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Rir e fazer rir

– Alguns apontamentos teóricos


Francisco Secundo Silva Neto*

Resumo
Não há uma explicação única e, muito menos, uma que seja mais aceita do que
outra sobre o porquê do riso e do humor no ser humano. Rir e fazer rir são
fenômenos de natureza plural, o que ajuda a entender a multiplicidade de
estudos relativos a essas temáticas. Neste artigo proponho apontar algumas
teorias sobre o riso e o humor e procuro enfatizar que tais fenômenos são
fortemente condicionados pela cultura de cada grupo e organização social.
Palavras-chave: Riso; humor; teorias; cultura.

Abstract
There is not just one explanation about why the human being laughs and how
he deals with this ability to the humor. Laughing is a natural plural
phenomenon with many different points of view and studies about it. In this
article I mention some theories and emphasize that laughter and humor depend
on the cultural circumstance of every single social group and society.
Key words: laughter; humour; theories; culture.

*
FRANCISCO SECUNDO SILVA NETO é Bacharel em Ciências Sociais (UECE), Mestre
em Sociologia (UFC) e integrante do LABGRAÇA – Laboratório de Estudos do Humor e do Riso ligado
ao curso de Comunicação Social da UNIFOR.

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Favela não é hotel desenvolvida pelo médico grego
vida não é novela, Hipócrates (460 - 377 a.C.),
qual é a graça desgraça
que há no riso do banguela
determinado “temperamento sangüíneo”
Trecho da canção Banguela de Zeca provocaria o riso, e este seria
Baleiro, cantor e compositor estimulado na relação entre o baço e o
diafragma.
Há um romance anônimo do início do
século I d.C., intitulado Romance de
Hipócrates, composto de cartas,
possivelmente apócrifas, que seriam do
dito médico grego, no qual (diz uma das
cartas) este vai a Abdera – antiga cidade
grega na costa da região da Trácia, no
leste europeu – para examinar o filósofo
Demócrito (460 - 370 a.C.), que,
segundo os habitantes do lugar, teria
ficado “louco”, uma vez que ria de tudo.
LabGraça - http://labgraca.blogspot.com Hipócrates encontra o filósofo sentado
debaixo de uma árvore, com um livro na
O que faz rir? Do quê se ri? Do
mão e rodeado de pássaros dissecados;
infortúnio do outro e do nosso? Afinal,
Demócrito explicou que estava tentando
o que é o riso? O termo vem do latim
encontrar a localização anatômica da
risus e a Gelotologia – ciência que
bílis negra, pois o desequilíbrio deste
estuda o riso nos seus aspectos
fluído corpóreo (humor) em relação aos
fisiológicos e psicológicos – o
outros provocaria a melancolia e a
compreende como uma expressão
loucura; e enquanto não conseguia
sonora que provoca uma contração
encontrar uma cura para tais
involuntária dos músculos faciais e tem
enfermidades, ria sem cessar como um
a finalidade de comunicar algum
remédio para não ficar louco ou
sentimento humano. A Etologia – uma
melancólico. Mas, para os habitantes de
ramificação da Zoologia que estuda o
Abdera, ao contrário, o riso excessivo
comportamento animal de uma
de Demócrito era sinal de sua demência
perspectiva evolutiva –, por sua vez,
(MINOIS, 2003; ROUANET, 2007).
aponta que o riso, nos primeiros
hominídeos, começava a partir de uma O humor no sentido de “disposição ou
exibição agressiva dos dentes. estado de espírito”, segundo Urbano
Aristóteles (384 - 322 a.C.), o filósofo Zilles (2003), surge na Inglaterra, por
grego, em uma de suas obras intitulada
Das Partes dos Animais, já vaticinava:
bílis amarela e bílis negra, procedentes,
“o homem é o único animal que ri”.
respectivamente, do coração, cérebro, fígado e
A palavra humor, também de origem baço. Cada um destes humores teria diferentes
latina, humor ou humore, significava qualidades: o sangue seria quente e úmido; a
fleuma, fria e úmida; a bílis amarela, quente e
líquido ou substância orgânica líquida. seca; e a bílis negra, fria e seca. Segundo o
De acordo com a “teoria dos humores”1, predomínio natural de um destes humores na
constituição dos indivíduos, haveria quatro tipos
1
A antiga Teoria Humoral Hipocrática ou a fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o
Teoria dos Quatro Humores dizia, de modo bilioso ou colérico e o melancólico. Cf. em:
geral, que uma vida saudável seria mantida pelo http://www.pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_dos_H
equilíbrio entre quatro humores: sangue, fleuma, umores. Acesso em 10/07/2010.

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volta do século XVI, com a palavra no Renascimento, não poderia, assim,
humour. Para esse autor, a Inglaterra é ser provocada por esse tipo de humor.
considerada a pátria do humor “porque Bakhtin (1999, p. 63), na obra citada,
os ingleses cultivam o jogo do afirma que na Europa medieval o riso
permanente equilíbrio entre “estava relegado para fora de todas as
excentricidade e bom senso, esferas oficiais da ideologia e de todas
compromisso e revolta, sorriso e as formas oficiais, rigorosas, da vida e
amargura” (ZILLES, 2003, p. 84). Tal do comércio humano”. No entanto, de
english humour é similar ao que, acordo com ele, essa seriedade
séculos antes e em contextos sócio- defendida pela Igreja oficial carregava a
históricos diferentes, Aristóteles necessidade de legalizar, fora dos
chamou de eutrapeloi (“pessoas cultos, dos ritos e cerimoniais
alegres” ou de “espírito refinado”) e canônicos, a alegria, o riso e a burla que
Cícero (106 - 43 a.C.), filósofo romano, deles haviam sido excluídos; segundo
chamou de urbanitas (“a serena Bakhtin, “isso deu origem a formas
presença de espírito”). puramente cômicas, ao lado das formas
Tristão de Alencar Araripe Júnior canônicas”.
(1848-1911), escritor e crítico literário, Para o referido autor, no medievo
em um artigo sobre Machado de Assis europeu, simultânea a uma “cultura
(1839-1908), publicado em 1895 na oficial”, uma “cultura cômica popular”
Revista Brasileira do Rio de Janeiro, encontrava nas festividades periódicas
comentava sobre o humor nas obras um tempo de fecundidade e de
machadianas e corroborava com uma superabundância onde o “baixo”
tese do historiador francês Hippolyte A. material e corporal do corpo humano
Taine (1828-1893), a qual restringia aos era mote para as brincadeiras e para um
anglo-germânicos e às populações riso solto e impudico, o qual não podia
nórdicas, “a geografia física e humana se exprimir nos cultos oficiais e
do humour”. Na interpretação de ordinários. Não havia aí, entretanto,
Araripe Júnior, o humor praticado fora uma intenção de contestação à Igreja e
desse ambiente seria “o caminhar aos seus ritos e símbolos.
inexorável para a loucura” (apud
MONTENEGRO, 1975). Na chamada “festa dos loucos”, que era
celebrada periodicamente em algumas
Este “humour inglês” é o “humor partes da Europa, estudantes e clérigos
refinado”, “equilibrado”, do “dito se entregavam à glutonaria e à
espirituoso” (provável tradução do embriaguez, dentro das igrejas, mas, diz
francês, mot d’esprit), sem grosserias, Bakhtin (1999, p. 64), “o riso não era de
apesar de explorar, como aponta Zilles maneira alguma abstrato, reduzido a
(2003), o absurdo e o nonsense, e o qual uma burla puramente denegridora do
provoca um riso contido, um sorriso – rito e da hierarquia religiosa”. Ainda,
do latim subrisus, que significa “riso no conforme o autor, aquele riso
interior de si mesmo”, “às escondidas” desregrado, próprio do carnaval, era a
(MINOIS, 2003). Uma risada solta, “segunda natureza” do homem que ria,
desenfreada, escarnecedora e impudica, seu “baixo” material e corporal, que
como a da “praça pública medieval” não podia se exprimir nos cultos oficias;
descrita pelo historiador e lingüista era um riso universal, pois atingia tudo
russo Mikhail Bakhtin (1999), em sua e a todos; ali o mundo inteiro parecia
obra Cultura Popular na Idade Média e

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cômico e era percebido e conhecido sob aplicada sobre a mobilidade da vida” é a
seu aspecto risível. fonte da comicidade.
Segundo indicam Jan Bremmer e A distração é risível, de acordo com
Herman Roodenburg (2000), por volta Bergson, pois conota aquilo que foge a
do século XVII, na Inglaterra e em “normalidade flexível da vida”.
outras partes da Europa se iniciou a Exemplo: um homem que, correndo,
separação entre um “humor polido” e tropeça e cai e os outros riem. Bergson
um “humor popular”. Esta separação explica tal acontecimento, em linhas
fazia parte de um movimento mais gerais, da seguinte maneira: o homem
amplo de mudança de atitudes, hábitos e estava distraído, não atentou para o
comportamentos que Nobert Elias curso que seguia, e mecanicamente seu
(1993, 1994) chamou de “processo corpo prosseguiu vindo a cair; por outro
civilizador”, e o qual pode ser traduzido lado, se estivesse atento para a
como um gradual “movimento europeu “continuidade variada” do caminho que
de autocontrole” (BURKE, 2000). seguia teria se precavido e evitado a
Naquele contexto sócio-histórico, o rir e queda; ou seja, teria sido “flexível”
as maneiras de fazer rir do “populacho” como a vida exige que todos sejam;
não seriam mais permitidos no meio de como não foi, o riso foi o castigo de sua
pessoas ditas “refinadas” ou desatenção. Conforme o filósofo
“civilizadas”. francês, os outros que viram a queda do
homem riram da sua rigidez, da sua
O filósofo francês Henri-Louis Bergson,
falta de flexibilidade – “O que há de
em 1899, publicou a obra O Riso. Ele
risível […] é certa rigidez mecânica
propôs estudar o riso especialmente
quando seria de se esperar a
provocado pela comicidade e advertiu
maleabilidade e a flexibilidade vívida
que não pretendia “encerrar a invenção
de uma pessoa” (BERGSON, op. cit., p.
cômica numa definição”. Bergson
8, grifos do autor).
(2001) indica três observações as quais
considera fundamentais: 1ª “Não há Sigmund Freud – “o pai da Psicanálise”
comicidade fora daquilo que é –, em 1905, publicou Os chistes e sua
propriamente humano”; 2ª A relação com o inconsciente, no qual
comicidade “se dirige a inteligência demonstrou, em linhas gerais, que o
pura”: ela é insensível, indiferente, “o fazer rir também permite entrever os
maior inimigo do riso é a emoção” escondidos domínios da mente humana.
(afeição, piedade); e 3ª “Nosso riso é Nos chistes, assim como nos sonhos, diz
sempre o riso de um grupo”: o riso é um Freud (1987), “somos confrontados pelo
fenômeno social; ele esconde uma mesmo processo psíquico”; ou seja, por
segunda intenção de entendimento com “processos de condensação” e de
outros ridentes, reais ou imaginários. “deslocamento” que são os meios de
expressão das pulsões represadas no
A comicidade, segundo Bergson (2001,
inconsciente.
p.15), “provém de certa rigidez do
corpo, do espírito e do caráter que a Na referida obra, em um primeiro
sociedade gostaria ainda de eliminar momento, Freud discute algumas
para obter de seus membros maior técnicas dos chistes (condensação,
elasticidade e a mais elevada duplo sentido, deslocamento,
sociabilidade possíveis. A comicidade é representações transpostas) que dizem
a rigidez e o riso é o seu castigo”. Para respeito à “produção do efeito cômico”.
esse filósofo, “o mecânico ou a rigidez Depois, ele se dedica a compreender os

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“propósitos dos chistes” e distingue dois esta produção de prazer corresponde à
tipos: os inocentes e os tendenciosos. despesa psíquica que é economizada.
No primeiro caso, “o chiste é um fim
Em um curto texto intitulado Humor,
em si mesmo, não servindo a um objeto
publicado em 1928, Freud retomou o
particular” e o “efeito cômico” é
tema e afirmou: o humor não é
encontrado nas próprias técnicas de
resignado, mas rebelde. Significa o
construção do chiste (FREUD, 1987, p.
triunfo do eu e do princípio do prazer
50); já os chistes tendenciosos servem a
“contra a crueldade das circunstâncias
um fim e se classificam em “chiste
reais” (FREUD, s/d, p. 191). Mais uma
hostil (servindo ao propósito de
vez, Freud defende a idéia de uma
agressividade, sátira ou defesa) e chiste
“economia psíquica” e indica que o
obsceno (servindo ao propósito de
humor proporciona uma poupança no
desnudamento)” (grifos do autor). Após
“gasto de sentimento”; para ele, “a
alguns exemplos demonstrativos (me
essência do humor é poupar afetos”
perdoem o chiste), Freud explica:
(FREUD, s/d, p. 190). De outro modo, o
Aqui finalmente compreendemos o humor tem algo de liberador, assim
que é que os chistes executam a como os chistes, mas possui, o que falta
serviço de seu propósito. Tornam nestes, “qualquer coisa de grandeza e
possível a satisfação de um instinto elevação”.
(seja libidinoso ou hostil) face a um
obstáculo. Evitam esse obstáculo e Grosso modo, o humor seria o triunfo
assim extraem prazer de uma fonte do eu sobre o supereu, do indivíduo
que o obstáculo tornara inacessível contra a sua sociedade que,
(FREUD, op. cit., p. 56). eventualmente, o reprime. Oswaldo
O “obstáculo” ao qual Freud se refere Moraes (1974) não discorda de Freud e
está ligado à “repressão dos impulsos”; aponta que há, verdadeiramente, uma
impulsos que foram reprimidos, aponta “função libertária, renovadora, anti-
o autor, pela “civilização e a educação repressiva” do riso e do humor, mas,
de nível mais alto” – “A atividade segundo ele, isso é “apenas um lado da
repressiva da civilização faz com que as verdade”. Para esse autor, o rir e o fazer
possibilidades primárias de fruição, rir também significam “repressão,
agora repudiadas pela censura, se conservadorismo e crueldade, às vezes
percam” (FREUD, 1987, p. 57). E é no violenta”; ou seja, podem servir para
inconsciente que os “impulsos atacar os “desvios de norma” de um
primários” se encontram retidos. grupo ou sociedade. Diz ele: “Os
fenômenos cômico-humorísticos são,
Dessa maneira, os chistes de conteúdo portanto, a-éticos. O cômico é arma que
libidinoso ou agressivo servem como não olha a mão que dispara. É o
um canal de escape para certas forças advogado nem sempre escrupuloso de
instintivas que foram inibidas pela todas as causas, justas ou injustas. Pode
“civilização”. Na verdade, quando uma servir a quaisquer senhores”
pessoa conta chistes tendenciosos, (MORAES, 1974, p. 30, grifos do
segundo Freud, ocorre uma economia autor).
de “despesa psíquica” e obtém-se
prazer. Conforme a concepção Na Europa medieval, têm-se registros
freudiana, para erigir e manter uma de uma prática que era conhecida em
inibição se despende certa “energia alguns lugares como charivari, a qual
psíquica”; assim, supõe Freud (1987), consistia numa espécie de “ritual de
humilhação” para os que

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desrespeitavam a moral e as normas Para Gilles Lipovetsky (2005), o riso e
comunitárias. Tal “ritual” incluía gritos, o humor, nas sociedades ocidentais de
gargalhadas e, mesmo, lançamento de hoje, teriam sido banalizados. Em A Era
excrementos na moradia daquele do Vazio, Lipovetsky acredita que há no
considerado como desviante; em outros mundo contemporâneo uma dissolução
casos, fazia-se com que este sofresse entre o sério e o não-sério. Adepto de
castigos públicos como ser jogado na uma “leitura pós-moderna”, esse autor
lama ou cavalgar sentado de costas em diz que existe, atualmente, um
um asno. fenômeno inédito perceptível em todos
os níveis da vida diária: o código
Os motivos para sofrer tal zombaria
humorístico. Segundo ele, nos meios de
eram variados, dependendo da moral
comunicação (publicidade, desenhos
costumeira de cada lugar e época:
animados, quadrinhos) e na moda, o
moças que se casavam grávidas,
mulheres de “vida desregrada”, tom dominante é cômico; tudo toma
uma atmosfera cool, fun, descontraída,
adúlteras, maridos traídos ou os que
sem seriedade. Conforme a opinião de
apanhavam de suas esposas, enfim, tudo
Lipovetsky, na contemporaneidade, o
que fosse considerado reprovável pela
humor seria hiperbólico e abundante;
comunidade. No charivari tratava-se,
haveria, assim, uma sociedade
afirma Georges Minois (2003), de
humorística onde o riso teve um fim,
“sancionar um desvio” e o agente da
justamente por ele estar em toda parte.
sanção era o riso, um “riso zombeteiro,
Ele (o riso) dessubstanciou-se, seguindo
barulhento, agressivo” que servia para
uma “lógica generalizada de
corrigir o crime cometido contra a
inconsistência maior” própria da “pós-
“moral e os bons costumes” do grupo
modernidade”. E o humor, assim, em
ou da sociedade. Era na verdade um riso
excesso, não teria mais graça.
coletivo, intolerante e conservador que
punia, severamente, aquele que não Como pode ser notado até aqui, o riso e
observava as regras sociais de o humor são fenômenos humanos por
convivência. excelência e, sobre eles, não se dispõe
de uma explicação unívoca. Jan
Dessa maneira, se para Freud o humor
Bremmer e Herman Roodenburg (2000,
parece atender a um mecanismo
p. 16) afirmam que estudos como, por
psíquico de libertação do eu ou de
exemplo, os de Bergson e de Freud se
superação individual contra uma
empenham “em encontrar uma teoria
coletividade produtora de repressões; o
abrangente para o humor e o riso”; e
charivari medieval, por exemplo,
“uma falha comum a todas essas
indica, ao contrário, que ele pode servir
tentativas é o pressuposto tácito de que
ao propósito do coletivo contra o
existe algo como uma ontologia do
indivíduo; há, aí, uma repressão social
humor, que o humor e o riso são
ao desviante das normas do grupo ou da
transculturais e ahistóricos”. Conforme
sociedade; ou seja, rir pode contribuir
Bremmer e Roodenburg, tanto o riso
também para erigir e manter inibições.
como o humor são fenômenos
O riso e o humor, então, tanto podem
determinados pela cultura e é preciso
ser um recurso psíquico anti-repressivo
inseri-los em um dado contexto sócio-
e, assim, subversivo, como,
histórico para se poder entendê-los.
simultaneamente, meios de repressão
social bastante conservadores. Assim, é correto afirmar: pessoas de
culturas diferentes e, também, de

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posições sociais diferentes, riem de vai depender da maneira como se vê o
coisas diversas e por razões variadas. que não é inusitado e o que não é feio
Para o antropólogo Roque de Barros em um dado contexto social e histórico,
Laraia (2006), “todos os homens riem, sabendo-se, também neste caso, que os
mas o fazem de maneira diferente por critérios de definição de tais conceitos
motivos diversos”, e ele testemunha: não são absolutos. E, mais ainda, vai
A primeira vez que vimos um índio depender de eventuais associações que,
Kaapor rir foi um motivo de susto. em cada situação ou cenário, possam ser
A emissão sonora, profundamente feitas.
alta, assemelhava-se a imaginários Por fim, é possível dizer, o riso e o
gritos de guerra e a expressão facial
humor são inerentes ao ser humano, e
em nada se assemelhava com aquilo
que estávamos acostumados a ver.
fortemente condicionados pela cultura.
Tal fato se explica por que cada A diversidade de explicações sobre o
cultura tem um determinado padrão que faz o ser humano rir parece refletir,
para este fim (LARAIA, 2006, p. justamente, a diversidade cultural
69). humana, uma vez que este é,
seguramente, fenômeno comum a todas
Tratar o riso e o humor como
as sociedades.
fenômenos culturais significa perceber
que são particulares as razões pelas
quais os indivíduos riem nas diferentes Referências
sociedades. No estudo de fenômenos
BAKHTIN, Mikhail. Cultura Popular na
dessa natureza, não se deve buscar Idade Média e no Renascimento: o contexto
explicações acabadas, pois não existem. de François Rabelais. 4ª ed. São
Os olhares diferenciados (das ciências Paulo/Brasília: Hucitec/Edunb, 1999.
naturais, da sociologia, da psicologia, da BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a
filosofia, da história, etc.), lançados significação da comicidade. São Paulo:
sobre o rir e o fazer rir, a exemplo do Martins Fontes, 2001.
que ocorre na análise de outras BREMMER, Jan e ROODENBURG, Herman.
manifestações culturais, não se Introdução: humor e história In: ______. (Org.).
pretendem (cada um em si) absolutos, Uma história cultural do humor. Rio de
nos seus resultados. Ao contrário, Janeiro: Record, 2000.
podem ser complementares as diferentes BURKE, Peter. Fronteiras do cômico nos
interpretações formuladas. primórdios da Itália moderna In: BREMMER,
Jan e ROODENBURG, Herman (Org.). Uma
Pode-se argumentar, contudo, que há história cultural do humor. Rio de Janeiro:
certa constância nos motivos para se rir, Record, 2000.
mesmo sob a diversidade cultural. É ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador, vol.
plausível dizer que, em todos os tempos II – Formação do Estado e Civilização. Rio de
e lugares, o inusitado, o “anormal”, o Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.
esquisito, o feio, tudo o que pode chocar ______. O Processo Civilizador, vol. I – Uma
ou surpreender, enfim, tudo aquilo que história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge
possa quebrar algum ritmo corriqueiro Zahar Editor, 1994.
da vida pode se constituir como mote FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira
para despertar o riso. Mas, tudo isso vai das obras psicológicas completas de Sigmund
depender de certos parâmetros de Freud: Os chistes e sua relação com o
inconsciente. 2 ed. Volume VIII. Rio de
percepção que apenas a cultura de cada Janeiro: Imago Editora LDTA, 1987.
grupo ou sociedade pode dar; ou seja, o
que é inusitado ou feio, por exemplo,

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______. O Humor In: Edição Standard MONTENEGRO, Braga. A Ficção de Araripe
brasileira das obras psicológicas completas Júnior In: ARARIPE JR., Tristão de Alencar. O
de Sigmund Freud: O Futuro de uma Cajueiro de Fagundes (Episódio Cearense).
Civilização, O Mal-Estar na Civilização e Fortaleza: Editora Henriqueta Galeno/Secretaria
outros trabalhos. Volume XXI. Rio de Janeiro: de Cultura, Desporto e Promoção Social, 1975.
Imago Editora LTDA, s/d.
MORAES, Oswaldo Domingues de. Freud: dos
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um chistes ao cômico, Revista de Cultura Vozes,
conceito antropológico. 20ª ed. Rio de Janeiro: Ano 68, Volume LXVIII, nº 01, jan./fev., 1974.
Jorge Zahar Editor, 2006.
ROUANET, Sergio Paulo. Riso e Melancolia.
LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio. Ensaio São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
sobre o individualismo contemporâneo. São
ZILLES, Urbano. O significado do humor.
Paulo: Manole, 2005.
Revista FAMECOS, Porto Alegre-RS, nº 22,
MINOIS, Georges. História do Riso e do dec. 2009.
Escárnio. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

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