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.
Renascimento:
Capítulo humanismo;
.Reforma e
Contrarreflrma.
' 1i ..
educação de segmento.s populares, em ge- conta das ordens. religiosas. Apesar disso, pela consulta direta ao texto bíblico, sem como veremos, outras ordens tenham dado
ral, não eram levados em conta, restringin- por iniciativa de particulares leigos foram a intermediação dos padres, estabeleci&\ sua contribuição. •
criadas escolas mais bem adaptadas ao es- pela tradição cristã católica. No plano re- Inácio de Loyola (1491-1556), militar
do-se à aprendizagem de oficios.
pírito do humanismo. Na Alemanha surgi- ligioso surgia a característica humanista espanhol basco, ao se recuperar de um fe-.
O aparecimento dos colégios, do século
ram as FliTstenschulen, escolas para príncipes; de defesa da personalidade autônoma, que rimento em batalha, viu-se envolvido. por
XVI até o XVIII, foi um fenômeno corre-
o mesmo esforço de renovação notava-se na repudiava a hierarquia, para re~tabelecer.o súbito ardor religioso e resolveu colocar-se
lato ao surgimento da nova imagem da in-
França, nos Países Baixos e na Inglaterra. . vínculo direto entre Deus e o fiel. Ao dar a serviço da defesa da Ie, tornando-se ver-
fància e da farmua. Na Idade Média mistu-
ravam-se adultos e crianças de diversas ida- Muitas delas proliferaram na Itália, com iguais condições de leitura e interpretação dadeiro "soldado de Cristo". Fundou então
destaque para o trabalho de Vittorino da da Bf1Jlia a todos, a educação torno,u-se im- a Compailhia de Jesus, daí o nome jesuftas
des na mesma classe, sem uma organização
maior que os separasse em graus de apren- Feltre (1373?-l446), considerado o primeiro portante instrumento para a divulgação da dado ac::>sseus.seguidoreS. .
grande mestre de feitio humanista. Convi- Reforma. Criada.em 1534 e oficialmente aprova-
dizagem. Foi a partir do Renascimento.que
dado para ser o preceptor dos filhos de tiro Ao contrário da tendência elitista pre- da pelo papa Paulo m em 1540,.á Ordem
esses cuidados começaram a ser tomados,
marquês, em Mântua, Itália, aí fundou uma dominante, Lutero (1483-1546) e Melan- estava vinculada d.iI:etamente.à autoridade
assumindo contornos maiS lÚtidos apenas
chthon (1497-1560) trabalharam para a papal e,'portanto, distanciava-se da hierar-
no século xvn. escola, a Casa Giocosa, cuja divisa era ''Vm-
de, meninos, aqui se ensina, não se atormen- implantação da escola primária para todos. quia comum da Igreja. P9r não se retirar
A fim de proteger as crianças de "más
ta". O nome da escola reflete o novo espírito: É bem verdade que nessa proposta havia em conventos, seus adeptos eram chama-
.'influências", propôs-se uma hierarquia di-
ferente, submetendo-as a severa disciplina, giocosa é palavra italiana que significa "ale- uma nítida distinção: para ás camadas tra- dos padres seculares, isto é, que se misturam
gre" e vem do latimjocur, ou seja, "diverti- balhadoras, uma educação primária ele- aos fiéis no mundo, no século, como se cos- .
in,clusive a castigos corporais. A meta- da
escola não se restringia à transrrllssão de mento, gracejo", e, daí, 'jogo". mentar, enquanto para as privilegiadas era tumadizer.
Feltre cuidava não só de recreação e reservado o ensino médio e superior. Apesar A Ordem estabelecia rígida. disciplina
conhecimentos, mas à formação moral. O
exercício fisico, mas do desenvolvimento da disso, Lutero defendia a educação universal militar e tinha como objetivo inicial a pro-
regime de estudo era de certo modo rigoro-
sociabilidade e do autodominio. A sua es- e pública, solicitando às autoridades oficiais pagação missionária da fé, a luta contra os
. so e extenso. Os programas continuavam a
cola oferecia cursos de eqUitação, natação, que assumissem essa tarefa, por considerá- infiéis e os heréticos. Para tanto os jesuítas
se basear nos .clássico,~trWium e quadrivium,
persistindo, portanto, a educação formal de esgrima, música, canto, pintura e jogos em ,. -la competência.do Estado. se espalharam pelo mundo, desde a Euro-
geral. A formação intelectual voltava-se De acordo com o espírito humanista, pa, assolada pelas heresias, até a Ásia, a
gramática e retórica, como na Idade Mé-
para o ideal renascentista da mais ampla Lutero criticava o recurso a castigos, bem'\ África e.a América.
dia. Não foi abandonada a ênfase no estudo
como o verbalismo da Escolástica. Propôs Logo descobriram que, diante da intole-
ii do latim, com frequente descaso pela língua
materna. Tal sistema de ensino era dura-
cultura' humanística, com atenção especial ..:,
ao ensino de grego e latim. EmboTá objeto jogos, exercícios fisicos, música - seus co- rância dos adultos, era mais segura a con-
de cuidado, a disciplina pretendia ser me- rais eram famosos -, valorizou os conteú- quista das almas jovens, e o instrumento
mente criticado pelos humanistas, sobretu-
!j do por Erasmo e Montaigne. . nos rude e intolerante. . dos literários e recomendava o estudo de
história e das matemáticas.
adequado para a tarefa .'seriaa criação e
multiplicação das escolas. Daí o traço mar-
As universidades continuavam decaden- Na mesma linha de propostas culturais
til: I alternativas surgiram as academias, insti- ;;. A educação proposta pelos protestantes cante da influência dos jesuítas,. a ação pe-
tes, impermeáveis às novidades. Em 1452,
• 1 sofreu ainda a influência de Calvino (1509- dagógica que formou infuneras gerações de
I. ao se reestruturar a Universidade de Paris, tuições privadas com a intenção de suprir:~
liti as falhas das universidades. Ofereciam a -1564), teólogo francês que atuou no seu estudantes, durante mais de duzentos anos
a Faculdade de Artes tornou-se propedêuti-
ca às outras três (filosofia, medicina e leis), oportunidade de acesso à cultura desinte- país e em Genebra, Suíça. ~ (de 1540 a 1773).
11
ressada, algumas de caráter exclusivamente . . Para se ter uma ideia da extensão desse
lançando-se desse modo a semente do curso
! 4. Reação católica: o colégio dos jesuítas tra~alho, em 1579 a Ordem possuía 144
li
I
colegial, o que favoreceu a separação mais literário, .outras filosóficas, e só no século -
XVII apareceram as primeiras academias colégios espalhados pelo mundo, número
lÚtida dos graus secundário e superior.
i 2. Educação leiga
científicas (época em que ocorreu o chama-
do renascU:tento científico).
Para combater a expansão do protestan-
tismo, a Igreja Católica incentivou a criação <f
que chegou a 669 em 1749.
~I
• História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Renascimento: humanismo, Reforma e Contrarreforma 127..
126
Em 1550 foi fundado o Colégio Romano, codificadas no Ratio Studiorum aplicavam-se Ovidio, Vrrgílio, Esopo, Plauto, Píndaro e Os alunos que mais se destacavam eram
para formar professores. Como unidade nos seguintes cursos: outros. COJ'110esses autores eram pagãos, incentivados à emulação com prêmios
centralizadora, recebia os relatórios das ex- • Stwlia Uiferiora: procuravam adequá-los aos ideais cristãos, • concedidos em solenidades, pomposas, nas
periências realizadas em todas as partes do - letras humanas, de grau médio, com fazendo resumos, adaptações e até supri- quais participavam as famílias, as a~tori.-
mundol• O Colégio Germânico, também duração de três anos e constituído por gra- mindo trechos considerados "perigosos dades ec:lesiásticas e civis, a fim.de dar-lhes
em Roma, especialiwu-se no preparo de mática, humanidades e retórica, formava o para a fé". Proibiam as obras contempo- brilho especial. Montavam peçaS de teatro,
padres para as missões na Alemanha. alicerce de toda a estrutura do ensino, base~ râneas, sobretudo contos e romances, por com os devidoscui~adosna seleção dos
O resultado das experiências regular- ada na literatura clássica greco-latina. serem "instrumentos de perversão moral e te..'<:tos,
desde simples diálogos até comédias
mente avaliadas, codificadas e reformuladas - filosofia e ciências (ou curso de artes), , dissipação intelectual" . e tragédias cláSsicas, sem deixar geprivile-
adquiriu forma definitiva no documento também com duração de três anos, tinha Esse programa atendia ao ideal de elo- giar os,dramas litúrgicos. 9s melhores estu-
RatW Studúrrum (a expressão latina Ratio atque por finalidade formar o filósofo e oferecia qüência latina do século XVI, e segundo dantes expunham sua produção intelectual
Institutio Studiorum significa "Organização e as disciplinas de lógiCa, introdução às ciên- o jesuíta e filósofo brasileiro, padre Leonel nas academias.
plano de estudos"), publicado em 1599 pelo cias, cosmologia, psicologia, fisica (aristoté- Franca, "a gramática visa a expressão clara Os jesuítas tOrI:laram-se famosos pelo
padre Aquaviva. Obra cuidadosa, com re- lica), metafisica e filosofia moral. e correta; as humanidades, a expressão bela empenho em institucionalizar o colégio
gras práticas sobre a ação pedagógica, a .or- • Studia superiora: e elegante; a retórica, a expressão enérgica como local por excelência de formação reli-
ganização administrativa e outros assuntos, - teologia e ciências sagradas, com du- e convincente"2. giosa, intelectual e moral das crianças e dos
destinava-se a toda a hierarquia, desde o ração de quatro anos, coroava os estudos e Com a didática, os jesuítas mostravam- jovens. Para atingir esses objetivos, instau-
provincial, o reitor e o prefeito dos estudos visava à formação do padre. , se bastante exigentes, recomendando a raram rígida disciplina, aplicada nos inter-
até o mais simples professor, sem se esque- Nas classes de gramática, o latim era repetição dos exercícios para facilitar a natos criados para garantir proteção e vigi-
cer do aluno, do bedel e do corretor. ensinado até o perfeito domínio da língua. memorização. Nessa atividade eram au- lância. Além de conlTolar a ad~rlÍssão dos
No final do século XVII, o padreJou- Isso porque, mesmo que no dia-a-dia as xiliados pelos melhores alunos, chamados alunos, concediam férias bem curtas para
vency preparou o então mais completo pessoas fizessem uso da língua materna, decuriões3, responsáveis por nove colegas, evitar que o contato com a família afrou-
manual de normas gerais e informações ainda no Renascimento e início da Idade de quem tomavam as lições de cor, reco- xasse os hábitos morais adquiridos.
bibliográficas necessárias ao magistério, re- Moderna persistia o costume de filósofos lhiam os exercicios e marcavam em um Mesmo quando se tratava de externato,
duzindo os riscos decorrentes do arbítrio e e cientistas escreverem em latim, ultrapas- caderno os erros e as faltas diversas. Aos o olhar dos mestres seguia os alunos, exi-
da iniciativa dos mestres maisjovens. Corno sando as fronteiras das diversas nacionali- sábados as classes inferiores repetiam as gindo o afastamento da vida mundana e re-
garantia da unidade de pensamento e ação, dades e promovendo a universalização da lições da semana toda: vem daí a expres- criminando as famílias que não assumissem
farta correspondência entre os membros da cultura. Os jesuítas tornaram obrigatório são sabatina, usada durante muito tempo o encargo dessa vigilância. A obediência,
Companhia mantinha a comunicação con- seu uso até na mais trivial conversação, de para indicar a avaliação. Para as classes considerada virtude não só de allmos, como
tínua. ," modo que os alunos pudessem assimilá-lo mais adiantadas, organizavam torneios também de padres, submetia a todos a ri-
O ideal de universalidade na atuação, com a familiaridade da língua vernácula. de erudição. , gida disciplina de trabalho, sem inovações
no entanto, não se confundia com rigidez. Num colégio em Paris no século XVII, pen- Outra característica do ensino jesuítico perso:galistas.
Sob vigilância constante, certa flexibilidade saríamos estar em Roma de antes de Cristo: era a emulação, ou seja, o estímulo à com- Tal~ez devido a tão rigorosa organiza-
aos costumes do lugar onde a Ordem se im- conversação exclusiva em latim e análise de petição entre os indivíduos e as classes. Por ção, as sanções não se tornassem muito
plantava facilitou a obra missionária, per- autores latinos. '. ~ exemplo, os alunos recebiam títulos de im- constantes, mas aplicadas sempre que ne-
mitindo maior eficiência. Os alunos estudavam as principais obras , perador, ditador; cônsul, tribuno, senador, cessário, cabendo ao mestre castigar ape-
greco-latinas e aperfeiçoavam a capacidade cavaleiro, decurião e edil. Para incentivá- nas com palavras e admoestações. Quando
o ensino nos colégios de expressão e estilo, permanecendo muito -los, as classes.se dividiam em duas facções: não bastassem, ou a falta fosse muito gra-
presos aos padrões clássicos. Voltados para os romanos e os cartagineses4• ve, as punições 'fisicas ficavam a cargo de
As práticas e conteúdos que os jesuítas o melhor da formação humanística, os je-
desenvolveram de acordo com as regras suítas usavam textos de Cícero, Sêneca,
2 O mitodo pedagógico dosjmdtos: o Ratio Sludimwn. Rio de Janeiro, Agir, 1952, p. 80.
, Decurião: no exército romano, uma decliria era um corpo de cavalaria e infantaria composto de dez soldados
I Note-se, como veremos na parte lI, que os relatórios frequentes e minuciosqs dos jesuítas aos seus superiores e que tinha por chefc o decurião,
facilitaram a posterior consulta de rico matcrial para a historiografia, ao contrário de outras ordens que não " Durante o século m a.C" romanos e cartagineses defroptaram-sc nas três Gucrras Plinicas, que terminaram
deixaram igi1al registro, com a destruição de Cartago (cidade do norte da África),
128 História da Educação e da Pedagogia -Geral e Brasil Renascimento: humanismo, Reforma e Contrarreforma • 129
tadas. Ocupava-se mais com exercícios de movimento da Reforma, que introduziu o Na mentalidade quinhentista, porem,
um "corretor", pessoa alheia aos quadros
erudição e retórica, e a maneira de analisar protestantismo em diversos países. Não por tanto reino como Igreja atuavam no sentido
da Companhia e contratada só para esse
os textos não propiciava o desenvolvimento acaso, essas nações encaminharam-se para de homogeneizar as diferenças, nivelando a
• I serviço. Para contrabalançar a disciplina,
I
do espírito crítico. a economia mercantil e capitalista, dando todos pelo que se considerava ve11ladeiroe .
os jesuítas estimulavam as atividades recre-
Nos cursos de filosofia e ciências, osjesuí- os primeiros passos para a atividade manu- superior (a cUltura cristã europeia). O ah~'
ativas, por proporcionarem ambiente mais
,I alegre e vida mais saudável. tas mostraram-se conservadores por retor- .~ fatureira que iria fortalecer o capitalismo tropólogo brasileiro Luiz Felipe Baêta Ne-
quíssimo estudada nas classes mais adian- contramos na Europa daquele tempo foi o Universitária, 1978, p. 45.,
131,
História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Renascimento: humanismo, Reforma e Contrarreforma
130
teses naturalistas, reconhecendo a capacida- mo e Tomás Morus, tendo sido preceptor , Tratava com ironia a produção intelec- medicina. Representa a corrente enciclo-
de humana de se guiar pela razão. Defendeu de Catarina de Aragão. Quando ela se tual medi~val e zombava do formalismo • pédica da' Renascença que buscava resga-
a autoridade do rei independente do poder casou com. o rei Henrique VIII, Vives a das universidades, reduto de escolásticos. tar o saber greco-latino, com igual cuidado
do papa e da Igreja. Pouco depois Petrarca acompanhou à Inglaterra, onde lecionou Erasmo representou a corrente erudita da pelo~ recentes estudos da ciência que' en~'
(1304-1374), também poeta italiano, descre- na Universidade de Oxford. Renascença, que buscava nos clássicos as tão nascia: Como os demais humanistas de
veu o drama humano entremeado de pai- Se no Renascimento não havia estudos fontes da sabedoria grega. Embora não seu tempo, criticou a tradição escolástica,
xões e desejos. No século XVI, Maquiavel sistemáticos sobre educação, Vives era uma desprezasse a ciência, sua atenção estava mas o fez de maneira irônica' esabórosa.
(1469-1527) investigou as bases de uma nova exceção, por ter escrito copiosa obra peda- voltada sobretudo para questões literárias Suas obras for.i1TI várias veze)i condenadas
ciência política descomprometida com a gógica, cujo principal trabalho é o 'Tratado , e estéticas. No seu famoso Elogio da loucu- e proibidas ria Universidade de Sorbonne,
moral cristã e, portanto, laica, secularizada. do ensino. Escreveu inclusive sobre a educa- ra, critica a hipocrisia e a tolice humanas o que o obrigou a fugir às ameaças da In-
Nesse contexto de crítica à tradição ção da mulher, mesmo considerando fill1- e todas as formas de tirania e superstições, quisição ..
medieval, a educação procurava bases na- damental sua presença no lar. ao mesmo tempo que reflete sobre a neces- Rabelais não escreveu uma obra propria-
turais, não-religiosas, a fun de se tornar Embora vinculado às ideias aristotélico- sidade das paixões, de uma "loucura sábia" mente pedagógica, mas nos dois romances
instrumento adequado para a difusão dos -tomistas, Vives revelou-se homem do seu responsável pelo amor e pelo prazer. satíricos Pantagruel e Gargantua transparecem
valores burgueses. Embora defendido com tempo ao recomendar o cuidado com o Entremeando reflexões a respeito da so- suas ideias a i'espeito da educação. Trata-
vigor na obra de literatos, filósofos e peda- corpo e a atenção com o aspecto psicoló- ciedade do seu tempo, Erasmo defendia o -se de escritos divertidos, em que tudo é
gogos, nem sempre esse ideal foi alcança- gico no ensino. Acompanhando as mudan- respeito ao an1adurecimento da criança e exagerado, a começar pelos próprios per-
do nas escolas, como vimos no exemplo de ças do pensamento científico, valorizava: por isso criticava aeducaçãovigente;'exces- sonagens, gigantes que tinham um apetite
inúmeras escolas religiosas conservadoras, os métodos. indutivos7 e. experimentais, sivamente severa. Recomendava o cuidado descomunalu;
como as dos jesuítas. reconhecia a in1portância' da observação com a graduação do ensino e o abandono' Ao iniciar sua educação, o preceptor de
Ainda que fosse grande a produção in- dos fatos e a ação como meio de aprendi- das práticas de castigos corporais. Ao con- Gargantua deu-lhe de beber o líquido de
telectual na Renascença, não havia. pro- zagem. Além diS<'o,ao lado do latim, insis- tJ'ário, seria bom mesmo que as crianças uma planta cl1amada heléboro "para que
priamente uma filosofia da educação como tia na necessidade do adequado estudo da aprendessem se divertindo, sem a preocu- esquecesse de tudo o quanto havia aprendi-
sistema de pensamento coerente e organi- língua materna. pação com resultados imediatos. do com os seus antigos preceptores". Nessa
zado - com exceção de Vives, como vere- passagem, Rabelais quer simbolizar a ne-
mos -, mas sim inúmeros fragmentos de 3. Erasmo 4. Rabelais cessidade de expurgar toda a lembrança da
reflexão pedagógica como parte de uma tradição para o novo ensino ser mais bem
produção filosófica mais ampla. Foi o caso o holandês Erasmo de Rotterdam' (1467- '1'
J' François Rabelais (c. 1494-1553), frade aproveitado. No final da primeira parte
de Erasmo, Rabelais e Montaigne, ou ain- -1536) foi um dos principais expoentes do T e médico francês, levou uma vida cheia de deste capítulo, veja o dropes I,em que Gar-
da ó exemplo das utopias de Tomás Morus novo pensamento renascentista, considera- percalços e perseguições, devido'à sua pena ,gantua escreve ao fill10Pantagruel sobre as
e Campanella. do por muitos um representante do pré-llu- afiada e crítica mordaz. Muitos o identifi- expectativas quanto à sua formação.
minismo. Cristão pertencente à Ordem dos caram a um epicurista devasso, embora Embora tivesse uma sede insaciável de
2. Vives Agostinianos, criticou severamente a Igreja outros o descrevessem como uma cristão conhecimentos e recomendassc uma apren-
corrupta e autoritária, e apoiou alguns pro- que também não desprezava os prazeres dizagem enciclopédica, criticava o ensino
Juan Luis Vives (1492-1540), humanista nU)Jciamentos de Lutero sem, no entanto, 'da vida. Inicialmente esteve no convento livresco e estimulava a educação do corpo
espanhol, participou do convívio de Eras- aderir à Reforma. dos franciscanos, mas depois foi acolhido e do espírito. Ao contrário dos que o acu-
pelos beneditinos, de sistema mais aberto savam de imoralidade,' defendia uma ética
e cujas regr.as eram menos severas, e no de acordo com as exigências da natureza e
7 A inthlfão é um tipode argumentaçãopelaqual,a partirde diversosdadossingularescoletados,chegamosa final da vida tornou-se padre secular. Fre- da vida, por isso mesmo devia-se aprender
proposiçõesuniversais, ouseja,procedemosa umagCMTali<.llfão indutiva. Aocontrário,ospensadoresmedievais quentou diy~rsos cursos nas universidades, com alegria, porque "o riso é próprió do
valorizavama dedufiW, um tipoae argumentaçãoemquea conclusãoéinferidanecessariamente dasproposi- aprendeu várias línguas, formou-se em homem".
çõesquea antecedem,podendoir de umaproposiçãogeralpara o particular,ou ao geralmenosconhecido;
issosignificaquena conclusãonãosedizmaisdo quejá está:naspremissas,apenasse extr.uu quejá estádito
ndas.Emboraa deduçãosejaumraciocinioa querecorremoscomfrequência,a indução,apesardeincerta,é • Aindahoje,usa-sea elI.-pressão
"apetitepantagruélico",para designarosque comeme bebemem dema~ia,
umafurmamlÚtofecundadepensar,responsável peladescobertade nossosconhecimentos davidadiáriae de Ollosquedefendemideiasepicuristas.AsobrasdeRahelaistinhan1extcnsostítulos:"O horrívCÍ:lc espantosos
grandevalianasciênciasexperimentais .. feitose proezaSdomlÚafàmadoPantagruel"e '1\vidainestimáveldo grandeGarg'<lIltua,
pai de Pantagruel".
132 História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Renascimento: humanismo, Reforma e Contrarreforma 133
Oxford, Inglaterra, desde a Idade Média medieval, manteve-se ainda fortemente
5. Montaigne era estudar, sim, os antigos autores greco-
demostraram interesse pelas ciências expe- hierarquizada: exôllÍa dos propósitos edu-
-romanos, mas de acordo com um olhar re-
rimentais e pela atuação social. Voltaremos cacionais a grande massa popular, com ex-
Michel de Montaigne (1533-1592) per- ligioso que pudesse adaptá-los às verdades
eternas da fé. Por isso estudavam Platão e a eles na segunda parte deste capítulo. ce?ão dos reformadores p'rotestantes, que
tencia a uma família francesa da burguesia agtam motivados também Rela divulgação
que, enriquecida com a posse de terras e Aristóteles sob o viés cristianizado de Santo
Conclusão religiosa. .
propriedades, conseguira um título de no- Agostinho e Santo Tomás.
Profundas alteraçqes. estavam ocorreo-
breza. A educação do menino foi cuidado- Como vimos em capítulos anteriores, a
Como pudemos observar, o Renascimen- do, apesar de tudo .. Suchodolski refere-se
sa: acompanhado por preceptores desde o pedagogia que transparecia naqueles filó-
to foi um período de contradições típico das a toda peôagOgl;,l.antiga como essencialis-
berço, aprendeu latim antes da língua ver- sofos, tanto da Antiguidade como da Idade
épocas de transição. A classe burguesa, en- ta, porque tinha por funç~o realiZar o que
nácula. Média, baseava-se em uma visão essencia-
riquecida, assumia padrões aristocráticos o ser humano. deve vir a ser, a' partir de
Montaigne lia com facilidade as obras lista, segundo a qual a educação teria por
e aspirava a uma educação que permitisse um modelo, segundo a concepçãó de uma
latinas e escreveu uma sériç imensa de frag- objetivo desenvolver as potencialidades do
formar o homem de negócios, ao mesmo essência humana universal. No Renasci-
mentos, reunidos em um gênero novo, o en- ser humano.
tempo capaz de conhecer as letras greco- mento, embora continuaSse a perspectiva
saio, que bem representa a tendência subje- Essa perspectiva foi retomada pelos je-
latinas e de dedicar-se aos luxos e prazeres essencialista, 'que so mudaria com Rous-
tivista renascentista. Ao descrever a si pró- suítas, cuja pedagogia era aristotélico-to-
da vida. Por outro lado, as escolas religiosas seau (século XVllI), já se tinh.:'la percep-
prio e refletir sobre suas experiências, traça mista. Não que muitos deles ignorassem aS
multiplicavam-se na Europà e no resto do ção mais aguda de problemas que, hoje,
o perfil da natureza humana, apresentando novidades da ciência e da filosofia do seu
.mundo coloniz_ado. chamaríamos de existenciais, numa recusa
um indivíduo que tem interrogações, dúvi- tempo, uma vez que a Companhia prepa-
Essa sociedade, embora rejeitasse a au- à submissão aos valores eternos e.aos dog-
das e contradições, o que encaminha seu rava com cuidado os futuros mestres. Acha-
toridade dogmática da cultura eclesiástica mas tradicionais.
pensamento para um certo ceticism09• vam importante, porém, evitar os conheci-
Mesmo sem produzir obra propriamen- mentos que pudessem levar a desvios pelo
te pedagógica, no seu alentado Ensaio Mon- livre-pensar dos humanistas.
taigne dedicou alguns capítulos especifica- Lembrando que essa postura interessava ttlro;es
.', #-r-"' ...
o Novo Testamento e a Epístola dos
mente à educação. Critica o ensino livresco sobretudo aos reinos de Portugal e Espa- Apóstolos, depois em hebú~u o Velho
e o pedantismo dos falsos sábios, valoriza a nha, diz o professor português António Go- 1 ~ Quanto ao conhecimento dos fatos Testamento.
educação integral e elogia seu pai por ter mes Ferreira: 'Mnal, os poderes estavam da natureza, quex:o que se adorne cui- (... ) Mas, porque segundo o sábio
sabido escolher os preceptores para educá" interessados nessa interpretação autoritária dadosamente deles; que não haja mar, Salomão, sabedoria não entra absolu-
-lo com docilidade e sem castigos. do saber e a escolajesuítica não tinha pátria ribeiro ou fOIitedos quais não conheça tamente em alma malévola, e ciência
Para Montaigne, a edl,lcação tem por fi- porque o latim era a sua língua, o catoli- os peixes; todos os pássaros do ar, todas sem consciência não é senão a ruína da
nalidade preparar um espírito ágil e crítico, cismo a sua ídeologia e a Escolástica a sua as árvÓres, arbustos e frutos das flores- "'~a, convém servir,~ar e .crer em
valores importantes para a. formação do compreensão do mundo" lO. tas, t64as as ervas da terra, todos os me- De~ e n'Ele colocar seus pensamentos
gentil-homem. Nem todas as orientações religiosas, no tais esco.ndidos no ventre QOsabismos, t sUaSêspetanças, e pela fé, formada de
entanto, distanciaram-se tanto do huma- ", as pedrari~ do Oriente e do Sul, nad,a caridade, estara ~le associado, de sorte
6. A pedagogia da Conlrarreforma nismo renascentista. Uma exceção foi a r.~.
lhe seja desconhecido. que jamais seja desanipã.rado pelo pe-
Congregação do Oratório, que, no século .Depois, cuidadosamente, estude cado. (Rabelais)
Na resistência às novas ideias que co- xvn, sem renegar o aristotelismo, busca- .sem cessar Os 'livros dos médicos ire-
meçavam a se delinear no Renascimento, va conciliá-lo com as ideias da pedagogia gos, árab.es e iâtinos, sem condenar tal- 2 • Pelo modo como a aprendemos (a
colocaram-se os cristãos' católicos adeptos humamsta. Outra tendência é represen- f
e
.mudÍ,sl:fl.Scabalistas; e, .por frequentes ciência] nã~ é de ~que nem
da .Contrarreforma. Para eles, a intenção tada pelos franciscanos, que, na Escola de .estudos de Anatomia, adq~' perfeito alunos nem mestres se tornem n:uris
conhecimento do outro mt{.'I1doque é capazes embora se façam mais doutos.
o .homem. E, durante, algumas horas Em verdade, os cUidados e despesas de
do dia, entre em contato COrhas san- nossos pais visam. apenas encher-nos a
9 Ceticismo: doutrina segundo a qual não se pode conhecer com certeza; os céticos concluem pela suspensão do
juizo e pela dúvida permanente. . • tas epístolas, prinieiramente em grego e
cabeça de ciência, de bom senso virtu-
10 "A educação no Portugal Barroco: séculos XVI a XVIII", in 1yfaria Stephanou e Maria Helena Camara
.Bastos (orgs.), HIStórias e mem6ria.r da eáu&afãono BrasiL v. I: Siculos XVI-XVIII, p. 62.
136 História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Renascimento: humanismo, Reforma e (ontrarreforma 131
.... ;~
. CQntexto histórico economia pré-capitalistas, com grandes
I proprietários de terra. A economia colonial
a) Identifique os elementos que indi- Q1.estáe$ sobre a leitura. expandiu-seemOtorno do engenho de açú-
A históriá .do Brasil no século XVI não
carri oposição à tradição medieval. cmnpkmen.tar car, reco~endo ao trabalho escravo, inicial- .
pode ser desvinculada dos acontecimentos
b). Embora a frase muito' citada' de mente dos índios e, depôis, dos negros afri-'
da Europa, já que a colonização resultou
Rabelais "Ciência sem consciência não 1. Compare o comentário de ¥ontaig- canüs. _LatijUndio, escravatura, monocultura, eis
da necessidade de expansão comercial da
é senão ftÚna da aIrria"nocontexto se ne (dropes 2) sobre a memória'coma . as caracteristi~ da estrutura .econômica
burguesia enriquecida com a Revolução
refira ao amor a Deus, de que forma po- valonzação que dela fazem os jesuítas. '.• colonial que explicam' o caráter patriarcal
'Comercial. As colônias valiam não só para
deríamos aplicá-la para compreender os da sociedade, centrada no poder:do senhor
ampliação do comércio, como também por
problemas atuais decorrentes do desen- 2. Discuta a importância da individuali-' de engenho.. :. .
fornecer produtos tropicais e metais precio-
volvimento científico e tecnológico? dade no R.enascimehto, baseada emMort-
sos para as metrópoles. Convêm não esqueéer que o-.:Brasil era
taigne. Como a ela se opõem as Re~? uma colônia de economia ágrícolatcujo lu-
No caso do Brasil, a colonização assumiu
.7. "Não menos que sa»er; duvidar me cro ficava co~ os comerciantes na metrópo-
aspectos que dependeram da forma pela
apraz" (Dante Alighien'). Ainda que o po- ,3 .. Como poderiamos defender a pro- le, o que caract~riza uma economia de mo-
qual Portugal e Espanha se situaram no
. eta italiano tenha vivido no século XIII posta do Ratio Studiorum como documen- ~
..
quadro do desenvolvimento econômico e delo agrário-exportador dependente. No entanto,
de certa forma antecipa. algumas id~ to inserido em seu contexto histórico? ,~,
ainda que Portugal tivesse o monopólio da
cultural europeu. Como vimos na primeira
do Renascimento: relacione a citação dele produção de açúcar brasileir(), as refinarias
parte, enquanto França e Inglat~rra incen-
CGm o pensamento de Montaigne e dis- ~o eram construídas naquele país, mas na
tivaram as manufaturas, a burguesia portu-
tinga-a da proposta religiosa dos jesuítas. Holanda, Inglaterra e França.
gues<].permaneceu atrelada ,aos interesses
do absolutismo real, que ainda refletia~ a Nesse contexto, a éducação não cons-
consciência mediéval. Por ser um país cátó- tituía meta prioritária, já que o desempe-
lico, que resistiu 'ao movimento protestante MO de funções na agricultura não exigia
com a Contrarreforma e a Inquisição, Por- formação especial. Apesar disso, as metró-
tugal condenava os juros, o que restringiu a poles europeias enviaram religiosos para o
acumulação de capital e retardou a implan- trabalho missionário.e pedagógico, com a
Brasil: catequese e início da colonização tação do capitalismo. Por outro lado, por finalidade principal de converter o gentio e
. manter seus privilégios, a nobreza onerava impedir que os colonos se desviassem da fé
os cofres públicos e dificultava a aliança do católica •.éonforme as orientações da Co.n-
A partir desse capítulo, intercalamos-na
rei com a burguesia. Além disso, enquanto trarreforma.
segunda parte a história da educação no
C~~!Qe;b ~m oc1lll!l=a~ão a Europa renascentista se preparava para o A intenção dos missionários, porém,
Brasil. No entanto, desde o presente ca-
pítulo até o oitavo, só veremos os tópicos . GiJD . ma'CCoifeê~'gãC!l .', livre-pensar que se consolidaria no llumi- não se reduzia simplesmente a difundir a.
nismo do século XVIII, Portugal permane- religiãq. Numa época ,de absolutismo. a
Contexta histórico e Educação, por não poder-
mos tratai de uma pedagogia- brasileira • Fase heroica: de 1549 a 1570 cia cioso da herança cultural clássico-me- • Igreja, submetida ao poder real, era ins-
- catequese. dieval, preservando o latim, a' filosofia e a trumento importante para a garantia da
propriamente dita, já que estivemos todo
• Fase de conso~dação: de 1570 literatura cristãs. ' .- unidade política, já que uniformizava a
esse tempo atrelados ao pensamento es-
a 1759 - expansão do ensino se- Por levar mais tempo para encontrar fé e a consciência, A atividade missioná-
trangeiro. Essa situação se atenua no final
~ cundário nos colégios; . . metais no Brasil, de ~cio a ação dos por- ria facilitava sobremaneira a dominação
do século XIX, quando já é possível exa-
. • Reformas pombalinas:de 1749 tugueses restringiu-se à extração do pau- • metropolitana e, nessas circunstâncias,
.minar expressães-mais-ateIitassobre os te-
a 1808 - instrução pública. brasil e a algumas expedições exploratórias. a educação ass~mia papel de agente
mas pedagógicos. Por fim, no século ~,
• Periodo joanino: de 1808 a A partir de 1530 teve início ~olonizaçào, colonizador.
chl.do o- grande volume de informações,
1822. com o sistema de capitanias ht"reditárias e a No Brasil, segundo a historiografia tra-
preferimos estudar o Brasil em capítulo se-
monocultura da cana-de-açúcar. dicional, foram os jesuítas que, em maior
parado da história europeia.
.. Enquanto na Europa os ~tos da mo- número e atuação efetiva, obtiveram re-
sultado mais significativo ••porque, se em-
dernidade exorcizavam a tradição medie-
val, no Brasil implantavam-se formas de penharam na atividade pedagógica, para
140 História da Educação e da Pedagogia- Geral e Brasil Renascimento: humanismo, Reforma e Contrarrefõrma 141 ..
-~~::;;==~::~~=i~=~=~~.
I~~,;':",o::,~~~=;
outras no território brasileiro de norte a sul. ComÇlo uso de sanções violentas era hábit~ passi~os;à mulher e a criança. Educando o
Terminado o curso de artes, apresenta-
vam-se ao jwem duas alternativas:
• estudar teologia, opção que ajudava a
Aqui, as primeiras e várias delas aparece- europeu naqueles tempos, esse costume fOl, menino, conseguiam manter viva a religio- manter viva a obra ?os jesuítas no tempo, '
ram na Bahia. . trazido para cá. As penalidades variavam sidade da família. formando-se padre ou.mestre;
Vejamos.o que os missionários se propu- conforme a gravidade da culpa.,usandb~se Era tradição das famílias portuguesas • preparar-se para as carreiras profanas
nham mudar, para e'uropeizar e cristianizar o açoite, o tronco e até m]ltilações,cuja exe:, orientar os filhos para diferentes carreiras. das profissões liberais, como direito,filo-
os nativos. Surpreenderam-se de início com cução devia ser púb~ca e exemplar. . . O primogênito herdava o patrimônio do sofia e medicina; neste. caso, encaminha-
o fato de cem a duzentas pessoas viverem As missõesprosperaram de modo Slgnifi- pai e continuava seu trabalho no engenho; va-se para uma das. diversas faculdades
na mesma oca, sem divisões que preservas- cativo. Além da atividade agrícola, confor- o segundo, destinado para as letras, fre- europeias - os brasilei.;.osprocuravam so-
sem a intimidade das famílias n~m reparti- me o lugar havia criação de gado, artesa- quentava o colégio, muitas vezes concluiu- bretudo a Universidade de Coimbra, em
ção de funções e tarefas, porque ali dentro nato, fabricação de instrumentos musicais, do os estudos na Europa; o terceiro enca-' Portugal. .>
tudo se fazia. construção de templos. Tudo adrriinistrado minliava-se para a vida religiosa. Como se . Para esse programa/os jesuítas foram
Por isso,Osjesuítas deslocaram os nativos pelos jesuítas, sem intervençãó externa. vê, -osjesuítas agiam sobre os dois últimos. apoiados oficialmente pela Coroa, que
para outras áreas, onde criaram as aldeias Porém, 'a segregação de tribos inteiras nas Mesmo quando os filhos não eram envia- também os auXilioucom generosas doações.
reunindo várias etnias, designadas por eles, missões, esse "ambiente de estufa~',fragili- dos aos colégios e recebiam educação na de terras. O governo de Portugal sabia o
de modo homogêneo, como o "gentio". Ali zava ainda mais os índios. O confinamento própria casa-grande, ficavam aos cuidados quanto a educação era importante como
se con~truíram as casas, onde se alocava facilitava aos COlOI~OS capturar tribos i?tei- dos capelães e tio;:;-padres. mei9 de domínio político e; portanto, não
cada família, a uDidade sO,cial.Assim diz rasoDurante o século XVII, os banderran- Outro modo de ação cumpria-se no con- intervinha nos planos dos jesuítas.
Baêta Neves: "Na aldeia cada coisa deve ter . tes realizaram diversas expedições de apre- fessionário.O padre ouvia ospecados e assim
seu lug(lT e sua hora. Há urrt local para o tra" samento e destruíram muitas povoações, in- modelavao pensar dos'colonos.Em casosex- 5. Outras ordens religiosas
palho, outro para o descanso, outro, para o clusive as dirigidas por jesuítas espanhóis. , tremas, negar a absolviçãodos pecados reve-
culto, outro para a familia"13.Mudaram ai Depois da:expulsão dos jesuítas (século lados no confessionárioera uma maneira de Embora tenha sido costurile l:nfatizar-se
práticas nômades, consideradas bárbaras, e XVIII), desmoronou-se a estrutura cria- pressionar à mudança de algum comporta- a ação dosjesuítas na'educação da colônia,
estabeleceram um sistema agrícola restrito da pelos padres, e os índios aculturados" menta consideradoimoral ou ímpio. .outras ordens aqui estiveram com o mesmo
a áreas determinadas, onde se fazia a divi- não conseguiram mais subsistir moral e No campo da educação prop~ente propósito, tais como franciscanos, carmeli-
são de tarefas e observavam-se os "mdmen- ecemomicamente. dita, desde o séêulo 'xVI oS jesuítas mon- tas, qeneditinos. Para alguns estudiosos que
tas de semear, podar, colhe!; queimar". taram a estrutura dos três cursos a serem se debruçam sobre o assunto não deixa de
Desse modo os missionários pensavain 4. Período de consolidação: a instrução seguidos após a aprendizagem doe"ler, es- ser estranho o relativo silêncio sobre essas
estar prestando um' serviço civilizatório, ao da elite crever e contar" nos colé'gios:a) letras hu- contribuições. . •.~
retirar os nativos da "ociosidade", da "pre- manas; b)filosofiae ciência (ou artes);c)teg- O professor Luiz Fe~do Conde San- •
guiça", da "indisciplina" e da "desorganiza- Vrmos que as primeiras escolaSreuniam logia e óências sagradas. Esses três cursos genis1+ nos esclarece que em 1585 foi criada
ção". Introduziram regras de higiene, manei- os filhos dos índios e dos colonos, mas a eram destinados respectiVamente à forma- a Custódia de Santo Antônio da Brasil, em
ras dé.comer, condenaram a antropofagia, a tendência da educação jesuítica que se con- ção do 4lJIIlanista,do filósofo e do teólogo. Olinda, Pernambuco, onde, no ano seguin-
embriaguês, o adultério. Lutaram também firmou foi separar os "catequizados" e os No curSo de humanidades, de grau mé- te, franciscanos recém-c;hegados fundaram
contra a nudez, suprimindo aos poucos os "instruidos". A ação sobre os indígenas re- dio, ensinavam latim e gramática para. os um internato para os curumins. Ali era
adgrnos c~nsiderados "deformadores" e de- sumiu-se então em cris~¥ e pacificar, meninos brancos e mamelucos (mestiçosde ensinado o catecismo, bem como a ler, es-
finindo Uma "geografia do corpo" segundo a tornando-os dóceis para o trabalho nas al- '- __branco~)_Em-aIguns:.colégios, como crever e contar. Depois se estenderam pelo
qual havia partes que poderiam ser mostra- deias. Com os filhos dos colonos, porém, a o de Todos os Santos, na Bahia, e o de-8ão Rio Grande do Norte" Alagoas, Parrooa,
• das e outras a serem cobertas. educação podia se estender além da escola Sebastião, no Rio deJan~, eram ofereci- Grão-Pará e Maranhão. Na região'Sul, fa-
Por considerarem que os nativos viviain elementar de ler e escrever, o que ocorreu a dos.também os outros doi'{cursos, de artes ziam missões-volantes, não estabelecendo
a "inf'ancia dahumanidade", os jesuítas se partir de 1573. e de teologia,já de grau sURerior. residência permanente nas aldeias.
..
H "Franciscanos na educação brasileira", in Maria Stephanou e Maria Helena Garoara Bastos (orgs.), Histórias
,. O Combau dtJs soldtuios dt Cristo na Tmrz dos papagaÜJS: colonialismo e repressão ~tural, p. 130. 611!t11l1Íritl.r da ~cl1fiIo no BrasiL \t I: Skulos XVI-XVIII, p. 93.107.
• No início do século XX, o monsenhor .dança nas grandes solenidades. É onde nas-
0 o .-,_. -_----' - - 'c -., Pedro Massa, missionário salesiano que • ce, vive e morre o índio; é o seu mundo .. ,
'.o
'~~_. participou da catequização dos Tukano, A maloca é também, como costumava dizer
descreve: o zeloso dom Bazola, a 'casa do diabo', pois
.-'", "Refiro-me à destruição que, auxiliados que ali se fazem as orgias infernais, maqui-
por um grupo de Índios e de. rapazes, pu- nam-se as mais atrozes vinganças contra os
demos fazer da grande (20 x 40 metros) e brancos e contra outros índios: na maloca
u Curt Nimuendaj~ (1883-1945), etnólogõ autodidata, nascell na Alemanha e seu verdadeiro nome e~. Kurt
"Unkel. Morou muito tempo entre os nativos e adotou o nome que em tqpi-guarani significa "aquele que fez
seu próprio lar".
16 SPI: Serviço de Proteção do Índio, órgão de defesa dos interesses indígenas, substituido em 1967 pela F~da-
ção Nacional do Índio (Funai). •
gamia (união): casamento com pessoas de fora da tribo ou entre famílias diferentes.
17 Exogamia -'-I!X (fora)
18 Tuxaua: chefe de família.
146
História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil a-e-C..;..o-n-tr-a-rr"""";ef:-orm-a---:-----------:j';14b.
-R-en-a-s-cim-en-t-o:-h-u-m-a-ni-sm-o-,-R-ef-o-rm-. 7~ __
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Capítulo
_ I
Século XVIL.
a.peqagogia realista
Os historiadores costumam.determinar
o século XV como o início da Idade Mo-
derna, que se estende até 1789,.dota da
Revolução Frsmcesa, quando então co-
meça a Ida•.de Contemporânea.' .
Na primeira parte deste. capítulo ve-
remos as grandes alterações que ocor-
reram na Europa, devido à Revolução
ComerGÍal, sinalizando a ascensão da
burguesia, cujos anseios já se esboça-
Aranha, Maria Ltkia de Arruda
vam nas teorias 'política e econômica.
~~stória ~ e~ucaçào e da pedagogia: geral e
Bra.'iJ! I Mana LUCIa de Amlda Aianha. - 3. ed. _ do liberalismo. Inaugurava-se então um
rev e ampl. - São Paulo: Moderna 2006. novo paradigmá para o pensamento e
ação da modernidade: não por acaso, o
Bihliogrnfia
século XVU é o "século do método", que,
1.. Edue.H,'ão -'História I. Tírulo. ao fecundar a ciêncide a filosofia, reper-
cutiu nos teorias pedagógicas. •.
NJ;ssegunda parte, veremos a defasa-
05-8901
. COD-370.9 gem ~\re .os acon.tecimentos da Europa
(odices para catPlogo sistemático: (o nséculo do método" é e os d6 Brasil colônia, que permanecia
.1. Educa~'ão: Hist6ria.370.9 ~. também o século do saber
JJ numa fase pré-capitalista. Na educação,
ativo", que fez a anança predominou a educação jesuítica, com
Reprodução proibida. Ar1.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fe;vereiro de 1998 .. entre a ciência e sua
ênfase no ensino secundário paro a for-
aplicação prática. A Hew
Todos os direit~~ reservados Sysfem of Mathematics mação_da .elite/- além ~dº. Horescim~to
(1681), liVrOpioneiro dos missões, no interior.
EDITORA MODERNA LIDA. do inglês Jonas Moore,
Rua Padre Adelino. 758 - B~lenzjnho estudioso de trigonometria
São Paulo - SP - Brasil - CEP 03303-904 e um dos fundadores
Vendas.e Atendimento: Td. <0__ 11) 2790-1 'iDO da Rayal Mathematieal
School, destinava-se 005
..
F:1X (0 __ 11) 2'1'90-1501
alunos ~eIo'escol. de
'W'w\v.modema.com.br
navegação •.
2011
149 ..
Impresso no Brasil ---------------------- .-
.~
P A R T E I justifica-se até o direito à insurreição, caso : Durante o século XVII,' um dos campos
()soberano não atenda ao interesse público. que esses novos ventos fecundaram foi o.da
""-"""--.--'.~
~-
-
•
1
,
ou industriais''3. De fato, aiInplantação
~~colas ocorreu justamente na cid'lde
francesa de Lyon, importante centro fabril
e mercantil - necessitada, pois, de mão.
p~.~'
1. Filosofia moderna: racionalismo e em-
pirismo
verdade, sem que precis~mos confiar na tra-
dição livresca e na autoridade dos dogmas.
O espírito humano tem em si os meios de
alcançar a verdade, se sóuber cultivar sua in-
uma fábula rasa (tábua sem inscrições), por
isso o conhecimento só começa após a ex":
periência sensivel.
-de-obra com certa instrução - e palco de dependência e conduzir-se'com método"~. 2. O realismo na 'Pedagogia.
frequentes revoltas operárias, o que exigia Vunos no Contexto histórico que o século
-----
A certeza é possívelporque o espírito hu-
maior ação disciplinar, segundo muitos. xvn caracterizou-sepelo cuidadocom o mé- mano já possuiideias gerais clára;se distintas, Qual a influência.das ideias racionalistas
Ainda na França, outra tentativa impor- todo na filosofia,na Ciênciae na educação. que não derivam do particular, mas são ina- e empiristas na pedagogia? Q!a, ainda hoj~,
tante de instrução elementar gr'!-tuitapara Ao retomarmos a discussãofilosófica:da- tos (porque inerentes à capacidade de pen- mesmo quândo o professor não teoriza a
os pobres foi levada a efeito por São João queles que se <?cuparam com o problema sar) e, portanto, não estão sujeitas ao erro: respeito do processo do .conhecimento, tra-
Batista de La Salle, que em 1684 fundou do conhecimento, encontramos duas ten- A primeira ideia inata é o cogito, pelo qqal balha com. pressupostos filosóficos>em que
o Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs. dências opostas: a do racionalismo, cujo prin- nos descobrimos como seres pensantes; de- pode predominar uma ou outra tendência.
Sua obra espalh0!l-se nos séculos seguin- cipal representante foi o filósofoDescartes, pois, são inatas também as ideias de infini- No século XVII, essas ideias, associadas
tes pelo mundo, ampliando a área de ação e a dos empiristas, de filósofoscomo Bacon e tude e da perfeição (por isso podemos ter a ao renascimento científico, influenciaram
pedagógica para o ensino secundário e su- Locke, entre outros. Essas orientações irão ideia de Deus), e as ideias de extensão e de . os pedagogos, cada vez mais interessados
perior e também para a formação de pro- marcar as maneiras de pen~ar na pedago- movimento, constitutivas do mundo fisico. pelo método e pelo realismo em educação.
fessol"es.La Salle privilegiava o francês em gia, inclusive até os dias de hoje. . Enquanto o racionalismo de Descar- A ênfase maior estava na busca de métodos
detrimento do lati.me preferia lições práti- Descartes (159.671650), .considerado o tes prioriza. a razão, na consciência, como diferentes, a fim de tornar a educação mais
.• ~ cas para os alunos, agrupados em classes e Pai da Filosofia Moderna, iniciou um tipo ponto ,de partida de todo conhecÍI]1ento, agradável e ao mesmo tempo eficaz na vida
por níveis de dificuldade. de refie."ãocontraposto à tradição escolásti- Baconi.e Locke-desenvolvem a. concepção prática.
ca. Ao analisar o processo pelo qual a razão empirista. . . Ser realista (do latim res, "cais",")significa
3. Academias atinge a verdade, usou o.recurso da dúuidu. O filósofo inglês Francis Bacon valori- privilegiar a experiência, as coisas do mun-
• metódica. Começou duvidando de tudo: do za a indução e insiste na necessidade da do e dar atenção aos 'problemas da época.
tAs academias do séculoXVI, como vimos, senso .comum, dos argumentos de auto- experiência, criticando o caráter estéril Por.isso, cada vez m~ os autores usavam o
não eram escolasinstitucionalizadas,mas vi- ridade, do testemunho dos sentidos, das da lógica aristotélica, predominantemente vernáculo: nas escolas, apesar de persistir o
savam a atender aos interesses da nobreza informações da consciência, das verdades dedutivista5• . ideal enciclopédico do peno do anterior, a
na formação cavalheirescade seusfilhos.No . deduzidas pelo raciocínio, da realidade do Na mesma linha, Locke - a quemjá nos língua materna se sobrepunha ao latim e a
século JWll, a procuradelasfoi intensifica. mundo exterior e do próprio corpo. Só in- referimos ao tratar do liberalismo - afiro educação física era também valorizada. ..
da justamente porquetepresentava:mã tran~ terrÓmpe a cadeia de dúvidas diante do seu ma que nada está no espírito que não te- A pedagogia realista contrariava a edu-
sição dos padrões conservadores no erisino próprio ser que duvida. Se duvido, penso: nha passado primeiro pelos sentidos. Aliás, cação antiga, excêssivamente formal e re-
- que não mais atendiam aos seusinteresses "Penso, logo ~xisto" (Cogito, erga .rum). a palavra empirismo vem do grego empeiria, tórica. Ao contrário, preferia: o rigordas
- para uma formação mais realista. A partir da capacidade. ordenadora que significa "experiência". Portanto, ao ciências da natureza, buscando .superar .a
- Devido ao progresso da ciência e ante .do conhecimento pelo sujeito que co- contrário do racionalismo, o empirismo tendênCia literária e estética própria do hu-
a decadência das universidades (exceto as nhece, Descartes introduz uma grande • enfatiza o papC:!da ~eriência sensível no manismo renascentista.
da Alemanha), surgiram as academias cien- modificação no pensamento moderno: processo do conhecimento. O que não sig- Por considerar que a educação devia es-
tíficas, às quais os cientistas se associavam "O pensamento, metodicamente conduzi- nifica depreciar o trabalho da razão; mas tar voltada para a compreensão das coisas
para a troca de experiências e publicações. do, encontra primeiramente em si os crité•. "privilegiar ~ experiência, subordinando a e não das palavras, a pedagogia mod~rna
Tornaram-se importantes a Academia ele rios que permitirão estabelecer algo como ela o trabalho posterior çla razão .. exigia outro tipo de didática. No trabalho
Ciências (da qual>participaram Descartes, verdadeiro". Ou seja, trata-se da "crença na Locke critica a teoria das ideias inatas de de instauração dessa escola se empenharam
Pascal e Newton), a Real Sociedade rle autonomia do pensamento, a ideia de que a Descartes, afirinando que a alma é como. educadores leigos e religiosos.
Londres e a Academia de Berlim. razão, bem 9irigida, basta para encontrar a
• Franklin Leopoldo e Silva, Descartes: a metafirica da modernidade. São Paulo, Moderna, 1993, Coleção Lagos,
, Apulà Aníbal Ponce, EdW:llfão e luta IÚ classes. 7. ed. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1986, p.• 124 e p. 8 e 19. .. •
125. 5 Sobre indUção e .rJeáufãtJ, consultar .nota 7 do capítulo anterior.
..
~:~_",-".- .. r.' '"":"";
••.• ,.";".~rff','.,_.7'. ,"'-;~ _. -.".'" - "'!":"'."'i~~~''''''_.''''_
.._' __ ~';.:~,:,,"-~:''_.
3. Locke: a formação do gentil-homem Locke mostra-se severo quando se tra- diferentes, configurando-se assim o caráter em que cada passo se relaciona com figu-
ta de criança elT. idade mais tenra, com .elitista da sua pedagogia. ras.
Embora- vivendo no século XVII, o in- o propósito de submetê-la à vontade dos Para Comênio, o ensinodeviaser feitopela
glês John Locke .exerceu influência muito adultos é de tornar-lhe o "espírito dócil e
obedieIlte". Essa austeridade contrasta com
';<J
,!,
.
4. Comênio: "ensinar tudo a todos" ação e estar voltado para a ação: "Só fazen-.
do, aprendemos a fazer". Além disso, é im~
grande nos séculos seguintes por causa das
concepções sobre o liberalismo e a teoria a recomendação de uma educação ale-' i" A escola da Idade Moderna; em conso- portante não ensinar o que tem valor apenas
empirista do conhecimento. Merece desta- gre, em que o educador nada deve impor; 1..
.;o nância com seu tempo, propunha-se uma para a escola, e sim o que seIVe.paraa.vida.
que também a sua teori~ pedagógica, ex- Ao mesmo tempo que adverte serem os cas- tarefa: se há método para conhecer correta- A utilidade de que trata Comênio faz da pes-
pressa em Pensamentos sobre educação. Na prá- tigos inefic~es, tece considerações a respei- .mente, deverá haver para ensinar de forma soa lIDlser morai, por isSoas escola5'.são"ofi-
tica, Locke exerceu a função de preceptQr to de como punir as crianças. Sobre o tema, mais rápida e mais segura. cinas <4 humanidade";'verdadélrã Iniciação
do filho do conde de Shaftesbury. afirma o pedagogo francês contemporâneo _,i Esse foi o empenho de toda a vida de à vida. Não por acaso,a religiosidádedesem-
Ao criticar o racionalismo de Descartes Georges Snyders: "Não se trata, natural- +.i João Amós Comênio (1592-1670), nascido .penhavapapel marcante na visão'& mlIDdo
Locke desenvolve uma concepção da ment~ mente, de tachar Locke de contradição e, • na Morávia7• O maior educador e pedago- desseeducador e pastor~rotestante.'-
infantil e da educação; enfatizando o papel do menos ainda, de incoerência. Tentamos go do ~éculo XVII, conhecido com justiça £m consonância com o espírito do seu
mestre ao propàrcionar experiênciasfecundas mostrar: Locke encarna um momento de " como o Pai da Didática Moderna, produ- tempo, Comênio queria _"ensinar tudo a
para auxiliar no uso correto da razão. transição que conserva, em grande parte, ziu uma obra fecunda e sistemática; cujo todos". Atingir o ideal da pansofia (de grego
Na lÚJha dos principais criticos da velha os valores antigos, ao mesmo tempo que ,i:'
.principal livro é Didática magna. Sugestiva- pan., "tudo", e sophia, "sabedoria": sabedo-
tradição medieval, Locke lamenta a ênfase descobre novos pontos de vista; e o que há .t: mente, mil dos'capítulos chama-se "Como. ria universal), no entanto, não significa"a.
no latim e G descaso com a língua vernácula 'dé caracteristico é que .unssejustapõem aos para ele erudição vazia (ver leitura comple-
se deve ensinar e aptender com segurança,
e 9 cálculo. Sua pedagogia rea.li$tarecusa a outros, sem que já se.sintam as oposições ..'. mentar). Pensava ser possívelum inventário
. para que seja impossível não obter bons re-
r~tórica e os excessosda 16.gi.ca,ressaltando que, no correr da história da pedagogia, metódico dos conhecimentos universais, de
sultados", enquanto outro trata das""Bases
o estudo ~e história, geografia, geometria não tardarão em estalar"6.
para rapidez dõ ensino, com economia de modo que o allIDoalcançasseum saber geral
e ciências naturais. Valoriza a educação fí- Para Locke, os fins da educação concen- ,1\ tempo e de fadiga" .. e integrado, airida que simplificado,desde o
sica e, como médico e de saúde frágil,- dá tram-se no caráter; muito mais importante
Comênio pre~endia tornar a aprendiza- ensino elementar. Nos outros graus; o apro~
inúmeros conselhos para o fortalecimento que a formaçãp apenas intelectual, embora
.gem eficazoe atraente mediante cuidadosa fundamento possibilitaria a análise critica e
do corpo, o aumento da resistência e do au- esta não devesse absolutamente ser descui-
organização de tarefas. Ele próprio se em- a invenção, pois a educação permitiria ao
todomínio. Para ele, o jogo constitui exce- dada. Propõe o trlplice dese~volvirnento
físico, ~oral e intelectual, característico do penhava na elaboração de manuais - uma .aluno pe~sar por si mesmo, não como "sim-
lente au.'Ciliarda educação, como exercício
novidade para a época - e minuciosamen- ples espectador, mas ator". Só assim haveria
físico, desafio e p.ossibilidadede superação gm.!feman (o gentil-homem). Por isso al:onse-
• lha escolher com cuidado os preceptores, te detalhava o procedimento do mestre, . progresso intelectual, moral e espiritual.ca-
dos próprios limites. .
que dentro de casa cuidarão da educação segundo gradações das dificl.)1dadese co.m paz de aproXimaro indi..nd.uode Deus.
Bom representante dos interesses bur-
ritmo adequado à capacidade de assimila- Para Comênio, o complemento de sua
gueses, valoriza o estudo de contabilidade da criança, evitando-se a escola, onde ela ."
pqdena não ser bem acompanhada ou Vi- ." ção dos alunos. • pan!>ofiaé a ~'Piração democrát-icado ensi-
e escrituração comercial, numa prepara-
giada nos menores passos. O pontoode partida da aprendizagem é no, ao qual todos teriarrtacesso, homens ou
ção mais ampla para a vida prática. Re-
Percebe-se aí, nitidamente, o dualismo sempre o conhecido, indo do simples para mulheres, ricos ou pobres, inteligentes ou
comenda a aprendizagem de algum oficio,
que-persistirá nos séci..tlossubsequentes, ao o com~lexo, do .concreto para o abstrato. ineptos. Corri estas poucas referências, per-
como jardinagem ou carpintaria, sem que
se destinar à classe dominante uma forma- " O verdadeiro estudo iniCia nas próprias cebemos o caráterinovador.do pensamento
isso significasse valorizar o trabalho ma-
nual como ta~ mas como necessid'\de de ção diferente da que é ministrada ao povo coisas, no "livro da natureza", o que repre- de Comênio, de sabor muito atual.
desenvolver umã atividade qualquer, se- em geral e superior a ela. Ao concrár:iode senta Vivaoposição ao ensino retórico' dos
gundo a perspectiva da escola:ativa. Como Comênio (como veremos), Locke não de- '~ escolásticos. A-experiência- senSível, como - -5. Fénelon: a educação feminina
veremos; apenas no século XIX, por influ- fende a universalizaçãà da educação. Para ", fonte de todo conhecimento, exige a eduql.:
ência socialista, o trabalho assumirá uma ele, a formação d~' que irão governar e a . ção dos sentidos. No livro O mundo ilustrado Aberta a discussão sobre liberdade indi-
função de maior destaque na educação. daqueles que serão governados deviam ser (Orbis pictus), Comênio elaborou um texto vidual e o papel da educação para alcan-
. ,
6 'i<\ peda,,"'Ogiaem França nos sé~u1osXVII e XVIII",- in M. Debesse e G. Mialaret (orgs.r, TraJodo das ci1ncias
pedagdgiCrLf. São Paulo, Naàonal, 1974, v. 2: HlSlÓ1ia da pedagugia, p. 331. -
..--- .
1 A Morávia é uma .região que pertencia ao antigo ;eino da Boêmia, -atual República Tcheca.
156 História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Jéculo XVII:a pedagogia realista 157
çá-la, tornou-se quase inevitável tratar da Esse internato pretendia ser a alternativa
formação feminina. Não exageremos, no secularizada -aos conventos femininos, ex- Dropes tiv~se olhos por todos os lados seria
entanto. A perspectiva dessa educação não cessivamente rigorosos na disciplina moral monstruoso, da mesma .forma osena,
via a mulher como pesso~ autônoma, mas e negligentes na formação intel~çtual. Após" ,,I ;ó'Aptéhdá.-seà fazer fazendo. o Estado se todos os' seus cidadãos fos-'
.'~;,
como apêndice em um mundo essencial- seis anos, mesmo perdendo as característi. ,;: ,Os mecânicos não d~têm os apren- sem eruditos'; ,menos obediência seria
mente masculino. cas liberais, ainda continuava' sendo umaS dizésdas silasartes com esPeculações encontrada, e orgulho e' presunção se-
:ii 'riam mais comuns" O intercâmbio de
No Renascimento, Erasmo já tinha teóncas,mas, põem~nosjInediatamente
aconselhado maior cuidado com a educa- :~ç:ai:t~P~~::~~:s~:c:::'~:~ ~~~i.l
ij
a tráb;{lli~para q~ aprendam a fabri- letras huri:i.anasbaniria completamente
ção. fem¥llna, que mereceu de Vives uma , car' fabricando, a esculpir esCulpindo, o do cOIIlérciõ;arruinaria a agTicultura, ,
Conclusão, "i! a verdadeira mãe adotiva ,deis'povos, e
obra especial. No século XVIi, Comêmo a pilÍtar pintaJido, a dançar daIlçaIldo
t::rrnbémtrata do ássunto, mas foi o hispo :t etc, Portanto, t3:rnbémnas ,escolas,deve destruiria -em'potico tempo a criação
de soldados que surgem mais frequen-
Fénelon (1651-1715) que o retomou em No século XVII a Europ'a ainda se deba- aprender~se a escrever' escrevendo, a
A educação dasjo7JCTlS. ' tia na contradição de um~visão aristocráti- .l.
fal:ar'falando,'a cantar cantando, ara. temente em meio à ignôiâp.cia e rudeza
Fénelon viveu na França e foi preceptor ca da nobreza feudal diante de um mundo cIocinar raciocinando etc., para que as que numa atrnosferadecultura polida;
de um dos netos do absolutista Luís XIv, que se construía segundo valoresburgueses. %'!' escolas:uão, sejam senão oficinas onde fin~ente enclIeria a França de charla-
conhecido como Rei Sol. Vivendo na corte, Essa contradição se refletiu, portanto, na .1 se trabalha fervidament~;Assi,m; final- tães mais capazes de arruinaras fanú-
observava com atenção a superficialidade e educação. 'Por um lado, existia a aspiração mefltê, pelos bons resultados da práti- lias pçuiÍculares e perturbar a paz pú-
frivolidade das mulheres, ger3.lmente-mcito a uma pedagogia realista e, em alguns casos, ji ca, todOs experimentirãoa .verdade..do' blica do que aptos a asseguraI-quàlquer
dadas a mexericos e ações tolas. Amaioria até tlllÍ.versalj'estendida a todos.Por.outro, 'j', pro;vérbio:~endb aprendemos a fazer . vantagem para o país. " Se as letras fos-
!.
era semianalfabeta, e algumas, precaria- para além das.discussõesdosfilósofos e te- ,j • ffa/Jrii:anáa fabric~17~ sem profanadas para todos os tipos de ,
mente instruídas, tinham a intolerável'afeta- óricos da educação, de maneira geral as es- Mostre-se o uso dos instrumentos, espírito ver-se-iam,mais'pessoas prontas
ção que resulta da ccl.turamal digerida. Para colas,continuavam ministrando um ensino .r :çnais,colIl,a prá;ti.ça,qp,e'com pala~S, a,levantar dúvidas do que.a resolvê-las,
Fénelon, esses defeitos advinham da falsa conservador, predominantemente nas mãos ?' isto, é, mais com exemplos que com ,emuitas estariam mais prontas a opor-
educação, daí seu empenhei em estabelecer dos jesuítas e de outras ordens religiosas. ~ se à verdade do que a defendê-la. É
régras.(Co~ênio)
novas diretrizes da educação feminina. Por isso, ainda era cedo para sefalar em ~ ::: por esta razão que a política exige em.'
Recomendava uma educação alegre,' educação universal, como pensava Comê-o 2 - Embora o cOIihecimento das letras um Estado bem regulamentado mais
com base mais no 'prazer que no esforço, ruo. O que prevaleceu no século XVII foi seja eminentemente necessário para um ,mestres de arte's mecânicas que de ar-
para que as moças adquirissem instrução a formação do gentleman, do Iwnnê~ Iwmme, país, é 'certo que não devem ser ensina- tes lib~rais para ensinar letras. (Cardeal
geral: gramática, poesia, história e leitura do cortesão, do modelo de uma nobreza " das a todos. Assim como um corpo qlJ.e Richelieu)
selecionada de obras clássicase religiosas. aburguesada (e também de um burguês,
A formação mtelectual da mulhe~ no 'que desejava ser fidalgo). Na realidade, es-
entanto, não e;a absolutamente prioritária, boçava-se na eduçação o duafumo escolar,
• Leitura complementar criatu;a raeional, senhora das outras criatu-
por isso alguns cuidados precisariam ser to- que IDa se manifestar claramente no século
ras, imagem verdadeira do seu Criador: To-
mados. Só as moças de tendências excep- seguinte, ao se destinar um tipo de escola
Didótico magna dos, por isso, devem ser encaminhados de
cionais seriam encoraJadis a continuar os para a elite e outro para ó povo.
modo que, embebidos seriamente do saber,
estudos, enquanto às demais reservava-se Apesar disso, é preciso reconhecer, esta-
Que devem ser enviados às escolas não da virtude.e da religião, passem utilmente
a educação religiosa e moral, que enrique-" "Vanascendo a escola tradiCional, que vai con- ,.
apenas os filhos dos ricos ou dos cidadãos a vida presente e se preparem dignamente
cia a vida doméstica de mães e esposa.&.De solidar-se no século XIX, sobretudo-com.<
~ .pnncipais, -mas todos por igua}, nobres e para a futura. Que, perante Deus, não há
fato, o papel da mulher no lar só poderia Herbart. Essa base aparece, por exemplo, '
plebeus, ricos e pobres, rapazes e raparig~, pessoas privilegiadas, Ele próprio o afirma
ser bem desempenhado se ela fosse pr~pa- nas atenções de Comênio com-o método, a
em todas as cidades, aldeias e casais isola- , constantemente. Portanto, se nós admiti-
rada para exercê.lo. orgariização, do conhecimento, o emprego
dos, demonstram-no as razões seguintes: mos à cultura do espírito apenas alguns,
Na mesma época, em 1686 Madame de racional do tempo de estudo, a noção de
Em primeiro lugar, todos aqueles que excluindo os outros, fazemos injúria, não
Maintenon, mulher de Luís XIV; fundou o programa, o cuidado com ó -mâter:i.aldida-
nasceram homens, nasceram para o mesmo só aos que participam conosco da mesma
Colégio dé Saint-Cyr, para menin?-sentre 7 , rico, a valorização do mestre como guia do
fim priiicipal, para serem homens, ou seja, natureza, mas também ao próprio Deus,
e 12 anos, que aí permaneceriam até os 20, processo de aprendizagem.
'160 História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Século XVII: a pedagogia .realista. 16.1
= ataques de inimigos da Espanha, como Educação
QJustáes sobre 4 leitIlra . franceses, ingleses, e holatldeses. A mais
b) Sob que aspectoll, atualmentl<,
complementar importante e duradoura dessas invasões foi 1. O fortalecimento das missões
a justificativa sobre a necessidad: da ..•........ ,,'o .•••. , "'4 a dos holandeses, em Pernambuco (1630-
educação da mulher Já se baseia em
1. Selecione no texto e comente as pas- -1654). '., Desde;Q séçuloXVI e durante' o X:VU,o
razões diferentes daquelas defendidas
por Fénelon? . sagt::nSque indic<;lIIlas novidades'dá pe-" . No interior do Brasil, prosseguia a ex- modelo de catequese dos índios alterava-se,
dagagia de Comênio. . pansão territorial levada a efeito pelos com o confinamento dos indIgenas nas'redu-
c)Posicionc;:-sepessoaimente.sob~e o .- .. ."
,:.-, ", ..... ,: •...•.
'.",'
bandeirantes, para além do Trata;do de ções ou mis~ões, povoamentos com organiza-
assunto, .huscando contra~argumentar
2. Por.que a paÍJ.s~fianão 'seconfunde Totdesilhas. Estes aventureiros saíam em ção bem complexa, que incluía c(mversão
com Fénelon.
com (J~ples enciclop,edismo? buSca de metais preciosos e apresamento religiosa, educaç~o e trabaiho. As que ~ais
11. Com base nodropes 2, e.<plique de índios para mão-de-obra escrava. Às ve-
se destacaram foram as missões da Amazô-
por que essetextoérepresentativo do pe- 3. Em que o pens~ento de Comênio ies capturavam tribos inteiras, sobretudo ni~ e, ao sul, as da região do rio da Prata.
ríodo estudado no capítulo;Em seguida,. ,contrasta com ode Richelieu? nas missões, onde osjesuítas promoviam a ,Na Amazônia, as missões dos carme-
desenvolvauma argumentação t~ntando aculturação e os protegiam da cobiça dos litas e dos franciscanos 'instalaram-se na
"coilVencer" Richelieu de que muitos 4. Quais os elementos ainda (ltuais do "; colonos. margem esquerda do rio Amazonas, e na
dos se~ temores são infundados. pensamelltod.eCornênio? 0': O maior controle de Portugal sobre o margem direita, para o sul, acomodaram-
Brasil provocou os primeiros conflitos na. -se os jesuítas. Dentre estes,.destacou-se a
tivistas ~ como a Revolta de Re~an no ... átuação do Padre:AntônÍo Vieira, que:fjcou
Maranhão em 1684 -c- devido ao: acirra- na história devicl,oà sua eloquência e aos
P A R i E 11 mento:'da contÍ:adição: entre' os inter.esses Sermões, considerados verdadeiras, p~ças li-
da metr..,6polee os da colônia, uma vez que terárias. Mas a luta de Vieira contra os co-
as restrições ao comércio prejudicavam os lonos que escravizavam indígenas foi cheia
.i Ó Brasil do século XVII colonos brasileiros. Foram.muitos os em- de percalços, desde a primeira vez em que
bates contra osjesuítas, por conta da pro- esse missionário, conselheiro.dorei portu-
Contexto histórico lo econômico da colônia era o agrêrrio-exporta~ teção que davam aos indígenas, até que os guês D.João Iv, chegou ao Brasil;em 1653.
dor depmdente, baseado na produção da cana- colonos enriquecidos começaram a trocar Sua tarefa era evangelizar, erguer igrejas e
No século XVII, continuavam nos países -de-açúcar com o emprego de mão-de-obra os índios pelos escravos africanos. realizar missões entre os úidios do Mara~
europeus a.política absolutista e o mercan- escrava,em que a matéria-prima era enviada Quanto ~ contradições internas, houve nhão. Vencido pelos colonos, por duas ve-
.tilismo. De 1580 a 1640 Portugal esteve sob a Portugal e revendida a outros países. diversos conflitos entre o senhor de enge- zesprecisou se retirar, retornando em 1680,
o domínio espanhol, período em que come- Ainda no período de dominação espa- nho de açúcar e o escravo negro. Um dos ao recuperar seu prestígio. A essa altura, as
çou a sua decadência política e econômica, nhola, a colônia sofreu, com frequência, mais importantes'núcleos de resistênCiafoi ,missões jesuíticas já eram hastante ativas,
tendo perdido muitas colônias na África e o Quilombo tios Palmares (1630-1694), com criação de gado e plan~ões de cana,
na Ásia, como represália dos países con- liderado na fase final por Zumbi e que algodão e cacau..
tra os quais a Espanha estava em guerra: Breye~,..nologfci cI. chegou a abrigar de 20 mil a 30 mil escra- No Sul, os povoamentos conhecidos _
. Por ser a colônia mais' importante, o Bra- perioclo vos fugidos, na região do atual estado de como os Sete Povos das Missões8 inicial-
sil sofreu com o enrijecimento da política Alagoas. Outros se formaram em :Minas mente formavam reduções esparsas nas re-
mercantilista, e a exclusividade do mono- '.Éntradas e balÍd~ . Gerais, onde se deu a descoberta de ouro e .giões do Paraná, Rio Grande do Sul, Pa-,
pólio do comércio passou a ser vigiada com '158Ó~ 1640 ""-.PortUgal sob, o pedras preciosas, no final do século XVII. raguai, Argentina.e Uruguai._Emalguns ,_ "-
maior ateQ.ção.Além disso,Portugal depen- dótní¥0 éSPanh°L ..' . .' .''.. Começava então a deslocar-se o eLxoeco- locais predominavàm os jeSuítas espanhóis
dia cada vez mais da Inglaterra, T:'0tência .'1630":16'54 :-;';:'Rólàndeses'em nômico cIoNordeste para o Sudesté. • e em outros os portugueses, urna;rez que,_
em ascensão. PernaiÍ1buco. .
Ao contrário da Europa, em que.o capi- " ~16S4'':';':::RêVóIci..deBeckmán.
8 Os "sete povos" (tradução do termo .espanhol ptublo, que significa "aldeia'') eram as seg;.ll.t!te.s
missõ:s: ~ão
talismo florescia pela expansão do comércio .'. 1694 -,morte deZtimbi (QUi-
Francisco BOlja,São Nicolau, São Luiz Gonzaga, São Miguel, São Lourenço, São João Batista e Santo Angelo.
e instalação dás manufaturas, o Brasil ainda lombo dos Pa.Jma;res). &, ruínas que restaram dessas missões ~o loc~ de turismo; a igreja matriz de São Miguel foi declarada pela
permanecia na fase.pré-capitalista. O mode- UI)escopamm8mo histórico cultural da humanidade. '
162 História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil . Séculõ XVII:a pedagogia realista 163
pelo Tratado de Tordesilhas, essa região Quanto à destruisão das Sete Missões, panhia; quase toda a mocidade, de brancos de Pernambuco pelos holandeses, quando
pertenceriíl- aos espanhóis. Acossados pelos diz o ar.tropólogo Darcy Ribeiro que elas e mestiços,.tinha de passar pelo molde do . a cidade de Recife entrou em periodo de
bandeirantes que aprisiohavam os índios ou foram "assaltadas pela burocracia colonial, ensinojesuítico, .manipulado pelos padres, breve florescêricia. O príncipe Mauricio
os massacravam, recuaram para a margem pelos assuncenos e peI~s mamelucos paulis- em seus colégios e seminários, segundo os de Nassau cerc~u-se de intelectuais, arqui-
esquerda do rio Uruguai, instalando-se aí tas, propositadamente desorganizadas para . pri?clpios' da flimosa ordenação escol~,. e tetos e artistas, remodelou a cidade, cons-
nas Sete Missões. abolir caracteristicas comunÍZantes.Já em distribuída para as funções eclesiásticas,a truiu palácios, pontes, canais; lojas, ofi-
As redu.ções eram assim chamadas por- fins do século XVIII, os 'índios missionei- .~ magistratura e as letras"9, cinas e instaur!Ju um clima de tol~rância
que os indígenas eram "reduzidos" à Igre- ros haviam sido dispersado;, escravizados A única saída dC?sbrasileiros desejosos religiosa. Naquele momento e"local talvez
de seguir as carreiras profanas, as profissões
ja e à sociedade civil (ver dropes 5). Sua
história chegou a nós envolta em muitas
e conduzidos a regiões longínquas, dissol.
vidas no mundo dos gaúchos, ou, airida,
refugiado~ nas matas onde esforçav3.lJ1 por
.
','1
A
liberais, era o e~1:Udo na metrópole, mesmo
porque ri Colégio da Bahia teve negado o
tivesse se ~esenvolvido uma cultura dife-
rente da jesuítica .
lendas sobre a República Guarani, que, se-
gun.do alguns, se caracterizaria por um co- reconstituir a vida tribal, enquanto suas ter- pedido de equiparação à Universidade de 3. A cultura silenciado
munismo teocrático. De .qualquer forma, ras e seu gado passavam às mãos de novos Évora (portugal), em 1675. -
s~be-se que osjesuítas consegulram tornar donos", A maioria dos estudantes diriiia-se para No século XVII, os núcleos urbanos
essas missões autossuficientes, ensinando a Universidade de Coimbra, também con" ainda eram pobres e dependentes das ati-
os índios não só a ler e escrever, ma~ a 2. Os jesuítas e a educação da elite fiada aosjesuítas, a fim de estudar ciências vidades do campo, onde se concentrava a
se especializar em diversas artes. e oficios' teológicas ou jurídicas. Outros escolhiam maior parte'da população. Por se tratar de
mecâriicos, além, é claro, de submetê-los à No séculoXVII, o ensino no Brasil não Montpellier,na Fra;nça,para a especializa- uma sociedade agrária e escravista, não
conversão religiosa. A aldeia organizava-se apresentou grandes diferenças COIll relação ção em medicina. havia interesse pela educação elementar,
em torno de rigorosa administração, for- ao"do sécultl anterior. O ensino jesuítico Embora recebessem educação padroni- daí a grande massa de iletrados. As mu-
talecida durante os séculos XVII e XVIII manteve a l':scola conservadora, alheia à zada, os brasileiros .entravam em contato lheres encontravãm-se excluídas do ensi~
e sustentada por invejável infraestrut"lra. revolução intelectual representada pelo ra- com outros estilos de vida e traziam a:sas- no, do mesmo modo -que os negros, cujos
Além da igreja, havia hospital, asilo, esco- cionalismo cartes~ano e pelo renascimento pirações da, dvilização urbana mais avan-
filhos nunca deSpertaram o interesse dos
la, casa; os índios aprendiam as práticas científico. Centrada no nível secundário, a çada vislumbrada no Velho Mundo para
pàdres, comô acontecia com os curumins.
agrícolas e de criação de gado, bem como educaçã() visava à formação humanística, contrapor ao modo de vida rural e patriar-
Apenas os mulatos, um pouco mais tar-
a fabricar instrumentos musicais, artigos privilegiãndo o estudo do latim, dos clássi- cal da colônia. Esses elementos de diferen-
de, começaram a reivindicar espaços na
em couro, embarcações, sinos, relógios, cos e da religião. Não faziam parte do cur- cia~ã"Ofizeram germinar ideais políticos e
educação. Diante da importância dada
cerâmica, tecelagem etc. riculo escolar as ciências físicasou naturais, . sociais reveladores da insatisfação com o
aos graus acadêmicos para a classifica-
O al..6e do desenvolvimento dessas mis- bem como a técnica ou as artes. status quo. As univ.ersidades europeias, so-
ção social, aumentou a procura' da escola
sões.ocorreu no século XVIII, quando as A educação interessava apenas a poucos bretudoas portuguesas, ao reunir os estu-
por parte dos mestiçds, o que provocou,
discussões diplomáticas entre Portugal e Es- elementos da classe dirigente e, ainda assim, dantes, desempenharam papdimportante
em 1(389, um incidente conhecido como
panha sobre as fronteiras daquelas regiões como ornamento e erudição. Era literária, . no alargamento de horizontes, inclusive
"questão 'dos' moços p3.rdos":-os col€gios
do rio da Prata se tornaram agudas, uma abstrata ~ além de dogmática -, afastada .' favorecendo o nascente sentimento nati-
vista, cujas-primeiras manifestações surgi- dos jesuítas haviam proibido a m~.tricula
vez que os portugueses haViam desõbedeci- dos interess~s materiais, utilitários, e até es-
ram no século xvn (como já citamos no de mesti~os "por serem muitos e provoca-
do à divisão proposta pelo Tratado de Tor- . tranha, por tentar trazer o espírito europeu
tópico Contexto histórico) e intensificaram-se rem arruaças", mas tiveram .de renunciar
desilhas. A decisão final deu à Espanha. a urbano para ~ ambiente agreste e rural.
no século seguinte. à decisão discriminatória, tendo em vista
Colônia do Sacramento, ficando'com Por- Com J) tempo, a ed~ção atendia a um
segmentQ.novo, o da pequena burguesia Outro foco de alteração no pa.""lorama os subsíqios que receb~,-por .serem es-
tugal as Sete Missões. Só que os indígenas
urbana qne aspirava à ascensão social. Diz .- da tradição colonial ocorreu com a invasão cotas públicas 10.
deveriam mudar-se dessas aldeias para a
parte ocidental do rio Uruguai, o que signi- F~d~ ~e.Azevedo; "En~e as três ins~-
ficava abandonar tudo o que haviam cons- ttnçoes sbClalSque maIS sern.ram de canalS
truído, além de se exporem à gana dos co- de ascens~o, a farn:íliapatriarcal, a Igreja e a ~I
n li r:uJtura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4. ed..rev. e ampl. Brasília, Ed., UnB, 1963,
lonos.•Lutaram bravamente nas chamadas escola, estas duas últimas, que constituíram ~n3. .
"guerras guaraníticas", até sucumbirem à um contrapeso à influência da casa-grand~ Apud Maria Luísa S. Ribclro, Hirlúria da educação brasiieira: a organização escolar. 17. cd. Campinas, Autor~
III
História da Educação e da Pedagogia '-'- Geral. e Brasil Século XVII:a pedagogia reansta. 165
164
A visão etnocêntrica que motivava a de arte~ãos fez com que ~s padres trouxes-
educação europeia na colônia fez com que sem irmãos oficiais -para praticarem aqui Dropes Só aqueles que pretendiam dar aos fi-
- , sempre se desprezasse a cultur~ popular, suas especialidades, como também, e prin- lhos a pôssibilidade de uma carreira no
influenciada pelos indígenas e negros e cipalmente, para ensw.arem seus misteres l' '. Senhora Dona Bahia, / nobre e serviço dlj.Coroa é que se preocupavam,
que permaneceu marginal e condenada à a escravos, homens ]iwes, 'fossem negros, opulenta cidade, / madrasta' dos natu- . com o ensino formal. (Maria .Beatriz
expectativa de homogeneização, umll. vez mestiços e índios". rais, / e dos estrangeiros madre. Nizza da Silva)
que a cultura erudita e europeizada erã. o Apesar desse empenho, continuou no. Dizei-nie por vida vossa / em que
modelo a ser seguido. Mais ainda, os co- Brasil um certo desprezo pelo trab.alho fundais o ditame / de exaltar os que 4 - A força militaI; a sujeição ao tra-
lonizadores de início concebiam os índios man~al, que, por ser oficio de escravos, ín- balho, seivil .e '8;8 doenças epidêmicas'
, aqui vêm / e aba~er os que aqui nas-
como seres inacabados, que mereciam o dios e pobres, sempre foi visto como "tra~ trazidas pelós europeils provocaram o
cem? (Gregório de Matos)
"aperfeiçoamento" pela educação. E de- balho desqualificado". maior genocídio da história da,humani.
dade: no primeiro século da conquista,
pois, na medida em que os temiam, os se- 2 - A forma em que se expnrmam
a população originária da América foi
gregavam corno "ferozes" 'e "inferiores" e Conclusão oral:!ores,cronistas' e poetas era, como
reduzida em cerca'de 90% - dos cerca
que, portanto, deveriam ser submetidos à continuaria a ser por muito tempo, a da
de 80 milhões.dehabitaiJ.tes do momen-
força. O mesmo menosprezo ocorria com Um olhar crítico sobre o Brasil do século língua culta falada na metrópole, na sua
to da 'chegada de,Colombo, no irlício do
os sabere~, a religião e a música da cultura xvn nos revela o profundo fosso entre a pureza. vOcabulare sint;í.tica,e com as
século XVII restavam não mais que 8
negra. vida 'da colônia e a da metx:ópole,devido qualidades ou vícios.de' estilo variáveis
milhões~(Marcos Del Roia)
. Apesar da influência dessas culturas" que. às.intenções de exploração de Portugal. Por cQm,~g~stos individuais.e as,moedas
podemos sentirg,té hoje, o que se destaca . isso, manteve-se a economia agrária deren- Iii:etácias.tánto o&.Sermões.do padre 5 • Diariamente, neste povoado re-
é a. exclusão explícita desses s.egrnerrto:r$ ",dente;:fundada na, escravidão ,e à margem Antôrriu Vieira, coma:. sua' magnífica. ducional" ouve-se o som metálico do
educação formaL das mudanças implantac:lasna Europa. éloquência, como as sátiras de Oregó- sino,' chamando os indígenas para
No campo da educação, enquanto na .rio de'Matos, apelidado o "boca de in- o ensino, para a catequese, a missa
4. A aprendizagem de ofícios ferno", peraS mas invectiyas e pelos seus 'ou para. o trabalho comunitário. (... )
Europa se estabelecia a contradição entre
reIn0ques. cé?ntra tudo e. coirtra todos, É neste espaço urbano que poderiam
o ideal da p~dagogia realista e a educação
dirigiain-se a um público de classe,mais ser abandonadas. as atitudes e os pa-
Os segmentos subaltern;s preparavam- . conservadora, no Brasil a atuação da Igreja
preparado para compreendê-los, seme- drões culturais julgados impróprios, e
-se para a sociabilidade e para o trabalho permaneceu muito mais forte e duradoura.
lhante ao público escolhido de Lisboa, substituídos pelas normas comporta-
por meio de uma educação informal. Diz Segundo Fernando' de Azevedo, esse
de Coimbra ou do Porto. (Fernando de mentais julgadas comO ideais na orga-
Luiz Antônio Cunha: 'í\. aprendizagem ensino promgveu a uniformização do pen-
Azevedo) nização política, econômica e cultural.
dos oficios, tanto para os escravos quanto samento brasileiro "do norte e do sul, do
, Pára atingir esses objetivos, era neces- .
para os.homens livres, era desenvolvida no litoral e do planalto", impondo a religiosi- 3 -,A partir dos 7 anos, os filhos de 'sária a Redução, ou seja, que os indíge-
próprio ambiente de trabalho sem padrões dade cristã sobre as influências do juáeu, . pleb~us, ou mecâcicos, iam geralmen- rtasJossemreduzidos à Igreja e à vida
ou regulamentações, sem atribuições de do índio e do negro. Se o catolicismo di- te aprender um oficia-com um artesão, civif{?zd...(cclesiam
etuitam civilem esset re-
tarefas para os aprendizes"lI. • fundido pela Companhia de Jesus foi o ficarido mesmo a morar em casa do' ductz). Para'uma. perfeita cristianização,
- No entanto, podiam-se: se encontrar "cimento da nossa unidade", pergunta- mestre com seus aprendizes. Os filhos era necessário, inicialmente, reduzir os
"escolas-oficinaS" para a formação de ar- mos se educar seria realmente neutralizar de lavradores com poucos escravos co- indígenas ao novo espaço urbano, pois
tesãos e outros oficios, por. iniciativa dos as diferenças. No capítulo 11 veremos que, meçavam a ajudar nas fainas agrícolas. só ali seriam levados a viver "-política-
. jesuítas.Já vimos noitem I como esse en- de acordo com a visão" contemporânea, , Os tropeiros levavam os -filhos com as mente" como na antiga cidade-estado
sino existia nas missões guaranis. Nos cen-. democratizar a educação não significa ho- tropas. Os mercadores punham-nos nas_ ~(pólis), reme~ando assim a "in:acio-
tros,urbanos, segundo' Cunha, "a raridade mogeneizar culturas. suas lojas ou armazéns e os grandes ne- nalidade". de andarem dispersos pelos
t:
. gociantes começavam a treiná-los para montes e matas, vivendo como "feras"
caixeiros depois de os fazerem passar e adorando "falsos ídolos": (Amo Al-
pelo aprendizado das primeiras letras. . varez Kern)
, .
11 O mrina tk qficios artesanais e TTW:Tl1f!ir.turms no B~ trCTtlllocmta, apud Silvia Maria Manfredi, Educa;ão projissio;al
no Brasil. São Paulo, Cortez, 2002, p. 67 e s.
166 História d~ Educaçã.o e da Pedagogia - Geral e Brasil Século XVII:a pedag!lgLa,~re=a=lis=ta~ _ 167
o Leitura complementar NIStoestá, talvez, a maior diferença entre
o clima mental do período heroico (..., e o . ;, trabalho." Com bas~ nessa citação de
e
[A educação a realidade social] do novo período, que se lhe sucede.Naquele,
os missionários e educadores compartilham
).
,,:,, ~,
Fernandó de Azevedo e no dropes 3,
responda às questões:
;:
.. No isolamento dos colégios, cerçados das necessidades e anseios da coletividade e ., . a) Como ê compree~dida'na colônia "
de conforto, começam a medrar a rotina, se identificam ponto por ponto' com os seus !: 1;,,Ocolonialismo foi um modo encon- a ~elaçãoentre trabalho int~lectuale ma-
a .despreocupação e o desinteresse pelos problemas econômicos, políticos e sociais; trado .p'elo capItalismo europeu para nual? '.'
problemas temporais e materiais da so- para sobre eles atuarem num sentido bené- crescer.:Quais as vantageI1;Sque as me- b) Em que medi<h a tradição es-
ciedade colonial em formação~ Como' fico, construtivo e mesmo salvador.Neste, os . trópoles obtinham das colônias?Discuta cravista pode t'er iI:fluençiado' essa '
desfastio, os estudos proporcionam uma educadores, voltados para a cultura do passa- sobre,quais foram as repercussões desse forma de avaliação? ..
evasão. Nesse otium cum dignitate12 repon- do clássicoe medieval, abdicam dessa função Pt<>c:~so nohIteresse pela educação. c) Por 'que 'se pod~ considerar "de
tam as especulações metafisicas, as dispu- de liderança social, divorciam-sedas realida- ornamento" a formação intelectual da
t~ções filosóficas e as sutilezas da casuís- des imediatas e.comprazem-se nas sutilezas 2. Com'base na questão anterior, discu- elite?
tica formal, girando em torno de postu- formais da cultura, nos requintes de erudição , ta com seu grupo quais são as sequelas
lados,i!JCiomas e princípios abstratos da . e na imitação dos paradigmas ciceronianosa. da' colonização 'que até hoje se~tiru.os 7. Relacione os dropes 4'e 5 e posicio-
Escolástica tradicional. O ensino torna-se, então, formal, desp.rovi- . na e~ucaçãobcisileira. . . ne-se a respeito.
O retorno às fontes autorizadas do sa- dô de conteúdo ideológico e social; quando
ber clássico e medieval oferece a essa elite muito, forma literatos que irão ocupar me- 3. Compare a continuidade e ~ mu- 8. O que vimos até agora faia inter-
de estudiosos uma fuga ~ uma compen- dioCremente os cargos intermediários da dança na atuação dos jesuítas no século ferência do europeu na cultura nativa,
sação reconfortante aos aspectos mais' ronceira 15 administração pública da colônia. XVI e no X.VILquanto. aos seguintes seja:'doíndio, seja do africano: Faça uma
grosseiros e materiais -da luta pela vida, A cultura deixa de ser posta a serviço d,,!so. pontos: missões; educação seeundária; pesquisa com seu grupo a fim de levan-
em que lá fora se debatem os colonos. ciedade, como força no'rteadora e propulso. aprendiZagem de oficios; na sociedade. tar aspectos daquelas "culturas silencia-
A especulação abstrátiva os enobrece e ra, para se colocar à margem da vida, dedi-' das", mas que perduram até hoje.
dignifica, colocantlo-os à parte e acima cada inteiramente ao culto do passado e à 4.. Comente o traço nativista que trans.
do rudimentar escalonamento social que conservação dos :esquemasmentais clássicos parece no poema de Gregório de Matos Q.uestões sobre a leitura
se esboça na colônia. Cria-se, .assim, um e das convenções sociais estabelecidas. (dropes1). compleme~tar
mundo irreal, entretecido de abstrações e Es.sedivórcio; no Brasil,entre a cultura e a
minúcias de erudição. As peças de retó- realidade social incq:rporou-sena nossa tra- 5. Com base no dropes 2, responda às 1. Como o autor Caracteriza a educa-
.rica e de perenética 13 sacra, interc.aladas
com versificações latinas, apólogos e epi-
gramas, completam o quadro cultural em
dição e chegou até nossos dias. Ainda hoje
lutamos contra a inércia dessa tradição, pro-
curando restabelecer, na educação nacional,
que se alimenta esSa elite deestudio~os. O _ o nexo vital entre ti. cultura e a vida social,
,r't'
,,, : .,,~
questões a seguir:
• a) Em oposição à língua culta,tínha-
mos a lf.ngua geral. Discorra sobre o as-
ção ministrada pelos j~uítas no século
'~
2. Q~_~ diferençl.S.3
que aparecem
sunto, consultando o capítulo anterior
retorno saudosista ao passado, à mentali- perdido desde o período heroico. para relembrar do que ~etrata. . na educação do século XVII?
dade da Idade Média, justifica e sq.nciona ""~ ::, .' b) Comente a semelhança entre a re-
o alheamentoe a fuga dessa elite intelec-
tual às trepidantes e triturantes realidades sil:
Luiz Alves de Mattos, Prim6rdios da eductlfiIo no Bra-
o período heroico (1549 a 1570): Rio delaneiro,
"'1'
... -, ..
I.
:'
'l""
ferida produção literária e a educação 3. A partir do que foi estudaçlo no ca-
l1: ." da elite no Brasil colonial. Posicione-se pítulo, explique os motivos que levaram
Gráfica Editora Aurora, 1958, p. 296 e 297.
imediatas da colônia: i. ;
a~~ito. ' ao prevaltcimento da principal tendên-
cia a que q autor se refere, .
6. "O título de bacharel e de doutor
;;'):
mantinha-se como um sinal de classe, e 4. O au~or escreveu o texto em meados
12 Otium cum dignitam, "ócio com dignidade": expressão indicatiVa do lazer ocupado com atividades intelectuais,
próprio das sociedades em que o trabalho manual é exercido por escravos ou servos, como na Antiguidade ), as mãos dos filhos do senhor de enge- do século XX: discuta com seu grupo
greco-romana e na Idade Média, , • nho ou do burguês dos sobrados con- se a conclusão dele ainda vale hoje em
"'Percnética: conjunto de discursos sobre questões morais e religiosas. tinuavam a repugnar as ca10sidadesdo dia, OU não.
" Paradigma ciceroniano: modelo de retórica e escrita do pensador romano Cícero.
"Ronceiro: vagaroso.
. '
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.Capítulo Século das Luzes~'
,o ideal liberal
de educação
I1lQrquêsde Pombal em
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",-v..'W.moderna.com.br
meados do século XVIII.
Impresso
2011
110 Bmsil, '
.. 171
mesmo) configura o pensamento liberal de 3. O despotismo i1ustrcido
.• p A R T E I um Estado não-intervencionista.
• Na política, as ideias liberais opunham- A ilustração marcou presenç~ inclusive
A ped4gogia liberal ~ laica se ao absolutismo,As teorias contratualistas,
segundo as quais a legitimidade do poder
em países como Prússia, Áustria, Rússia e
Portugal, nós quais persistia o abso1utis:'
.. Contexto histórico o grande acontecimento europeu foi a resulta do pacto entre indivíduos, desde o mo, entãq chamado de despotismo esclarecido.
Revolução Francesa (1789), que depôs os século anterior tinham sido elaboradas por (ou ilustrado), porque .os'reis se faziam cer~
Bourbons. Contra os privilégios hereditá- Locke, como vimos no capítulo anterior. car por p.ensadcirese adotavam tJ discurso
1 . As revoluções burguesas ,No século XVIII, Rousseau retomou a dis-
rios da nobreza, os burgueses defendiam os dos filósofos iluministas, procurando criar
prinCípiosde "igualdade, liberdade e frater- cussão do contrato social numa perspectiva a imagem de racionalidade e tolerância,
Grandes transformações abalaram a Eu-
nidade". menos elitista e mais democrática, o que dissimulava o caráter absoluto do
ropa no século X'VIILA burguesia ocupara,
, • Na moral também se buscavam formas poder.
até então, posição secundá,ria na estrutura'
laicas, que permitissem a n,aturalização do Enquanto para 'o absolutismo clássico
da sociedade aristocrática, cujos privilegia- 2. As ideias.iluminisfasl
comportamento humano. No livro Emílio, do século XVII a legitimidade do poder
dos eram a nobreza e o clero. Os nobres, ,~
sustentados 'por pensões governamentais, O iluminismo ou ilnstração (em alemão, ,i Rousseau propõe uma pedagogia baseada real se fundava no direito divino dos reis -
levavam vida ,parasitária na corte, tinham Ar.ifkliinmg) é uma das marcas importantes 'i no retomo à natureza, à espontaneidade do
sentimento, a fim.cl..eevitar' os preconceitos
premissa que fora rechaçada pela política
isenção de impostos e gozavam o beneficio do século XVIII, também conhecido como J' : liberal dos pensadores contratualistas -, os
de seremjulga,dos por leis próprias. . o Século das Luz;es. Luzes significam O poder<:..:~ que corrompem a vida moral. Ao mesmo déspotas esclarecidos mantiveram o absolu-
:\b.burguesla',:ênriqUecidapelos resultados '.c1,arazão humana de interpretar e reorga-: ••. tempo, os enciclopedistas Diderot e Helve- tismo mas, pelo meno~ na aparência, des-
tius recuperam a importância das paixões
, daRev(jlução(lom~~illltn-tQntraV<!.~~e,n.Qt nizar o mundo. vestido,de seu fundamento relig:1oso:o que
entanto, onerada;cotl"la,~Ç1e .impostos. O otimismo com respeito à razão já era - : ' como vivificadoras do mundo moral.
se defendia era o poder absoluto fundado
o Na religião, o deísmo é uma espé~e de
'e, 'embora tendo'ascendido."ectinomica- anunciado desde o Renascimento, quando no direito natural e, portanto, constituinte
mente pelallJi;mçacom,areal~'" a nova concepção de ser humano valori- "religião natural" em que não haveria lugar
de um Esta:do leigo, secularizado, ciisposto
tà,tesseÍltia.::.'Se~~'mettantilismb;cada vez' zava os poderes do indivídw contra o teo- "-', para os dogmas e fanatismos. Os filósofos
a intervir em diversas áreas, inclusive na
maiS btoqüêadbtêlã'~ua: iniciativa. . centrismo medieval e o princípio da auto- deístas não aceitavam,la revelação divina
educação, até então privilégio das institui-
. Em 1750, a entrada da máquina a va- ridade. No século XVII o racionalismo e a nem rituaiS do culto, admitindo que Deus
ções religio~asou de preceptores particula-
por nas fábricas marcou o ínício da Re- revolução científica acentuar~ essa ten- era apenas o Primeiro Motor, o Criador do
res. Nesse sentido, pregava-se a moderniza-
volução Industrial, que àlterou definitiva- dência, de modo que no Século das Luzes Universo, o Supremo RelojoeirO.
ção do país, a s~r alcançada pelo progresso
mente o panorama socioeconômico com o indivíduo se descobre confiante, como ar- ". Na França, o iluminismo expandiu-se
científico e pela difusão do s~ber dos pensa-
a mecanização da indústria. Tornou-se ~ce do futuro, e não maiS se contenta em com a publicação do trabalho de seusfilóSo-
, dores modernos.
inevitável que a burguesja, já detentora do contemph:tra harmonia da natureza, mas fos, sobretudo a Enciciop~dia, cujos verbetes
foram confiados a diversos autores, como Em Portugal, essas mudanças ocorreram
poder econômico e sentindç-se espoliada quer conhecê-la para dominá-la. no tempo do rei D.J~sé I, por meio da atua-
pela nobreza, reivindicasse para si o poder Era, portanto, uma natUreza dessacrali- Voltaire, D'Alembert, Diderot, Helvetius
Ç~9 de seu primeiro-ministro, o marquês de
~po~tico. zada, ou seja, desvinculada da religião, que e, apesar das divergências com quase todos
estes, também Rousseau. Outro iluminista Põmbal, chamado SebastiãoJosé de Carva-
~o século XVIII explodiram as revolu- reaparecia em todos os campos de discus-
francês de destaque foi Montesquieu. . lho'e Melo (1699-1782). Durante o período
ções burguesas. Em 1688, na Inglaterra, a são no século XVIII.
• 1 Revoit\ção Gloriosa já destronara os Stu- o Na eoonomia, olíberalismo representava
Na Inglaterra, os principais "representan- em que exerceu influência'sobre o rei, de
_J~ c!9J!uminismo foram Newton e Reid, 1750 a 1777, promoveu diversas reformas
arts â-bsolutista5.As ideias hoerais de Locke as aspiraçõesda burguesia desejosade geren;_
herdeiros de Locke e-Hume. _ importantes no sentido de incrementar a
espalharam-se pela Europa e também pelo .ciar seus negócios, sem a intervenção do Es-
Na Alemanha, D movimento ficou co- produção naciQ.l1al,incentivar as manufatu-
Novo Mundo, onde ocorrerarp. movimen- tado mercantilista. Segundo oS.teóricosFrari-
nhecido como Aujkliirung, e dele participa- ras e desenvolver o comércio colonial, além
tos de emancipação, alguns bem-sucedidos, çois Quesnay (1694-1774) e depois Aclaro ,
ram WQlff;Lessing, Baumgarten. Foi Kant, da interferência na escolarização, como já
como a Independência dos Estados Unidos Smith (1723-1790), a distribuição'de rique-
(1776), outros violentamente reprimidos, zas segueleis "naturaiS". A expressão "Laissez no entanto, o filósofo por excelência desse dissemos.
período, e sua obra sistemática marcará a Como veremos, todas essas alterações ti-
como as Conjurações .Mineira (17a9) t:: Jwe, úzissezjlasseT; le monde va de !ui mêrne" 'Peixe
Baiana (1798) no Brasil. fazer,deixe passar, o mundo caminha por s~ filosofiaposterior: veram repercussão no Brasil.
I'
I , tica, como: . serviam às classes privilegiadas. Enredadas res, com especial atenção para o método e se sobrepunham, aos limites estritamente
• educação ao encargo do Estado; no sistema medieval de corporações, as uni- o conteúdo do ensino. Em 1763 o Estado pedagógicos. Os jesuítas foram expulsos de
: • obrigatoriedade e gratuidade do ensino versidades mantinham o ensino escolástico, assumiu o controle-da educação, ao nome- diversos países - de Portugal e, portanto,
'. elementar; alheias ao movimento iluminista. Restavam ar inspetores e instituir um exame no final do Brasil em 1759 - até que o papa Cle-
• nacionalismo, isto é, recusa do univer- as academias; em qúe' os futuros dirigentes do curso secundário para o acesso à. uni- mente XIV extinguiu a Comp~hia de Je- ,
salism~jesuítico; . estudavam matérias mais úteis, como arte ver~dade. • ' sus em 1773 .
••ênfase nas línguas vernáculas, em detri- militar, fortificações, balística, e praticavam AléJ?1das escolas populm:es elementares Já dissemos que, em Portugal, o grande
mento do latim; esgrima e equitação, esportes considerados e das tradicionais, foi criada a Reo1rduúe (Es- gestor da introdução das ideias iluministas
• orientação prática, vol~ para as ciên- I'lobres_ cola Real), com ensino técnico e cientifico, foi o marquês de Pombal, que agiu com
.cias, técnicas e oficios, não mais priv1lt:gian- Apesar dos projetos de estender a edu- onde se ensinavam matemáticas, mecânica, rigor na' reforma do ensino. Ao expulsar
do o estudo exclusivamente humanístico. os jesuítas, instituiu naquele mesmo ano á.
cação a todos os cidadãos, prevaleceu o ciências naturais'e trabalhos manuais. Cou-
Em consonância com as aspira~ões ilu- educação leiga, com responsabilidade total
dualismo escolar, ou seja, uma escola para be, portanto, à Alemanha o mérito de ini-
ministas, o marquês de Condorcet, eleito do Estado. Como se vê, Portugal foi pionei-
O povo e outra para a burguesia. Essa dua- ciar o processo de oposição ao ensino tradi-
~
"
.. deputado' da assemb1eia legislativa france-
lidade era aceita com tranquilidade, sem o cional e exclusivo de humanidades. ro nessa intenção: a estatização qo,ensino
sa após a Revolução, defendi?- os ideais da ocorreu em 1763 na Prússia,. em 1773 na
temor de ferir o preceito de, igualdade, tão Ainda na Alemanha, Basedow (1723-
educação popular. Em 1794, redigiu o Pla- . Saxônia, enquanto na França, mt' década
caro aos ideais revolucionários. Afinal, para 1790), admirador de Rousseau, deu início
no de Instrução Pública (conhecido como de 1790 (após' a Revolução FranC6a), essas
a doutrina lib'eral, se o talento e a capacida- aó importante movimento pedagógico co-
Rapport), que estendia a todos os cidadãos a , ideias ainda eram debatidas na.as"Semb1eia
de não são igualmente repartidos ~ntre os nhecido como jilantropismo2. Em Dessau,
instrução pública e gratuita e ô saber técni-
indivíduos, por consequência, é natural que fundou o instituto. Filantropinum, no qual legislaliva.
co necessário à profissionalização. O plano
est"esúltimos não sejam iguais em riqueza e muitas ideias iluministas foram postas em Pombal'instituiu as aulas régiasr'régias"
não foi aprovado, mas inspirou outros pro-
oportunidades. prática. Para BasedoWj a..educação tem por porque pertenciam ao rei, ao Estado e não
jetos. Em 1793, a pedido de Robespierre,
No periodo napoleônico (início do sécu- fim dar condições para o indivíduo se~feliz, ,à Igreja). Começou estruturando os cha-
Le Peletier apresentou um Plano Nacional
lo XIX), muitas das tendências liberais da por isso a aprendizagem deve ser prática e mados Estudos MmIJTes, que correspondiam
de Edpcação, que daVa realce ao sistema de
ao ensino fundamental e médio (primeiras
educação nacional corno mola mestra do , Revolução Francesa foram abandonadas. agradável e estimular a atividade r:acional e
O Estado demonstrava mais interesse pelo a intuição, mais do que a memória. Dedi- letras e ensino de humanidades). Em 1772
'hovo regime p-olítico e sociaL - . .
ensino médio porque via com desconfian- cou igual interesse pela educação fisicR. 'foi iniciada a segunda fase, com a Reformá
As ideias de educação universal reapare-
dos Estudos Maiores, quando se reestrutu-
cerão com mais força no século x:r?~. ça a iniciativa do ensino particular, cujos Embora. não tenha permanecido mwto
rou a Universidade de Coimbra. Afastada a
programas reviviam o formalismo dos an- tempo na direção da escola, Basedow ins-
2. Dificuldades é10 ensino tigos colégios jesuítas. Por se descuidar da
instrução primária gratuita e popular, aos
, poucos esse segmento foi retamado pelo A unificação alemã ocorreria ap<:nasno século XIX.
i, Apesar das discussões avançadas sobre o I
I ideal liberal da educação, era crítica a situ- clero. ! Filantropia Significaamor à humanidade (do grego pltilos, "amigo"; antropos, "homem").
i 175
.~
-.~-~174-----. História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Século. das Luzes: o ideal liberal de educação
.. _1
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Companhia. de Jesus, assumiu a Ordem do do Estado. Essa posição foi defendida pelo a
Ao contrário, Diderot, mesmo como um . mocrática do que teoria daquele filósofo
dos mais atiVosorganizadores da Enciclopé- inglês. ~ara Rousseau, .o indi'víduo em es-
Oratório - a qualjá tiriha recebido prote'" francês.La Chalotais no Ensaio de educação
nacional. Como vimds, também era esse o dia, defendia posição mais democrática. Es- taqo de natuI:eza é bom, mas se corrompe
ção do rei em 1740 -, que era conhecida
empenho de Condorcete Le Peletier, au- crevendo à imperatriz Catarina da Rússia, na sociedade, .que destrói sua liberdade:
pela visão mais avançada, aberta às ideias
tores de projetos apresentados à assembleia aconselhava a Universalização da instrução: "O homem nasce livre e por toda.parte en- .
iluministas.'Na reformulação do ensino de
legislativafrancesa. "É bom-que todos saibam ler, escrever e .contra-se a ferros".. Consider.a então. ã pos-
filosofia.e letras, optou-se pela lingua mo-
Agr\J.paremos as contribuições predo-, contar, desde o primeiro-ministro ao mais sibilidade de um contI:ato.socialverdad(:iro
derna (e não olarim), pelas matemáticas e
minantemente teóricas da pedagogia da humilde dos camponeses (... )Porque é mais e legítimo, que reúna o povo numa só von-
ciências da natureza, procedendo-se tam-
llustração em três tendências fundamen- dificil explorar um camponês que sabe ler tade; resultante do consentiinento-qe todas
bém à atualização dos estudosjurídicos.
tais: os enciclopedistas, o naturalismo de do que um analfabeto"'. as pesso<).S..
Em 1772, Pêiriibàlinstituiu o subsídio lité-
Rousseau e a pedagogia idealista de Kant. A concepção política de Rousseau foi
rário, impc.sto destinado a financiar as refor-
Embora Pestalozzi (1746-1827) pertença 2. A pedagogia' de Rousseóu menos elististaque a: de Locke, por conta da
mas projetadas, o que valia também para
'em parte a esse período, preferimos men- cli:ffrentenoção de soberania. Para Rousseau,
o Brásil. Dessa forma, os professores eram
cioná-lo no capítulo seguinte, por repre- O filósofoJeanJacques Rousseau (1712- o cidadão .não escolhe representantes a
selecionados e pagos pelo Estado, toman-
sentar melhor as características do séCulo -1778),natural de Genebra, na Suíça, aban- quem delegar ó poc,ler- como defendiam
do-se funcionários públicos.
XIX. Veremos também os teóricos da edu- donou sua terra natal aos 16 anos. Levou Locke e a tradição liberal -, porque pa:ra
Embora a escola fosseleiga na sua admi-
cação em J,'ortugal. uma vida conturbada, andando por diversos ele só o povo é soberano. Em outras palavras, o '.
nistração, continuava obrigatório o ensino
No espírito do iluminismo, os filósofos lugares, ora por espírito de aventura,..ora pacto que institui o governo não submete o
da re1igião católica e havia severo controle
da Inquisição sobre a.bibliografia utilizada, franceses' Diderot, D'Alembert, Voltaire, e,
.devido a perseguições religiosas. Em PariS, povo a ele, isto os depositários do poder
Rousseau e Helvetius não erampropria- onde passou a residir,conviveu com os enci- não são senhores do povo, mas seus oficiais,
rejeitando-se os "abomináveis princípios
mente educadores, mas encaravam o en- c1op.edistas, tomando-se muito amigo de Di- e apenas executam as leis que emanam do
franceses", sobretudo as idéias republicanas
sino como veículo importante das luzes da derot. Divergia dos demais em muitos pon- povo. Nessr:sentido, Rousseau critica o re-
que solapavam o Antigo Regime e, contra a
razão e no combate às superstições e ao tose teveinúmeras desavenças coin Voltaire, gime representativo e defende a democra-
fé tradicional, a religião natural ou deísmo. .i'
que não lhe poupou severas críticas. cia direta, pois toda lei não ratificada pelo
É preciso não esquecer que o despotismo obscurantismo religioso. '~",
Alguns deles mantiveram um viés aristo- Dentre suas obras destacam-se: Discurso povo é nula.
esclarecido queria modernizar o país, mas
crático, isto é, acreditavam na capacidade sobre a origem da diiigualdade entre os Izom.ens, Do Portanto, o soberario é o povo incorpo-
preservar a monarquia absolutista e a re-
de bem usar a razão como atributo de uma contrato social, ambos sobre política, e Em1J.io rado, o.corpo coletivo que exprime, na lei, a
ligiosidade. A propósito dessa.contradição,
IJU da educayão {1762). vontade geral. Segundo ateori~deRousseau,
veja o cOI,llentáriodo historiador português . elite intelectual. Voltaire dizia em uma car-
ta ao rei da Prússia: ''Vossa majestade pres- Rousseau ocupa lugar de destaque tia fi- a vontade geral não se confunde com a VOB-
Rómulo Carvalho no dropes 3.
.tará um serviço imortal à humanidade se losofia política - suas obras antecipam o tade da maioria, como. o senso comum po-
Veremos no próximo tópico quais foram
conseguir destruir essa infame superstição ideário da Revolução Francesa -, além de deria pensar, porque as decisões não resul-
os mentores intelectuais que teorizaram
[a religião cristã], não digo na canalha, in- produzir uma teoria da educação que nãl!l tam daJipmatória das vontades individuais,
sobre a educação em portugal,. tais como
digna de ser esclarecida e para a qual todos ficou restrita apenas ao século XVIII: seu mas expressam o interesse comum, isto é,
D. Luís da Cunha, Ribeiro Sanches e Luís
os jugos são bons, màS na gente de peso,,3. pensamento CQnstituium marco. na peda- o interesse de todos, como participantes da
,An_'toniq;yeI1:ley. goiía contemporânea. comunidade .
"', "",.;,. Era esse também o espírito que animava a
.1 cou uma revolução copernicana na peda- se reduz à dimensão in!electual, como se a natural.' Avaliando as críticas a Rousseau
gogia: assim como Copérnico inverteu o natureza pudesse ser apenas razão e refle- •
r
modelo astronômico, retirando a Terra do xão, porque antes da "idade da razão" (15 "; o preceptor: a dialética "liberdade e Não resta dúvida qüârito'ao caráter ino-
centro, Rousseau centralizou os interesses anos) já existe uma "razão sensitiva". Por- obediência" vador d<lSideias de Rousseau,porém muitos
pedagógicos no aluno e nãó mais no profes- tanto, os sentidos, as emoções, os instintos e, não lhe poupam críticas.ou algum,asreser-
sor. Mais que isso, ressaltou a especificida- os sentimentos são anteriores ao pensar ela- É delicada a função do professor na pe- vas;pelo menos. Uma creIasé aaqisação de
de da criança, que não devia ser encarada borado, e essas disposições primitivas são dagogia rousseauniana. Se não deve impor propor uma educação eirtista,já éftl~Emílio
como um "adulto' em miniatu!'a". ' mais dignas de confiança do que os hábitos '" o saber à crian5a, tampouco pode deixá-la é acompan,hado por UII}; p~ecept~t,'proce-
Até então, os fins da educação encontra- de pensamento inculcados pela sociedade. no puro espontaneísmo. Afinal, ela deve dimento próprio dos ricos. Outra refere-se
vam-se na formação do indivíduo para Deus Como amante da natureza, Rousseau. aprender a lidar com os próprios. desejos à separação entre aluno-'esociedáde: neste
ou para a vida em sociedade, mas Rousseau quer retomar o contato com animais, plan- e a .conhecer os limites para se tornar um caso, estaria defendendo uma educação in-
quer que o ser hlunano integral seja educa- tas e fenômenos fisicos dos quais o indiví- indivíduo adulto dono de si plesmo. Seme- dividualista.
do para si mesmo: "Viver é o que eu desejo duo, urbano frequentemente 'se distancia: :; 1,
lhante ao processo de formação da cidada- Mesmo admitindo a procedência des-
ensinar-lhe. Quando sair das minhas mãos, '~ coisas! as coisas! Nunca repetirei bas- .- nia, em que o cidadão se submete à vonta- sas críticas, não convém esquecer qlll~
ele não será magistrado, soldado ou 'sacerdo- tante que damos muito poder às palavras~'. de geral, também a criança descobrirá por Rousseau recorre à abstração _metodoló-
te, ele será, antes de tudo, um homem". Desse modo, valoriza a experiência, a. edu- si própria ~ leis das éoisas e das relações gica de urna relação ideal, hipotética -
Sua obra Emílio relata de forma roman- cação ativa voltada para a vida, para a ação, ;; inteIJ>essoais. semelhante à do contrato social".- a fim
ceada a educação de um jovem, acompa- cujo principal motor é a curiosii:lade. Po; exemplo, se Emílio quebra a vidraça, de formular a tec"ia pedagógica. Ou seja,
nhado por um preceptor ideal e afast~do Além de naturalista, a educação precorti- deixam-no dormir sob o vento. Se a quebra perguntar como s 'ria possível a educação
da sociedade corruptora. O projeto de umã zada por Rousseau é tambéin de início ne- de noVo;é colocado em um quarto semja- . natural de Emílio -:m uma sociedade cor-
"educação conforme a natureza", entretan- gativa. Desconfiado da sociedade constitui. nelas: ''Dizei-lhe secamente, mas sem rai~: rompida significa tratar do mesmo proble-.
to, não significa retornar à vida selvagem ou da, Rousseau teme a educação que põe a . as janelas- são minhas; aí foram colocadas ma da política, quando nos perguntamos:
'" primitiva, e sim buscar a verdadeira nature- criança em contato com os vícios e a hipo- poi meus cuidados; quero garanti-Ias"6. Como é possível estabelecer a vontade
za, que corresponde à vocação humana. crisia: "Se o homem é bom por natureza, Enquanto sucumbe ao impulso, .é. escravo geral em uma sociedade que ainda não é
Vejamos então os possíveis sentidos do segue-se que permanece assim enquanto .do seu desejo e, quando aprende que exis- democrática? Para os filósofos contratua-
conceito de natul'e(.a, a fiin de entender o que nada de estranho o altere. (... ) A educação tem leis, sozinho as descobre: a liberdade listas, o estado de natureza não é uma situa-
significa a pedagogia naturalista de Rousseau. primeira deve portanto ser puramente ne- é, pois, a obediência à lei por ele mesmo ção histórica que exÍstiü no tenIpo, mas.
Ao fazer a crítica do regime feúdal e dos gativa. Ela consiste não em ensinar a virtu- aceita. Assim, Emílio vê-se diante dos atos 'uma -hipótes~.para .su~ntar a argumen-
costumes da aristocracia, Rousseau preco- de ou a verdade, mas em preservar o cora- e de suas consequências. tação sobre o p'acto original .. Do mesmo.
niza uma educação afastada do artificia-' ção do vício e o espírito do erro. (... ) Sem Aprendendo a controlar-se no mundo modo, também não estana sendo propos-
lismo das copvenções sociais. Da mesma preconc€itos, sem hábitos, nada teria 'ele fisicoe nas relações com as pessoas, aos 15 to um ensino centrado apenas na relação
maneira que, na esfera política, o cidadão em si que pudesse contrariar o resultado de anos começa para ojovem a educação mo- professor-aluno.
elabora as leis' da sociedade democrática, vossos cuidados. Logo ele se tornaria, em ral propriamente dita. De posse da verda- Além disso, o fim do ensino não é educar
'também a educação deve buscar a espon- vossas.mãos, o ~ais sensato dos homens; e deira razão, só então ele poderá observar o solitário Erqilio, mas inseri-lo na socieda-
taneidade original, livre da escravidão aos começando por nada fazer, teríeis feito um . as pessoa,s:e suas paixões e também iniciar de. Compreende-se o artificio de Rousseau
hábitos exteriores, a fim de que o indivíduo prodígio de educação"5, . a instrução religiosa, porque falar precoce- . porque, por ser liberal, concebia' a soéieda-
seja dono de si mesmo; agin~~;por interes- mente de Deus com a criança apenas:se lhe de como uma justaposição de in.divíduos,
ses naturais e não por constràngimento ex- RoussealJ não dava muito valor ao co- ensina a idolatria. Rousseau defende a reli- e a crítica ao individualismo só apareGerá
terior e artificial. nhecimento transmitido e queria que a " gião natural, como a do deísmo iluminista, mais tarde, com as teorias socialistas.
5 Jean-:Jacques RDusseau, Emílio ou da eri;:cafào. São Paulo, Dife~ 1968, p. 80. 6 Jean-JacquesRDusseau, Emílio ou da educafão, p. 88.
178 História da Eéfuéação e da Pedagogia - Geral e Brasil Século. das Luzes: o ideal liberal de educação 179..
Ainda a~e fundadas as críticas ao cará- Para Kant, ."0 nosso conhecimento experi- . Agir moralmente é; portanto, agir pelo os aspectos morais sobre os intelectuais na
~era-histórico dessa hipótese, ao Dtimismo mental é um composto do que recebemos dever. Além disso, a ação tem uma yalida- formação dos jovens: "Mandamos, em pri-
~x'agerado da ação da natureza e ao redu- por impressões e do que a nossa própria de objetiva e universal, que se estende para meÍrOltigar, as crianças à escola, não na in-
zido papel do preceptor, lembramos qu;: faculdade de. conhecer de si mesma tira todo ser racional, daí a afirmação de Kant: tenção de que nela 'aprendam alguma'coi-
Rousseau é um opositor da educação do. por ocasião de tais impressões". Ou seja, o ~ ''Âge de' modo que a máxima ~a,tua;,ação sa, mas à fim de que se habituem a observar
seu tempo, extremamente autoritária, inte- conhecimento humano é a síntese dos con- ~; possa sempre valer ao mesmo tempo como pontualmente o que se llies ordene". O que
ressada em adaptar e adestrar a criança e teúdos particiJ.lar~5.dados pela experiência;; princípio universal de conduta". nãosignmca adestrar: a criança à obediên-
que, ao contrário dele, se apoiava na con- e da estrutura universal da razão (a mesma ~~ Decorre 4esse raciocínio que a pessoa cia passiva, mas ensiná-la a agir com planos
cepção de uma natureza humana má. para todos os indivíduos).:{ .não realiza espontaneamente a lei moral, e submeter-se a uma disciplina. Kant quer
Por fim, pode-se ainda criticar a posição f!. mas a tnoralidade resulta da luta interi.or atingir. a obediência voluptária, capaz de
de Rousseau com relação à mulher, que, A consciência moral entre a lei universal e as inclinações indi- reconhecer qu~ as exigências são razoá.veis
segundo ele, deve ser educada para servir viduais. Assim, a verdadeira ação moral, e superiores aos caprichos momentâneos.'
aos homens. Embora fosse essa a concep- Para Kant,' no entanto, a razão não é,:; como resultado de um ato de vontade, tem Mesmo quando, existe, a coerção tem
ção corrente no seu tempo, alguns teóricos, capaz dê conhecer as realidades que não J por fundamento a autono'mia e a liberdade. por finalidade propiciar a liberdade do
como Comênio e Condorcet, já teciam se. oferecem à nossa experiência sensível" A ação moral é autônoma porque o ser sujeito moraL Em última allálise, cabe. a
. considerações sobre a maior participação tais como Deus, a imortalidade da alma, '~;:
humano é o único ser capaz de se deter- cada um proceder a sua própria formação.
da mulher na sociedade. a liberdade e a infinitude du Universo.'; minar segundo leis que a própria razão Ao u,nir educação e liberdade, Kant rtdefi-
.Ou'seja, as. questões metafisicas. não são ~: estabelece (e não' conforme leis dadas ex- ne a relaçãope~ca, reforçando a ativi-
3. Kant e-a P~a9~~~
idealista. acessÍVeis- an',conhecimento.. '.r
:~
ternamente; como na heteronomia): Para dade do. aluno;, que deve 'aprendera :"pen-
O filósofo supera o impasse mostran- " que seja possível a vida morai autônoma, sar por si me~mo".
o alemão Immanuel Kant (1724-1804) do quej além da ato de conhecimento, O 'li porém, é preciso partir do pressuposto da OmesBlo principio da conduta moral
construiu um dos maisimportantes sistemas indivíduo é'capaz .de outra atiyidàde es- " liberdade da vontade. vale para o saber; que também' deve ser um
filosóficosno séculoXVllI, de marcante in- piritual, o exercício da consciência moral, ~' .ato de liberdade. Nenhuma verdade vem
fluência na história do pensamento. por meio da qual rege a vida prática con- t Educação e liberdade de fora (não é transmitida, nem deve ser
A obra Sobre pedagogia resultou de anota- forme 'certos princípios. Estes princípios ;, imposta), mas é construída pelo sujeito.
çéiesdas aulas ministradas em alguns perío- são racionais, mas estabelecidos não pela 'i' A moral formal, constituída a partir do Coerente com o conceito de autono-
dos na Universidade de Kõnigsberg. Mas a razão especulativa (voltada para o conhe- postulado da liberdade e baseada na auto- , . mia do pensar' e do agir, Kant destaca a
importância atribuída por Kant à educação cimento científico), e sim pela razão prá- " nomia, exige a aprendizagem do controle liberdade de credo e valoriza a tolerância
encontra-se fundamentada nas obras mais tica, que orienta a ação humana, a Vida & do desejo pela disciplina, a fim de que a religiosa. Embora tenha sido educado sob
clássicas, Crítica da razão pura, na qual desen- prática e moral. ~;; pessoa atinja seu própriogo'Verno e seja ca- .severa disciplina pietista?, preocupa-se - à
volve a crítica do conhecimento, e Crítica da Analisando os prinápios da consciência :1 paz de autodetermina~o. semelhança de Rousseau - com os m"cos.
razão prática, em que analisa a moralidade. moral, Kant conclui que só o ser human6 ;':~
iih'
Podemos então perceber o elo entre os das s1.!Perstições:inculcadasdesde cedo nas
No livro em 'tJ.uetrata do conhecimento, é moral, por ser capaz de atos de vontade. '" pressupostos da filosofia kantiana e sUa crianças. A pessoa moralmente livre é um
Kant retoma o debate --mencionado no E ~ vontade é verdadeiramente. moral se .i concepção pedagógica. Cabe à educação, fim em si mesmo, e não meio para coisa
capítulo anterior - entre os racionalistas regida por imperativos categ6ricos, isto é, por ao desenvolver a faculdade da razão, for- alguma, para ninguém, nem mesmo para
(representados por Descartes) e os empiris- imposição incondicionada, absoluta, como ';,! mar o caráter moral: "O homem só pode Deus. Com essas afirmações, Kant mostra-
tas (Bacon e Locke).Ao examinar a insufici- .acontece quando' a ação realizada visa ao i? tornm--se homem pe1é\ educação, e ele é -se mais uma vez como representaI!te do
'ência das duas posições, elabora uma teoria dever pelo dever, e não ao dever em troca '"
:.j{.
tão-somente () que a educação fez dele". É Ihllni~Wº, ao b~~ .9s~fimdamentos 5ie
que investiga o valor dos nossos conheci- de um beneficio. Assim, não tem o mesmo < ela que lhe permite atingir seu objetivo ÍI1- uma educação laica, própria do pensamen-
mentos a partir da crítica das possibilidades valor moral dizer: "se você 'quer ser feliz, dividu.ale social. to burguês.
e limites da razão. ajude ao próximo", ou "não mate, senão À semelhança de Rousseau e Basedow, . Os princípios kantianos serão reexarni-
Condena os empiristas, segundo os quais você será' preso", porque são exemplos de dos quais sofreu influência, Kant destaca nados no século XX por .diversos autores
tudo o que conhecemos vem dos sentidos, imperativos hl.potéticos, nos quais o agir é con- ..
i! e não concorda com os racionalis~,para dicionado a uma vantagem desejada ou a 1Pietista: partirlári; do pi£lisma, movimento religioso originário da Igreja Luterana e conhecido pelo J'Ígor dos
j
os quais tudo o que pensamos vem de nós. urna puniçãD a ser evitada.. costumes e fé extremada. .
I
I
180 História da Educação e da Pedagogia .- Geral e Brasil Século das Luzes: o ideal liberal de educaç~o 181.
','"O.
do cariz laic09 do movimento iluminista- em em meio a ambiguidades e contradições, e
na área da moral e da educação, como Pia- com a elite intelectual européia. Com a
PortUgal. Já à partida, demarca-se o terri- muitas vezes a educação ministrada de fato
get, Kohlberg ou ainda Habermas. Esses atenção voltada para aspectos da medi .•
tório do discurso pedagógico, pontqando a desmentia as aspirações teóricas. Apesar dis-
teóricos seguiram rumos diferentes, mas cina social, escreveu Método para aprender e
diferença em relação à metodologia do en- so, álgumas ideias eram aos poucos incorpo-
utilizaram largamente os fecundos parâme- estudar a medicina e, na área da pedagogia, ~:
radas, alimentando sonhos de mudança. .
o sjno jesuítico que acentuava, desde o prin-
tros do filósofo alemão: . . elaborou Cartas sobre a educação da.mocidade. O Século das Luzes expressoú no pen-
cípio do aprendizado, o latim como lingua-
Ribeiro Sandies era cristão-novo (judeu " samento controvertido de Rousseau anseios'
gem fundadora. A proposta de Vemey, ao
4. A pedagogia el ' Portugal convertido) e criticou acerbamente a into~ que animariam as.reflexões pedag6gicas no
contrário, salienta o valor básico da ~amá-
lerâncÍa religiosa que impedia a prosperi- ,~, tica nacional: a língua de origem, como re- período subsequente. Atacando o .ideal de
Já vimos o que significou a reforma do dade de Portugal, bem como a atuação ferência de comunicação verbal, deve cons- pessoa "o em-educada" , de cortesão ou de
ensino em Portugal, sob a orientação Cio compacta da Companhia de Jesus, cujo tituir o princípio dos estudos da gramática. gentil-homem,' Roussea,u: propõe o desen-
pode~ copsiderava excessivo e pernicioso. Ao criticar os castigos corporais, os exercí- volvimento .livre e esponçâneo, re~eitando
marquês de Pombal. Trataremos agora de
Defendia o .ensino público, totalmente cios de memória e as práticas afetadas da a existência concreta clã: criança. "Deste
lembrar alguns teóricos que refletiram so-
administrado pelo Estado. conversação em latim, Verney aborda temas modo, a pedagogia. roiSsseaUniana foi a
bre os novos rUI]1osda ped~gogia. Não que
Luís Antonio Verney (1713-1792) era 'sa- relativos ao aprendizado da retórica, de suas primeira tentativa radical e apaixonada.
se dedicassem exclusivamente a essa temá-
regras e a questões de estilo como veículos de oposição fundamental à pedagogia da
tica, mas se ocupavam com a educação em cerdote formado em direito. Viveu na Itália,
privilegiados de expressão do diseurso"lO. essência e de criação de perspectivas para
decorrência do desejo de implantação das onde escreveu O verdadeiro método de estudar, na .
A esse propósito, Verney critica severamen- uma pedagogia da êxistência", é o que afir-
~d~ias ihuninistas nas novas gerações. Por língua materna e, para evit.ar.represálias, sob
te a estética barroca e teoriza sobre o neo-. ma Bogdan Suchodolski 11.
. 'serem -portugueses que passaram a morar pseudpnimo. A professora Carlota Boto. as- Veremos como as ideias de Rous~eau
clássico (ver leitura complementar 3)~
no exterior - geralmente devido a desa- s~ resume suas propostas: "Verney - como influenciaram as mais diferentes correntes,
. I Além da discussão de temas éticos, Ver~
venças e perseguições, sobretudo da Inqui- D. Luís da Cunha e .Ribeiro Sanches - irá sobretudo as tendências não-diretivas, no
I ney preconiza a educação da mulher, para
sição -, esses intelectuais eram conhecidos atentar para os grandes óbices colocados à século XX. .
que possa aprender bem a língua e ocupar-
I como estra:ngeirados. - . sociedade portuguesa pela ação da Compa-, . se com atividades que não sejam frív04ls. O pensamento de Kant também se in-
!
I
D. Luís da Cunha (1662-1740) viveu no . nhia de Jesus e pela tradição inquisitorial de ;, E ainda porque'as mães sempre são as pri- sere no movimento de critica à educação
tempo de D.João V, a quem serviu como di .•. intolerância religiosa. Sob tal perspectiva, meiras educadoràs. - dogmática, aberto pela ilustração. Embo-
ele sugere; secularização dos tribunais da In- Embora nem sempre essas ideias fossem ra não concebesse as normas e os modelos
plomata em várias capitais da Europa, como
conforme a própria existência concreta
I! Londres, Madri e Paris, sofrendo a influên-
cia das idéias iluministas. Comparando a
quisição pelo poder real; ampliação da defe-
sa dos réús; restrição da tortura; abolição .de
levadas a efeito na prática, muitas delas me~
receram a atenção do governo nas leis que e variável (mas de um sujeito universal),
nem por isso admite o modelo tradicional
estagnação de Pôrtugal com aqueles países autos-de-fe públicos; rejeição.da crença na esboçaram mudanças a serem cumpridas
de ideal, que se imporia exteriormente ao
em que a economia se desenVolvia, analisou possibilidade de pactos demoníacos. Verney . ao longo do século séguinte.
indivíduo .. Para ele são as leis inffexíveis e
suas causas em Testamento político, dedicado ao manifestará, sob tal aspecto, rútidas preocu-
Universais da razão pura e da razão prática
pações quanto à necessidade de re$trição da Condusão
prínêipe herC~ (que seria o futuro D.José que constroem o conhecimento e a lei mo-
1). Acusava a ação intolerante da Inquisição. fisca1ização eclesiástica a propósito da censu- ral, o que significa a valorização definitiva
Temos observado como as mudanças nas
que perseguia judeus e hereges, afastando ra de livros"8. . • do sujeito como ser autônomo e livre) para
relações entre os seres humanos - socíais,
indivíduos produtivos. Além disso, D. Luis Quanto à educação, ao sugerir a forma- o qual tanto o' conhecimento como a. con-
políticas, econômicas - exigem transfor-
considerava os protestantes mais avançados . ção de indivíduos para a pátria e para a re- mações da educação, em vista das diferentes duta são obras suas.
do que os conservadores católicos. ligião, continua Carlota Boto: "Essa conju- Por fim, as ideias pedagógicas dos "es-
metas a serem alcançadas. Desde o Rerias-
RiSeiro Sanches (1699-1783) era'mé- gação entre intentos civis e religio~os parece trangeirados:' levaram para Portugal os
cimento, lutava-se contra a visão de mun-
ser {•.•)atônica predominante da llustração sopros do iluminismo europeu, que deram
dica renomado que atuou na corte da do feudal, aristocrática e religiosa, à qual
portuguesa. Não se pode confundir, então, o substrato teórico para importantl;s refor-
Riíssià e em Paris conviveu com os ilumi- - se opunha a perspectiva burgue~a, liberal e
nistas. A convite de Diderot, participou -as seve~ críticas imputadas ao clero com leiga. Como vimos, esse movimento se fez
o
mas no ensino.
da Enciclopédia, além de se corresponder apressadas e impróprias inferências acerca
9 Cariz laico: aparência secularizada, não-religiosa.
10 ~numinisrno e educação em Portugal: o legado do século xvm'ao XIX", in Maria Stephanou e Maria He-
8"Ilurn1ci=0 e educação em Portugal: o legado do sêcu10xvm a~ XIX", u;, Maria Stephanou e Maria Hele-
l~na Cama.ra Bastos (orgs.),KlStária.r e numória.r da Miucaçãono Brasil, v.I: Siculos XVI-XVIII, p. 166.
na Camara Bastos (orgs.),Histúrias e memórias da ~ no BrasiL Petrópolis, Vozes, 2004, •• I: Sku1Ds m-XVI1l,
11 A pedagogia e as grrmdM CIJf1tTIÚSfilos6ficas. 3. ed. Lisboa, Livros Horizonte, 1984, p. 40.
p.165.
183
.História_daEduc~e da-P.~dagogia.' Geral e Brasil Século das Luzes: o ideallibe~al de educação
182
sensato"doque querer substituí-laspelasnos- sões estranh~ e, para impedirdes que surja
tria, ao resjleit'b às leis, uma instrução- sas;e seria o mesmo exigir que uma criança o mal, não vos apresseis em fazer o bem
Dllopes
que possa facilitar-lhe o progresso na . tiVessecinco pés de altura do que juízo aos porquanto este só o é quando a razão ~
1 - O que ~ o iluminismo? A saída do sua arte, mas ritinéit ürriâirisfiüçãõ ({de'., dez anos. Com efeito, que lhe adiantaria ter ilumina .. Encarai tddas as clilações como.
possibilite a direção dos negócios da' razão nessa idade? Ela é o freio da força, e a vantagens: gaiiliar muito, caminhar p'ara
homem da sua minoridade, da qual é
PáÍria e a administração do' governo .. criança não tem necessidade desse freio. o fim sem nada perder; deixai a infància
ele próprio o responsável. Minorida-
Em resumo, para ~er universal, a edu".;! amadurecer nas ériaI).ças.Alguma lição se
de, isto é, incapacidade de se servir do
cação pública deve ser tal, que todas 'Ponhamos como máxima incontestável faz necessária? Evitãidar-lha desde logo, se
seu entendimento sem a direção de ou-
as classes, todas as ordens do Estado' . .que os primeiros moVimentos da natureza puderdes adiá-la.sem perigo ..
trem, minoridadé da qual-é ele próprio
responsável, jâ que a sua causa reside dela participem, mas não uma educa- são sempre retos: não existe perversidade Outra consideração que confirma a uti-
ção em que todas as classes tenham a" original no coração humano. lidade deste método está no temperamento
nãe num defeito do entendimento, mas
'numa falta de decisão e de coragem de mesma parte. (Filangieri) ,. particular da criança, que é preciso conhe-
se servir dela sem a direção de outrem. A educação primeira deve portanto ser cer bem para saber. que regime moral lhe
"Sapere audeI" Tem a coragem de te 3 - (... ) em 24 de setembrO de 1770, puramente negativa. Ela consiste não em en- convém. Cada espírito tem sua forma pró-
_ servires do teu próprio entendimento. uni edital da Real Mesa Censória tor- 'sinar a virtude ou a verdade, mas em preser- pria, segundo' a qual precisa ser governado,
Eis _~a divisa do iluminismo. (Kar;t). na pública 'un\à listá de livros proibidós •• var o coração do vícioe o espírito-doerro. Se e o êxito depende de ser governado por essa
por conterem doutrina "ímpia, falsa, te~ ; , pudésseisconduzir vosso aluno são e'robusto forma e não por outra. Homem prudente,
,_:-.: até aidade de 12 anoS';-£emque:ele-soubesse: .- atentai'langamente' -para-oa, natureza;ob-
í 2--Aeducação.públicaexige,.para'ser. _ .merfuiar.bl~eroa, ..hetética,ciSmática,.-,'i . ~.-
I universal, cfue todos os indivíduos' da.' ._sedicfusa"ofénsiva':dapaz e sossego:pú- .: ,~; diStinguirsuamão direitade sua mãQ'esquer; . servai' cmdadosamente' vosso. aluno'..antes
sociedad~' participem. dela, ~ cada:- blico". Na longa lista figuram Hobbes, .i: - da, logo.às-vossasprimeiras-liçõesosolhosde. deJhe.dizerdes. a,primei~a palavra; deixai
um de acordo com as circunstâncias Diderot, Rousseau, Voltaire;..La. Fon- : _ l seu entendimento se-ãbririam para a razãó. antes de tudo que o germe de seu caráter se
e com O'seu destino.' Assim; o colono taine; Espinõsa etc~'De. todos oslivros.-'; . 1 Senl preconceitos,.sem. hábitos, .nada teria reveie em plenahberdade,.não exerçaisne-
deve se~instruído para ser colono, e recolhidos e condenados. mantlou o' ~- ele em si que pudesse contrariar o resultado nhumacoerção a funde-mcihor' vê-lo por
não para ser magistrado.' Assim, o ar- Ihâfquês de Pómbal-proceder a grandes' -c -~. de vossoscuidados. Logo ele se tornaria, em inteiro. Pensais que esseperíodo de liberda-
tesão deve receber na inf'anciaUína fogueiras no Terreiro do Paço e na Pra- vossasmãos, o mais sensato dos homens; e de seja perdido para ele; Ao contrário, será
instrução que possa afastá-lo do vício' ça do Pclourinho, em Lisboa. (Rómulo começando por nada fazer teríeis feito um o mais bem emptegado, pois assim é que
e conduzi-lo à virtude, ao amor à P~- Carvalho) prodígio de educação. aprendereis a não perder'um só momento
Fazei o contrário do uso e fareis quase de tão pre.ciosa fase. An passo que se co-o
sempre bem. Como não se quer fazer de meçardes a agir antes de saber como, 1igi-
forma de cobrança de impostos instituída contra a Companhia de Jesus. O governo vros e manuscritos importantes destruídos.
rou modernizar o reino a fim de manter o por Pombal, pela qual, sob proteção de temia o seu poder econômico e político, Segundo alguns historiadores, de .início o
absolutismo real. Nesse sentido, combatia tropas, se exigia que a arrecadação de uma exercido maciçamente sobre todas as ca- desmantelamento da eStrutura educacional
toda forma de oposição. cidade atingisse um mínimo estabelecido. :.~ madas sociais ao modelar-lhes a consciên- montad~ pela Companhia 'deJesUs foi pre-
E no Brasil, o que estava ocorrendo? As Esse procedimento arbitrário e violento ~ cia e o comportamento. Ainda mais, desde judicial, porque, de imediato, não se substi-
plantações de cana-de-açúcar d~ Nordeste criou um ambiente de tensão, ampliad().~, os tempos de Nóbrega, a Coroa se compro- tuí\! o ensino regular,por outra organização
sofreram rude golpe com a concotrên~ia pelo desagrado com diversas outras medi. metera a destinar-lhe uma taxa especial de . escolar, enquanto. os índios, entregues à sua
estrangeira, Porém, com a descoberta das das, como a criação das companhias para 10% da arrecadação dos impostos, além da própria sorte, abandonaram as missões.
minas, de ouro, o centro econômico deslo- controlar o monopólio do comércio e a proi-
~".
doação de terras. A ÇJompanhiatomara-se Várias me~das antecederam as prim~i-
Cou-se para o sul de Minas Gerais e região bição de qualquer atividade manufatureira " então muito rica, com. todos esses benefI- ras providências mais efetivas, levadas a
Sul. O período de produçãtl âurífera esten- no Brasil (alvará de 17'85, de D. Maria I, a
o .;~:
cios, sem contar a produção agrária ?as efeito só a partir de 1772, quando teria,sido
deu-se.do final do século xvn até meados Louca). Outro fator de descontentamento missões,altamente lucrativa. implantado o ensino público oficial. A Coroa
do século xvm. . era a crescente centralização político-ad- ", Entre as muitas *gações' políticas às nomeou professores, estabeleceu planos de
Enquanto predominava a cultura ca-
n<rvieira, a estrutura social se baseava na
ministrativa, que distanciava ainda mais a intromissões dos jesuítas, Pombal atribuiu e
estudo inspeção e modificou o curso de
colônia da metrópole. à Companhia o interesse de formar 'um humanidades, típico do ensino jesuítico,
classe dominante dos senhores de engenho, .Não por acaso, também os movimentos' "império temponil cristão" na região das para o sistema de aulas régias de disciplinas
cujo poder se fundava na propriedade da contra a opressão colbnial se manifestaram missões, referindo-se à resistência indígena isoladas, como ocorrera na metrópole. Para .
• terra e na exploração agrícola por meio na região. Em 1720, em Vua Rica, a revolta dos Sete Povosdiante da determinaçao de o pagamento dos professores, o governo ins-
j
de trabalho escravo. Com a mineração, de Filipe dos Santos foi reprimida de forma transferir seus núcleos. tituíu'o "subsídio literário", a fim de gerar
"
surgiu' ump. organização social diferente. violenta, e em 1789 a Conjuração Minei- Quando foi decretada a eXpulsãodosje- recursos que "nem sempre foram aplicados
O processo de urbanização provocou o au- ra não reivindicava' apenas reformas, mas suítas,em 1759, só na colônia a Companhia .na manutenção das aulas", segt!11doSérgio
mento da população nas cidaaes13, dando . contestava o pacto colonial, embora não tinha "25 residências, 36 missões e 17 colé.• Buarque de Holanda.
início a uma pequena burguesia, dedicada conseguísse impor a nova ordem. Seme- gios.e seminários, sem contar os seminários As vantagens proclamadas pelo ensino
. !
ao comércio interno. A administração mais lhantemente, foi sufocado um movirnento menores e as escolas de ler e escrever,insta- .reformado decorriam <da intenção de ofe- .
complexa da cidade exigia a expansão dos mais radical ainda, a Conjuração Baiana, ladas em quase todas as aldeias e povoações recer aulas de lírlguas.modernas, como o
" quadros do seto~ terciárjo ~ojas, armazéns, em 1798. " onde existiam casas da Companhia"l •. francês, além de desenho, aritmética, geo-
hospedarias etc.).
metria, ciências naturais, no espírito dos
Novos ventos sopravam .na éidade, reu- Educação 2. A r~forma pombalina n~ Brasil novos tempos e contra o dogmatismo da
nindo gente de toda parte, desejosa de enri- tradição jesuítica.
quecimento. Notava-se mesmo certa mobi- 1. As aldeias missioneiras Além de sua atuação nas missões, os je-' De acordo com a historiografia tradicio-
lidade social, ou pelo menos uma estrutura. suítas tiveram' influência na educação dos nal, o marguês de Pombal não conseguira
"movediça", como-diz Sérgio Buarque de No. capítulo anterior, vimos como foi filhos dos colonos, cujo foco estava vqltado de imediato introduzir as inovações de sua
Holan~a: Valores mais flexívéis opunham~ a atuação dos jesuítas durante os séculos para o ensino médio, já que o governo de teforma no Brasil, após ter desmantelado a
-se- à ngIdez dos padrões da aristocracià XVI e XVII, sobretudo nas missões, cujo Portugal não permitia a criação de uni- estrutura jesuítica, o que teria provocado o .
l! '~p?pulação da co1ô,nia,do início para o fim qo século XVIII [passou] de 300.000 habitantes para 3.300.000,
na maJ.or parte concentrados nos altiplanos das Gerais". (Nelson Werneck Sodré, Síntert dt lzisi6ria tia cuUwrtbra- H Fernando de Azevedo, A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4. ed. 'rev,e amploBrasília,
sileira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970, p. 21.)
Ed. UnB, 1963, p. 539.
190,
História da Eooc-ação e da Pedal!jogia - Geral e Brasil Século das luz~s: o ideal liberal de educação 191
-------- _.- --
.
- ,
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i
de Coimbra, mas: pela difusão entre nós de
obras iluministas, aquelas' recomendadas
uma nova metodologia de ensino, distinta
daquela tradicional baseada em castigos fi~
foram criadas - no final da século XVIll
• havia 631 delas -, seguilldo.o mesmo SÍste-
. ma de. corporações ~tente na.metrópole.
entre o.s letrlidos e a maio.riada população
analfabeta.
por Pombal e também as que foram por ele sicos e na memorização. ESsa tradição de três séculos acentuou o
. Ou seja, os mestres registravam os aprendi-.
condenadas. É interessante lembrar que não podemos gosto pelo "anel de doutor", a pose e o dis-
-zes, que, depois de quatro anos ou m~is, re-
Conforme a descrição da professofil Ma- imaginar al~õs assistindo a aulas em pré- curso empolado. Diz Gilberto Freyre: "Daí
cebíam o certificado de oficiais, após exame
ria Lucia Spedo Hilsdorf, "mesmo sem im- dios escolares, como hoje, porque os luga- a tendência' para a oratória, que ficou no
devidamente supervisionadol7•
prensa na colônia, as ideias circulavam em res de estudo eram improvisados (ver leitu- brasileiro, perturbando-o tanto no esforço
panfletos e cópias manuscritas, em cader- ra completar da segunda parte do próximo de pensar como no de analisar as coisas.
Conclusão
nos de notas, em textos embarcados clan- capítulo). Além da educação doméstica, em Mesmo ocupando-se de assuntos que pe-
.destinameÍlte e vendidos com muita rapidez que os mais abastados pagavam precepto- No século xvm, permanecia grande o çam' ~ maior sobriedade verbal, ~.precisão
para os interessados. (... ) Roberto Ventura res para seus filhos, reuniam-se' as crianças 'de preferência ao efeito literário, o tom de
contraste entre a Europa e o Brasil. Ape:
confirma que a circulação das ideias 'afran- nas igrejas, em salas das 'prefeituras e de lo- conversa .em vez do discurso! a maior pu-
sar das grandes transformações no Velhõ
ÇesCl;das'ultrapassava o âmbito das elites jas maçônicas ou na casa dos professores, . re~a possível de obje~vidade'.1) br~ileiro
Mundo - sociais (ascensão da burguesia),
esclarecidas, pois foram encontrados ca- que podiam ser nomeados pelo governo ou .inSensivelmente levanta a voz e arredonda
econômicas (liberalismo) e poüticas (revolu-
dernos com cópias manuscritas de autores contratados por partiCulares. ções para destituir os reis absolutistas) -, a frase.'Efeito de muito latim de frade; de
franceses proibidos, como Rousseau, entre Ainda mais, outras ordens religiosas o Brasil continJ;liiva com a sua aristocracia muita retórica de padre"IB.
os participantes da Inconfidência Baiana de continuaram atentas à educação, tais agrária' escravista, a economia agroexpor- Embora a reforma pombalina não tivesse
1798, a chamada 'Conjuraçã~ dos Alfaia- como carmelitas, beneditinos e francisca- tadora dependente e submetido à política repercutido de imediato na colônia, foram
tes', que teve grande embasamento e parti- nos, estes últimos bem informadÇls sobre colonial de opressão. lançadas as sementes de um nqvo processo
~pação das cama$ias populares" 15. as ideias iluministas. AS consequênciaS para é\ cultura e a edu- que iria amadurecer aos poucos a partir do
cação. são previsíVeis e já foram arialisadas. século seguinte. .
15 HIStória da educa;iúl brasileira: leituras. São Paulo, Pioneira Thomson 1earning, 2005, p, 31.
16 A Maçonaria é um' tipo de sociedade secreta, cujo ingresso depende de rituais iniciáticos. Desemp~ou
importante papel no século XVIII, com a divulgação das ideias iluministas que culminaram com as revoluções
._' -. • burguesas, embora os próprios maçons fossem de certa manei1a conservac!ores.Existe ainda hoje, com o obje-
tivo principal de de~envolvera fratcrnidade e a filantropia.
17
15
Consultar Silvia Maria Manfredi, Educação frrofissiónalna Brasil. São Paulo,Cortez, 2062. p. 70.
Sobrndos e mocambos. São Paulo, Nacional, 1936, p. 269. '-.
-19-2 História da Êducação. e da Pedagogia - Geral e BrAsil Século. das Luzes: o ideal Jiberal de educação 193.
. :
a Maraia de I>irceu, de Tomás Antônio cias de observação e pelos conhecimen- , prestação de serviços aos funcionários
tos sobre a natureza, que, aperfeiçoados do Estado, comerciantes e seus empre~ .
Gonzaga, (Nelson Werneck.S()dr~) -.",',:"1"(
ern"Viagens'deestudos pelos principais gades. (... ) Instalaram.se olarias, caiei.'
..),'
, • Por iniciativa da Academia dos ras paia a fabricação de cal a partir das ;
'
ne". Adquiria uma "perniciosa sensibilida- Brasil calamar para fazer um ievanta-
Os Estatutos do recolhimento de Nossa
de para os divertimentos e espetáculos" e
2~'~e n~ historiografia umá. polêmi- menta da produção do arcadismo mi-
Senhora da Glória, do lugar da Boavista,
ca,em torno' dos problemas decorren- neiro e identifique:
foram redigidos por D. José Joaquim, de uma grande curiosidade pela vida alheia,
tes da ,exptllsão dos jesuítas do Brasil, a) os elementos estranhos à nossa re-
Azeredo Coutinho e publicados em Lisboa procurando saber "tudo o que se diz e o
eIIk;meíidos,doSéculo XVITI. Explique alidade e que resultani do' neocla:ssicis-
em 1798. (... ) O bispo obteve aprovação ré- que se faz".
(00 .)
cOn\:õ as pesqUisas atuais desfazem a mo presente no arcadismo;
• Wa para este projeto e chamou a si a tarefa
'crença, de um vazio educacional de
de redigir as regras a serem observadas na Seu plano de estudos adequava-se aos b) o nascente s~n:timento nativista.
meioséculó.
,instituição. papéis femininos, na sociedade de então:
A primeiradáusula que chama a aten- as meninas limitar-se-iam a aprender a ler, . Questões sobre A: leitura.
escrever e contar, al~m de coSerem e bor- ,3. Indique quais {oram as metas da re-
com.pkmenta.r
ção é o número restrito de recolhidas, 12,
darem, pois isso baStaria para o governo de" forma pombalina no Brasil. Identifique
que se dedicariam à adminiStração da insti-
suas casas, no futuro. Pode parecer pouco, tarnbén), quais fOTam as GOnJ:ra.Qiçõesdo
tuição e ao ensino das educandas ali recebi- 1. Reveja na primeira parte do ~pítu-
mas na sociedade colonial, onde eram raras despotismo esclarecido ao tentar intro-
das. Pela primeira vez, se nota num recolhi- 10 a discussão' a respeito do desenvolvi~
as mulheres que sabiam assinar seus nomes dum as i~eiaS iluministas emPortugal e
mento a separação nítida entre recolhidas e mento de uma ~ociedade clisciplinar em
e escrever uma carta, o programa do bispo quais foram as precauções a esse respei-
educandas, ássumindo as primeiras o papel que a escola era um dos pilares. Discuta
, de mestras. (... ) Azeredo Coutinho representava um passo to com relação ao Brasil.
- como. esse controle era. mais -rigoroso
~
";'11
. Quanto às educandas, todas as regras a importante na educação feminina.
d 4. Com baSe 'no dropes 2 e a partir . para as mulheres e por quê.
j elas referentes àssenta:liam no principio da'
Maria Beatriz Nizza da Silva, '\<\ educação da dos elementos vistos no capítulo (sobre
.••.' I necessidade da educação das meninas, dado 2. Retome com o seu grppo as passagens
~ mu1heI"eda criança no Brasil colônia", in Maria Stc- a nova organização social), explique o
~ "c grande influxo que as mulheres têm no phanou e Maria Helena Camara Bastos (orgs.), !flS- deste livro que se referem à eduG4ção fe-.
1 que possibilitou as expressões artísticas
bem, ou no mal, das sociedades". Os pa- tórias 8 memórias da 8dUt:afão 71!1 BmriL Petrópolis, Vozes, IÍlÍninaao longo da história e analise se
a que Nelson Werneck Sodré se refere.
péis ferW.ninos eram Claramente defulldos: v. 1; SkJdo.rXVI-XVIII, 2004, p. 131 a 135. até o século XVIII as- mudanças foram
"elas têm uma casa que governar, marido
que fazer feliz, e filhos que educar na virtu-
5. Gom base no dropes 3, explique significativas.
o que significa dizer, como Gilberto
'1'" ••.. ,~ Freyre, que a ConjuraÇão Mineira. ,iroi 3. Compare os motivos em que se ba-
uma revolllção de bacharéis". seia a defesa (ou a exclusão)àaescola-
'rização das ml:~ Comente-quais
6. Com .base no dropes 4; pesquise em foram as danças de orientação a partir
um livro de história a importância poli- do século xx. Explique por quê. -, 1
.";'~<.,_. ,
c.-,.,:_"", 196- -- História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Século das Luzes: o ideal,liberal de educação 197
"
Bra,~il / Maria Lúcia cle Atnlda Aranha. - 3, ed. _ com a intervenção cada vez maior do Es-
rev e ampl. - São Paulo: Moderna 2006. tado para estabelecer o escola. elementar
universal laica, graiuilo e obrigatória.
I
Bihliogrnfia
O desenvolvimento' do capiloJismo indus-
1. Edul'al,'ào - História I. Titulo. trial estimulou a'criação de escolas poli-
técnicas. A discussão "sobreos metodolo-
gia in~n~ifjcou-se. '
05-8901 . CD[)o.370.9 Na P7meira parte deste capítul~ vere~
mos como se, processou esse- proleto na
fndices eara .catálogo sistemático: Europa e nos Estados Unidos, enquanto
'1. Educação : História 370.9
na segunda parte examinamo~ a situação
Reprodução proib}pa. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. do'Brasil, que passava de colônia a Impé-
• k faculclêlcfesde Direito rio mos enfrentava sérios problemas cotn
l
Todos QS direitos reservados .. da$~cicfàõsdeRHifee~de a escolarização sobretudo pêlo fCítode
l
até então tinham sido. os opositores !io re- educação laica, lentamente os governos .; tico na Alemanha repercutiu na pedagogia E bem verdade" que se tratava de uma
gime aristocrático e feudal. Após as revolu- conseguiam intervir inclusive nas escolas daquela época. esco~ excessiVamente autoritária e discipli-
200 Hist~riada-Educação e da Pedagogi/ •.-: Ger ~> 'Sécul~ XIX:a educação nacional 201"""
;,f. -
nar, que mereceu a critica, sem efeito na- a Alemanha. Além da atenção à formação cada pelo anglicano Bell (1753-1832)e pelo pode imaginar, já que os monitores eram
quele momento, dos defen..ores da liberda- de profess?r~ foi reorgaIDzado o ensino. qtlakcrl Lancaster (1778-1838), em suas res- escolhidos entre os alunos. Assim comenta
de e da 'autonomia na educação. té~co, diante .da necessidade de formar ,pectiv!Lsescolas destinadas a. crianças po- a professora Maria Helena CamaraBastos:
"chefes de oficina e bons operários". "~ bres.Adotaram o sistema de monitoria, em '1\8 criticas formuladas ao método monito- .
3. França Naquele período a'universidade liberou-" que o professor não ensina todos os alunos, rial/mútuo centram-se na incompetência
-sé do monopólio instaurado ainda no tem- mas prepara apenas os mélhores, que por dos'monitores, na maioria das vezes inca-
Desde a Revolução de 1789, os franceses po de Napoleão e os Cllrsosse tornaram sua vez atendem grupos de colega!>.A di- pazes de fornecer explicações complemen-
já defendiam a educação pública e gratuita. mais didáticos (deixando o estilo de prele- visa de Lancaster era: "Um só mestre para tares, ou de adaptar-se ao nível dec9mpre-
No começo do século XIX, porém, Napo- ções para ouvintes,' como era antes), com fnil alunos". ensão de seus 'colegas;no sistem~çmpíricoe
leão adotou uma política autorimria e"cen- sensíveis mudanças pedagógicas e conse- -..' .O Sistemaconsistia em reunir um gran- prático, baseado em procedimentos ~mecânicos,
tralizadora do ensino. Voltou sua atenção quente aumento do número de estudantes. de número de alunos em um galpão - Lan- portanto, desprovido d~: valor edllcativo;
sobretudo para a universidade~e o ensino caster chegou a reunir mil - e agrupá-los de na inculcação de fórmulas e reCeitas; na
secundário (os liceus), deixando o ensino 4. Inglaterra acordo com o seu adiantamento em leitura, transtnissão de conhecÜÍ1entossuperficiais e
elementar a cargo das ordens religiosas e, ortografia e aritmética. Antes das aulas, o sem valor, que não leva os alunos à reflexão e
I portanto, sem a gratuidade tão defendida Na Inglaterra, a situação foi um pouco professor ensinava os mais adiantados, que não desenvolve a inteligência. O aluno é a
~;
no século anterior. diferente. Devido à tradição de pequena in- ;, seriam os monitores e deviam se incumbir grande vítima da mecânica do ensino mo-
Após a queda de Napoleão, quando fo- tervenção do Estado, a educação continuou.
',/ dos diversos grupos de acordo com O' seu nitorial/mútuo: está preso a um verdadeiro
ram res.tabelecidas relações com a Inglater- como funçãe da sociedade ciVil, subvencio... ~f nível de conhecimento. À medida que cum- sistema militar, que o leva a agir somente
ra, .os franceses aproveitaram-se das técni- nada por igrejas ou fundações particulares.. priam uma eta~a, eram transferidos para mediante uma ordem e a submeter-se a um
• cas do ensino mútuo, ou ~onitorial (que A partir de 1830 o Estado implantou ~ o grupo de grau mais elevado e assim por condicionamento destinado a torná-lo um
descreveremos melhor no próximo item); uma série de medidas para exercer maior . diante. As :'dasses" não eram as mesmas cidadão dócil e obediente. Foucault consi-
a fim de atender às reivindicações de edu- controle sobre o ensino público,. criaRdo,. para leitura e aritmética, porque um aluno dera o ensino mútuo uma máquina de que-
cação para as crianças da classe trabalha- então as puhlic schools, que de início foram "";'" podia estar mais adiantado em uma delas e brar os corpos e as intelig~ncias-"2.(A este
dora. Essa experiência de ensino elementar mais frequêntadas por crianças das classes não na o~tra. propósito, ver a leitura complementar 2
de massa teve momentos de pleno sucesso ricas. Em meados do século XIX, auxiliou- Para que o sistema funcionasse, havia desta primeira parte.)
(de 1815 a.1820, abriram-se mil escolas essas escolas e pronunciou-se sobre a obri- "" rígida disciplina. A en~da era em fila or- Em todo caso, a ideia entusiasmou muita
mútuas, reunindo 150 mil alunos). Depois gatariedade do ensino e a elCÍgênciade gra- ,'. ganizada, após o toque do sino, e um apito gente por algum tempo, tainbém fora da In-
de algum recesso e de novo florescimento, . tuidade. Mesmo assim, o papel do Estado :... chamava a atenção dos indisciplinados. Fa: glaterra, como na França, nos Estado~Uni-
o projeto acabou por se extinguir por voltà se restringia com frequência ao apoio eco- lava-sebaixo, havia cartazes e quadros bem dos e inclúsive no Brasil, onde várias leis de
da década de 1870. nômico e à supervisão das atividades peda- como cartões de sinalização, para indicar a diversos estados estimul~ a adoção do
Um pouco antes, em 18ô5, o industrial gógicas. Em 1899 foi criado o 1\1inistépoda '.-0 sequência dos trabalhos, que todos da mes-~ -método, durante o periodo monárquico.
francês Godin, inspirado pelas ideias so- . Educação (Board oi Education). . ma "clasie" deveriam cumprir ao mesmo
cialistas de Fourier, fundara uma escola ao Em outra linha de atuação, o socialista tempo. O único professor, .do altõ de um 5. Estados Unidos da América'
lado de um núcleo habitacional, chamado utópico Robert Owen (1771-1858), impres- < estrado, supervisionava O andamento das
familistbio. Essa' experiência, exemplo raro sionado com as condições de vida dos ope- ,' aulas:e interferia quando necessário. A instalação da escola pública norte-
de atendimento a filhos de operários, sofreu rários ingleses, fundou escolaspara os filhos t Esse processo barateava os custos e con- -americana, bem no início do seculo XIX,
pesadas criticas de liberais temerosos da in- dos trabalhadores. ' seguia.impor rígida disciplina, mas {)s re- atingiu inçlusive o ensino universitário, com
I,
fluência socialista. ' . r sultados não-eram das- melhores, como se a fundação da primeira universidade estatal
Após a derrota da França pela Prússia, oensino mútuo ou monitorial
.4-
no período conhecido COI!';irl Terceira Re- ~~
pública, os franceses retomaram a discussão Dada a necessidade de ampliar a alfabe- t'
sobre a necessidade da escolapública e mui- tização em uma sociedade em pleno cres- I Qg.akm e anglicanos são membros de diferentesramos da Igreja Protestante na Inglaterra. O anglicanismo é a
to elogiaram o mestre-escola alemão. Uma cimento industrial, surgiram propostas as religião oficial daquele país desde ~que VIII, no século xV1. Os quakm surgiram no século XVII e propa-
I:
I
lei de 1882 instituiu de novo a escola laica, mais diversas., É singular a experiência do i'
garam sua crença também nos Estados Unidos.
2"0 ertsmo monitorial/mútuo no Brasil (1827.t854-)", in Maria Stephanou e Maria Helena Camara Bastos
II gratuita e obrigatória, tendo como modelo ensino mútuo (ali sistema monitorial) apli- "
;."! (orgs.),Hist6rias Ul1tmúrias da meação 110BrasiL Petrópolis, Vozes, 2005, v. lI: Século XIX, p. 40.
:1 ",-'-:
1 vama crença na fi.mção equalizadora da senvolvera importãnté reffexãéf ã' respeito ' ou seja, suas leis efetivas. sejam observados como coisas.
"
, educação, que mais tarde animou os adep- das possibilidad~ e liJ;nit~sc!a~.9.Êãia " O positivismo exprime a exaltação pro- Igual intenção orientou o método da psi-
tos da Escola N óva. conhecer a realidade, e como suas ideias ' vocada no século XIX pelo avanço da ci-, cologia, ainda que o próprio Comte admi-
Corp. a 'criação de escolas normais esta- .. repercutiram na definição do projeto edu- ência moderna, capaz de revolucionar o tisse ser impossível contornar o seu caráter
tais para a formação demestr:es, delineava- cacional Voltado para a construção de.um mundo com uma tecn'Ologiacada vez mais subjetivo. Apesar disso, li; psicologia experi-
-, -se o quadro da educação norte-americana,
já bem configurado em meados-do séclho,
agir e pensar autônonios. ' eficaz: "Saber ê poder'. Esse entusiàsmo
desemb9Cou no r:ientiji.&isrrw, visão reducio-
, mental surgiu no final do século' XIX. Os
, Os filósofos do século,XIX interpreta- primeiros psi~ólogos abandonaram as espe-
XIX. . ram de mui~ formas'~ pensamento kan- nista segundo a qual a ciência seria o único culaçõe~de caráter filosófico:- sobre a ori-
tiano. Por questões didáticaS: destâCá.reriiõs' -conhecimento válido. Desse modo, o mé- , gem, o destino ou a natureza da alma ou do
Pedagogia três das principais tendências: todo cIas ciências da natureza - baseado conhecimento, por exemplo - e, seguindo'
• Os pasitiuistas (Comte) levaram às úl. na observação, experimentação e materna- a tendência naturalista do positivismo, apli-
1. O ideário do século XIX timas consequênciás as criticas kantianas tização - deveria ser estendido a todos os caram o método experimental voltando-se
à metafuica, afirmarido.que nã-o ~beao campos de indagação e a todas as ativida- para os aspectos do comportamento qu;e
Além de sofrer a influência das altera- filósofo teorizar sobre .''id~sem- oonteú~ __de humanas. podiam ser verificados exteriormente.
ções econômicas e sociais a qtÍejá nos refe- do". Assim, reduzem o trabalho ,da filo- Outra decorrência do positivismo é a Os pioneiros da psicologia experimen-
,.. rimos, o pensamento pedagógico do século sofia: à mera síntese dàs-diversas- ciências-, concepção determinista, que atribui ao tal'foram os alemães Weber, Fechnet; HeI-
; , XIX precisa ser compreendido a partir do particulares. comportamento humano as mesmas rela- • mholtz e Wundt, este último responsável
estágio em que se encontravam naque- • Os idealistas (Fichte, Schelling e Hegel) ções invariáveis de causa e efeito que presi- pelo primeiro laboratório de psicologia ex-
le momento a filosofia e as ciências, bem destacaram a eapaôâàaequeKãi1t ati1buía dem as leisda natureza. Por exemplo, para perimental em Leipzig, em 1879.•
I
como da revolução. cu1tural_-earaétérizada à razão de impor fOl"lIla& a priari ao conteú- Tain"e,um dos seguidores de Comte, o ato Só depois surgiram teóricos de outra
I
I
pelos ideais românticos que se opunham de do dado pela experiência. humano não é livre, já que é determina- tendência -:- genericamente chamada de
meios paternalistas para a emancipação da da matéria. Como se vê, Marx e Engels i~- dade igualitária. Antes de alcançar esse ob- Além de Marx, também se ocuparam
classe oprimida. vertem a perspeetiva idealista. jetivo, ela precisa conhecer a própria forç~, com a nova educação os socialistas utópicos,
O britânico Robert Owen, por exem- Para exemplificar, lembramos' :que a . tomando consciência da alienação a que como o francês Fourier (1772-1837), que des-.
plo, tinha convicção de que a ip.strução abordagem idealista da história, assimilada está submetida e da ideologia que a impede tacou a importância da formação integriJ.j,e
. seria um lUeio para restituir a dignidade pelo senso comum, explica seu movimento de perceber que age com valores impostos o britânico Owen, empenhado em preparar
aos operários. Já no seu tempo, fez a criti- pela ação dos "grandes homens", das gran- pela classe dominante. os'filhos de operários, CoInojá Vimos.
ca da divisão do trabalho, que começava des ideias ou, às vezes, até pela intervenção Na mesma linha de crítica ao sistema ca- .. Entre os anarquisl4s, o espanhol Francis-
a ser aplicada nas fábricas, acusando esse divina. Para Marx, diferentemente, 'no lu- pitalista e à exploração da classe proletária co FerrerGuardia(1859-1909) fundou uma
procedimento de causar fraqueza fisica e gar das ideias,' estão os fatos materiais; no pela' burguesia, destaca-se 'o anarquismo, escola em moldes antiautoritários, equipa-
mental. Propõe, em contraposição, a ins- lugar dos heróis, a luta de classes..A história' movimento iniciado por Bakunin (1814- da de biblioteca cóm livros especialmente
trução geral para toda criança, o que "a
tornará apta para os fins' da sociedade",
se faz com os fatores materiais, econômicos
e técnicos que correspondem às condições
,i -1876). Os libertários (como .são conheci- ,
dos os anarquistas), inicialmente próximos
escritos ou ~daptados para aimp[a~ta.ção
das ideias libertárias.
uma vez que faria surgir""uma classe tra- em que os indivíduos se reÚIÍempara pro-', a Marx, dele se distanciaram por divergên-
balhadora cheia de iniciativas de úteis co- duzir sua existência por meio do trabalho. cias em pontos fundamentais. Repudiam 5. Principais pedagogos
nhecimentos". De maneira ingênua, por Nesse processo, surgem contradições no , toda forma de poder e autoridade e buscam
't-i~
achar que a educação teria a capacidade seio da sociedade, que no tempo de Marx, ~, fundar "a ordem na anarquia". Criticam o Os principais pedagogos cujas ideias
de mudar a sociedade e contando com a e ainda hoje, resultam dos interesses anta- Estado, a Igreja, e'todas as instituições hie- fertilizaram o século XIX. foram Q StÚÇO-
boa vontade do dono do capital,. afirm~: gônicos do capitalista£:.do proletário. i rárquicas, inclusive a escola autoritária. -alemão Pestalozzi e os alemães FroebeI e
• "Se a invenção das máquinas multipli- Marx não nega que o ser humano tenha ,_o: H~bart;Além deles, no final do século, os
cou a capacidaae de trabalho'em muitos ideias, mas as explica a partir da estrutu- i;: Socialismo e educaçõ~
, . filQ.gofosDiLthe.ye.Nietzsche anteciparam a
campos com evidentes vantagens de pri- ra material da sociedade em que vive. Para crítica à escola tradicional.
vados, enquanto agravou a condição de ele, as ideias de uma sociedade, expressas '7 As ideias socialistas provocaram grandes
muitos outros, a minha é uma invenção na filosofia, na moral, na ciência, no direi-:: alterações nas concepções pedagógicas. Do Pestalozzi
que, com sua introdução e sua rapidís- to, nas artes, na pedagogia, constituem a ponto de vista epistemológico, rejeitam os
sima- élifusão, multiplicará lo"go,incalcu- superestrutura e dependem da infraestru- :; pressupostos idealistas e ao materialismo Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827),
lavel.mente; as forças fisicas e men'tais da tura, as condições materiais ou eco:r;tômicas ":~~,' tradicional contrapõem a dialética. Do suíço-alemão nascido em Zurique, atraiu a
sociedade inteira sem prejudicar. a nin- dessa sociedade. 'i ponto de vista político, denunciam a explo- atenção do mundo como mestre, diretor e
,l guém". Sua tentativa em concretizar es- Do ponto de vista dialético, porém, os ração de uma classe por outra e defendem, fundador de escolas. Suas. obras principais
sas ideias fracassou. fenôme~os materiais são processos (nada a educação universal e politécnica. ms-
são Lerma:rdo e Gertrudes t I781) e Gertrudes
Os utópicos foram criticados por Marx é estático), e o espírito não é sonsequência i Segundo o mateiialismo dialético, é ilu- ,.t:rui. seusftlJws (IHGl). Embora as suas ativi-
(1818-1883) e Engels (1820-1895), ao es- passiva da ação da matéria. A consciência ',_ sório pensar que a educação seja capaz por dades tenham se iniciado no. século XVIII,
tabelecerem as bases do que eles mesmos humana, ao tomar conhecimento dos de- ,(, si só de transformar o mundo, porém exis- elas aJJ;ladurecerarn no começo do sécu-
denomin~am sõcialisrrw, cientifico. A teoria terminismos, pode agir sobre o mundo, I' tem tarefas para os educadores enquanto lo XIX, por, isso preferimos abordar suas
marxista, ou materialismo histórico-dialéti- transformando-o, inclusive pela revolução. não se realiza a ação revolucionária. Por ideias neste capítulo.
co, foi elaborada com a influência e a criti- Em politica, a ação revolucionária tem por ~empill: . Estudioso de Rousseau e Basedow, Pes-
ca de diversas tendências. objetivo a transformação radical.do status r;. • a luta pela democratização do ensino talozzi sempre se interessou pela educação
~';;
Como Hegel, Marx parte da concepção quo, com a alteração da estrutura econô. " (universal)e pela escola única (não dualis- elementar, sobretudo das cn.anças pobres.
~.--,-históriea-e dialética do real, mas nãocon- mica, política e social. Pressupõe também ,i ta), isto é, sem distinção entre formar e pro-,. . E;m 1774, fundou em Neuhof uma escola
sidera o mundo material a encarnação da - um confronto em que as novas ideias são fissionalizar; em que recolhia órfãos, mendigos e peque~
"ideia- absoluta", da "consciência", como impostas pela violência. • a valorização do pensar e do fazer,em nos ladrões. Com avançada concepção, que
os idealistas. Ao contrário, para o materia- Para Marx e Engels, a classe operária, que o saber esteja voltado para a transfor- aliava formação geral e profissional, tentou
lismo, o moVimento é a propriedade funda- organizando-se num partido revolucioná- mação do mundo; reeducá-los recorrendo a trabalhos de fia~
mental da matéria e existe independente- rio, destruiria o Estado burguês e, supri-",' • a desmistificaçãoda alienação e da ideo~ ção e tecelagem. A experiência durou ape-
mente da consciência; pottanto, esta é um mindo a propriedade privada dos meios de [agia, ou seja, a conscientização da classe nas cinco anos, porque o jovem educador
dado secundário, derivado, já que é reflexo produção, haveria de instau:ar uma socie- / oprimida. não conseguiu mantê-la financeiramente:.
208 História da Educação e da "pedagogia - Geral e Brasil Século XIX: a educação nacional 209
Em 1799, em um castelo perto de Berna, A família constitui a base de toda a edu- ~ pertar a representação ~ forma,. da. cor, é preciso examinar alguns' aspectos da sua
fundou um iD~ernato, depois tr-ansferido ca.Çãopor sei o lugar do afeto e do trabalho do movimento e da matena. O pomelro e psicologia.
para Yverdon, onde funcionou de 1805 até comum. Também é positiva à experiência i mais univers;U "dom" é a bola; o segundo, a Rejeitando a clássica doutrina das facul-
1825. De toda a parte estudiosos. e autori- religiosa íntima e não-confessional, 'que diz .,Ii bola, o cubo e o cilindro; o terceiro é forma- dades isoladas da alma, Herbart compreen-.
dades vinham conhecer esse trabalho. respeito à" Ressoa e, portanto, não se sub. ,i'" do pela divisão dos cubos desmontáveis. de a vida psíquica .como uma lUlÍdade naS
Pestalozzi é considerado um dos defen- mete a dogmas nem a-seitas. Em outras pa. . Aléni aos i:lons, FroebeI destaca as ocu- suas operações básicas de conhecer, sentir
sores da escola popular extenSiva a todos. lavras, despertar o sentimento religioso na pações,de modo especial a tecelagem, .a e querer. Assume, porém, uma posição in-
Reconhecia firmemente a função social do criança não significa fazê.la memorizar o "i' dobradura e o recorte. O canto e a poesIa telectualista, que privilegia o conhecimento
ensino, que não se acha restrito à formação catecis,mo. l,' .também são prestigiados, sobretudo para ao consid~rar'o sentir e~Óquerer funções se-
do gentil-homem. Além disso, ao povo não Pestalozzi exerceu profunda influência . ~i
;;' facilitar a educação moral. e religiosa. cundárias e derivadas cIÕ processSi ideativo.
se destina apenas a simples instrução, mas em vários países da Europa, e suas ideias " Embora a fundamentação teórica dà sua Esse processo pode ~ser nlaiS~em en-
sim a formação completa, pela qual cada 1
chegaram até os Estados Unidos. .,j, psicologia tenha sido objeto de críticas se- .tendido se levarmos enf conta â:'ribvidade
um é levado à plenitude do seu ser. 'Z:~I
.~I.,,, veras, é inegável a influêrrcia da pedagogia introduzida por HerbJri nos c~nceitos de
Como bom discípulo de Ro~seau, estava Froebel de Froebel, expressa na Glifusão dos jardins consciência, limiar da consciencia e inconsciente.
convencido da inocência e bondade huma- ,i de inf"anciaespalhados pelo mundo. Para ele, o fili'"{oda consciência é oscilan-
nas. Por isso, é tarefa do mestre compreen- Friedrich FreebeI (1782-1852) nasceu na 'ti te, já que várias representações dos objetos
der o espújto infantil, a fim de estimular o Turingia, região da Alemanha. Aprendeu J~ Herbar.t '. permanece¥1.algum tempo na consciência,
desenvolvimento espontâneo do aluno, ati- com".9s filósofos idealistas e, no. campo da .;.' com intensidade diferente, algumas no li-
tude que o distancia do ensino dogmático e' pedagogia, segui\! muitas ideias de Pesta. ~",
autoritário. A psiC;Ologiaproposta por Pesta.
o alemão Johann E Herbart (1776- miar, subindo para o foco de atenção ou de-
lozzi. Uma visão mística marca seu pe'nsa- -1841) t;rouxcgTande contribuição .para a saparecendo depois, temporariamente, no
lozzi era áinda incipiente e ingênua, mesmõ mento e obra. pedagogia como ciência, buscando o maior inconsciente. A gr .nde massa submersa não
porque no seu tempo essa. disciplina ainda Sua principal contribuição pedagógica rigor de método. Pode-se ainda dize;r que é esquecida, pode. Ido voltar à cpnsciência
não tinha se corntituído como ciência, mas resulta da atenção para com as crianças na Herbart foi o precursor de uma psicologia a qualquer momeI.to e, aliás, está sempre
a sua tentativa indica uma direção que seria fase anterior ao ensino elementar, ou seja, experimental aplicada à pedl1!50gia. Mesmo tentando voltar. O esforço para retornar à
constante na pedagogia daí em diante. _a educação da primeira infancia. Pioneiro, que essa psicologia apresentasse resquícios consciência provoca os sentimentos de pra-
Para Pestalozú, o indivíduo é um todo fundou os Kintúrgal'fen Gardins de inf'ancia), .,. de metafisica e utilizasse uma matematiza- zer ou dor, que resultam do aparecimento
cujas partes devem ser cultivadas: a uni- em alusão ao jardineirq que cuida da plan- j .."
çã~ de valor discutível, constituiu um a~- ' daquelas representações ~a consciência ou
dade espírito-coração-mão corresponde ta desde pequenin~ para que cresça bem, çe- sobre seus antecessores. Vejamos então da submersão no inconsciente.
ao importante desenvolvimento da tríplice pressupondo ql!e os primeiros anos são bá-" Processa-se dessa forma o "qrculo de
a psicologia herbartiana, a teoria de edu-
atividade conhecer-querer-agir, por meio sicos para a formação humana. /"
cação da vontade e o método de instrução. ..pensamento": "dos ~nsarrientõs saem
da qual" se dá o aprimoramento da inteli- FreebeI privilegia,,:a a atividade lúdica" .~esse pensador que estava consciente de ter sentimentos e, ..des~es, princípios e modos
gência, da moral e da técnica. Daí a impor- por perceber o significado funcional do : de ação". Assim o desejo é transformado
elaborado uma pedagogia copto ciência da
tância dos métodos para a organização do jogo e do brinquedo para o desenvolvimen- 1 educação. em volição~ isto é, em possibilidade de sua
tragalho manual e intelectual: segundo ele, to sensório-motor e inventou métodos para concretização. Ora, se os sentimentos e as
deve-se partir sempre da Vivência intuitiva, aperfeiçoar as habilidades. Estava con- A psicologia herbartiana volições derivam secundariamente do con-
para só depois introduzir os conceitos. vencido de que a alegria do jogo levaria a .~ flito entre as. representações, torna-se enor-
A criança tem potencialidades inatas, criança a aceitar o trabalho de forma mais .1 Herbart desenvolveu uma pedagogia me a importância do professor, que educa
qúe serão desenv9lvidas até a maturidade, trm~a. ~ social e ética com finali9ade d!:.Jorrnar-º--_os sentim~tos_ e, os desejos dos aluno~ por
tal como a semente que se transforina em A fim de estimular os impulsos criado- 'i caráter moral por meio do esclarecimento meio do co~trole de suas ~de.ias (ver•.a~ante
árvore, Semelhante a um.jardineiro, o pro- res na a~vidade lúdica, inventou cuidadoso -i!, da vontade, que se .alcança pela instrução. a noção de mteresse). Dal a rmpo:mnoa da
fessor não pode f"!>rçaro aluno, mas minis- equipamen~o, de acordo com a fase em que Como é possível perceber, para ele, a edu- instrução, caminhõ paraa moralidade.
trar a instrução "de acordo com 9 grau do se encontravam as crianças. As construções cação moral (fórmação da vontade) não se .Por isso Herbart critica ~usse~u e to~os
poder crescente da"criança". Ou seja, o mé- da primeira série foram por. ele chamadas • separa da instrução (esclarecimento intelec- os pedagogos que desva1o~~ a tnstruç,:o,
todo para educar funda-se em um princípio doTlS, como s~ fossem "dádivas divinas" .• tual) O que supõe uma unidade das ativi- da mesma forma que recnnnna a educaçao
simples: seguir a natureza. , •. .., til
Os 'dons são materiais destinados a' des- dades mentais (querer e pensart Por isso, tradicional por ensinar mUlta COISamu
212 História da Educação ê da Pedagogia - Gerab,]lasiJ Século XIX:a educação nqçIonal.. 213
rito humano, que de camelo pode se fazer nossos impulsos vitais. Agimos'de'acordo da. natureza infantil, justificava a vontade Além disso, ao nacionalizar-se, a educa-
leão, e de leão se transformar em crian<;a. com ó "yocê deve" e não com o "eu que- de aplicar a psicologia à educação .. ção demonstrava interesse de formar o ci-
Descrevendo o espírito como camelo, ro". A posição reativa do leão:é intermedi- . Mesmo que tenha persistido a tendên- dadão. Pensadores socialistas, como Owen
Nietzsche diz: "O que é pesado? assim per- ~a porque. ousada; mas'negativa: o leão .'",
cia individualista, própria do liberalis- e Fourier, destacaram a neéessidade dã.edu~
~"
gunta o espírito de carga; assim ele se ajoe- apenas conq~staa 'liberdade de criação, mó, surgiram nítidas preocupações' com cação integral e politécni,a e a,de democra-
.{
lha, igual ao camelo e quer ser bem carre- .continuando 'ressentido e niilista (no latim os :fins sociais da educação e a necessi- tização do ensino.
gado. (... ) Todo ess pesadíssimo o espírito nihill, "nada"). Quem pode criar, no en- dade de preparar a criança p~a a viill!- No entanto, em pleno século de valori-
de carga toma sob! si: igual ao camelo, tanto, é a criança .
"1"1'.
I F"~teu: no. sentid •• literaJ, povo que ocupou 'aoPalestina mi Antiguidade; no sentido figurado, "burguês de
espmto estreito e vulgar".
214 História da Educação e da Pedagogia -" Geral e Brasil Século XIX: a educação nacional 215
• Leituras complementares ~de e fundamental inspiradora de todo ,£l1;fumlouco, um doente, um condenado, físicas, coações materiais. Apenas um olhar. ..
processo formativo. Em Schiller;a arte vê- ull1operário ou um estudante. Devido ao . Um olhar que vigia e quecada.um, 'sentin-
O [A Bildungalemã] '. -se assim reconduzida a wn comportamen .. efeito de contraluz, pode-se percéber ,da do-o pesar sobre si, acabará por interiori-
to universalmente humano, o do jogo que, torre, recortando-se na luminosidade, as zar, a ponto de obseivar a si mesmo; sendo'
A pedagogia do neo-humanismo, elabo- enquanto atividade que se organiza segun-; peq~enas silhuetas prisioneiras nas celas • assÍIn, cada Umexercerá esta vigilânciaS'8~
rada na Alemanha por Friedrich Schiller, do finalidades livres, é fixado como uma ;; , da periferia. Em suma, inverte-se 0- prin- bré e contra si mesmo. F6ririula maravilho-
Wolfgang Goethe e WJ.1heImvon Hum- . disposição essencial do homem, capaz de <C; cípio dá rr;asmorra; a luz e o olhar de um sa: um poder contínuo e,de custo afinal de
boldt, apresenta-se como uma referência permitir-lhe um crescimento mais harmo-';;' vigia captam melhor que o escuro que, no contas irrisório,. '
moso e completo. .);
explícita ao humanismo dos séculos XV e .t 'fundo, protegia .
(... ) o olhar vai exigir muito pouca des-
XVI e desenvolve-se como uma reflexão
orgânica em torno do homem, bem como me::~~~n;~~:u:a::c::;:en;:d~~ j pesa. Sem necessit¥ de armas, violências
Michel Foucault, MlCTOfisica do podf!/'. Rio .de]anei-
ro,Graal, 19.79,p.210 e 218.
da cultura e da sociedade em que ele de- vários problemas educativos, mas man- ~;'
veria idealmente viver, O Ú:mapedagógic9 ' tendo-se (à parte Humboldt que tentará j
°
dominante nesses autores é da Bildung (ou realizar uma reforma escolar inspirada .:G
nesses princípios) num plano de reflexão ~\
Ativieléleles ção, enquantq O 'restante da sociedade
formação humana) que aponta na' direção é ignorante e pobre, pouco importa o
de um ideal de homem integral, capaz de filosófica, geral e idealizante, dando vida a ,~~. nome que dermos à relação entre uns e
W Questões ger.ais
conciliar dentro de si sensibilidade e razão, uma utopia pedagógica que teve um papel ~ outros; em verdade e de fato; os segun- '.
.\
dede'senvolver a si próprio em plena liber- profundamente inovador no âmbito das",
teorizações educativas. i 1. Considerando o crescimento indus- =i:fus serno os dependentes servis e sub-
dade interior e de organizar-se, mediante trial e o fenômeno da urba.D.Íz%ãono jugados dos primeiros. Mas, se a edu-
uma viva relação com a cultura, como per- século'XIX,discorra sobre as decorren- cação for difundida por igual, atrairá
Franco Carnbi, História da pdc.gogia., Sãó Paulo,
sonalidade harmônica. A Bildung é tensão Ed. Unesp, 1999, p.420 e 421. tes necessidades da educação. ela, corri a mais forte de todas as forças,
esplritual do eu, contato profundo com as posses e bens, pois nunca atorltecl:;U'e
várias esferas da cultura e consciência de @ [O Panopticon] 2. Que fatores econômicos estimulam . nunca aconte'ceráqüe 'Uincorpo de ho.-
; um crescimento interior para formas de
_,:J o ~teress~ pelas escolas politécnicas? . mens inteligentes e práticos venha a se
personalidade cada vez mais complexas e No final do século XVIII, O jurista:frremy BI!n- conservar permanentemente pobre".
Que tendências filosóficas justificam a
harmônicas. Para realizar esse modelo de tham imaginou zana consl:rução a que dl!nominou necessidade dessa procura?
"formação humana"; é necessário reapro- Panopticon, que significa "ver tudo". O fil6sofl 6. "Realizaçõ~ belas-artes, belles-let-
ximar-se da cultura dos clá,ssicosgregos e frr.rru:ês MiChel Foucault retomou, no século xx, 3. Discorra sobre a impo:Ftânciadas re- tres, e todas estas coISasque, co~o nós'
revivê-la, já que foi justamente na Grécia esse relato, eonsi.derarulo-o iruii&atioo do processo dizemos, constituem o florescimento.da
formas educacionais na Alemanha. ,
que a harmonia entre instinto e razão, en- iniciado na Idade Moderna pelo qual se constituiu 'ç:ivilizaçâ.o,deveriam estar totalmente
tre individualidade e cultura/sociedade foi a soci.edtuIe disciplinar, baseada no controle e uigi-
mais plenamente atingida, mas é também
4. Déscreva o ,método monitorial (ou s:UbQrdinadas àquele conhecimento e
láru:ia (nafábrica, na escola, na prisão) no Iwspícia, disciplinã--w,bre os quais a civilização
mútuo) e identifique os interesses so-
oportuna a tendência a superar aquelas no exército).
ciais e econômicos, subjacentes à sua repousa. AssiÍD.como ocupam a parte
ciSões radicais que caracterizam a cultura O princípio é: na periferia, uma cons-
implantação. de lazer da vida, assim deveriam ocu-
ocidental moderna (cristã.e burguesa) en- trução em anel; no centro; uma torre; esta par a parte de lazer da educação." Com
tre sentimento e intelecto, entre espírito e possui grandes janelas que se abrem para
corpo, entre destreza e conhecimento. Daí
$. Identifique, nesta citação de Horace base na citação de Herbert Spen.cer;
a parte interna do anel. A construção pe: responda: .
.1
o papel central que esses autores atribuem Mann, ~ esperança que movia sua atu-
riférica é dividida em celas, cada uma ocu-
'ação ped"agógicanoestado dê Massa- a) Qual seria a espécie de cooheâ,
à arte: nas pegadas do Kant da terceira pando toda a largura da construção. Estas, ::,
cllUsetts:"Nada, por certo, salvoa edu- mento"sobre o qual a ci\Iilização re-
Critica [A C1Ítica do juíZo], identificam justa- celas têm duas janelas: uma abrindo-se '1'
cação universal, pode cC1ntrabalançara pousa"?
mente na atividade estética o fulcro dessa para o interior, correspondendo às jane- "
tençlência à dominação do. capital e à b) Identifique o pressuposto pqsi-
educação harmônica e integral. A arte ela- las da torre; outra, dando para o exterior, \t<i
, servilidade do trabalho. Se uma classe tivista do pensamento de acordo. com
bora, por meio da fantasia, um equilibrio permite que a luz atravesse á cela de um~'
possui toda a riqueza e, toda a educa- esse tipo de subordinação.
de necessidade e de libeldade, de intelecto e lado a outro. Basta então colocar um vi- :'~:
gia na torre central e em cada cela tranca-
-'-', sentimento e, enquanto tal, deve torllar-se a
216 História da tducação e da Pedagogia - Geral e Brasil Século XIX:a educação nacional 217.
i , 5. Lémbrando como era o ensino antes, os el~mentos que justificam a critica de
j c) Que programa de ensino ésta con- 12•.Qual é a diferença entre governo e ;Foucault. . .
do Renascimento, que alterações ocor-
cepção costuma estabelecer?, discíp~a,'para Herbart? ..•', ,"',#, reram e~tão "nadisciplina escolar?
. 8. Baseando-se no conceito de class~',
I
I
7~Em que aspectos as correntes socia- 1~.Qual foi a importância de Herbart: 6. O que o autor quer dizer com a "in- - social, como um:sociali~tacriticariússà '
listas contrapõem-se à concepção bur- para o fortalecimento da escola tracü":'
teriorizaçãõ'\ .do olhar do outro?' interionzação do ol,hardo outro?
guesa de pedagogia? cionai? ' ,:
I
rentemente maduro antes, do tempo, modo de ensinar do seu tempo? [
atespeito de qualquer assunto,mas
, preferia contê-lo ao ináxitno, até'qué Questões sobre às leituras,
I. elas tivessem -realmente visto; com: seus complem.enta1'es _]!rasil: de colônia a Império
próprios olhos, o objeto sobre o qual
deveriam se manifestar." Com base na Cornbase na leitura complemeI1tar
citação dePestalozzi, responda: de Franco Cambi, responda às questões Contexto histórico 1. A mudança da Corte para o Brasil
a)Qué Crítica Pestalozii está fazen-
.
a segurr.
'
doissegmentosdá sociedade,a alta taxação de lização não tenha sido levado a bom termo, c~nvidados artistas fra:nc~es, como Lebre-
impostos e asideias iluministascontra o abso- devido às falências, as cidades cresceram e . De modo geral, podenios dizer que no ton, Debret, Taunay, Monttgny e outros,
lutismoreal criaram um climade animosidade a sociedade tornou-se mais complexa com século XIX ainda não havia uma política que influenciaram a criação da Escola
que preparoü a Independênciado Brasil. o aumento dos quadros da pequena bur- ;~ de educação sistemática e planejada. As Nacional q.e Belas Artes. Apesar do valor
Devido a turbulências em Portugal, guesia urbana. • . mudanças tendiam a resolver problemas dessa obra; convém lembrar que a estética
D. João VI retornara à melTópole, deixan- Em 1870 terminou a Guerra do Para- imediatos, sem encará-los como um todo. e.strangeira se firmou à revelia do estilo bar-
do aqui o príncipe, que proclamou a Indé- guai, cujas consequências desastrosas afeta-:" Quando a família real chegou ao Btasil, roco brasileiro, interrompendo a tradição
pendência em 1822, assumindo o nome de ram osjá abalados alicerces da monarquia. .e' existiam as aulas régias do tempo de Pom- da arte colonial.
D. Pedro 1. Esse movimento significou a vi- . Em 1888, deu-se a abolição da escravatura, . bal, o que obrigou o rei a criar escolas, so- As primeiras medidas a respeito da edu-
tória do partido brasileiro, dos moderados, e em 1889 foi proclamada a República. bretudo superiores, a:fim de'atender às ne- cação tomadas por D. João VI assim que
constituídopelos grandes proprietários de ter- A propósito" do conservadorismo bra- cessidadesoQ.o_momento;,, chegou.aoBrasil,ém1808,foram.a criação
ra, defensores da.mant.ttençãada escravismo; .' sileiro, diz SérgidBuarque: de Holanda: Além das.adaptações administrativas ne- . de' escolas'de nível superior para"atender às.
bem como deliberais conservadores. Assim, '.~ democracia no Brasil foi sempre,uni la- cessárias-,houve'oincrementodas ativida-.. necessidades do momento; ou sej'a,formar
enquanto na Europa o liberalismoCaminha- mentável mal-entendido; Ufua .ai1stocracia des culturais, antes inexistentes ou simp1es- oficiais do 'exércitO'e' ~marinha (para a'
~i,
va a passos largos:para a industrialização, no rural e semifeudal importou-a e tratou de. '~ mente.proibidas~ Essas iniciativas estavam defesa da colônia)~ ~enheiros militares,
Brasil a reforma política não propiciou mu- acomodá-la" onde fosse"possível,'aós 'seus - de.acordo como movimento iluminista que ~. médicos; e a:aberturade cuisos especiais.de
danças econôrIÚcasesociaissignificativas. direitos ou privilégios"osmesmos privilégios já aniadurecera na.Europa. . caráter pragmático. Vejamos algumas des-
Em 1831, D. Pedro I abdicou (para assu- que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da sas realizações. •
mir a Coroa em Portugal, como Pedro IV), luta da burguesia contra os aristocratas.E as- Transformações culturais e criação de o Academia Real da Marinha (~808) e
e, devido à minoridade de seu filho, o Bra- sim puderam incorporar à situação tradicio- cursos.superiores Academia Real Militar (1810): .após 1832
sil foi governado por regentes desde aquela nal, ao menos como fa~da ou decoração foram anexadas; compondo Uma institui-
data até 1840, quando começou o Segundo externa, alguns lemas que pareciam os mais • No penodo joanino, foram as seguintes ção. de engenharia militar, naval e civil;
Império, com n Pedro lI. acertadospara a época e eram exaltados nos . as inovações no campo.cultural: . com sucessivas junções e desmembramen-
Na segúnda metade do século XIX, ul- livrose discursos". Em seguida, o autor nota o Imprensa Régia (1808): até então as 'tos, a Escola Militar organizou-se em 1858
lTapassadaa crise econômica decorrente da .que movimentos como a Independência e publiCações eram proibidas; surgirám 'sob' e a Es.çolaPolitécnica em 1874, codo ins-
queda da produção de açúcar e de algodão, a República partiram de cima para baixo. proteção oficial: a Gazeta do Rio de Janeiro tituiçõ~ .que prepâravam para a ~ _
o cultivo do café expandiu-se, reativando-o Cita, então, o testemunho de AristidesLobo (1808) e, na Bahia, A ú{ade de ouro no Brasil militar e formavam t?igenheiros civis, res-
comércio. Além disso, os Estados Unidos . - um dos integrãntes da conspiração que (1811); já o Correio BrtWlimse, impresso em pectivamente ..
consumiam mais da metade da exportação provocou a queda do Império - a respeito Londres, era o único jornal de oposição à • Cursos médico-cirúrgicos:.a partir de
cafeeira. Dessa maneira, ao lado do modelo dos acontecimentos de 1889,segundo o qual p~lítica de nJoão VI. '. 1808, na Bahia e no Rio; visavam à forma-
agrária-exportador dependente, teve início a ~on- o povo teria aSsistido a tudo "bestia1izado, o A biblioteca (181O), ~tura Biblioteca ção de ~édico~ para a marinha e o exérçito.
solidação do modelo agrario-camercial-exparta- atônito, surpresq", mesmo porque, nãquele Nacional: composta por 50 mil volumes o Divirsós cüriós -aVúlsósdeecoDornia,
dar deperuJ.mte. momento, "a cor do govern(4"era "pura- trazidos por D.João VI; em 1814:foi fran- .química e agricultura, tambéInna Bahia e
O trabalho assalariado de milhares de mente militar."e "a colaboração do elemen- queada ao público. • . no Rio. ' -, -
imigrantes também já se tornara significa- to civilfoi quase nula"6. , o Jardim Botânicodo Rio (1810):incentivou As faculdades propriamente ditas, tais
os estudosde botânica e zoologia,fez o levan- como as de ensinojurídico, foram criádas
,~ento das vari~dadesde plap.tase animais, já no período d~ Primeiro Império, corrio
• Rtzí<:esda Brasil. 23. ed. Rio deJanei:-o,José Olympio, 1991, p. II9 e 120. bem como estimulouexpediçõescientificas. veremos mais adiante.
220 Histól'la da Educação e da Pedagogia - Ger91,e Brasil SéciJlo XIX: a educação nacional 221., .
--'-----~.,,~~i
,'.' I
1t .' 2. Império: os três níveis de ensino vam a um sistema nacional de instrução pú-. deveria esperar o tempo necessário para ser sua forma original ou geralmente mesclada
• ~.:,
blica que resultou em lei nunca cumprida. resolvido satisfatoriamente, muito embora a outros métodos.
A Assembleia Constituinte foi dissolvida .~: fosse inConcebíve~na sua ausência, o fun- O fracaSsoda experiência deveu-se a vá- .
Ao examinarmos os três níveis de ensino
e a Constituição, outorgada7 pela Coroa. ,~.; ciq,namentode novo regime constitucional. rias causas. A necessidade de salas bem anl-,
nos periodos do Primeiro e do Seguijdo Im- • plas'Para.abrigar grande número de alunos
pério, notamos as dificuldades de sistl!mati- Mantiveram-se o princípio de liberdade ,~ E,'muito discutido e emendado, o primeiro
de ensino sem restrições e a intenção de ;~ projeto apresentado pela Comissão de Ins- certamente não foi contemplada, porque 'os
zação dos dois primeiros níveis, por conta
dos interesses elitistas da monarquia, que "instrução primária gratuita a todos os ci- F trUçãofoi engavetada e esquecido antes de prédios usados, sempre de improviso; não
dadãos". 'Finalmente, foi instituida a lei de ;:~ ser aprovado"9. Comõ veremos adiante, a eram apropriadas. Fal~va, ainda, materiai
não se importava com a educação da maio-
1827, "a única que em mais de um século .:: .postura dos deputados diante da criação de adequado, tais como bancos, qUo.éIros,fi-
ria da população, ainda predominante- .j;
se promulgou sobre o assunto para todo o faculdades foi bem outra. chas, si~etas, compêndiqs etc. Apesar de te-
mente rural. O ensino secundário também
foi conturbado na medida em que se confi- país e que determina a criação de escolas 1; Por isso, embora já na Constituição ou- rem sido criadas escoláf normais em vários
de primeiras letras em todas as cidades, vi-'~ torgada de 1824 houve~se referência a um estados para a instruçã~~o ~étodg mútuo,
gurava propedêutico, portanto atrelado aos
.," ".
lase lugarejos (art. lll)e, no art. XI, 'escolas ':::'. "sistema nacional de educação", esse pro- os professores, alé~ de'descontentes COJ;l1
interess~s do ingresso nos cursos superiores.
de meninas nas cidades e vilas mais popu- i' jeto não foi contemplado ,em 1827. Sem a a remuneração, nem sempre estavam bem
, Veremos, em cada um dos níveis (elemen-
tar, secundário e superior), as medidas do losas'. Os resultados, porém, dessa lei que £. exigência de conclusão do curso primário preparados. . , .
fra,cassou por várias causas, econômicas, para o acesso a outros níveis, a eliteeducava E lamentável notar qu~, no texto da nos-
Decreto Imperial de 1827, a descentraliza-
técnicas e políticas, não corresponderam seus filhos em casa, com preceptores. Ou- sa primeira lei sobre instrUção pública ~e
ção de 1834 e, finalmente, as décadas após.
aos intuitos do legislador"8. -: tras ve~es,os pais se reuniam para contratar 1827, havia. a seguinte explicitação: "Para
. ~870, c.uja fermentação de ideias gestava
Aquele ideal do ensino para todos logo professores que dessem aulas em conjUnto as escolas de ensino mútuo se aplicarão os
não só os ideais abolicionistas e republica-
foi considerado inexequíve1, e o Decre.to~. para seus filhos em al$UffiÍugar escolhido. edificios,que houverem com suficiêncianos
nos, mas também novos horizontes para a
Imperial de 1827 reservou para o ensino Portanto, sem vínculo com o Estado. lugares delas, arranjando-se com utensílios
educação.
elementar algo' muito menàs ambicioso. L Para os demais segmentos sociais,resta- necessários à custa da Fa7,~.ndaPública ... _
".&"
Os professores que não tiverem a necessária
o ensino elementar Assim comenta a professora Maria Elizabe- va a oferta de poucas eScolascuja ativida-
instrução deste Ensino, irão instruir-se em curta
te S. P. Xavier: 'í\. necessidade e a urgência de se restringia ,à instrução elementar: ler,
da criação de um sistema de instrução pú- escrever e contar. Segumio o relatório de prazo e à custa das seus ordenados nas escalas das .
A situação era bastante caótica no ensi-
blica foram, durante todos os debates, di- Liberato Bar.roso, apoiado em dados ofi- capitais. [grifo nosso]". Como consequência,
no elementar. Embora o modelo econômico
retamente associadas ao caráter do regime ciais, em 1867 apenas 10% da população os .r~sultados da experiência foram medí-
brasileiro, predominantemente agrário, ti-
político nacional e liberal: educar homens ,,~ em idade escolar se matriculara nas escolas ocres e artificiais, principalmel1~eporque,
vesse sofrido algumas alterações na segunda
livres, capazes de sustentar o novo sistema . primárias. além de tudo, esse método se ancorava na .
metade do século XIX em razão do incre-
representativo". No entanto, a execução " Uma experiência 'realizada foi a implan- atividade de monitores,.os-pr.óprioScolegas
mento do comércio e, mais para o final, de-
do .projeto foi protelada porque. se argu- li tação do método de ensino mútuo ou moni- de 10 ou 12 anos, incllIl1bidosde repassar o
~vida ao pequeno surto de industrialização,
mentou que antes deveria haver mell,1or 1. torial, copiado do pedagogo inglês Lancas- aprendido aos demais. ::;, .
esse modelo não favorecia a demanda da
conhecimento de nossa realidade, além de ter (ver parte I deste capítulo) e que tinha Pela feforma de 1834>, o ensino elemen-
educaçãõ, que não era vista como meta prio-
uma base teórica que exigia a reElaçãode o objetivo de instruir o maior nÚInero de tar, o secundário. e o de formação de pro-
ritária, apesar da grande população rural
um "Tratado da Educação Brasileira".,Em alunos com o menor gasto possível.Desde fessor~- foram descentralizados, passando
analfabeta composta sobretudo de escravos.
continuidade à citação anterior: 'í\. procIa- 1819 surgiram algumas tentativas de .sua para a iniciativa e responsa:bilidade das
Logo após a Independência, já na As-
ma~a urgência do problema nãq implicava aplicação; e na continuidade dos debates, províncias. Só o curso superio.rficaria a en-
sembleia Constituinte de 1823, as discussões
a tomada de decisões apressadas e inade- nõs qUais geralmente ~ exaltadas suas ~rgo do poder central. Veremos no próxi-
voaram alto demais. Motivados pelos ideais .
quadas. O problema da instrução popular vantagens, o método foi adotado por decre- mo item como na verdade se tratou de uma
da Revolução Francesa, os deputados aspira-
• to em 1827. Arrastou-se sem muito sucesso pseudo descentralização quanto ao ensino
provavelmente até 1854, e, mesmo depois~ secundário e quais os problemas d~corren-
, A Constinrição é aprooalia quando os deputados da Assembleia Constin.rlnte a submetem à aprovação do Coo- .~ ainda era aplicado em alguns lugares, na tes dessa determinação.
gresso. Ela é outorgada quando elaborada por outros que não os deputados eleitos e imposta de forma autoritária . 'i,
à~. •
o .Fernando de Azevedo, A cultura brasileira: intrd'dução ao estudo da cultura no Brasil. 4. ed. n:v. e ampl. Brasília,
Ed. UnE, 1963, p. 564. 9 Podir políJico 'eeducllfão ik eli~. 3. ed. São Paulo, Cortez/ Autores AsslÍciados, 1992, p. 59-6l.
224 ~istória da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Século XIX:a educação nacional T ',,225 ...
." - ..
" ~,~
.229.
Devido à falta' de"ensino públicosecun- reformas sociais, imbuídos de que "a cren- resultaram da lenta passagem de uma socie- dos métOdOSpossíveis,eram discutidos as-
dário para as. moças, quando elas tinham ça inabalável do poder da educação como dàde rural-agrl\ola para urbano-comercial.. s~tos diversos, tais como higiene escolar,
posses, frequentavam as atilils em escolas fator de mudança' social, de um lado, e, de As forças .conservadoras de uma tradição castigos corporais, atuação do Estado na
particulares confessio.nais protestantes ou outro, como fator de justiça social, consti- ..• agrária sustentada por escravos resistiam educação, formação de professores, esco~á
católicas. tuía, por assim dizer, a qüestão-chave de às ideias "liberais implantadas na Europa, popular etc:
De qualquer forma, as mulheres acha- cuja solução dependia, o progresso da sacie. onde a "economiacapitalista se encontrava ". . Àssim diz Maria Helena Camara. Bas-
vam-se excluídas da possibilidade de acesso dade brasileira" 13• em expansão. tos, em um artigo que; não por acaso, se
aos cursos superiores, mesmo que se pre- Aos poucos foram surgindo e"scolas,50- :';:1, De fato, vimos no tópico Contexto histórico chama '1\ educação c~mo espetáculo": '~
parassem adequadamente em escolas par- bretudo dirigidas por instituições de reli.. .,i que no último quartel do'século XIX ocor- conferências'populare$, públicas, .literárias,
ticulares ou com preceptores. Isso porque giosas francesas, voltadas para a educação. .t reram diversas mudanças significativasno pedagógicas ou 'de p~fessores são recanhe.
para tal nio se exigiam diplomas, mas era feminina. Se em 1832 havia vinte escolas .:.'~, .lt,"
Brasil: surto industrial, fortalecimento da cidas corno fator re!e~te para o progres-
necessário fazer os exames preparatórios primárias femininas em todo o Império, em burguesia urbano-industrial, aceleração da so e melhoramento d.ainstrução primária.
~;
aplica dós pelo Colégio D. Pedro TI,destina- 1873 apenas aprovínciade.são Paulo con. " política imigratória, abolição da escravatu- Têm caráter educativo e modernizante de
dos exclusivamente ao público masculino. tava com 174 unidades. ':ú ra e por fim a queda da monarquia e á pro- vulgarização 9.0 conhecimento; têm uma
Consta que a primeira mulher a se matri- Merece destaque o Colégio Piracicaba- £. clamação da República. perspectiva de atualização, de.continuação
cular na Faculdade de Medicina do Rio de no,internito. feminino fundado. em 1881 ;.',~ No campo das ideias, o então dominante dos estudos depois da formação, de vulga-
Janeiro foi Dona Ambrozina çleMagalhães, no interior da província de São Paulo e di- .~! pensamento católico começava a enfrentar .rização e aperfeiçoamento dos métodos de
em t881. No ano seguinte, mais duas se rigido por Marta. Watts, missionária norte-~; a oposição do positivismo e da ideologia li- ensino das diferentes matérias, língua fran-
matricularam - uma delas assistia às aulas -americana que implantou um enSinoavan-.: beralleiga, que exerceràm forte influência cesa, cálculo, métodos de leitura e escrita,
acompanhada pelo pai e a ou~ por uma .çado. D~ origem leiga, destaca-se também .'1:: na libertação dos escravos e na proclama- métodos de geografia e hÍstória"H.
senhora idosa, o que demonstrava o temor o Colégio para Meninas, em São'Paulo, sob '1., ção da República. No campo educacional, Outras medidas focam tomadas, tais
que a emancipação feminina (ou a sua ex- a direção de Ràri.gelPestana, que ali impri- ..~. a orientação positivista do ensino intensm. como o Congresso da Instrução, em 1883,
posição pública) provocava. miu o ensino das lições de coisas: "": cava a luta pela escola pública, leiga e gra- por iniciativa do própno imperador Pe.
No entanto, a educação feminina espe- tuita, bem como'pelo ensino das ciências. dro ILA abertura.de debates estava sendo
rou a fase pré-republicana do final do sécu- Pedagogia Não se pode negar, portanto, que nas comum nos países mais adiantados, bem
lo para começar a despertar maior interes- ,"
.~";
últimas três décadas do século XIX tenha como as exposições pedagógicas e a ins-
se, quando então, no burburinho das ideias 1. ReAexães pedagógicas no final do fermentado o debate sobre questões pro- talação de- mUseus. Também aqui foram
inovadoras, se começou a falar em coedu- Império priamente metodológicas. Esse pro€esso criados inúmeros museus de educação,
. cação, o que supunha oferecer também às começou com a reforma Couto Ferraz, em não só para os mestreli; mas tanlbém para
mulheres os estudos antes reservados aos No século XIX ainda não havía propria- ) 1854, que visava a regulamentar a instrU- . o público em geral. }!'toliotecas, publica-
rapazes .• Apesar disso, a controvérsia era mente o que poderia chamar-se pedagoi-a ção primária e secundária do M~~cipio. ções diversas e livros propunham dissemi-
grande: os mais conservadores, temendo o brasilei:ra. No entanto, alguns intelectuais, da Corte. Nessa ocasião foram instittÍídas nar questões edu~aciQnais. A divulgação
desmonte do sistema patriarcal e a dissolu- influenciados pelas ideias europeias e nortc- ~. as coriferê7lcias pedagógicas, com a intenção de das noVas'ídeias era feita também pela im- -
ção da família, usavam como 'argumentos -americanas, buscavam novos rumos par,a;, difundir as ideias novas para professores, prensa comprometida com o objetivo de
a "natureza" inferior da inteligência femi- . a eduçação, apresentando projetos de leis, bem como para o público interessado. No ampliar a instrução popular, tais como os
nina e seu destino doméstico; outros, mais criando escolas, além de promoverem signi- entanto, as conferências foram realizadas jornais A Província de S. Pauto (fundado por
liberais, destacavam a importância da sua ficativodebate abertO para a sociec;1,ade civil. apenas a partir de 1873. Até l886,.apenas Rangel Pestana.e hoje O Estado de S: Paula)
educação para o exercício das funções de Tratava-sê de uma atuação ii:regular, na Corte organizaram-se nove delas, mas e a Gazeta de Qa1}1.pin~ _ _._ . ._._.
esposa e mãe; os mais avançados, como fragmentária e quase nunca com resulta- i diversasoutras províncias também apresen- Poucb antes, em 1882, o conselheiro Ro-
. Tobias Barreto e Tito Lívio de Castro, po~ dos satiSfatórios, devido à distância &ntrea} taram as conferências a um público ávido dolfo Da,ntas apresentara ao parlamento
rém, percebiam que a educação da mulher teoria e a .prática efetiva. Isso se devia às , das novidades dos paises adiãntados. Além um projeto de reforma, estudado por uma
exercia o papel central de um programa de situações, ml1itas vezes contraditórias, que f.
.•• ']\, educação como espetáç1.l1o",iÍ1Maria Stephanou e Maria Helena Garoara Bastos (orgs.), frlStórias e memó-
13 Helleil;th l. Saffioti, A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São PaUlo, Quatro Artes, 1969, p. 223. rias da tduca;ílo IW Brasil, v. II: Séaúa XIX, p. 117.
História da r:"dui:âção e da Pedagogia __ .Geral e Brasil'~ Século XIX: a educação nacional 231
230
.",)00
comissão especialniente nomeada, cujo re- A ênfase do método está no reconheci- Em VeZ de educar no estudante os senti- nas estruturas sociais,na perspectiva de que
lator era Rui Barbosa. O extenso parecer mento de que os sentidos.são a porta para dos, de industriá-loem descobrir e pensar, a educação equivalia a 'progresso' "'5.
em que ele analisa a situação do ens~o no todo conhecimento. Ao contt:ário da tradi- a escola e o liceu entre nós oêupaÍn-se ex-
Brasilficoufamosopelaerudiçãoeeloquê.n- ção, que valoriza o ensino discursivo, que '#0"" clusivamente em criar e desenvolver nele Conclusão
cia. Apesar de fazer também um levanta- atua por raciocínio lógico 'e, pórtantà, é t. os-hábitos IP~câI¥cos de decorar, e' repetir.
mento cuidadoso do ensino nos paíSesmais. abstrato, busca-se começar a instrução pri- ~ A ciência e o sopro científico não passam .Eram muitas as contradições sociais e
adiantados, resultou daí "um plano ideal e .. mária educando a sensibilidade, pela qual ..~ por nós". políticas de um país cuja economia conso-
teórico", distante da realidade brasileira, percebemos cores, formas, sons, luz etc.. l' Outros livrosforam traduzidos e também lidava o IJlodelo"agrário-comercial e fazia
portanto incapaz de soluções eficazes. É esta que prepara e antecipa a intuição~~' . escritospor pedagogos brasileiros, como foi as primeiras tentativas de industrialização.
De qualquer forma, essa fermentação de intelectual; quándo então percebemds as o caso de João Kopke. Esse educador, c0It1 Debatiam-se os segmentos renovadores -
ideias alimentou durante. muito tempo as relações (de igUaldade, causalidade etc.) en- experiência em sala de aula, abriu escolas que aspiravam aos ideais liberais e positi-
esperanças de transformação da sodedade tre ascoísas. Ou seja, rejeitando a educação inova40ras, cujo ensino se baseava na àpli- vistas da burguesia europeia - e as forças
por meio da educação universal, no espírito livresca, a criança deveria aprender a ler o.. caçãç do método intuitivo, e eScreveutrata- retrógradas da tradição ..agr:ária escravo-
que mais tarde iria caracterizar o otimismo' mundo visível,pela observação e percepção dos de pedagogia e livros pata crianças. crata.
da Escola Nova, confiante no caráter de de- das relações entre osfenôrrienos. De modo sintético, a professora Maria Como vim'os, o poder. da rp.àçuo man-
mocratização ~a educação. Embora a expressão "lição de coisas"ser- Helena Camara Bastos diz: 'í\s ideias que teve o privilégio de classe ao valorizar o
vissepara indicar o método intuitivo aplica- i, circularam no Brasil, através das conferên- ensino superiox>emdetrimento dos demais
2. O método intuiflVo do em todas as disciplinas, com frequência.' cias pedagógicas, das conferencias papula: níveis, sobretiléfo'o elementar e o técnico,
ela'designava o ensino elementar das ciên-. res, do Congresso de Instrução, da exp9si- sem falar evidentemente da' desprezada
Depois do fracassO na implantação do' - cias da natureza,. isto éirestringia-se.a uma: ção pedagógica e escolar, da museu escolar educação da mulher.
J método monitorial 1ancasteDanç>,na pri- das disciplinas do C:1irriculo.Buisson mes- e pedagógico, dos impressos, faziam 'Parte Ainda que no final do Império surgis-
I, meira metade do século XIX, a grande m.o reconhecera essas duas possibilidades, de um. movimento internacional, no qual sem algumas esperanças de muàança no
discussão pedagógica na segunda metade mas ressaltava ser importante comp.reender'" a elite intelectual brnsileira procuravainte- quadro educacional, por conta de intenso
desse século deu-se em torno do método in- "lição de coisas" como método constituin- grar-se e vivenciá-Iona sua realidade social. debate sobre a educação, a situação do en-
tuitivo e lições de coisas. Essas ideias surgiram te iie todo programa de ensino. Rui Bar- An mesmo tempo que partitipa~ ~o~E"s: ~-sÍi1ocontinuava muito precária. Deixamos
na América Latina sobretudo pela divulga- bosa considerava importante a divulgação ~do, favorece!1doa s:l!~IE:an?t~~o, ~eSsc:~ _. ~ an.~se da educação da Primeira Repú-
ção do pensamento dos franceses Célestin do método intuitivo entre os profeSsorese, intelectuais preconizavam transformações. blica para o capítulo 11.
Hippeau (1808-1883) e Ferdinand Buisson para tanto, traduziu Pri.meiras lições de coisas,
(1841-1932). Ao participar da Exposição do norte-americano Norman Calkins.
de Paris, em 1878, Buisson se referia aos Em R4ôrma do ensino seCU1Úló.Tio e superior, . .ló '~ educação {;Orno espetáculo", in Maria Stephanou e Maria Helena Camara Bastos (orgs.), Hut6rias t memó-
riastÚl educaç~ IW BrasiL v. II: Slculo XIX, p. 130. .' . _ • ~ . .
antecessores desse método: os empiris- Rui Barbosa avalia o ensino do seu tempo:
tas Locke e'Condilac; a defesa da "razão "Perceber os fenômenos, discernir relações,
sensitiva" de Rousseau; a v;alorização da comparar as analogias e as dessemeIhanças,
educação popular po.r Pestalozzi, que de- classificaras realidades, e in.dtlziras leis, eis
fendia o desenvolvimento espontâneo do a ciência; eis, portanto, o alvo que a educa-
ção tem em mira. Espertar na inteligência
Dropes tovelas e tomar notas, um pote e uma
aluno, baseando-se na intuição psicológi-
caneca,. e aí temos armado o alcatifa-
ca; o'equipamento lúdico para o desenvot- nascente as faculdades' cujo concurso se re-
q1iernesses processos de descobrir e assimi- :
"1 • Corilo o professor é pobre ~ ~scass9.. do palacete da i.Iistrução. Agrupam-se
vimento sensório-motor das crianças. na
Õ órdenado~ i.nstalã-aescolã.-numa sa- ai dentro 20, 3Uóu~tfOcrianças, tend~
primeira ÍIÜancia inventado por FreebeI. lar a verdade, é o a que devem tender oS
leta qualquer, contanto que sett:barata' por único horizo~te as frestas sombrias -
Mas Buisson reconhece 'em Marie Pape- programas e os métodos de ensino. Ora, os'
e lhe,não absorva o'ordenado. A tÚul; -de wna r6tulã16 e durante quatro (iu
Carpentier a popularização mais recente nossos métodos e os nossos programas ten-
de mobilia procura doisóu três bancos cinco '~oras diárias martirizam os ou-
do método e a criação de material didáti- dem precisamente ao contrário: a entorpe- .
de pau, uma cadeira para si,-uma mesa __~vidas ~ s:s cordas vocais da laringe em
co, como a Caixa de Lição de Coisas e a cer as funções, à atrofiar as faculdades que
onde ao menos possa encost<[ros co- insólito berreiro, respirando ar viciado
Lanterna Mágica, aparelho para projetar habilitam o homem a penetrar o seio da
figuras com forte apelo visuaI. natureza real e perscrutar-lhe os segredÕs.
232 História da Edu~ação e da Pedagogia - Geral e Brasil Século XIX: a educaçã=à~n=ac=io~n=al~- ---'- ~_ 233'
-l
• í o Leitura cori1plemen~r os grupos de convívio. Tal representação
-I era articulada na confluêilcia de diversos
e póeÍra, arruinaqdo a saúde, cansan- vez com três anos de curso, iI. 2 de agosto
[Escolas de improviso] fatores, dentre os quais queremos destacar
do a inte1igênci,a, matando a vontade de 1880,(Fernando de Azevedo)
-, """; os de ordem político-cultural, pedagógica;
de aprender, a natural. Curiosidade in- científica e administrativa. . - ' '
4 • Nessa sociedade, de economia ba- A questão do espaço para abrigar a es-
fántil' e a paciência (... ). O resultada 'No que se refere ao~ primeiros, há que
seáda no latifUndio e na escravidão, e à cola pública primária começou a aparecer
é t~rnar-se a escoli- o mau sonho das se considerar que a instituição e o fortale-
qual, por isso, não interessava a educa- especialmente a partir da segunda década
crianças. (Editorial de A prou£ncia de S. cimento do Est~do Imperial eram fenôme-
ção popUlar, era para os ginásiose as es- do século XIX, em algumas cidades da en-
Paulo, 13/01/1876, apud. Maria Lucia nos, também, político~culturais.Relaciona-
colas superiores que afluíam os rapazes tão colônia, e, posteriormente à Indepen-
Hilsdorf) dência, em -yáriasprovíncias do Império, do a isso estava o fato de .que a escolariza-
do tempo com possibilidades de fazer os
quando intelectuais e políticos puseram em ção, rio mundo moderno como um todo
2 • Em 1836, havia na cidade (São Pau- estudos. As atividades públicas, admi. ;' circulação o debate em torno da necessida- fazia parte dos age'u~iameIitos de dar ~ ~
lo) apenas dois professores de primeiras nistrativas e políticas, postas em grande
de de se adotar um novo método de ensino ver e de fortalecer -as ~strutuJ'as de poder
letras, um da freguesia da Sé e outro na realce pela vida' da .corte e pelo regí-
nas escolas brasileiras: o método mútuo. estatais, podendo, mesmo, ser considerada
de Santa Ifigênia, (... ) ambos parlidá- me parlamentar, e os títulos concedidos
(... ) Todos reconheciam que para abrigar como um dos momentos de realização dO';
.rios' dos castigos corporaiS como meio pe16imperador contribuíam ainda mais
dezenas ou, mesmo, centenas de aprendizes Estados modernos. (... )
para valorizar o letrado, o bacharele 'o -,,;
de manter a disci,plina. Numa. repre- fazia-se necessária a construção de novos Em segundo lugar, as discussõespedagó~
sentação dirigida à Câmara Municipal, doutor~(Fernando de Azevedo)
espaços escolares. _ gícas, sobretudo aquelas referentes às pro-
-pediam "a concessão de alguns castigos .~,.
(00.) A solução aos problemas espaciais, postas metodológicas, foram demonStrando
fisicos em suas escolas a.fiID de melhor
5 • Os "meninos desv:ilidos" [do Asilo 'o,
a.necessid~de de que se construíssem espa-
dõs Meninos Desvalidos] eram os que, entretanto, foi muitas vezes associada ao
ensinarem e corrigirem os seus alunos, uso de prédiosjá existentes. - .ços própnos para a escola, como condição
de idade entre 6 e 12 anos, fossem en-
por isso que esses nenhum caso fazem (,.. ) A realidade material e espacial da mesma da realização de ,sua função social
contrados-érn tal estado de pobreza: que,
dos castigos moiais, mofando mesmo de escola brasileira continuava como tema espeófica. Assim, os defensores dométo-
além da falta de roupa àdequáda para ,o,
seus mestres", (Fern~ndo deAz~v7d.0) _ em. debate passados 30 anos. Na década do intuitivo, da mesma maneira que os do
frequéntâi"'escalas'coínuns,-vlvessemna" método mútuo no início do século XIX,
de 1870, os diagnósticos dos mais diferen-
3 • Em 1846 é criada (.oo} a primeira mendicância. ESses meninos eram en": tes profissionais que atuavam na escola ou argumentavam a necessidade de o espaço
escola nomiã.I de sãO Paulo, _destina- caminhados pela autOridade policial ao da sala de aula permitir que as diversas
na administração dos serviços da instrução,
da somente a homens, e com um único asilo, onde recebiam instrução primá- classes pudessem realizar as liçõ~ de coisas.
~uainda políticos e demais interessados
professor, ManuelJosé Chaves, catedráti- ria e apreitdiam os oficios de tipografia, Somava-se a isso que a escola foi, sobretu-
..- na educação do povo (médicos, engenhei-
'
o
co de filosofiae moral no curso anexo-à encadernação, alfaiatarià, carpintaria,_ , do ao final do século $pC, sendo invadida
ros... ), e~ unânimes em afirmar o estado
.:;,..,
Faculdade de Direito; essa escola funcio- marcenaria, tornearia, entalhe, funilaria, : por todo um ~enal inovador de materiais
de precariedade dos espaços ocupados pe-
nau numa sala do C~ido, contígua à Sé ferraria, seITa1heria,courearia ou sapa-- , -didáticocpedagágícos (globos, cartazes, co-
las escolas, sobretudo as públicas, mas não
Catedrai, e foi suprimida em 1867,tendo taria. Concluída a aprendizagem, o artí- somente essas, e advogavam a urgência de leções, carteiras, cadernos, livros...) para os
formado cerca de 40 professoresem perto fice permanecia mais três _anos no asilo, ,~ se construírem espaços específicos para ~ quais não era possívelmais ficar adaptando ~ -
(..1 • 'dia ) () trabalhandó nas oficinas, com o\duplo ,os espaços, sob pe-na de não colher, desses
d e 20 anos \uOls;emme , por ano. o" realização da educação primária.
Em 1874 é criada na capital de São Pau- fim de pagar sua aprendizagem e formar': ( .• o) Sobretudo no último quartel' do materiais, os reais beneficios 'que podiam
lo uma escola normaI,comum cúIso de um p'eo:w?, q~e lhe :x:-entr~gue ao llfIl século XIX, foi-se, paulatinamente, refor- trazer para a instruçâõ.
_do tnenio._~wz Antômo Cunha)
dois anos, que se instalou.--em.1.8.75-COIl:L'.- - 'C~ ~:~ . çando a representação de quo a constru-
"
Também o .desenvolvimento dos sabe-
33 alunos. numa sala dei curso anexo à ção de prédios específicospara a escola era res científicos, notadamente da medicina e,
Faculdade de Direito~Também esta, por
falta de verba para a instalação e custeio, 16 Rótula:grade de madeirascruzadasque ocu-
se fechou em 1878;para se abrir, e desta. pa umvãodejanela. - ai
imprescindível a uma ação eficaz junto às
crianças, indicando, ass~ o êxito daqueles
r l'
que defendiam a superioridade e a especifi-
dentro dessa, da higíene, e a aproximação
desses do fazer pedagógico infiuíram de-
cisivamente na elaboração da necessidade
de um espaçp especifico para a escola (o. ,).
f'~
cidade da educação escolar diante das ou-
tras estruturas sociais de formação e socia-
o
240 História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil , Educação para a democracia 241.
madas as práticas do neoliberalismo - e, 2. Movimentos sociais de contestação
enquanto Portugal sucumbia sob a ditadura do Norte (1945), a Coréia do Norte (1948),
portanto, o ideal do Estado minimalista-,
• de Antônio Salazar. Ecos dessas mudanças a China de.Mao Tsé-Tung (1949), o Laos À margem da politiC4oficial, desde me-
retirando-se do governo as funçõesassisten-
se fizeram sentir no Brasil com a Ação In- e o Camboja (Campuchea). Em 1959 foi a ados do século XX "grupos divers'osagita,
cia.Jistasassumidas pelo Estado de bem-es-
tegralista e, mais tatde, s9b alguns aspectos, vez da adesão de Cuba, com Fidel Castro. ram a sociedade civil com variadas formas
ta.rsocial.
com o 'Estado NQvOda era getulista. Mes- OutrQ açontecimento importante do de contestação. Uma das mais significativas
Daquela época até a transição do sécu-
mo diferentes, essas tendências criticavam 'periodo pós-,guerra foi a paulatina descolo- foi representada nos movimentos de contra-
lo, muitas foram as mudanças. Citaremos
tanto o liberalismo como o comunismo. En- nização da Africa e da ÁSia,processo pelo cultura. Na década de 1950, os beatniks (da
apenas algumas delas. O neoliberalismo ex-
quanto Itália e Alemanha representavam o qual muitas das antigas colônias, ao se li-
. pandiu-se por meio da economia globaliza- beat gene:rations norte-americana) ê. nos élllOS
chamap.o totalitarismo de direita, na União bertar, aderiram ao socialismo.Já nos refe- de 1960 os hippies opuseram-se -"-.cada ten-
da, favorecendo acordos entre nações: um
Soviética o totalitarismo de esquerda surgiu rimos à necessiçlade de éxpansão inerente dência a seu modo - aos valores'da socie-
~uando Lênin foi substituído por Stálin, a ao capitalismo. Com a
descolonização, o exemplofoi a União Europeia, que instituiu
o euro como moeda única. Outros blocos dade industrial e de consumo. N:i:Y"final da
partir de 1925. irp.perialismo tomou outra forma. A partir
têm buscado favorecer laços no mercado década de 19.70aparece:ram ospunks, e, na
Depois da Segúnda Grande Guerra ç10 fortalecimento do capitalismo de orga-
internacional. Por .outro lado, por privile- sequência, inúmeros outros grupos têm ep-
(1939-1945), foi fundada a "organização nização, as multin<icionais representaram a trado em confronto com os valores de uma
giar os interesses dos países hegemônicos,
. das Nações Unidas (ONU), organismo que nova,estratégiadeinstalarindústriasempaí- sociedade massificada pelo consurnismo e
a globalização recebe critica de grupos da
visa a manter a paz mundial e defender os ses não-desenvolvidos a fim de explorar a pela visão pragmática da tecnocracia.
socie.dadecivil, na defesa de uma solução
dÍreitos humanos. Dentre seus diversos ór- mão-de-obra barata, agravando o problema A partir da década de 1960, tornou-se
alternativa, mais democrática, que não se
gãos especializados, destacamos a Organi- das economias de base agricola. Estes.eram marcante a mobilização das minorias, en-
curripra à custa do~países periféricos, como
zação das Nações Unidas para a Educação~ os países que compunham o entã~ chama- tendidas como ~egmentos da. sociedade
Ciência e Cultura (Unesco), por ter um dos
2
do bloco do Terceiro Mundo e procuravam a -tem ocorrido.
Essas alianças não existem apenas no destituídos de POl 'er: o movimento negro,
seus focos na educação. . emancipação a duras penas, d.i.fieultadape- o estudantil (seu n omento crucial ocorreu
campo da economia, mal[ também da po-
No pós-guerra os Estados Unidos assu- . los laços de dependência econômica e até
miram posição hegemônica na economia. política. No Brasil, por exemplo, os Estados
lítica, na tentativa de se instituir uma gover- . . em maio de 1968, em.
Paris, com irradiação
nança global em.que os Estados-nação não mundial) e o fenUnista (ou de gênero, que
mundial, reforçada pelo poderio atômico Unidos interferiram diretamente no golpe se desenvolvia desde o começo do século e
percam sua soberania, mas organizem foros
_ demonstrado no lançamento da bom- militar de 1964 e, no campo educacional, recmdesceu naquela década), a revolução
internacionais de discussão - por exemplo,
ba atômica em Hiroshima e Nagasaki - e dirigiram o rumo das reformas realizadas sexual, os movimentos contra a discrimi-
já existe o Parlam~nto europeu. Isso vale
pelo crescimento' da indústria bélica, que por meio dos acordos MEC-Usaid, como nação do homoerotismo, em prol da pre-
para a resolução comum de problemas que
desencadeou' a corrida armamentista. No Veremosno próximo capítulo. senlação das populações inclígenas, enfim,
afetam a todos, bem como para o comba-
outro pólo, a União Soviética expandia sua Quando (, bloco. dos países comunistas pela defesa dos direitos' huma.nqS.Os gru-
te articulado de crim~ como narcotráfico,
zona de influência, também com ~eu po- começou a apresentar rupturas, os problê- í pos pacifista!, que atuavam havia tempo,
Iavagern~e dinheiro, atentados aos direitos
der bélico e ~tôInico. O confronto das duas .. mas. culminaram com a queda do Muro ~. intensificaram suas atividades por ocasião
humanos, crime internacional organizado,
potências gerou a Guerra Fria, que deixa- de Berlim, em 1989. Em .1991 a própria f' 1errorismo. . da Guerra do Vietnã (1963-1973).
va em suspenso a ameaça constante à paz União Soviéti~ desintegrou-se, incapaZ di:- .:; Entre essas mobilizações, não h~ como •
mundial. manter unidas as Repúblicas consti~das fi Resta lembrar que, ao contrário do sécu-
lo XIX, marcado pela visão do trab~h~ e desconsiderar a arregimentaçãO da classe
A tensão entre as duas potências aumen- por diferentes nacionalidades. li.,
- ; '::':'.~ í'j"
,flli;:!:"., -~_ ..
"'~."Ii1'i~"""l
,.;";,,,-,,
para uma escoia pertencer ao movimento, Destaca-se a contribuição de Lênin
Apesar disso, cOntinuava a ilusão qe que (1870-1924), cujo trabalho teórico não Sé
A fim de melhor avaliar esse "momento deveria cumprir pelo. menos qois terços de-
a educação pudesse garantir- mobilidade separava do ativismo exercid.o camo líder
de passagem", retomare~os mais adi~- les. Segundo esse padràq, eram as s~guintes
social e sucesso profissional. Para essa con- da facção bolchevique. Contrapondo~se
te alguns pontos, pela ótica das teorias as prjncipais características da Escola Nova:
cepção de educação, corno instrumentq de às teses revisionÍstas, Lênin restabeleceu a .
• pedagógicas. edueação integral (intelectuai, moral, física);
democratização da sociedade, muito con- ortodoxia da concepção de Marx e Engels,
educação ativa; educãção prática, com obri-
tribuiu o ideário da Escola Nova. . com o que a ,doutrina. oficial passou a ser
2. A expansão do ensino gatoriedade de trabalhos manuais; exercício.
conhecida como marxismo-leninismo. Após o
de autonomia; vida no campo; internato;
. 3. Realizações da Escola Nova sucesso da 'revoll{ção, Unin OCup?~ o po-
De maneira gera as propostas educa- coeducação; ensino individualizado. .
cionais do século XIX reafirmaram, no sé- der a~é Sl,lamorte prec;oce; quando-foi subs-
O escolanovismo resultou da tentativa de ESse projeto exige métodos ativos, com tituído por Stálin.. .. ' ':'
culo XX, a necessidade da escola pública,
superar a escola tradicional excessivamente m¥s ênfase nos processos do conhecimento A União Soviética tiãnsfor~6li::'se em
leiga, gratuita e obrigatória. Esta exigência rígida, magistrocêntrica e voltada para a do' que propriamente no produto. Para tal1-
tornou-se mais premente devido ao cresci- uma'potênciÇl industrialidàda, coris~indo
memorização dos conteúdos. Desde a Re- to as atividades são centradas nos alunos,
mento das indústrias e à explosão demográ. resólver problemas sociais .como moradia,
volução Industrial a burguesia precisava de e a criação de laboratórios, oficinas, hortas
fica. Apesar da efetiva extensão dos progra- saúde e educação. Sem nos esquecermos
uma escola mais realista, que se adequas~e ou até imprensa, conforme a linha a ser se-
mas de atendimento, as medidas tomadas das condições sercifeudals da Rússia pré-'
ao mundb em constante transformação. guida, deve ter em vista a estimulação da
pelos governos ainda são insuficientes, prin- -revolução, é surpreendente constatar como
Os pedagogos Fe1tre, Basedow e Pesta- iniciativa. todos os países socialistas conseguiram er-
cipalmente nos países em desenvolvimento. lozzi -foram de certo modo precursores da Tentando superar o viés inte1ectualista
Abundante legislação procura sanar as defi- radicar o analfabetismo.
Escola Nova, por .'Preconizarem métodos ." da escola. tradicional, são valorizados os Se a democracia socialista se des~acou
ciências, mas nem sempre de modo eficaz. ativos deeaucação, tendo em vista também .:," jogos, 'os exercicios fisicos, as práti~as de
A ampliação dos três níveis de ensino . pela distribuição mais justa dos bens, no
a formação global do aluno. A partir do fi-' desenvolvimento da motricidade e da. per-
entanto a liberdade individual foi sÜfocada
(fundamental, secundário e superior). da nal do século XIX e início do xx,porém, cepção, a fim de aperfeiçoar as mais diver-
no direito de cada um expressar e difundir
rede escolar, inclusive com a' proposta de é que se configurou definitivamente o mo- sas habilidades. Também se voltam para a
melhor integração entre eles, deveu-se à a informação. Na política, o partido único
virnento escolanovista. compreensão da .natureza psicológica da
expansão da indústria e do comércio, à impedia o pluralismo, impos~ibilitando a
A escola pioneira, a de Abbotsholme, criança, o que orienta a busca de métodos
diversificação das profissões técnicas e dos crítica ao sistema. .:.
surgiu na Inglaterra em 1889, seguida de para estimular o interesse sem cercear a es-
quaclios burocráticos na administração e
outras espalhadas pela França, Alemanha, pontaneidade. IA educação na União Soviética
organização dos negócios. Bélgica, Itália e Estados Unidos. Etn alguns Mais adiant~ no tópico Pedagogia, vere-
Desde ó final do século XIX até a década países, os novos métodos foram adotados.. mos os preCÜrsores eos representantes da
de 1940, em decorrência da ampliação das . Em qualquer um dos:.paísesçITi ..•que se
nas escolas públicas, como os de Cousinet ( '. i~ Escola Nova.' . realizou a revolução sociàlista; ()o. ínteresse
C~mo veremos no tó~i:o .Pedagogia, fo- { ~;'; go~o de classes a~u seu ponto ~tico obrigatória. Logo de início, toda a socieda-
wmte collars, "colarinhos brancos", ou seja, ram unportantes as expenenCla5 de educa-l f;,~ no secu10 XIX, mobilizando os proletànos e ~e foi regirneRtada para o 75forço comum
gerentes, vendedores, empregados de escri- dores e pedagogos comQ Maria Montessori, i r ':'
os intelectuais que desenvolveram as conc~p- de alfabetização. Também se valorizou o .
tório e profissionais liberais assalariados. na Itália, e Deeroly, na Bélgica. 1. '1', \
ções socialis~ em oposição ao liberalismo. trabalho coletivo" a auto:.organiZação' dos' --
Em dado momento, porém, principal-
Em 1899, por iniciatiVa de Adolphe Fer- j f :,: Os teóricos que repensaram Marx e En- estudantes, a ligação entre escola e vida e ~
mente nOs países desenvolvidos, o número riêre (1879-J0961), foi fundado o Bureau"\1:' gels no século XX o fizeram a partir da ex-
de empregos oferecidos passou ~ ser inferior entre trabalho intelectual e manuãl. ~
Internacional das Escolas Novas, sediado \ ~::.: periênêia concreta da Revolução Russa de Após a Revolução de 1917, ainda no pe-
ao de diplomados, gerando uma política de em Genebra. Devido à criação deinúnle. ¥i 1917, quando não mais se tratava de ela- ríodo do governo de Lênin. e antes do en-
contenção na demanda de educação. Além ras escolas novas com tendências diferen- i L
borar um projeto de revolução e sim de en- durecimento da gestão stalinísta, a União
disso, muitas pessoas formadas, ao encon-
tes, em 1919 o Bureau aprovou trinta itens: l,., frentar problemas decorrentes da implaata- Soviética passou por um momento decisivo
trar pequena oferta de emprego, tiverâm o
básÍços da nova pedagogia; de modo que, t ção do socialismo.
salário pressionado para baixo. ~.. l."" 247 .. '
___________ ----------------------- ~ f
246 História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil .', ~ '.c . Educação para a democracia
•
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na sua história. Predominava. um entusias- . O embate das ideologias continuemos a USaro termo para nos re- em 1981 reduziu-se a 1,9%. A divisa do
mo pela educação diante da necessidade ferirmos a momentos em que recrudesce a movimentIJ era: "Si sabes, enseiia, si no •
de fotmar o novo cidadão da sociedade No período da Guerra Fria, as duas po- . paranóia diante da "ameaça do inimigó", sabes: aprende" .
revolucionária. Lênin ligou a pedagogia a t~nc;ias- Estados Unidos e União Sovié- fazendo cercear as liberdades e instaurar Foram criados semi-internatos corri bol-
uma estratégia política revolucionária que, . tica - se defrontaram, determinanfl~, de • a~'censura.No começo do &,éculoXXI, por sas'e alojanieI?-tos;ensino técnico e profu-
se por um lado defendia a importância de ambos. os lados, Úm viés nianiqueísta no exemplo, vemos ressonâncias desse temor sional; creches para acolher as crianças de
não se desprezar a cultura do passado bur- esforço ~ difundir um. modelo de socie- no confronto da Guerra do Iraque: não mães trabalhadoras;. escolas para deficien-
guês, sobretudo as conquistas da ciência e dade e, portanto, de humanidade. A esse por acaso, epítetos como "Eixo do Mal" tes fisicos e mentais e formação de profes-
da tecnologia, por outro lado devia refor- respeito, diz Franco Cambi: "Na luta entre (como os radicais de cá designam os áraqes) sores, e~ todas as provincias. À reformula-
çar a consciência da luta de classes e prio- civilizações que maJitinhám a Guerra Fria e "Grande Satã" (como os de. lá veem'os ção dos cumctilos apoiou-se na discussão
ridade da instrução politécnica, voltada (dada corno luta m'lrtal, pelo menos no cur- norte-americanos), só fazem incrementar a entre grupos de professores e em função
para o trabalho. so dos anos 50) opUnham-se Oeste e Leste, onda de intolerâpcia e xenofobia. da perspectiva socialista. Além disso, os li-
Nessa fase, destacaram-se o ministro Democracia e Socialismo, Liberdade e To- vros e os demais materiais didáticos foram
da Educação Lunatcharski, junto com . talitaristno (ou alienação e emancipação, Outros país~s socialistas barateados .
N adeska K. Krupskaia (companheira segundo a frente marxista), Capitalismo e Os países' soçialistas do Leste Europeu
de Lênin), e, mais tarde, os educadores Economia Planejada; opunham-se o Ver-' A China, após a revolução de 1949 lide- (Hungria, Albânia, Alemanha Oriental,
Anton Makarenko e Mbisei Pistrak, que dadeiro e o Falso, o Bem e o Mal, segundo rada por Mao Tsé-Tung, também dedicou Romênia, Bulgária, Tchecoslováquia, Iu-
introduziram profundas alterações nas um dualismo testemunha de uma ideologia ", e~ecial atenção à educação. O .processo goslávia) em geral seguiram<de ÍDÍciGas
concepções pedagógicas, a fim.de enfren- elementar e pI'Qpagandística"~. radicalizou-se após a chamada "revolução orientações da União Soviética, mas de-
tar o des'\Íio de uma nação cQm 80% de É evidente que essas duas visões de cultural" de 1960, pela qual se pretendia pois passaram por diversificações, diante
analfabetos. O objetivo era criar o novo mundo antagônicas determinariun de ma- ';.' evitar qualquer influência burguesa, con- das necessidades de cada um deles. Na
cidadão', 11.0 transformar a sociedade se- neira forte a orientação pedagógica dos' " siderada desagregadora da nova sociedade
.;.~,. Polônia, país de tradição de fé cristã,' o pe- .
mifeudal em um país industrial moderno. diferentes blocos, conforme estivessem ali-"", revolucionária. .dagogo Bogdan Suchokolski defendia um
Durante a implantação da política edu- nhados ao capitalismo liberal ou ao socia- Em Cuba, após a revolução 'castrista de- humanismo sociaJ.ista que primasse pela for-
cacional, o ensino religioso foi suprimido, fumo. Se a Leste a doutrinação da juven- 1959, o Estado passou a oferecer condi~ . mação ética, baseada na cooperação.
prevalecendo uma orientação' exclusi- tude adquirira forte caráter de adesão aos ções de acesso à escola a todos. Dce.início, Na África; na"década de 1970, ao mes-
vamente voltada para a doutrinação do valores socialistas, a Oeste, em que pese a: devido a problemas econômicos, 20 mil es- mo temp'o que se descolonizavam, vários
I marxismo-leninismo.
Na: época de Stálin ocorreram mudan-
influência da Escola Nova, som 'seu ideal
de autonomia e individualidade, os países
tudantes secundáristas, professores e fun-
cionários foram deslocados para a colheita
países aderiram ao socialismo e introduzi-
ram processos semelhantes de reforrnula- .
ças significativas. O ideal da relação estrei- capitalistas se ressentiram do impãcto da da cana-de-açúcaI;' ao mesmo tempo que . ção da educaÇão. Entretanto, sofreram di-
-I I
ta entre trabalho e educação foi de certo
modo descuidado pela prioridade dada
ideologia anticomunista, que teve seu auge .~.
durante o período do màcartiSIIÍo.O ter-
se intensificavaJI).as atividades escolares.
Com a universalização da .escola ele-.
ficuldades decorrentes da extrema miséria,
da vari~dade de dialetos e das diferenças
à formação cultural e científica. A escola mo macartismo vem de joseph McCarthy, mentar, em U!l1 só dia foram abertas mais culturais entre as trioos que compunham
voltava a ser infelectualista, adequand.o- senador norte-americano que na década • ,.,.~ de 10 mil salas de aula, para atender 90% cada nação.
se ao modelo tradicional com horários, de 1950 desencadeou um movimento de das crianças de 6 a 12 anos. Era grande à . O pedagogo brasileiro Paulo Freire e
programas, provas, disciplina, manuais. perseguiçãó aos supostos comunistas in- diferença da época do ditador Fulgêncio .sua equipe viveram essa experiência na
Assini, voltou a. prevalecer o du~o es- filtradps, inaugurando urna época cinzen- Batista, quando metade da população de ex-colônia portuguesa da Guiné-Bissau,
colar, com a criação de escolas "profissio- ta de intimidações, delações, verdadeira crianças em idade escolar permanecia fora .,\}nde-o-projeto de alfabetização foi pre- .
nais" separadas das escolas de formação. "caça às bruxas" que atingiu funcionários da:escola. O Estado construiu mstalações cedido .por íntenso trabalho de conscien-
Mais tarde, na era Kruchev,.tentou-se re- públicos, artistas e intelectuais. escolares, além de converter quase seten- tização e-elrboração crítica do fazer dos
tomar o ideal da união entre trabalho in- Ainda que o macartismo tenha ficado ta quartéis militares em escolas. Mediante trabalhado'i~s.
telectual e manual. testrito àquele penodo, nada impede que a arregimentação de professores volun- Na Nica~<t, em 1978, quinze dias
tários, a educação foi levada' aos lugares.. apos a Vitória sândinista sobre o governo
mais dtst~tes. Em um ano a taxa de anal- de Somoza,já se iniciavanl,.osestudos para
• HlStúria dtzpedagogia, p. 60 I. fabetismo desceu de 23,6% para 3,.9%, e <lo. erradicação do analfabetismo.
248 História da Educação e da P~dagogia - Geral e Brasil Educação para a democracia ~-------------_._-_.~------ - 249.
•
Mesmo que Gentile tenha feita uma apro- meio da adesão a. organizações extraes-
Após a queda do Muro de Berlim a homogeneização do campo social. Desse
priação indevida e apressada dos conceitos colares, que administravam o tempo livre
modo, o Estado interfere na totalidade da
do idealismo h(!geliano, a ex,acerbação da. dos jovens e os condicionavam à obediên-
Conforme estatísticas5, os paíse~ do 'Leste atividade humana: na vida familiar, escolar,
idéia de Estado como a suprema e mais cia e à hierarquia. Em todas as atividq.des.
Europeu, que inicialmente enfrentaramgra- econômica, intelectual,. religiosa, de lazer, "o
• . -,r.
,
~~
Já vimos, no item sobre educação socia- A solução desses e de outros problemas
,. desceu com os protestos contreia separação da .sociedade, passando .por outras propos- .
lista, que na época de Stálin a União Sovi- exige providências no plano político e eco- dos alojamentos femininos, o que significa-' tas alternativas, até a ênfase dos tetricos
. ética viveu um governo totalitário. Além de nômico, a fim de evitar que continuem exis- va também reivindicação de liberdade se- criFico-reprodutivistas, posta no caráter
serepl abandonados os ideais socialistas da tindo as causas sociais que levam à barbá- xpal e critica à morálidade burguesa. ideol&gicoda educação, como veremoS' rio ,.
educação politécnica, tanto a escola corno rie. Se nesse contexto a educação não chega . Ao se ampliar, o conflito atingiu a Sor- tópico Pedagogia.
o controle do tempo livre encaminhavam a exercer um papel decisivo; convém não bonne e, em seguida, o famoso Quartier .' Os grandes inspiradores da "revolução"
as crianças e os jovens para a formação do 'desconsiderar sua relevância. Por isso, toda Latin, onde os estudantes enfrentaram a de maio de 1968 foram o filósofo francês
"cidadão comunista", o que significava a escola deve dar condições para a discussão polícia com ~arricadas de carros tombados, Jean-Paul Sartre e o alemão Herbert Mar-
imposição da ideologia a fim de evitar as dos valores que levem à conscientização e à
. dissidência,s. árvores, paralelepípedos, caixotes incendia-' cuse. Este pertenceu' ao grupo ,da Escola
autorreflexão critica.
dos. Recebeu a adesão de operários, e os de Frankfurt e, ao radicar.se nos Estados
Na' contramão das tendências' totalitá- sindicatos deflagraram uma greve que pa- Unic1.os,elaborou d~a crítica à sociedade
Um alerta para o futuro rias, outros educadores desenvolveram te- ralisou a França. Tomando proporções ini- burguesa em suas obras Eros e ciuili<.açã~ e
orias antiautoritárias e criticaram inclusive magináveis, o movimento atingiu a maior -1 ideologia da sociedade industrial, a partir do
As atrocidades cometidas pelos governos a escola tradicional, considerada excessiva- parte dos países, inclusive o Brasil. pensamento de Marx ede Freud.
totalitários se exerceram n!JSmais diversos mente impositiva. Defendiam uma e'duca- Os intéI}Jretes da famosa "revolução" . Mais do que uma "revolta juvenil", maio
campos: a doutrinação na escola, a censu- ção não-diretiva,' cujo método visava antes recusam reduzir as explicações à exigência de 1968 significou uma "revolução cultu-
ra na cultura, o silenciamento.focçado dos de tudo a deslOCaro aluno para o centro do de educação menos arcaica e de melhor. ral", Basta lembrar que, concomitantemen-
int~0uais, a barbárie perpetrada pelas processo educativo, como sujeito, livrando- adequação do ensino à oferta de empregos.... ,-te a esses eventos, se desenvolvia a contra-
polícias llecretas, o genocídio' de judeus e' -o do papel controlador do professor. .Mesmo que inúmeras criticas fossem dirigi- cultura juvenil. l:Jm de seus exemplos era
ciganos nos campos de concentração da Deixamos para examinar, no tópico Pe- das à educação, parece que a revolta cori- o movimento dos hippies, que, ào defender
Alemmilia, o confinamento de dissidentes dagogia, as diversas teorias pedagógicas an- testava profundamente os alicerces da vida. . "paz e amor", divulgavam a cultura da
nos gulags soviéticos. . liautaritárias,' sejam as' do' Ih1.o-diretivismo moderna, a civilização do bem-estar e do não.violência e da recuperação do erótico
Pensadores como Hannah Arendt, bem de cunho liberal, sejam-as anarquistas. consumo. As acusações orientavam-se para na vida cotidiana.
CcmlO' os filósofos da Escola de Frankfurt,
a sociedade produtivista, aparentemente
entre 'outros, refletiram sobre as causas do 6. Paris: maio de 1968 racional, mas que exigia um trabalho em- '7. A es~ola e a.sociedade da informação
totalitarismo, na tentativa de compreender
brutecedor, alienante e se sustentava na re-
e evitar que a hUmanidade passasse de novo A partir da Segunda Guerra, a univer- pressão dos desejos. É possível perceber tal É sempre controvertida a discussão sobre
por esse horror. sidade européia enfrentou PI'?blemas de- inconformismo nos inúmeros grafites por o Uso.das modernas técnicas na educação.
Em linhas muito gerais, é preciso estar- cotrentes do processo de massi:fi.cação,que toda a Paris (ver dropes 1).
mos atentos às massas atomizadas facilmen- De um lado, uma postura conservadora re-
. fizera crescer enormemente a populaç$o Os eStudantesreivindicavam maior par-
te manipuláveis, aos destinos de uma socie- siste a qUalquer inovação técnica como se
estudantil. A situação tornou~se mais agu- ticipação na educação e nos diversossetores
d~e burocratizada e hierarquizada, que a fosse incompatível com a natureza ~iritl.l-
da na década de 1950, sobretudo porque o da política. Denunciavam o afast~ento do
fim de manter a ordem está sempre pronta al do processo educativo, e, por outro, há o
maior acesso à universidade não significou cidadão comum dos centros de decisão, daí
para aderir a um "pai" forte. E atentos tam- risco do tecmcisrno: da exaltação desmedi-
verdadeira d<;Flocratização,já que o mero as palaVI'llS-chaveserem autonomia, auto-. da da técnica.
bém à sociedade injusta em que predomi- cada de trabalho .não conseguia assimilar gestão e diálogo. '
na. a exclusão, que relega seus membros à Os recursos da tecnologia são utilizados
adequadamente os diplomados. As alterações realizadas nas universida-
impotência .e, portanto, ao conformismo. tanto nos modernos designs do mobiliário
A "revolução" de maio de 1968,'aconte- ". des em razão dessa crise, nb entanto, não como na arquitetura escolar (antes as' es-
- Essas-questões.tornarn-se mais complexas cimento marcante do século xx, teve iní- ocultavam urna rachadura mais funda,
atualmente com o empobrecimento das colas mais pareciam casernas ou prisões).
cio na Universidade de Nanterre, em Paris, enraizada nos alicerces da nossa socieda-
populações periféricas, .que migram para Outras inovações tentam superar a indi-
e em parte foi reflexo dessa criSe.De cunho de industrial. Mais ainda, não se exigiam
, os países adiantados e aí encontram os gru_ gênci:; dos tradicionais manuais escolares e
anárquico e, portant'o, antiautoritário, esse apenas reformas momentâneas mas, antes,
pos racistas em plena -expansão. Basta ver o dirigismo da didática magistrocêntrica.
movimento espontâneo provavelmente te- era questionada a própria estrutura escolar:
a -atUação de neonazistas na Alemanha, na Na segunda metade do século XX, re.
ria começado com questões internas de cri- Não por acaso, na década de 1970 aparece- cursos audiovisuais já se ach~vam dispo-
Áustria, além de expressões de..xenofobia tica ao sistema de exames, estendeu-se em ram as mais virulentas análises, desde a de níveis em sala de aula: retroprojetores,
de cid.lldãoscomuns da França. razão da punição de alguns alunos e reçru- Ivan lllich, que propôs a desescolarização diapositivos, filmes, discos, fitas, ,ideocas-
'. 252 -- - História da Educação e da Pedagogia":'" Geral e Brasil Educação para a democracia 253"
setes, gravadores, televisão, aparelhos para A utilização dos recursos da iécnica ele- . mais incisiva do que a da família, uma vez compreender o mundo transformado pela
1
laboratórios de línguas, instrumentos que trônica, porém, nem sempre foi regular em que nem sempre os pais acompanham de técnica e atuar sobre ele de maneira critica ..
foram sendo refinados à medida que o mer- muitas escolas - sobretuOO nos países em perto a.formação dos seus filhos. Mais ainda, aprender ~~ m;do cQntínuo -
cado oferecia outros produtos, como CDs, desenvolvimento - devido a diversos fato- Sabemos que a mídia exerce um poder tanto o aluno corno '0 professor -, já que.
DVDs, computadores etc. res, tais como gasto dispendioso de instala- de padronização de comportamentos, de essas transformações'continuarão ocorren~
. Um interesse maior, portanto, revela-se ção, di:f1cu1dade de adaptação ao esquema estímulo ao consumismo, além de valorizar, do .de modo vertigihoso.Voltaremos a esse
na grande revolução tecnológica daquele rigido de horários escolares, além do des-. pela cultura de massa, uma produçãg ra- tema no capítulo 12.
século: a cibernética. Essa revolução nos in- preparo de professores ou' até de sua re- refeita voltada para o entretenimento. Não
troduziu na chamada sociedade da informação. sistência às inovações. A propósito do alto vamos aqui entrar na já antiga polêmíca en- Pedagogia ,!I ..
O computador entrou nos mais diversos custo dessa tecnologia, existe o desafio de- tre "apocalípticos e integrados": os primei-
campos do mundo contemporâneo, e cer- mocrático de diminuir 'aporcentagem esta, ros - cujos representantes principais são os Nest~ ~ópico sobre a pedaiogia con-
. tamente na era da informática a escola não tística de analfabetos digitais, pela ampliação teóricos da Escola de Frankfurt ~ acusam t~mporânea, retomam'6s algwis,;':assuntos
tem corno permanecer a.I1esanal nem ficar do acesso a esse tipo' de informação. Ainda a indústria cultural de promover a evasão, anteriormente abo.rdados do :~pOnto de
à parte, reclusa, em plena época de globa- mais, o uso da moderna tecnologia aplica- a alienação e de atrofiar a- imaginação e vista da experiência educacional efetiva,
lização da informação. São de grande va- da ao ensino não é'bem explorado, uma vez a criticai os segundos - em um primeiro para então examinaras ,teorias que funda-
lia pa;ra os usuários ós bancos de ç1ados, as que frequentemente a intenção se restringe momento representados por McLuhan - mentam aquelas práticas, que as criticam,
bibliotecas eletrônicas facilmente acessadas à quebra da monotonia das aulas, com o dão' destaque ao caráter informativo e de ou ainda as que propõem mudanças nes-
por meio da internet, o q:ue exige a rápida objetivo de motivar o aluno e não como ins- ampliação da sensibilidade. provoca9,o pela ses procedimentos.
adaptação da escola aos tempos marcados trumento fundamental e revolucionário de mídia, fatores importantes para o enrique-
pela vclocidade da mudança e pelo volume aprendizagem. cimento da ~tura, o que significa, p0f!an- 1. A contribuição das ciências
crescente de informação .. A questão da técnica também se coloca a to, uma visão otimista desses meios.
No. momento, estamos no iz:.k:io desse propósito de outros desafios. decorrentes do Aqui,pretendemos àpenas levantar essa, Observamos na produção pedagógica
processo em que o computador vem sen- avanç~ tecnológico no século :Xx, porque, questão que afeta de modo fundamentar o . c~nteinporânea forte influêricia das ciên-
do usado nas escolas, ora como requin- ao alteral as atividades das indústrias e do ~i trabalho do educador e do pedagogo dian. cias humanas, ênfase que varia conforme'o'
tado meio de armazenamento de dados, campo, as modernas máquinas da robótica te da criança precocemente exposta a esse- autor. O interesse pela natureza da crian-
ora como linguagem a ser.aprendida em exigem mudanças na maneira de ensinar. grande volume de informações, abrindo ça, pelos processos de aprelídizagem e pela
um mundo de computadores. Além dis- Aliás, a necessidade de alfabetização' em espaços na escola para a discussão sobre busca de métodos ~.dequados encontra na
so, já existem linguagens de computação massa já decorria da exigência cada vez essa influência. A esse propósito, poderia- psicologia preciosa au.'<iliar. Evidentemen-
criadas com finalidades educacionais, o maior de trábalhadores especializados para mos lembrar o filósofo Montaigne, que, no te, a abordàgem tem sido feitaçle acordo
que, com certeza, alterará o processo da . assumir os desafios ªo mercado de traba- século XVI, já preconizava uma educação com as tendências - natur~st9-oi.t huma-
aula tradicional~ lho. justamente essa orientação para o tra- que fizesse uma "cabeça bem-feita" e não . nista, corno veremos ..•....que. os ps1col'eda-
Aliás, os processos massivos da indústria balho preocupa os pedagogos, porque eles uma ,"cabeça bem cheia". Edgar Morin re- gogos .imprimem em suas pesquisas. Daí a
cultural tornaram obsoleta e ineficaz a ve- se veem diante do conflito permanente en- -:. toma essa ideia quando diz: "Uma cabeça diferença de orientação de pedagogias ceR-
lha aUla de saliva e giz, pelo menos para tre duas linhas de educação que deveriam " • benfeita é uma cabeça apta a organizar os tradas na contribuição do behaviorismo, da _
transmitir informações. É nesse sentido . estar ligadas na escola unitária, aquela que conhecimentos e, com 'isso, evitar sua acu- gestalt,' da psicanálise, entre outras ciências. ' .
que poderá vir a mudar a função docen- visa tanto à formação humanística como '( mulação inútil" . Do mesmp modo, a sociologia ajuda a
,""
te. Diante. da necessidade de democratizar à educação para O trabalho, a fim de que O problema edu.caciçmãI não está, por- compreender melhor a educação como
-- - o- ensn;o .e ampliar a rede escolar, havei'â sua tarefa não se reduza apenas a preparar tanto, apenas em utilizar a tecnologia comp instrumento de desenvolvin]ento da socie-
economia de esf~rços e melhor aproveita- mão-de-obra para o mercado, mas cida- instrumento avançado no ensino, acompa- dade, quer para formar bons' cidadãos e
mento do professor, que, liberto das funções .dãos conscientes e criticos. nhar a sua evolução no mundo do traba- prepará-los para a partici~ção produti~a
de informação e repetição, poderá desem- Outra questão candente com que se de: lho, ou ainda estabelecer a interação entre nas atividades sociais, quer para discutir
penhar melhor um papel que é só seu e que fronta a escola contemporânea é ~ influ- a escola e a educação informal dos meios outros modos de recusa do conformismo.
jamahi será transferido para máquina argu- ência dos meios de comunicação de massa de comunicação de massa, mas questionar Daí o interesse não só pelo ensino técnico,
ma: a discus~o, interpretação e critica das sobre as crianças e osjovens, exercendo ine- como deve ser daqui em diante uma peda- mas pela educação para o trabalho, 'O .s:J.ue
informações. gável educação inf?rma1, muitas vezes até gogia que realmente oriente o cidadão para supõe inclusive a critica à escola dualista.
. História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Educação para a democraàa
----t--- .1.í~------- -
-.
I
Tal como no caso da psicologia, varia o uso
que os pedagogos fazernda sociologia, con- .
forme se apoiem na perspectiva positivis~•
à visão filosófica idealista e individualista.
Durkheim introduz a atitude tkscriJ:iva, vol-
tada para o exame dos elementos do fato da
. Veremos adiante como a sociologia;
comprometida com a crítica à ideologia,
auxilia a pedagogia a teorizar sobre cami-
Muitas foram as .controvérsias, sobre-
tudo devido. ao caráter. mecanicista dess~
processo e à programação excessivamente .
1
ta de Durkheim, na dialética de Marx, na educação, aos quais aplica o método cien- rih~s alternativos, que não sejam apenas de rígida. Essas criticas foram dos psicólqgos .
teoria crítica dos pensadores da Escola de tífico. Como sociólogo, enfatiza a origem adaptação e conformidade. . que destacavam a funçã<;> glo~alizante da
Frankfurt, no neokantismo, na linha crítico- social da educação, daí a sua clássica defi- aprendizagem e por isso recusavam a ex-
reprodutivi,sta e assim por diante. nição: '1\ educação é a ação exercida pelas. Psicolc:>gia:o behaviorismo plicação associacionist.ado comportamento
A pedagogia do século xx, além de ser gerações adultas sobre as gerações que não levada. a efeito pelo behavionsmo.
tributária da psicologia, da sociologia e de se encontram aiÍlda preparadas para a vida No século XX, a psicologia contin)lou a Várias tilosofiasse opuseram ao positivis-
outras ciências, como a economia, a lingJlÍs- social; tem por objeto suscitar e desenvol. sofrer a influência dã. tenaência positivista, mo, criticando o seu reduçionism9. O po- .
tica, a antropologia etc., tem acentuado a ver, na criança, certo número de estados fi- sobretudo o behavjorismo norte-americano sitivismo é.cientificista ao eleger.o método
exigência que vem desde a Idade Moderna, sicos,intelectuais e morais, reclamados pela (behauiour, em inglês, signifiCaconduta, com- das ciências da natureza corno modelo de
qual seja, a inclusão da cultura científica sociedade política no seu conjunto e pelo portamento). O método dessa corrente de cientificidade, reduzindo o objeto próprio.
corno parte do conteúdo a ser ensinado. meio especial a que a criança, particular- psicologia privilegia os procedimentos que das ciências à realidade observável, ao fato
mente, se destine"6. levam em conta.a exterioridade do com- positivo. Além' disso, a defesa do compor-
2. Positivismo e pedagogia Para Durkheim, "a educação satisfaz, portamento, o único considerado capaz de tamento condicionado supõe admitir que
antes de tudo, as necessidadés sociais", e ser submetido a controle e experimentação o indivíduo deve adquirir conhecimentos e.
Corno vimos no capítulo anterior, o posi- "toda educação consiste num esforçocontí- objetivos.. . comp~tências para se adaptar ao meio so-
tivismo surgiu no século XIX, com Augusto nu{)para impor à criança maneiras qe ver, O behavioqsmo é tributário das desco- cial em que vive.
Comte, cujas ideias exprimem a confiança de sentir e de.agir às quais.a criança não bertas dQ.russo Pavlov (1849-1936) sobre o Já na passagem do século XIX para o
no conhecimento científico, por ele consi- teria espontaneamente chegado". mecanismo do reflexo condicionado. Suas xx, O' filósofo alemão Wilhelm Dilthey
dera.do o único capaz de descobrir as leis A vantagem da perspectiva durkheimia- experiênçias foram ampliadas e aplicadas (1833.1911) criticava a tendência naturalis-
do universo. na está no mérito de ter acentuado o cará. nos Estados Unidos por John B. Watson ta das ciências humanas, inclusive na peda-
Adaptando-se às transformações dos ter social dos fins da educação. Além disso, (1878-1958) e posteriormente por B. Frede- gogia. Para ele, os fatos espirituais não se
novos tempos, o positivismo interferiu vi- instituiu a pedagogia como disciplina autô- rich Skinner (1904-1990). A contribuição assemelham aos processos naturais, por se
vamente na concepção de mundo e sobre- noma, desligada da filosofia,da moral e da de ainbosinfluenciou fortemente a pedago- . referir ao mundo humano da significação e
tudo constituiu o pressuposto filosóficodas teologia. Os limites dessa abordagem en- gia. Baseado na teoria do reforço (positivo do valor. Por isso não podem ser retirãô.os
ciências humanas de tendêqcia naturalista, contram-se na sua parcialidade. Ao enfati. e negativo), Skinner desenvolve.a técnica do seu contexto histórico, nem é possível
êomo a sociologia de Durkheim e a psico- 0'- zar a origem social da educação, Durkheim da instrução programada, pela qual o texto formular leis objetivas sobre eles, mas sim
logia behaviorista. Vejamos como es~ in- desenvolvéu uma concepção determinista, apresentado ao aluno tem uma série.de es-. compreendê-los e interpretá-los:
fluenciaram a educação. segundo a qual a sociedade impõe os pa- paços em branco para serem preenchidos, . Filós6fos da linha fen.omenológica, além
drões de comportamento. . em crescente grau de clificuldgde. Se for e
dos f:rankfurtianos muitos outros, critica-
Sociologia: Durkheim De lá para cá, tem sido grande a contri- dado um reforço a cada passo do processo ram os presstlpostos positivistas que subja-
buição da sociologia,'nãó só à análise das e imediatamente após () ato, o aluno pode zem na metodologia das ciên~ humanas.
Coube a Émile Durkheim (1858-1917) relações entre escola e meio social, como conferir o erro ou acerto de stra resposta. O
desenvolver a ciência da sociologia sob di- também à melhor compreensão .dos pro- processo foi desenvolvido para .cnar a má- o tecnidsmo: tecnocracia na
versos a5-pectos,i:çtclusiveinovando ern,sua blemas educacionais. E, por fim, situa ~ quina de ensinro;a que já nos referimos. organiza.ção ~scolor
obra Educação (J sociologia. escola não apenas em determinado contex- AI6m das.obras científicas, Skinner des- - -------
Antes de Durkheim, a teoria da edu- to social, mas a vê ~omo um grupo social . creve, no romance Walden lI, uma socieda- O mundo contcmporâneo muittJ deve
cação assumia çrientaçãõ predominan- complexo, cuja estrutura interna precisa ser de utópica em que as pessoas são educadas ao desenvolvimento da ciência e da téçnica,
temente intelectualista, por demais presa estudada. de modo científico, por meio de reflexos que determinaram um.modo novo de pen-.
.condicionados. sar e agir sem similar em toda a história da
.O behaviorismo também está nos pres- humanidade. Com o capitalismo industrial,
6Émile Durkl1eim, Educarão! sociologia, 4. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1955, apud Luiz Pereira e Marialice
M. Foraccm (orgs.), Educarão e sociedade: leituras de sociologia da educação. 12. ed. São Paulo, Nacional, 1985, supostos da orientação tecnicista da educa- a ciência deixou de se comprOIpeter ape;
p.42. çãQ)como veremos. nas com o puro conhecimento, voltando-se
262 História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil "Educação para a democracia 263..
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a atividade, e não propriamente ensinar. ça tende para as representações globais, desenvolvimento do interesse por meio da a expressão escrita. Para a montagem do
As crianças cu.i;damda higiene pessoal e da de conj1.mto,isto é, percebe os fatos e as aquisição das técnicas elementares de ler, texto a ser impresso, 'são feitos os cálculos
limpeza das salas, recolocando em ordem coisas como um todo. Além disso, o indi- escrever e calcular, desde que se destaque a n~cessá.riose as ilustrações. Além disso, as
todo o material usado. A atenção ao ritmo víduo apr~nde como uma totalidade que 'ltividade manual em primeiro plano. Criti- comunicações diversas, trocadas entrcalu"
de cada um, no entanto, não se contrapõe percebe, pensa e age conjuntamente. Tais ca as abordagens dile~tistas.oo trabalho, nos de classes diferen~es a propósito d~
à socialização, antes facilita a integração no ideias mantêm uma afinidade com .a teoria por considerá-lo f1Indamenta,lpara o au- pesquisas, estimulam a correspondência
grupo. da gestalt e se contrapõem às tendências as- tocontrole e autoexame de quem"o exerce interescolar.
A pedagogia montessoriana dá destaque sociacionistas da aprendizagem, inclusive a com seriedade.
ao ambiente, adequando-o ao tamanho das montessoriana. O trabalho. na escola, no entanto, não . Avaliação do escolanovismo
crianças (mesas,estantes,quadros, banheiros Enquanto o ensino da leitura ~ feito se red~z a simples profissionalização, mas
etc.). O rico e abundante material didático tradicionalmente por meio <le letras isola- se insere numa propo~tá. de formação hu- Muitas. críticas foraor feitas' à Escola
acha-se voltado para a estimulaçãosensório- das, depois reunidas na formação de pala- mana mais abrangente,. voltada para os 1'{ovae voltaremos a elas ao discutirmos as
-motora: cores; formas, sons, qualidades tá- vras e, após iSso, na construção de frases, valores individuais e, sobretudo, sociais. teorias critico-reprodutivistas, que revela- .
teis, dimensões, experiênciastérmicas, sensa- Decrolr inverte 6 processo, sugerindo a ini- Para Kerschensteiner, as três tarefas da es- ram o caráter excessivamente otimista do
ções musculares, movimentos, .ginásticarít- ciação à leitura por frases inteiras. Ornes. cola são: a edu!:ação profissional; a mora- . projeto escolanovista.
mica com a clara intenção de alcançar maior mo procedimento acompanha a escolha da lização da profissão e, consequentemente, Resta lembrar outros riscos dessa pro-
domínio do corpo e percepçãOdas coisas. programação montada em torno de centros a moralização da sociedade. . poSta: se a escola tradicional era magis-
Aléin disso, Montessori dava atenção . de interesses, que visam à apreensão globa- Célestin Freinet (1896-1966) escreveu troGêntrica, por valorizar demais o papel
prioritária à escrita, que, segundo ela, ç!e- lizadora: a criança e a família, a criança e a A educação peln traba1Jzo. Na longa ativida- do professQr, o esco1anovismo minimiza-
veria preceder a leitura, já que esta última escola, a criança e-o.mundo animal e assim de como professor primário, lutou contra va esse papel - quase uuro' nas formas
supõe maior abstração. Já a escrita começa por diante. . . as práticas tradicionais do ensino público mais radicais do não-diretivismo -, para
com a preparação da mão e dos sentidos francês. Pela preocupação com a educação tender ao puerilismo (ou pedocentrismo),
em geral, de modo que o desenvolvimento Escola do trabalho: Kerschensfeiner e popular, bem poderia ser colocado ao lado que supervalorizava a criança; a preocu-
da psicomotricidade evite qualquer apren- Fre.inet deis pedagogos 'socialistas. O fato de não paç!o excessiva com o psicológico inten-
dizagem mecânica. ter conseguido melhores resultados com sificavao individu~mo; a oposição ao'
Recebeu algumas críticas daqueles que Uma das características da Escola Nova seu método deve.se sobretudo às limita-. autoritarismo da. escola tradicional resul-
consideravam exagerada a atenção dada a é a preocupação com o trabalho. Alguns ções do ambiente em que suas experiên- tava em ausência de disciplina; a ênfase
esses aspectos, o que teria tomado a teoria educadores 'enfatizaram sobremaneinl- esse cias eram levadas a efeito. no processo descuidava da transmissão
montessoriana baseada em uma concepção aspecto, como o alemão Kerschensteiner e Para Freinet, a verdadeira fraternidade do conteúdo.
sensualista, at~rnística e associacionista da o francês Freinet, cujas experiências seriam é a que nasc~ do trabalho. Por isso valori- Em que pesem essas criticas, sem dú-
aprendizagem. Ou seja, ao privilegiar a aproveitadas também na escola pública ~e . za a atividade manual. e a 'de grupo, por vida foi valiosa a contribuição da Escóla
educação -dos sentidos, Montessori criou seus países. estimularem a cooperação, a iniciativa.e a Now,.para o enriquecimento e a discus.
materiais que iso!avam as.sensações,o mes- . Georg Kerschensteiner (1854-1932) so- participação. • são dos métodos ped;"gógicõs. É preciso
mo acontecendo com a aprendizagem da freu a influência"de Pestalozzi e de Dewey . A aprendizagem da. gramática e dos reconhecer que os estudos de psicologia,
escrita, que partia de letras isOladas,ou da e criticou severamente o ensino da escola conte&dos' a serem pesquisados era feita ôe medicina neurológica, de biologia re-
aritmética, que requeria o uso de pauzinhos tradicional por ser livresco e voltado para de maneira original, porque seu método alizados pelos escolanovistas. muito auxi-
de diversas cores. . . a memorização. A ele opôs a escola ativa, . estava centrado no projeto de imprensa na liaram na 'introdução de projetos didáti-
O belga Ovide Decroly(1871-l932) tam.., cujos pilares são o trabalho, a cooperação e escola. Eijminados os' manuais escola~s, -cos stistentados-em-bas'e- mais rigorosa e
bém era médico e inicialmente interessou- '0 autogcivemo. Para ele, como para Dewey, aprende-se a composição para a imprensa científica.
se pelas crianças excepcionais. Auxiliado a educação é um produto da sociedade e e cultiva-se a expressã:::por meio do texto A influência da Escola Nova estendeu-
por sua mulher, fundou em 1907 a Escola tem função social. Apesar disso,deve-seco- livre. Supondo que ciconhécimento verda- s'e até o Brasil, como veremos no próximo
da rua do Errnitage. meçar pelo desenvolvimento da individu- deiro é sempre recriação, FreÍllet estimula capítulo, estimulando fortemente as nossas
Decroly observou, de maneira perti- alidade e do cultivo dos valores espirituais a exploração da curiosidade, a coleta de pnmeiras - reflexões mais sistemáticas em
nente, que, enquanto o adulto é capaz de que caracterizam o se~ humano. Propõe informações ~ tanto pelos alunos como . pedagogia a part:il das décadas clt: 1920 e
analisar, separar o todo em partes, a crian- . então um método baseado nos estágios do .pelos professores -, o debate e, por fim, 1930.
lacionam dialeticamente educação e socie- ainda não estava escrita, e, segundo Pistrak, Nas condições históricas revolucionárias
dade, isto é, não separam a educação do "só agora é que ela começa a surgir para vividas por Makarenko, a edu~ação exer- Gramsc.i
indivíduo de sua inserção na sociedade .. nós, no contexto da nossa prática escolar cia importante papel de politização. Ainda
Reconhecem ainda a estreita ligação en- guiada pelo marxismo". - mais, diante do imperativo da transforma- No campo teóric.o, ~. italiaJõ Á.ntonio
Ao contrário de muitas escolas que se uti- ção industrial do país, a formação politéc- Gramsci '(1891-1937), como crítico dO'
tre educação e política, não só para estlmu-
lizavam do trabalho p'ara :finspedagógicos, nica era valorizada, mas não como estreita marxismo oficial, desenvolveu importan-
lar a crítica à alienação eà ideologia,' como
Pistrak adyerte que o trabalho deve ser real profissionalização, e sim na tentativa de tes reflexões para a compreensão do papel
tmnbém para estimular a práxis revolucio-
e não simbólico e que tatnbém não estives- unir o pensar e o agir. Ou seja, à medida do intelectual na cultura em geral e espe-
nária nos países em que o socialismo teria
se apenas ao lado da teoria, procedimento que trabalhavam, os alunos tepam condi- cificamente na educàção. Durante' onze
chances de ser implantado, ou para man-
tê-la ativa naqueles que já haviam passado que mantém a dicotomia pensar-fazer. Não ções de conhecer as bases científicas das . anos esteve preso pela ditadqra fascista de
se trata de qualquer" trabalho, mas daquele principais atividades produtivas. Mussolini e, mesmo. no cár~ere, .até mor-
pela revolução.
socialmente útil, objetivado nas mercado- Apesar desse controle externo aparen- rer, escreveu muito. Suas principais obras
Outro aspecto a destacar é a centralida-
rias produzidas e pelo qual se estabelecem .temente severo, o projeto de Makarenko são: Concepção dialética da hist6ria, Os intelec-
de do trabalho, como elemento fundamen-
tal para a formação humana. Diferente- . as relações humanas. Sugere vários tipos de era promover a autogestão educativa e 'as- tuais e a organização da cultura e Literatura e
mente das escolas ativistas, o trabalho nã~ trabalho, como o doméstico, o das oficinas sim foi reconhecida sua atuação. Segundo vido. nacional.
ô agrícola e o chamado trabalho iinprodu~' G. Lapassade, o pedagogo soviético foi um Uma de suas contribuições originais
significa apenas uma atividade em classe,
exemplo do que se poderia chamar para- está no conceito de hegemonia, que etimolo-
para desenvolver a habilidade manual do tivo '(ativ;idades burocráticas). A condição
doxalmente de "autogestão autoritária", gicamente significa dirigir, guiar, conduzir.
estudante, mas trata-se do trabalho real, em explícita é que tudo esteja a serviço do'es-
tudo sobre o trabalho e, ao mesmo tempo, "porque os modelos institucionais de fun- Segundo Gramsci, uma classe é hegemô-
oficinas. Desde 'que, obviaIlfente, seja uma
seja útil e necessário. cionamento eram propostos de cima, mas nica não só quando exerce a dominação
atividade produtiva conjugaqa com forma-
Anton Makârenko (1888-1939), outro ainda aSsim autogestão, já CWe esses mo- pelo poder coercitivo, ~ãs tam.bhü quan-
ção çultural.
.delas possibilitavam a gestão da instituição do o faz pelo consensó, peta persuasão.
importante pedagogo soviétiw, foi encar-
por parte da própria coletividade". . Essa t-a,refa cabe aos intelectuais, que ela-
Pistrak e Makarenko regado, em 1~20, d~ dirigir a Colônia de
De fato, nas colônias criadas por Maka- boram um convincentê sistema de ideias
Trabalho Gorki, instituto de reabilitação
renko, os alunos trabalhavam quatro horas pelo -qual se 'conquista a adesão até _da
Moisei Pistrak (1888-1940) realizou ati- de adolescentes delinquentes, que abrigava
diárias .e dedicavaIIt cinco horas às ativi- classe dominada. Basta constatar que a'es-
vidade pioneira na Escola Lepechinsky e, órfãos de guerra, toxicômanos e desempre-
dades escolares. Por conta disso, as insti- cola burguesa é classista. Além de prepa-
apoiado nessa experiência, escreveu Fun- gados. Entre outros escritos, defendeu suas
tuições. que ele dirigia tornavam-se autos- rar seus intelectuais, infiltra-se nas classes
damentos da etcota do trabalho, obra em' que ideias em sua obra mais famosa, Poema pe-
--dagágiar. ~- - suficientes, porque o produto .do trõ,balho populares para cooptar os melhores ele-
apresenta sua teoria pedagógica social, -cuja
efetivo - trabalho real, sem artifícios para mentos, que, assimilados, passam a aderir.
contribuição se destaca no contexto da Re- Embora ~ua pedagogia estivesse centra-
a aprendizagem apênas escolar - eff ven- aos valores burgueses.
vOlução"de 1917 na União Soviética. Para da em uma proposta democrática, de início
dido, ainda sobrando o que era encalhinha- A classe dominada, por sua vez, sem
melhor desempenhar o papel destinado ao Makarenko exerceu uma autoridade nãd va-
conseguir organizar sua própria visão de.
mestre, buscava o engajamento dos alunos cilante. Asvezes "enfrentava os alunos corpo do para os cofres do Estado. Em uma das
mundo, permanece desestruturada e passi-
e' o estudo da atualidade. Defendia a esc~la a corpo e não ráro 'recorria a castigos ~icos. comunas chegou a montar uma fábrica de
furadoras elétricas e outra de câmeras foto- va, e por isso as eventuais rebeliões tornam-
dinâmica, ativa, que prepara para a ação, Justificava o caráter momentâneo da vio-
gráficas Leika. -se ineficazes. Gramsa conven~eu-se de
baseada na auto-organização dos estudan- ~ncia por entender que o choque entre as
711 _ História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Educação para a democracia 271
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abandonar os alunos a maneiras de pensar Essa crítica atinge também a sociedade Como explicar a barbárie dos Estados tOta- do as estatísticas de qualquer país, mesmo
e viver impregnadas da ideologia dominan- .cfJ,pitalista altamente tecnicizada e burocra- litários, ainda mais quando lembramos que. os mais adiantados, aqueles teóricos co.nsta-
te. Para evitar isso, apenas um corpo do- tiz~da. VIIDOS, a' propósito, como o movi- o nazismo surgiu na Alemanha, tão culta e tavam persistirem altos índices de exclusão,
cente critico e experiente teria condições de mento estudantil de maio de 1968 iniciado educada? . . evasão e repetência.
provocar um questionamento radical, ain- na França sofreu influência direta de Her- Para os frankfurtianos,. no entanto, cri- _ Ôs sOclólogos franceses Pierre .B.ourçlkú
da que demorado. bert Marcuse. ticar ã razão não significa enveredar pelos (1930-2002) eJean-Claude Passeron (1930)
As tendências não-diretivas, ao descuidar A Escola de Frankfurt é responsável pela caminhos do irracional, mas recuperá-la escreveram juntos Qs herdeiros eAreprodução.
intencionalmente da transmissão da cultu- formulação da teoria crítica da sociedade. Seus para o serviço da emancipação humana. Segundo a noção de violência simbólica, o
ra, provocam sérios problemas que preci- principais temas de natureza sociológico-fi- Essas candentes discussões interessam à sistema de ensIDo institucionalizado e. bu-
sam ser avaliados de modo mais cuidadoso. . losófica são a autoridade, o autoritarismo, o reflexão pedagógica e muito c~ntribuem rocratizado permite que a ação pedágógi;-
Um dos riscos é abandonar à sua própria totalitarismo, aJamília, a cultura de massa, para a avaliação do papel. da educação na ca, sustentada pela autoridade pedagógica,
sorte os segmentos populares e excluídos,. o papel da ciência e da técnica, a liberdade. sociedade contemporânea~ justamente por- imponha a cultura da class~ dominante a
sem condições de superar a situação de de- Seus representantes partem da convicção que é preciso recuperar o indivíduo autô- .todos os segmentos sociais ..
pendência em que se encontram. de que os ideais da razão emancipado- nomo; consciente dos fins a que se propõe. Isso se faz pelos /zabitus, inculcados desde
No entanto, se para muitos as pedago- ra sonhados pelos filósofos iluministas do ' E isso.só será possível se for resolvido o con- a infància, interiorizando em cada indiví-
gias não-autoritárias não se aplicariam tal século XVIII não foram ainda 'atingidos. flito entre a autonomia da razão e as forças duo as normas de conduta desejadas pela
qual foram pensadas, não resta dúvida de Ao contrário, sofreram desvios perve~sos na obscuras que invadem essa mesma razão. sociedade. Como as escolas trabalham com -.
que elas podem nos.dar elementos precio- sociedade em-que, a ciência'e--a.témiease os hábitos típ~coa das famílias burguesas,. as
so~ para discutir, questões como autorita" - encontrim' á. serviço' do capitaLe..em que se.' 9. Teoriascótico:reprudutivistas .., crianças: vindas dos segmentos,desfuvoreci~
rismo;doutrinação,_índividualismo; ..que .. procede à dominação da natureza~e'do. se!' __• dàsenfri::ntam dificuldades que as levam ao
freqüente!D-ente prevalecem na herança humano para fins lucrativos. . O~ principais representantes da tendên- insucesso. Essas desigualdades, no'entantoj
da escola tradicional, impedindo a demo- Os frankfurtiànos criticam a . exaltação .. cia crítico-reprodutivista deveriam estar no são dissimuladas pela autoridaâe pedagógi:
cratização da escola, não so "na ampliação fcita ao progresso e desmistificam esse con- item sobre as teorias socialistas. No entan- ca, que, em .última:.anáIise,. aplica sanções
do seu alcance (uma educação igual para ceito, que dá a ilusão de aperfeiçoamento to, essa classificação seria correta para as e obriga ao reconhecimento da pretensa
todos) como na sua própria gestão (uma au- espontâneo, quando na verdade, em cer- teorias. de Alt.husser. e de Establet e Bau- "universalidade" doa valores da cultura do-
togestão pedagógica). tas circunstâncias, pode estar nos encami- delot, mas não para Bourdieu e Passeron, minante.
nhando para a barbárie. Esse risco surge que nelas não se ajustariam. Esses teóricos Em 1969, Q filósofo francês Louis Al.
8:
Teoria crítica: a Escola de Frankfurt toda vez que os fins propriamente humanos têm erricomum, porém, a análise d~s efei- thusser (1918.1990) publicou Ideologia e
apareUws ideolágicos de Estado. Partindo clã te-
são substituídos por outros que excluem a tos da sociedade dividida sobre a educação.
A Escola de Frankf~, surgida na Ale- • compaixão e levam ao ódio primitivo e à A partirdas décadas de 196Q-e 1970, por oriamarnsta, demonstra que a exploração
manha em 1923, tem como representan- violência. diferentes caminhos, chegaram à seguinte de uma classe por oum,é. mascarada pela
tes Max Horkheimer, Theodor Adorno, No mundo "desencantado" -:... porque conclusão: a escola está de tal forma éon- ideologia, por meio da qual os valores da
Herbert Mareuse, Walter Benjamin e Eri- regido pelo cálculo! pelo lusro, pelos negó- dicionadâ. pela sociedade dividida que, em classe dominante são universalizados e as~
ch Fremm. O filósofo Jürgen Habermas, cios - impera a razão instrumental, sem vez de democratizar, reproduz as difere,nças similados pelo proletariado. Para ele, além
embora tenha participado do grupo, dele lugar para os afetos, as paix~es,a. imagi- sociais, perpetuando o status quo. de criar um aparelho repressivo que asse-
se distanciou posteriormente. Partindo da nação, enfim, para a subjetividade. Ora, Essas teorias são conhecidas como cr£ti- gura a ordem capitalista por -meio da vio-
teoria marxista, aqueles filósofos desenvol-. como pode ser concebíver a civilização da co-reprodutiuiltas,justamente por denunciar a lência (exército,. política. tribunais, prisões
verarri um pensamento original afastado opulência, tão desenvolvida na sua ciência ingenuidade das concepções vigentes para etc,), o Estado possui aparelhos ideológicos,
da ortodoxia e critico dos rumo~ tomados e técnica, permitir a coexistência de tantos as quais a ampliação das oportunidades de constituídos 'por instituições da sociedade"
pela implantação do socialismo da União excluídos, condenados à fome, à ignorân- escolariza.ção seria a esperança de demo- civil que impõem os valores vigentes. São
Soviética: cia e submetidos à violência de toda sorte? cratização da sociedade. Ao contrário, para os aparelhos ideológicos: religioso, escolar,
os .crítíco-reprodutivistas a escola não de- familiar, jurídico, político, sindical, de in-
.'
mocratiza, mas reproduz a desigualdade. formação e o cultural.
Aliás, tinha sido essa a "il1;1SãoliDeraj" da Dentre estes, PJthusser destaca a esco-
9 Consultar Qlgária Matos, A Escola de Frrmijiat. luzes e sombras do iluminismo. São Paulo, Moderna, 1994-
(Coleção Lagos). . Escola Nova. Longe desse otimismo, segun- la, por desempenhar o papel de inculcar a
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272 História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil Educação para a démocra~ia
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mensão da escola tradicional tão criticada de modos diferentes no decorrer do tempo.
• ideologia e impedir iguais chances a todos, 10. Teorias progressistas
pela Escola Nova. Apenas é preciso ressal- , A hi.,'i:ória é entendida como a experiência
reproduzindo a divisão social.
var que essa recuperação se faz pelo viés 'da pessoa ou do grupo de modo quei ao
Roger Establet e Christian Baudelot . São considerados precursores da teo-'
. socialista, que recusa todo saber abstrato, surgirem fatores novos, as antigas estruturas
(1938), também franceses, são marxistas ria progressista os soviéticos Makarenko
lógicas ~e desfazem, para em seguida alcaJ;l-"
da linha maoÍsta. Escreveram, em '197!, e Pistrak e o italiano Gramsc.i (que vimos
desvinculado do vivido. Ao contrário, a de-
cisão sobre cr que saber, o que fazer e para çar nova 'equilibração. Em outras palavras,
o liVI'ÇlA escola capitalista na França, 'no qual no item 6). Postenormente, acrescenta-se a
que fazer depende da compreensão das os construtivistas recusam a concepção de
critica.riJ. o fato de a "escola única" ser, na contribuição do francês Georges Snyders;
necessidades sociais, analisadas sempre de uma natureza humana. universal, essencial
verdade, uma escola dualista. Para eles, há do polonês Bogdan Suchodo1ski e de ou-
acord.o com a situação histórica. e estática, herança dameta5sica "tradicio-
duas grandes redes de escolaridade chama- tros como Bernard Charlot, Henry Giroux
Segundo Snyders, diante da força da ide- nal, já que o ser humâho se faz e"'se refaz
das SS (secundária'supeÍior) e PP (primária Mario A. Manacorda e Michel Lebrot., '.
ologia não convém deixar os alunos à mer- pela interação social e~poi sua ação sobre
profissional), que correspondem à divisão Não é fácil estabelecer as linhas de for-
cê de sua espontaneidade. Por isso, cabe ao o mundo. . ' .'.
da sociedade em burguesia e proletariado. ça desse movimento, que apresenta as mais
mestre encaminhá-los "a noções,.a formas Do ponto de vista epistemológico, para
Os . burgueses têm acesso' à escolarização diversas nuab.ças . .A própria denominação'
de ação e a atitudes às quais eles não chega- os construtivistas, o 'conhecimento resulta
completa, incluindo a formação superior, progressista, inspirada em um dos livros de
riam por si mesmos" , de uma construção contínua,. eRtremeada
enquanto o proletariado é encaminhado Georges Snyders, não foi assumida por
Outro desafio proposto pela teoria pro- pela invenç~o e descoberta, Essa explic(tção
~ para à'profissionalização preCoce. todos os que, porventura, possam se apro-
gressista está na superaçjtq, ela clássica dico- difere das duas tendências que marcaram
A principal crÍtiéa destes autores prende- ximar das características dessa tendência.'
tomia entre trabalho manual e intelectual, a modernidade, o racionalismo e o empi-
se ao fato de que a divisão das duas redes é No próximo capítulo, veremos a fecunda
buscando não só maneiras de ensinar as rismo. Sabemos que desde a Idade Moder-
determinada.desde o início da escolariza- repercussão dessa teoria no Brasil.
técnicas do seu tempo, mas a compreensão na perdurava entre os filósofos a discussão
ção. Isto. é, a escola impede que os filhos dos Georges Snyders (1917), filósofo e edu-
- mais ampla desses procedimentos. sobre a origem, a natmeza e os limites do
proletários continuem os estUdos, já que es- cador'francês, escreveu Pedagogia progressista,
conhecimento hur. ',ano, Assim:
tão destinados a contribuir para a formação , Escola, classe e luta de classes e Para onde vão as
'11, Teorias construtivistas • Segundo a .t~ndência racionalista;
da força de trabalho. pedagogias rtão-diretivas? Nestas obras faz a
herdada de Descartes, prevalece o inatis-
É evidente que a radicalização de tal' critica da escola contemporânea e constrói .:
As teorias construtlVlstas representam mo, pelo qual o sujeito que conhece seria
crítica levaria a um pessimismo imobilis- uma pedagogia social e critica. Contra as
ta, retirando da escola qualquer potencial pedagogias não-diretivas, defende o papel'
um esforçota busca de caminhos que o polo mais importante no processo do
deem éonta da complexidade. do processo conhecimento.
transformador. Não há; porém, como ne- do professor, a quem atribui uma função
de conhecimento. Por isso. apoiam-sê em • Segundo a tendência emp'irista, inicia-
.gar a importância dessas. teorias para a politica. Condena' 'também a proposta de
pesquisas científicas - da psicologia, da da com Bacon e Lodre; b sujeito que co-
comp.reensão dos mecanismos da escola desescolarização de Ivan Illich, demons-
psicologia social, da psicanálise, da medici- nhece é passivo, recebendo de fora - da
na sociedade dividida em classes. A cóns- trando que a escola e os mestres têm uma
.experiência - os elem~ntôs para a elabo-
ciência disso certamente poderá orientar os tarefa importante. a cumprir. Na mesma t na, da biologia, da cibernética, lia linguísti-
ca, entre outras - para melhor compreen- ração do conteúdo mental.
professores para uma atuação' mais critica linha, embora reconheç.a a crítica, dos teó- ~
der o funcionamento da mente infantil e do Os coílStrUtivistas superam essa dicotomia
dentro do sistema. ricos reprodutivistas, ressalta o caráter con- $.. ao admitir que o conhecimento é construí-
Segundo Georges Snyders, se o operário desenvolvimen~o cognitivo. -
traditório da escola, que pode desenvolver .
• . Embora osconstrutivistas tenham atu- do: não é inato nem apenas dado pelo obje-
não consegue de imediato uma consciên- a contraeducação, evitando assim a mera ~~ to, mas antes se forma e se trar).Sforma pela
,;
, . ado em locais e épocas diferentes, perco r-
cia inteinimente lúcida da realidade social, reprodução do sistema. Critica a Escola
.~ '.» rendo caminhos origú;lais, é possível estabe- interação entre ambos. Daí o construtivismo
nem por isso estará reduzido a um joguete Nova, por ser-excessivamente preocupada
;,; '_re~er:~~Jinhas comuns, sobretudo se também ser visto como uma concepção intera.
passivo de .mistificação. Do mesmo modo, com o processo e não com o conteúdo, re-
./. examinarmos os pressupostos filosóficos de CÜJnista da aprendizagem. Como consequên-
, os conhecimentos adquiridos na escola, por forçmdo a necessidade da tra.nsmissão da
1... '. suas teorias. cia para a educação, a-eriança não é passiva
mais dirigidos que sejam, também podem cultura dominante, convencido de. que a
.~ Do ponto.'de vista antropológico, para nem o professor é simples transmissor de co-
ser reelaborados à luz de' outras experi- emancipação das crianças do povo passa
os construtivisias o ser humano tem uma nhecimento. Outra característica desse mo-
. ências. Geralmente essa retomada critica pela apropriação do saber burguês. ;~;..
existência histórico-social que determina a delo epistemológico decorre da constatação
torna-se possível nos segmentos mais pro- Por isso, UI!! dos pontos de destaque da .}'
maneira de se situar no mundo, por meio de que o conhecimento se produz a partir
gressistas da sociedade civÍl, cuja ação pode . teoria progressista revela-se na ênfase aos l'
de um processo dinâmi~o que se expressa . do desenvolvimento por etapas ou estágios
dinamizar a escola e outras instituições. conteúdos do ensino, resgatando uma di-
.I~.,.,-••..•.•.
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sucessivOs,riosquais a criança organiza e re- Entre as mais significativas,destacamos in- A contribuição de Piaget para a pedago- . Ao a~alfsar os fenômenos da linguagem
organiza o'pensamento e li afetividade. trodução à efJirte!nologia genética, O.fuko m'lTal gia tem sido; até hoj~, inestimável, sóbre- e do pensamento, busca compreendê-los
Es'sa nova atitude, portanto, recusa o na criança, A construção do real na criança, Seis tudo devido às indicações sobre o estágio dent:rô do processo sócio-histórico como
oh.ieti.uismo" porque o mundo que conhece- estudos de psicolo{j.a. adequado para serem ensinados determi- "internalização das atividades socialmen- ,
mos não aparece tal como é, mas depende . Segundo Piaget, b processo ~âmico da nados conteúdos às crianças; ~em desres- te enraizadas e historicamente. desenvol-'
de como nós o vemos; recusa'o realismo (o inteligência e da afetividade supõe uma es- peitar suas reais possibilidades mentais, ou vidas". No processo de internalização é
pensamento não é o eSpelho d~ mundo); trutura co~cebida como uma totalidade.em seja, de acordo com seu desenvolvimento fi.mdamental a interferência do outro ~ a
aceita o princípio da auto-organi.<.açãn: todo equihbrio. À medida que a influência do intelectual e afetivo. mãe, ôs companheiros' de brincadeira e es-
conhecimento resulta de organizações e -re- meio altera esse equilíbrio, a~teligência, tudo, os professores-para que Gs:concei-
organizações sucessivas'em níveis de com- 'lue exerce função adaptativa por excelên- Yygotsky: pensamento e linguagem. .tqs sejam construídos e sofram constantes
plexidade cada vez maiores. cia, restabelece a autorregu1ação. transformações;
O construtivismorealça:juStamente a ca- As mu<;lançasmais significativasocorrem Lev SemenoYÍch Vygotsky (1896-1934) Para' explicar as operações superiores,
pacidade adaptativa da inteligênciae da afeti- na passagem de um estágio para outro, o nasceu na Rússia czarista e com Luria e . Vygotsky usa o conceito de mediação, se-
vidade, dando condiçõespara que o processo que Piaget analisa ao descrever a construção Leontiev desenvolveuuma teoria original e gundo o qual a relação do 'indivíduo com o
de amadurecimento não seja ilusório, o que .. ,do realna criança nas fases do processo do fecunda. Foi um intelectual de ampla for- ' mundo não é direta, mas mediada pelos sis-
acontece quando resulta de pres;ões externas desenvolvimentomental. A passagem de um mação: além do curso de direito, estudou temas simbólicos. A lliterferência do outro
sem a "gestação" por parte do sujeito. estágiopa:nt-outroé possívelpelo mecanism<Y• filosofia, filologia, literatura~ pedagogia e - por exemplo, a mãe - é fundámental
Dentre os rep;resentantes c1ássicos.dessa de orgcmil:;ação.e:.adaPlafão. Aadaptação",por
- .,I
l'
tendência, .destacamos JearrPiaget; Emilia' sua vez,~supõe doÍsprocessos interIiga:dosia
psictl10giato que o 1eYoua se dedicar ao en-
sino,.à pesquisa e a organizar'o Laborató-
para a aprendizagem dos signos socialmen-
te elaborados. '
,
Ferreiro;.Lev:Yygotsky." InúmeroS'outroS'fa~ . assimiiaçãoe.aacomadayãn. PeIa'assimila'Çãa,a . "rio de Psicologiapara Crianças-Deficientes: A mediação tamb~ é importantt' com
zem parte dessa orientação, como o francês, realidade externa e interpretada por meio de . Sempre preocupado com o estudo das ano- . relação ao pensamento e 'à, .linguagem.
HenriWallon, 05 russos Alexander Luria e algt!ffitipo de significadojá existente na or- malias fisicas e mentais, Vygotsky cursou O entendimento entre as mentes é impos-
Alexei Leontiev,'estes {l1timosdivulgadores ganiZaçãocognitiva.do indivíduo, ao mesmo. também medicina. Apesar de ter morrido sível sem' a expressão-mediadora da fala
do sócio-construtivismo, colaboradoreõ e tempo que a~coÍnodação realiza a alteração muito jovem, aos 37 anos, produziu volu- humana, cujo componente essencial é o
continuadores de Vygotsky. dessessignificadosjá existentes. mosa obra escrita, além de ter se aplicado significado, que supõe a generalização. Por
Mais recentemente, embora seguindo ca- As mudanças mais significatiVasocor- em múltiplas atividades. exemplo, a palavra casa não é um som va-
rninhosdiferentes, vemos Lawrence Kohl- rem na passagem de um estágio para outro, Os acontecimentos políticos da Revolu- zio que pode ser identificado.apenas a uma
. berg, Edgar Morin, Phillippe PerrenoudJá quando se desfaz o equíhbrio instável e bus- ção Russa de 1917 foram importante~ para determinada casa concreta, mas se aplica à
em uma linha pós-construtivista, o francês ca-se nova equilibração. Assim, os quatro o seu perisamento, car~erizado pela influ- noção de casa em geral.
Gérard Vergnar.tdparte das concepções de está.gi.os- sensóno':'motor; iÍltuitivo, das ência marxista do método dialético..Tomou Geralmente . cóstumamosavaliar' as
Piaget, Wallon e Vygotsky, mas vai além .operações concretas e das operações abs~ conhecimento das experiências da psicolo- ~crianças pelo seu deserwoWimen.ta real. Além
deles, ao enfatizar a aprendizagem' como t!atas - repTeSentamo desenvolvimento: gia dagestalte foi crítico da tendência natu- desse,nível, porém, existe um estágio ante-
fenômeno grupal. • da inteligência (da lógica); que eVolui ralista das ciênciashumanas, principalmen- rior, que Vygotskychama de zona de deserwol-
da simples motricidade do bebê até o pen- te da.behaviorismo. uimento proximal (ou potencia~, au<tcterizado
Piaget:a epistemologia genética samento 'abstrato do adoiescente; D~sejando ir mais além na discussão das pela capacidade de resolver problemas sob
• da afetividade, que parte do egocentris- caracteri:rticasda inteligência humana, pri- a estimulação de um adulto ou. em colabo-
Jean Piaget (1896-1980), nascido na Suí- mo infantil até atingir a reciprocidade e a vilegiou o estuda das operações superiores, ração com 05 colegas.A ênfase nesse estado
ça, embora não fossepropriamente pedago- c~operação, típieas da vida-adultá; . tais como o pensamento abstrato, a atenção potencial, em que uma função ainda não
go, exercéu significativainfluência na peda- • da consciência morai, que resulta de • voluntária, a memorização ativa e as àções amadureceu, mas se encontra em processo,
gogia do século XX. Suas primeiras obras uma evolução que parte da anomia (au- intencionais. Segundo Vygotsky,o nÍvel su- é de grande valia para o educador, porque •
surgiram na década de 1920 e logo tiveram sência de leis), passa pela heteronorÍJa perior da reflexão, do conhecimento abs- o auxilia a enfrentar mais eficazmente os
grande repercussão, sobretudo as que abor- (aceitação da norma externa) até atingir trato do mundo, tem início com as intera- desafios da aprendizagem.
dam a psicologia genética, que investiga 'a autoDoÍJÜliou capacidade de autodeter- ções sociais cotidianas, desde as atividades Além disso, a fase de colaboração. traz
o desenvo1vimeJ!.tocógnitivo da criança minação, que indica a superação da moral práticas da criança até tornar-s.e capaz de a vantagem de estimular o trabalho coleti-
desde Q nascimento até a adolescência. infantil . formular conceitos. . vo, necessário para transformar uma ação
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276 História da Educação-e..da-Eedagogia - Gerale..Brasil_---: _ .. Educação para a democracia 277.
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interpessoal - portanto social - em. um . 'A alfabetização levanta, antes de tudo, .12. Kohlberg e a educação de valores a felicidadeou o interesse:não se faz o bem
processo intrapessoal,isto é, de interna1Íza- um problema epistemológico fundamen- para ser felizou para merecer o paraíso, nem
ção. A importância dessa passagem é alcaJi- tal: "Qual