Você está na página 1de 204
= ligdes sobre as interpretacdes do Brasil = Oe Bde Bernardo Ricupero a au re pe ee eee ee eer See en cote eee ee Beery eer en teense aec siete DCm Leia acc leaae nts mec Da eee Ms eote oes ec ee miles Pe TCs ie Meare eee meer Ree eret ener teas en eee BT ec tant aes eed eee See ce ec demented Pere eateries see tee ace ry ert Gitam anes, durante o Imperia; © por que ieee et renter tne Geter Pierre OR Og erect eee Beha Bete hee ee nee Meo al| RC tar ade Bua ccm ues Stree re. nos anos que se seguen 4 Independencia, Se ee eee eee Pet ere eae am pe gota ae ete sais part o pais recémi-independente, Beree tran are oeete ne ate res ae end Sees eee ne Pet Poor Rogen Een emi tte es taa lag BoO Becerra | Ler e a coat ctae eer tees Pettis eeenatfarrnc nie ertarer rea weer Pct De oma Samer teats ta Seer eerste etre Pee ene eerste tee POC tunes ites Wma iter tae Ectoetc Crit e eo te Dain teat tld Pee eee Cote ne eae a ate eee Desa ers eects ood ceases] Ce eet mee em reed Pee eee eee ea terran Late Plgee vnie aeCM tae cmc tates) EOE ectaee Teco henec fe ee Sete ligdes sobre as interpretacoes do Brasil copyright © anus Bernanda Ricuper: Tdicaur Joana Mumelcone Amistente Editorial: Guilherme Kroll Domingues Propet wndfico: Clarises Soragchl Maris Dirggramayior Marihia Chaves: “Assiaiense de Producto: Tocisna Sanroni Rerishe: Mauricio Katayama napens dy eapa: Carte ate Rin te Tarseien (Mapa dia Ricy he Fameieo), 1579; ‘Guamaiacuguara (Thodon hysrix) Biacn de Bspinho Rooks tive (Cierara Ciprin, Coroado di: Aldeamenso de §.Pesim, Sito Pedro de Abcdintara; Carano de (afi S'Afuersimant Vors lz Vile (Carrepadores de Café 2 Carne da adadel, Pitha: Praia do Nanafingn orn 1H: Nigritir (Negritisa)- Crrminitinyiel. Roneire (Pedica granarum) Rem, Cebus gracilis Mas, ( Der schlanke: wickelscmwany, Miinnchen ‘Dados Inueroacionais le Catstogagin ra Publicags (CHP) {Sandicare Mactonal dos fdicores de Livros, 40}, Brastl) ‘Sete ligdes sabre 2: interpreragoes de Brasil Bertani Hirsapern.— an Pooler Alemecks, 2008 Inchai Biblicgesis ISMN I7HAS MEE 8) 1. Manes, Glnesira, 7.Hreyre, Gilbey TMNT, Cacegrande fe senza, Hokus, Sepia Busaque de, 1021982, Rabees da Brasil. 4, Prada Jeinipe, Cain, L907: 1990. 5. Fagen: Raymandis: 1925-2003, 6, Peevandes. Plastestan (821995, 7, Cte Hotes « Bei, 1,” oD vee bu 94a) ay362e A primeint edicao desta obra contou cota apoio da Fapesp [2a08] Todos oss direitos rewrvadin a ARAMEDA Casa EDITOHEAI, Than Theroig. a5 ~ Perdines enn agort-ooo — San Pauls —SP TeFax (1 1h 38600850 Sete licdes sobre as interpretacodes do Brasil Bernardo Ricupero 24 Edigho # eis indice PREEACIO Inteopugics Cartan] Existe um pensamento politico brasileira ou As idéias ¢ seu lugar Captnue TE Oliveira Vianna Captruno IT Gilberto Freyre Cartruno 1V Sérgio Buarque de Holanda Cariruto V Calg Prada Ir. Captrute YI Raymundo Faoro Cartinito WIT Florestan Fernandes Exoice Rexussiva i” ay 73 12g 55 181 209 PRerAcio — i Imtérpretes do Brasil, nossos antepassados? André Botetho* N, PRETACEO que-cscreveu para scu livre: I esti antenati, Talo Calvino contessa seu Geseio pessoal de liberdade, ao. escrever ao longo da década de i950 as irés histériay “inwerossimeis” reunidas no vro, com relacdoa dlassificagio de “heo-realista” a que seus es- cites anteriores o haviam levade Mas com cua trilogia, procurou sobretude sugerir trés niveis diferentes de aproximacay da liberdade na experiénicis humana que “pudessem ser vistas como uma drvont pencaligica dos antepasadus. do homem contemporiineo, em que cada roste occulta algum traco das pessoas que estiio a nossa volta, de vocés, de mim mesmo"? Mais do que carater imaginario da “genealogia™ (certamente importante, nas nde surpreendentr, ja que toda pretensan genealégica tree sempre bow dese de bovarismo), a confissio de Calvino esclirece, quando-se leva em conta o context desses. seus escritos — | Estavamins no ange da guerra (ria, hii umm lense no ar, um dilaccramento surdo, que nao se: manifestavasm * Professor do Departamento de Sociulogin ¢ do Programa de Por graduapio em Sucialogia ¢ Antewpologia da emt. 1 tral Calvin: Oy nour antepmrades. Traduyio de Nikon Moulin, Sa Paulc, Campanhia-das Letras. iggy, p. 20, A trilugia ¢ composts por “O viseunde paride aqme)" bardo nasirvunes eG covabeina uacaisicaie”, Temarde Sticuperce em imagens visiveis mas dominavam us nossus inimos”'—, 9 quan 20, s0bremaido em momentos particularmente dramaticos em termoa sociuis, a busca de vim perspective que permita ligar w experitnda Dresente au passado pode representar “um impulse para sair del” ido presente}! e,entao, diviser melhor as possibilidades de futuro. Essa estranhe reflexao de Calving sobre a utopia, na qual a re- constagio do passado jogs papel crucial na construcio do futuro, ha tempos me ronda quando pens ne tipo de trabalho intelectual envolvido na area ce-pesquisa deneminads de Pensemento-sacial © politica brasileira. Isso-nao apenas porque os chamadus énsaias de “interpretacdo do: Brasil” que formam a matéria-peita da area inovaram nessa mesma diresao av ensinarem a pensat a dimensia de proceso social inscrita na presente vivido, como Antonia Can- didé se refered av Ieyada da gerayiu de ensaistas da década de 1930 para 2 sta pripria geracso’ Coma, sabretude, porguc, enytiania drea de pesquisa. o pensumento social ¢ politics parece estar atin- gindo, desde a década de igyo, amplas condiches de consolidacaa no ambitu das ciéneias socials praticadas no Brasil, como indicam balunges realizados:sobre a sua producgao contemporiinea. Isso a * hale: Calvino, 1999, peo. “nadeen, ‘ Ee.oda Antonie Candide om i967 "3s homens que estie lieje unt pouce para Glow um ponee para li dos cingienta anos aprenderan a refletix va se interewar Peln Brasil soteetudes ens lecins de pasado” in “0 significade de Ragser do Aras” in Sérgio: Huargue de Holanda, Raizes do Brus (Ediggo commemarativa 7 anes): Ongaizada por Ricude Benzaquen de Araiijec Lilia Merits Snwarcz. San Paul, Corapanthia das Letras, 2008, p. 235, ‘Cenforme, por cxemplo, Sergin Misi “Hinekextuais beasiletres” iC quie ler na ciincia soclal braglleer fgpe i993) <2! ed, So Paula, Editors Semaré: AN. BOCES; Drasilis, oe Capes, i999. pp. 109-15 Late at LSjqy Wliveica “Laterpretaghes Setsligdes subse asinterpretg6esdo Brasil uk despeita de— ou, melhor pensado, telvez como decorrencta dessa situagio = persistirem algumas visdes simpl horas, ¢ mesm ingens, come as que supdem ser suficiente identilicara pesquisa das interpretaghes do Brasil come um tipe de conhecimente anti- quéric‘sem maior signiticarse para a sociedade ce para as-ciéncias socials contempordtess: Atefexao de Calving sobre os mosses antepassados’, voltou-me de imediate quando reeehi o comvite de Bernardo Ricupero para essas-mal tracadas que abrem o Livro gue, daqui alewmas paginas. @ heater tera a felicidade de ter em oniios, Nao que-sela intenyiu do autor, neste livra, estabelecer “genealogias’ inmligag inte: lecteal brasileira, masa apresentar algumas:dag interpretaghes dlissices da formayao dy sociedede formuladas entre 1920-¢ 1975, dle retama o campo problemiitica central da area de: pesquisa, a que fi vem dando contribuiches substantivas nos tltimos-anos* Assim, integram sua andlise interpretagées cruciais formuladas em Popnelapocs meridtonars do Hrasil (azo), de Trameisco jose Oliveira Viana, Cased Grande: < Senzalit (1933), de Gilberto Freyre, Raters sobre 0 Brasil in Séxgio Miceli (Org), Op: cit, pp. sa7-afits Elie Rugai Bustos: "Pensumento social elu Escola Soniokiyica Paulista” in Sérgio Miceli (Qeg.): C que fer may eaimcnis sacral brestleir, Sau Paulo, anaoceEduors Susmart; Brasclia, are, Ca~ 20 crmec eo pemameuiv sucial brasileiro’. In croc 3 pp. 97-420; Gildo Margal Brandao: “Linhagens di pense- mento politico brasileiro” nanos Mevirea de Cidncias Soctais. Rin de Jarizizo,aveens, wal: qi. 2 2005, pp, 231-89; André PanteTha: “Sobre as teres do mermayy ciéneies sochis ¢ construgho deinecritice no Hetil comtemporinen’” Mimec., zou * Destaca, nese sentube, see livros anteriores: (0 minartionia ea idéia de mage no Hasil (th3p.1870). Sho Pauks, Martins Fontes, 200g: ¢ Caio Prd freee macionalize- oto de marsisma no Raul, $80 Foulo, Fditora 34,2000, 14 Bernardo Ricupere ido Brasil (1936) de Sergio Ruarque de Holanda, Formagdo do Brasil coriterporinen {1942}, de Calo Prado Tr, Os domes de pader (1958), de Raymunds. Faoro 2 A: Revolucio Burguesa me Brasil (197g) de: orestan Fernandes. Observe Ricupero que. enquanto genera in- telectual, as interpretacies do Brasil estdo historicamente situadas entre a proclamayao da Reptblica, em 2889, ¢ 0 desenvolvimento mitis pieno da universidade, a partir da década de trinta do sécu- lo xx, Todavis, se a bem sucedido processy de institucionalizacao das ciéncias sociais no Brasil redefiniu o padrao hegeménico do trabalho intelectual no sentido da pesquisa-empirica, nao elimi nou, contuda, » papel do ensaie no estude da sociedade brasileira: camo lembra 0 autor em relagiio ag caso embleméaticn de Florestan Pemandes que, tendo sida um alos que mais contribuin para que ae Impusesse nas ciénicias sociais brasileiras um pad tio cientifico, realizow, como filtime trabalho importante, um grande ensaio de interpretagau do Brasil’ Nos capitulos dedicados is imterpretacoes dy Brasil, Bernarda Ricupero sintetiza com rigor os principais aspectos das abordagens mobilizadas pelos seus autures apés situd-las no contexto de sus cpoca cantes de indicar, de modo bastante representative, algumas * Retemande a singesticede Adorno solve x diskétics entre suseitere objeto not forma ‘etisait) Robert Wegner observa que wna descaracteristicas centrade de wma ensaio diz Tespetio “ao Fatude queo decetfar da realickaS= rein etd na somatdeia the dadins abjeei- on eres raaite tais na iu tullipticacon com elemennos di subicvidade dt se dui torn” Lm ensain entre: pesado eo futuro” in See Busrque de Holanda (see Us Gt. pose. Para © apmofumdaments da questin de forma enszin, wer: Theador We Adona:"O ensaia cont facma” in Gabriel Cohn (Crp.), Teedar Adams, So Paula, Mica, aul, p18 a7 © Leupold Waisbart: As avertinens de Georgy Simmel So Paula, Curso de Pis-pradieagso em Seciolegiafise/ Pastore 34,2000. Sete ligGes aubre ae unerpretagdes dp Tirasil a3 das principais andlises das obras examinadas ¢ outros estudos que pemmitem a continuidade o aprolundamento, sobretuda, do lei torque se inicia nessa modalidade cde “imaginacao socioldgica’ A estrutura éscolhida para-os capitulos, por sua vez, ¢ fundamental Para:o cumprimento do objetive principal de liveo: comunicar de modo claro-e objetive a matéria de interpretactes do Brasil comce- bidas‘em chaves analiticas tio distintas cos meandros adliamente complexns dog difloges nem sempre explicitos mantidos entre clas —¢ para cujo bom resultado concorre ainda a narrativa desataviada empregada por Bernardo. A sepuranes com que realiza essas tarefiag relaciona-se cerlamente a sua experigocia, ja memconada, coma pesquisador e também professor da drea: Mas gastaria, no entanto, de chamar-a alengio para.o-primeiro capitulo que, apesar de bem situado-no canjunto formado pelo livro, tem unr alcance maior, na medida em que coloca questées instigantes para pensar a propria “formayao” de um peasamenta social © politico brasileira ¢ as for: mas possiveis de abordi-ta e avalié-Ja inclusive em sua relevaneia contemporinca, Em“ Existe um pensamento politico brasileiro? ow as idéias ¢ seu Jagat’, Bernardo Ricupero retoma, em chive comparativa pauco usual, proposias tedrico-metodoldgicas. indireta ow dirctamente voltadas para. pensamento social ¢ polftico brasileira, mas que tem sido, de todo: modo, mobilizadas na sua pesquisa contermpori- nea. Partindo de Raymundo Faord, um dos “intérpretes” apresen- tadas. nw liveo, em Existe um pensamenta politica brasileira? (100a), passando por "Paradigma ¢ histéria: a ordem burguesa na imagi- niacin social brasileira” (1973), de Wanderley Guilherme dos Sanius, e“Pormacio de um pensamento auloritario na Primeira Repiibli- a" (ig77), de Bolivar Lamounier, chegs au comtroverse “As idéias 22. os pe ll ee MM tg Bernards Ricupera for do ingar” (1973), de Roberto Sehware. Nota Ricupero que, de diferentes perspectivas ¢.com-sentides Brasil” proposigoes cognitivas ¢ idenligicas que ainda nos dizem respeite, fi que o proceso social por elas narrado — de mode "realis- fh" ou do, masem face das questées ¢ com. 08 recursos intelect uais qut 0 Seu tempo tomou disponiveis — permanece, ele-mesma, em varios senlides cm aberto.. $e do pontu de: vista substantivo, esse Processo encontra inteligihihdade sociolégica.na modernizacio conservadora em que, fettes as comtas dos iiltimos anos, prossegui- mos, ¢@ partir da qual mudanca social tem s efetivade a despeito de deixar praticamente intactos ou redefinidos noutros patamares problemas seculares; também do panto de vista teorico-metodola- gico.emborasejam inegiveis. os gainhus cpistemmoligicos das ciémcias sociais instilucionalizadis como disciplina académica, nao. existe razies suficientes para Superestinis-los-como se tiveaserm permitide resolver dé modo perntanente os problemas que os ensaistas ow 1s Gienlistas socidis das geraciies anteriores levamtaram." © hegade intelectual ¢ politico que Oliveira Vianna; Gilberto Freyre, Sergio Buanque, Cato Prado, Eaoroc Florestan Fermandes nos detraram, como se pode ler no livro.de Bernardo Ricupero, ainda nos di respeito, quer seia para aceiti-lo ou rejeitd lo, ¢ tenhamos ” Minal, come 3 cilncia social peis-povsitivista teen insistid, andlines clentificad ini ve ‘haseian eatluesvamente en “evidéncins crupiricas’ hem. como a auséncia endérnica Ge“ronsenso” no interior di cidnicias si indo quanto a empectoy coisas erdosem- Pinieos torneo “fiscarse” um elemento nadx decprenivel na sua pritics. CF que wim signidice amporsibilidaue de producio de oonherimenty “obyjctive™ mas" apecs qe Se cundiptes they vitnciae sociais team altamente improvsvel o ontuensy sabre = qarurers erst di conbeckmento-empirien para no falar do consenso solorc leis cx Plicatives’ Jeffiey ( Alerarsteti "A Emparsincta diss Clissicue' in Anthony Giddens, Tenathan Turnes (Ong.}: Tooria Sunad Hoje. Sao Paulo, Gall Unesg, ago, 9. 36, Para um. deservabimento da quesan do siguilscacke das innerpretayies do Brasil ere cunt shes pis potitividiesda: Gincias suciais, ver Batetho ¢ Lahueria (2005). fp. 8; ae 15 Bemardo Ricupero nés consciéncia disso ou nao, como 6 autor tambdin pendera” E quando lembramos que um trago marcante di dindmica social ‘prasileira,tem sido a impressio (quase sempre interessada} de que a nossa vida intelectual esté sempre recomegando do. zem-2 cada niowa geragao,4 maior a importancia deste tipo de propeto editorial. Enfim, purqueas interpretacécs do Brasil nio sto apenas descrigbes externas, ties também eperam como um tipo de metalingwagem reflexive di sociedade, clas represeniam, em meio av labirinte da especializacdo académica contemparines, um espuye sacial de co- municagae entre prverte, paswado ¢ futuro que, wdaptando Calvino, poderd nos dar uma visio mai histérico que o-mosse presente ainds oculta — e que esta “a nossa integrada ¢consistente do processo: volta, de vocés, de mim mesmo ~= Isto-é, no Brasil, o poder central, ap invés de scr o-grande inimigo das liberdades incais, como.o éna Europa, seria o defenser dessas Tiberdades contra oé caudilhos..Nessa perspectivi.a delesa da des centrélizagto, & mancira dos anglo-saxées, como fuziam os liherais, seria injustificdvel, [4 que favoreceria apenas av caudilhismy, Durante 0 periodo da Independénca, as classes dirigentes ame- Ticanay Teriam privilegiade a questao da liberdade quinde deve- * Dbid, pa, db i 2 Sete Ligtes sobre ax tnterpeciagiies do Brasil or rium ter dado mais atencao av problema da auleridade. Nao teriam procedido.detal maneira devido a influencia de exermplo curopeu, onde, na verdade, a autoridade teria precedido a liberdhide. As cons: Gtuicoes do Nove Mundo favoreceriam, entretanto.a liberdade sem ques autoridtade cstivesse ainda bem estabelecids. ‘Aqueles que Oliveira Vianna chama de “reaciandtivg audazes” demonstrariam, em contraste, capacidade para compreender as condighes americanas, “a diftrenca substancial entre as: fins-do Fstado na Enropa ¢ nas novas nucionalidades-americanas’® Em poucat palavras, mum ambiente em que prevaleceriam tendéncias centriftigas, terzam tentado estabelecer o espirite piiblica, Fstadistas com tamanhas qualidades surgiriamy de mancira qua- se providencial, principaimente devido a hereditariedade cugéni- on De maneira complementar, 03 mecaniamos que a Coros criau come o Scoade vitalicio, o Consclho de Estado: permanente c, principalmente, o Poder Moderador — permitiriam selecionar os homens mais capuees para reilizar a tarcfe de unificagia nacional. Portanto, s¢ fa Inglaterra a. escols da liberdade teria sido a luta contra uma monurquia de origem cstrangeir, vinlenta-e extorsi- va,no Brasil tal sentimento apareceria apenas numa minaria, caja edneagao refletiria “2s influencing de meios exiticas, principal- mente ameritanos ¢ ingleses".* Qu seja, em realidade, onde nia fot precise lutar contra a opressin, apareceria apenas-d scotimenta de independéncia individual e nao o de liberdadé. Na verdade. * bal port Mitbil, pose, ee i - nonsss i 68 Bernardo Ricupero que prevaleceria no meio brasileiro seria um sems-autoritarisme difuso. Mas apesar da desorganizache prevalecente, nio.se teria regredi- do para uma situagdo de violéncia generalizads. Uma multiplicida- de de fatores teria concorrido paraa paz ea trangitlidade-ao longo da histéria brasileira, destacando-se, entre eles, a indoledo pov, Umi dos principais problemas da andilise de Oliveira Vianna apa- rece precisamente na sua discussdo da supesta indole do brasileira. Se antes, ao explicara colonia, enfatiza uma determinante social, o papel do grande dominio grdrio na edaptacan ac ambiente ame- ricano, agora, na explicario das races que cvitaram que o Brasil calsse numa situacio: cadtica, passa a dar mais atencio a fatores imprecisos como um pretensy caniter nacional At€ porque a indole do pove brasileiro seria uma e=pécie de subs- trate que permtitiria a apao politica, Oy melhor, se, para Oliveira Vianna, 0 ambiente socal é 9 maior desafio & unidade nacional, ainds wssim é preciso ngir sobre cle, transfonmid-lo, Eo Estado que pode assumir esse papel, moldando a saciedade, como seriam ten. tade fazer os “reacionairios audazes" do Império, Iste ¢,a andlise so- cloldgica de Populapaes meridionais.do Brasil e dos outros livres do autor leva paradoxalmente a conclusion de que: em vertas condictes, @ autonomua do Estado deve levar & criacdio, de maneira voluntaris- ta, da sociedade queso deseja, Isso sd seria possivel, porém, devidos: certas condigocs prévins, no caso, a indole do povo brasileiro. Sete Tigdes sobre as interpectages do Brasil 69 InTeRPRETACOES Apesarda acolhida imal favoravel Populactes meridionaisde Sra- > sil, a recepeie do livro < das otitras obras do autor foi Progressiva- mene tormndo-se mais critica. Jd em 1929, 0 fundador do Partida Communists do Brasil (rce), Astrujildo Pereira, ataca o vies proximo da classe dominante que orientaria a andilise de Oliveira Vianna, jarista Quminense & também ums dos principais alves da critics ao tacismo.elaborada por Gilbert Freyre em: Casa-Grandi: e Setealg, Ja Sérgio Buarque de Holanda arguments, ent artigos posterior mente teuniados em Terusivas de mitalogia, que teses contidis em obras como Tnstitiigies politicas: briastleiras justificariam certas situncGes autoritérias vividas pelo Brasil, comoa Estado Novo. De ‘cerla Taneira, 3 imagem de Cliveiza Vianna & de um autier racist auloritarin, rojas posiches seriam- expressan. niais acabada do Teacionarismo da classe dominante brasileira, No entanto, a recepyio da obra: do jurista fluminense wai, Progiessivamente se modificande. Um mares importante da mu- dang ¢ a realizacdo, em 1991, de um semindrio num bastiao do Pensamento “progressista’, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).* Muitas das interpretugées a respeito de Oliveira Vianna jé nao tessaltam seu autoritariemo e FACISINO, que passarny alé 2.ser considerados como residuais na sua anilise, ¢ enfarzan, Wer: Gilberto Proyec, (ase-Counde‘e Semaain, Brasilia, Editora da TINE, 2965; Sérgio Tharque de Holandy, Tentarinis sie mitelogia, San Pauhs Perspective, ig7y: Astrajil- do Percira, Interpreturées, Rio ve laneina, Casa do Exuadanre do Brasil, i944. Minshull apeetemtades an cyeato yao pUblicados, dois anos depais. num lieve pela edittca da Universidade e— yo Bernardo Ricupere ad contrarid, a perspicicia de seu julgamento sucioldgica, princi- palmente an tratar de certos. termits, camo ad questi agraria. Mas apesar da recente yalorizacso da obra do autor de Populi gies meridionaés do Brasil, continua a subsistir uma viva controver- sia quanto as/intesodes que-a arientam, Tost Munilo de Carvalho, assim como Wanderley Guilherme dos Santos, considera que Oll- veira Vianna, os pensidores autoritarios da Repitblica Velha: 2.05 conservadores do Império, numa posture oposta a Constiluicas ac 18a1 ¢ aos libesais, nao veriam o Estado come inimige, mas.come aquele que deveria transformar a sociedade, preparando-a para a futura adayao de instituicées curopéias ¢ norle-ameticanas.* Em outros palavras, Ta mesma orientagao que preveleceu na Europa, os dire civis deveriam preceder os politicos, A partir dessas caracteristicas, Carvalho julge que tanto vis conde do Uruguai como Oliveira Vianna pertenceriam ao.que cha- ma de uma familia intelectual de longa duracdo, o autoritarismo instrumental. Numa postura oposta, Bolivar Lamounier critica a nga de auoritarismo instrumental-* Apareoem, porém, diferencus entre os intérpretes mais simpa- ticos a Oliveira Vianna. Wanderley Guilherme dos Santos sugere que @ objetivo perseguido pelo jurista fluminense © por autores proéximos seria.o dereproduzir no Brasil um ordem social anilo ga deuropéia ce norte-americana. Ja outros, como Jost Murilo de Ver Corwalling ape ete; Santos, Crider burgiacsa « fberalistie politica, op cil, Cae vallo, “A utopia de Oliveira Viana’ op. cit ver! Lamaunier, “Formagio de um pensemenlo auteritario ma Primeara Repa Bilis, up. cit. Sete ligdes sobre as interpretaqdes do Brasil n Carvalho ¢ Luiz Werneck Vienna.” argumentarm que, ma verdade, adetesa da acto autoritaria lo Estado por parte do autor de Insti fwipger politicas bravileinas vinculit-se a umu atitude iherista, Inspirades principailmente por Richard Morse,” ‘caraclerizem 0 iberigmo como uma das possiveis resposiits & modernidade. En- quanto a Anglo- América teria come que sidy findada pelas revo- lugdes teligiosa © cientifica do sécala xvt,.@ mundo ihérice teria praticamente ignorado ess dupla revoluca, Assim, na parte norte do-continente, a-sociedade seria baseada na idem de contrate, livre associagio dus individuos que a De qualquer mangira, 2 mnfluéncia principal, entre as culruray vencidas na-colonizagaedo Brasil, seria adoafticano, jA que o indigo st enicomtraria numa situacde de relative atriso cultural, Além de tudo, sua utilizacae come trabalhador agricola entraria.em choque com seu modo de vida tradicional, principelmente devid 4 passe gem do nomadismo para @ vida sedentatia. Assim, a influéncia do indigena se firia sentir principaliiente na “parte por assim dizer feminina™™ da cultura do brasileiro, Mesme assim, a educacao das criancas. uma série de alimentos, come 2 mandioca eo milho, habites, come. banho co uso de rede; seria hetanca direta do primeira habitante da América. As nevessidades do trabalho agricola levariam,em compensagio, a se FECOIEer ao Negro, em “estidia de cultura superior’? A partir dai, s¢ converteria mesmo no“mais plastico colaborador do branco na ebre de colonizagio agraria’" desempenhando. inchisive um papel de colomzador, em que europeizaria indizenas, Essc desen- volvimento teria sido facilitado porque, em contraste com: os ELA, negros de taca superior teriam sido importades na Brasil. Freyre note, além do mais, como ¢ quase impossivel distinguir negro do escrava: Na werdade, porém, muitas das caracteristicas Negatives atribuidas aos primeires scriam resultado da escravidin, © fbiopseee W dhils pone. lid pe eb M bed, psu ‘ { ' ' ot Rernando Ricupero: que também vitimaria o senher, jogando os dvis no mesmo sistema degradante: Em particular, as relaches entre portugneses ¢ indios © entre pormugueses¢ Hepros, ou melhor, entre senhores-homens es sravastiulheres seriam marcadas pelo sadismo dos primeiros ¢ masoquisme das. iltimas..(u scia, a proximidade, inclusive, ou principalmente; sexual, njo se daria de mancira igualitéria, mas como expressac da condigay social dos envolvides com: cla. Uns, os semhores, submeteriany as outras, 49 escravas, 1 seus Caprichos, Dessa mancira,o sadismo eo masoquisme da relagio entre senhor ¢ escrava se firia sentir para alémy dela, inclusive na politica, unde 4 momdonismo sempre encontraria quem estivesse disposte 3 sub meterse wee, De -quaiquer maneira, o equilibrio de antagonismos, que mar- catia a colonizacao portuguesa, teria crinde algo nove ¢ original: “a primeiza sociedade madernay constituida nos tropicos=™ Isto 6, s¢ tenia formado nao uma simples feitoria, mas umu organizacio social que detou marcade permanéncia, berexraemicdes Quandy se trata da relacio de Gilberto Freyre com Oliveira Vianna, O que nonmalmente mais chama a atencac.¢ q contraste de suas pos~ turas diante da ¢aicstio racial. Em pouces palavras, a obra do mais velbo seria uma das expressoes mais acabadas de recismo no pensa- mento hrssieins posture que omats moco tera ajudado a superar. mL, 7 Sete liches sobre as interpretagues de Firasil BS Essa avaliagao deixa. contudo, de perceber relevantes aproxima- Shes entre ar doauteres. Em especial, a importinem que atribuem ao problema da adaptayay do colono portugués a ambiente ame- Ficano, 0. que foi estimulady em Populacdes meridionats do Brasil pondpalmente:pela influéncia da escola socialigica de-Le Play e em Casa-Crande ¢ Sereali, pela referancia ao neo-lamarkisme, A partirsdai, ambos dao grande peso ao latifiindio ¢ a familia patriar cal no desenvolvimento da sociedide brasileira. Ne entante, nia sio exatamente coincidenites as aveliagics que oferecem sobre 6 latifiindio cas formas de saciabilidade prevale- centes no pais. Fasas diverpéncias dificultam até a caracterizacao-do conservadorismo de Oliveira Vianna c de Gilberto Freyre. Erm relagio a0 juvista (luminense, se ndo hd muite divide quan- fo aos instrumentos autoritirivs que privilegia, existe, como virnos, uma Viva controvérsia sobre os valores que © orientariam. Alguns intérpretes, come Jose Murilo de Carvalho e Luiz Werneck Vianna, sugerem inclusive que, ao defender uni Estado forie, Cupaz de entrar em conflite com latifindin, Oliveira Vienna desejaria preservar certas caracteristicas, como o patriarcalismo, que correriam rion meio & madetnizagio da sociedade. J4 qutros autores, como Wanderley Guilherme dos Santos, insistem cm gue 6 que ojurista Huminense visava era chegar 4 urdem social burguesa prevalecente nos Eat na Burope. De mancira contrastante, nio ha muita divida de que Gilberto Freyre- valoriza.o passado colonial, period de apogeu.do latifindin # Ver: Carvalha, “A mopia de Oliveira Viana". apvicit; Santos, Onfeny Burgess e Nineralicee politica aocat.: Verna, Papcdlagtins meridinnadé da Busi) ope ct a a EELS 96 Bernards Ricpers € do patriarcalismo, que correria riseo devider 4 algumas transfor | magbcs, em especial, a urbanivacio, impulsionada desde o século xx, Nesse sentido, o autor de Casa-Grande © Senzala-afastasse da linha dominante no penyamento brasileiro-¢ latino-americany que, contorme nota o-filésoly mexicano Leopoldo Zea, vé-0 passado ba= Sicamente como obsticuly-a ser superado® Mas se difere da maior parte dos autores brasileirnus © latino-americanos, Prevre, env com pensacao, aproxima-se da aititude dominante no conservaderiams muderno que, desde Edmund Burke, considers que a associacan que liga-os homens nao € 36 entre ox vives, mas com“ns vivos, of Tortus ¢ 03 que iro mascer=!” Mesmo assim, 0 conservadorismo nao foi o que mais dzmou aatendie em Casa-Grande ¢ Senzala quand o Eveo foi publicado. Indicardo (isso ¢ 0 Preficio que Antonin Candide escreve pana quinta edigio de Raizes do Brasil. Nele;o critica revela que os. mo- gos de sma geracdo — aqueles que saiam do colégio e entravami na frculdade entre os anos trint+ © quarenta— foram marcados prin- sipalmente por trés livros: Casa- Grande © Semaals (1935), Ratres do Jirasil (1936) ¢ Formagéo do Rrasil contempordinen: coltindw (29.42). © primeira trabaiho teria importiincia sobretada pur ter cha- imade a qlencdo: pars a contribwigie do escrave sobre aquilo. que © brasileiro é de mais (timo, ajudando a fibertay de-alguma ma- nein, seus leltores do racismo ainda predomizante no ambiente intelectual da época. Além de tudo, a “prevcupacio do autor com Nor: Lewpildo Za, J peniiemsicrs dntin-anivricuma Baruch Eiditrial ried, eae * Exduand Burkes Refleater stern Mevekigin exe Feasicn, Brasilia, Editora ds Unik, so 8Ver Candide, op: et. Ver tambenr: Edeon Nery da Fonseca, Cue-Grendee Sencalae Weriiiea brasiteire de 1933.0 .p44, Recdle, Companhia Filitora dc Beraurnbyucn, 198s. Sciclignessobreas interpretagies de Brasil gy problemas de funde biokigion (raga, aspectos sexuais da vidi fp mailiar, equilibrio ccolégico, alimentagao)™ fimcionaria camo uma ponte commas interpretapies anteriones dy Brasil. ‘Ne entante, poucos anos depots, Mlorestan Fernances « seus dis- ‘ipulos passaram a entender Casa-Grande e Senzais & og outros t= vros do autor de forma distinta, Na verdade,a poncipal inspiracan da chamada Escola Paulista de Sociologis fol, em boa parte dusseus trabalhos, desmentir a ideologia da democracy racial, cujo maior inspirador teria sido Gilberto Freyre. Tronicamente, o impulse inicial pura a critica preveio de-um Projecto acedémice, patrocinade pelx Organizagia das Nacites Unidas para a Heueacio, Citncia ¢ Culture (Unesco), que visava jastamente provar a correo das teses de Freyre sobre 0 cariter das relagoes racizis no Brasil. No entanto, a pesquisa, levada a caho emo Paulo por Roger Bastide ¢ Florestan Fernandes, conduzina conclusoes diferentes do convivio pretensamente harménicy entre brancos, negros ¢ indins, sugeride por livros oomo (asa-Grundee Senzaia” A partir dai, as ayaliagtes realicadas pela Escala Paulista de So- clologia ow por autores proximos a ela sobre Freyre passaram’a ser muito negatives. Carlos Guilherme: Mota, par exemplo, considera que 2 obra do socidloge pernambuicano representaria uma verda deira cristalizacan da ideologia da cultura brasileira. Ela sugeriria a "Candide. “U significade die Rides do Brasil” in Holanda, Rates diy ysl, Bin de Faneino, Livonia fosd-O2ympio Editora, pox. * Sabre projero da Unesea, ver: Marcus Char Maio."O projela Unesco apcuda day chinciag sociais no Tiras des anos. qo e507 in Kerrsta Brasileira dé Cincias Sociais, 044, tyg3. 98 © Bernardo Ricupero exXisténcin de am caniter brasileiro que eclipsaria “as-contradighes. de classe, c mesmorde raga.” Contuda, a partir da década deoitents, passou-se, novamente, avalorizar 2 contribuicao de Gilberto Freyre para a compreensio da-soctedade brasileira. Autores como Peter Burke revsaltaram, por exemplo, que, paralclamente, c até antes da Escola dos Annales a socidloge pernambucano chamou a atengae para aspectas até en- Tio poucy explorados pelns Géncias suciais, como histéria da vida cotidiana, o que-estaria relacionado até com as fontes que utilizou, come tivies de teocitas, livms de etiqueta, romances, etc Um marca nox: novs estudos:sobre Gilberto. Freyre & Guerre pact Casa-Grande2 Sendala de Ricardo Benzaquen de Aradjo. Con- ftrava tese de que cantor de Sebrades ¢ mocambos seria o principal formulador de ideologia dademocracis racial, Benvaqueri de Arado Tessilla 0 comvivio de elementos tensos no seu tetrato da sociedade colonial ena sun propria obra, Assim, ma Emilia patriarcal ¢ no [i- vee Casa-Grande: ¢ Senzala, “especie de-casa grande em miniatura’, apardieriam, lado a lade, a inlintidade ¢ a-violéncia das relaches, inclusive ou prin: pailmente, secuais; de senhores cescravas.” O mais importante da amilise de Benzaquen de Aranjo'é, entretan- io. a énfase na nao-neorréncia de mediagao nas relagdes em contradi- a trataidas por Preyre. Remete, dessa forma, aos antagonismos em quilihriey analisadas pelrrsociéloge permambucana, que seriam uma espécie de tolalidades sen0 sintese, sugerindo uma situapao de.excessy., % Mors, fdeolngia da Cuftara Tnasileina (1933 1974p a7. S80 Maoh, Eiko Atica, rT. P Ver Peter Barke; “Gilberto Preynee 2 nomu histGria socal” in ‘Tempo Seed ns 2.n597- Nib se pode esquecer que-ax proprias relagdes seunais, para Preyre, sno.de tor, fimdiadas na deminapin sidica do senor sobeca eacra, masoquista. Sete Lge wwbte as intespretpoes de Hrasil ge ‘alvex se possa aficmar que Gilberto Freyre, mais de que quil- sjuer Outro autor, tenha contribuide part a formulacso de unsa ideologia que, como-tal, ajuda a encobrir muito da violéncia que earacteriza-s escravidan ¢continna a permear as telacoes racials no Brasil Por outro lado, ¢ de maneira:complementar, cssa ideologia também auxiliou, come nao era possivel antes, os brasileiros a cla- borarem a imagem que gostam de ter de si mesmos. Inmicagdes pe certs Informagoes sobre a formagio intelectual de Gilberto Freyre en- contram-se.em: Win vitoriane ros trépices, de Maria Lucia Malhares- Burke, da Lditora da Unesp. publicade em 200s. Qutras refertncias biogréficas subre v autér esto no artizo de Thomus Skidmore “Ra- izes de Gilberto Breyre) que aparece mavanttlogia Gilberto Freyre: cnr query lempos organizada por Ethel Rusminsky, Claude Lépine e Pemanda Peixoi, para a Eduse. Minha andlise baseia-se principalmente no liveo de Ricardo Benarquen de Araujo Guerra:c paz, Casa Grande ¢ Serzala; cobras de, Gilberto Freyre nos anos 30, publicado:em 2oo4 pela Editora a4. Qhautor ressalta principalmente as tensoes Internas presentes ai obra de Freyre.sugerindo que-elas-apontariam para nuiltiplas possibiliddes de unvilise, Na linha oposta, que enfatiza 0 cariter ideoldgico de Casa-Grimde ¢ Senzale ¢ o4 outros livros do autor, 0 uabalho mais representative provavelmente ainda € ideclogua dar cultura brasileira, de Carlos Guilherme Mota, que saiu pela Editoraa Arica em i977. Além do trabalho de Benzaquen de Aradiu, oulra interpretacan muito interessante sobre.os trabalhos de Freyre cele piduliris ah soo Rernarda Ricapero Tentes ao palriarcalismo ¢ As cruturas de Prometeu, de Flide Rugai Bastos,livro publicado, em 2006, pela Giobal, Nesse trabalho, assim some no seu ensaie “Gilberto Freyre ¢ a questo nacional" [pu blicade em A intelig¢ncia brasileira, tiveo onganizado, em 1986, por Ricardo Antunes, Vera Ferrante ¢ Reginaldo Moraes para a Editora Rrasiliense) Rugai Bastes também vincula, muité sugestivamente, a obra de Preyre com a moderizacao conservadora, impulsionada no Brasil peli Revulacao de i930, Na antologia 0 imperador das idéias: Gilberto repre em anestiia, organizado, em 2001, por Joaquim File3u'¢ Rosa Harbosa de Araujo para 2 Tophooks, ¢ particularmente interessante 0 artigo de Stuart Schwartz, “Gilberto Freyre-c.a histéria colonial: uma visio otimista do Brasil’ em que o brasilianista chama a aten¢io para como essa atitudestitsta sua andlise da linha predominate nas interpretacies do Brasil. Sao trabalhos importantes subre aspectos cspeciticos da obre de Ereyre, ode Moemu DY Andrea, A tradigao re(descoberta, publicado, cm 1992, pela Editora da Unicamp, que discure 4 relagae do autor como movimento regionalista do Nordeste, co de Rastos, Gilberto Preyre ¢ @ pensammento hispirion, cuja edigdo da Edusc é.de-2003, # analiza a influéncia, até o momento subestimada, de eseritores hispanicos sobre o.socidloge pernambucano: 82454: FACULDADE DE CIENCIAS E LETRAS-UNESP-Car Sérgio Buarque de Holanda Sarad BUARQUE DE HolaMna nasce em Sao Paulo, em 1902. Far seus estudos secundirios no Culégio $30 Bente, onde é alana. do historiador Afooso Taunay, Por iniciative dele, chega a publicar alguns artigos na imprensa. Muila corn a furnilia, em 1921, para 0 Rio de Janeiro. Lf, estuda diréiio, sem muite afnco, ¢ leva uma vida hoémia, ches de amigos. Nessi ¢pocu, torna-sc representante na capital federal da revista modemista paulista Klaxen. Como fim dela, publica, junto com Prudente de Moraes, neto, outra revista, a Estetica. O mais murcante da juventude de Sérgio Buarque’¢ sua ligacia com oomodernisme, Come vimos, também Gilberto Freyre teve proximidade como modernism, may com sua verlente mais tra- dicionalista, o Movimento Regionalists de Nordeste. Ambos en- conto no modernisme uma ansia de (reidescobriro Brasil, que niitca suu3 obras. Come também vimos, logo que se conhecem, participam ate de rudlay de sambas no Riv de fareing, antes, a bus- cada-culturs papulir ji havia lilo Mario. de Andrade enfurniar-se pein interior do. pats,.ci incessantes peaquisas sobre folclore, O estorgn de-valorizare Brasil pi mio se restringe entio as letras, come tO Bernardo dcupers inchea o discurso de Grats Aranka, quando anuncia seu ahandono da Academia Brasileira de Letras (anz)}-e ingresso nas fleiras mo- dernistas: “o movintento espiritual modernista nao sc deve limitar unitamente 4 arte ¢ literatura, cle deve ser total, Ha necessidade, ac largamente esperada, de transiarmacio filosdlica, social ¢ po- titica™' Mas apesar de sua vinculagio com o. moderisma, #s criticas de Sérgio Buarque 20 movimento nao tardam a aparccer. Em Estética, por exemplo, escreve, junto-com seu -companheiro de todas as ho- ras, Predente de ‘Moraes, neta, um artigo nao muito simpiticn av livre. de Ronald de Carvalho Estudos brasilerres. © artigo leva act es- friamento das relagoes do jovem literato com alguns modernists, TORO O proprio escritardiplomata, além de Guilberme de Almeida Grae Aranha. Irritem ay moro, em particular, certas tendéncias “construtivistes” do modernismo, que vé como que ligadas a-uma atitude artificial, de quem pensa poder criar.a cultura brasileira por simples vontade. Talvez esse inchmodo j4 conduzisse o critics para além da li- teratura, para dominios mais objectives, como os da historia, De qualquer maneira, Sérgio Buarque de Holanda deixa 9 Ty para scr promotor ¢ éditor de uma folha, © Progresso, em Gachoeina do Itapemirim. Chega a distribuir entre amigos, antes de viajar part o Espirito Santo, sui 32 nae desprevivel biblioieca. Ofrustrade promotor lage volta, porém, para a-capital federal, Mas nao se deiém ali por muite tempo, née desperdiganda a opar- ‘Grace Armha. amid Luciano Martins," adnese de cima lrell hunse-a petitice no. Breil (gan < 2940)" in Revista Briscileiar de 1 1987. nfsutae imtelec iéneaas Savi, ‘Sete ligths sobre as interpretagtes do Bravil 195 tunidade que. em 1929, 0 entao editor intcianteAssis Chateaubriand Ihe oferece de‘ser correspondents ta Alemanha. Em quase dois anos de Rerlim, vive a efervesctncia dos dillimos dias da Repiibli- ca de Weimar. Mais importante, a distancia permite que procure entender melhor seu puis, escrevendo inclusive para publicacdes bilingdes em alemao e portugnés; £ também na Alemanha que Sérgio Bearque amedurece a voO- cagio de historiador, seguinda cursos de Friedrich Memecke. Aproxima-se, dessa mancira, do historisna, linha historiggrafica que entalica a importinca do devir ea singularidade dos diferentes momentos histéricos. F igualmente durante seus anos berlinenses que © fulure historiador entra em contate com a obra de Max Weber. Nao deita de sev interessante notar que «significado que teve a influéncin dessas duas vertentes insclectuais sobre ‘Sérgia continua a ser mative de polémica. OMfate €que nosso auter volta para o Rrasil com gon (riginas de um livno que pretendis chamar de Teoria da América: Dots eapitulus do trabalho, intituladas “Corpo c alma de Brasil sao publicadas, en 1935, ma revista Espelhe. No ano seguinte, esses capitulos-apare- cem, quase sem moditicaysa, em Rivizes do Brasil, O livro é, por sun vee, 0 primeiro a ser publicly na colecao Documentos Brasileiros; da Livraria Jost Olympio, dirigida entio por Gilberto Ereyre. Num sentido mais amplo, Rates de Brasil é melhor compreen- dido-a partir de sus conexto com o modernismo. Ou talver foast melhor precisar, a partinda “rotinizagao do modernisma’, que sr consolida nox anos trinta equal fil ge fee referéncia,! Fane parte “Ver: Candide, "A revoinede de tuts ¢ a cultura’ op. 0. woh Bernardo Bicupere dessa tendéncia iniciativas como o ensino de canto orfedinico nas escolas, aconstrugio do prédio do Ministério da Falucagao-desenba do por Liicio Costa ¢ Oscar Niemeyer ¢ os enstins de interpretayao do Brasil de Gilberto: Freyre, Sérgio Buarque de Holanda © Caio Prado Je Num sentido mais amplo, durante a periods, expande-se paceso 4 educagio; passa seu questionar.a supremacia du religito no ensing: impulsions-sea edigao de liveas, principalmente os de: jewas bragileiros, no sentido de daras primeiros passos para a cria- ¢4o de uma industria cultural brasileira; as primeirsis universidades brasileirus sito estabelecidas, etc. Coincidinda com o-ano-em que Raizes do Brasil € publicado, Sérgio Buarere'se casa ese torna professar da Universidade do Dis tite Federal (ups); cufo projeto académion- era similar ao da sp. No entanté, a inovadora universidade €, por pressio-catolica, logo fechada. Mesmu assini,a influénca de periodo em que fel assisten- te do historiador francés Henri Hauser se fax sentir em Mengies, jivre pubbicude ent 1945 ¢ ja afastade do ensaisme. Seu aulor loma-se; po ano seguinte, director du Museu Paulista, Ji moranda-em Sao Paulo, volta, em 1956, a ser professor, agora de Llistoria da Civilizacio Brasileira, na use, Parasen concurso.de efetivagio escreve Visae ie Paraiso. Em 1969, emi protesto contro ALS, que afasta diversos profesores do ensino, apnsenta-se Séegio Buarque também foi fimdador da Fsquerda Demucsatica, cm 1y49, ¢ do Partido dos Trabalhadores (rt), em i98e. Morre em 1982, Apesar de todas as suis realitacies gostava de se relerir-a ai mes mo siniplesmente camo “o pai de Chica Sete igmes sobre as:interpactagies de Brasil wy Rates D0 BRASIL Com nota Bolivar Lainounicr, Raizes do Rrasi! é, até certo pant, umm Conjunto de ensiios relativamente autéinomas.’ Nao obstante, discute temas que $¢ apresentam ¢ voliam a-aparecer ao longo das beiginas do Invro. Entre.cles, uma questio merece especial atencaa: as difituldaces: ¢ possibilidades devestabelecer a democracia nie Brasil, Anteriormente, o primeira ponte da colonizacio portuguesa da America a ser ressaltado por Sérgio Buarque dé Holanda ¢ o fato, ussinglide por Gilberto Freyre, “de constituitmes tnico esfaren bem-sucedide, em larga escala, de transplantacad da cultura ew- fopéia para uma pone de clima tropical < subtropical”! O motive Principal sigeridy por Raizes dit Brasil para o sucesso da empreen- dimenter colonial portugués é. 2 mestio de Casq-Grande e Seoexalaz a colonizacae ter sido realizada por uma magae-thérica, localizada, Purlante numategide indeciss entre a Furopere a Aiea: liclanda nto detxa de indicar que havert outras‘zonas de fronte: nino “velho continente comoa Russia, 04 Balas € até a Inglaterra, Seria dificil, porém, encontrar entre esses poves a mesma plastici- dace social de portuguls, puvy praticamente destimide de orgulho de raga ¢ fil mesticn antes de iniciar @ empreendimento colonial. A plaslicidade contribuiria até para uma postura de cert desleixo, jjue no detxaria de ser favoravel a-agio nos tropicns. Em contraste, “Lamonzier, “Raises dy Heil” in Revista aie Tirasll, ni 6, upp; “Sangin Rumrpae de Holanda, Ruizey ado Anesil, Ride Faneino, Liveacis basd Glyn Ti Tiina, 1998, fa, 48 Bernardo Ricupero a falta de plasticidade, como acorreria com o holandés, teria favore- cide o frecasso da sua tentative de colonivara Nordeste. For outro lado, apesar de considerar o portugués como plastica, Sérgio Buarque nao 6 vé como plenamiente adapiada ao ambiente americans, os brasileiros ainda em sma época sentindo-sc como desterredos em sua terri, Devido a sua adaptacin incempleta ao ambiente americano.2 principal caracteristica do pais estaria rela cionada 4 Peninsula Ibérica. ‘Como em outros poves coma mesma origem, seria particularmente forte no Brasil que o autor chama de cultura da personalidade. Nela, apareveria como crenca mais Tharcante “a sentimento da propria dignidade de cada homem"™? ‘Oposto ao privilégia, poderia até ser considerado come legitimg pionsira da mentalidade moderna. Tal atitude contribuiria, como também ja havin notado Gilberto Preyre, pare que a hieraryuia social fosse menus rigida entre os portugueses. Mas mesma tye estivesse disseminada por tada o powo, Sérgio Buargue considera que a cultura da personalidade € anies “uma élica de fidalgns, nay de -vildes"\" cada homem consideranda-se come superior an-outra e nio come acu igual. Ou, cm outras palavras, seria possivel perecher que valores asso-ciadns t aristocracta estariam’ espalhades por todo 0 pove portupads c brasileiro, FEsses traqus culturais contribuiriam, além do mais, para que entre og hispinicos ndo estivesse presente uma verdadeira dtica dy trabalho. © trabalho mecanico, cm particular, que visa objetas extemnes, se chocaria como personalismo desses povos, que imsis- litam no valor proprio de ciula individuo, Seria bem. considerado, “Beil, p44. Sele ligtes sobre as interpretgties diy Firasil 1y am contraste, ¢ trabalho intelectual, até como uma maneira, no caso brasileiro, de se marcar a diferenca em relacdo aoe esceaves. saber nfo seria, todavia, encerada como a ‘resultado de esfor- go; mas, de maneira aristcrilica, praticemente come uma didiva concedida # alguns pouces. No entante, a conscqiéncia mais forte da cultura da persona- lidade serie. tal come percedido, por exempla, por Alexis Tecauc- ville, na Nova Inglaterra, a extrema dificuldade de fazer vigurar o ansocialivismn, que exige solidariedade sackil, ae porque “em ler- ras onde tadus sio barjes mio € possivel acorde colctiva dunivel”) Na wendade, a solidariedade que porventars aparecesse teria muitd mais 0 sentide de favorecer-o sentimento do que io inleresse, fazen- do parte do ambite domeéstico ¢ nao do public. Avalorizaqio de cada homentem detrimenta dos outrus.oferc- ceria dinda uma outra opcao, extrema: a temincia & propria perso- nalidade em favor de unt ideal maior. $¢ entenderia, dessa maneiza, que, no taso dos hispinicos, as ditaduras ¢ 9 Santo Oficto lassem quase Liv Lomuns como a ananquia ca desordem. De acorde com lessé Souza, a tesc da “cultura da personalidade” comiibui pura que Sérgio Buangue de Holanda $eqa o Principal formulador de uma interpretagio de Brasil que-vé @ moderniza- civ do pais come “superficial, epiilérmica e “de fachada’?? Num sentido mais amplo, os temas centrais dessa verdadeina “sociologia da inautenticidade” seriam a heranca ibérica. o personalise © a Patrimomnialisiny, todos cles superidos por Holands. * [biat, “esed Sous, A modernizacto welvtiew, Brasiiia, datora dx Un, 2000, poe, Ne

Você também pode gostar