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Ul A histéria das paréquias em Portugal* 1. O estado da questo O primeiro trabalho histérico portugués a respeito da histéria das paré- quias deve-se a Alberto Sampaio. Este autor tentou relacionar o problema da origem das paréquias rurais com o da evolucao da villa agréria durante 2 Reconquista ea Alta Idade Média. Escrevendo quase na mesma data que Imbart de la Tour’, expés e aplicou 2 Portugal uma teoria semelhante & do célebre historiador para a Franga: a pardquia teria sucedido & villa como novo vinculo entre os membros de uma comunidade local. Segundo Alber- zo Sampaio, haveria mesmo, geralmente, uma coincidéncia espacial entre ‘os limites geogréficos das villae e os das paréquias que lhes sucederam?. Apesar de a construgao histérica de Alberto Sampaio ter sido depois considerada unanimemente pelos especialistas que 0 seguiram como dema- siado teérica e sistematica, tem sido aceite praticamente sem discussao até aos nossos dias, por falta de qualquer outro estudo mais profundo a partir dos documentos dispontveis. Isto apesar de o estado da questio ter sido magistralmente exposto em Portugal no ano de 1947 pelo cénego Pierre David, num notével estudo acerca da organizagio eclesidstica do reino suevo na época de Sao Marti- aho de Dume. Este trabalho tinha em conta os progressos dos estudos eu- sopeus acerca da origem ¢ cvolugao das pardquias rurais do Ocidente?. Com efeito, Pierre David mostrou claramente que as igrejas paroquiais propriamente ditas nfo procediam tanto dos oratdrios das villae, como das jas rurais fundadas directamente pelos bispos nas suas dioceses, ou Eiadas sob a sua autoridade pelo clero diocesano. Exa nestas igrejas que © cleto diocesano administrava os sactamentos sob a vigilancia do bispo. Parochiale suevicum, darado por ele dos anos 572-582, era provavelmen- te um documento tinico no mundo latino’, Através dele podia-se verificar * Publicado em Aufittee zur portugiesischen Kulturgeschichte, vol. 16, 1980, pp. 1-15. LImbart de la Tour, Les origines religieuses de la France. Les paroisses rurales du VF au XP sidcle (Paris, 1900). 2 Alberto Sampaio, «As villas do Norte de Portugal», in Portugalia, 2 (1899-1903); 2. ed. na colectinca do mesmo A., Estudos histéricas ¢ econdmicos (ed. Luis de Magalhaes), I (Porto, 1923), pp. 3-254. 3 Pierre David, Bhudes historiques sur la alice et le Portugal du VF au XIF sitcle (Lisbonne, 1947), pp. 1-82. 4 «Pigce unique dont l'équivalent n’existe pour aucun autre province ecclésiastique du monde re orrc2 do fim do século v1, a regio compreendida entre o Douro ¢ Minho cra a mais desenvolvida e a mais bers organizada do Noroeste da Peninsula Ibérica’. Com efeito, a diocese de Braga englobava vinte ¢ nove igrejas rurais além da catedral, ¢ a do Porto vinee quatro, ao passo que Tamego tinha apenas quatro, Coimbra seis, Viseu ite: Egitinia duas, Lu- 80 tres, Auria dez, Astorga nove, Iria sete ¢ Tui derssscts Pierre David fazia ainda notar que 0 Parochiale distinguia as igrejas dos agi, mas 6 03 mencionava nas dioceses do Porto, de Braga e de Tui, 0 que vinha confirmar 0 que ele dizia acerca do estado de desenvolvimento estabelecido de preferéncia em vici, Finalmente, David chamava a aten¢ao para o facto de o Parochiale sué- vico nfo mencionar, ou ao menos nao distinguir das outras, as igrejas pa- roquiais situadas nas villae. Todavia, existiam jd na época igrejas deste tipo € podiam até ser fundadas pelos i i guel de Oliveira tés anos mais tarde®. Este autor teniou Conthen as con- clusées de Pierre David com as de Alberto Sampaio e completé-las com daclos mais precisos inspirando-se na instituigao de Eigenkirche. Pode assim ROStEAE que; se as patdquias mais antigas procediam das funda pelos bispos para prolongar a pastoral sacramental por eles exe chin nas cidades . Estuda particularmente 0 pro- blema da criagio de curatos e capelas ¢ a sua relacao jurfdica e pastoral com * Domingos A. Moreira, 0. ¢, 2 fasc. (Porto, 1973 e 1974, separatas do Boletio cultural da Gimara Municipal do Porto, v.34 ¢ 35), 0 primeizo dos quais com uma introdugto histérca ge- 12 ¢ Nitios apéndices, cnere eles um importante quadro do agrupamento cclesiéstico das freguesis desde o século xm até 3 actualidade; € 0 segundo com a inventatiagio onoméstica de 47 fregucsis, de Aboadela até Azurara © Gonzalo Martinez Diez, S, ]., El patrimonio ecesistico en la Fspatta visigoda, Estudio histori- ¢o juridico, sep. de Miscellanea Comillas, 23 (1959), pp. 59-65 j Knut Schiferdick, Die Kirche in den Reichen der Westgten und Sueven bis sur Ericheung der wwesigotischen katholischen Staaiskirche (Berlim, 1967). Vet sobresudo, para a igteja suévice, as 9p. 105-136. BES ce ila Oia «Par6quia», in Diciondrio de Histdria de Portugal (dit. por Joel Ser- io), III (Lisboa, 1968), pp. 309-310. Ver as notas 12 a 14 € 19, 36 pardquia, o fenémeno da criacéo ¢ extingdo de pardquias ¢ a organizacio raparoquial em arcediagados, terras, comarcas ¢ vigaratias”®. De uma maneira geral vé-se que a historiografia portuguesa tem explo- lo neste, como noutros dominios, a questéo das origens. Esta, porém, s6 i aprofundada num sentido, o das paréquias rurais. Os estudos sobre as Squias urbanas so raros e devidos a autores nao especialistas. Citemos primeiro lugar A. Vieira da Silva que em 1942 publicou um pequeno alho acerca da evolugéo paroquial na cidade de Lisboa””. Foi completa- por outra, um pouco mais segura, de Anténio Goncalves Mattoso, em °8, Este mostrou que as vinte e trés igrejas de Lisboa atestadas no incipio do século xm eram nao sé igrejas paroquiais mas também igrejas ivadas. Mutiplicaram-se rapidamente desde a conquista da cidade aos fouros cm 1147, porque antes desta data as igrejas mocérabes que por- cura existiram devem ter sido muito poucas. A maior parte das funda- depois de 1147 dever-se-iam a fundagées senhoriais. Além disso, este tor tem o mérito de relacionar a fundagéo das pardquias urbanas com o cimento demogréfico da cidade, de chamar a atencéo para os seus ren- entos globais consignados na lista de igrejas de 1320, de citar a data ta da divisio territorial das pardquias em 1257 ¢ de observar a persis- séncia do padroado leigo até ao século xvur. Também nao hé muito a dizer dos estudos histéricos acerca das paré- quias portuguesas na época moderna. A situagio durante a primeira meta- de do século xv pode-se imaginar parcialmente a partir da sondagem feita por José Marques para a arquidiocese de Braga durante 0 naa de D. Fernando ah Guerra (1423-1467), que utilizou o viciado sistema da co- lacdo de beneficios para reorganizar os quadros paroquiais atingidos pelo despovoamento de certas regides ¢ para lutar contra o absentismo dos pas- Pernt) Mas as transabyes de bendficios € as recomendagoes de protegidos continuavam a ser uma praga dificil de vencer!. Alguns dos problemas a que o sistema dava lugar podem também ser parcialmente conhecidos no quadro da diocese do Porto®. Estas sondagens, todavia, so muito patciais. Temos um estudo mais sistemético acerca da organizacéo paroquial na época de renovacao pastoral ¢ juridica que precedeu mais imediatamente 0 concilio de Trento, para a diocese do Porto, na andlise que 0 Ps Candido Augusto dos Santos fez do censual da mitra de 154235. Para conhecer,a % Domingos A. Moreira, 0. ¢ 1, pp. 76-103, 103-113 ¢ 123-128 da separata, 7” A. Vieira da Silva, «Evolugao paroquial de Lisboa», in Revista municipal, 3 (1942), n° 13- -I4, pp. 8 ¢ segs. % Anténio Goncalves Mattoso, «A. paréquia. Sua evolucio histérica ¢ influéncia civilizadora. IIL As pardquias de Lisboa através dos tempos», in Lumen, 27 (1963), pp. 543-550. * Ibid pp. 547-550. % José Marques, «Subsidios para 0 estudo da arquidiocese de Braga no século xv», in Bracara Augusta, 30 (1976), pp. 3-35. 'Id., «A propésito dos recomendados de D. Luis da Guerra», ibid, 31 (1977), pp. 5-48. 2 Domingos A. Moreira, 0. c., 1, pp. 76-113. ® Candido Augusto dos Santos, O censual da Miera do Porte. Subsidios para o extudo da diocese nas vésperas do concilio de Trento (Porto, 1973). Acerca da organizacio paroquial e do direito de padroado, ver as pp. 49-120. Nesta obra encontram-se também informasies de valor sobre 0 agra- vamento progressivo da fiscalidade diocesana, pp. 121-181. Para a mesma época consultar ainda A. de J. da Costa, «D. Diogo de Sousa, novo fundador da cidade de Braga», in O Distrito de Bra- @, 1 (1961), pp. 477-533. 37 histéria das paréquias depois do concilio de Trento nas varias dioceses & preciso recorrer a artigos acerca de questocs mais ou menos relacionadas com o problema® ¢ a alguns trabalhos sobre a historia das dioceses no seu conjunto*, a maioria dos quais estéo j4 um tanto ou quanto ultrapassados do ponto de vista historiogréfico. 2. Trabalhos em curso A histéria das paréquias ¢, como tal, um assunto praticamente abandona- do pelos historiadores portugueses. Podem-se citar apenas alguns estudos em curso acerca de questes marginais e que nao abordam directamente o tema das paréquias. Citemos em primeiro lugar 0s trabalhos do cénego Isafas da Rosa Perei a sobre os estatutos sinodais da Idade Média e do século xv1, cuja edicdo critica ele prepara hd muito. Na expectativa desta importante publicacio, es, te autor apresentou jd uma lista dos manuscritos disponiveis*, Deve-se-lhe também a publicagio de um certo ntimero de relatrios de vistas episcopais na época medieval ¢ moderna; mas 0 conjunto destes illimos artigos néo Pretende constituir um esboco de trabalho sistematico e completo’. As visitas episcopais do século xvt e seguintes na arquidiocese de Braga foram estudadas de uma maneira mais global numa tese de licenciatura po- licopiada pelo P* Anténio Franquelim Soares, que actualmente trabalha sobre os inquétitos paroquiais de 1775, 1825 e 1845 na mesma arquidio- ese, e que publicou jé 0 resultado da sua andlise para as freguesias d> con. celho de Vila do Conde ¢ do distrito de Viana do Castelo, Acerca da aovio do arcebispo de Braga, Fr. Barwolomeu dos Miirtires, ver: R. de Almeida Rolo, ©. P, sFormagio e distribuigio do cero», in Lumen, 27 (1963), pp. 553-569; Id,

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