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Sera que existe preconceito ou discriminagdo de raga no Brasil? Hé quem diga que 0 fato de termos uma forte misture racial evitou esse tipo de atitude... Qual é a sue posigéo sobre isso? Nesse texto voce tera a possibilidade de dascobrir como foram se formando essas questdes no percurso historic do Brasil. © primeire deles é chamado de mito da democracia racial; através dele aprendemes que o Brasil é um pais onde n&o existe preconceito ou discriminagdéo de raga ou cor © onde as diferengas séo absorvidas de forma cordial © harmoniosa. Como todo bom mito, a expressao nao tem uma origem precisa, mas esta associada ao trabalho liter4rio do sociélogo Gilberto Freyre gue, entre as décadas de 1930 © 1950, construiu uma grande obra sobre as relagdes raciais no Brasil. Freyre partiu de um principio positive: romper com as abordagens racistas da sociedade e da historia brasileira, as quais tratavam a populagao afro- brasileira como um povo a parte, n&o figurando nas visdes gerais do Brasil. Ele fol o responsavel por jogar luz sobre (Quando urnantnpsioge fle derit> 2m ume sociedade conempordnce, sls erté epontando pera um evento deagien de grande fica sinc de grande peneerarto em tacos 05 Aiscurses que ciscularn por esta ociedace ~ tais como a histéria affcial, « literatura, a média ¢ 05, lvnosdncos~ capa deconsensar ‘em uma mesma imagem ow idéia musts sgificados smmalteneos Gilerto Frye (isp097) um srondenomeda histéria. do [FEO Brasil, foi socihga, anirpalgo esertor pints Casa-Grende & Senzla publ 193 & ume de sus dros ras conhedas Pra ote Ibm ge cu as relagSes que existiam entre senhores/sinhdis @ escravos/as, assim como nos modes de Vida de elite @ do pove. Ao realizar tais andlises, Freyre, porém, acabou produzinde a imagem de uma sociedade harmonica @ Integrada afetiva e sexualmente, de fato, artificial. Ao encarar como positiva a mistura racial no Apartheid (“vide coparedia”) 6 ume Pelavrs de origemafrlcana, adotade Iegaimente em 1948 na Africa de Sul Brasil — & 6poca Iamentada pela maioria dos pensadores jose tanga uravestne apunane que vier no mestico um tipe humeno degenerade ~ Gilberto ‘qual os prancos detinnam 0 poder e Freyre acabou errando pelo posto, ao superestimar a fos povos restanteceram abrigndas ¢ capacidade de 9 miscigenagdo sclucionar o problema des viver sepamdamente, deacorda com regras que limitavam sous direieor eldaddos. Este regime fol abolide em 1990 €, finaimente ent 1994 leicoes livres soram reatizadas, diterangas @ das desigualdades entre brancos/as @ negros/ as. Apolava 0 seu raciocinio © fato de no Brasil, 4 diferensa dos Estados Unidos, por exemplo, nunca ter havido uma legislac&o que discriminasse formalmente os negros a favor ipah wale dau quale Wolioh Secale dos brancos, obrigando-os a circularam am locais diferentes renemada representante de ou atribuindo-Ihes direitos desiguais, ou seje, aquilo que é rovimente antiapartheld — qazumte conhecido pele palavra béer Apartheid. a prestaencia do governosut-apicane ae 1998.4 1998, A forga ea originalidade desta visao do Brasil foram tamanhas que acabaram empolgando algumas organizagées negres da época e tornando-se, sob a férmula sintética de “democracia racial”, um rétulo que distinguia positivamente o Brasil de outros paises, nos quais a discriminagao e 0 racismo eram institucionalizados. A fama da democrecia racial brasileira empolgou também o resto do mundo. Preocupada em recuperar o planeta da catéstrofe da II Guerra Mundial, marcada, como vimos, pela tentativa de implementac&o de regimes de governo racistas, a Organizacéo das Nacées Unidas (ONU) promoveu uma série de estudos sobre relagées raciais no Brasil com o intuito de apresentar ao mundo a experiéncia brasileira de democracia racial. © resultado, porém, nao foi o esperado. Ao olharem atentamente para as relagdes entre leiros/as acabaram encontrande um brances/as © negros/as, estudiosos e estudiosas bra pais dividido por cores e ragas, ainda que esta diviséo néo estivesse regulada pela lei. Descobriram atitudes de preconcelto, embora elas fossem A democracia racial mediadas por relagdes de proximidade e cordialidade. Eles/ elas ajudaram o pais a ver, enfim, que aquilo que era chamado apenas de pobreza, tinha uma cor. Algumas décadas depols, tals estudos avangaram por meio da andlise n3o sé das deixava de ser uma realidade para ser sncaxada como nme: relagées Interpessoals entre brances/as @ negros/as, mas falsa constatacao, um pela pesquisa sistematica dos dados sobre emprego, renda mito ou, quando muito, © criminalidade retirados dos censos oficiais. Ficou evidente, entéo, que a discriminagao era um dado estrutural que organizava, em todo o pais, desde a distribuig#o de emprego eda renda até a distribuig&o dos casamentos, A democracia racial deixava de ser uma realidade para ser encarada como uma falsa constatacao, um mito ou, quando muito, como um horizonte politico desejavel. como um horizonte politico desejavel. © segundo mito, que nos Interessa aqui, tem uma existéncia ainde multo mais antiga & difusa © n&o esta associade = nenhum autor especifice, mas a uma Idéla de senso comum gue foi se consolidende com o tempo. Foi o entropélogs Roberto DaMatte que o registrou pela primeira vez, ao identificar que haveria Um racismo 4 brasileira, isto #, um sistema de Pensamento que postula a existéncia de trés racas formadoras do Brasil, Nesse sistema, © brasileiro seria © produto moral ¢ biolégice da misturs do indi, com a sua preguiga, do negro, com a sua melancolia, = do branco portugues, com a sua cobiga © 0 seu Instinto miscigenader. Ectac ceriam ac razSec tanto de nocea originalidade quanto de noses atraco. socloeconémico #, até pouco tempo atras, de nossa necessidade de autoritarismo. Além disso, mesmo quando 0 diagnéstice nao é tao destavoravel, 0 que esse mito fundador racista revela é a forma pela qual os diferentes conjuntes de povos séo unificados ¢ hierarquizades em uma mesma imagem de Brasil. A afirmagdo da miscigenagao nao os coloca no mesmo plano, porque a cada um deles atribuida uma qualidade diferente na formacao do carater moral do brasileiro, E inegdvel que os portugueses, os varios povos indigenes © as diferentes necdes africanes foram os principals responsdveis pele ocupagdo do territério brasileiro e pela formag&o de sua populagéo, mas o que esté em jogo néo & uma avaliacéo estatistica de contribuigdes. Os Fatos fundamentais do mito das trés ragas so: a reafirmagao de que caca um desses grupos de diferengas constitu! uma raga; @ atribuigéo de qualidades morais distintas a cada uma delas a hierarquizac&o que se propée entre tals caracteristicas morals; + 8 exclusde da presenga fundamental de outros povos; + © a identificago de um destino Unico © de fusse biolégica das diferengas constituintes de nossa sociedade. Novamente, este é um diferengas raciais e produzindo uma imagem da sociedade brasileira que é mestica mas, justamente por isso, fortemente hierarquizada, em que cada coisa tem um lugar natural. ‘© que permite naturalizar as desigualdades, remetendo-as as

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