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HISTORIA E ANTOLOGIA DA Tite RAd UR A PORTUGUESA S € ¢ XV I oo @ FUNDAGAO CALOUSTE GULBENKIAN Biblioteca Nacional Comissio Nacional para as Comemoragdes dos Descobrimentos Portugueses Editorial Caminho Imprensa Nacional ~ Casa da Moeda Instituto Camdes Universidade do Porto Professores/Investigadores: Adelino de Almeida Calado Aires Augusto Nascimento Cristina Sobral Joao David Pinto-Correia Joaquim Verissimo Serio Manuel Simoes Maria Candida Monteiro Pacheco Maria de Lurdes C. Fernandes Maria Manuela Langa Zulmira C, Santos Ilustragao: Nossa Senhora com o Menino (pormenor), Alvaro Pires de Evora, cerca de 1424. Cagliari, Pinacoteca Nazionale, Apoio: Ediclube - Edigo e Promogio do Livro, Lda. Ficha Técnica Edigdo da Fundacao Calouste Gulbenkian Servigo de Bibliotecas e Apoio a Leitura Av. de Berna, 56 — 1093 LISBOA CODEX Coordenagao cientifica de Isabel Allegro de Magalhaes Coordenagio técnica de Cristina Monteiro Concepsao grafica de Anténio Paulo Gama ‘Composigdo e impress — Grafica Maiadouro Tiragem de 55 000 exemplares Distribuigdo gratuita Depésito legal n.° 6 208/84 Série HALP n.° 9 ~ Margo 99 Bosco Deleitoso JOAO DAVID PINTO-CORREIA* Texto em prosa datado de 1515 (ou, mais concretamente, do dia 24 de Maio de 1515), em Lisboa, da responsabilidade do impressor Hermao Campos, -bombardeiro d’el-rei nosso Senhor José Leite de Vasconcelos considera, no entanto, que esta obra se caracteriza por uma fase lin- guistica muito mais antiga, talvez principios do século xv ou mesmo fins do século xv. Trata-se de uma composigao fundamental para a lingua, para a hist6ria, para a literatura para a cultura da Idade Média portuguesa Segundo as concepcoes medievais, 0 -bos- ques, alias como 0 -castelor e 0 «vergel, porque espago considerado bem delimitado, constituia 0 mais adequado cendrio para uma realizacdo espi- ritual como a que se pretendia com o aproveita- mento da solitude, em contraste com a -florestar que representava nao s6 o perigo, 0 roubo e a violago, como sobretudo a desordem, o desas- sossego e a instabilidade. A qualificagao de -deleitoso- remete-nos para o plano espiritual, o que confere ao texto a necessiria correspondén- cia de espago de produgio literéria em que o lei- tor ou ouvinte encontraria ou encontraré muita matéria respeitante ao gozo da alma e a aspectos ascéticos e misticos proprios de quem optou pela svida solitaria. Dedicada 4 «muito esclarecida e devotissima Reinha Dona Lianor, molher do poderoso e mui magnifico Rei Dom Joam Segundo de Portugal, esta obra pretendia apresentar -enxempros ¢ fala- mentos muito aproveitosos pera mantimento espi- ritual dos corages-. Nao hd divida de que o objectivo era conduzir as almas que se encontra- vam enleadas em negécios -mundanais- 4 pratica da «vida solitaria-. ‘In Diciondrio da Literatura Medieval Galega © Portuguesa. Organizagao ¢ coordenagao de Giulia Lanciani e Giuseppe Tavani. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 1993. Neste aspecto, sera importante referir que, no que concerne aos problemas de autoria e de intertexto, alguns autores procuraram a mais ade- quada solucdo: Aubrey F. Bell, D. Manuel II e Agostinho de Campos. Actualmente, julgamos que a obra assenta no De Vita Solitaria de Petrarca, obra iniciada em 1346, mas concluida apenas dez anos mais tarde, na qual se elogiam a solidao e o siléncio. Como defendeu Mario Martins, seguido por Augusto Magne, é esta obra indiscutivelmente fundada na do eminente poeta italiano: Se com o tratado de Petrarca cotejarmos © B.D. - diz. 0 Gltimo estudioso citado, mas tendo em linha de conta o que diz 0 primeiro ~, verificaremos que quase metade do livro impresso por Hermio de Campos reproduz o De Vita Solitaria, ou seja, com leves falhas e interpo- laces, do capitulo xv1 ao capitulo cxv- Esclarece © mesmo autor que D. Francisco, o protagonista da obra, ndo passa de Francesco Petrarca. H, no entanto, que reconhecer o seguinte: a primeira parte do B. D. nao faz parte do texto de Petrarca © também nao se faz sentir muito a influéncia do mesmo autor a partir do capitulo cavul, E ainda temos de acrescentar que, embora muito dependente do autor italiano, com tradu- Ges literais do original latino em muitos pasos, +0 nosso inteligente compilador conseguiu apre- sentar-nos um conjunto mais espiritual, menos erudito, mais poético-, como refere Augusto Magne. percurso narrativo consiste em a Alma, que sempre vai guiada pelo Anjo da Guarda, andar a falar com varios santos, fil6sofos e outras figuras simbélicas, a fim de conseguir maneira de atingir © estatuto de entidade solitaria, aquela que é considerada como a mais adequada pritica de exercicios conducentes a realizacao espiritual. ‘A obra divide-se em cento e cinquenta ¢ trés capitulos que o seu editor principal, Augusto Magne, integrou em oito partes: a primeira, que conjuga quinze capitulos, diz respeito 4 convi- véncia do Homem com as virtudes no -hortoy; na segunda, encontramos a exploragio do contraste entre a vida do morador da cidade e a do solita- rio -assessegados; na terceira, com varias autorida- des GD. Cicerom, «D. Sénecar, -D. Bernardo € +D. Tomas de Aquino: e ainda D. Francisco) faz- -se a defesa da «vida solitaria; na quarta, ha ainda mais argumentos em defesa da vida solité- ria; na quinta, dao-se exemplos de «soilitarios ilustres-, tais como Adio, Abraao, Isaac, Jacob, Moisés, Elias, Eliseu, Jeremias, David, Jesus Cristo, Virgem Maria, e outros, como Santo Agostinho, Santo Ambrosio, S. Bento, S. Francisco, e outros, como «D. Cicerom: e S. Bernardo, com a presena de solitérios bramanes, poetas ¢ fildsofos, e mesmo Hércules ¢ romanos ilustres; na sexta parte, de maneira mais fanta- siosa, temos os argumentos em defesa da vida solitaria, com 0 -boosco nevooso:, na qual encon- tramos a -dona espantosa e a -formosa donzela- € na qual se procuram os meios para atingir 0 sboosco nevooso», 0 «gracioso campo: e 0 «alto monte; na sétima parte, considera-se a maneira de atravessar 0 «gracioso campo-, o que releva da ascese do -vale nevooso»; finalmente, na oitava parte, encontramos o desenvolvimento da atitude de quem chega ao

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