154ss, 173ss); Kerbrat-Orecchioni:
segundo uma certa construção […] e com Cap. 2) O formato de produção descreve-se
uma certa intonação”
com a ajuda de um conjunto de quatro
Ato rético: empregar um fema (produto do personae18: animator, author, figure e
ato fático) com “um sentido […] e uma principal.
referência [...]” (AUSTIN, 1962/1970, p.
108). Animador [Animator]: a máquina falante.
Ele corresponde ao responsável do ato
b) No quadro de uma linguística da fonético em Austin, e a certas funções do
sujeito falante de Ducrot.
enunciação, Ducrot (1980) opõe o sujeito
falante, o locutor e o enunciador, Autor [Author]: escolhe os pensamentos e
respectivamente, ao auditório, ao alocutário e as palavras para codificá-los. Aquele que
ao destinatário. cita é o animador das palavras, que as toma
sem ser seu autor (SCHIFFRIN, 1990, p.
Sujeito falante/auditório: o sujeito falante é 242). Na terminologia de Austin, diríamos
“o ser empírico” ao qual correspondem que o autor efetua atos fáticos e réticos.
todas as determinações naturais da fala (“o
processo psicológico, até mesmo Figura [figure]: corresponde à imagem de
fisiológico, que está na origem do si no discurso, o ethos.
enunciado, ... as intenções, os processos
cognitivos que tornaram [os enunciados] Responsável [principal]: “no sentido
possíveis”, 1980, p. 34). Na ordem da jurídico do termo… uma pessoa que age
recepção, ao sujeito falante corresponde o sob uma certa identidade, em um certo
auditório “pessoas que, simplesmente, papel social” (GOFFMAN, p. 154) “O
ouvem o discurso [ou mesmo] que o mesmo individuo pode mudar rapidamente
escutam” (1980, p. 35). de papel social em que ele age, mesmo que
ele mantenha constante sua qualidade de
Locutor/alocutário: “um enunciado animador ou de autor” (id.)
apresenta-se como produzido por um
locutor, designado em francês, salvo no In short, the animator produces talk, the
discurso feito no estilo direto, pelo nome author creates talk, the figure is portrayed
ou pelas diferentes marcas da primeira through talk, and the principal is
pessoa (op. cit., p. 35). “O alocutário é
designado, salvo no discurso feito no estilo 18
Sigo a apresentação proposta por Schiffrin (1990).

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PLANTIN, Christian. Análise e crítica do discurso argumentativo. Tradução de Rodrigo dos Santos Mota; Sébastien
Giuliano Giancola; Thaise Almeida dos Santos. Revisão da tradução de Moisés Olímpio Ferreira; Sérgio Israel
Levemfous. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n.1, p. 17-37, nov.
2011.
responsible for talk (SCHIFFRIN, 1990, p. 3. Existe um continuum desde as mudanças
241). de postura, das mais visíveis até as
mudanças de tom mais sutis.
A consideração dos tipos discursivos
introduz novos papéis: narrador e narratário 4. Se há fala, uma alternância de códigos é
normalmente observada ou, no mínimo,
para a narração; proponente, opositor e uma modificação das marcas que os
terceiro para a argumentação; especialista e linguistas estudam: altura, volume, ritmo,
leigo para a explicação. Os gêneros acentuação, qualidade tonal. [...] (1987, p.
interacionais trazem igualmente seus lotes de 137)
papéis profissionais ou ocupacionais: vendedor
e cliente para as interações da loja; professor e A análise da argumentação se integra a uma
alunos para as interações didáticas; médico e análise do discurso utilizando a noção do
doente para as interações terapêuticas etc. papel; vê-se que o risco principal não está do
lado da visão unitária do sujeito falante. Essa
Todos os papéis sociais convidam-se à abordagem através da noção do papel perde,
análise. Rocheblave-Spenlé (1969) distingue: talvez, o que constitui o essencial para a AD e
lhe dá sua vivacidade epistêmica, política,
Os papéis institucionais: os papéis da
sociedade global (homem honesto, psicanalítica e social.
gentleman, “swell guy”...); os papéis
“biossociais” (idade, sexo, cor da pele ...); 7. Formas de falar dos discursos
os papéis de classe social: burguês,
aristocrata (uma maneira de se vestir, uma Provavelmente popularizando, a fala sobre
linguagem, lazeres...); papéis profissionais; o discurso trocou de registro estilístico. O
papéis de associação (sindicatos, partidos
políticos, esportes, religiões...); os papéis
conceito pode ser revestido de uma aura,
familiais (marido, mulher, filho, pai, tio...). esquematizado em uma perspectiva disfórica,
apreendido em uma espécie de terror sagrado:
Os papéis de grupos restritos: o papel de
chefe em correlação aos papéis de Eu suponho que em qualquer sociedade a
membros (o encorajador, o mediador, o produção do discurso é, ao mesmo tempo,
negador, o isolado, o líder...) controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por um certo número de
Os papéis pessoais: todos os modelos procedimentos que têm como papel
pessoais apresentados pela mídia, pelo conjurar os poderes e os perigos, dominar o
rádio, pelo cinema (a vedete, a estrela...). evento aleatório, esquivar a pesada, a
temida materialidade (FOUCAULT, 1971,
Essas distinções são indispensáveis p. 11).
principalmente para a análise da posição, tal
como ela é definida por Goffman19: A visão do discurso e do social, da qual
participa a análise argumentativa, é, sem
1. A postura, a atitude, a disposição, o eu dúvida, menos grandiosa, mais técnica,
projetado dos participantes estão, de certa ritualista ou construtivista, de acordo com as
forma, em causa. situações. De qualquer forma, o analista não é
o grande padre do discurso.
2. Essa projeção pode ser mantida ao longo
de uma sequência comportamental de
duração inferior ou superior àquela de uma Referências
frase gramatical […]
ANSCOMBRE J.-C. Théorie des topoï. Paris: Kimé,
19 1995.
O termo “posição” encontra-se em Foucault (1969),
cf. “La formation des modalités énonciatives” e “La
fonction énonciative”.

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