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A contextualização da teologia: conceitos, história,

tensões, métodos e possibilidades

Sidney de Moraes Sanches

Resumo
Este artigo tem por alvo descrever o fenômeno moderno da contextualização da
Teologia, abordando os seus conceitos, a sua história, as suas tensões, a sua
construção teórica e metodológica e as suas possibilidades para hoje. Apresenta as
várias perspectivas de diferentes teólogos e movimentos cristãos acerca deste
fenômeno, para permitir uma compreensão ampla, mas profunda. O resultado almejado
é justificar a contextualização da Teologia, sobretudo como tarefa de todo
teólogo/teóloga evangélico/a na América Latina neste século 21.

Palavras-chave: contexto; contextualização; teologia contextual; teologia ocidental;


terceiro mundo; América Latina.

Introdução
A Teologia contextual, ou teologia elaborada desde e para o contexto da igreja local,
tornou-se preocupação entre teólogos e teólogas a partir dos anos 60 (BRANDT,
1999). Desde essa época, o termo contexto se tornou crucial para distinguir traços
característicos do trabalho e do produto final do teólogo, no intuito de que este
representasse as características culturais, sociais, políticas, econômicas e religiosas do
lugar desde o qual e para o qual ele elaborava a sua reflexão teológica. A maneira
de avaliar uma teologia passou a ser em que medida ela representava legitimamente
o seu lugar.
Nesse período se percebe o interesse de parte dos evangélicos latino-americanos na
contextualização da Teologia. Os teólogos evangélicos na América Latina queriam uma
teologia contextual porque entendiam que esta era a maneira pela qual a Teologia
seria relevante para a igreja evangélica latino-americana e para a própria América
Latina. Carlos René Padilla (1978), um dos expoentes deste interesse, advogou, nos
anos 70, uma proposta de contextualização do Evangelho para a América Latina.
Pedro Savage (1985), nos anos 80, desenvolveu um programa para uma teologia
contextual evangélica para a América Latina. Neste início de século 21, Juan Stam
(2005) discutiu a questão da contextualização da Teologia na América Latina dos
nossos dias.


Doutor em Teologia. Professor do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix

Brandt aponta para dois congressos, independentes entre si, onde o termo contexto aparece como chave
da elaboração teológica: “Teologia em Contexto” no Canadá, em 1967; e “Teologia dogmática ou
contextual”, em Bossey, em 1971.

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Embora haja muitas Teologias contextuais, contudo, há pouco estudo sobre seus
conceitos, sua história, suas tensões, sua construção teórica e metodológica, suas
possibilidades para hoje. Este artigo procura refletir a pesquisa sobre o lugar e
importância do contexto como método para a Teologia, procurando conhecê-lo melhor.

Refinando os conceitos
A palavra portuguesa contexto, tem sua origem no Latim (FARIA, 1975, p. 245;
HOUAISS, 2001, p. 818). O verbo latino é contēxo ou contexēre; o advérbio contēxtē;
e o substantivo: contēxtus. O uso do verbo indica a ação de formar algo tecendo,
entrelaçando. Seu sentido é derivado de outro verbo texēre, tecer. Diferentemente
deste, a acepção de contexēre tem por objeto a obra concluída, na medida em que
ela representa as diversas partes reunidas ou tecidas e que contribuíram para o
resultado final, chamada tessitura, contextura, ou contexto.
O advérbio contextual ou contextualmente aponta para o encadeamento, a sequência,
a concatenação entre as partes tecidas. Observar o contextual ou contextualizar é
perceber o entrelaçamento ou a ligação entre as diversas partes do contexto, é
perceber como uma parte contribui para o sentido de outra parte, de modo que o
significado de qualquer uma delas sempre será contextual, isto é, remetido a todas as
demais partes (ABBAGNANO, 2000, p. 199,200).
O lugar do contexto é amplamente assegurado entre as Ciências da humanidade,
sobretudo, nas sociais, lingüísticas e literárias (MORA, 2000, I, p. 566). Nestas ciências,
o seu uso se dá, respectivamente, com a conotação de: 1. interrelação de
circunstâncias que acompanham um fato ou uma situação; 2. conjunto de palavras,
frases, ou o texto que precede ou segue a determinada palavra, frase ou texto, e que
contribuem para o seu significado; 3. o que constitui o texto no seu todo, a sua
contextura.
Na Lingüística (MUSSALIM, BENTES, 2001, 2, p. 47-68, 101-142), a palavra contexto
oferece seu uso mais exemplar. Esta ciência diferencia entre contexto lingüístico ou
intralingüístico: a estrutura lingüística na qual uma expressão é analisada até atingir
toda a língua; e contexto extralingüístico: o conjunto dos conhecimentos do falante e
do ouvinte sobre o que foi e está sendo dito, e sobre suas crenças e pressuposições
subjacentes ao enunciado em questão. A compreensão do enunciado tem a ver com a
aquisição de informações que o usuário de uma língua adquire a respeito dos usos
deste em seus diversos contextos: religioso, social, histórico, político, econômico, vital,
psicológico, fenomenológico etc. A depender do contexto será diferente o significado
do enunciado.
Estes dois ramos de estudos lingüísticos são apegados aos aspectos pragmáticos da
linguagem, e acabaram por desenvolver maneiras igualmente distintas de abordar o
contexto. A primeira, denominada Lingüística Pragmática, se dedica à análise da
influência do contexto na produção, estruturação e compreensão do enunciado em
uma dada língua, isto é, a sua compreensão requer um contexto linguístico. A
segunda, chamada Análise do Discurso, refere-se ao enunciado na medida em que
este faz sentido somente a partir da inserção de sujeitos em conversas que requerem
papéis sociais e conjunturas históricas. Estes usos na Lingüística geraram um campo
de estudos dentro do Pragmatismo filosófico, denominado contextualismo, que entende
o contexto como fundamental para a reflexão filosófica acerca de um conjunto de
eventos estreitamente relacionados entre si (ABBAGNANO, p. 199,200).
Esta primeira reflexão etimológica mostra que a contextualização da Teologia implica
em vê-la como discurso e linguagem teológica acerca de Deus que requer

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necessariamente um contexto para sua enunciação. Neste caso, temos primeiro, o
contexto lingüístico, uma estrutura gramatical, sintática, semântica e pragmática que
diz respeito à produção do texto teológico. Em segundo lugar, temos o contexto
histórico, o conjunto das características que configuram uma dada realidade social,
política, econômica, histórica, cultural na qual o texto teológico foi composto. Em
terceiro lugar, temos o contexto discursivo, que consiste no processo de comunicação
dos signos lingüísticos cujos significados são socialmente compartilhados e
reconhecíveis em um discurso comum relativo a uma audiência concreta em um
momento específico (CONTE, 2006).
Se apenas nos fiássemos nos sentidos do termo contextualização, diríamos que toda
Teologia é contextual, isto é, produzida em um contexto e recebida em outro
contexto. Fundamental ao estudo de qualquer teologia, portanto, seria a análise dos
seus contextos de produção em um contexto e de recepção em outro. Para isto, seria
necessário perceber o processo de transmissão de um contexto para outro, o que
implicaria o conhecimento do papel da evangelização dentro dele. A seguir, avaliar a
superficialidade ou profundidade da penetração ou absorção desta teologia no
contexto que a recebeu, e os seus resultados, isto é, se toda teologia é contextual e
é recebida em um contexto, de que modo este se abriu e inseriu esta teologia em
seu contexto? Como um discurso teológico, que é parte de um contexto, se torna
parte, é entretecido em outro contexto, por vezes, inteiramente distinto daquele?
Usando a metáfora do tecido, seria o mesmo que dizer que o pedaço de uma colcha
foi encaixado, de algum modo, em outra colcha, fazendo-se parte dela ou não.
Contudo, este reconhecimento, ainda que evidente, não foi facilmente percebido até a
segunda metade do século passado.

Situando a história
A relevância do contexto para a reflexão teológica é recente e tem a ver com
significativas mudanças geopolíticas que ocorreram na ordem mundial das nações a
partir dos anos 50, reunidas ao redor da expressão Terceiro Mundo, ou mundo das
nações subdesenvolvidas (GIBELLINI, 1998, p. 447-485). Este foi um conceito
sociológico ocidental, criado pelo economista francês Albert Sauvy, nos anos 60. Ele
usou a expressão para identificar as ex-colônias européias na Ásia oriental e na
África, que alcançaram sua independência ao longo dos anos 50 a 70.
Sociologicamente, a expressão veio a designar

uma realidade vasta e complexa que compreende a América Latina, o Caribe,


a África, a Ásia e a Oceania meridional... apresenta uma realidade multiforme
no que diz respeito à situação econômica, ao projeto político e à expressão
cultural... feita de povos oprimidos e culturas desprezadas, que, no início dos
anos 70, ... passou a incluir também os trabalhadores imigrados e as minorias
marginalizadas” (GIBELLINI, p. 448).

O impacto dessas mudanças na Teologia existente no Terceiro Mundo deu-se a partir


de dois movimentos principais. Um deles foi o esforço do Conselho Mundial de Igrejas
- WCC para a continuidade da educação teológica nos antigos campos de missão do
Terceiro Mundo. Outro foi a fundação, por teólogos protestantes e católicos destas
regiões do mundo, da Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo -
EATWOT, a fim de produzir uma teologia autóctone, isto é, produzida nos contextos
destas regiões.

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Em seu segundo Congresso, em 1977, em Acra, Gana, a Declaração Final da EATWOT
menciona seu programa para a teologia africana:

A teologia africana deve ser uma teologia contextual, que corresponda ao


contexto da vida e da cultura em que vive o povo. [...] A contextualização
significa que a teologia deverá tratar da libertação de nosso povo da
“escravidão cultural”... Uma vez que a opressão não se encontra somente na
cultura, mas também nas estruturas políticas e econômicas e nos meios de
comunicação dominantes, a teologia africana deve ser também uma teologia
da libertação (GIBELLINI, p. 451).

Estes teólogos tinham em comum a percepção de que a Teologia produzida nos


contextos das igrejas missionárias não oferecia respostas para os problemas locais
enfrentados pelas novas igrejas que se consolidavam no Terceiro Mundo, e, pior, a
Teologia era ocidental, isto é, representava a dominação cultural ocidental da qual
estas nações desejam se libertar por inteiro (CONTE, p. 147).
Em Gana, 1950, a assembléia do WCC, refletiu sobre a urgente tarefa de colocar a
educação teológica no Terceiro Mundo a serviço do desenvolvimento de formas
autóctones de treinamento teológico e ministerial nos contextos particulares da Ásia,
África e América Latina. Para tal, foi constituído um Fundo de Educação Teológica –
TEF, vinculado à Comissão Mundial para a Evangelização e Missão – WCEM,
administrado por três mandatos consecutivos (BERGQUIST, 1973). Seu objetivo era
promover a educação teológica no Terceiro Mundo em apoio às igrejas locais em
meio às transformações sociais, políticas e econômicas em andamento.
No primeiro mandato (1958-1964) do TEF, o alvo era oferecer a alguns estudantes e
professores de instituições teológicas do Terceiro Mundo o padrão de excelência
acadêmica da educação teológica ocidental, a fim de elevar o conteúdo da sua
formação teológica das lideranças autóctones. As estruturas físicas de alguns
seminários teológicos existentes foram melhoradas, bibliotecas formadas, obras
teológicas clássicas traduzidas para a língua nacional, a pós-graduação foi estimulada
por meio de bolsas de estudos no Ocidente. Esperava-se que uma liderança melhor
formada intelectualmente fosse capaz de responder aos desafios que o Terceiro
Mundo impunha às jovens igrejas locais.
No segundo mandato (1965-1970), houve uma correção de rumos. O projeto foi
orientado para a capacitação das lideranças leigas autóctones em seu próprio
território de modo que elas mesmas assumissem a evangelização de suas nações,
reduzindo a dependência para com a educação teológica ocidental.
No terceiro Mandato (1971-1976), apareceu a primeira menção ao termo contextual
aplicado à educação teológica. Ele consta de uma carta-circular de Nikos A. Nissiotis,
Diretor do Instituto Ecumênico do Conselho Mundial de Igrejas - WCC, sobre a
realização da consulta: Teologia Dogmática ou Contextual, em 1971 (ELWELL, 1988).
Nesta carta, ele colocou a possibilidade de uma teologia contextual, também
denominada experimental, “que brota do cenário e pensamento históricos
contemporâneos, em contraste com as teologias sistemáticas ou dogmáticas, cujo
fundamento pode ser descoberto na tradição bíblica e nas declarações confessionais
baseadas no texto bíblico” (ELWELL, p. 346,347).
Antes de refletir a amarga discussão européia entre a teologia ortodoxa ou
conservadora e a liberal ou moderna, esta afirmação refletia a preocupação de que a
fidelidade das igrejas locais no Terceiro Mundo fosse para com a missão em seu
próprio contexto, em termos de: produção de uma formação ministerial orientada para

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o serviço à igreja local; educação voltada para as questões próprias dos contextos
das igrejas locais em vista da transformação daqueles; redução da dependência
financeira dos programas de educação teológica e das instituições teológicas dos
recursos externos ocidentais; autenticidade teológica caracterizada por um interesse
nos próprios problemas e necessidades da igreja local.
James Bergquist, um dos diretores-associados do TEF à época, afirmou que as
questões alistadas acima impuseram a “necessidade de buscar formas de expressão
teológica mais profundamente enraizadas na cultura local e a desenvolver estruturas
para a educação e ministério apropriadas às situações missiológicas concretas do
Terceiro Mundo” (BERGQUIST, p. 251). É a isto que pretendeu responder o termo
contextualização.
O Relatório Ministério no Contexto, de 1972, produzido pelo TEF para orientar a sua
nova plataforma, oficializou a noção de contextualização para substituir o conceito de
indigenização. Textualmente, o TEF entendia o termo como segue:

Ele (o termo contextualização) quer dizer tudo que está implícito no conceito
familiar “indigenização” e ainda busca ir além. Contextualização tem a ver com
a maneira como abordamos a peculiaridade dos contextos do Terceiro Mundo.
A indigenização tende a ser usada com o sentido de responder ao Evangelho
em termos das culturas tradicionais. Contextualização, enquanto não ignora
isto, leva em consideração o processo de secularização, tecnologia e a luta
por justiça humana, que caracteriza o atual momento histórico das nações do
Terceiro Mundo. É claro, portanto, que a contextualização é um processo
dinâmico, não estático. Ele reconhece a contínua natureza da mudança de
cada situação humana e da possibilidade de mudança, assim, de um caminho
sempre aberto para o futuro. A agenda da teologia contextual no Terceiro
Mundo tem prioridades próprias. Ela deve expressar sua autodeterminação por
optar desinibidamente por uma teologia da mudança, ou por reconhecer o
inconfundível significado teológico que questões como justiça, libertação,
diálogo com pessoas de outras crenças e ideologias, poder econômico, etc
impõe à teologia (KWAN, 2005).

Para realizar seus objetivos, o TEF buscou nas diversas nações do Terceiro Mundo
associações de seminários teológicos com as quais firmasse parcerias. No Brasil, este
papel coube à Associação de Seminários Teológicos Evangélicos – ASTE, fundada em
19 de dezembro de 1961, que congregava os principais seminários teológicos
evangélicos do Brasil à época (LONGUINI NETO, 1991).
A situação da educação teológica no Brasil era representativa do que acontecia em
outras partes do Terceiro Mundo. Tradicionalmente, a educação teológica no Brasil foi
direcionada para a formação de pastores, que não somente lideravam as igrejas como
também as instâncias eclesiásticas, as denominações, onde os destinos das igrejas
eram decididos. Estas lideranças serviam ao empreendimento missionário protestante
mundial de preparar pastores para as igrejas nos campos de missão, e, por isso
mesmo, sem a mínima reflexão sobre a vida e o ministério das igrejas em seu
contexto.
Nos anos 60, este modelo de empreendimento foi duramente criticado por líderes
evangélicos nacionais envolvidos na educação teológica. Para o Prof. Jaci Maraschin, a
educação teológica praticada nos seminários teológicos era sub-produto da educação

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teológica que se fazia em igrejas européias e norte-americanas, de caráter
exclusivamente acadêmico. Sua discordância considerava três fatos:

...os nossos seminários estavam no Brasil e não no Primeiro Mundo, e a Igreja


Brasileira deveria cuidar de seu problema, não os outros. ...a educação
teológica não é academicismo e sim crescimento vivencial na fé. O
crescimento vivencial acontece ligado com suas condições de vida. Em último
lugar,...o processo educacional deve dar-se no meio dos próprios embates e
problemas do mundo (LONGUINI NETO, p. 63).

Outro líder da época, Rubem Alves, queixou-se que a educação teológica tradicional
padecia de dois problemas limitantes: vinculava-se exclusivamente ao contexto da
Igreja e em função da sua edificação, expansão e reforma. Para ele, a educação
teológica deveria se abrir para considerar as exigências da realidade secular a fim de
relacionar-se com ela e gerar uma consciência que só poderia ser criada no contexto
de profundo envolvimento no mundo secular, com suas dores e esperanças. Nesse
contexto a educação teológica poderia se tornar uma “prática de liberdade” (ALVES,
1970).
Outro desses líderes, Aharon Sapsezian, secretário-geral da ASTE à época (SAPSEZIAN,
1970), afirmou que os frutos do investimento de décadas das missões protestantes na
educação teológica no Brasil não produziram resultados favoráveis em termos da
formação de um ministério caboclo, mas na formação de uma elite teológica sem
ligação com as questões da terra. A prova era a falta de formação de um
pensamento teológico sólido, criativo e contextual no Brasil.
As iniciativas institucionais do WCC, somadas aos esforços pessoais de teólogos do
Terceiro Mundo, resultou em Teologias contextuais que foram protagonistas em seus
contextos, ultrapassando-os inclusive, como a Teologia da Libertação, na América
Latina; a teologia negra na África do Sul; a teologia negra e a teologia feminista nos
Estados Unidos; as teologias da cultura e a teologia do diálogo religioso, na Ásia.
Semelhantemente, foi estimulada a introdução de métodos pedagógicos contextuais
inovadores, sobretudo centrados no projeto da educação libertadora de Paulo Freire. A
formação teológica foi direcionada para toda a igreja, incluindo os leigos como
igualmente qualificados para recebê-la juntamente com os candidatos ao ministério
pastoral ordenado. Foi introduzida e desenvolvida a extensão da educação teológica
aos lugares onde se encontravam os candidatos à formação teológica.
Contudo, estas teologias contextuais eram produzidas em conjunto com movimentos
sociais e políticos de vanguarda, deixando para trás as igrejas nacionais e suas
necessidades próprias. Desse modo, não foi incomum que esta produção teológica se
tornasse elitizada, distante das preocupações ministeriais e práticas das igrejas locais,
nada tendo a lhes dizer na medida em que assumia a sociedade secular como o seu
contexto. Uma dicotomia, um rompimento, um afastamento aconteceu entre estas
teologias contextuais e as igrejas nacionais, de modo que estas não se sentiam
contextualmente representadas e teologicamente desafiadas por seus contextos. Para
elas, o contexto das Teologias contextuais não era o seu contexto.
Uma explicação para isto se encontra em um fenômeno que era ignorado, tanto nos
meios institucionais do WCC quanto entre os teólogos do Terceiro Mundo. Em toda
parte, lideranças nacionais se separavam das igrejas fundadas pelas missões
ocidentais e constituíam novos agrupamentos de igrejas, para as quais estabeleciam
uma educação teológica própria por meio dos institutos bíblicos e seminários

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teológicos. Simultaneamente, novas agências de missão, sobretudo norte-americanas,
as missões de fé, chegavam a todo o mundo com programas teológicos de
treinamento evangelístico e missionário para os membros e líderes das igrejas
nacionais. Por fim, o Pentecostalismo trazia à teologia o desafio de responder à
profunda experiência com o Espírito Santo desde a qual se orientaria a nova
percepção das igrejas nacionais para com o seu contexto.
A formação teológica, doutrinária e pentecostal, era de cunho evangelístico e
ministerial, oferecida por meio de institutos bíblicos, seminários teológicos, e
programas diversos que atingiam o objetivo imediato de abastecer minimamente as
novas igrejas nos territórios nacionais. Diferentemente da maneira tradicional, estas
iniciativas mantinham os alunos e professores próximos de suas igrejas de origem e
habitação, utilizavam horários alternativos e flexíveis, eliminavam os internatos,
enfatizavam a prática ministerial antes que o conteúdo intelectual, se apoiando na
experiência para a produção teológica. Estas medidas favoreciam o contato direto com
o contexto em que as igrejas atuavam, e o resultado era uma atuação muito mais
próxima e pertinente ao contexto das novas igrejas.
Por outro lado, isto não significou mudanças na Teologia. Contraditoriamente, desse
processo não surgiram teologias contextuais. As igrejas que se separaram das missões
ocidentais continuaram reproduzindo a teologia recebida pela evangelização. As
missões de fé se limitaram à reprodução de conteúdo teológico já previamente
elaborado nos países de origem e suficiente à evangelização nos países às quais se
destinavam. O Pentecostalismo se limitou à experiência com o Espírito Santo,
ignorando qualquer reflexão mais próxima e pertinente ao seu novo contexto. A
teologia prosseguiu especulativa, abstrata, doutrinária e pouco significativa para o
contexto das igrejas.
Estes fenômenos, ao final do século passado, produziram uma situação no mínimo
curiosa. As Teologias que se assumiam contextuais, pouco tinham a dizer às novas
igrejas nascidas no contexto. As novas igrejas nascidas no contexto, ainda que
quisessem, não sabiam como refletir teologicamente desde seu contexto. A
incompreensão se tornou total, marca característica das teologias contextuais do final
de século.
Em resumo, a contextualização da Teologia no Terceiro Mundo envolveu uma iniciativa
externa: os órgãos protestantes ecumênicos ligados ao Conselho Mundial de Igrejas, e
uma iniciativa interna: a atividade de teólogos ecumênicos oriundos das igrejas
protestantes com um compromisso para com o seu contexto. Estas iniciativas não
conseguiram se estender para além destes círculos ecumênicos, fora dos quais se
gestaram novas igrejas nacionais, evangelizadoras de seus contextos e interessadas na
formação de seus líderes e membros para essa tarefa e da manutenção das novas
igrejas. Esta tensão ficou evidente ao longo dos anos, cristalizando-se em dois tipos
de igrejas evangélicas nos territórios nacionais: uma ecumênica, oriunda nas missões
protestantes, supostamente produtora de teologias contextuais; e outra, conservadora,
também originada nas missões protestantes ou em iniciativas nacionais, cujas teologias
e programas de educação teológica não podem ser apropriadamente chamadas
contextuais.

Identificando as tensões
O objetivo de uma teologia contextual é fazer teologia para e a partir do povo
(BRANDT, p. 167). Afinal, é em busca de relevância e eficácia para o povo que a

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tarefa se justifica. Desse modo, povo e contexto se definem e se condicionam
mutuamente. A perspectiva favorece a imagem das grandes massas de pessoas pobres
e incultas, por vezes chamadas pobres, oprimidos, explorados, marginalizados, privados
de seus direitos, sofredores, vítimas das nações empobrecidas.
No século passado, o contexto de povo era definido em termos da situação sócio-
econômica, como no caso das Teologias da libertação, latino-americana e negra
norte-americana. Mas, também poderia ser a situação cultural, como no caso das
Teologias da cultura ou da religião, asiáticas, ou negra sul-africana (KWAN, p.
238,239).
Por vezes a situação sócio-ecomômica concorre juntamente com a cultural e a
política, isto é, os pobres e marginalizados também tem a sua cultura marginalizada e
até perseguida. Para Robert Bryant (BRYANT, 1975), esta era a situação coma
população negra na África do Sul, onde a situação cultural e a sócio-econômica
mantiveram-se inextricavelmente vinculadas. Ele demonstrou que a teologia contextual
negra também deveria ser cultural e política, na medida em que refletia a opressão da
minoria branca. Percebe-se que os teólogos contextuais não se entendem sobre qual
definição ideal de povo é o ponto de partida para a formulação de uma teologia
contextual.
Outra fonte de tensões existe no processo de elaborar a Teologia contextual desde
dentro de uma igreja local. Conforme Robert Schreiter (SCHREITER, 1985), se ela é
iniciadora e autenticadora de qualquer teologia contextual, seria preciso delimitar,
dentro dela, o lugar e papel do teólogo junto com o lugar e papel dos comunicadores
tradicionais locais, e o nível de autonomia da igreja local para julgar toda a Teologia
produzida em e para o seu contexto.
Mais uma fonte de tensão é quanto ao produto final: a teologia contextualizada.
Trata-se de como inseri-la na reflexão teológica de uma Igreja universal, preocupação
de David Bosch (BOSCH, p. 503-516). Para ele, corre-se o risco de, ao vincular a ação
de Deus no mundo a processos históricos e sociais localizados, universalizar o
contexto local e impor os seus resultados aos demais contextos.
Esta dificuldade é expressa de outro modo no âmbito da Igreja Ortodoxa cristã, em
termos de relacionar a universalidade da Igreja e a localidade das teologias
contextuais. Para Emmanuel Clapsis (CLAPSIS, 1993), a ênfase na teologia contextual
se trata de uma impropriedade. A experiência cristã ortodoxa demonstra que a
teologia sempre retirou de seu próprio ambiente os seus métodos, objetivos, linguagem
e meios de comunicação e, por isso mesmo, toda teologia é relativa ao seu próprio
contexto. O termo contextualização deveria apenas justificar a teologia produzida
desde situações históricas locais bem definidas em contextos não-ocidentais, sem
esvaziar o espaço ocupado pela Teologia cristã universal.
A tensão também existe no âmbito das missões cristãs, sobretudo na discussão
terminológica. As missões católicas usam o termo inculturação, enquanto que as
protestantes preferem contextualização. Entre as missões católicas, este termo ainda
rivaliza com outros, como assimilação, adaptação e enculturação. Entre as missões
protestantes, sobretudo os evangelicais, adotam termos como: transcultural,
intercultural, intracultural. A constituição fortemente hierárquica do Catolicismo impôs


Segundo Bryant, as expressões orais e escritas da “Teologia Negra” que tem aparecido nos anos recentes
tanto nos Estados Unidos quanto na África do Sul são importantes exemplos de esforços de indivíduos e
grupos negros para interpretar os motivos bíblicos e cristãos no contexto de sua própria experiência
africana ou afro-americana.

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uma série de condições limitadoras ao movimento de contextualização em seu interior,
limitando-os aos aspectos culturais nos territórios de missão. Enquanto que, entre os
protestantes, a natureza descentralizada de suas organizações possibilitou desenvolver
o processo de forma bem mais ampla, aplicando-o também ao aspecto teológico nos
campos de missão.
Entre os Protestantes ocidentais, uma contínua fonte de tensão existe entre os
círculos evangelicais de missão que se distinguiram do Protestantismo ecumênico
ocidental e na resposta que deram ao movimento de contextualização. Os Evangelicais
conseguem relacionar a contextualização ao amplo movimento de recepção do
Evangelho em uma cultura específica. Os Ecumênicos relacionam a contextualização às
conseqüências sociais e políticas do Evangelho em uma cultura específica.
Desde essa perspectiva, os evangelicais se inclinaram a criticar o movimento de
contextualização desenvolvido no âmbito do WCC, enquanto se interessavam em
desenvolver seu próprio conceito e metodologia de contextualização. Para David
Hesselgrave, a contextualização, conforme assumida pelo WCC, significou a adoção da
agenda do mundo como agenda da igreja, a exegese bíblica foi substituída pela
prática da igreja no mundo, e a participação na tarefa missionária da igreja do Novo
Testamento foi substituída pela ação de Deus no mundo. Isto levou à supervalorização
das análises dos contextos culturais e sócio-políticos, com a conseqüente redução do
papel normativo da exegese gramático-histórica e dos credos cristãos para a produção
teológica nos contextos locais. Para Hesselgrave, os evangelicais conservadores
ofereceram uma alternativa de contextualização da Teologia à altura no Congresso de
Evangelização Mundial, em Lausanne (1972) e no Relatório de Willowbank (1974).
Bruce Nicholls (1983) resume a posição dos evangelicais em Lausanne quanto à
contextualização do Evangelho. A contextualização é uma exigência da era pós-colonial
e da existência de uma comunidade global na qual todas as culturas interagem e são
aprendidas. Há dois principais esquemas culturais existentes: a cultura, plano natural,
material e variável segundo o qual a sociedade se adapta ao seu ambiente social e
ideal; e a supracultura, plano sobrenatural, espiritual e invariável que envolve as
explicações que a sociedade emprega para dar sentido e justificativa à sua existência.
Para o plano da cultura, cabe falar de adaptação cultural. Para o plano da
supracultura, cabe falar de contextualização.
Segundo a avaliação de Charles Van Engen (1996), o interesse evangelical se concenta
em testar um novo paradigma de contextualização que informe o conteúdo e método
do anúncio do Evangelho no mundo de hoje. O projeto evangelical de
contextualização objetiva estabelecer a diferença entre Evangelho e cultura, atribuindo
ao Evangelho a condição de juiz das culturas humanas (HESSELGRAVE, ROMMEN,
1989).
São muitas as tensões na tarefa de produzir uma teologia contextual e alguns
exemplos dados são bastante sugestivos. Se a teologia contextual pretende falar desde
o contexto, povo não pode ser sinônimo deste, a não ser que assim seja
representado. Nesse caso, não pode ser limitado a uma parte do povo: o
marginalizado, pois a proximidade de povo e nação é óbvia. Então, é necessário
afirmar um critério específico para referir a qual contexto se pretende fazer a teologia,
o que não é algo simples de efetuar, pois implica em justificar a exclusão de outros
critérios igualmente válidos.
Se a teologia contextual pretende falar a partir da presença e missão da igreja no
meio do povo, sendo este o seu contexto. Então, é preciso verificar a relação entre a
igreja e o contexto desde uma autoanálise bastante crítica, inclusive da teologia já

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recebida. Cabe a esta, também, dizer quem serão aqueles a produzir a sua teologia.
Por fim, cabe-lhe dizer se a teologia produzida para ela está de acordo com a sua
maneira de perceber seu contexto. É clara a dificuldade que está colocada que se
expande ao ponto de ser necessário colocar esta teologia também sob a análise de
outras igrejas em relações que podem se estender de uma região até uma sede
universal. De fato, é assim que tem acontecido com as Teologias contextuais do
século passado.
A esse respeito, é um equívoco pensar que seja possível ser tão absolutamente
contextual que torne desnecessária produção de Teologia realizada em outros
contextos, mesmo os historicamente situados. Pense-se em como é possível elaborar
uma teologia contextual de Jesus Cristo, da salvação ou da igreja sem considerar as
teologias produzidas em outros contextos. A esse respeito, a teologia contextual
parece mais indicar para o que pode ser aproveitado, o que pode ser adaptado e o
que deve ser reelaborado a partir do contexto ao qual deseja comunicar-se.
Enfim, os estímulos advindos das tensões são muitos e somente concorrem para que
o movimento da contextualização na Teologia seja o que há de mais significativo nos
dias atuais, uma teologia da mudança que responderá por muito da criatividade e
atualidade da Teologia neste início de século 21.

Propondo teorias e metodologias


O movimento de contextualização na Teologia acentua a importância do contexto
como dimensão fundamental do método teológico, indicando que ao contexto compete
informar a reflexão do teólogo, levando-o a fazer teologia em e para um determinado
contexto. A discussão da teoria e método da contextualização, ou a resposta à
pergunta: “como contextualizar a Teologia?” acrescenta outra fonte de tensão, que por
sua importância, será tratada separadamente.

As teorias
De início é preciso uma teoria do contexto. Para Cervera Conte (p. 152-154), contexto
sugere quatro possibilidades: 1) as características comuns de um agrupamento
humano, como língua, geografia, história, que geram uma forma comum de viver a
vida, por exemplo, o contexto rural em oposição ao urbano; 2) as questões sociais,
econômicas, políticas não integradas ou contraditórias quanto à forma comum de viver
a vida, por exemplo, o contexto de mulheres ou de idosos; 3) cada etapa da vida e
seus sentidos adequados, como o contexto infantil ou adolescente; 4) a situação total
da existência humana, o contexto humano.
Delimitado o contexto, é preciso estabelecer o diálogo com ele. S. Wesley Ariarajah
definiu a Teologia contextual como uma teologia que dialoga desde e a partir de
diversos contextos (ARIARAJAH, 1977). Toda teologia nasce da experiência de fé e
compromisso com Jesus Cristo em uma realidade concreta na qual a igreja se
encontra no mundo.
Para Ariarajah, o diálogo entre ambos requer três condições: 1) nova postura para
com a teologia, na qual se adota um modelo narrativo que possibilita o diálogo com
as demais religiões e crenças; 2) novo entendimento das Escrituras cristãs, no qual se
abre mão da sua exclusividade que possibilita o diálogo com as tradições religiosas
orais e escritas de outras religiões; 3) novo entendimento da comunidade cristã, no

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qual se abandona a sua particularidade que possibilita o diálogo com a comunidade
humana total.
Para Miguez Bonino (1997), para que o diálogo ocorra é necessário o encontro entre
duas culturas, e o reconhecimento da igualdade de ambos os parceiros do diálogo.
Para que a igualdade seja possível é necessário, em primeiro lugar, que o teólogo
auxilie a igreja a prceber os próprios condicionamentos culturais de sua teologia, na
medida em que “elas mesmas são resultado de encontros anteriores, de condições
mutantes, de transculturações e inculturações, e que estão sendo constantemente
modificadas por esses mesmos fatores” (BONINO, p. 93). Em segundo lugar, deve-se
compreender a maneira como uma igreja local lida com a sua própria cultura,
vivendo-a e interpretando-a, com a cultura estrangeira do missionário, e como a sua
própria cultura tem mesclado ambas e até se modificado ao longo dos influxos e
dinâmica do tempo. Trata-se de perceber como texto e contexto, Escritura e tradição,
de um lado, e a cultura da comunidade, de outro, dialogam continuamente e se
influenciam mutuamente.
Essa atividade dialógica é, por natureza, hermenêutica, ao reparar o processo de
interpretação que acontece de um contexto para outro (PADILLA, p. 18). Esta exige a
rejeição pela igreja local da simples reprodução da teologia recebida de outro
contexto e o esforço para interpretar esta teologia em seu próprio contexto. Isto
implica em que a própria comunidade de crentes assuma a preeminência no processo
de interpretação, no qual perceberá que

cada cultura torna possível uma certa abordagem ao Evangelho que destaca
certos aspectos salientes que em outras culturas permanecem menos visíveis
ou até ocultas. Visto desta perspectiva, as mesmas diferenças culturais que
encobrem a comunicação intercultural podem servir para afirmar o
entendimento da pluralidade da sabedoria de Deus; eles servem como canais
de expressão de aspectos da verdade do Evangelho, aspectos que a teologia
ligada a uma cultura particular dificilmente consegue abranger (PADILLA, p. 6).

A atividade dialógica hermenêutica deve ser também crítica do próprio contexto. É o


que propõe o antropólogo Paul Hiebert (1999), em sua teoria da contextualização
crítica. Os contextos culturais são sistemas completos e complexos que as pessoas
utilizam para atender necessidades essenciais, inclusive crenças filosóficas e religiosas,
que dão condições de viver humanamente e também de responder às questões mais
profundas da vida. A contextualização crítica é efetuada quando a igreja local
investiga sua própria cultura e a avalia à luz das normas bíblicas.
Por fim, é preciso discutir o papel do teólogo junto à igreja local. Para Pedro Savage
(p. 54), o teólogo é alguém chamado por Deus para escutá-lo a partir das exigências
da vida diária e das experiências com Deus na vida da igreja local. Seu trabalho é
feito a serviço da igreja, por meio de uma atividade pedagógica, profética e
querigmática. Cabe-lhe falar à igreja e ao mundo a partir da vivência pastoral e
comunitária, em diálogo com o Espírito Santo, que o ilumina em suas idéias e
intuições. Ele faz isto comparando dois contextos: o contexto de hoje e aquele da
Bíblia, procurando discernir, por meio desta, a missão da igreja local ao seu contexto
atual.
Juan Stam (p. 127) acrescenta que, para esta tarefa, o teólogo não pode ter apenas
o domínio da dimensão bíblica e histórica da Teologia. Ele deve também dominar a

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problemática do seu próprio contexto, consciente tanto dos desafios filosóficos,
históricos, políticos, sociais e econômicos, quanto dos morais e éticos, e, sobretudo,
os culturais colocados pelas artes: pintura, escultura, cinema, dança e música, poesia,
novela, etc. Isto implica na inclusão das Ciências Humanas como parceiras em sua
atividade interpretativa do próprio contexto.
Em resumo, a teoria da contextualização da Teologia exposta acima, se apóia no
seguinte tripé: o contexto – a igreja local – o teólogo. O contexto requer um texto: a
Bíblia e a tradição teológica conforme recebida de outro contexto através da
evangelização. Este texto requer a interpretação por parte da igreja local a partir do
seu próprio contexto. Esta interpretação exige uma atitude crítica dirigida tanto ao
contexto de origem quanto ao próprio contexto da igreja local. Duas instâncias críticas
se impõem nesta atividade: a Bíblia e o senso de missão da igreja local para com seu
contexto. O papel do teólogo é apontar, para a igreja local a necessidade de realizar
esta atividade hermenêutica; orientá-la pastoralmente na maneira de fazê-la; e auxiliá-
la na avaliação e juízo dos seus resultados em termos da obediência às Escrituras
quanto ao cumprimento de sua missão no próprio contexto. Para realizar esse
trabalho, não basta ao teólogo ampla formação bíblica e histórico-teológica, mas,
também sólida formação pastoral e comunitária, isto é, envolvimento com a igreja
local, e uma profunda formação cultural, isto é, conhecimento do seu próprio
contexto.

As metodologias
Uma teoria da contextualização requer uma prática para aplicá-la. Neste aspecto, a
variedade é imensa, e cedo foi sentida a necessidade de classificá-las e agrupá-las
em modelos (BEVANS, p. 187). Usando-os acriticamente, corre-se o risco de imaginar
que a atividade de contextualização é mecânica, bastando simples aplicação de
modelos. Desconhece-se que ela é muito mais dinâmica e existencial, pois acontece
em todo o tempo em que uma igreja local interage com seu próprio contexto toda
vez que se dirige a ele em missão. Por outro lado, os modelos não são apenas
métodos para realizar a contextualização da Teologia, mas envolvem princípios e
interesses que estão por trás do empreendimento, mostrando como a atividade
acontece e permitindo a análise e avaliação dos procedimentos.
Normalmente, os modelos funcionam a partir de dois pólos: o pólo do texto, que varia
entre as Escrituras, a tradição e a mensagem cristã, e o pólo do contexto, comumente
definido como a cultura local. A distribuição dos modelos se dá conforme a
predominância da abordagem de um pólo sobre o outro. Um dos esforços mais
antigos de selecionar e ordenar as práticas em modelos coube a Stephen Bevans, nos
anos 80.
Ele demonstrou como certa prática de contextualização se concentra no texto,
procurando reproduzí-lo no contexto, como os modelos de tradução. Estes buscam a
correspondência entre os elementos culturais do texto com elementos culturais,
sociais, simbólicos e imaginários locais. Sua atividade consiste em dois passos
(SCHREITER, p. 6-16): libertar a mensagem cristã dos seus acréscimos culturais e
traduzi-la no novo contexto cultural. Schreiter os avalia muito úteis para as questões
pastorais, como a liturgia, a catequese, a tradução da Bíblia, de textos e de termos
teológicos.
Outras práticas de contextualização se concentram no contexto, procurando adaptar o
texto ao mesmo, como os modelos antropológicos, que buscam a substituição dos

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elementos culturais do texto pelos elementos culturais, sociais, simbólicos e
imaginários locais. Conforme Schreiter, essa atividade consiste na adaptação dos
sistemas teológicos ocidentais a algum sistema compreensivo local. Uma forma mais
sutil consiste em permitir que, ao longo do tempo, formas contextuais locais
modifiquem e substituam os sistemas teológicos estrangeiros.
Outras práticas de contextualização se concentram no contexto, procurando
transformar o contexto por meio do texto, como os modelos da práxis, que buscam
pelos elementos de mudança do texto que possibilitem a transformação das condições
sociais, políticas e econômicas locais. De acordo com Schreiter, a atividade consiste
em efetuar a reflexão desde e a partir do contexto no qual se insere a igreja local.
Existem dois tipos de modelos em função de qual conjunto de fatores são
considerados determinantes para o contexto. Um deles objetiva as mudanças culturais
às quais as pessoas estão sujeitas por meio de alterações significativas em seu
contexto. Outro tem por alvo as mudanças sociais e econômicas que sujeitam as
pessoas a condições de pobreza e desumanização em função das alterações em
andamento. O primeiro tipo se concentra em questões de identidade e continuidade
cultural. O segundo se concentra em questões de mudança e descontinuidade social.
Isoladamente, ambos os tipos possuem fraquezas que são superadas com a união dos
dois em um único modelo de contextualização.
Para Bevans, ainda que ele não inclua a mudança cultural como um modelo de práxis,
ambos os modelos de tradução e de adaptação são insuficientes para dar conta da
prática da contextualização, por entender que a relação texto-contexto é complexa e
plural o bastante para ser alcançada por um somente dos modelos acima. Sua
proposta final de um modelo de síntese sugere a inclusão dos modelos de tradução e
de adaptação em um modelo de práxis objetivando a transformação do contexto.
Para Schreiter, a fraqueza dos modelos de tradução está no fato de que eles podem
impor o texto sobre o contexto, transpondo os seus traços culturais superficiais para
a situação local, sem tocar no conteúdo, pois assumem que há um núcleo
supracultural na Revelação bíblica que é a-temporal e, portanto, transferível para
qualquer cultura. Quanto aos modelos antropológicos, Schreiter entende que eles são
apenas parcialmente contextuais, pois correm o risco de forçar o sistema teológico
ocidental à situação local, ou de alterar o sistema teológico ocidental conforme a
situação local, correndo o risco deste processo jamais se consolidar realmente, não
se realizando a tarefa de contextualização. Quanto aos modelos de práxis, ele os
julga como as verdadeiras práticas de contextualização, pois envolve a igreja local que
reflete sobre o texto desde as mudanças que ocorrem em sua situação, permitindo
que ela direcione sua ação em seu contexto conforme a reflexão efetuada (CORTEZ,
2005).


Conforme Nichols, uma definição de fator supracultural, da parte dos evangélicos, seria: “... a noção de
que a essência do Cristianismo é supracultural, no sentido de que há certo conteúdo nele que deve ser
sustentado ainda que de sua preservação vá contra e signifique destruir uma cultura particular”. Coube a
Donald McGavran falar deste conteúdo supracultural como sendo: (1) crença e fidelidade ao Deus Trino; (2)
crença na Bíblia como a Palavra inspirada de Deus; (3) crença nos grandes fatos centrais, mandamentos,
ordenanças e doutrinas claramente estabelecidas na Bíblia; (4). Em segundo lugar, uma mensagem supra-
cultural pode, com algum esforço, ser separada da linguagem e dos conceitos culturalmente condicionados
nos quais ela é apresentada. In: BEVANS, Op.cit., p. 190.

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Avaliando as possibilidades para os dias de hoje
A prática de contextualização da Teologia se encontra firmemente estabelecida nos
dias atuais. Não se discute sobre a sua existência, mas sobre seus princípios e
modelos. Teologias contextuais apareceram no Terceiro Mundo e adquiriram
reconhecimento, ainda que crítico, junto aos antigos centros teológicos protestantes e
católicos. Sobretudo, a missão recebeu ar novo e sobreviveu às mudanças radicais da
segunda metade do século 20 exatamente pela redescoberta da sua atividade
conxtetualizadora do Evangelho.
A contextualização se torna cada vez mais valorizada perante uma nova ordem
mundial, multicultural e intercultural, que afeta diretamente o Cristianismo. Contudo, e
talvez pela própria natureza da contextualização, ela permanece uma tarefa inacabada,
mal interpretada ou mal conduzida ao longo do seu percurso até o momento.
Pode-se afirmar que entre os círculos evangelicais do Protestantismo, a
contextualização se estabeleceu firmemente. Em 1983, o Conselho Internacional para a
Educação Teológica Evangelical – ICETE, publicou um Manifesto pedindo a Renovação
da Educação Teológica Evangélica no mundo. Posteriormente, ele foi revisado e
republicado em 1990. Nele, o primeiro tópico diz respeito à contextualização.
Textualmente, diz o seguinte:

Nossos programas de educação teológica devem ser desenhados com


referência deliberada aos contextos nos quais eles servem. Nós estamos em
falta porque nossos currículos, muito frequentemente, parecem ter sido
inteiramente importados ou têm sido mantidos inalterados desde o passado. A
seleção dos cursos para o currículo, e o conteúdo de cada curso no
currículo, deve ser especificamente adaptado ao contexto de serviço. Para
tornar-se familiar com o contexto no qual a mensagem bíblica deve ser vivida
e pregada não é menos vital que um programa bem organizado se torne
familiar com o conteúdo da mensagem bíblica. Certamente, não somente no
que é ensinado, mas também na estrutura e operação de nossos programas
teológicos devem demonstrar que eles existem em e para seu contexto
específico, no governo e administração, na Direção e finanças, nos estilos de
ensino e arranjo das salas de aula, nos recursos das bibliotecas e serviços
aos estudantes. Isto faremos, pela graça de Deus (ICETE, 1990).

Comentando essa proposição do ICETE, Larry McKinney entende que é impossível


pensar na renovação da educação teológica sem lidar com o conceito de
contextualização (MCKINNEY, 2003), porque ela é um princípio fundamental para iniciar
a educação teológica pelo contexto dos estudantes. Outras contribuições fundamentais
do princípio da contextualização se referem à maior atenção às exigências,
expectativas e necessidades da igreja local, à formação ministerial dos seus líderes, à
integração da fé com o aprendizado e a prática, à formação de comunidades
acadêmicas que cultivam o relacionamento pessoal e com as igrejas, à flexibilidade
nos papéis de liderança local, à colaboração mútua entre as instituições teológicas
evangélicas.
Darrell Whiteman apontou para a necessidade e importância da continuidade e
expansão desse movimento de contextualização para os evangelicais nos campos de
missão (WHITEMAN, 1997). Whiteman constatou que o conceito de contextualização
passou a fazer parte de qualquer vocabulário de treinamento evangelical para a
missão, mas sua prática na atividade missionária está longe de ser reconhecida e

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mesmo localizada. Um fator para isso é que a educação teológica para missão e os
administradores das missões possuem prioridades diferentes. Outro fator é o receio
em relacionar as tradições, confissões e estruturas eclesiais estabelecidas com os
novos contextos sem que isso signifique uma desfiguração ou o desaparecimento do
modelo original. Mais um fator é o prolongamento da hegemonia eclesial em muitas
partes do Terceiro Mundo mesmo após o fim da dominação colonial. Outro fator a
considerar são os próprios líderes eclesiais das comunidades locais de crentes
formados sob o estrito pensamento das antigas missões, que rejeitam seu próprio
contexto local e qualquer iniciativa de relacionar o Evangelho com ele. Whiteman
entende que é possível superar essas barreiras desde que bem entendidos os desafios
que a contextualização apresenta. O desafio profético, que muda e transforma o
contexto; o desafio hermenêutico, que expande o nosso entendimento do Evangelho
através das lentes de culturas diferentes; e o desafio pessoal, que muda os
missionários depois que eles se tornam parte do corpo de Cristo em um contexto
diferente do seu.
Harvie Cohnn (1990) justifica a contextualização como a busca de relevância e
aplicabilidade da mensagem do Evangelho em uma cultura específica, o que requer
que se observe o seu contexto. A contextualização não pode ser mera transferência
de conceitos, mas se trata de uma questão hermenêutica de compreensão ou
entendimento de um contexto totalmente diferente entre quem comunica e quem
recebe a mensagem do Evangelho. Trata-se de como refletir teologicamente não desde
posições já fixadas, mas de fazê-lo enquanto a caminho com aqueles com quem se
deseja comunicar o Evangelho. Isto significa ouvir o que os teólogos evangelicais do
Mundo dos Dois Terços têm dito quanto à necessidade de que suas igrejas de origem
os ouçam e prestem atenção em seus contextos a fim de lidar corretamente com
eles.
Segundo Cohnn, as teologias contextuais possuem um caráter intencionalmente
ocasional, local e provisório, e denunciam quanto condicionamento cultural está
presente nas teologias ocidentais transportadas para as comunidades locais de crentes
em outras partes do mundo. As teologias contextuais, em sua proposta, se dirigem ao
contexto humano particular e apreciam as condições sociais, culturais e históricas
como determinantes do contexto a fim de teologizar para elas. Elas buscam as
religiões não-cristãs como parte do contexto e as incluem em um esforço de diálogo
teológico com elas. Elas redescobriram a orientação da teologia para a missão,
reconhecendo em seu contexto aqueles aos quais dirigir a mensagem do Evangelho.
Nos círculos ecumênicos do Protestantismo, a contextualização tem sofrido uma
revisão crítica. Recentemente, Dietrich Werner avaliou o legado da contextualização
para a educação teológica no ambiente do WCC ao longo dos seus últimos 50 anos
(WERNER, 2007). Ele destacou a sua contribuição fundamental para o desenvolvimento
da educação teológica no Terceiro Mundo através do mecanismo institucional do
WCC: o Fundo de Educação Teológica – TEF, que teve sua atuação alterada para um
Programa de Educação Teológica - PET, nos anos 80 e, nos anos 90, para Educação
Teológica Ecumênica – ETE. Werner destacou a necessidade de que se continue a
promover a educação teológica contextualizada nos diversos contextos das igrejas nos
dias de hoje. Na sua compreensão,

a contextualização na educação teológica foi e ainda é um clamor por auto-


determinação e auto-confiança na educação teológica das igrejas no Sul
Global ou amplamente falando nas igrejas dos marginalizados que não podem

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se ver como mero prolongamento dos mesmos modelos e padrões da teologia
e da educação teológica oferecida ao longo do tempo pelas igrejas do
Ocidente. O Cristianismo no sul Global tem se auto-definido como um
Cristianismo com um rompimento hermenêutico, uma certa rachadura e
descontinuidade com as tradições de suas igrejas-mãe. Portanto, as
instituições estabelecidas de educação teológica no Ocidente não podem se
ver mais no papel de autoridade globais e modelos-mestres compulsórios para
todos, mas como muito mais no papel daqueles que agora estão sendo
questionados por si mesmas sobre como elas vêem sua própria relevância e
sua contextualidade específica em seu próprio ambiente (WERNER, p. 9).

Segundo Werner, o compromisso para a educação teológica no século 21, no âmbito


do WCC, seria aprofundar o entendimento do conceito de contextualização. Enquanto
nos anos 70 e 80 ele esteve vinculado exclusivamente a situações sócio-políticas e
culturais, hoje ele deve se vincular às tradições culturais vivas, aos símbolos religiosos
e a formas não-verbais de comunicação como as artes e a música, sobretudo ao
crescente interesse mundial pela espiritualidade, que requer uma contextualização
espiritual.
Como conseqüência desta revisão crítica, Werner propõe a intercontextualização da
Teologia. Segundo ele, os efeitos da globalização mundial geraram uma sociedade
global na qual os seus componentes se encontram em cada vez mais situações nas
quais convivem em contextos distintos, mas juntos, ao mesmo tempo. Isto é verdadeiro
também para as igrejas e, portanto, também para a educação teológica. A
contextualização partia da idéia de uma simples transferência geográfica e cultural de
um contexto para outro. A intercontextualização admite que

os teólogos sejam bi-língues, não apenas literalmente, mas em termos de sua


capacidade para reagir e comunicar em pelo menos dois diferentes conjuntos
de cosmovisões, mentalidades culturais e formas diferentes de tradições
espirituais e denominacionais, bem como encarnar o entendimento de uma
igreja e ministério verdadeiramente multi-facetados (WERNER, p. 16).

Igualmente atento a esse processo contemporâneo, Paul Hiebert aponta para a


formação de uma comunhão mundial de crentes que, juntos, compartilham a missão
da igreja e são capazes de perceber os preconceitos culturais em cada teologia,
ajudando a comunidade de crentes a criticar-se e edificar-se mutuamente. Ele propõe
a transculturalização da Teologia, por ele explicada como

uma metateologia que compare teologias, explore os desvios culturais de cada


uma e busque encontrar elementos universais bíblicos... deve buscar
transcender os limites e preconceitos das culturas humanas, mas deve ser
expressa em línguas talhadas por ambientes culturais específicos (HIEBERT,
1999, p. 218,219).

Volker Küster deseja inserir a discussão atual sobre a contextualização no diálogo


contemporâneo entre fé cristã e cultura (KÜSTER, 2005). Ele recupera a história da

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Associação de Teólogos do Terceiro Mundo – EATWOT, mostrando como, ao longo
destas décadas, seus teólogos acrescentaram novas preocupações àquelas das
origens. Nos anos 70, as questões contextuais que chamaram a atenção foram as
situações sócio-políticas, no caso da América Latina, Coréia e Japão, e religiosas, no
caso da Ásia e África. Nos anos 90, somaram-se àquelas, novas questões como a
ecológica e de gênero. Ultimamente, eles têm demonstrado a compreensão da
multidimensionalidade dos seus contextos e orientado a reflexão teológica contextual
nesta direção, mantendo o foco na “reconstituição da dignidade humana contra as
condições miseráveis de vida, a consciência de gênero e o direito às diferenças
religiosas e culturais” (KÜSTER, p. 423).
Por outro lado, o movimento de contextualização da Teologia que ocorria nos novos
centros teológicos foi recebido de formas distintas nos antigos centros teológicos
ocidentais. Entre os Evangelicais houve oposição, sob a acusação de reduzir a
mensagem de salvação do Evangelho à diversidade religiosa cultural – sincretismo, e a
preocupações sociais e políticas – humanização. Entre os europeus ocidentais, houve
rejeição com base na acusação de a teologia se limitar a um contexto próprio –
exclusivismo, e a empregar categorias hermenêuticas locais – particularismo.
A crise da missão que afeta o Cristianismo no Ocidente desde o pós-guerra, a qual
colocou em igualdade nações enviadoras e recebedoras de missionários, passou a
exigir a convivência e o diálogo. Este só é possível em termos de uma teologia
intercultural, pois a experiência de “encontrar com crentes de outras religiões, se
resolve na alteridade transcultural do ser humano perante Deus” (KÜSTER, p. 428).
Cabe, agora, à teologia interpretar a posição do outro e estabelecer as maneiras
pelas quais o diálogo ocorrerá e sob quais condições.
Assim, a teologia intercultural,

explora as dimensões inter-confessionais, inter-culturais e inter-religiosas da fé


cristã. Uma abordagem interdisciplinar e o uso da multimídia são significativos.
A teologia inter-cultural tem um escopo mais amplo que as suas
competidoras, tais como a teologia pluralista das religiões, a ética global ou a
teologia comparativa (KÜSTER, p. 429).

Conclusão
Fizemos um longo percurso até aqui, abordando os conceitos, a história, as tensões, a
construção teórica e metodológica, as possibilidades para hoje acerca da prática de
contextualização da Teologia.
Algumas impressões devem ser registradas, ao final. Primeiro, toda teologia é
contextual, na medida em que pode ser remetida a um contexto que lhe é próprio.
Mesmo aquelas que hoje são consideradas perenes ou universais, apenas o são
porque alcançaram tal divulgação e penetração que se impuseram em toda parte
onde a fé cristã é refletida e vivida por igrejas locais. E isto se deve à capacidade
que elas possuem de, em alguma medida, responder às questões fundamentais destas
comunidades. Contudo, elas são continuamente julgadas pela capacidade de continuar
a responder às novas questões. Quando elas não correspondem mais, surge a
necessidade de ajustá-las, adaptá-las, corrigi-las e, no limite, substituí-las. E assim
aconteceu, de fato, com a emergência da Teologia contextual.
Segundo, as teologias contextuais variam na medida em que os contextos se
distinguem significativamente uns dos outros, o que para muitos parece uma

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fragmentação. As teologias contextuais, porém, não se fragmentaram, elas se
multiplicaram, o que apenas valoriza a sua capacidade de continuar a produzir
pensamento e respostas para as questões velhas e novas que os contextos múltiplos
propõem ontem, hoje e sempre à Teologia.
Terceiro, a proposta de se pensar em uma Teologia intercontextual (Werner),
transcultural (Hiebert) ou intercultural (Küster) é totalmente bem-vinda para uma igreja
multicultural que vive em um mundo globalizado ou intercultural. É possível mesmo
que a sorte da Teologia neste século 21 esteja nesta troca e renovação contínua
entre as diversas teologias contextuais, possibilitando que elas trafeguem umas em
meio às outras, incluídas as velhas teologias, criando igrejas locais teologicamente
conectadas ao redor do mundo.

Abstract
This article aims to describe the modern phenomenon of contextualization of Theology,
approaching their concepts, history, tensions, metodological and theorical construction,
and possibilities for today. Introduce many perspectives of different theologians and
Christian movements about this phenomenon, in order to make possible a wide, but
deep, understanding of this. The purpose is justify the contextualization of Theology,
especially indicated to the task of all evangelical theologian in Latin American at 21
century.

Keywords: context; contextualization; contextual theology; west theology; third World;


Latin America.

Resúmen
Este artigo tiene por meta describir o fenómeno moderno de la contextualización de la
Teologia, abordando los conceptos, la história, las tensiones, la construcción teórica y
metodológica, e las possibilidades para hoy. Presenta as várias perspectivas de
diferentes teólogos e movimientos cristianos acerca deste fenômeno, para permitir uma
compreensión ampla, pero profunda. O resultado anhelado é justificar la
contextualización de la Teologia, principalmente como quehacer de todo
teólogo/teológica evangélico/a en la América Latina neste siglo 21.

Palabra-chaves: contexto; contextualización; teologia contextual; teologia ocidental;


tercero mundo; América Latina.

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