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aspecto, os passos do estrutura-
lismo lingüístico, o pós-esfrutu-
ralismo, por meio de diferentes
e variadas estratégias, coloca em
xeque o "sujeito" dos diversos
humanismos e das diferentes fi-
losofias subjetivistas. Segundo
Michael Peters, a crítica que o
pós-estruturalismo faz do sujei-
to é definitiva e irreversível. Sa-
bemos que existe, atualmente,
uma certa nostalgia do sujeito.
Mas trata-se, possivelmente, de
uma nostalgia por algo que tal-
vez nunca tenha existido. Ou,
melhor (ou pior?) ainda, trata-
se de uma nostalgia por um ele-
mento caracterizado por quali-
dades e atributos bem pouco
desejáveis e edificantes: domi-
nador, soberano e arrogante.
Quem o quer de volta?

Outros títulos da coleção Estudos Culturais:

1- O casaco de Marx - roupas, memória,


dor - Peter Stallybrass (Trad.: Tomaz Tadeu
da Silva)
2- O que é, afinal, Estudos Culturais? - Ri-
chard Johnson, Ana Carolina Escosteguy,
Norma Schulman (Org. e trad.: Tomaz Ta-
deu da Silva)
3- Pedagogia dos monstros - os prazeres e
os perigos da confusão de fronteira - James
Donald', José Gil, Ian Hunter, Jeffrey Jero-
me Cohen, Tomaz Tadeu da Silva (org.)
4- Teoria Cultural e educação - um voca-
bulário crítico - Tomaz Tadeu da Silva
5- Antropologia d o ciborgue - as vertigens
do pós-humano. Org. e trad Tomaz Ta-
deu da Silva
Sobre a arte da capa e o artista

A capa reproduz a fotografia da escultura "Salto", de Juan


Carlos Distéfano, de 1979. O escultor nasceu em Buenos Aires,
em 1933. Estudou na Escola Industrial n° 9 (Artes Gráficas) e na
Escola de Belas Artes Manuel Belgrano. Morou em Roma (1969/
70) e em Barcelona (1977/80). Voltou a viver, a partir de 1980,
em Buenos Aires, onde trabalha em seu ateliê localizado no bair-
ro portenho La Boca. Suas obras figuram em diversas coleções
privadas e públicas do país e do exterior.
Na escultura, cuja foto aqui se reproduz, "o lento, árduo, cres-
cimento de Distéfano atinge seu auge ao explodir e abolir as fron-
teiras de todo tipo e condição. Processo laborioso, devir constante,
no qual se unem as pulsões internas com as urgências do momento
histórico. Um repertório de signos que nos remetem ao mito, aos
angustiantes símbolos do processo pelo qual o indivíduo e a huma-
nidade devem passar" {Distéfano. Buenos Aires: Centro Editor de
América Latina, 1981, p. 6).

94
Este livro traça a gênese e a
trajetória do pós-estruturalismo e
da filosofia da diferença e tam-
bém seu impacto sobre a teoria
social e cultural. Michael Peters
procura, inicialmente, distinguir
entre o pós-estruturalismo e o
pós-modernismo para, em segui-
da, ressaltar as continuidades e as
rupturas entre o estruturalismo e
o pós-estruturalismo. No traçado
desse panorama, o autor passa
em revista também os pensadores
que inicialmente puseram essa
rede teórica em movimento e que
constituíram aquilo que ele cha-
ma de "primeira geração de pós-
estruturalistas": Foucault, Deleu-
ze, Derrida, Lyotard.
Michael Peters descreve, além
disso, os pontos de contato e as
afinidades entre o pós-estrutura-
lismo e a chamada "filosofia da
diferença". Ao caracterizar a filo-
sofia da diferença como uma re-
jeição aos pressupostos da filoso-
fia da consciência e da dialética, o
autor vincula o pós-estruturaüs-
mo não apenas ao estruturalismo,
mas também à virada filosófica
que se dá em reação ao hegelia-
nismo então reinante no pensa-
mento francês.
Ganha destaque, nessa bre-
ve introdução ao pós-estrutura-
lismo e à filosofia da diferença,
a crítica 4 u e es ses movimentos
teóricos fí* zem à chamada "teo-
ria do suj^1To • Seguindo, nesse
Pós-estruturalismo e
filosofia da diferença
Uma introdução
Créditos

Partes deste livro constituem rcelaborações dos seguintes textos do autor:

Michael Peters. "Introduction: Naming the Multiple". In: Michael Peters (org.).
Naming the Multiple: Poststructuralism and Education. Westport e Londres:
Bergin & Garvcy, 1998, p.1-24.
Michael Peters. "(Post-) Modernism and Structuralism: AfFinities and Theoreti-
cal Innovations". Sociological Research Online, 3 (4), setembro de 1999, http:/
/www.socrcsonline.org.uk. (Publicado também como capítulo 1 de Michael
Peters e Nicholas Burbules. Poststructuralism and Educational Research. Boul-
der, CA: Rowman and Littleficld, 2000.
Michael Peters. "Introduction: The critique of reason". In: Michael Peters. Posts-
tructuralism, Politics and Education. Westport, C T e Londres: Bergin and
Garvcy, 1996, p. 1-20.
M i c h a e l Peters

Tradução de
Tomaz Tadeu da Silva

Pós-estruturalismo e
filosofia da diferença
Uma introdução

a
Autêntica
Belo Horizonte
2000
Copyright © 2 0 0 0 by Tomaz Tadcu da Silva

CAPA
Jairo Alvarenga Fonseca, sobre fotografia da escultura
"Salto", de Juan Carlos Distéfano. Fotografia de Lucas Distéfano.
Reproduzida com autorização do artista.

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Waldênia Alvarenga Santos Ataidc

REVISÃO
Cilcne De Sanris

P 4 8 1 p Peters, Michael
Pós-estruturalismo e filosofia da diferença/ Michael
Peters ; tradução de Tomaz Tadcu da Silva. —
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
9 6 p. - (Coleção Estudos Culturais, 6)

ISBN 8 5 - 8 6 5 8 3 - 8 5 - 5

1. Filosofia. 2. Cultura. 3. Silva, Tomaz Tadeu da.


I. Título. II Série.

CDU 1
008

2000

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora.


Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida,
seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica
sem a autorização previa da editora.

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Sumário

PARTE I
ESTRUTURALISMO, PÓS-ESTRUTURALISMO
E PÓS -MODERNISMO 07
1- Introdução .09
2- Modernismo e pós-modernismo 12
3- Estruturalismo e pós-estruturalismo 20
4- Inovações teóricas e diferenças relativamente
ao estruturalismo ! 35
5- Síntese 45

PARTE II
A FILOSOFIA DA DIFERENÇA,
NLETZSCHE E A CRÍTICA DA RAZÃO 47
6- A crítica da razão 50
7- Hegel, a modernidade e a lógica da "identidade" 55
8- Nietzsche contra Hegel no pensamento
francês contemporâneo 60
9- Nietzsche e a crítica da modernidade 64
10- O pós-estruturalismo, Habermas e a
questão da pós-modernidade 71
11- Depois do sujeito? 77

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 85
SOBRE O AUTOR 93
SOBRE A ARTE DA CAPA E O ARTISTA 94
PAUTEI

Estruturalismo, pós-estruturalismo
e pós-modernismo
1 - INTRODUÇÃO

Nesta primeira parte, tentarei descrever o pós-estruturalismo,


distinguindo-o do pós-modernismo e do movimento que o prece-
deu, o estruturalismo. É importante reservar algum espaço para
definir o pós-modernismo, porque muito freqüentemente ele é con-
fundido com o pós-estruturalismo. Embora haja sobreposições fi-
losóficas e históricas entre os dois movimentos, é importante
distingui-los para que possamos avaliar suas respectivas genealogi-
as, trajetórias e aplicações. Para os propósitos desta primeira parte,
gostaria de argumentar que existe um importante conjunto de
diferenças teóricas e históricas que compreenderemos melhor
se examinarmos a diferença entre seus respectivos objetos teóricos.
O pós-estruturalismo toma como seu objeto teórico o "estrutura-
lismo", enquanto o pós-modernismo toma como seu objeto o "mo-
dernismo". Cada um desses movimentos constitui uma tentativa
de superar, sob vários aspectos, aquilo que o precedeu. Embora os
dois movimentos - pós-estruturalismo e pós-modernismo - este-
jam agora entrelaçados e sejam muito freqüentemente tomados
como idênticos, confiindindo-se seus termos e significados, eles se
distinguem por preocupações teóricas diferentes, as quais estão mais
claramente visíveis em suas respectivas genealogias históricas. Ar-
gumento que os dois conjuntos de binários (modernismo/pós-
modernismo e estruturalismo/pós-estruturalismo) podem e devem
ser distinguidos; que isso pode ser feito pelo esboço de suas respec-
tivas genealogias; e que o pós-estruturalismo, em particular, deve
ser visto como uma resposta filosófica específica - fortemente mo-
tivada pelo trabalho de Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger -
contra as pretensões científicas do estruturalismo.
Meu principal argumento para o capítulo final desta parte é de O
que o desenvolvimento teórico do estruturalismo francês durante o
final dos anos 50 e durante os anos 60 levou à institucionaliza-
ção de um "megaparadigma" transdisciplinar, contribuindo para

9
integrar as chamadas "humanidades" e as ciências sociais, mas o fez
sob uma forma exageradamente otimista e cientificista. Sua pre-
tensão ao status de "megaparadigma" baseava-se na centralidade
da linguagem na vida cultural e social humana, considerada como
sistema semiótico ou como sistema de significação auto-reflexivo.
O estruturalismo era, nesse sentido, parte da "virada lingüística"
empreendida pela filosofia ocidental. A tradição da lingüística es-
truturalista tinha suas origens no formalismo europeu do final do
século XIX, transformando-se, sob a influência combinada de Fer-
dinand de Saussure e de Roman Jakobson, no programa de pes-
quisa dominante em lingüística. Por meio dc Claudc Lévi-Strauss,
A. J. Greimas, Roland Barthes, Louis Aldiusser, Jacques Lacan,
Michel Foucault e muitos outros, o estruturalismo penetrou na
antropologia, na crítica literária, na psicanálise, no marxismo, na
história, na teoria estética e nos estudos da cultura popular, trans-
formando-se em um poderoso e globalizante referencial teórico
para a análise semiótica e lingüística da sociedade, da economia e
da cultura, vistas agora como sistemas de significação.
Devemos interpretar o pós-estruturalismo, pois, como uma
resposta especificamentefilosóficaao status pretensamente cientí-
fico do estruturalismo e à sua pretensão a se transformar em uma
espécie de megaparadigma para as ciências sociais. O pós-estru-
turalismo deve ser visto como um movimento que, sob a inspira-
ção de Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger e outros, buscou
descentrar as "estruturas", a sistematicidade e a pretensão cientí-
fica do estruturalismo, criticando a metafísica que lhe estava sub-
jacente e estendendo-o em uma série de diferentes direções,
preservando, ao mesmo tempo, os elementos centrais da crítica
que o estruturalismo fazia ao sujeito humanista.
No que se refere a essa análise, baseio-me no trabalho de
Alan Schrift (1995, p. 4), que argumenta que uma das mais im-
portantes diferenças entre o estruturalismo c o pós-estruturalismo
está na renovação do discurso filosófico:

A redescoberta estruturalista dc Frcud c Marx, juntamente com a


recuperação dc Nietzsche feita por Heidegger, preparou o pal-
co para a emergência do pós-estruturalismo, visto como uma

10
resposta distintivamentefilosófica ao privilegiamento das ciências
humanas que caracterizou o trabalho dos estrutura listas.

A influência da primeira geração de pós-estruturalistas tem


sido enorme, inspirando um grande número de importantes e
estimulantes análises na linha de frente da pesquisa feminista,
da psicanálise, da teoria literária, da antropologia, da sociologia
e da história. Essa influência tem também permitido interessan-
tes fertilizações e penetrações entre as diferentes disciplinas, bem
como avanços intelectuais em campos configurados de forma
renovada, tais como a teoria do cinema, os estudos de mídia, a
teoria queer, os estudos pós-coloniais, os estudos afro-americanos
e os estudos helenísticos. Fora da França, a influencia do pós-
estruturalismo tem sido fortemente sentida no trabalho da escola
literária de Yale (Paul de Man, Hillis Miller). De forma mais
geral, na academia ocidental, o pós-estruturalismo tem influen-
ciado as disciplinas tradicionais da sociologia (Zygmunt Bau-
man, Barry Smart), da filosofia (Cornei West, Paul Patton, Hubert
Dreyfus), da política (Colin Gordon, William Connolly, Barry
Hindess), da antropologia (James Clifford, Paul Rabinow), da
história (Hayden White, Mark Pôster, Dominick La Capra), da
geografia (Edward Soja, David Harvey), bem como os campos
emergentes dos estudos feministas e de gênero (Judidi Buder, Chris
Weedon), dos estudos pós-coloniais (Edward Said, Gayatri Spivak,
Homi Bhabha) e dos estudos culturais (Stuart Hall, Simon During).
Procuro, nos capítulos seguintes, distinguir o pós-modernis-
mo do modernismo e o pós-estruturalismo do estruturalismo. Da
mesma forma que o pós-modernismo deve ser definido relativa-
mente ao modernismo, o pós-estruturalismo deve ser definido contra
o pano de fundo do estruturalismo francês.

]]
2 - MODERNISMO E
PÓS-MODERNISMO

O pós-estruturalismo tem sido, muito freqüentemente, con-


fundido com o termo afim, pós-modernismo. Na verdade, alguns
críticos chegam a argumentar que o conceito de "pós-estruturalis-
mo" deve ser subordinado ao de "pós-modernismo". Para distin-
guir os dois termos, precisamos definir, de uma forma preliminar,
tanto o estruturalismo quanto o modernismo, discutindo o tipo de
relação que cada um deles tem com seu respectivo objeto teórico e
histórico. Começaremos com o termo "modernismo", o qual tem
duas acepções. De acordo com a primeira, o termo refere-se aos
movimentos artísticos dos meados do final do século XIX; a segun-
da acepção é histórica e filosófica, fazendo referência ao termo
"moderno" e significando "modernidade" - a época que se segue à
época medieval. Existe, obviamente, uma relação entre os dois sen-
tidos, que se expressa pela idéia de que o "moderno" envolve uma
ruptura autoconsciente com o velho, o clássico e o tradicional, e uma
ênfase concomitante no novo e no presente. Nessa idéia está tam-
bém envolvido o pressuposto de que, em certo sentido, o moder-
no, em contraste com o classicismo e o tradicionalismo, é melhor
que o velho, simplesmente porque, na seqüência do desenvolvi-
mento histórico, ele vem depois. Filosoficamente falando, o mo-
dernismo começa com o pensamento de Francis Bacon na Inglaterra
e o de René Descartes na França.
O termo "modernismo", no primeiro sentido, de referência a
transformações no campo das artes, a partir do fim do século XIX, é
utilizado, tipicamente, para caracterizar um estilo no qual o artista
rompe, deliberadamente, com os métodos clássicos e tradicionais
de expressão baseados nos pressupostos do realismo e do naturalis-
mo. Um autor descreve o modernismo nos seguintes termos:

O modernismo nas artes, na literatura e na filosofia envolve a


novidade, envolve uma ruptura com a tradição, com o progresso,
com o desenvolvimento contínuo, com um conhecimento que
não tenha como pressupostos a soberania do sujeito ou quaisquer
apelos a uma suposta objetividade [...]. Envolve uma mudança
que passa a dar importância aos fluxos de consciência, à consciên-
cia vivida c ao tempo interno, a um sentimento c uma memória
baseados no processo narrativo. (SILVF.RMAN, 1996, p. 353)

Por outro lado, o modernismo pode ser visto, na filosofia,


como um movimento baseado na crença no avanço do conheci-
mento, desenvolvido a partir da experiência e por meio do méto-
do científico. Seu auge se dá, provavelmente, com a filosofia
"crítica-" de Immanuei Kant e com a idéia de que o avanço do
conhecimento exige que as crenças tradicionais sejam submetidas
à operação da crítica. O crítico literário estadunidense, Clement
Greenberg, definiu o modernismo como a tendência histórica de
uma determinada prática de arte a se tornar completamente autô-
noma e auto-referencial:

Identifico o modernismo com a inteasificação, quase a exacerba-


ção, dessa tendência autocrítica que começou com Kant. Uma vez
que ele foi o primeiro a criticar o próprio instmmcnto da crítica,
vejo Kant como o primeiro modernista verdadeiro. A essência do
modernismo, tal como o vejo, está no uso dos métodos caracte-
rísticos de uma disciplina para criticar a si própria - não para
subvertê-la, mas para enraizá-la, de forma mais firme, em sua
área de competência. Kant utilizou a lógica para estabelecer os
limites da lógica e, embora ele lhe tenha subtraído muito daquilo
que antes lhe pertencia, a lógica terminou por estar na posse mais
segura daquilo que restou dela (GREENBERG, 1973, p. 66).

M. H. Abrams (1981) sugere que o modernismo envolve uma


ruptura autoconsciente e radical com as bases tradicionais da cultura
e da arte ocidentais e que os precursores dessa ruptura foram os
artistas e pensadores que questionaram nossas certezas culturais, en-
tre as quais figuram, de forma central, nossas concepções sobre o eu.
O pós-modernismo tem, assim, dois significados gerais, re-
lacionados aos dois sentidos do termo "modernismo": ele pode
ser utilizado, esteticamente, para se referir, especificamente, às
transformações nas artes, ocorridas após o modernismo ou em
reação a ele; ou, em um sentido histórico e filosófico, para se

13
referir a um período ou a um etbos - a "pós-modernidade". No
segundo sentido, pode-se argumentar que ele representa uma trans-
formação da modernidade ou uma mudança radical no sistema
de valores e práticas subjacentes à modernidade. Essa é a forma
como o Oxford English Dictionary (OED) define "pós-modernis-
mo1', dando sua etimologia:

pós-modcrno, adj. Subseqüente ou posterior ao que e "moderno";


aplica-se, especialmente nas Artes e na Arquitetura, a um movi-
mento que se dá cm reação ao "moderno".

O OED passa, então, a enumerar seus sentidos, de acordo


com suas primeiras e conhecidas utilizações. É útil passá-las em
revisão, na medida em que elas nos fornecem um contexto para o
uso apropriado desse termo.

1949 J. HUDNUT, Archit. & Spirit ofMan: "Casa pós-moder-


na". J. H U D N U T , Archit. &• Spirit of Man: "EJe deve ser um
proprietário moderno, um proprietário pós-modcrno, se é que se
pode conceber uma tal coisa. Livre de todo sentimentalismo, de
todo o capricho c de toda a fantasia". 1956 A. TOYNBEE,
Historiem's Approach to Relig.: "Nossa era pós-moderna na histó-
ria ocidental". 1959, C. W MILLS, Sociol. Imagination : "Da mes-
ma forma que a Antigüidade foi seguida por vários séculos de
predomínio oriental, assim agora a Era Moderna está sendo su-
cedida por um período pós-modcrno. Talvez possamos chamá-la
de A Quarta Época'". 1965, L. A. FIEDLER, in Partisan Rev.,
XXXII: "Não estou interessado cm analisar a dicção c a imagísti-
ca que têm passado da ficção científica para a literatura pós-mo-
dernista". 1966, F. KERMODE, in Encounter, abril, 73/1: "A
ficção pop demonstra um 'sentimento crescente de que o passado
é irrelevante' c os escritores pop ('pós-modernistas') estão to-
mando conta de tudo". 1966, N. PEVSNER, in Listcncr, 29 de
dezembro, 955/2: "O fato de que meus entusiasmos não podem
ser estimulados pelo College Churchill não me deixa cego à exis-
tência, hoje, de um novo estilo, sucessor do Moderno Internaci-
onal dos anos 30; um estilo pós-modcrno, eu seria tentando a
chamá-lo, o estilo legítimo dos anos anos 50 c 60". 1977, N. T.
Rev. Bks, 28 de abril, 30/3: "Um processo que culmina, por uma
lógica curiosa, mas inexorável, na demanda pós-modernista pela
abolição da arte e por sua assimilação à 'realidade" . 1979, Jrnl.
R. Soe. ArtSy novembro, 743/1: "Muitos arquitetos pós-moder-
nos utilizam motivos dc gosto questionável". 1979, Jrnl. R. Soe.
Arts, 751/1: "Os pós-modernistas substituíram a metáfora da
máquina pela metáfora do corpo, porque muitas pesquisas mos-
tram que nós, inconscientemente, projetamos estados corpo-
rais na arquitetura". 1979, Time, 8 dc janeiro, 53/1: " O homem
mais perto dc ser um parceiro mais velho do pós-modernismo
c, na verdade, o arquiteto estadunidense líder dc sua geração:
Philip Cortclyou Johnson". 1980, Times Higher Educ. Suppl., 7
dc março, 16/1: "O pós-modernismo, o estruturalismo e o
ncodada (antes conhecido como 'poesia concreta') representam,
todos, uma reação contra o modernismo".

O que essa lista bastante longa demonstra claramente é que


nos usos registrados do termo, entre 1949 e 1980, ele é aplicado,
primeiramente, à arquitetura (por Hudnut e, mais tarde, por
Pevner), depois à história, à sociologia, à literatura e às artes. Nes-
ses últimos casos, ele é usado para representar uma nova época (tan-
to por Toynbee quanto por Mills), ou um novo estilo (por Fiedler,
Kermode, Pevsner) - visto como uma reação contra o modernis-
mo. Apenas no último exemplo menciona-se o estruturalismo, jun-
tamente com o pós-modernismo e o neodadaísmo. Podemos con-
cluir, assim, que o reconhecimento dos pontos comuns entre o
pós-modernismo e o estruturalismo - bem como das reações con-
tra o modernismo - começa, etimologicamente falando, bastante
tarde. Entretanto, o estruturalismo, embora historicamente asso-
ciado, na Rússia pré-revolucionária, tanto com o formalismo euro-
peu quanto com o futurismo, nunca foi, ele próprio, predominante-
mente, uma performance, uma prática ou uma estética artística.
Em vez disso, começou a se desenvolver como uma forma de
poética, de crítica literária e de análise lingüística do discurso,
substituindo, dessa forma, o modelo humanista que interpretava
textos particulares como sendo a expressão singular de um deter-
minado autor. O modelo lingüístico, tal como concebido por Saus-
sure e Jakobson, permitia a análise científica da linguagem como
um sistema de diferenças, como um sistema sem quaisquer termos
positivos, iniciando uma ciência das estruturas que abalava os tra-
dicionais pressupostos humanistas e românticos que se baseavam
nas idéias de intencionalidade, de criatividade e de autoria.

)S
É importante observar que os significados dos termos "mo-
dernismo" e "pós-modernismo" não são fixos ou estáveis: eles
têm mudado historicamente, como resultado da atividade teóri-
ca, criando-se, assim, novos significados e interpretações. Nesse
sentido, podemos dizer que não existe qualquer fechamento em
torno de uma definição única. Seus significados são, sempre, ques-
tionáveis, estando abertos à interpretação, sobretudo na medida
em que as pessoas que estudam esses movimentos utilizam esses
termos de forma a torná-los teoricamente produtivos. De fato,
poder-se-ia argumentar que quando essas definições e significa-
dos tornam-se fixos é porque o discurso teórico esgotou-se.
Um estudioso, falando da aplicação do pós-modernismo às
ciências humanas em geral, sugere que

o pós-modernismo pode ser reconhecido por dois pressupostos


centrais. Primeiramente, o pressuposto de que não existe qualquer
denominador comum - a "natureza" ou a "verdade" ou "Deus" ou
"o futuro" - que garanta que o mundo seja Uno ou a possibilidade
de um pensamento natural ou objetivo. Em segundo lugar, o pres-
suposto de que todos os sistemas humanos funcionam da mesma
forma que a linguagem, que são sistemas auto-reflexivos e não
sistemas referenciais - sistemas diferenciais, que são potentes, mas
finitos, sistemas dos quais dependem a construção c a manutenção
do significado e do valor. (ERMARTH, 1998, p. 587)

Um outro estudioso discute sua relevância para a filosofia


política:

O pós-modernismo busca denunciar como, nas modernas demo-


cracias liberais, a construção da identidade política c a operaciona-
lização dos valores básicos ocorrem por meio de binários conceituais
tais como nós/eles, responsável/irresponsável, racional/irracional,
legítimo/ilegítimo, normal/anormal. Os pós-modernistas chamam
a atenção para as formas pelas quais a fronteira entre esses termos
é socialmente reproduzida e policiada. (LILLY, 1998, p. 591)

Ambos os estudiosos tendem a tratar o pós-modernismo como


sinônimo de pós-estruturalismo ou a utilizar "pós-modernismo"
como o termo mais abrangente, uma estratégia que se tem tornado
bastante comum. Embora essa estratégia tenha sido adotada por
muitos teóricos, insistiremos na diferença entre os dois termos.
Isso nos permite enfatizar a peculiaridade filosófica do pós-estrutu-
ralismo como um movimento que começa na França no início
dos anos 60 e que tem fontes específicas de iaspiraçaono trabalho
de dois filósofos alemães, Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger.
O pós-modernismo, em contraste, desenvolve-se a partir do con-
texto do alto modernismo estético, da história da avant-garde ar-
tística ocidental e, em particular, da inovação e do
experimentalismo artísticos que se seguiram à crise da representa-
ção que culminou com o cubismo, o dadaísmo e o surrealismo. O
pós-modernismo está relacionado, também, com o crescente pro-
cesso de abstração representado pelo suprematismo, pelo cons-
trutivismo, pelo expressionismo abstrato, pelo minimalismo e,
finalmente, com o completo abandono da preocupação estética
que se dá com os readymades de Mareei Duchamp, as instalações
de Josef Beuys, as reproduções mecânicas das serigrafias de Andy
Warhol e o movimento conhecido como conceitualismo.
As coisas se tornam mais complexas quando os pensadores
"pós-estruturalistas" começam a discutir o termo "pós-modernis-
mo" de forma mais sistemática. Uma das mais influentes e discu-
tidas definições de pós-modernismo deve-se ao pensador
pós-estruturalista Jean-François Lyotard que, em seu famoso li-
v r o ^ condição pós-modema (1984; originalmente publicado em
1979), analisou a situação do conhecimento nas sociedades mais
avançadas, relacionando-a a uma ruptura não apenas com a assim
chamada "era moderna", mas também com várias formas tra-
dicionalmente "modernas" de ver o mundo. De acordo com sua
conhecida definição:

Quando este metadiscurso recorre explicitamente a algum grande


relato, como a dialética do espírito, a hermenêutica do sentido, a
emancipação do sujeito racional ou trabalhador, o desenvolvimen-
to da riqueza, decide-se chamar "moderna" a ciência que a isto se
refere para se legitimar. (LYOTARD, 1984, p. xxii)

Em contraste, ele defincpós-moderno simplesmente como "in-


credulidade em relação aos metarrelatos" (p. xxiv). Em A condição
pós-moderna, Lyotard estava preocupado com os grandes relatos
(ou as grandes narrativas), desenvolvidos a partir da Ilustração,

17
marcando, assim, a modernidade. Em O pós-modernismo explicado
às crianças, Lyotard (1992, p. 29) menciona especificamente

a emancipação progressiva da razão e da liberdade, a emancipa-


ção progressiva ou catastrófica do trabalho [...], o enriquecimento
da humanidade inteira através dos progressos da tecnociencia
capitalista, c até [...] a salvação das criaturas através da conversão
das almas à narrativa cristã do amor mártir.

As grandes narrativas são, pois, histórias que as culturas contam


sobre suas próprias práticas e crenças, com a finalidade de legitimá-
las. Elas funcionam como um história unificada e singular, cujo pro-
pósito é legitimar ou fundar uma série de práticas, uma auto-imagem
cultural, um discurso ou uma instituição (Peters, 1995).
Lyotard (1984) reconhece, em sua primeira nota de rodapé,
as fontes para sua noção de "pós-moderno": a sociologia da so-
ciedade pós-industrial (ele menciona o trabalho de Daniel Bell e
Alain Touraine); a crítica literária de Ihab Hassan; os estudos
sobre performance de Michel Benamou e Charles Caramello; e o
ensaio de M. Kõhler. São fontes que vale a pena destacar, pois,
consideradas em conjunto, elas combinam análises de transfor-
mações na organização econômica e social das sociedades avança-
das com análises de mudanças na cultura. A inovação de Lyotard
consiste em reunir, sob uma mesma análise narrativa, elementos
que anteriormente eram considerados de forma separada - isto é,
o econômico (pós-industrial) e o cultural (pós-moderno). Ele
sugere que a situação do conhecimento se altera à medida que as
sociedades entram na era pós-industrial e as culturas entram na
era pós-moderna, indicando, de forma ativa, uma homologia es-
trutural entre mudanças nos modos econômicos e mudanças nos
modos culturais, sem atribuir qualquer prioridade a um deles.
Alguns sociólogos começaram a falar dessa transição em termos
de "pós-modernização", de forma similar àquela que os sociólogos
de uma geração anterior tinham analisado a transição do tradici-
onal para o moderno em termos de "modernização".
Se tomamos a definição de Jean-François Lyotard (1984, p.
79), dada em seu ensaio "Resposta à pergunta: o que é o pós-
moderno?", seremos levados a aceitar que o pós-modernismo não

ip
é "o modernismo no seu estado terminal, mas no seu estado nas-
cente, e esse estado é constante. Eu disse e direi outra vez que o
pós-modernismo significa não o fim do modernismo, mas uma
outra relação com o modernismo". O que ele está sugerindo é
que o pós-modernismo como um movimento nas artes é uma
continuação do modernismo por outros meios - a busca por um expe-
rimentalismo novo e a idéia de avant-garde continuam. Isto é, o
pós-modernismo mantém uma relação ambivalente com o mo-
dernismo, considerado como uma categoria estética. E ele define
um estilo, uma atitude ou umethos e não um período (isto é, algo
que vem após o modernismo). Se o consideramos como um estilo
artístico, existem, claramente, muitos pós-modernismos. Embo-
ra esses diversos pós-modernismos possam ir e vir, o pós-moderno,
como uma episteme, como uma posição filosófica ou como uma
periodização histórica, tal como o moderno, está aqui para ficar.
3 - ESTRUTURALISMO
E PÓS-ESTRUTURALISMO

Uma década de estruturalismo francês: 1958-1968

O estruturalismo francês tem sua origem na lingüística es-


trutural, tal como desenvolvida por Ferdinand de Saussure e por
Roman Jakobson, na virada do século. Saussure ministrou um
curso sobre lingüística gerai, de 1907 a 1911; morreu em 1913.
Seus alunos publicaram, em 1916, o livro Cours de linguistique,
reconstituído a partir de suas anotações de aula. O Cours de lin-
guistique concebia a linguagem como um sistema de significação,
vendo seus elementos de uma forma relacionai. Saussure distin-
gue sua abordagem "científica" ou sincrônica do estudo diacrôni-
co, histórico, das línguas, então dominante, ao fazer uma distinção
entre la parole (a fala real ou os eventos de fala) e la langue (o
sistema formal de linguagem que governa os eventos de fala).
Saussure estava interessado na função dos elementos lingüísticos
e não em sua causa. Por exemplo, ele definia a "palavra" como um
"signo", formado por conceito e som - o significado e o signifi-
cante. Nenhum deles causa o outro; em vez disso, eles estão fun-
cionalmente relacionados: um depende do outro. A identidade é
definida de forma relacionai, puramente como uma função das
diferenças no interior do sistema. A relação entre significado e
significante é inteiramente arbitrária. Saussure fala da "natureza
arbitrária do signo". Não existe nada no mundo que faça com
que um som seja associado com um conceito particular, o que é
demonstrado pelo fato de que diferentes línguas têm diferentes
significantes para o mesmo significado (ou conceito). Um das
características que distingue a lingüística de Saussure, constituin-
do um avanço em relação à gramática comparativa da época, é
sua ênfase na autonomia do sistema, visto como um todo que
compreende e organiza elementos fônicos e semânticos não dire-
tamente acessíveis à experiência sensória. Jonathan Culler (1976,

20
p. 49) assim descreve a concepção estruturalista de linguagem
desenvolvida por Saussure:

N ã o se trata simplesmente do fato de que a língua é um sistema


de elementos que são inteiramente definidos por suas mútuas
relações no interior do sistema, embora isso seja verdade, mas
do fato de que o sistema lingüístico é constituído por diferentes
níveis de estrutura; em cada nível, podem-se identificar elemen-
tos que contrastam e se combinam com outros elementos para
formar unidades de nível superior, mas os princípios estruturais
em cada nível são fundamentalmente os mesmos.

Parte do legado saussureano consiste no fato de que, como o


pai da lingüística moderna, Saussure estabeleceu uma ciência geral
dos signos, dando ao estudo da linguagem, considerada como um
sistema de signos, uma firme base metodológica e promovendo a
semiologia - como disse ele, o "estudo da vida dos signos na socieda-
de" - a uma posição central nas ciências humanas (GADET, 1989).
Foram, entretanto, Roman Jakobson e o vínculo que ele criou entre,
de um lado, a lingüística e a Genebra de Saussure e, de outro, o
formalismo quefloresciaem Moscou, que se mostraram os fatores
decisivos para tornar as visões de Saussure mais amplamente conhe-
cidas, fazendo nascer o estruturalismo do século XX (SELDEN, 1995).
Roman Jakobson é uma figura central no desenvolvimento
histórico da lingüística estrutural. Ele foi instrumental no estabe-
lecimento do Formalismo Russo, ajudando a fundar tanto o Cír-
culo Lingüístico de Moscou quanto a Sociedade para o Estudo
da Linguagem Poética (OPOJAZ), em São Petersburgo, antes de
se mudar para a Checoslováquia, em 1920, para fundar o Círculo
Lingüístico de Praga. Os anos formativos de Jakobson foram bas-
tante influenciados pela tradição da Escola Kazan, por Saussure
(cujo trabalho foi levado a Moscou por Sergej Karcevskij, em
1917) e pela forte tradição russa das dialéticas hegeliana e pós-
hegeliana. Linda R. Waugh e Monique Monville-Burston (1990,
p. 4) sugerem que "a influência mais forte sobre o pensamento
de Jakobson foi o agitado movimento artístico do início do sé-
culo XX, sobretudo as obras da avant-garde literária e artística:
Picasso, Braque, Stravinsky, Joyce, Xlebnikov, Le Corbusier".

-21
Jakobson ajudou, em 1926, a fundar o Círculo Lingüístico
de Praga, tendo atuado como seu vice-presidente até sua partida
da Checoslováquia, em 1939. Foi Jakobson que primeiramente
cunhou, em 1929, o termo "estruturalismo", para designar uma
abordagem estruturo-funcional de investigação científica dos
fenômenos, cuja tarefa básica consistiria em revelar as leis inter-
nas de um sistema determinado. Jakobson ( 1 9 7 3 ) , após o suces-
so do Primeiro Congresso Eslavo Internacional de Praga, expressou
seu programa nestes termos:

Sc tivermos que escolher um termo que sintetize a idéia central


da ciência atual, cm suas mais variadas manifestações, dificilmen-
te poderemos encontrar uma designação mais apropriada que a
de estruturalismo. Qualquer conjunto de fenômenos analisado pela
ciência contemporânea é tratado não como um aglomerado me-
cânico mas como um todo estrutural, e sua tarefa básica consiste
cm revelar as leis internas - sejam elas estáticas, sejam elas dinâ-
micas - desse sistema. O que parece ser o foco das preocupações
científicas não é mais o estímulo exterior, mas as premissas inter-
nas do desenvolvimento: a concepção mecânica dos processos
cede lugar, agora, à pergunta sobre suas funções.

Jakobson enfatiza que o Círculo Lingüístico de Praga está


estreitamente ligado às correntes contemporâneas tanto da lin-
güística ocidental quanto da lingüística russa: "as realizações meto-
dológicas da lingüística francesa", a fenomenologia alemã (Husserl)
e a pretendida síntese das escolas polonesa (de Courtenay) e russa
(Fortunatov). É importante observar que Jakobson definiu sua
teoria da estrutura da linguagem em contraste com a de Saussure,
que ele considerava tanto demasiadamente abstrata quanto de-
masiadamente estática. Jakobson tratou as formulações dicotô-
micas (lanjjue/parole, sincronia/diacronia) de Saussure de uma
forma dialética, insistindo na estreita relação entre forma e sig-
nificado, em uma situação de sincronia dinâmica (WAUGH &
MONVLLE-BURSTON, 1990, p. 9).
Foi ao encontrar Jakobson, em Nova York, na New School
for Social Science Research, no início dos anos 40, que Lévi-Strauss
ficou conhecendo, por seu intermédio, a lingüística estrutural,
publicando depois, em 1945, pela primeira vez, um artigo relacio-
nando a lingüística estrutural com a emologia, na recém-fundada
revista de Jakobson, Word. Esse artigo se tornou um dos capítulos
iniciais do hvroAntbropologie Structurale, publicado em 1958, um
livro que era composto de uma coleção de artigos escritos entre
1944 e 1957. Lévi-Strauss (1968, p. 21) reconhece sua dívida para
com Saussure e Jakobson e trata de descrever seu método antropo-
lógico por meio da noção central de estrutura inconsciente:

Se, como cremos, a atividade inconsciente do espírito consiste


em impor formas a um conteúdo, e se as formas são fundamen-
talmente as mesmas para todos os espíritos, antigo c moderno,
primitivo c civilizado [...] c preciso e basta atingir a estrutura
inconsciente, subjacente a cada instituição ou a cada costume,
para obter um princípio de interpretação válido para outras insti-
tuições c outros costumes.

Lévi-Strauss (1968, p. 33) sugere que podemos chegar à


estrutura inconsciente por meio do emprego do método estrutural
desenvolvido pela lingüística estrutural, argumentando que a fo-
nologia (leia-se "lingüística estrutural") "não pode deixar de de-
sempenhar perante as ciências sociais o mesmo papel renovador
que a física nuclear, por exemplo, desempenhou no conjunto das
ciências exatas". Ele define o método estrutural de acordo com a
declaração programática feita por Nikolai Trubetzkoy (um dos
membros da Escola Lingüística de Praga) em sua obra seminal,
Princípios de fonologia:

Em primeiro lugar, a fonologia [lingüística estrutural] passa do


estudo dos fenômenos lingüísticos conscientes para o estudo dc
sua infraestrutura inconsciente; em segundo lugar, ela se recusa a
tratar ostermos como entidades independentes, tomando, ao con-
trário, como base dc sua análise as relações entre os termos; cm
terceiro lugar, cia introduz a noção dc sistema; finalmente, ela visa
à descoberta das leis gerais, quer encontradas por indução, quer
deduzidas logicamente, (p. 33)

Utilizando esse método, Lévi-Strauss (1968, p. 34) sugere


que as ciências sociais devem ser capazes de formular relações
necessárias e que "novas perspectivas se abrem", permitindo que o
antropólogo estude sistemas de parentesco da mesma forma que o
lingüista estuda fonemas: "tal como os fonemas, os termos de pa-
rentesco são elementos de significação; tal como os fonemas, eles
só adquirem esta significação sob a condição de se integrarem em
sistemas". Os sistemas de parentesco, tal como os sistemas fono-
lógicos, "são elaborados pelo espírito no estágio do pensamento
inconsciente". Três anos mais tarde, em 1961, em suas conferên-
cias inaugurais no Collège de France, Lévi-Strauss reconhecerá
publicamente sua dívida para com Saussure e definirá a antropo-
logia como um ramo da semiologia.
Após a publicação dcAnthropologie strutucturale, a revolução
estruturalista floresce na França, especialmente durante os anos
60: Roland Barthes, iniciado na lingüística por A. J. Greimas, no
início dos anos 50, publica sua Mythohgies em 1957 e torna-se
Directeur d}études, em "sociologia dos signos, dos símbolos e das
representações", da École des Hautes Études, em 1962; o jornal
literário de vanguarda TelQuel é fundado, em 1960, por Philippe
Sollers; Michel Foucault publica Folie etdemison: histoire de lafoliea
Vâge classique, em 1961; em 1963, Louis Althusser convida Jacques
Lacan para dar seu seminário na Ecole Normale, iniciando um
produtivo diálogo entre o marxismo e a psicanálise; o ano de 1966
vê a publicação do livro PourMarx, de Louis Althusser, àoLes mots
et les choses, de Foucault, e dos Ecrits, de Lacan ( D O S S E , 1 9 9 7 ) .
Jean Piaget, o psicólogo, publica seu livro Le structuralisme
( 1 9 6 8 ) , no momento final da explosão estruturalista na França,
quando o estruturalismo já tinha se identificado com atitudes
políticas ultrapassadas e suspeitas. Muitos interpretaram os even-
tos espontâneos do Maio de 68 como uma refutação da crítica
que o estruturalismo fazia ao humanismo burguês. O livro de
Jean Piaget é, entretanto, interessante e também útil por sua defi-
nição do estruturalismo:

Em uma primeira aproximação, podemos dizer que uma estru-


tura e um sistema de transformações. Na medida cm que e um
sistema e não uma simples coleção de elementos e de suas pro-
priedades, essas transformações envolvem leis: a estrutura e pre-
servada ou enriquecida pelo próprio jogo de suas leis de trans-
formação, que nunca levam a resultados externos ao sistema
nem empregam elementos que lhe sejam externos. Em suma, o
conceito de estrutura é composto de três ideias-chavc: a idéia
de totalidade, a idéia de transformação e a idéia de auto-rcgula-
ç ã o . (PIAGET, 1 9 7 1 , p . 5 )

A idéia de totalidade surge da distinção entre estruturas carre-


gados. Apenas as estruturas podem ser consideradas como totalida-
des, enquanto os agregados são formados de elementos que são
independentes dos complexos nos quais eles entram: "os elemen-
tos de uma estrutura estão subordinados a leis e é nos termos des-
sas leis que a estrutura totalidade ou sistema é definida" (p. 7).
A natureza dos todos estruturais depende de suas leis de composi-
ção que, por sua vez, governam as transformações do sistema, se-
jam elas matemáticas (por exemplo, 1 + 1 "fazem" 2), sejam elas
temporais. A idéia de auto-regulação implica tanto uma automa-
nutenção quanto um fechamento e Piaget menciona três mecanis-
mos básicos de auto-regulação: ritmo (como em biologia), regulação
(no sentido cibernético) e operação (no sentido da lógica).
Piaget discute, então, os seguintes temas: as estruturas mate-
máticas; as estruturasfísicase biológicas; as estruturas psicológicas
(a psicologia da Gestalt, a gênese da inteligência); o estruturalismo
lingüístico (incluindo a gramática generativa de Chomsky); a aná-
lise estrutural nas ciências sociais (centrando-se na antropologia
estrutural de Lévi-Strauss); e, finalmente, o estruturalismo e a
filosofia. No capítulo 7, "Estruturalismo efilosofia",Piaget (1971,
p. 120) discute as relações entre o estruturalismo e a dialética:
"Na medida em que se opta pela estrutura e se desvaloriza a gêne-
se, a história e a função ou até mesmo a atividade do próprio sujei-
to, não se pode deixar de entrar em conflito com os princípios
centrais dos modos dialéticos de pensamento". Nesse contexto,
Piaget entra, primeiramente, no debate entre Lévi-Strauss e Sartre,
para concluir que não existe qualquer conflito inerente entre estru-
turalismo e dialética e, em segundo lugar, define o livro de Fou-
cault,Ltf mots etles cboses, como um "estruturalismo sem estruturas",
buscando demonstrar que "não pode existir um estruturalismo co-
erente à parte do construtivismo" (p. 135). Ele sugere que, em vez

-25
de postular estruturas, Foucault fala de epistemes ligadas à lingua-
gem e que, para Foucault, as ciências humanas não passam de re-
sultados de mutações de epistemes que se seguem umas às outras
no tempo, sem qualquer seqüência pré-ordenada ou necessária. Essa
arqueologia das ciências humanas decreta o fim do homem. Em
sua conclusão, Piaget discute especificamente essa parte mais radi-
cal do trabalho de Foucault. Ele argumenta que

as "estruturas" não mataram o homem, nem aniquilaram as ati-


vidades do sujeito. [...] Em primeiro lugar, convcm distinguir
entre o sujeito individual [...] c o sujeito cpistcmico [...]. Em
segundo lugar, é preciso separar a tomada dc consciência, sem-
pre fragmentária c, com freqüência deformante, daquilo que o
sujeito consegue fazer em suas atividades intelecmais: dessas
últimas ele conhece apenas seus resultados, mas não seus meca-
nismos. (PIAGET, 1971, p. 139)

Foucault, em uma rara entrevista, na qual discute diretamente


a questão do estruturalismo e do pós-estruturalismo, deixa claro
que o estruturalismo não era uma invenção francesa e que o mo-
mento francês do estruturalismo durante os anos 60 deveria ser
visto, de forma apropriada, contra o pano de fundo do formalismo
europeu. Foucault sugere que, à parte aqueles que aplicaram mé-
todos estruturais na lingüística e na mitologia comparativa, ne-
nhum dos protagonistas do movimento estruturalista sabia muito
bem o que estava fazendo. Embora Foucault (1983, p. 205) de-
clare nunca ter sido um estruturalista, ele reconhece que o proble-
ma discutido pelo estruturalismo era um problema muito próximo
de seus interesses tais como ele os definiu em várias ocasiões: "o
problema do sujeito e de sua reformulação".
Para Foucault, as investigações estruturalistas, muito diver-
sas sob outros aspectos, convergiam em um único ponto: sua
oposição filosófica à "afirmação teórica do primado do sujeito",
que tinha sido dominante na França desde a época de Descartes e
que tinha servido de postulado fundamental para uma ampla
gama de abordagens filosóficas, dos anos 30 aos 50, incluindo o
existencialismo fenomenológico, "uma espécie de marxismo às
voltas com o conceito de alienação" (FOUCAULT, 1 9 9 1 , p. 8 6 ) , e
as tendências no campo da psicologia que negam o inconscien-
te. Ele também se refere ao "problema do estruturalismo" na
França como uma conseqüência de problemas mais importantes
na Europa Oriental, uma história mais profunda, à qual a maior
parte da comunidade acadêmica francesa estava cega (FOUCAULT,
1991, p. 88). E contudo, ele sugere, os comunistas e outros
marxistas tinham tido a premonição de que o estruturalismo
estava prestes a dar um fim à cultura marxista tradicional na
França: "uma cultura de esquerda que não fosse marxista estava
prestes a surgir" (FOUCAULT, 1 9 9 1 , p. 9 0 ) .
A posição de Foucault relativamente ao marxismo era uma
posição influenciada por questões bastante locais: ele estava rea-
gindo ao Partido Comunista Francês, de inclinação estalinista, e ao
domínio filosófico de um marxismo existencialista, durante os anos
40 e 50. Abstraindo-se essas questões locais, entretanto, pode-se
afirmar que não existe nada de necessariamente antimarxista ou
pós-marxista seja no pós-modernismo, seja no pós-estruturalis-
mo. Na verdade, da mesma forma que Louis Althusser fez uma
leitura estruturalista de Marx, é possível fazer uma leitura pós-
estruturalista, desconstrutivista ou pós-modernista de Marx. Na
verdade, o marxismo estruturalista althusseriano teve uma enorme
influência sobre a geração de pensadores que nós agora chama-
mos de "pós-estruturalistas" e cada um deles, à sua própria ma-
neira, acertou suas contas com Marx: vejam-se, por exemplo, as
Observações sobre Marx ( 1 9 9 1 ) que Foucault fez em entrevista com
o marxista italiano Duccio Trombadori; ou os Espectros de Marx,
de Derrida ( 1 9 9 4 ) ; ou a tese da mercantilização "marxista" no
livro de Lyotard,yi condição pós-moderna. No período que antece-
deu sua morte, Deleuze estava escrevendo um livro sobre Marx -
ele se via, claramente, como um tipo de marxista (DELEUZE, 1 9 9 5 ,
p. 171). Todos esses pós-estruturalistas vêem a análise do capita-
lismo como um problema central: eles tentam compreender a for-
ma pela qual o capitalismo se transforma para não ter que agir
contra suas próprias limitações, "decodificando" a nova axiomá-
tica capitalista que governa um sistema financeiro global, clara-
mente evidente nas "sociedades de controle" baseadas em uma
economia simbólica (JAMESON, 1 9 9 7 ) .
A emergência do pós-estruturalismo

O pós-estruturalismo pode ser caracterizado como um modo


de pensamento, um estilo de filosofar e uma forma de escrita,
embora o termo não deva ser utilizado para dar qualquer idéia de
homogeneidade, singularidade ou unidade. O termo "pós -estrutu - |
ralismo" é, ele próprio, questionável. Mark Pôster (1989, p. 6) *
observa que o termo "pós-estruturalismo" tem sua origem nos |
Estados Unidos e que a expressão "teoria pós-estruturalista" no- £
meia uma prática tipicamente estadunidense, uma prática base- |
ada na assimilação do trabalho de uma gama bastante fc
diversificada de teóricos. De forma mais geral, podemos dizer |
que o termo é um rótulo utilizado na comunidade acadêmica de f
língua inglesa para descrever uma resposta distintivamente filo- í
sófica ao estruturalismo que caracterizava os trabalhos de Clau-
de Lévi-Strauss (antropologia), Louis Althusser (marxismo),
Jacques Lacan (psicanálise) e Roland Barthes (literatura). r
Manfred Frank (1988), um filósofo alemão contemporâneo,
prefere o termo "neoestruturalismo", enfatizando, assim, uma con-
tinuidade com o "estruturalismo", tal como o faz John Sturrock
(1986, p. 137) que, centrando-se em Jacques Derrida, "o" pós-
estruturalista (o crítico mais agudo e de maior peso que o estru-
turalismo teve) - interpreta o "pós" da expressão "pós-estrutura-
lismo" como nomeando algo que "vem depois e que tenta ampliar
o estruturalismo, colocando-o na direção certa". Segundo Stur-
rock, "o pós-estruturalismo é uma crítica ao estruturalismo, feita
a partir de seu interior: isto é, ele volta alguns dos argumentos do
estruturalismo contra o próprio estruturalismo e aponta certas
inconsistências fundamentais em seu método, consistências que
os estruturalistas ignoraram". Richard Harland (1987), em con-
traste, cunha o termo "superestruturalismo" como uma espécie
de expressão "guarda-chuva", tendo como base um quadro de
pressupostos subjacentes, comuns a "estruturalistas, pós-estrutu- ;
ralistas, semióticos (europeus), marxistas althusserianos, lacania-
nos, foucaultianos et alH" (HARLAND, 1993, p. ix-x). Todas essas
expressões ("pós-estruturalismo", "neoestruturalismo" e "su-
perestruturalismo") mantêm como central zproximidade histó-
rica, institucional e teórica do movimento ao "estruturalismo".

28—
Assim, o termo exibe uma certa ambigüidade: ele nomeia o novo,
timidamente e sem grande confiança, simplesmente distinguin-
do-o do passado. Existem importantes afinidades entre formas de
estruturalismo e pós-estruturalismo, bem como inovações teóri-
cas distintas, como veremos mais adiante.
Entretanto, o pós-estruturalismo não pode ser simplesmente
reduzido a um conjunto de pressupostos compartilhados, a um
método, a uma teoria ou até mesmo a uma escola. E melhor refe-
rir-se a ele como um movimento de pensamento - uma complexa
rede de pensamento - que corporifica diferentes formas de práti-
ca crítica. O pós-estruturalismo é, decididamente, interdiscipü-
nar, apresentando-se por meio de muitas e diferentes correntes.
Como uma atividade francesa e predominantemente pari-
siense, o pós-estruturalismo de primeira geração é inseparável do
milieu intelectual imediato que predominou na França do pós-
guerra, em uma história dominada por forças intelectuais varia-
das: o legado das interpretações "existencialistas" daFenomenologia
de Hegel, feitas por Alexander Kojéve e Jean Hyppolite; a feno-
menologia do Ser de Heidegger e o existencialismo de Sartre;
a redescoberta e a "leitura" estruturalista de Freud, feitas por
Lacan; a onipresença de Georges Bataille e Maurice Blanchot; a
epistemologia radical de Gaston Bachelard e os estudos da ciência
de Georges Canguilhem. Provavelmente o mais importante é que
o pós-estruturalismo inaugura e registra a recepção francesa de
Nietzsche, o qual forneceu as fontes de inspiração para muitas de
suas inovações teóricas. E também decisiva para a emergência
do pós-estruturalismo, sem dúvida, a interpretação que Martin
Heidegger (1991/1961) fez de Nietzsche, bem como as leituras
de Nietzsche feitas por Deleuze, Derrida, Foucault, Klossowski e
Koffrnan, desde o início dos anos 60 até os anos 70 e 80.
O pós-estruturalismo é inseparável também da tradição es-
truturalista da lingüística baseada no trabalho de Ferdinand de
Saussure e de Roman Jakobson, bem como das interpretações
estruturalistas de Claude Lévi-Strauss, Roland Barthes, Louis
Althusser e Michel Foucault (da primeira fase). O pós-estrutura-
lismo, considerado em termos da história cultural contemporâ-
nea, pode ser compreendido como pertencendo ao amplo

29
movimento do formalismo europeu, com vínculos históricos ex-
plícitos tanto com a lingüística e a poética formalista e futurista
quanto com a avant-garde artística européia.
Foi, sem dúvida, central para a emergência do pós-estrutura-
lismo a redescoberta, por um grupo de pensadores franceses, da
obra de Friedrich Nietzsche. Foram importantes também a inter-
pretação que Martin Heidegger fez dessa obra, bem como as leituras
estruturalistas tanto de Freud quanto de Marx. Considerava-se
que, enquanto Marx havia privilegiado a questão do poder e
Freud havia dado prioridade à idéia de desejo, Nietzsche era um
filósofo que não havia privilegiado qualquer um desses concei-
tos em prejuízo do outro. Sua filosofia oferecia uma saída que
combinava poder e desejo.
A recepção estadunidense da desconstrução e a formulação do
conceito de "pós-estruturalismo" no mundo de fala inglesa coincide
com o momento em que Derrida apresenta seu ensaio "A estrutura,
o signo e o jogo no discurso das ciências humanas", no Colóquio
Internacional sobre Linguagens Críticas e Ciências do Homem, na
Universidade Johns Hopkins, em outubro de 1966. Richard
Macksey e Eugênio Donato (1970, p. x) descreveram a conferência
como "a primeira vez, nos Estados Unidas, em que o pensamento
estruturalista foi considerado como um fenômeno interdisciplinar".
Mesmo antes do término da conferência, havia claros indícios de que
o reinante paradigma transdisciplinar do estruturalismo tinha sido
superado, embora apenas um parágrafo das "Observações conclusi-
vas" de Macksey assinalasse as "reavaliações radicais de nossos pres-
supostos [estruturalistas]" feitas por Derrida (p. 320).
No agora clássico ensaio "A estrutura, o signo e o jogo no
discurso das ciências humanas", Derrida (1978, p. 278-80) ques-
tionava a "estruturalidade da estrutura" ou a idéia de "centro"
que, ele argumentava, operava para limitar o jogo da estrutura:

[...] toda a história do conceito de estrutura [...] tem de ser pen-


sada como uma série de substituições de centro para centro,
vim encadeamcnto de determinações do centro. O centro re-
cebe, sucessiva e regularmente, formas ou nomes diferentes.
A história da metafísica, como a história do Ocidente, seria a his-

30
tória dessas metáforas c dessas metonímias. A sua matriz seria [...]
a determinação do ser como presença cm todos os sentidos desta
palavra. Podcr-sc-ia mostrar que todos os nomes do fundamento,
do princípio, ou do centro, sempre designaram o invariante dc
uma presença (eidos, arche, telos, energeia, ousia [esscncia, existên-
cia, substância, sujeito], alctbeia, transcendcntalidadc, consciência,
Deus, homem, etc.).

Derrida colocava em questão, nesse parágrafo, o estrutura-


lismo francês da década anterior e, ao mesmo tempo, apontava a
direção de suas próprias ambições intelectuais. O "descentramen-
to" da estrutura, do significado transcendental e do sujeito sobera-
no pode ser encontrado, sugere Derrida, nomeando suas fontes
de inspiração, na crítica nietzscheana da metafísica e, especial-
mente, na crítica dos conceitos de ser e de verdade; na crítica
freudiana da autopresença, "da consciência, do sujeito, da auto-
identidade e da autoproximidade ou da autopossessão"; e, mais
radicalmente, na destruição heideggeriana da metafísica, "da de-
terminação do Ser como presença". Derrida discute, ao longo
desse ensaio, o tema do "descentramento", concluindo por dis-
tinguir duas interpretações de estrutura. Uma delas, de origem
hegeliana e exemplificada no trabalho de Lévi-Strauss, sonha "de-
cifrar uma verdade ou uma origem que escapem ao jogo e à ordem
do signo", buscando aí a "inspiração de um novo humanismo". A
outra, "que já não está voltada para a origem, afirma o jogo e pro-
cura superar o homem e o humanismo..." (DERRIDA, 1978, p. 292).
O humanismo tendia, como um motivo central do pensa-
mento liberal europeu, a colocar o "sujeito" no centro da análise
e da teoria, vendo-o como a origem e a fonte do pensamento e da
ação, enquanto o estruturalismo, ao menos em uma leitura al-
thusseriana, via os sujeitos como simples portadores de estrutu-
ras. Os pós-estruturalistas continuam, de formas variadas, a
sustentar essa compreensão estruturalista do sujeito, conceben-
do-o, em termos relacionais, como um elemento governado por
estruturas e sistemas, continuando a questionar também as diver-
sas construções filosóficas do sujeito: o sujeito cartesiano-kantia-
no, o sujeito hegeliano e fenomenológico; o sujeito do
existencialismo, o sujeito coletivo marxista.
Agenealogia do pós-estruturalismo francês tem que ser com-
preendida, em parte, por suas filiações com o pensamento de
Nietzsche. Em particular, com sua crítica da verdade e sua ênfase
na pluralidade da interpretação; com a centralidade que ele con-
cede à questão do estilo, visto como crucial, tanto filosófica quanto
esteticamente, para que cada um se supere a si próprio, em um
processo de perpétuo autodevir; com a importância dada ao
conceito de. vontade de potência e suas manifestações como vonta-
de de verdade e vontade de saber. Esses temas filosóficos foram
assumidos, adotados e experimentados pelos pós-estruturalistas
franceses sob novas e estimulantes formas. Foucault, por exemplo,
desenvolveu a genealogia nietzscheana como uma forma de histó-
ria crítica que resiste à busca por origens e essências, concentrando-
se, em vez disso, nos conceitos de proveniência e emergência. Ao
analisar, por meio do uso de narrativas e da narratoiogia, a pragmá-
tica da linguagem, Lyotard demonstra a mesma aversão que tinha
Nietzsche pelas tendências universaüzantes dafilosofiamoderna. Der-
rida, seguindo Nietzsche, Heidegger e Saussure, questiona os
pressupostos que governam o pensamento binário, demonstrando
como as oposições binárias sustentam, sempre, uma hierarquia ou
uma economia do valor que opera pela subordinação de um dos
termos da oposição binária ao outro, utilizando a desconstrução
para denunciar, deslindar e reverter essas hierarquias. Deleuze (1983,
original de 1962) fixa-se na diferença como o elemento caracte-
rístico que permite substituir Hegel por Nietzsche, privilegiando
os "jogos da vontade de potência" contra o "trabalho da dialética".
Todos esses pensadores enfatizam que o significado é uma
construção ativa, radicalmente dependente da pragmática do con-
texto, questionando, portanto, a suposta universalidade das cha :
madas "asserções de verdade". Foucault vê a verdade como o
produto de regimes ou gêneros discursivos que têm seu próprio e
irredutível conjunto de regras para construir sentenças ou propo-
sições bem formadas. Seguindo Nietzsche, todos eles questio-
nam o sujeito cartesiano-kantiano humanista, ou seja, o sujeito
autônomo, livre e transparentemente autoconsciente, que é tra-
dicionalmente visto como a fonte de todo o conhecimento e
da ação moral e política. Em contraste, e seguindo a crítica da
filosofia liberal feita por Nietzsche, eles descrevem o sujeito em
toda sua complexidade histórica e cultural - um sujeito "'descen-
trado" e dependente do sistema lingüístico, um sujeito discursi-
vamente constituído e posicionado na intersecçáo entre as forças
libidinais e as práticas socioculturais. O sujeito, outra vez sob a
influência de Nietzsche, é visto, em termos concretos, como
corporificado c generificado, um ser temporal que chega, fisiologi-
camente falando, à vida e enfrenta a morte e a extinção como
corpo, mas que é, entretanto, infinitamente maleável e flexível,
estando submetido às práticas e às estratégias de normalização e
individualização que caracterizam as instituições modernas.
Devemos compreender o pós-estruturalismo, no seu desen-
volvimento no contexto histórico francês, tanto como uma rea-
ção quanto como uma fuga relativamente ao pensamento
hegeliano. Essa reação ou fuga, para sintetizar a questão em ter-
mos deleuzianos, envolve, essencialmente, a celebração do "jogo
da diferença" contra o "trabalho da dialética". O livro de Deleuze,
Nietzsche e a filosofia, representa um dos momentos inaugurais do
pós-estruturalismo francês, em uma interpretação de Nietzsche
que enfatiza o jogo da diferença, utilizando esse último conceito
como o elemento central de um vigoroso ataque à dialética hege-
liana. Tal como sintetizado pelo próprio Deleuze:

Três idéias definem a dialética: a idéia de um poder do negativo


como princípio teórico que se manifesta na oposição e na contra-
dição; a idéia de um valor do sofrimento c da tristeza, a valoriza-
ção das "paixões tristes", como princípio prático que se manifesta
na cisão, na separação; a idéia da positividade como princípio
teórico c prático da própria negação. Não é exagero dizer que
toda a filosofia de Nietzsche, cm seu sentido polêmico, é a de-
núncia dessas três idéias (1983, p. 195-96).

Deleuze contrasta a força negativa da dialética e sua predispo-


sição puramente reativa - o positivo é obtido apenas por meio da
dupla negação, "a negação da negação" - com a força puramente
positiva da afirmação inerente à "diferença", a qual é tomada como
a base de um pensamento radical que não e nem hegeliano nem
marxista. Em uma vigorosa passagem, Deleuze afirma:

-33
"A dialética hcgcliana consiste, na verdade, cm uma reflexão so-
bre a diferença, mas de imagem invertida. N o lugar da afirmação
da diferença como tal, ela coloca a negação daquilo cm relação ao
\ qual ela difere; no lugar da afirmação do eu, ela coloca a negação
do outro; e no lugar da afirmação da afirmação, ela coloca a fa-
mosa negação da negação" (1983, p. 196). Em suma, a dialética
hcgcliana reflete uma falsa imagem da diferença.

A crítica nietzscheana da dialética, feita por Deleuze, uma das


chaves para se compreender o pós-estruturalismo francês, deveria
ser mais reconhecida como uma base legítima para uma teorização
radical alternativa. A interpretação que Deleuze faz de Nietzsche
torna-se, de fato, o ponto de virada para a filosofia francesa, abrin-
do novos espaços para o filosofar, ajudando a re-instaurar uma tra-
dição banida e fornecendo as bases para um modo alternativo de
pensamento crítico tanto dentro da França quanto fora dela.
Em sua primeira geração, o pós-estruturalismo é exemplifi-
cado pelo trabalho de Jacques Derrida, Michel Foucault, Julia
Kristeva, Jean-François Lyotard, Gilles Deleuze, Luce Irigaray, Jean
Baudrillard, entre muitos outros. Historicamente, sua formação
e seu desenvolvimento institucional inicial podem ser ligados à
influente revista TelQuel, havendo fortes conexões com figuras lite-
rárias tais como Maurice Blanchot e Roland Barthes. Os pensado-
res pós-estruturalistas desenvolveram formas peculiares e originais
de análise (gramatologia, desconstrução, arqueologia, genealogia,
semioanálise), com freqüência dirigidas para a crítica de institui-
ções específicas (como a família, o Estado, a prisão, a clínica, a esco-
la, a fábrica, as forças armadas, a universidade e até mesmo a própria
filosofia) e para a teorização de uma ampla gama de diferentes meios
(a "leitura", a "escrita", o ensino, a televisão, as artes visuais, as artes
plásticas, o cinema, a comunicação eletrônica).

34-
4- INOVAÇÕES TEÓRICAS
E DIFERENÇAS RELATIVAMENTE
AO ESTRUTURALISMO

O pós-estruturalismo tem algumas características em comum


com o estruturalismo, mas também difere dele em certos aspectos.
Discutiremos, neste capítulo, as principais tendências e inovações
teóricas, destacando tanto as afinidades e continuidades entre o
pós-estruturalismo e o estruturalismo quanto suas diferenças.

Afinidades com o estruturalismo

Podemos começar com a crítica da filosofia humanista do


Renascimento e do sujeito racional, autônomo e autotransparente
do pensamento humanista. O pós-estruturalismo partilha com o
estruturalismo a mesma suspeita relativamente ao privilegiamento
da consciência humana que caracteriza tanto a fenomenologia quan-
to o existencialismo: sustentam, ambos, um ceticismo para com a
concepção que vê a consciência humana como autônoma, como
diretamente acessível e como a única base da compreensão e da
ação. De acordo com essa perspectiva, a fenomenologia e o exis-
tencialismo são herdeiros do pensamento humanista do Renasci-
mento, que tinha como pressuposto a existência de um eu estável,
coerente, apreensível, capaz de desenvolver um conhecimento
sobre si próprio e sobre o mundo por meio da razão. Essa tradi-
ção, ao menos na era moderna, remonta a Bacon e a Descartes,
enfatizando uma forma "científica" de conhecimento - um co-
nhecimento produzido por um eu racional e objetivo, um conhe-
cimento capaz de fornecer verdades universais sobre o mundo.
Esse conhecimento científico poderia supostamente ser aplicado
a todas as práticas e instituições humanas, sendo considerado a
base última daquilo que é verdadeiro e, portanto, daquilo que é
certo e daquilo que é bom.
O pós-estruturalismo, tanto quanto o estruturalismo, efetua um
enérgico ataque aos pressupostos "universalistas" da racionalidade,
da individualidade, da autonomia e da autopresença que estão subja-
centes ao sujeito humanista. Representam, ambos, uma reação ao
subjetivismo e à liberdade pessoal do existencialismo sartreano, bem
| como ao ativo papel histórico concedido por esse último ao ego
| consciente. O pós-estruturalismo, tal como o estruturalismo, cultiva
I uma forte suspeita relativamente à idéia de autoconhecimento, ca-
racterística do hegelianismo, sugerindo que as estruturas sócio-cul-
turais exercem um papel importante na formação da autoconsciência.
É importante, para o desenvolvimento do pós-estruturalismo,
a teorização heideggeriana sobre a "subjetividade". Heidegger ar-
gumenta que o ser-no-mundo tem precedência sobre o autoco-
nhecimento e a autonomia do sujeito. Em sua famosa "Carta sobre
o humanismo", Heidegger nega, de forma explícita, que sua fe-
nomenologia hermenêutica constitua uma espécie de humanis-
mo. Tal como Heidegger, o pós-estruturalismo questiona as filosofias
do sujeito que não levam em conta as condições externas de suas
próprias possibilidades. Para o pós-estruturalismo, a ênfase na au-
toconsciência absoluta e no seu suposto universalismo é parte inte-
grante dos processos que tendem a excluir o Outro, ou seja, aqueles
grupos sociais e culturais que agem de acordo com critérios cultu-
rais diferentes. Em vez da autoconsciência, o pós-estruturalismo
enfatiza a constituição discursiva do eu - sua corporeidade, sua
temporalidade e sua finitude, suas energias inconscientes e libidi-
j nais - e a localização histórica e cultural do sujeito.
| Podemos destacar, além disso, no estruturalismo e no pós-
I estruturalismo, uma mesma compreensão teórica geral da lingua-
gem e da cultura, que são concebidas em termos de sistemas
lingüísticos e simbólicos nos quais as inter-relações entre elemen-
tos que os constituem são vistas como mais importantes do que os
elementos considerados isoladamente. Tanto o estruturalismo quan-
to o pós-estruturalismo sustentam a concepção saussureana de que
os signos lingüísticos operam de forma reflexiva e não de forma
referencial: eles dependem da operação auto-reflexiva da diferen-
ça. De acordo com essa inspiração, os sistemas simbólicos (por
exemplo, a cidade, a moda, a escola, a sala de aula) podem, em sua

36
!
maior parte, ser analisados como uma espécie de código, isto é, eles
podem ser concebidos, em termos semióticos, como uma lingua-
gem. O pensamento pós-estruturalista desenvolveu uma série de
diferentes métodos e abordagens como, por exemplo, a arqueolo-
gia, a genealogia, a desconstrução, cada um dos quais funciona de
acordo com sua própria lógica, mas, considerados em seu conjun-
to, eles tendem a enfatizar as noções de diferença, de determinação
local, de rupturas ou descontinuidades históricas, de serialização,
de repetição e uma crítica que se baseia na idéia de "desmantela-
mento" ou de "desmontagem" (leia-se "desconstruçao"). Essa pos-
tura relativamente ao significado e à referência pode ser interpretada
como uma espécie de anti-realismo, isto é, uma posição epistemo-
lógica que se recusa a ver o conhecimento como uma representa-
ção precisa da realidade e se nega a conceber a verdade em termos
de uma correspondência exata com a realidade.
Os pós-estruturalistas, tanto quanto os estruturalistas, exi-
bem, especialmente em relação com a literatura, uma grande sen-
sibilidade textual e uma compreensão complexa da importância
do estilo tanto na filosofia quanto nas ciências humanas. Reco-
nhecendo sua dívida para com Jakobson e para com Propp, os
pós-estruturalistas desenvolveram estratégias e abordagens filo-
sóficas altamente inovadoras e sofisticadas para a análise de textos
e de artefatos históricos e culturais que podem também ser vistos,
em um sentido mais amplo, como "textos". Em particular, a teo-
ria narrativa e a narratologia devem sua importância e populari-
dade aos modos estruturalistas e pós-estruturalistas de análise.
O pós-estruturalismo partilha com o estruturalismo uma ên-
fase comum no inconsciente e nas estruturas ou forças sociohis-
tóricas subjacentes que constrangem e governam nosso
comportamento. Grande parte da inovação do estruturalismo e do
pós-estruturalismo tem uma dívida direta para com Freud. A aná-
lise que Freud fez do inconsciente abalou a visão filosófica domi-
nante, fundamentada na pura racionalidade e na autotransparência
do sujeito, colocando em questão as distinções tradicionais entre
razão e desrazão (loucura). Grande parte da ênfase pós-estrutura-
lista no desejo, no corpo e na sexualidade deve-se à influência de
Freud. Jacques Lacan, por exemplo, retomando o espírito crítico
de Freud, faz uma leitura estruturalista que enfatiza as condições
estruturais e lingüísticas que subjazem ao indivíduo como sujeito
do desejo e da linguagem. Em vez de um sujeito visto como es-
tando em posse de si próprio (como na tradição anglo-americana
da psicanálise), Lacan vê o eu em sua relação com a linguagem
("o inconsciente é estruturado como uma linguagem"). Tal como
descrito por Hengehold (1998, p. 199): "a teoria de Lacan des-
creve um sujeito inevitavelmente dividido: um sujeito que se for-
ma na luta da criança para ser representada pela linguagem, para
ser representada como um falante. A especificidade e o desejo
sexuais do sujeito que resultam desse processo são marcas irrevo-
gáveis dessa divisão ou dessa insuficiência". Essa herança pode
explicar, talvez, a ênfase dada, na obra de Foucault, Derrida, Lyo-
tard e Deleuze/Guattari, aos sujeitos do desejo e da sexualidade,
bem como, mais recentemente, uma ênfase similar - porém mais
crítica em termos de gênero - no trabalho das feministas pós-
estruturalistas, entre as quais Julia Kristeva e Luce Irigaray.
Podemos destacar, assim, uma herança e uma tradição inte-
lectuais que são comuns ao estruturalismo e ao pós-estruturalis-
mo, uma herança e uma tradição que estão baseadas em Saussure,
em Jakobson, nos formalistas russos, em Freud e em Marx, entre
outras influências. Essa história intelectual comum é como uma
complexa rede, feita de muitos nós. Uma geração inteira de pen-
sadores estruturalistas foi influenciada pelas interpretações "exis-
tencialistas" da Fcnomenologici do espírito, de Hegel, feitas por
Alexander Kojéve e Jean Hyppolite. O pós-estruturalismo foi
fortemente influenciado pela crítica nietzscheana da verdade e
pelo conceito nietzscheano de "vontade de potência"; pela crítica
heideggeriana da metafísica ocidental; pelo trabalho de Merleau-
Ponty sobre o corpo; pela ética do outro de Emmanuel Levinas;
pela leitura estruturalista de Freud, feita por Lacan; e pela leitura
estruturalista de Marx, feita por Althusser.

Inovações teóricas e diferenças


relativamente ao estruturalismo
Enquanto o estruturalismo buscava apagar a história por meio
da análise sincrônica das estruturas, o pós-estruturalismo mostra
um renovado interesse por uma história crítica, ao se concentrar na
análise diacrônica, na mutação, na transformação e na descontinui-
dade das estruturas; na serialização; na repetição; na arqueologia;
e, talvez, de forma mais importante, naquilo que Foucault, seguin-
do Nietzsche, chama de "genealogia". As narrativas genealógicas
substituem a ontologia ou, para expressar a mesma idéia de uma
forma diferente, as questões de ontologia tornam-se historicizadas.
O pós-estruturalismo questiona o cientificismo das ciên-
cias humanas, adota uma posição antifundacionalista em ter-
mos epistemológicos e enfatiza um certo perspectivismo em
questões de interpretação. O movimento pós-estruturalista ques-
tiona o racionalismo e o realismo que o estruturalismo havia
retomado do positivismo, com sua fé no progresso e na capaci-
dade transformativa do método científico, colocando em dúvi-
da, além disso, a pretensão estruturalista de identificar as
estruturas universais que seriam comuns a todas as culturas e à
mente humana em geral. Como escreve um autor:

As críticas pós-estruturalistas ao estruturalismo estão, tipica-


mente, baseadas cm duas teses fundamentais: (1) nenhum sis-
tema pode ser autônomo (auto-suficiente) da forma que o
estruturalismo exige; e (2) as dicotomias definidoras nas quais
o sistema estruturalista está baseado expressam distinções que
não se sustentam após uma cuidadosa análise. Os pós-estrutu-
ralistas mantêm a crítica estruturalista do sujeito, negando ao
sujeito qualquer papel importante na fundação da realidade ou
no conhecimento que podemos ter dessa realidade. Mas, cm
oposição ao estruturalismo, eles também rejeitam a idéia de que
um sistema de pensamento possa ter qualquer fundamentação
lógica (cm sua coerência interna, por exemplo). Para os pós-
estruturalistas, não existe nenhuma fundação, de qualquer tipo,
que possa garantir a validade ou a estabilidade de qualquer sis-
tema de pensamento (GUTTING, 1998, p. 597).

Como argumenta Gutting, o princípio de que "a estrutura


lógica de um sistema exige que seus conceitos sejam definidos
sem ambigüidade" implica que os conceitos sejam definidos em
termos de dicotomias ou oposições binárias fundamentais (por
exemplo, a distinção, em Saussure, entre significante e significado).
O pós-estruturalismo questiona o status privilegiado dessas dis-
tinções ou dicotomias: elas não são nem fundacionais nem exclu-
sivas da forma que os estruturalistas supõem que elas sejam.
Como destaquei anteriormente, a redescoberta de Nietzsche e
a interpretação que Heidegger fez dele foram extremamente impor-
tantes para a emergência do pós-estruturalismo. As contribuições de
Nietzsche proporcionam uma nova forma de se teorizar a operação
discursiva do poder e do desejo na constituição e na auto-superaçao
dos sujeitos humanos. Heidegger, em seu Nietzsche, publicado pela
primeira vez em 1961, concentra-se na análise do livro A vontade de
potência (um trabalho composto de notas e publicado pela primeira
vez, de forma póstuma, pela irmã de Nietzsche), interpretando Niet-
zsche como sendo "o último metafísico". Essa interpretação "reduti-
va", feita por Heidegger, é questionada, entretanto, entre outros,
por Derrida. Sobre a importância de Nietzsche para o pós-estrutura-
lismo, afirma Alan Schrift (1996a, p. 452):

A crítica da noção dc verdade, feita por Nietzsche; sua ênfase na


interpretação c nas relações diferenciais dc poder; c sua atenção a
questões dc estilo no discurso filosófico tornaram-se motivos cen-
trais para os pós-estruturalistas, na medida cm que isso lhes per-
mitiu se distanciaram das ciências humanas e se voltarem para a
análise filosófico-crítica da escrita c da textualidade (Derrida);
das relações de poder, do discurso c da construção do sujeito
(Foucault); do desejo e da linguagem (Deleuze); dc questões dc
julgamento estético e político (Jcan-François Lyotard); c dc ques-
tões dc diferença sexual e dc construção dc gênero (Lucc Irigaray,
Julia Kristeva, Hclène Cixous). (SCHRJFT, 1996a, p. 452)

Boa parte da história do pós-estruturalismo pode ser vista


como consistindo de elaborações teóricas da noção de tecnologia
de Heidegger. Afilosofiada tecnologia de Heidegger vincula-se à
sua crítica da história da metafísica ocidental. A essência da tec-
nologia consiste em uma poiesis (ou um "produzir"), a qual está
enraizada num desabrigar ou desocultar (aletheia). Ele sugere que
a essência da tecnologia moderna mostra-se naquilo que ele chama
de "GesteW ou "armação" e que se revela como "um depósito de
reserva", um conceito que se refere aos recursos que estão armaze-
nados tendo em vista o consumo futuro. Como tal, a tecnologia
moderna nomeia o estágio final dessa época particular: um arma-
zenamento em princípio completamente determinável e devota-
do inteiramente ao uso humano. Ele sugere que a essência da
tecnologia não é nada tecnológica; ela é, em vez disso, um siste-
ma (Gestell), uma visão abrangente da tecnologia, descrita como
um modo de existência humana que se concentra na forma como
a tecnologia da máquina pode alterar nosso modo de ser, distor-
cendo nossas ações e aspirações. Heidegger é cuidadoso em não
aparecer nem como um otimista nem tampouco como um pessi-
mista. Ele vê seu próprio trabalho como uma preparação para um
novo começo, permitindo-nos escapar do niilismo e possibilitan-
do que o indivíduo decidido alcance a autenticidade.
A filosofia de Heidegger teve uma forte influência tanto sobre
Derrida (destruição/desconstrução; ausência/presença) quanto so-
bre Foucault. A noção de "tecnologia" presente na expressão "tec-
nologias do eu", utilizada por Foucault, deriva, conceitualmente,
de Heidegger. O conceito de tecnologia de Heidegger está presen-
te também nas análises, feitas por vários pós-estruturalistas, sobre
o poder das novas tecnologias de informação e comunicação (o
"ciberespaço") e a mídia em geral, para reestruturar e reconfigurar
nossas subjetividades e identidades (por exemplo, Derrida sobre a
"leitura" e a "escrita"; Deleuze sobre o cinema; Baudrillard sobre a
"sociedade da mídia" e o "sistema de objetos").
O pós-estruturalismo, ao efetuar uma crítica política dos valo-
res iluministas, representa um aprofundamento da noção de demo-
cracia. Em sua crítica, os pós-estruturalistas argumentam que as
democracias liberais modernas constroem a identidade política com
base em uma série de oposições binárias (por exemplo, nós/eles,
cidadão/não-cidadão, responsável/irresponsável, legítimo/ilegítimo)
que têm o efeito de excluir certos grupos culturais ou sociais. Por
exemplo, os países ocidentais concedem certos direitos aos seus
cidadãos (os direitos se tornam dependentes da cidadania), passan-
do a considerar os não-cidadãos (isto é, os imigrantes, aqueles que
buscam asilo político e os refugiados) como "estranhos". Algumas
correntes do pensamento pós-estruturalista estão interessadas em
examinar como essas fronteiras são socialmente construídas e
como elas são mantidas e policiadas. Em particular, a operação de
desconstrução das hierarquias políticas que se baseiam em oposi-
ções binárias é vista como central nas discussões sobre multicultu-
ralismo e sobre feminismo. Da mesma forma, o questionamento
das noções de representação e de consenso possibilitado pelas cha-
madas "filosofias da diferença" tem uma enorme influência sobre
diversas análises das configurações políticas contemporâneas. As-
sim, as "filosofias da diferença" criticam, de forma direta, os valo-
res supostamente universais da cultura política (eurocêntrica) do
Iluminismo, questionando, em particular, as justificações fundacio-
nais efilosóficasfornecidas para o estabelecimento de certos "direi-
tos", os quais são analisados em termos de sua construção
genealógica e discursiva, destacando-se, nessas análises, as transi-
ções do "direito divino" para o "direito natural" e do "direito natu-
ral" para o "direito humano".
Destaca-se, nesse sentido, nos últimos trabalhos de Foucault,
a noção de "governamentalidade", a qual permitiu o desenvol-
vimento de um corpo substancial de trabalhos contemporâneos
em filosofia política que lidam diretamente com a idéia de razão
política. Foucault cunhou o termo "governamentalidade" no con-
texto de sua análise do liberalismo e do neoliberalismo. Ele uti-
liza o termo "governamentalidade" para se referir à arte do go-
verno e para assinalar a emergência de um tipo característico de
governo, o qual se tornou a base da política liberal moderna.
Ele sustenta que a "arte do governo" emerge no século XVI,
motivada por diversas exigências: o governo de si (conduta pes-
soal); o governo das almas (doutrina pastoral); o governo das
crianças (pedagogia). E em torno da mesma época que a "eco-
nomia" é introduzida na prática política como parte da gover-
namentalização do Estado. O que distingue a abordagem de
Foucault é que ele está interessado na questão de como o poder é
exercido, criticando, assim, de forma implícita, a tendência con-
temporânea a supervalorizar o lugar do Estado, reduzindo-o a
uma unidade dotada de uma certa funcionalidade.
Se existe um elemento que distingue o pós-estruturalismo é a
noção de différence [diferença], que vários pensadores utilizam,
desenvolvem e aplicam de formas variadas. A noção de diferença
tem sua origem em Nietzsche, em Saussure e em Heidegger.Gilles
Deleuze (1983, original de 1962), em Nietzsche e afilosofia,inter-
preta a filosofia de Nietzsche como uma crítica à dialética hegelia-
na, uma crítica que está baseada precisamente no conceito de
"diferença". A noção de diferença de Derrida, por sua vez, está
vinculada a duas fontes principais: a concepção de Saussure de que
os sistemas lingüísticos são constituídos por meio da diferença e a
noção de diferença de Heidegger. A noção de différence [diferen-
ça], utilizada por Derrida pela primeira vez em 1959, evoluiu, dez
anos mais tarde, para o conceito de différance.
A différance, como assinala o próprio Derrida (1981, p. 8-9),
refere-se não apenas ao "movimento que consiste em diferir, por
adiamento, delegação, prorrogação, dilação, rodeio, retardo, re-
serva", mas também ao "desdobramento da diferença", da dife-
rença ôntico-ontológica que Heidegger destacou como sendo a
diferença entre o Ser e os entes. Como tal, a différance é vista deter-
minando os limites lingüísticos do sujeito.
Lyotard (1988), por outro lado, inventa o conceito de
différend [diferendo], o qual, ele sugere, estabelece a própria
condição para a existência do discurso, ou seja, a de que "não
existe, em geral, uma regra universal de julgamento que permita
decidir entre gêneros heterogêneos de discurso" (p. xi). Ou, ain-
da, em outros termos, "não existe qualquer gênero cuja hege-
monia sobre outros possa ser considerada justa" (p. 158). Um
diferendo, tal como Lyotard (1988) o define, "é um caso de con-
flito, entre (ao menos) dois partidos, que não pode ser eqüitati-
vamente resolvido por falta de uma regra de julgamento aplicável
a ambos os argumentos" (p. xi).
Utilizamos a definição da "condição pós-moderna", de
Lyotard, para caracterizar o pós-estruturalismo como uma pers-
pectiva que combina uma suspeita relativamente a argumentos
e pontos de vista transcendentais com uma rejeição das descri-
ções canônicas e dos vocabulários finais. Em particular, a "sus-
peita para com as metanarrativas" centra-se na questão da
legitimação na era moderna, na qual várias grandes narrativas têm
sido utilizadas para legitimar o poder do estado. Não existe qual-
quer discurso-mestre, qualquer discurso que possa ser considerado
neutro ou que possa representar uma síntese, qualquer discurso
que possa expressar qualquer suposta unidade ou universalida-
de epistemológica ou que permita decidir entre visões, asser-
ções ou discursos em conflito. A "virada lingüística1' na filosofia
e nas ciências sociais do século XX impede qualquer posição de
neutralidade metalingüística ou qualquer privilégio epistemoló-
gico fundacional.
A última característica central do pós-estruturalismo, que to-
mamos de Foucault, é a analítica do poder, ou seja, o diagnóstico
das estruturas de "saber-poder" e a denúncia das tecnologias da
dominação. Para Foucault, o poder é produtivo. O poder está dis-
perso por todo o sistema social, estando estreitamente vinculado
ao saber. O poder é produtivo porque ele não é apenas repressivo,
mas também cria novos saberes - que podem não apenas oprimir,
mas também libertar. Ele está disperso porque não está localizado
em um único centro como, por exemplo, o Estado. Além disso, o
poder faz parte da constelação de "saber-poder", o que significa
que o saber, no sentido das práticas discursivas, é produzido por
meio do exercício do poder, a serviço do controle do corpo.
5 - SÍNTESE

Nesta primeira parte argumentei que, embora haja sobrepo-


sições históricas e teóricas e semelhanças entre o pós-modernis-
mo e pós-estruturalismo, é possível estabelecer distinções entre
eles ao se examinar os dois movimentos em termos de suas res-
pectivas genealogias intelectuais, suas trajetórias e aplicações teó-
ricas. Podemos perceber melhor essas diferenças quando
focalizamos os objetos a que, respectivamente, eles se referem - o
modernismo, no caso do pós-modernismo, e o estruturalismo,
no caso do pós-estruturalismo.
Argumentei também que o desenvolvimento teórico do es-
truturalismo francês, durante o final dos anos 50 e durante os
anos 60, levou à institucionalização de um megaparadigma
transdisciplinar que tinha como base o modelo da lingüística estru-
tural, contribuindo para integrar as humanidades e as ciências soci-
ais. O estruturalismo destacava-se, entretanto, por uma concepção
demasiadamente cientificista. Destaquei também que o estrutura-
lismo deve ser compreendido no contexto da chamada "virada lin-
güística" que caracterizou a filosofia ocidental recente. Essa virada
representou uma vigorosa crítica tanto ao sujeito humanista, cons-
truído como um indivíduo autônomo, livre e criativo ou expressi-
vo, quanto ao modelo de texto e de interpretação textual que tinha
seu centro nesse "sujeito", um modelo que vinculava o significado
do texto às intenções conscientes de seu suposto autor.
O pensamento pós-estruturalista, em grande medida, parti-
lhou com seu antecessor imediato - o estruturalismo - esse ques-
tionamento radical da problemática do sujeito humanista.
Inspirado em Nietzsche e em Heidegger e condicionado pelo
denso ambiente intelectual parisiense dos anos do pós-guerra, o
pós-estruturalismo, entretanto, também questionou as pretensões
cientificistas e a tendência totalizante do estruturalismo, o qual
tinha sido elevado ao status de uma teoria universalmente válida

_ 45
para compreender a linguagem, o pensamento, a sociedade, a
cultura e a economia e, na verdade, todos os aspectos da atividade
humana. O ocaso, após 1968, da confiança nas ambições científi-
cas do estruturalismo resultou em um novo e crítico pluralismo,
descentrando a instituição e a força do discurso-mestre do estru-
turalismo, promovendo, ao mesmo tempo, uma ênfase na plura-
lidade da interpretação por meio dos conceitos de jogo,
indeterminação e.différance. Embora o pós-estruturalismo levasse
adiante o processo de descentramento do sujeito e, tal como o
estruturalismo, rejeitasse o representacionalismo das perspectivas
mais tradicionais, ele também se distanciou decididamente de todas
as formas de fundacionalismo, uma tendência da qual o próprio
estruturalismo não estava livre.
E importante, quando se discute o pós-estruturalismo, re-
conhecê-lo como um movimento (no sentido musical do termo,
talvez) ou como uma complexa trama formada de muitas e dife-
rentes correntes. Podemos dizer também que o pós-estruturalis-
mo, como um movimento, está em sua terceira ou quarta gera-
ção. Os efeitos teóricos do trabalho da primeira geração
(Foucault, Derrida, Lyotard, Deleuze) são claramente evidentes
em uma variedade de disciplinas, incluindo a filosofia, a socio-
logia, a política e os estudos culturais, entre outros. Se o pós-
estruturalismo, em sua primeira e segunda gerações, pode ser
visto como, em grande parte, um empreendimento francês, a
situação agora é bem diferente: os pós-estruturalistas de terceira
e quarta gerações (feministas, pós-colonialistas, psicanalistas, ne-
ofoucaultianos, neodeleuzeanos, neoderrideanos) procuram de-
senvolver e aplicar o pensamento da primeira geração em uma
série de experimentos e de mutações teóricas, escapando a qual-
quer tentativa de uma definição única, porque o pensamento
pós-estruturalista é uma obra em andamento.
P A R T E N

A filosofia da diferença,
Nietzsche e a crítica da razão
í
í
í
t

54
Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós
mesmos somos desconhecidos...
Friedrich Nietzsche, Prólogo à Gcnealogia da moral, tradução de
Paulo César de Souza, São Paulo, Cia. das Letras, 1998, p. 7.

O confronto com Nietzsche ainda não começou, nem tam-


pouco foram estabelecidos os pré-requisitos para isso. Por um
longo tempo, Nietzsche tem sido ou celebrado c imitado ou
vilipendiado c explorado. O pensamento e a fala de Nietzsche
são ainda demasiadamente contemporâneos para nós. Ele e
nós não estamos ainda suficientemente separados na história;
falta-nos a distância necessária para uma avaliação razoável da
força desse pensador.
Martin Heidegger, Nietzsche, volume 1, The witt to powcr as art,
tradução de D. Krell, San Francisco, Harper, 1991, p. 4.

49
6- A CRÍTICA DA RAZÃO

Como vimos nos capítulos anteriores, as várias correntes de


pensamento que podem ser reunidas sob o rótulo de "pós-estrutu-
ralismo" representam, juntas, uma reavaliação radical da cultura do
Iluminismo e de sua concepção de uma razão universal. Sabina
Lovibond (1989, p. 6) descreve isso de uma forma bastante clara,
embora ela confunda "pós-modernismo" e "pós-estruturalismo":

0 Iluminismo descreveu a raça humana como estando envolvida


1 em um esforço em direção a uma moral universal e à auto-reali-
zaçlo intelectual, aparecendo, assim, como o sujeito de uma ex-
periência história universal; ele também postulou uma razão
humana universal relativamente à qual as tendências sociais e po-
líticas podiam ser avaliadas como "progressistas" ou não (o obje-
tivo da política era definido como a realização da razão na prática).
O pós-modernismorejeita essa descrição, isto e, ele rejeita a dou-
trina dá w i d a d e da razão. Ele se recusa a conceber a humanidade
como um sujeitcTúhitário que se esforça em direção ao objetivo
da perfeita coerência (cm seu conjunto partilhado de crenças) ou
da perfeita coesão e estabilidade (em sua prática política). O pós-
modernismo postula que existe uma pluralidade de mzõèi\ irre-
dutíveis, incomensuráveis e relacionadas a gêneros, tipos de
discurso e epistemes específicos, visão que contrasta com a pre-
tensão iluminista à universalidade e com a concepção de uma
razão humana unificada, a qual, concebida como "o" padrão de
racionalidade, supostamente funda todas as asserções de conheci-
mento, independentemente de tempo e espaço, e proporciona o
fundamento para um sujeito unitário, considerado como o agen-
te de uma mudança historicamente progressista.

Lovibond descreve, nessa passagem, o sonho modernista do


"progresso", um sonho que está baseado em uma razão científica.
Sua descrição também ajuda a explicar a fé que os liberais têm no
projeto de uma "razão educadora", de uma educação universal

50
baseada em métodos universais igualmente aplicáveis a todas as na-
ções e culturas e de uma educação de massa que funciona segundo o
princípio do mérito, equipando os indivíduos com as habilidades, as
atitudes e os atributos necessários para se tornarem cidadãos úteis e
bons trabalhadores. Lovibond discute ainda os temas liberais e mar-
xistas progressistas do pensamento iluminista, que estão baseados
em apelos à liberdade e à igualdade, as quais seriam efetivadas por
meio da educação da razão. E esse ceticismo "pós-moderno" para
com a concepção iluminista que caracteriza a crítica pós-estrutura-
lista da razão, manifestando-se mais claramente na influência de
Nietzsche sobre uma variedade de pensadores pós-estruturalistas.
De acordo com Magnus Bernd (1989) a filosofia ou a críti-
ca pós-estruturalista concentra-se em um conjunto nuclear de
conceitos que têm origem em Nietzsche: uma perspectiva an-
tiepistemológica ou pós-epistemológica; um anti-essencialis-
mo; um anti-realismo em termos de significado e de referência;
um antifundacionalismo; uma suspeita relativamente a argumen-
tos e pontos de vista transcendentais; a rejeição de uma descri-
ção do conhecimento como uma representação exata da
"realidade"; a rejeição de uma concepção de verdade que a julga
pelo critério de uma suposta correspondência com a "realida-
de;" a rejeição de descrições canônicas e de vocabulários finais;
e, finalmente, uma suspeita relativamente às metanarrativas.
Magnus caracteriza a filosofia pós-moderna e, por extensão,
a filosofia pós-estruturalista como uma perspectiva que insiste no
fato de que todos os vocabulários são opcionais e contingentes:
"A história da filosofia depõe contra o realista metafísico precisa-
mente porque não há agora, nem nunca houve, jamais, um con-
senso canônico sobre qualquer questão filosófica" (MAGNUS, 1 9 8 9 ,
p. 304). Ele identifica sete temas centrais nos escritos de Nietzsche,
os quais, considerados coletivamente, podem ser pensados como
afinidades eletivas que ajudaram a moldar o discurso pós-moder-
no diretamente, como no caso de Heidegger, Derrida, Foucault,
Lyotard, Paul de Man, Deleuze e Félix Guattari, ou indiretamen-
te, como no caso de Hans-Georg Gadamer, Jürgen Habermas,
Richard Rorty, Wilfred Sellars, Willard van Quine, Paul Feyera-
bend e Hilary Putnam. Ele especifica essas sete afinidades eletivas
como: 1) perspectivismo; 2) o diagnóstico e a crítica do bina-
rismo, juntamente com a crítica da metafísica da presença; 3) a
substituição da ontologia por narrativas genealógicas; 4) um
diagnóstico da conexão poder-saber, bem como das estruturas
de dominação ideológica; 5) um borramento das fronteiras en-
tre filosofia e literatura; 6) a desarticulação do eu; 7) e o caráter
autodevorante, autodestruidor, do próprio discurso e das pró-
prias categorias de Nietzsche.
No caso de Derrida, a crítica da razão e da metafísica é feita
em termos dos conceitos da lingüística estrutural. Concentrando-
se em um ensaio pouco conhecido e não publicado durante a vida
de Nietzsche ("Verdade e moralidade em um sentido extra-mo-
ral", 1873), Derrida, na verdade, faz uma associação entre, de um
lado, o ataque de Nietzsche à teoria da verdade como correspon-
dência e, de outro, a lingüística saussureana. A relação arbitrária
entre significante e significado é a concepção epistemológica cen-
tral que inspira Derrida a desenvolver uma visão da linguagem
que a concebe como uma interminável cadeia de significantes,
como um sistema completamente autocontido e auto-referencial
de signos, um sistema independente de qualquer suposta presença.
Essa visão implica um descentramento radical do sujeito em fa-
vor da linguagem, pois "o sujeito e, antes de tudo, o sujeito cons-
ciente e falante, depende de um sistema de diferenças e do
movimento da différance" (DERRIDA, 1981, p. 29).
Derrida argumenta que a ilusão da metafísica ocidental
tem seu fundamento em um logocentrismo que tem privilegia-
do a fala em detrimento da escrita. Em seu livro Gramatobgia,
Derrida (1976, p. 3) centraliza nossa atenção no etnocentrismo
que tem controlado o conceito de escrita. O logocentrismo, a
metafísica da escrita fonética, argumenta Derrida, não é "nada
mais do que o etnocentrismo mais original e poderoso" que
jamais controlou o conceito de escrita, a história da metafísica
(atribuindo a origem da verdade e do logos) e o conceito de
ciência. A gramatologia - a ciência da escrita - vislumbra o fecha-
mento de uma época histórico-metafísica que privilegia o significa-
do do ser em geral como presença - uma autopresença auto-idêntica
e transparente. Na tradição ocidental, "a essência formal do

52
significado é presença e o privilégio de sua proximidade com o
logos como phoné é o privilégio da presença" (DERRIDA, 1976,
p. 18). Seguindo Nietzsche e Heidegger, Derrida tenta demons-
trar que a escrita não é subordinada ao logos ou à verdade: "essa
subordinação veio a existência durante uma época cujo significa-
do devemos desconstruir" (DERRIDA, 1976, p. 19). A filosofia,
de uma forma ou outra, tem tentado congelar o jogo da diffé-
rance: idéias claras e distintas, formas platônicas ideais, um refe-
rente último ou u m "significado transcendental" (o Ser), o
conhecimento absoluto, a forma lógica das proposições e assim
por diante - tudo concebido para impedir a disseminação do
significado. Mas esse fechamento, argumenta Derrida, é impos-
sível porque a filosofia não pode sair para fora da linguagem. A
afirmação de que ela o tenha feito sustenta-se na exclusão ou na
assimilação de tudo aquilo que escapa às grades de inteligibili-
dade que ela impõe ao movimento da différance. Aos olhos de
Derrida, a filosofia, concebida como uma espécie de escrita, está
essencialmente baseada em ilusões logocêntricas e homocêntri-
cas que negam o jogo da différance.
A crítica da razão é, centralmente, uma crítica da razão, do
conhecimento e da educação que têm sua base nos ideais ilumi-
nistas. A condição pós-modcrna, de Lyotard (1984; originalmente
publicado em 1979), um livro que cristalizou uma forma da críti-
ca francesa da razão, seguindo linhas de pensamento kantianas e
wittgensteinianas, é, acima de tudo, uma crítica das metanarrati-
vas ou gr and récits iluministas. Ele argumenta que asserções em
favor de sua presumida totalidade e universalidade e de scustatus
absolutista tornam essas noções, na verdade, a-históricas, quase
como se sua formação ocorresse fora da história e da prática
social. Em contraste, Lyotard quer questionar a base dogmática
dessas metanarrativas iluministas, aquilo que ele chama de sua
natureza "terrorista" ou violenta, a qual, ao afirmar certas "verda-
des", a partir da perspectiva de um determinado discurso, o faz
apenas por meio do silenciamento ou da exclusão das proposi-
ções de um outro discurso. Lyotard, em uma passagem agora
freqüentemente citada, utiliza o termo "moderno" para
designar qualquer ciência que se legitima a si própria com refe- |
rência a um mctadiscurso... tornando explícito um apelo a algu- ;
ma grande narrativa, tal c o m o a dialética do Espírito, a
hermenêutica do significado, a emancipação do sujeito racional
ou trabalhador, ou a criação de riqueza. (LYOTARD, 1984, p. xxiii)
1
Em contraste, ele define "pós-moderno" de maneira elípti-
:
ca, como "incredulidade para com as metanarrativas", o que,
para ele, significa apontar para "a obsolescência do aparato me-
tanarrativo da legitimação" ao qual corresponde "a crise da filo-
sofia metafísica e da instituição da universidade". Ao fazer isso,
Lyotard (1984) desafia as duas grandes metanarrativas hegelia- (
nas: a emancipação da humanidade e a unidade especulativa do
conhecimento. O ataque indireto de Lyotard é contra o conceito
de "totalidade" - em outro local, ele anuncia "uma guerra contra
a totalidade" - e a noção de autonomia subjacente à noção de |
sujeito soberano. Embora Lyotard retorne a Kant e a Wittgens- j
tein para desenvolver seu argumento contra uma razão monoeul- \
tural e universal, o ataque à racionalidade ocidental tem sua origem, '
1
na verdade, em Nietzsche, servindo de fonte de inspiração para o
pós-estruturalismo. A noção de diferencio de Lyotard tem, clara- í
mente, uma semelhança com o conceito de dijférance de Derrida j
e com a noção de diferença de Deleuze (e, anteriormente, com a ;
noção de diferença de Heidegger [ 1974]). Não constitui nenhum j
exagero dizer que o pós-estruturalismo é, ao menos em parte, j
uma reação ao hegelianismo, não apenas à filosofia hegeliana da j
história, mas também ao modelo hegeliano de consciência, am- |
bos os quais influenciaram fortemente Marx e os marxismos na i
França, após a Segunda Guerra Mundial. j

54
7- HEGEL, A MODERNIDADE
E A LÓGICA DA "IDENTIDADE"

Hegel define a "consciência" èm termos de "autoconsciência"


ou "consáência-de-si" e daquilo que ele chama de a "verdade da
autocerteza". Seu livro, Fenomenologfia do espírito (HEGEL, 1977; ori-
ginal de 1807), constitui um marcofilosóficonos estudos modernos
sobre a autoconsciência e a auto-realização. Na seção sobre "auto-
consciência" ou "consciência-de-si", ele desenvolve um modelo da
consciência, do eu e da identidade que inaugura uma nova forma de
pensar, desenvolvendo conceitos que influenciaram as principais pen-
sadores da esquerda da modernidade: Marx, Kojève, Sartre, Lacan e
Fanon, entre muitos outros. Falando em termos gerais, a moderni-
dade de Hegel está centrada no desenvolvimento da idéia de um Eu
que é definido como a negação do Outro. Trata-se de uma caracteri-
zação que inspirou não apenas diversas versões do marxismo, teorias
marxistas da "alienação" e do imperialismo", a fenomenologia (a
interpretação da idéia de "consciência infeliz", feita por Kojève), o
existencialismo e a psicanálise, mas também asfilosofiasda descolo-
nização e da libertação cultural, tais como expressas por pensadores
como Fanon (o "colonizador" e o "colonizado") e Freire (o "opres-
sor" e o "oprimido"). Penso que, nesse contexto, seria útil relembrar
as famosas passagens nas quais Hegel define o que ele chama de
"consciência-de-si", descrevendo-as em termos da dependência/in-
dependência do "senhor" e do "escravo". Ele escreve:

§ 178 - A consciência-de-si c em si e para si quando c porque é


em si e para si para uma Outra; quer dizer, só e como algo reco-
n h e c i d o . (HEGEL, 1 9 9 9 , p . 1 2 6 )

Ele continua:

§ 179 - Para a conscicncia-de-si há uma outra conscicncia-de-si


[ou seja]: ela veio para fora dc si. Isso tem dupla significação:
primeiro, ela se perdeu a si mesma, pois se acha numa outra es-
sência. Segundo, com isso ela suprassumiu o Outro, pois não vê
o Outro como essência, mas é a si mesma que vc no Outro.
§ 180 - A consciência-de-si tem de suprassumir esse scu-scr-Outro.
Esse e o suprassumir do primeiro sentido duplo, c por isso mes-
mo, um segundo sentido duplo: primeiro, deve proceder a su-
prassumir a outra essência independente, para assim vir-a-ser a
certeza de si como essência; segundo, deve proceder a suprassu-
mir a si mesma, pois ela mesma é esse Outro. (p. 126)

E ele amplifica essa análise da seguinte forma:

§ 186 - De início, a conscicncia-dc-si c ser-para-si simples, igual


a si mesma mediante o excluir de si todo o outro. Para ela, sua
essência e objeto absoluto é o Eu; e nessa imediatez ou nesse ser-
para-si é [um] singular. O que é Outro para ela, está como objeto
inessencial, marcado com o sinal do negativo. Mas o Outro é
também uma consciência-de-si; um indivíduo se confronta com
outro indivíduo (...) (p. 128).
§ 187 - [...] a relação das duas consciências-de-si e determinada
de tal modo que elas se provam a si mesmas e uma a outra através
de uma luta de vida ou morte. Devem travar essa luta, porque
precisam elevar à verdade, no Outro e nelas mesmas, sua certeza
de ser-para-si. Só mediante o pôr a vida cm risco, a liberdade [se
conquista] [...]. O indivíduo que não arriscou a vida pode bem
ser reconhecido como pessoa; mas não alcançou a verdade des-
se reconhecimento como uma consciência-de-si independente.
Assim como arrisca sua vida, cada um deve igualmente tender à
morte do outro [...]. (p. 128-9)
§ 188 - [...] Com efeito, como a vida e a posição natural da
consciência, a independência sem a absoluta negatividade, assim
a morte é a negação natural desta mesma consciência, a negação
sem a independência, que assim fica privada da significação pre-
tendida do reconhecimento (HEGEL, 1999, p. 129).

A dialética de Hegel e sua análise da "consciência" exerce-


ram uma poderosa influência sobre os pensadores da modernida-
de. Em particular sua teoria da consciência, pensada como uma
"luta por reconhecimento", e sua descrição do "Espírito", visto como

56
uma progressão em direção à liberdade, exerceram considerável
influência sobre muitos dos precursores da filosofia "pós-mo-
derna". Um certo hegelianismo tornou-se importante também
para os fundadores da Escola de Frankfurt, Horkheimer e Adorno
e, mais tarde, Habermas.
A redescoberta da dialética hegeliana tornou-se um evento fi-
losófico decisivo nos anos do pós-guerra (PÔSTER, 1972, p. 110).
O ressurgimento, depois de 1930, do interesse em Hegel deveu-se
à renovação no marxismo que ocorreu na esteira da Revolução
Russa e, particularmente, à influência do curso sobre Hegel, minis-
trado por Alexandre Kojève, na Ecole Pratique des Flautes Etudes, no
período 1933-39. Entre aqueles que freqüentaram o seminário de
Kojève estavam Georges Bataille, Raymond Aron, Alexandre Koyré,
Pierre Klossowski, Jacques Lacan, Maurice Merleau-Ponty, Eric Weil
e, com uma assiduidade menor, André Breton.
Kojève ensinava a seus estudantes que a dialética devia ser
compreendida tanto em termos existencialistas, concebendo-a
como processo de autotransformação, quanto em termos de clas-
se, vendo-a como a "negação absoluta" do mundo do Senhor.
Essa ênfase na dialética como superação da alienação, um proces-
so no qual o Eu entra em uma disputa com o Outro, em uma luta
por reconhecimento mútuo, constituía também a essência da in-
terpretação de Jean Hyppolite. Hyppolite publicou a tradução
canônica daFenomenologia, em 1939-41, apresentando, em 1947,
seu próprio comentário - Genèse et structure de la Phénoménologie
de VEsprit - daquele livro de Hegel. Tanto a tradução quanto o
comentário tiveram uma enorme influência sobre Louis Althus-
ser, Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida, que fre-
qüentavam seus seminários no Collège de France.
Como parte do processo de desestalinização, sob o comando
de Kruchov, do Movimento Comunista Internacional, o Parti
Communiste Français (PCF) defendia um retorno ao primeiro
Marx, um impulso teórico que estava em acordo com a interpre-
tação existencialista de Hegel e com a redescoberta dos Manus-
critos de 1844. Jean-Paul Sartre argumentava que o existencia-
lismo era um humanismo, declarando também que o marxismo

57
constituía um horizonte insuperável. O renascimento da filosofia
marxista baseava-se em um jovem e hegelianizado Marx - um
Marx que era simultaneamente humanista e historicista.
Louis Althusser, por sua vez, acreditava que o retorno ao jo-
vem Marx que se baseava no sujeito humanista como o agente da
história e da transformação social tinha dois problemas: em pri-
meiro lugar, esse retorno se dava às custas do materialismo históri-
co - a ciência da história de Marx; em segundo lugar, ele implicava
um retrocesso ao idealismo alemão, permanecendo, assim, no inte-
rior da ideologia burguesa. A rejeição do primeiro Marx, visto como
preso a uma problemática humanista ou antropológica, é a fonte
do viés anti-humanista de Althusser (1969, p. 224). Althusser ar-
gumentava, com base em uma leitura "sintomática" de Marx, que
existia uma clara ruptura epistemológica entre o Marx jovem e hu-
manista dos Manuscritos e o último Marx - uma ruptura que repre-
sentava uma clara separação entre uma perspectiva científica (baseada
nos conceitos do materialismo histórico, isto é, nas relações e nas
forças de produção) e sua visão ideológica e humanista anterior.
Para Althusser, a maior dívida teórica do último Marx para com
Hegel não estava simplesmente na inversão da dialética, mas numa
concepção de história que a via como um processo sem sujeito - unia
história movimentada por suas próprias e internas contradições.
Assim, no modo de produção da teoria:

Todo o processo ocorre na crise de mutação dc uma estrutura


teórica na qual "o sujeito" exerce não o papel que ele acredita
exercer, mas o papel que lhe e atribuído pelo mecanismo do pro-
cesso. (ALTHUSSER, 1 9 7 0 , p . 2 7 )

O "humanismo antiteórico" de Althusser rejeita a visão que


vê o ser humano como simplesmente um sujeito cognoscente,
concebendo-o, ao contrário, como não sendo mais do que um
portador de relações estruturais: "A estrutura das relações de pro-
dução determina os lugares e as funções ocupadas pelos agentes de
produção, que não são, nunca, nada mais do que os ocupantes
desses lugares" (ALTHUSSER, 1970, p. 180). A contribuição teóri-
ca principal de Althusser consistiu em mostrar que, embora a ide-
ologia fosse determinada, em "última instância", pelo econômico,
ela era, na prática, "relativamente autônoma". Para ele, os Apa-
ratos Ideológicos de Estado (a família, a igreja e a escola) fa-
zem dos indivíduos sujeitos que participam da reprodução do
capitalismo.
O humanismo ou o antropologismo constituíam a base co-
mum de vários dos existencialismos, da filosofia dos valores, dos
personalismos e do marxismo clássico. De acordo com Derrida
(1982, p. 115), no ensaio "Os fins do homem", "depois da guer-
ra, sob a designação do existencialismo, cristão ou ateu, e conju-
gadamente com um personalismo fundamental cristão, o
pensamento que dominava na França apresentava-se como essen-
cialmente humanista". Para Derrida (1982, p. 116), o problema
era que, nesse pensamento, a "história do conceito de homem
nunca é interrogada. Tudo se passa como se o signo 'homem' não
tivesse qualquer origem, qualquer limite histórico, cultural ou lin-
güístico". O humanismo, tal como corporificado no ego trans-
cendental e no sujeito falante, era o envolvente leitmotiv da filosofia
francesa do pós-guerra, um leitmotiv que extraía sua autoridade
das leituras antropologizantes de Hegel (Kojève, Hyppolite), Marx
(especialmente dos Manuscritos, redescobertos nos anos 60), de
Husserl e de Heidegger. Derrida tenta demonstrar, entretanto,
como essa leitura antropológica constituía um erro sério. Esta-
va baseada em interpretações equivocadas daFenomenologia de
Hegel e do Ser e Tempo de Heidegger (que era, deliberadamen-
te, anti-humanista), refletindo as inclinações do existencialismo
humanista dos então atuantes filósofos franceses. A crítica ao hu-
manismo e ao antropologismo é, como afirma Derrida (1982, p.
119), "um dos motivos dominantes do pensamento francês atu-
al", embora essa crítica ainda seja mais o resultado de um amálga-
ma de Hegel, Husserl e Heidegger (como a fonte ou a garantia
da crítica) com o antigo humanismo metafísico do que um ques-
tionamento radical do humanismo.
8- NIETZSCHE CONTRA
HEGEL NO PENSAMENTO
FRANCÊS CONTEMPORÂNEO

Alan Schrift ( 1 9 9 5 ) sugere que os pós-estruturalistas, basean-


do-se na crítica que Nietzsche faz da "verdade" e em sua análise
das relações diferenciais de poder e saber, questionam os pressu-
postos que "dão origem ao pensamento binário, optando, com
freqüência, por afirmar aquele termo que ocupa uma posição de
subordinação no interior de uma rede diferencial". Eles proble-
matizam "a figura do sujeito humanista, colocando em dúvida os
pressupostos da autonomia e da transparência da autoconsciên-
cia, concebendo o sujeito, ao contrário, como uma complexa in-
tersecção de forças discursivas e libidinais e de práticas sociais".
Além disso, eles resistem à tendência "a ceder às pretensões de
universalidade e unidade, preferindo, em vez disso, enfatizar a
diferença e a fragmentação" (SCHRIFT, 1 9 9 5 , p. 6 - 7 ) .
Como destacamos anteriormente, o livro de Gilles Deleuze,
Nietzsche e afilosofia,foi fundamental para a emergência de uma
"filosofia da diferença". Em contraste com o poder do negativo
e de uma disposição puramente reativa, próprios de uma dialé-
tica na qual o positivo se afirma apenas por meio da dupla nega-
ção, Deleuze afirma o poder puramente positivo da afirmação
inerente na "diferença", elegendo-a como a base de um pensa-
mento radical não-hegeliano.
Derrida ( 1 9 8 1 , p. 8 - 9 ) , por sua vez, cunha o conceito de
différance, que se refere ao "movimento que consiste em diferir,
por meio do atraso, da delegação, da suspensão, do desvio, do
adiamento, da reserva". O movimento da différance é a "raiz co-
mum de todos os conceitos posicionais que marcam nossa lin-
guagem", produzindo a diferença que é a condição de qualquer
processo de significação. Sobre a relação entre o pensamento de
Nietzsche e a "filosofia da diferença", Derrida ( 1 9 8 2 , p. 1 7 ) é

60-
levado a perguntar, no agora famoso ensaio "Différance": "Não
é, todo o pensamento de Nietzsche, uma crítica da filosofia como
uma ativa indiferença à diferença, como o sistema da redução
adiafórica ou repressão?".
Pode-se verificar, igualmente, uma relação de Foucault com
o pensamento de Nietzsche. Embora outros pós-estruturalistas
tenham lido Nietzsche no final dos anos 50 e no início dos anos
60 e o tenham interpretado como um meio de escapar ao hege-
lianismo e ao marxismo, Foucault estudou Nietzsche no início
dos anos 50 e utilizou seu trabalho para deslocar a noção de sujei-
to que era central à fenomenologia. Embora ele tenha escrito muito
pouco que estivesse diretamente relacionado com o trabalho de
Nietzsche ("Nietzsche, genealogia, história" é seu escrito mais
conhecido a esse respeito), uma série de estudiosos vê Foucault
como inteiramente nietzscheano. Michael Mahon (1992, p. ix),
por exemplo, começa seu estudo principal sobre Foucault com a
seguinte observação: "Foucault via a si próprio como pertencen-
do à tradição que vai desde Hegel, passando por Nietzsche e Max
Weber, até a Escola de Frankfurt e, mais geralmente, como per-
tencendo à tradição do antipiatonismo". Independentemente
da interpretação que se possa fazer da relação de Foucault com
Nietzsche, está claro que a crítica da razão feita por Nietzsche é
fundamental ao pós-estruturalismo.
A presença de Nietzsche é também evidente na crítica da
cultura da Ilustração feita por Max Horkheimer e Theodor Ador-
no (1972), os pais fundadores da Escola de Frankfurt, em seu
livro A dialética do esclarecimento. A influência de Nietzsche sobre
Horkheimer e Adorno é evidente na análise que eles fazem do
"lado escuro" do Iluminismo, o qual, na sua interpretação, per-
deu sua força libertadora, transformando-se em uma mitologia.
Eles argumentam que o "mito é já iluminismo; e o iluminismo
voltou-se para a mitologia" (1972, p.xvi). A razão, despida de
seus aspectos normativos, ressurge na forma da ciência moderna,
cujo melhor exemplo é o positivismo lógico - uma razão cientí-
fica interessada apenas em questões de utilidade técnica. Essa
análise está, obviamente, na base da crítica da razão instrumen-
tal feita por Horkheimer e Adorno. Na modernidade cultural, a
razão confunde-se com a pura força, o Iluminismo ficou reduzi-
do a uma forma de dominação sobre o mundo externo e a arte,
fundida com o entretenimento da cultura de massa, perdeu toda
sua força crítica. Não constitui, pois, nenhuma surpresa que Fou-
cault tenha ressaltado sua própria relação com a Teoria Crítica e
que uma série de analistas tenha detectado fortes paralelos entre
as preocupações do pós-estruturalismo e as dos pais fundadores
da Escola de Frankfurt.
Lyotard, por sua vez, rompe intelectualmente com o marxis-
mo radical porque ele considera que a lógica dialética, concebida
como "um dispositivo para superar a alteridade por meio de sua
negação e de sua conservação", entrou em colapso:

Na medida cm que havia no marxismo um discurso que alegava


expressar sem resíduos todas as posições que sc opõem, esque-
cendo que os diferendos estão corporificados cm figuras inco-
mensuráveis entre as quais não existe nenhuma conciliação lógica,
tornou-se absolutamente necessário deixar, completamente, dc
falar esse idioma. (LYOTARD, 1988a, p. 61)

Tendo desistido do discurso do marxismo como um discur-


so que podia explicar as transformações do capitalismo global
após a Segunda Guerra Mundial, Lyotard não desiste, entretanto,
do "problema do capitalismo" (LYOTARD, 1 9 9 3 , p. 2 5 ) .
Lyotard continua acreditando na tese do processo de "mer-
cantilização" (embora considerado como um sistema representacio-
nal) como um dos principais processos de racionalização a orientar
o desenvolvimento do sistema como um todo, reconhecendo a for-
ma pela qual a lógica do desempenho (performance), voltada à
maximizaçao da eficiência global do sistema, gera contradições
socioeconômicas. Ele se distancia, entretanto, dos marxistas na
questão da possibilidade da emancipação ou da salvação que sur-
giria automaticamente dessas contradições. Ele descarta aquilo
que Readings (1993, p. xxiv) chama de "política da redenção",
que se baseia no "desejo marxista de identificar a alienação como
uma distorção ideológica reversível", para repensar a política e a
resistência em termos "minoritários". Isso implica renunciar a
uma leitura "autorizada" dos eventos, uma leitura baseada em
julgamentos determinados, para respeitar o diferencio e "para pen-
sar a justiça em relação com um conflito e uma diferença" que
não admitem nenhuma resolução.
E central à análise de Lyotard a renovação ou a recuperação
da idéia de "narrativa", que ele concebe como uma forma de co-
nhecimento costumeiro, cultural ou étnico, desenvolvido no nível
local epopular, como um "saber como", um "saber como viver" e
um "saber como escutar" - contra as tendências totalizantes eglo-
balizantes das antigas narrativas-mestras da legitimação que, em-
bora em crise, estão a serviço dos grandes "atores" históricos da
nação-estado, do proletariado, do partido e, cada vez mais, pode-
ríamos acrescentar, das agências internacionais (Banco Mundial,
OECD etc.), do Grupo dos 7 e da "nova ordem mundial". Lyo-
tard desenvolve aquilo que ele chama de uma "pragmática do
conhecimento narrativo", na qual as narrativas determinam os
critérios de competência e desempenho, definindo aquilo que pode
ser dito e feito em uma cultura particular.
Existem recursos filosóficos importantes, incluindo uma com-
preensão radical do conceito de "diferença", nas teorizações des-
ses pensadores, que permitem descrever a atual fase histórica -
aquilo que se poderia chamar, provocativamente, de "pós-moder-
nidade" ou "pós-colonialidade" - de uma forma mais adequada
do que a permitida pela "lógica" da alteridade de Hegel. Isso não
significa dizer que a teorização de Hegel não foi útil: ela forneceu
a explicação mais inclusiva da lógica dualista ou de oposição que
caracterizou a modernidade, mas ela foi um produto de sua épo-
ca. Por que devemos esperar que um texto escrito quase duzentos
anos atrás ainda seja capaz de definir as questões de hoje? Na
"pós-modernidade", na era pós-colonial, uma era na qual muitos
povos étnicos obtiveram sua soberania e seu reconhecimento po-
lítico, o conceito de "diferença" proporciona uma "lógica" mais
apropriada para compreender as reivindicações e as lutas pela iden-
tidade. Essa é uma das principais lições que os chamados teóricos
pós-colonialistas (por exemplo, Said, Spivak, Bhabha) aprende-
ram dos pós-estruturalistas franceses.
9- NIETZSCHE E A CRÍTICA
DA MODERNIDADE

A filosofia pós-nietzscheana extrai sua substância intelec-


tual da crítica que Nietzsche fez da modernidade e dos valores
do Iluminismo, especialmente do liberalismo e do humanismo
secular. O método é, em parte, genealógico, pois, segue a ar-
gumentação de Nietzsche de que as valorizações do Iluminis-
mo são feitas por meio da análise da constituição de sistemas
morais. Ao adotar um perspectivismo cultural, o que implica
adotar um pluralismo moral, Nietzsche desconstrói, simulta-
neamente, as pretensões universalistas afirmadas por aderen-
tes dos vários sistemas, indicando que a "verdade" ou o "cer-
to" é o produto discursivo de um sistema que produz o "certo"
e o "errado", que produz proposições "verdadeiras" ou "fal-
sas". Como argumenta ele:

Podc-sc, com efeito, duvidar, em primeiro lugar, se há cm geral


oposições e, cm segundo lugar, se aquelas vulgares estimativas c
oposições de valor sobre as quais os metafísicos imprimiram seu
selo não seriam talvez apenas estimativas de fachada, apenas pers-
pectivas provisórias, talvez, alem do mais, a partir de um ângulo,
talvez de baixo para cima, perspectivas de rã, por assim dizer,
para emprestar uma expressão que é corrente entre os pintores?
(NIETZSCHE, 1966, p. 10; trad. bras., p. 303)

Em Ecce Homo (1992; original de 1888), tendo contado a


história de Zaratustra, na qual enfatiza a idéia do eterno retorno
como a "mais elevada fórmula de afirmação que se pode em abso-
luto alcançar" (p. 69; trad. bras., p. 82), Nietzsche volta sua aten-
ção para seu livro Além do bem e do mal, que, diz ele, pertence à
sua "metade que diz Não, que faz o Náo: a tresvaloração mesma
dos valores existentes [...]" - "a obra de destruição'' (p. 82; trad.
bras., p. 95). Ele afirma, em continuação:

64
Este livro (1886) [Além do bem e do mal] e, cm todo o essencial,
uma crítica da modernidade, não excluídas as ciências modernas, as
artes modernas, mesmo a política moderna, juntamente com indi-
cações para um tipo anritetico que c o menos moderno possível,
um ripo nobre, que diz Sim. Neste sentido o livro e uma escola do
gentilbomme, entendido o conceito dc maneira mais espiritual c
radical do que nunca (NIETZSCHE, 1992, p. 82; trad. bras., p. 95).

Em Genealogia da moral e Crepúsculo dos ídolos, Nietzsche


continua seu trabalho de crítica; primeiramente, em um estudo
preliminar para a reavaliação de todos os valores, por meio da
denúncia da psicologia do cristianismo, que está baseada no espí-
rito de ressentimento e, em segundo lugar, por meio de uma análi-
se das "idéias modernas" - como diz ele, "a velha verdade está
chegando ao fim" (p. 86). No ensaio intitulado "Incursões de um
intempestivo" (Crepúsculo dos ídolos), ele escreve uma seção intitu-
lada "Crítica da modernidade" que começa dizendo:

As nossas instituições não valem já nada: sobre isto existe unani-


midade. Porém a culpa não provem delas, mas sim dc nós. De-
pois de termos perdido todos os instintos que deram origem às
instituições, estamos a perder as próprias instituições, porque nós
não servimos já para elas [...]. Para que haja instituições tem de
haver uma espécie dc vontade, dc instinto, dc imperativo, que
seja antilibcral até à crueldade: uma vontade dc tradição, de res-
ponsabilidade para com os séculos futuros, dc solidariedade entre
cadeias de gerações passadas a futuras in infinitum [...]. O Oci-
dente inteiro carece já daqueles instintos dc que brotam as insti-
tuições, dc que brota o futuro: talvez nenhuma outra coisa seja
tão contrária ao seu "espírito moderno". As pessoas vivem para o
hoje, vivem com muita pressa, - vivem muito irresponsavelmen-
te: é precisamente a isto que se chama "liberdade" (NIETZSCHE,
1954, p. 9 3 - 9 4 ; trad. port., p. 112-3).

A crítica da modernidade envolve, pois, para Nietzsche, uma


crítica das idéias e das instituições "modernas": a democracia, o
liberalismo, o humanismo, a "liberdade", a verdade, a igualda-
de, o casamento moderno, a ciência e a educação modernas. A
crítica da modernidade envolve, acima de tudo, e de forma crucial,
uma crítica da filosofia moderna que se baseia nesses conceitos e

-65
em seu respeito por instituições fundadoras. Em oposição à fi-
losofia moderna, Nietzsche defende uma superação dos concei-
tos de "vontade" e de "alma" e, ao final, da moralidade que
essas noções pressupõem.
Nietzsche em Crepúsculo dos ídolos, cm Além do bem e do mal e
em A vontade de potência identifica, em passagens como as acima
citadas, a ruptura com a tradição como a característica definidora
da modernidade, enfatizando o reconhecimento concomitante de
que as fontes de seus valores não podem mais estar baseadas em
apelos à autoridade do passado. Trata-se de uma situação que, na
compreensão de Nietzsche, causa uma espécie de valor que é o
inverso do tradicionalismo: o tradicionalismo é entendido como
veneração das coisas passadas, como a expressão da idéia do
"quanto mais velho, melhor", porque quanto mais recuamos no
tempo mais próximo chegamos, supostamente, das causas pri-
meiras ou das origens e mais próximo chegamos dos livros sa-
grados da revelação na tradição religiosa. Em contraste, a
modernidade entendida como uma ruptura com o passado, uma
ruptura estética, moral, política e epistemológica, estimula uma
autoconsciência do presente e uma orientação em direção ao
futuro, que se baseia nas idéias de mudança, progresso, experi-
mentação, inovação e novidade. De forma mais importante, a
modernidade implica o mito, que ela constrói sobre si própria,
de que ela é capaz de criar, de alguma forma, a partir da força
histórica, de seu movimento e de sua trajetória, suas próprias
orientações normativas. Nietzsche rejeita qualquer oposição sim-
plista, recusando-se a adotar, sem reservas, uma opção ou outra;
em vez disso, ele pergunta como e por que "nós, os modernos"
queremos definir o jogo histórico em termos de dicotomias que
implicam, sempre, exdusões.
Alexander Nehamas descreve o diagnóstico que Nietzsche
faz da modernidade como um diagnóstico que envolve uma espé-
cie de impasse que pode ser chamado de niilisfno:

A razão revelou a inadequação da tradição: as origens putativa-


mente divinas - ou baseadas cm alguma outra forma dc autori-
dade - das várias instituições não são suficientes para justificá-las.
A idéia dc que essa justificação possa ser dada pela existência de

66
uma trajetória de um progresso inexorável, cm direção à perfei-
ção final, é igualmente inaceitável: nem uma origem singular
nem um final unitário podem fornecer um sentido aos eventos
que nos rodeiam. Mas, ao revelar a inadequação da história, a
razão perdeu também sua capacidade para fornecer os meios
para a avaliação de nossas instituições porque essa avaliação corre
o risco de ser circular. A razão pode fornecer uma avaliação
racional dessas instituições apenas se puder ser racionalmente
demonstrado que ela tem a capacidade dc faze-lo; mas essa
demonstração terá que ser inevitavelmente baseada nos próprios
princípios que precisam ser justificados. (NEHAMAS, 1996, p. 227)

O niilismo, sugere Nehamas, interpretando Nietzsche, é o re-


sultado de uma tripla compreensão. Em primeiro lugar, renuncian-
do à crença modernista na mudança histórica progressiva e à visão
correspondente de que existe algum significado a ser encontrado
nos eventos, "o devir não objetiva nada e não produz nada"\ em
segundo lugar, não existe nenhum padrão coerente na história do
mundo e nenhum método ou procedimento universal para inter-
pretá-la; em terceiro lugar, o mundo aparentemente estável do ser,
ao qual apelamos para avaliar e julgar o mundo do devir não passa,
ele próprio, de um conceito psicológico, construído a partir de nossas
necessidades. Nehamas (1996, p. 228) cita a observação de Nietzs-
che, em A vontade de potência (p. 12), de que "as categorias 'objeti-
vo', 'unidade', 'ser', que utilizamos para atribuir algum valor ao
mundo, nós as retiramos, de forma que o mundo parece sem valor".
A avaliação que Nietzsche faz da Modernidade é bastante
complexa e não pode ser reduzida a interpretações fáceis como as
que têm sido feitas por uma variedade de filósofos contemporâ-
neos, que se concentram em um único e exclusivo ponto da crítica
de Nietzsche: ou na sua crítica da racionalidade e na verdade, ou na
sua ironia, ou no seu relativismo. Nehemas dá uma interpretação
de Nietzsche que questiona as leituras que dele foram feitas, por
exemplo, por Heidegger, Habermas, Rorty e Maclntyrc. Na opi-
nião de Nehamas, Nietzsche não é o "último metafísico"; ou o
romântico irracionalista e nostálgico; ou o ironista lúdico, con-
vencido da contingência de nossa subjetividade e instituições; ou.
finalmente, um relativista radical. De acordo com a interpretação
de Nehamas, Nietzsche deve ser caracterizado como um pós-
modernista. Com isso ele quer dizer que, para Nietzsche, a Mo-
dernidade não designa uma única coisa, talvez, nem mesmo um
período cultural-histórico distinto e, certamente, não designa algo
que "nós, os modernos" possamos, de alguma forma, avaliar, jus-
tificar ou criticar como um todo. Entretanto, isso não significa que
instituições e valores específicos não possam ser criticados ou de-
fendidos. Nietzsche desenvolve uma visão complexa e dividida
da tradição, descrevendo-a como aquilo que constitui não apenas
o passado, mas também o presente, a tradição como uma fonte de
continuidade cultural, que é freqüentemente subestimada por uma
leitura da Modernidade que a caracteriza, essencialmente, como
uma ruptura com a tradição e uma superação da tradição, tendo
como base o avanço radical da compreensão científica e da mudan-
ça socioeconômica. A visão de Nietzsche, argumenta Nehamas, é
mais típica daquilo que nós entendemos por Modernismo.

N o Modernismo encontramos tanto o amor da inovação quan-


to a rejeição da autoridade da tradição, mas também, e ao mes-
mo tempo, um questionamento do valor do progresso, uma
crítica da racionalidade, uma compreensão de que a civilização
pré-moderna tinha uma inteireza e uma unidade que foram ir-
reparavelmente fragmentadas. (NEHEMAS, 1996, p. 224)

Enquanto Nehemas "livra" Nietzsche de ser consumido por


sua própria crítica, ao contrastar as duas e conflitantes noções de
modernidade e modernismo, Gary Shapiro enfatiza as diferenças
de interpretação entre gerações de estudiosos. Ele sugere, especi-
ficamente, que a primeira geração de intérpretes de Nietzsche,
impressionada com o culto do progresso, dominante no século
XIX, via-o como um filósofo do futuro, que havia radicalizado e
reescrito a metanarrativa modernista. Em contraste,

nós agora lemos Nietzsche como o filósofo pós-modcrno paradig-


mático, como o filósofo que faz uma genealogia c uma desconstru-
ção das metanarrativas modernistas. Ele não proporciona
simplesmente mais uma transformação [...] dessas grandes narra-
tivas de legitimação, mas, de forma rigorosa c vigilante, mina as
asserções de singularidade e legitimação que se encontram na tra-
dição iluminista [...]. Nosso Nietzsche e o crítico radical desse
pensamento orientado para o futuro. Acima dc tudo, cie denuncia
aquela iógica do ressentimento pela qual o futuro c colocado sob a
obrigação dc redimir as dívidas do passado (SHAPIRO, 1991, p. 15).

Nafilosofiapolítica, como em outras áreas dafilosofia,Nietzsche,


uma vez considerado um marginal, tornou-se agora parte do câ-
none e essa mudança de status é, em parte, como afirma Mark
Warren (1998, p. 90), "um resultado do que significa fazer teoria
política". Vale a pena repetir aqui, extensamente, o sumário que
Warren faz sobre a relevância de Nietzsche para a teoria política
contemporânea, uma vez que descreve Nietzsche como um pen-
sador que, com base em sua crítica da modernidade, antecipa
muitas das análises teóricas contemporâneas:

Enquanto [...] a teoria política é orientada por uma busca de certe-


za epistcmológica, Nietzsche pergunta não apenas se a certeza epis-
temológica e possível, mas, mais do que isso, se ela deve ser o
objetivo do pensamento. Enquanto os teóricos políticos são atraí-
dos pelas abordagens filosóficas da vida, Nietzsche introduz pers-
pectivas estéticas, psicológicas c pragmáticas. Enquanto a teoria
política busca princípios universais ou projetos unitários, Nietzs-
che chama nossa atenção para as formas pelas quais esses princípi-
os e projetos produzem custosas rejeições do mundo, com suas
possibilidades plurais. Enquanto os teóricos políticos escutam os
julgamentos da mente, Nietzsche nos lembra que nossa existência
concreta é mais do que um resíduo dc vida a ser conquistado pela
mente. Enquanto os teóricos políticos são atraídos por grandes
abstrações, Nietzsche mostra como essas ahstraçóes sacrificam a
honestidade c a análise disciplinada da experiência c da história.
Contra aqueles que definem a filosofia política como ética aplica-
da, Nietzsche sugere que sensibilidades éticas podem se apresentar
sob formas que não são apreendidas pela "aplicação" dc regras éti-
cas. Enquanto os teóricos políticos buscam isolar a vida política
da contingência, Nietzsche afirma que a contingência faz de nós
aquilo que somos c produz o interesse que temos na vida. En-
quanto os teóricos políticos compreendem o poder como uma
forma externa dc coerção que é o oposto polar do pensamento, da
razão e da discussão, Nietzsche nos lembra dc que as idéias e os
julgamentos, as culturas c as interpretações, também tem efeitos,
dc que são, também, poder. Enquanto os teóricos políticos tomam
as capacidades de julgamento político, dc autonomia e responsa-
bilidade como dadas, Nietzsche pergunta como essas capacidades
puderam chegar a existir e o que torna esses indivíduos possíveis.
E enquanto os teóricos políticos tornam-sc enamorados da lingua-
gem como o meio da vida pública, Nietzsche está ali para mostrar
como a linguagem, embora necessária, pode também constranger
e aplainar e singularidade, o caráter extraordinário, a particularida-
de, das experiências individuais. (WARREN, 1998, p. 91-2)

Não é de estranhar, pois, que, dadas essas questões, Jürgen


Habermas identifique o pensamento de Nietzsche como o ponto
decisivo de entrada nas discussões sobre a pós-modernidade, de-
senvolvendo, a partir daí, o que ele considera como necessário
para reconstruir o discurso filosófico da modernidade, a fim de
preservar seu impulso emancipatório. Na descrição de Habermas,
a crítica que Nietzsche faz da modernidade destrói as próprias
normas de autonomia e racionalidade que, constitutivamente,
definem a modernidade política, minando, dessa forma, a pró-
pria possibilidade de crítica. A argumentação de Habermas tem
dado o tom de grande parte das discussões que têm sido feitas
nos anos 80 e 90 sobre a natureza, o escopo e as condições de
possibilidade da modernidade. Ele caracteriza a fdosofia francesa
contemporânea - aquela que foi fortemente influenciada pelo
pensamento de Nietzsche - como um irracionalismo antimoder-
no, em ruptura total com os valores do Esclarecimento. Tanto a
interpretação que Habermas faz de Nietzsche quanto sua inter-
pretação da filosofia francesa inspirada em Nietzsche são visivel-
mente falsas. Nem Nietzsche nem a filosofia francesa nietzscheana
buscam uma total ruptura com o pensamento do Esclarecimento,
embora isso não signifique que não rejeitem certas características
da modernidade ou que tentem revalorizar a tradição ou que não
busquem, em última instância, perguntar-se sobre as condições
necessárias para a criação de novos valores. De acordo com a aná-
lise de Warren, Habermas busca uma solução política para o nii-
lismo onde não existe nenhum niilismo a ser encontrado; em
última instância, na visão de Nietzsche existem apenas soluções
culturais para o niilismo, soluções às quais a política deveria estar
subordinada (WARREN, 1998, p. 93).

70
10- O PÓS-ESTRUTURALISMO,
HABERMAS E A QUESTÃO
DA PÓS-MODERNIDADE

Após a Segunda Guerra Mundial e a repatriação para a Ale-


manha para reestruturar a Escola de Frankfurt, Horkheimer e Ador-
no (1972) estavam dispostos a abandonar a teoria social marxista
em favor de uma crítica total do Esclarecimento. Eles estavam em
sintonia com tendências filosóficas bastante diferentes como, por
exemplo, a "destruição" (conservadora) da metafísica ocidental, feita
por Heidegger, e o radical Cercle Communiste Detnocratique, fun-
dado por Georges Bataille. Como afirma David Ingram (1987,
p. 75): "Essas perspectivas também se inspiravam na crítica que
Nietzsche havia feito da racionalidade ocidental, mas diferiam da
teoria crítica em sua rejeição do ideal burguês de emancipação e
auto-realização". Ele argumenta que o pensamento pós-estrutura-
lista é inspirado pelo sonho nietzscheano de superar a modernida-
de por meio de uma avant-garde anarquista e estética, a qual, por
intermédio da vontade de potência, forja seus próprios valores e
projeta suas próprias interpretações sobre uma experiência que, de
outra forma, seria totalmente caótica. O pensamento pós-estrutu-
ralista sustenta que, ao vincular a liberdade subjetiva à razão "cien-
tífica", o Esclarecimento esconde uma vontade de potência que,
em última análise, prende o indivíduo ao aparato tecnológico.
Embora se oponha a muitas das coisas às quais a Escola de
Frankfurt e Jürgen Habermas também se opõem como, por exem-
plo, a colonização burocrática do mundo-da-vida e a subordinação e
a assimilação das culturas dissidentes à cultura científica dominante,
o pós-estruturalismo "atribui esse impulso em direção ao fechamen-
to sistêmico e à homogeneidade social à demanda racional por uni-
dade, pureza, objetividade, universalidade e finalidade" (Ingram,
1987, p. 78,77). É nisso que se baseia Habermas (1981, p. 13) para
argumentar que os pós-estruturalistas franceses justapõem à razão
instrumental "um princípio apenas acessível por meio da evocação,
seja este principio a vontade de potência ou soberania, o Ser ou a
força dionisíaca do poético". Habermas (1981, p. 13) atribui o ter-
mo "pós-modernidade" à corrente francesa de pensamento, à tradi-
ção, como ele diz, que "conduz de Bataille a Derrida, via Foucault",
comparando os filósofos franceses, em sua crítica da razão, aos
"Jovens Conservadores" da República de Weimar:

Os Jovens Conservadores rccapitulam a experiência básica da es-


tética da modernidade. Proclamam suas as revelações de uma
subjetividade descentrada, emancipada dos imperativos do tra-
balho e da utilidade e com esta experiência evadem-se do mundo
moderno, (trad. bras., p. 90)

Habermas pode ter se apressado, ao batizar Foucault de "pós-


modemista". Foucault (1983), em uma entrevista com Gérard
Raulet, afirma que ele não entende nem o que o termo "moderni-
dade" (pelo menos, após Baudelaire) nem o que o termo pós-
modernidade significam ou que tipo de problema seria comum a
pensadores pós-modernos ou pós-estruturalistas. Seu entrevista-
dor, Raulet, entretanto, não tem esse problema. Ao perguntar a
Foucault se ele pertencia a essa corrente, Raulet (1983, p. 205)
explica o que ele entende por "pós-modernidade":

E a idéia de modernidade, de razão, que encontramos em


Lyotard: uma "grande narrativa", da qual fomos finalmente
libertados por uma espécie de despertar profético. A pós-mo-
dernidade é uma ruptura com a razão; uma esquizofrenia deleu-
ziana. A pós-modernidade revela, finalmente, que a razão foi
apenas uma das narrativas, entre outras, da história; uma gran-
de narrativa, certamente, mas apenas uma das muitas, que pode
agora ser sucedida por outras narrativas.

Embora Foucault declare não compreender o problema que


está por trás da idéia de "pós-modernismo", os críticos que lhe são
simpáticos consideram-no, entretanto, um pensador pós-estrutu-
ralista ou pós-modernista que, juntamente com Derrida e Lyotard,
ensina que os valores da era moderna constituem, essencialmente,
ilusões logocêntricas ou homocêntricas. E o caso, por exemplo, de
Mark Pôster (1981) e Nancy Frazer (1981, 1983), que entendem
que a análise que Foucault faz da "filosofia do sujeito'' - expressão
que ele define como uma problematique que domina a episteme
moderna, privilegiando o sujeito como a fundação de todo conhe-
cimento e significação - esta vinculada, de forma central, às críticas
da modernidade. Tanto Pôster quanto Frazer argumentam que a
análise genealógica que Foucault faz do poder moderno efetua um
descentramento radical, negando qualquer privilégio epistêmico
ou histórico tanto à subjetividade "centrada" da concepção cartesi-
ana tradicional quanto ao eu racional, autônomo e responsável do
ideal humanista. De acordo com Pôster (1981, p. 138): "Em lugar
da cronologia contínua da razão, o que temos são escalas que são,
às vezes, muito breves, distintas entre si, irredutíveis a uma única
lei, escalas que estão baseadas em uma história peculiar a cada uma
delas e que não podem ser reduzidas ao modelo geral de uma cons-
ciência que adquire, progride e lembra".
Pôster e Frazer compreendem que o método de Foucault nos
permite ver o poder como estando vinculado ao desenvolvimento
de uma pluralidade de regimes discursivos incomensuráveis, cada
um deles com sua própria multiplicidade de "micropráticas", uma
perspectiva que, em última análise, nos leva ao estudo da "política
da vida cotidiana", interrompendo, assim, a problemática da legiti-
mação, central ao regime normativo liberal e moderno, com seu
discurso sobre direitos que teriam seu fundamento na natureza
humana. A questão que separa Habermas de Foucault, ao menos
tal como visto por Habermas, tem a ver com suas respectivas ava-
liações da modernidade. Habermas (1981, p. 19), situando a si
próprio na tradição da crítica social marxista, refletida no trabalho
da Escola de Frankfurt, argumenta que deveríamos tentar preser-
var o "impulso emancipatório" que subjaz ao Esclarecimento:

O projeto visa modificar os laços da cultura moderna com a


práxis da cultura cotidiana que ainda depende dc heranças vitais
[...]. Este novo enlace só pode, no entanto, cstabclcccr-se se a
modernização societária também tomar novo rumo. O mundo-
da-vida tem dc se habilitar a desenvolver instituições oriundas de
si mesmo, que estabeleçam os limites entre a dinâmica interna c

73
os imperativos dc um sistema econômico quase autônomo c seus
complementos administrativos.

Em contraste, ele situa Foucault e Lyotard em uma tradição


de pensadores que inclui Nietzsche, Heidegger e os pós-estrutura-
listas franceses, que desejam uma ruptura total com o Esclareci-
mento, criticando, assim, supostamente, as normas constitutivas
da modernidade, normas que tornam a própria crítica possível. O
problema, na visão de Habermas, é que a crítica que Nietzsche faz
da razão envolve uma crítica e uma rejeição das normas constitutivas
da modernidade: verdade, racionalidade e liberdade. Essas são as
próprias normas, e apenas elas, que, argumenta Habermas,, tor-
nam a crítica possível. Em outras palavras, a crítica da razão feita
por Nietzsche enfrenta um paradoxo que se pode chamar de "auto-
referencial", tornando-se, assim, incapaz de apelar à razão a fim de
legitimar a si própria com base em fundamentos racionais.
O problema da polêmica entre Habermas e Lyotard, em
torno da questão da racionalidade, é assim descrito por Rorty
(1985, p. 163):

Do ponto de vista de Lyotard, Habermas está fornecendo mais


uma metanarrativa, uma "narrativa dc emancipação" mais geral e
abstrata do que as metanarrativas freudianas c marxianas. Para
Habermas, o problema colocado pela "incredulidade para com as
metanarrativas" e que o processo dc desmascaramcnto só faz sen-
tido sc "conservamos ao menos um critério para a explicação da
corrupção de todos os critérios razoáveis". Sc não tivermos um
tal critério, um critério que escape a uma "crítica auto-referencial
totalizante", então as distinções entre o nu c o mascarado, ou
entre a teoria c a ideologia, perdem sua força.

Habermas justifica que aceitar o argumento de Lyotard sig-


nifica subtrair à crítica da ideologia sua principal função. A me-
nos que haja um metadiscurso universal, desaparece,
teoricamente, a possibilidade de se fazer asserções de validade.
Entretanto, para Lyotard, parece que precisamente o oposto é
verdadeiro. Os metadiscursos universais não podem, teoricamen-
te, efetuar um fechamento: prática e empiricamente, eles traem

74
seu próprio a-historicismo nas experiências da história con-
temporânea recente (por exemplo, os Gulags, Auschwitz, Maio
de 68). Lyotard, na verdade, acusa Habermas de querer res-
suscitar o terror da razão.
O pós-estruturalismo francês implica, assim, como argumenta
David Wellbery (1985), uma rejeição da narrativa da história "con-
cebida como a história de um único movimento lógico-temporal
que totaliza e torna inteligível todas as histórias individuais". Trata-
se de uma visão de história que surge no século XVHI, com o traba-
lho de Kant, Herder, Condorcet e Hegel. É significativo que
Habermas veja seu trabalho como uma continuação dessa tradição.
Em contraste, Wellbery sustenta que, na França, essa narrativa
da história é vista com extremo ceticismo. E vista como "uma tra-
ma, uma ideologia, cuja função é exatamente a de negar a realidade
da história, a fim de celebrar heróis míticos tais como o Homem, a
Razão ou a Consciência". A rejeição, por parte dos pós-estrutura-
listas franceses, de uma filosofia da história é a rejeição da filosofia
que tem dominado o pensamento ocidental desde o Iluminismo.
Do ponto de vista do pensamento pós-estruturalista, a filosofia
clássica da história que, desde o Iluminismo, se apresenta como o
último horizonte de todas as interpretações é simplesmente uma
das formas, entre outras, de se atribuir sentido à história. Ela
funciona como um mito que descreve o progresso de um sujeito
universal - "o herói do conhecimento e da liberdade" - e serve para
legitimar e proteger da crítica um conjunto específico de valores
culturais que estão profundamente entranhados no Ocidente.
Wellbery (1985, p. 233) faz ainda o seguinte comentário:

Pouco importa que esses valores sejam definidos como os concei-


tos fundacionais do discurso da metafísica desde Platão, como no
caso de Derrida, ou como os elementos do humanismo antropo-
lógico que se desenvolveu no final do século XVIII, como nos
casos de Foucault e de Lyotard. A questão essencial e a comum
rejeição da Grande Narrativa, uma rejeição que não significa, de
forma alguma, uma fuga do mundo histórico mas, cm vez disso,
um primeiro passo em direção a uma compreensão que conceba
nossa historicidade sem qualquer distorção mítica.
A retórica de Habermas (1981), pode-se argumentar, esconde
as reais diferençasfilosóficasentre ele e os pós-estruturalistas france-
ses, a qual diz respeito ao tema do discurso e aos pressupostos últi-
mos sobre a natureza da própria linguagem. Wellbery argumenta
que a visão pós-estruturalista da linguagem ou do discurso está em
oposição radical ao ideal de Habermas, de uma norma de ação co-
municativa, vista como imanente à própria fala e que, supostamente,
capacitaria os participantes a chegar a um consenso sem qualquer
distorção ou sem qualquer constrangimento externo. Wellbery (1985,
; p. 233) sustenta que todos os filósofos pós-modernos "rejeitam o
! sonho de uma linguagem inocente" e contrastam a visão modernis-
ta, universalista, de Habermas, de uma esfera da comunicação "sem
ruídos", plenamente transparente, com a visão da linguagem e do
discurso desenvolvida pelos pós-estruturalistasfranceses- uma visão
que investiga as opacidades inerentes à linguagem e sustenta que o
consenso só pode ser estabelecido com base em atos de exclusão.
Essa dificuldade vai, pois, diretamente ao centro da questão.
Ela vai ao centro da polêmica entre, por um lado, o pós-estrutura-
lismo e a crítica francesa da razão e, por outro, a Teoria Crítica, o
"projeto da modernidade" de Habermas e seu objetivo de preser-
var o "impulso emancipatório" subjacente ao Esclarecimento. Além
disso, a dificuldade e as questões que ela gera concentram a discus-
são na racionalidade e nas respectivas avaliações da modernidade e
da pós-modernidade. A resposta de Foucault (1984, p. 42-3), ba-
seada em uma leitura de um dos textos menores de Kant, consiste
j em argumentar que o fio que nos conecta ao Esclarecimento não é

a fidelidade a elementos doutrinários mas, em vez disso, a per-


manente reativação de uma atitude - isto é, de um ethos filosó-
fico que poderia ser descrito como uma crítica permanente de
nossa era histórica.

i Definir o Esclarecimento dessa forma, sugere ele,

significa precisamente que temos que recusar tudo que possa se


apresentar na forma de uma alternativa simples c autoritária: ou
aceitamos o Esclarecimento c ficamos com a tradição do raciona-
lismo [...] ou criticamos o Esclarecimento c tentamos, então, fu-
gir do seu princípio de racionalidade.

76
11- DEPOIS DO SUJEITOr

Essa polêmica está estreitamente ligada ao problema do sujei-


to e de uma razão centrada no sujeito. Em que medida foram as
instituições contemporâneas moldadas pela cultura do Esclareci-
mento? Em que medida os ideais, princípios e métodos modernis-
tas dependem das idéias iluministas de uma razão universal e de
um sujeito universal? Se as instituições modernas eram legitimadas
pelas "metanarrativas da emancipação", que são, agora, vistas como
suspeitas, como podem elas ser legitimadas na condição pós-mo-
derna? Dada a crítica pós-estruturalista da razão, que novas formas
podem assumir nossas instituições? Em que medida o descentra-
mento e a desconstrução do sujeito impedem o desenvolvimento
de uma teoria da ação humana, necessária para a mudança política?
Falta ao pós-estruturalismo uma política coerente? E ele essencial-
mente conservador ou niilista? E relevante a essas questões a crítica
que Fredric Jameson (1983,1989) e David Harvey (1989) fazem
ao pós-modernismo, visto como a cultura do capitalismo de consu-
mo tardio, bem como a crítica desenvolvida pelas feministas (por
exemplo, Mascia-Lees et alii, 1989), que argumentam que o pós-
modernismo afirma a "morte do sujeito" precisamente no momen-
to em que, historicamente, os "outros" do sujeito ocidental
hegemônico (mulheres, grupos étnicos, gays, etc.) começaram a
falar por si próprios e a reivindicar seu lugar como sujeitos históri-
cos. As questões do sujeito e da ação política estão, obviamente,
fortemente ligadas, para a esquerda, tanto às tradições hegelianas
quanto às tradições marxistas. A crítica pós-estruturalista do sujei-
to tem a ver com re-avaliações dessas tradições e com a viabilidade
dos modelos de mudança e de ação política. Dado que se trata de
uma tendência recente, historicamente falando, existe ainda pouco
acordo quanto à importância e às conseqüências dessa crítica.

Schrift (1995, p. 102), ao concluir sua genealogia do pós-estru-


turalismo, sugere que "se virou uma página no nietzscheanismo

-77
francês". Tanto Foucault quanto Deleuze estão mortos; Derrida e
Lyotard (agora também falecido) afastaram-se de Nietzsche. Lyo-
tard, em particular, afastou-se de Nietzsche e aproximou-se de
pensadores mais "seguros" como Kant e Levinas. Há uma nova
geração de pensadores que são explicitamente antinietzscheanos:
Schrift cita Vincent Descombes, Luc Ferry e Alain Renaut. En-
tretanto, para Schrift, "o eclipse de Nietzsche" não significa que
devemos abandoná-lo, nem significa, tampouco, que o pós-estru-
turalismo esteja ultrapassado. Ele sugere que certos temas que
levaram, inicialmente, os franceses a Nietzsche (por exemplo, a
ênfase na interpretação, a crítica do pensamento binário, a aten-
ção aos diferenciais de poder, etc.) continuam importantes, argu-
mentando também que outros temas nietzscheanos - a crítica tanto
do nacionalismo quanto de noções fixas de auto-identidade -
podem ser, hoje, mais do que nunca, relevantes. Ele também ob-
serva que "o legado francês de Nietzsche está se desenvolvendo,
mais do que em qualquer outro lugar, nos mundos críticos e filo-
sóficos de fala inglesa" (SCHRIFT, 1995, p. 123).
Ferry e Renaut centram seus questionamentos da herança
nietzscheana na crítica da subjetividade, argumentando que "a
filosofia de 68" não deixa nenhum espaço para que haja uma rea-
bilitação positiva da ação humana necessária para uma noção viá-
vel de democracia. Ferry e Renaut (1990, p. xvi), em seu prefácio
à tradução inglesa de La pensée 68, referindo-se à filosofia dos
anos 60 como um anti-humanismo "nietzscheano-heideggeria-
no", formulam seu argumento nos seguintes termos:

Quer conduzida em nome de um radiante faturo ou de uma reação


tradicionalista, a crítica total do mundo moderno - uma vez que ela
é necessariamente um anti-humanismo que leva inevitavelmente a
ver no projeto democrático, por exemplo, nos direitos humanos, o protó-
tipo da ideologia ou da ilusão metafísica - é estruturalmente incapaz
de assumir, a não ser deforma insincera e aparentemente a despeito
de si própria, as promessas que são também as da modernidade, (cm
itálico no original)

Eles concluem, entretanto, que "no nível filosófico, é impos-


sível retornar, depois de Marx, Nietzsche, Freud e Heidegger, à

78
idéia de que o homem é o mestre e o possuidor da totalidade de
suas ações e idéias [...]. Trata-se, hoje, de uma questão de repen-
sar - após essa critica e não apenas contra ela - a questão do sujeito".
Eu argumentaria que é impossível, depois de Foucault, Derrida,
Deleuze e Lyotard, retornar inocentemente ao sujeito fenomeno-
lógico hegeliano.
O pós-estruturalismo é questionado tanto pela perspectiva
neoliberal (francesa) quanto pelas perspectivas marxistas. Há uma
perspectiva "apocalíptica" que relega o pós-estruturalismo a uma
fase histórica específica. Essa perspectiva é formulada nos seguintes
termos: tanto a "crítica do sujeito" quanto o "pós-estruturalismo"
estão, em certo sentido, acabados e a combinação dos dois "even-
tos" não é simplesmente incidental. Isto é, "o eclipse do Nietzsche
francês (SCHRIFT, 1 9 9 5 , p. 1 2 3 ) assinala o 'fim' do pós-estruturalis-
mo, um fim que se dá em termos de uma exaustão da crítica do
sujeito: "Agora que o momento do nietzcheanismo francês se com-
pletou ou, em certo sentido, terminou, assim também a crítica do
sujeito baseada nas análises de Nietzsche está acabada".
Esse é o tipo de oposição efetuada, por exemplo, pela gera-
ção mais recente de intelectuais franceses que proclamam o fim
de um paradigma e o estabelecimento de um novo. A mudança,
oficialmente designada, é do "pós-estruturalismo" para o "neoli-
beralismo". Esse liberalismo racional é ferozmente antinietzsche-
ano; seu alvo polêmico é tanto o estruturalismo (Louis Althusser,
Jacques Lacan, Claude Lévi-Strauss) quanto o pós-estruturalis-
mo (Michel Foucault, Jacques Derrida, Jean-François Lyotard,
Gilles Deleuze e Félix Guattari). Segundo essa perspectiva, agora
que a "filosofia da rebelião" está morta, ou ao menos em seu
crepúsculo, podemos antecipar um renascimento do humanismo,
do liberalismo, do individualismo e da democracia. E isso que se
reflete na nova pauta filosófica: "o fim do niilismo, do anti-hu-
manismo e da crítica da identidade e do sujeito" como alternati-
vas viáveis para o pensamento francês e um retorno ao
individualismo e ao humanismo, o resgate da autonomia huma-
na, da intencionalidade e da consciência (PAVEL, 1989, p. 20).
Essa linha apocalíptica de argumentação pode ser refutada de
várias formas. Em primeiro lugar, embora sem contestar o legado
francês de Nietzsche, podemos argumentar em favor de um des-
centramento de sua centralidade, ao "multiplicarmos" as interpre-
tações de seu trabalho; ao enfatizarmos as diferentes relações que
cada pensador teve com Nietzsche e as diferentes formas pelas
quais essas relações foram moduladas por outros pensadores. Vem
à mente, nesse sentido, a importância âo Nietzsche, de Heidegger
(1991; original de 1961), assim como vem à mente a influência
do Sur Nietzsche, de Bataille. Pode-se argumentar que a fonte da
originalidade e da força do pós-estruturalismo francês reside em
suas relações {mediadas) com o trabalho de Nietzche. Ou, ainda,
que, como no caso da posição e do desenvolvimento filosóficos
de Deleuze, não é Nietzsche sozinho que é importante, mas, an-
tes, Nietzsche em conjunção com outros pensadores. Para Deleu-
ze, por exemplo, esses "outros pensadores" deveriam incluir
Bergson e Spinoza (HARDT, 1993).
Em segundo lugar, e contra Ferry e Renaut, pode-se resistir à
tentação, como o faz Derrida, de concluir que Nietzsche é um ini-
migo da democracia em geral e não tem nada a oferecer em nome
| de "uma democracia futura". Essa estratégia de argumento atribui
a Nietzsche um niilismo simplista naquilo que se aplica ao sujeito,
\ a noções de ação política e à idéia de democracia: "Desde que, em
• minha opinião, Nietzsche critica uma forma particular de demo-
cracia, em nome da 'democracia do futuro', não considero Niezs-
che um inimigo da democracia emgeraF (DERRIDA, 1994, p. 41-2).
Derrida sugere que essa posição deve se abrir à diferença de uma
noção de democracia, "que, na medida em que não tem nada a ver
com aquilo que compreendemos por democracia hoje, não se pode
reduzir nem à realidade contemporânea da 'democracia', nem ao
ideal de democracia que está por detrás dessa realidade ou desse
fato". E essa diferença que Derrida diz ter explorado em profundi-
dade em Espectros de Marx (1993). Embora, como sustenta
Derrida, não se possa subscrever tudo o que Nietzsche escreveu
sobre a democracia de sua época, ele identificou "riscos particula-
res naquilo que ele destacou sob o nome de 'democracia5 e "exis-
tem, ao mesmo tempo, temas críticos e genealógicos em Nietzsche
que apelam a democracia do futuro" (DERRIDA, 1994, p. 41-2). O
antinietzscheanismo de Ferry e Renaut não discute Nietzsche em

80-
qualquer sentido profundo ou crítico; ele tampouco leva em conti
a transmissão e o desenvolvimento intercultural do legado francês
de Nietzsche no mundo de fala inglesa.
Em terceiro lugar, é possível argumentar que o polêmico ata-
que antinietzscheano à crítica ao sujeito está mal colocado; que o
pós-estruturalismo nunca "liquidou" o sujeito, mas reabilitou-o,
descentrou-o e reposicionou-o em toda sua complexidade histó-
rico-cultural. Essa linha de argumento pode também chamar a
atenção para o fato de que, embora Ferry e Renaut falem em
retornar à questão do sujeito, sua crítica ao pós-estruturalismo
carece, estranhamente, de quaisquer recursos para fazê-lo. Em
outras palavras, não há nada no trabalho de Ferry e Renaut que
possa sugerir uma reelaboração da questão do sujeito sob qual-
quer perspectiva exceto a de um retorno inocente e não-proble-
mático a um noção (neoliberal) da ação humana. Como comenta
Jean-Luc Nancy (1991, p. 3), em sua "Introdução" ao livro Who
comes after the subject?:

Não enviei minha questão ("Quem vem depois do sujeito?") àque-


les que não veriam nela qualquer validade, àqueles para quem,
pelo contrário, mais importante é denunciar seus pressupostos e
retornar, como se nada tivesse acontecido, a um estilo dc pensa-
mento que poderíamos simplesmente chamar dc "humanista",
mesmo quando tenta complicar a forma tradicional dc pensar
sobre o sujeito humano.

Para Nancy, os colaboradores daquele livro (incluindo De-


leuze, Derrida, Blanchot, Lyotard, Levinas, Irigaray, Descom-
bes, entre muitos outros) não se colocam em uma "tradição"
nem pertencem a uma escola mas, em vez disso, "mantêm, cada
um deles, uma complexa relação" com as tradições husserliana,
marxiana, heideggeriana e nietzschena" (p. 3). Quando Nancy
escreve sobre "aqueles que retornam, como se nada tivesse acon-
tecido, ao sujeito humanista", ele tem em mente, claramente,
Ferry e Renaut.
Em uma entrevista com Nancy, originalmente publicada em
Who comes after the subject?, Derrida (1995, p. 256) questiona a
interpretação que Nancy faz da "liquidação do sujeito" e, ao
discutir o discurso sobre "a questão do sujeito" na França, nos
últimos vinte anos, sugere, em vez disso, o slogan "um retorno
ao sujeito, o retorno do sujeito". Derrida esquematiza, de for-
ma sumária, o lugar do sujeito em Lacan (o descentramento do
sujeito), em Althusser (sua interpelação) e em Foucault ("uma
história da subjetividade" e "um retorno a certo sujeito ético"):

Para esses discursos (Lacan, Althusser, Foucault) e para alguns dos


pensadores que eles privilegiam (Freud, Marx, Nietzsche), o sujei-
to pode ser reintepretado, restaurado, reinscrito - ele certamente
não está "liquidado". A questão "quem", notavelmente cm Nietzs-
che, reforça fortemente esse ponto. Isso c verdadeiro também quan-
to a Heidegger, a principal referencia ou o principal alvo da doxa
dc que estamos falando. O questionamento ontológico que lida
com o subjectum, em suas formas cartcsianas c pós-cartcsianas, é
qualquer coisa menos liquidação. (DERRIDA, 1995, p. 257)

A esses discursos poderíamos acrescentar os de Blanchot,


Levinas, Deleuze e Guattari, Lyotard, Irigaray, Kristeva, etc., para
não mencionar a descontrução que Derrida faz do sujeito e seu
recente questionamento do sujeito da responsabilidade ética, ju-
rídica e política. O que isso nos diz é que a problemática do sujei-
to, tal como se desenvolve na França nos últimos vinte anos, não
pode ser reduzida à homogeneidade. A atribuição da "liquida-
ção" do sujeito a um pós-estruturalismo nietzscheano - uma atri-
buição que está subjacente aos polêmicos ataques de Ferry e Renaut
e também de uma espécie francesa de neoliberalismo - manipula
a polêmica para identificar seu alvo, mas o faz às custas de ignorar
o múltiplo: o tempo, o lugar e o espaço lógico do sujeito, sua
múltipla genealogia na história da filosofia moderna e sua ativa
reinterpretação e reinscrição.
Em quarto lugar, poderíamos querer perturbar a centralidade
do Nietzsche francês, apontando para a multiplicidade de outras
fontes de influência e de outras respostas: Heidegger e Saussure
(Derrida); Kant e Hegel (Foucault); Kant, Wittgenstein, Levinas,
Freud e Marx (Lyotard); Spinoza, Bergson, Hume e Freud ou La-
can (Deleuze). Por que deveríamos nos concentrar nas influências,
quando a importância do pensamento pode ser explicada em ter-
mos das forças combinadas da influência e da resposta? Tampouco
deveríamos subestimar as forças de influência e as respostas no con-
texto francês local: consideremos, por exemplo, a importância de
Jean-Paul Sartre, Louis Althusser, Claude Lévi-Strauss, Gaston
Bachelard, Georges Canguilhem, relativamente a Foucault.
Em quinto lugar, a noção de um pós-estruturalismo "puro",
um pós-estruturalismo não-contaminado, não-perturbado ou não-
transformado desconsidera, assim, o fato de que a "teoria" con-
temporânea É um campo constituído por forças plurais (DERRIDA,
1990, p. 64-65). O princípio da "desordem taxonômica" na "teo-
ria", como sustenta Derrida (1990, p. 67), pode fazer surgir "tra-
duções razoáveis e ordenadas ou confusões cômicas", nas quais a
"teratologia é nossa normalidade". Cada espécie de "teoria" - por
exemplo, o estruturalismo, a psicanálise, o (neo ou pós)-estrutura-
lismo, para não falar do discurso marxista - "constitui sua própria
identidade apenas por meio da incorporação de outras identida-
des, por contaminação, por parasitismo, por enxertos, por trans-
plantes de órgãos, por incorporação, etc." (DERRIDA, 1990, p. 66).
Há diferentes modos de integração, transformação, combinação,
distorção e apropriação, que tornam difícil delimitar movimentos
em identidades classificáveis. Essa multiplicidade não pode ser re-
duzida a uma ordem tabular - fixa e estável - por causa das diferen-
ças, por um lado, entre as diversas tradições culturais e, por outro,
por causa da abertura dos espaços entre as disciplinas.
Por último, a genealogia do pós-estruturalismo, concebido
como um movimento de pensamento que atravessa fronteiras nacio-
nais, tradições culturais e, cada vez mais, sob formas novas e ines-
peradas, a configuração Norte-Sul, entre nações ricas e nações
pobres, precisa acertar suas contas com a transmissão intercultu-
ral e internacional, a troca e a apropriação indevida, mas criativa,
do pós-estruturalismo. Nesses novos contextos, a afirmação de
que o pós-estruturalismo chegou ao "fim" deve ser considerada
um completo absurdo e a questão da influência ou do legado de
Nietzsche, talvez, menos importante.

83
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Sobre o autor

Michael Petcrs é professor da Universidade de Auckland,


Nova Zelândia. Seus interesses acadêmicos estão no campo da
teoria e da política educacional e da filosofia contemporânea. Entre
seus livros incluem-se: Wittgenstein: Philosophy, Postmodernism,
Pedagogy (Bergin & Garvey, 1999), com James Marshall; Curri-
culum in the Postmodern Condition (Peter Lang, 2000), com Alicia
de Alba, Edgar González-Gaudiano e Colin Lankshear; Universi-
ty Futures and the Politics ofReform (Dunmore Press, 1999), com
Peter Roberts; Poststructuralism, Politics and Education (Bergin &
Garvey, 1996); Individualism and Community: Education and So-
cial Policy in the Postmodern Condition (Falmer Press, 1996), com
James Marshall; e Counternarratives (Routledge, 1996), com
Henry Giroux, Colin Lankshear e Peter McLaren. Também orga-
nizou uma série de livros, entre os quais se incluem: Nietzsche's
Legacy for Education: Past and Present Values (Bergin & Garvey,
2000), com James Marshall e Paul Smeyers; Virtual Technologies
in Tertiary Education (Dunmore, 1998), com Peter Roberts; Cul-
tural Politics and the University (Dunmore, 1997); Naming the
Multiple: Poststructuralism and Education (Bergin & Garvey, 1998);
Criticai Theory; Poststructuralism and the Social Context (1996);
Education and the Postmodern Condition (Bergin & Garvey, 1995/
1997). Michael Peters é Editor Executivo da revista Educational
Philosophy and Theory (Carfax) e Co-Editor da Enciclopédia On-
line de Filosofia da Educação (http://www.educacao.pro.br/). Seu
novo livro, Dissidence and Modemity: The Politics of Poststructura-
lism, deve ser publicado até o final do ano 2000, devendo ser
também traduzido no Brasil, com editora ainda não definida. Duas
novas coletâneas também serão proximamente publicadas: uma
coleção de ensaios sobre Martin Heidegger e outra organizada
em torno de Richard Rorty.

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