Você está na página 1de 1

Sem dúvida, o conceito de “mérito” enfrenta algumas dificuldades sérias.

Refiro apenas
algumas mais correntes:

1. A noção de mérito não parece compatível com as crenças democráticas na justiça e na


igualdade. Alguns defendem que há uma contradição de fundo entre as diferenças de
tratamento que o mérito legitima e a exigência de igualdade. Quando cada vez mais assistimos
a reivindicações igualitárias, parece um pouco anacrónico falar de mérito. (Justiça e igualdade
são conceitos igualmente controversos)

2. A nossa conceção de acções meritórias é estritamente individualista e, por isso, parece


afastada do horizonte da ética.

3. O papel da sorte na distribuição das capacidades de partida faz duvidar das atribuições de
mérito. Ninguém deve ter mérito se a sua acção depende do acaso/sorte ou de determinações
a que não pode escapar. (Rawls fala-nos da “lotaria” genética).

4. A dificuldade em avaliar os méritos e, portanto, em justificar as diferenças de tratamento.


(La Rochefoucault dizia que os homens recompensam mais as aparências de mérito que o
próprio mérito.)

Seguramente que Fernando Savater conhece bem estas objecções e muitas outras. Creio, no
entanto, que na afirmação “o reconhecimento de cada um deve ser tratado socialmente de
acordo com a sua conduta, mérito ou demérito”, está subjacente algo mais fundamental: a
questão da liberdade. Há em nós alguma margem para agirmos livremente e podermos ser
responsabilizados ou elogiados pelas nossas acções? Se acreditarmos que somos
determinados, é evidente que não há responsabilidade nem mérito
(merecimento,reconhecimento) . Se argumentarmos em favor da liberdade, não vejo como os
possamos rejeitar.

Você também pode gostar