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Às vezes tais afirmações são reforçadas por analogia, como quando Alan Chambers, ex-
líder do ministério Exodus International, declarou na noite de abertura da sessão geral da
conferência de Exodus International em 2012: ‘Jesus não ficou suspenso na cruz um
pouquinho mais por aqueles que ... tenham se envolvido com atração por pessoas do
mesmo sexo ou que tenham sido gays ou lésbicas’. Isto soa como uma bela frase de efeito
e pode até ajudar quem pense que a prática homossexual é ruim demais para ser perdoada
por Deus. Mas não prova a afirmação de que não existe nenhuma ‘hierarquia de pecados’.
A duração de tempo em que Jesus ficou suspenso na cruz é irrelevante. É o fato da morte
de Jesus que conta para a expiação. Nem tampouco se está argumentando que a morte
de Jesus não pode cobrir grandes pecados. Cobre ‘pecadinhos’ e ‘pecadões’ daqueles que
se arrependem e creem no evangelho.
De forma simples, a cobertura universal do pecado efetuada por Cristo por meio de sua
morte na cruz não significa que todos pecados são iguais em todos aspectos, mas apenas
que todos pecados são iguais em um aspecto: são todos cobertos. Se não o fossem,
ninguém entraria no reino, pois Deus é tão santo que qualquer pecado impediria a entrada
de qualquer pessoa, caso o mérito moral fosse a base da aceitação. Por analogia, alguém
pode ter cobertura médica de todas lesões corporais, grandes e pequenas, e pagar a mesma
quantia pela cobertura, independentemente da lesão; isso não quer dizer, porém, que
todas as lesões são de igual gravidade. Como veremos, existe um acúmulo de provas das
Escrituras (além da razão e da experiência) que mostram que (1) os pecados diferem em
importância diante de Deus e (2) Deus considera a prática homossexual como um pecado
particularmente grave.
Primeiramente, muitos cristãos são ávidos por fazer o que for possível para abrandar as
críticas de defensores homossexualistas. Estes últimos, muitos dos quais são muito bons
em se sentir ultrajados com qualquer coisa que discorde de sua agenda, ficam indignados
quando ouvem a prática homossexual descrita como pecado grave. Em segundo lugar, há
quem promova uma visão igualitária do pecado ao menos em parte por preocupações
pastorais, de modo a não afastar homossexuais abertos à discussão com uma mensagem
que talvez achem difícil de aceitar. O outro lado da história é que talvez busquem um
fundamento teológico para criticar qualquer senso de superioridade ou espírito insensível
por parte da igreja. Outros creem que a igreja é responsável por criar uma comunidade
pelos ‘direitos dos gays’ que se mostra raivosa e ressentida, já que dá passe livre aos
cristãos envolvidos em pecados heterossexuais enquanto agride quem se envolve com o
comportamento homossexual.
Há um quê de verdade nesta perspectiva. No entanto, a ideia de que, se a igreja tivesse
passado com mais amor e mais equilíbrio a mensagem sobre a prática homossexual, não
haveria nenhuma expressão de raiva e ressentimento por parte da comunidade dos
direitos dos gays é absurda. Jesus era amoroso, e mesmo assim foi crucificado por falar a
verdade. O pecado odeia qualquer restrição ao seu poder, e aqueles sob a influência
controladora da atração por pessoas do mesmo sexo não escapam disso. Além do mais,
expressões de indignação e esforços de intimidação são parte integral da estratégia
homossexualista para coagir a sociedade a aprovar a prática homossexual.
Os cristãos deveriam tomar cuidado para, em sua pressa para apaziguar os defensores
homossexualistas, não acabar negando as próprias Escrituras, que de fato caracterizam
a prática homossexual em termos muitos negativos — evidentemente não como o único
pecado, mas ainda assim como grave ofensa. É de se perguntar se os cristãos que
denunciam outros cristãos por dizer que a prática homossexual é pecado grave no fundo
pensem que o apóstolo Paulo é um extremista por dar atenção especial à prática
homossexual em Romanos 1.18-32, dizendo que se trata particularmente de prática
autodegradante, vergonhosa e antinatural, que em parte é a ‘recompensa’ àqueles que se
envolvem nela.
Em relação aos pontos 1 e 2, Paulo cria tanto que (1) determinado pecado é pior do que
outros (idolatria e imoralidade sexual eram grandes preocupações, por exemplo; e, dentro
da categoria de imoralidade sexual, tinha particular repulsa à prática homossexual, e
então ao incesto (entre adultos), e enfim ao adultério e ao sexo com prostitutas, cf. Rm
1.24-27; 1 Co 5; 6.9,15-17; 1 Ts 4.6); quanto que (2) ‘todos pecaram e carecem da glória
de Deus’, e só é possível ser justificado pela graça de Deus por meio da obra redentora de
Cristo (Rm 3.23-25). Os dois pontos não estão em oposição e nem mesmo em tensão. O
fato de que todo pecado é igual em um certo aspecto — qualquer pecado pode impedir
uma pessoa de entrar no reino de Deus, se não receber a Cristo —, não leva à inferência
de que todo pecado é igual em todos os aspectos — alguns pecados levam Deus a trazer
julgamento sobre seu povo mais do que outros pecados.
No que concerne ao quarto ponto, ninguém tem culpa meramente por experimentar
impulsos que não buscou experimentar e não procurou cultivar. Por exemplo, o fato de
que alguém experimente atrações por pessoas do mesmo sexo de maneira alguma é motivo
de fazê-lo moralmente culpável nem justifica designá-lo como moralmente depravado.
Desejos sexuais homoeróticos, assim como quaisquer desejos para fazer o que Deus
expressamente proíbe, são desejos pecaminosos (isto é, são desejos para pecar), e é por
isso que quem experimenta os desejos não deveria ceder a eles, seja em sua vida de
pensamento consciente, seja em seu comportamento. Sentimentos de inveja, cobiça,
avareza, orgulho ou excitação sexual por uma união ilícita são todos desejos pecaminosos,
mas ninguém é culpável por eles, a não ser que voluntariamente os alimente em sua mente
ou os evidencie em seu comportamento.
O que a visão bíblica sobre diferentes gravidades dos pecados autoriza a fazer é o seguinte:
1. Usá-la para avaliar a distância do desvio alheio em relação à graça de Deus e, assim, o
nível de intervenção necessário.
Deus nos deu a todos um senso de certo e errado em nossas consciências. Com razão,
temos um senso de que algumas ações são mais malignas do que outras e codificamos
este senso em nossas leis, ainda que imperfeitamente. É verdade que mesmo as nossas
consciências são afetadas pela influência corruptora do pecado, e em nenhum caso isso é
mais evidente do que quando buscamos desculpas para nosso próprio pecado. Contudo,
o princípio de que alguns pecados são mais abomináveis do que outros, não apenas em
seus efeitos sobre seres humanos, mas também na avaliação divina, foi dado por Deus.
Se não tivéssemos este senso em nosso compasso moral, a sociedade seria muitíssimo
mais perversa do que já é.
Ninguém realmente vive como se cresse que todos os pecados são igualmente graves no
plano moral. De fato, muitas vezes são aqueles que argumentam em relação à prática
homossexual que todo pecado é igual que ficam particularmente irritados se alguém
compara uniões homossexuais com incesto (entre adultos), bestialidade ou pedofilia. E o
fazem precisamente porque consideram incesto, bestialidade e pedofilia como realmente
malignos e não querem que o comportamento homossexual seja associado com aquelas
práticas. Tal reação, contudo, já é concessão ao princípio óbvio de que alguns pecados são
piores do que outros. Não passa um dia sequer sem que as pessoas regularmente avaliem
algumas ações como erros maiores do que outros. Na minha casa, se minha filha mais
nova for para a cama, mas sorrateiramente pegar uma lanterna para ler ou desenhar bem
depois da hora de dormir e contra os desejos de seus pais, terá cometido um erro, mas
relativamente mais leve se comparado com, digamos, bater no irmão.
A crença de que todos os pecados são iguais para Deus em todos aspectos não apenas é
absurdo à lógica e experiência humanas; as grandes tradições cristãs também concordam
que determinado pecado é pior do que outros. Isto é reconhecido mesmo na tradição
reformada, que enfatiza (corretamente) a depravação humana universal (nota: sou
presbítero ordenado da Igreja Presbiteriana dos EUA — PC-USA). Por exemplo, o
Catecismo Maior presbiteriano da Confissão de Fé de Westminster (1647) afirma: ‘As
transgressões da lei de Deus não são todas igualmente abomináveis, mas alguns pecados
por si sós, e em razão de diversos agravantes, são mais abomináveis aos olhos de Deus do
que outros’ (7.260, grifo meu; elaboração em 7.261; cf. o Catecismo Menor 7.83).
Esta não é somente uma visão protestante, mas também católica (note a diferença entre
pecados veniais e mortais, bem como diferenciações de gravidade dentro da categoria de
pecados mortais) e ortodoxa. Convido qualquer um a citar uma formulação confessional
de alguma denominação cristã importante que defenda que todo pecado é igualmente ruim
na avaliação divina (talvez exista, mas desconheço). Para uma perspectiva evangélica
contemporânea, veja o artigo de J. I. Packer para a revista Christianity Today (2005)
intitulado ‘All Sins Are Not Equal’ [Os pecados não são todos iguais].3
Ora, devo admitir que citar a visão consensual das principais tradições cristãs não prova
que alguns pecados são realmente mais abomináveis para Deus do que outros. Meu
objetivo é simplesmente mostrar que a visão sobre o assunto adotada neste artigo se
enquadra na corrente histórica da fé cristã.
O fundamento escriturístico da visão de que alguns pecados são piores do que outros
Ainda assim, continuo sendo um ‘homem da Bíblia’; então, atentemos para ela. Provas
para a visão de que a Bíblia considera alguns pecados como piores do que outros são
praticamente infindáveis, de modo que encerrarei a lista quando chegar numa dúzia de
exemplos.
(1) No Antigo Testamento, existe claramente uma classificação de pecados. Por exemplo,
em Levítico 20, que reordena as ofensas sexuais do capítulo 18 conforme a severidade da
ofensa/pena, com as ofensas sexuais mais graves agrupadas primeiro (20.10-16). Dentro
do primeiro nível de ofensas sexuais (ao lado de adultério, as piores formas de incesto, e
bestialidade) está a relação sexual com alguém do mesmo sexo. Obviamente, variadas
penas para diferentes pecados se encontram por todo o material legal do Antigo
Testamento.
(2) Após o episódio do bezerro de ouro, Moisés disse aos israelitas: ‘Cometestes um grande
pecado. Agora, porém, subirei ao Senhor; talvez eu possa fazer expiação pelo vosso pecado’
(Êx 32.30). Obviamente, o episódio do bezerro de ouro foi um enorme pecado por parte
dos israelitas, algo confirmado pela gravidade do julgamento divino. Deve ter havido
muitos tipos de pecados entre os israelitas, desde o momento em que partiram do Egito.
Apenas em ocasiões específicas, no entanto, a ira de Deus se acendeu contra as ações dos
israelitas — por que motivo, se todos pecados são igualmente abomináveis para Deus?
(4) Em Ezequiel 8, o profeta é erguido por um anjo ‘nas visões de Deus’ e levado até
Jerusalém, onde vê diferentes graus de idolatria ocorrendo nos arredores do Templo e o
anjo declarando duas vezes a frase: ‘Verás abominações ainda maiores que estas’ (isto é,
coisas detestáveis para Deus; 8.6,13,15; 8.17), depois de uma sequência de visões.
(5) Jesus referiu-se ao ‘que há de mais importante na Lei’ (Mt 23.23), como justiça,
misericórdia e fidelidade — era mais importante obedecer a estas coisas do que ao dízimo
de especiarias, mesmo que não se devesse desprezar tais ofertas. Formulações deste tipo
implicam que violações do que há de mais importante ou dos principais mandamentos
(como não defraudar os pobres de seus recursos tendo em vista ganho pessoal) são mais
graves do que violações de mandamentos menores ou ‘mais leves’ (por exemplo, dar o
dízimo de pequenos alimentos, como especiarias), que, segundo Jesus, deveriam ser
praticados sem deixar de lado as questões mais importantes. Jesus acrescenta a seguinte
crítica: ‘Guias cegos! Coais um mosquito e engolis um camelo’ (23.24). Qual é a diferença
entre um mosquito e um camelo, se todos os mandamentos e todas as violações são
iguais?
(6) Famosa também é a identificação que Jesus fez dos dois mandamentos mais
importantes (Mc 12.28-31). Ele também disse: ‘Quem desobedecer a um desses
mandamentos [da lei], por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o
menor no reino do céu’ (Mt 5.19). Novamente, apresentar mandamentos maiores e
menores significa apresentar violações maiores e menores.
(8) Outro caso óbvio de priorização de algumas ofensas como piores do que outras é a
caracterização de Jesus sobre a ‘blasfêmia contra o Espírito Santo’, ‘pecado eterno’ do qual
nunca se terá perdão — no contexto, refere-se aos fariseus terem atribuído os exorcismos
de Jesus ao poder demoníaco (Mc 3.28-30).
(9) De acordo com João 19.11, Jesus disse a Pilatos: ‘Nenhuma autoridade terias sobre
mim, se do alto não te fosse dada; por isso, aquele que me entregou a ti incorre em pecado
maior’. A referência é a Judas (6.71; 13.2,26-30; 18.2-5) ou ao sumo sacerdote Caifás
(18.24,28). ‘Pecado maior’ naturalmente implica que a ação de Pilatos é pecado menor.
(10) Paulo fala sobre diferentes níveis de ação em 1Coríntios 3.10-17: é possível construir
de qualquer jeito sobre o fundamento de Cristo e sofrer perda, mas ainda assim herdar o
reino. No entanto, ‘destruir o templo de Deus’, a comunidade local de cristãos, por
questões indiferentes traria sobre a pessoa sua própria destruição efetuada por Deus.
Contrasta-se esta destruição com ser ‘salvo ... pelo fogo’ por causa das ofensas menores.
Importantes comentaristas de 1Coríntios (por exemplo, Gordon Fee [pentecostal], Richard
Hays [metodista], David Garland [batista] e Joseph Fitzmyer [católico]) concordam (1) que
se faz distinção entre o grau de gravidade das ações; e (2) que Paulo aborda a salvação
individual do cristão. Assim diz Gordon Fee: ‘Que Paulo atenta para uma verdadeira
ameaça de punição eterna parece também ser o sentido óbvio do texto’. ‘Quem é
responsável por desmantelar a igreja pode esperar julgamento à altura; é difícil fugir do
sentido de juízo eterno neste caso, dada a sua proximidade com os vv. 13-15’ (The First
Epistle to the Corinthians [NICNT; Grand Rapids: Eerdmans, 1987], pp. 148-149). O
mesmo pensa Garland, que de forma sucinta afirma que ‘juízo desolador’ aguarda a quem
destrói a comunidade em Corinto: ‘sua salvação está em risco’ (p. 121).
(11) Se todo pecado é igualmente grave para Deus, por que Paulo destacou a ofensa do
homem incestuoso em 1Coríntios dentre todos os pecados dos coríntios como motivo para
exclusão da comunidade? Por que tamanha expressão de choque e indignação da parte
de Paulo? Além disso, se não existisse uma classificação de mandamentos, como Paulo
poderia ter rejeitado de imediato um caso de incesto que mostrava consenso entre dois
adultos, era monógamo e comprometido? Se os valores da monogamia e compromisso pelo
resto da vida fossem de mesmo peso que a exigência de certo nível de alteridade familiar,
Paulo poderia não ter tomado uma decisão quanto ao que fazer. Naturalmente, para Paulo,
não foi uma questão difícil de decidir. Ele sabia que a proibição de incesto era mais
fundamental.
(12) Primeira João 5.16-17 diferencia entre ‘pecado que não é para morte’ (pelo qual a
oração pode surtir efeito e salvar a vida do pecador) e ‘pecado para a morte’ (pecado mortal,
pelo qual a oração não surtirá efeito).
Estes doze exemplos (será que precisamos mesmo de mais?) já devem deixar claro que a
afirmação de que a Bíblia não indica em lugar algum que determinados pecados são piores
aos olhos de Deus não tem nenhum mérito.
Cristãos às vezes ficam confusos sobre a questão ao pensar no argumento de Paulo acerca
do pecado universal em Romanos 1.18—3.20. Sim, Paulo argumenta que todos seres
humanos, judeus e gentios sem nenhuma distinção, estão ‘debaixo do pecado’ e ‘sujeito[s]
ao julgamento de Deus’. De fato, sua posição não é simplesmente que ‘todos pecaram e
estão destituídos [ou carecem] da glória de Deus’ (3.23), mas também que todos
‘substituíram a verdade de Deus’ e de nós mesmos acessível nas estruturas materiais da
criação (1.18-32) ou na revelação direta das Escrituras (2.1—3.20). Paulo argumenta o
seguinte: não podemos dizer que pecamos, mas não sabíamos que pecamos. Pecamos e
sabíamos (em algum lugar nos recônditos da nossa alma) ou, ao menos, recebemos muitas
provas disso. Em resumo, todos são ‘indesculpáveis’ por não glorificar Deus como Deus
(1.20-21).
O que Paulo diz é que qualquer pecado pode excluir alguém do reino de Deus, se esse
alguém pensa que pode conquistar a salvação por mérito pessoal ou que dispensa a morte
reparadora e a ressurreição vivificadora de Jesus. O que Paulo não diz é que todo pecado
é igualmente ofensivo a Deus em todos aspectos. O argumento em Romanos 2, por
exemplo, não é que os judeus pecam tanto (quantitativamente) ou tão notoriamente
quanto (qualitativamente) os gentios de maneira geral. Qualquer judeu, incluindo Paulo,
teria rejeitado esta conclusão de imediato. Idolatria (1.19-23) e imoralidade sexual /
homossexualidade (1.24-27) não era nem de longe um problema tão grande entre os
judeus como o era entre os gentios (evidentemente, ‘os pecados comuns’ de 1.29-31 já
eram mais problemáticos). Antes, o argumento é que, embora os judeus pequem menos e
de forma menos notória em relação aos gentios de maneira geral, todavia têm mais
conhecimento porque têm mais acesso às ‘palavras de Deus’ nas Escrituras (2.17-24;
3.1,4,9-20). Então, tudo fica nivelado, por assim dizer, no que diz respeito à necessidade
de receber a obra graciosa de Deus em Cristo (3.21-31).
Paulo, no entanto, não começou a extensa lista de vícios em Romanos 1.18-32 com
idolatria e imoralidade sexual (especificamente, prática homossexual) e dedicou tanto
espaço para estes dois tipos de pecado (9 versículos, comparados com 4 versículos para
todos os outros juntos) só para então demonstrar que todo pecado é igual. Sim, parte do
propósito de Paulo ao dar especial atenção aos dois pecados pode ter sido uma armadilha
para o seu confiante (e imaginário) interlocutor judeu, apelando aos seus preconceitos
antigentílicos. Com certeza, também, podem ter sido exemplos particularmente bons para
provar o argumento apresentado em 1.18-20 sobre os humanos suprimirem uma verdade
óbvia acerca de Deus e de si mesmos visível nas ‘coisas criadas’ (1.20). Existe, todavia,
um terceiro motivo para Paulo dar especial atenção aos dois vícios. Tem a ver com o fato
de que Paulo quase sempre começava listas de vícios ou pecadores com idolatria e
imoralidade sexual, tanto fazendo a ordem destes dois, em suas palavras dirigidas aos
cristãos — não apenas em Romanos 1.18-32. Ele assim o fazia porque considerava
idolatria e imoralidade sexual como ofensas particularmente graves (dentro de um
conjunto de pecados não incomuns), que não apenas traziam destruição para o povo de
Deus, mas também, francamente, ‘irritavam’ a Deus sobremaneira.
Este ponto é reforçado por Paulo com a história das peregrinações de Israel no deserto
após deixarem o Egito, história que Paulo discute em 1 Coríntios 10.1-13. O que realmente
aborreceu a Deus e precipitou a destruição divina foi a idolatria e imoralidade sexual deles:
Essas coisas aconteceram como exemplo para nós, a fim de que não cobicemos as coisas
más, como eles cobiçaram. Não vos torneis idólatras, como alguns deles ... Nem
pratiquemos imoralidade, como alguns deles fizeram, e caíram num só dia vinte e três mil.
(1 Co 10.6-8, grifo meu)
O fundamento escriturístico da visão de que a prática homossexual é pecado sexual
particularmente grave
Pois bem, se os autores bíblicos e Jesus tratam alguns pecados como piores aos olhos de
Deus do que outros pecados, será que consideram a prática homossexual como um dos
pecados sexuais mais graves? Muitos cristãos que consideram a prática homossexual
pecado diriam ‘não’ (obviamente, ‘liberais’ que não veem a prática homossexual como
pecaminosa descartariam a questão prontamente.) A seguir vão sete bons argumentos
para mostrar por que creio que a resposta à questão é ‘sim’.
(2) O apelo que Jesus fez a Gênesis 1.27 (‘homem e mulher os criou’) e 2.24 (‘o homem
deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne’), em suas
observações sobre divórcio e recasamento em Marcos 10.6-9 e Mateus 19.4-6, mostra
como era importante para Jesus o pré-requisito de homem e mulher para o casamento.
Jesus argumentou que a dualidade dos sexos ordenada por Deus na criação era o
fundamento para limitar a dois o número de pessoas em união sexual, seja
simultaneamente (em contraste com a poligamia) ou sequencialmente (contra o divórcio
reiterado e recasamento). Se Jesus considerava homem e mulher como pré-requisito
fundamental para extrair outros princípios de ética sexual (isto é, monogamia conjugal e
indissolubilidade), não seria uma violação direta do fundamento (prática homossexual)
mais grave do que uma violação de princípios construídos a partir daquele fundamento
(poligamia, adultério, recasamento após divórcio)?
O argumento segundo o qual Jesus deve ter considerado divórcio e recasamento após
divórcio como questões mais sérias (isto é, porque ele explicitamente os critica) perde de
vista que Jesus não teve que argumentar contra a prática homossexual no judaísmo do
século I, pois a própria ideia de se envolver neste comportamento era impensável para
judeus (não há exemplos de judeus em defesa do comportamento, muito menos de judeus
envolvidos nele, nos séculos em torno da vida de Jesus). Jesus estava determinado a
fechar as brechas remanescentes na ética sexual judaica (outra era o adultério no
coração), e não recapitular proibições mais severas já aceitas universalmente pelos judeus.
Por exemplo, o fato de que Jesus não disse nada sobre o incesto é indicação de que ele
aceitou as fortes restrições da lei levítica. Não é indicação de que considerava o
recasamento após divórcio como ofensa igualmente ou mais séria.
(3) Além da exclusão do sexo entre humanos e animais, a exigência de homem e mulher
para as relações sexuais é a única mantida absolutamente para o povo de Deus desde a
criação até Cristo. A primeira diferenciação humana na criação é a diferenciação entre
homem e mulher. Em Gênesis 2.21-24, a criação da mulher é retratada como a extração
de uma ‘costela’ ou (melhor) ‘lado’ do ser humano, de modo que homem e mulher são
partes de um todo integrado e único. A mulher é retratada como a ‘contrapartida’ ou
‘complemento’ (heb. negdo). O pré-requisito de homem e mulher é, portanto,
fundamentado no primeiro ato da criação. Compare a situação com proibições ao incesto:
a maioria delas não pôde ser implementada até que a família humana se espalhasse e se
tornasse numerosa. Além disso, enquanto se vê uma concessão limitada da poliginia no
Antigo Testamento (múltiplas mulheres para homens, mas nunca poliandria, múltiplos
esposos para mulheres), subsequentemente revogada por Jesus, e certa concessão
limitada nos primórdios de Israel daquilo que posteriormente seria denominado incesto
na lei levítica (por exemplo, o casamento de Abraão com sua meia-irmã Sara; o casamento
de Jacó com duas irmãs enquanto ambas estavam vivas), não existe absolutamente
nenhuma concessão à prática homossexual na história de Israel. Praticamente todas as
leis, narrativas, poesias, provérbios, exortações morais e metáforas que lidam com
questões sexuais no Antigo Testamento pressupõem o pré-requisito de homem e mulher.
As únicas exceções são períodos de apostasia no Israel antigo (por exemplo, a existência
de prostitutas cultuais homossexuais, que os narradores bíblicos também classificam
como abominação).
Por que não há exceções inegáveis? O motivo é óbvio: o pré-requisito de homem e mulher
pertence ao fundamento inviolável, sumamente sagrado a Deus. Poliginia é violação do
princípio de monogamia, extrapolando apenas de forma secundária o pré-requisito de
homem e mulher. Incesto é violação da exigência de alteridade corpórea, extrapolando
apenas de forma secundária a analogia fundamental da alteridade sexual estabelecida na
criação. Consequentemente, a prática homossexual é pior do que incesto e poliamor
porque (1) é ataque direto ao paradigma sexual instituído no próprio início da criação, ao
passo que proibições de incesto e poliamor foram elaboradas apenas de forma secundária,
a partir do paradigma homem-mulher; e (2) a prática homossexual, diferentemente de
incesto e poliamor, nunca é concretizada por personagens positivos na narrativa do Antigo
Testamento nem sancionada pela lei israelita.
(5) Uma trilogia de histórias sobre depravação extrema — o pecado de Cam contra seu pai
Noé (Gn 9.20-27), a tentativa de agressão sexual dos visitantes de sexo masculino pelos
homens de Sodoma (19.4-11) e a tentativa de agressão sexual do levita que passava por
Gibeá (Jz 19.22-25) — apresenta a tentativa ou concretização de um ato de relação sexual
entre homens como elemento integral da depravação.
(7) A posição histórica da igreja ao longo dos séculos é que a Bíblia entende a prática
homossexual como ofensa sexual extrema. Por exemplo, entre os pais da igreja, Cipriano
(200-258) chamou-a de ‘algo indigno até de ver’. João Cristóstomo (344-407) referiu-se a
ela como ‘insanidade monstruosa’, ‘prova clara do grau último de corrupção’ e ‘cobiça por
algo monstruoso’. Teodoreto de Ciro (393-457) chamou-a de ‘impiedade extrema’. João
Calvino, nem um pouco negligente quando se tratava de enfatizar a depravação universal,
mesmo assim taxou a prática homossexual de ‘o temível crime da cobiça antinatural’, pior
do que ‘desejos bestiais, uma vez que [reverte] toda a ordem da natureza’, além de
‘corrupção viciosa’, ‘feitos monstruosos’ e ‘esse ato abominável’.
Considerações finais
A Bíblia é clara e coerente nestes quatro pontos:
1) Algumas ordens divinas são mais severas, maiores e mais fundamentais do que outras.
3) Violações de ordens maiores são forte indicação de uma alma enferma e de uma vida
que nunca foi guiada pelo Espírito ou, então, que agora se desvia da condução do Espírito.
4) Apenas quem é guiado pelo Espírito e anda na luz participa da obra redentora da cruz.
Como diz 1 João 1.7: ‘se andarmos na luz, assim como ele está na luz, temos comunhão
uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado’. O texto
não diz: se você creu em Jesus em algum momento de sua vida, o sangue de Cristo o
purificará de todo pecado, independentemente de como você se comporte. Diz, porém: ‘se
estivermos andando na luz ... o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado’.
Não existe nenhuma transferência de pecado para Cristo sem que haja também
transferência do ego; nenhuma vida sem morte; nenhum salvação da própria vida sem
perdê-la.
Se deparasse com um irmão em Cristo sendo um pouco descontrolado em relação a
dinheiro ou questões materiais; começando a ter limites muito lassos em interações com
pessoas que lhe possam ser sexualmente interessantes ou começando a ter mais lutas
com o desejo sexual em sua mente; ou reclamando demais, provavelmente não concluiria
que houvesse algo gravemente errado na vida espiritual daquele irmão. Mas, se
descobrisse que aquele mesma pessoa, que se dizia irmão na fé, tinha se tornado ladrão
de banco ou estava usando o esquema de pirâmide para faturar em cima da economia
alheia; que estava envolvido em caso de adultério ou estava dormindo com sua própria
mãe ou tendo relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, ficaria um pouco mais
preocupado sobre o relacionamento daquela pessoa com Cristo. Por quê? Quanto maiores
os pecados, maior a indicação de que a pessoa não vive uma vida guiada pelo Espírito,
algo que necessária e naturalmente flui da fé genuína. Será que existe algum cristão que
não pensa (corretamente) desta forma?
_____________________________
1Publicado em 7 de janeiro de 2015. Original disponível em
http://www.robgagnon.net/articles/is_homosexual_practice_no_worse.htm. Traduzido
por Djair Dias Filho.
2Este artigo é uma versão levemente modificada das páginas 15-25 de um artigo que
escrevi em 30 de junho de 2012, intitulado ‘Time for a Change of Leadership at Exodus?’
[Tempo para uma mudança de liderança no ministério Exodus?]. O artigo questionava se
Alan Chambers deveria continuar como presidente de Exodus International, um
ministério para aqueles que tinham atração por pessoas do mesmo sexo e buscavam ajuda
para viver em obediência sexual a Jesus Cristo. Como aquele artigo lidou com uma
questão que agora está resolvida (Chambers enfim destruiu Exodus; outro grupo, Restored
Hope Network [Rede da Esperança Restaurada], apareceu em seu lugar), esta seção que
aborda uma questão atemporal poderia cair no esquecimento.
3Disponível em http://www.christianitytoday.com/ct/2005/january/19.65.html