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Belo Horizonte
Maio de 2014
Wanderley Guilherme dos Santos inicia a sua obra chamando a atenção para a
grande ênfase que sempre fora dada, nos estudos sobre a era Vargas, às conquistas do
trabalhador e ao regime autoritário que fizeram parte do seu governo, ao passo que
outro importante aspecto deste período tem sido negligenciado: a grande e decisiva
contribuição de Getúlio Vargas para a construção do Estado nacional brasileiro.
São tantas as críticas severas que se fazem ao governo varguista, baseadas nas
iniciativas incondicionadas do presidente, que chegam a obscurecer as análises das duas
políticas enquanto resposta a estímulos e desafios propostos pelas circunstâncias.
Logo que assumiu o governo do país, após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas
se defrontou com uma crise econômica iniciada em 1929, que acometia o sistema
capitalista global. Visto que não possuía nenhum controle sobre a crise, só lhe restava
tentar diminuir seus impactos no território nacional, e a estratégia adotada foi a de
mobilização dos recursos materiais e talentos humanos. Além disso, o governo
brasileiro – tendo Vargas à frente – percebeu que se encontrava simultaneamente diante
de três das crises que fundamentalmente afetam os estados que ingressam na
modernidade: a crise da integração, de participação e de redistribuição.
Diante de todas as acusações que se tem feito, tanto na academia quanto entre a
população geral, de que há uma hipertrofia na burocracia brasileira, assim como que
muitos destes cargos têm sido usados por políticos enquanto moeda de troca, Wanderley
Guilherme dos Santos se debruça acerca desta questão, e tenta mostrar, com base em
diverso material empírico, em que medida estas acusações são cabíveis ou não. Este
clientelismo, aliás, teria sido herança da era Vargas, precipuamente, devido à expansão
da burocracia pública, em maior grau na sua vertente reguladora.
Desde a República Velha o Estado vinha intensificando cada vez mais seu papel
regulador. Neste período, o Estado passou a regular a produção nacional do café e a
determinar o preço de vários produtos; estabeleceu mecanismos de proteção do produto
nacional. Com a chegada de Vargas ao poder, esta função reguladora do estado se
intensificou.
Entre 1940 e 1954, o Estado brasileiro esteve no seu auge, enquanto agente
produtor, pois é quando surgem a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale
do Rio Doce, a Companhia nacional do Álcalis e a Companhia ferro e Aço de vitória.
Triste fato, porém, é que todos estes órgãos que foram criados pelo governo
durante a era Vargas tiveram o seu corpo burocrático formado em grande parte por
pessoas ineficientes na sua função, podendo-se falar, portanto, que houve neste período
uma segunda fase de patronagem e clientelismo.
Enfim, “pelo lado dos créditos e dos débitos, dos sucessos e dos fracassos,
percebe-se de maneira incontroversa a extraordinária velocidade com que Getúlio
Vargas, em seus dois estágios no poder (cerca de vinte anos, aproximadamente),
assentou a estrutura material do Estado Nação em solo brasileiro” (p. 33).
Outra hipótese que o autor considera válida é a de que algumas das atividades
relativas às fontes hidráulicas, minerais e energéticas eram reguladas tendo-se por base
cálculos estratégico-militares, além de buscar, ao mesmo tempo, “nacionalizar os
recursos naturais do país e promover a implantação de setores indispensáveis à
constituição de uma economia industrial moderna” (p.42). Ademais, o Estado se viu
forçado a tomar as rédeas de alguns setores, como aço e petróleo, devido à inexistência
de um empresariado nacional capaz de assumir os riscos de empreendimentos deste
tipo.
Assim que as empresas estatais de produção foram criadas, estas passaram a ser
alvos de constantes críticas quanto à sua (in)eficiência. O parâmetro de julgamento era
baseado no mesmo que se usava para empresas privadas: a maximização do lucro.
Assim, na busca por essa maximização de lucro a curto prazo, as empresas públicas se
viam obrigadas a buscar mais que sua sustentabilidade, mas, sim, a expandirem-se cada
vez mais.
Diante do intenso processo de expansão estatal que o Brasil adentrou a partir dos
anos 1930, seria esta uma explicação bastante razoável para a expansão burocrática à
que a administração pública assistiu. Entretanto, o autor observa com atenção a
estimativa de Hintze, segundo a qual “os limites da expansão organizacional são dados
apenas pela capacidade de administrar e controlar os espaços adquiridos pela
burocracia em expansão” (p. 46). Esta capacidade, não obstante, pode ser derivada de
aperfeiçoamento do corpo de burocratas, e desta maneira a burocracia poderia se
expandir mesmo em face da diminuição do número de burocratas (menos pessoas
fazendo mais e melhor). Assim, o crescimento da burocracia brasileira pode não ser
consequência direta da expansão da máquina estatal.
Outras teorias da expansão burocrática são apresentadas por Wanderley
Guilherme dos Santos, como a de Niskanen, segundo a qual o crescimento burocrático
decorre de um impulso maximizante, tanto de outputs quanto de uma maximização do
orçamento posto à disposição da burocracia. Hobbes, por sua vez, fundamenta a
expansão burocrática baseada num impulso por acúmulo de poder. Contudo, está
contido de alguma forma, em todas essas teorias, certo elemento: uma tentativa de
reduzir as incertezas provenientes do meio ambiente, as quais são produzidas e
aumentadas toda vez que um novo segmento caí sobre seu controle. Portanto, se foi
dito acima que a expansão da burocracia estatal brasileira pode não ser uma
consequência direta da expansão das atividades do estado, aqui, por sua vez, vê-se que
este pode ter sido, sim, o motivo da expansão deste corpo de trabalhadores.
Entre o político e o cidadão comum, situa-se a burocracia estatal, ente este que
possui papel fundamental quando de casos de clientelismo, apesar do senso comum
achar que não haveria incentivo nenhum para que o burocrata participasse deste jogo.
No entanto, bastam termos em mente que talvez este ator esteja ocupando um cargo que
lhe fora dado desta mesma maneira por algum político, a quem, portanto, ele é devedor
de favores.
No Brasil, ecoa bem alto em meio ao senso comum a assertiva de que o governo
é majoritariamente formado por políticos clientelista e que a burocracia estatal está
quase que inteira atrelada a este esquema.
Por meio de um gráfico e uma tabela elaborada pelo autor com base em diversas
fontes, nota-se que a população economicamente ativa governamental (PEAg), desde
1940 até 1999 permaneceu quase estável relativamente a população economicamente
ativa total (PEA). Aliás, de maneira bem mais estável que os setores secundário,
terciário e social da economia. Durante todo este período, a PEAg oscilou entre 2,74% e
4,83% da PEA. Este fato causa bastante desconfiança no autor sobre a veracidade do tal
clientelismo. Chama a atenção, contudo, o fato de a PEAg demostrar pouca
sensibilidade à expansão população economicamente ativa social (PEAs), fato curioso
visto que a evolução da burocracia não acompanha a dos trabalhadores do setor social.
Por meio desta análise, portanto, poder-se-ia dizer que não há evidência visível
para a hipótese clientelista, entretanto, seria de extrema ingenuidade achar que o Estado
brasileiro está totalmente isento desta anomalia que se faz presente, em diferentes
medidas, em todas sociedades modernas.
O autor levanta a hipótese, portanto, de que por trás desses dados formados por
grandes número agregados, possa estar escondida uma forte competição por
remanejamento e oferta interesseira de cargos.
Deixando mais frágil ainda a tese de que a máquina estatal brasileira estaria
hiperinflada, o autor chama a atenção para o total de empregos públicos no Brasil,
tomado como percentual da população economicamente ativa não-agrícola, igual a 6,6%
em 1984, ao passo que na Argentina e no Panamá – países com mesma renda per capita
que o Brasil – as taxas eram de 22,7% e 28,6%, respectivamente.
Por meio destas análises comparadas, portanto, não se pode afirmar que o
tamanho da burocracia estatal e os gastos com ela sejam considerados patológicos e
anômalos. Entretanto, o autor observa que estes números ainda podem abrigar
irracionalidades.
A fim de verificar o potencial produtivo no trabalho dos burocratas, com base na
idade dos mesmos, o autor se vale de um estudo realizado por Nelson Marconi, em
2003, e observa: 73% dos homens situavam-se na faixa que vai dos 36 aos 55 anos, com
13,2% deles ficando abaixo e 13,6% acima dela. Quanto às mulheres, 13,5% situavam-
se abaixo dos 36 anos e 20% delas acima dos 35. Verifica-se, então, que “nem muito
jovem, nem muito madura, a grande maioria do funcionalismo atravessa o período de
maior produtividade e capacidade” (p. 94).
Santos chama a atenção para a dinâmica dos custos e benefícios das políticas no
Brasil. Enquanto aqueles são difusos, estes são consumidos por uma minoria. Desta
forma, a população acaba por desacreditar no poder público, e assim deixa
constantemente de recorrer a este ator para a resolução dos seus problemas e conflitos.
Baseado em pesquisa feita pelo IBGE, o autor mostra que, entre 1985 e 1988, dos
8641761 entrevistados, 67% dos que disseram ter se envolvido em conflito afirmaram
não ter recorrido à justiça para a resolução do mesmo. “A inoperância estatal seria,
assim, condição indispensável para que pudesse prosperar a prestação fisiológica de
serviços, com pagamentos em votos.” (p. 104).
Santos, então, inicia uma investigação, em que busca entender a que nível a
estrutura organizacional burocrática participa deste esquema de trocas que caracterizam
o clientelismo brasileiro. Ele inicia esta análise chamando a atenção para o fato de que,
constantemente, grupos privados, mais ou menos organizados, se aproximam da
burocracia, desejando obter algum benefício. No entanto, tudo isso acontece quase
sempre na obscuridade e passa, portanto, quase sempre despercebido. A burocracia tem,
assim, um papel importantíssimo, pois neste esquema, a administração organizacional
dessas oportunidades e dos mecanismos de validação das trocas extralegais é
fundamental para que as transações sejam bem sucedidas.
O autor ainda aborda outra situação de desvio do ideal burocrático que ocorre
quando políticos através do apadrinhamento clientelístico e ignorando a seleção
meritocrática atribuem cargos a pessoas que possuem valor político para eles. Seja por
pertencerem a grupos de interesse que permitem a sua (re)eleição ou num extremo,
pessoas que influenciariam o processo decisório, em favor do político, como forma de
retribuir o fato de terem sido nomeados.
Wanderley Guilherme dos Santos busca nesse capítulo testar a hipótese de que
a tese clientelista não se aplicava senão perifericamente ao aparelho descentralizado
brasileiro. O autor propõe que para que essa hipótese seja corroborada seis dimensões
que ele identifica devem ser confirmadas a partir da análise dos dados. Sendo essas as
dimensões:
O autor defende que para que esse tipo de políticas não se torne dominante é
preciso que haja regulamentação e se dê em uma Poliarquia. Ele define Poliarquia,
como o meio do caminho entre a apatia e a organização total, onde só se organizam
grupos cujos interesses estão na agenda pública imediata. Essa Poliarquia é o estado
entre um extremo em que a sociedade não está organizada e as decisões que
promovem distribuição são centralizadas e um outro extremo no qual a sociedade é
altamente organizada e os centros decisórios são controlados por seus grupos.
Wanderley Guilherme dos Santos conclui afirmando que o Brasil ainda pode ser
caracterizado como um Estado Cartorial, onde a obtenção de lucros pela ausência de
concorrência e a obtenção de renda através da distribuição de privilégios ainda são
dominantes. Criando através do fisiologismo um “imposto privado sobre a produção
de um bem público.” E propõe como solução a geração de homens públicos com virtú,
através da coação de desvios de conduta e de criação de recompensas laterais. E que
apesar de não restar dúvidas, com base na liquidação do estado produtor brasileiro e
na substituição da burocracia tradicional por grupos emergentes e centralizadores, de
que se possa falar no ex-Leviatã brasileiro “para a comunidade dos súditos, se há
ordem, há sempre um Leviatã, civil ou armado, permanente ameaça ao convívio
democrático.”