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Doutora em História pela Universidade de Brasília (UnB). Professora da Universidade de Brasília
(UnB).
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A cultura escolar – presente nos currículos, procedimentos de ensino, teorias,
linguagens, materiais didáticos e processos avaliativos – foi também apontada e
criticada como produto e produtora das diferenças de gênero, sexualidade, classe, raça e
etnia. Não por acaso, a educação escolar se tornou alvo de muitos debates e
questionamentos por parte de diversos movimentos sociais. Até então, a voz que se
fizera presente no espaço escolar era a do sujeito masculino, branco, cristão,
heterossexual, europeu, produtivo e reprodutivo. Ao longo do tempo, essa voz obteve
ampla autoridade e legitimidade, construindo e difundido representações racistas,
sexistas, colonialistas e eurocêntricas acerca da história, das identidades e relações
sociais. Assim, para os grupos submetidos, tornava-se urgente “apropriar-se dessas
instâncias culturais e aí inscrever sua própria representação e sua história, pôr em
evidência as questões de seu interesse” (LOURO, 2008, p. 20-21).
As demandas em prol da inclusão de segmentos historicamente excluídos dos
direitos sociais, culturais, econômicos e políticos, operacionalizadas em diversos
espaços, têm sido importantes também no campo da educação, especificamente, no
campo dos currículos escolares. Desde a implantação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) (1997-1998) e o estabelecimento dos Temas Transversais (1998), as
questões em torno de gênero, raça e etnia foram introduzidas também nos currículos
oficiais. Exemplo dessas preocupações é a instituição das leis 10.639/03 e 11.645/08,
que estabelecem a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e
indígena nas escolas, a fim de combater as discriminações étnico-raciais e de promover
o reconhecimento e a valorização da participação dos negros e indígenas na sociedade
nacional.
Em 1996, os Ministérios da Justiça e da Educação (MEC), através do Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher, apresentaram um protocolo de igualdade de direitos
entre homens e mulheres, que dizia:
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As conquistas dos movimentos feministas e a crescente aceitação da categoria de
gênero nos meios acadêmicos e institucionais também estiveram relacionadas a essa
inclusão das questões de gênero nos critérios de avaliação dos livros didáticos. Já em
1998, tais questões foram incluídas também nos PCNs, dentro de um dos eixos
transversais, como parte dos conteúdos de “orientação sexual” para terceiro e quarto
ciclos do Ensino Fundamental. As questões de gênero foram assim incluídas dentre os
pontos fundamentais para a formação dos cidadãos. Nesse caminho, os PCNs vieram
afirmar o papel do Ensino Fundamental no preparo das/os estudantes para posicionar-se
“contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de
crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais” (BRASIL,
1998).
Tais mudanças, somadas às inovações que ocorreram na historiografia e nas
tendências pedagógicas na segunda metade do século XX, impuseram à história,
enquanto disciplina escolar, um papel fundamental no reconhecimento e valorização das
identidades e memórias de diferentes grupos sociais, especialmente daqueles que
haviam sido marginalizados e/ou silenciados nos discursos históricos tradicionais, como
as mulheres, os jovens, os trabalhadores, as crianças, os idosos, as etnias e minorias
culturais (BRASIL, 1998).
Os movimentos feministas reconhecem o potencial da educação escolar na
transformação das relações humanas, tendo em vista a construção da igualdade de
gênero. No que tange à promoção da equidade de gênero através das práticas escolares,
o MEC, em diálogo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), buscou
articular, a partir do I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM/2004), uma
série de ações com o objetivo de incidir sobre a pedagogia, os currículos e a formação
dos profissionais da educação, de modo a enfrentar o sexismo e a promover o valor da
igualdade de gênero no Brasil. Como justificativa para estas ações, o I PNPM reconhece
que
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A partir dessas prioridades, as ações no campo da educação inclusiva e não
sexista voltaram-se para três frentes principais, quais sejam:
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para a igualdade de gênero no Brasil, nas últimas décadas, pouco atingem o ensino de
história ministrado nas escolas.
Os PCNs reconhecem que “a questão de gênero se coloca em praticamente todos
os assuntos trabalhados pela escola, nas diferentes áreas”, de forma que educadores e
educadoras precisam considerá-la atentamente no cotidiano escolar, a fim de ajudar os
jovens a construírem relações de gênero com equidade, respeito pelas “diferenças,
somando e complementando o que os homens e as mulheres têm de melhor,
compreendendo o outro e aprendendo com isso a ser pessoas mais abertas e
equilibradas” (BRASIL, 1998, p. 323).
Entretanto, os estudos feministas também acrescentam algumas críticas ao modo
como as questões de gênero foram introduzidas nos PCNs. Luciana Gandelman
observou que a noção de gênero, presente nesse documento, opera com a oposição
sexo/gênero, atribuindo ao “gênero uma característica de construção social enquanto
delega ao sexo o status de algo biologicamente dado” (2003, p. 211). Trata-se de uma
concepção que, apesar de ainda predominante no discurso de algumas feministas, acaba
deixando o sexo de “fora da cultura e da história, sempre a enquadrar a diferença
masculino/feminino” (GANDELMAN 2003, p. 211). Essa concepção recai naquilo que
Linda Nicholson (1999) chamou de “fundacionalismo biológico”, por não questionar o
caráter construído da oposição feminino versus masculino. Segundo Gandelman,
isso fica claro quando o gênero é utilizado como se não fosse uma categoria,
e sim mais um grupo social, uma „minoria‟, ou uma identidade étnica,
quando na verdade o gênero é uma categoria primária que entrecorta a
sociedade de maneira singular e específica. A categoria de gênero aparece
esvaziada de seus aspectos políticos e históricos, dizendo respeito, ao
contrário, unicamente ao âmbito da família e das relações interpessoais
(2003, p. 213).
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às reivindicações por mudanças e incorporação de novos temas e problemas na
historiografia e nos livros didáticos (SILVA, 2007). A partir disso, os livros didáticos de
história tem sido objeto de algumas investigações que neles examinam o modo como as
mulheres vêm sendo incluídas nas narrativas históricas escolares 2. Muitas dessas
análises têm apontado a persistência tanto do silêncio sobre a atuação das mulheres na
história, como de concepções binárias e hierarquias de gênero que revelam ainda o
predomínio de uma história androcêntrica, centrada apenas no protagonismo masculino.
Cristini Silva (2007, p. 228) observou que algumas coleções de livros didáticos
de História, publicadas entre o final da década de 1990 e início de 2000, revelam certos
avanços teóricos e metodológicos ao incorporar renovações historiográficas com novos
temas e problemas históricos, dentre eles a história das mulheres, dos negros e
indígenas. No entanto, a pesquisadora destacou que essa incorporação trouxe também
alguns problemas e armadilhas, na medida em que passou a ser realizada a partir de
inúmeros links, boxes e textos dentro de outros textos:
2
Cf. neste mesmo livro o capítulo “Sujeito da história ou reclusa de caixa de texto: um olhar feminista
sobre as representações femininas nos livros didáticos de história”, de autoria de Valéria Fernandes da
Silva. Cf. também os seguintes artigos: SILVA, Cristiani Bereta da. “O saber histórico escolar sobre as
mulheres e relações de gênero nos livros didáticos de História”. Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 1, p.
219-246, jan.-jul. 2007; SILVA, Ivani Almeida Teles da Silva; SÁ, Cristine Ferreira de. “O olhar de
gênero no fazer/ensinar história”. Estudos IAT. Salvador, v.1, n. 1, jun. 2010; FERREIRA, Angela
Ribeiro; CERRI, Luis Fernando. “História das mulheres no ensino de História do Brasil: uma análise das
abordagens do livro didático”. In: Simpósio Nacional de História, 23, 2005, Londrina. Anais do XXIII
Simpósio Nacional de História. Londrina: ANPUH, 2005; MIRANDA, Anadir dos Reis. “Reflexões
sobre Mulheres, Gênero e Aprendizagem Histórica”. Histórias, Rio Grande, v. 4, n. 2, 2013; MARQUES,
Ana Maria. “Questões de gênero e etnia na abordagem metodológica para o ensino de História nos anos
iniciais do Ensino Fundamental”. Cadernos do CEOM, ano 21, n. 28, Chapecó: Argos, 2008; e LOHN,
Reinaldo Lindolfo; MACHADO, Vanderlei. “Gênero e Imagem: Relações de gênero através de imagens
dos livros didáticos de História”. Niterói, v. 4, n. 2, 2004.
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“histórias na perspectiva das mulheres”. Como bem ressaltou Antonia Fernández
Valencia (2004) em suas análises dos livros didáticos de história utilizados nas escolas
da Espanha, essa inclusão do protagonismo feminino, de forma isolada, pode continuar
perpetuando a discriminação das mulheres, se fica apenas como complemento, como
um apêndice de uma história geral, de uma “história importante” que se desenvolve
habitualmente ao longo do livro, onde a rara consideração coletiva e individual das
mulheres não lhes reconhece uma posição significativa na história. Nesta perspectiva, as
mulheres parecem afastadas da sociedade, vistas de forma anedótica, como se tudo ao
redor, o que acontece na sociedade, fosse incapaz de intervir na vida delas (BLANCH;
OBIOLS, 2012, p. 106).
Boa parte das pesquisas sobre os livros didáticos tem revelado ainda a presença
de uma perspectiva de gênero binária e androcêntrica, na forma de inclusão das
mulheres na história, ao tratar das contribuições das mulheres em um “mundo de
homens”, ou quando tratam da vida das mulheres “enquanto os homens governam”, em
temas ligados à família, à sexualidade e à vida cotidiana. Nesta perspectiva, os homens
ainda aparecem como sujeitos dominantes, decididos, racionais e fortes, ligados às
guerras, batalhas vitoriosas, condutas heroicas e de honra; enquanto as mulheres são
vistas fisicamente como mais frágeis, emotivas, maternais, associadas apenas ao espaço
doméstico da casa e da família, na função de mãe. O trabalho doméstico aparece como
função natural das mulheres, além das profissões consideradas tipicamente femininas:
empregada doméstica, enfermeira, costureira, cozinheira, babá, professora, bordadeira,
bibliotecária (MARQUES, 2006). Entendo que tais representações reforçam ainda a
desigualdade de gênero na orientação profissional. As mulheres são assim orientadas
para as carreiras profissionais ligadas ao mundo doméstico, ao cuidado do “outro”, às
artes e ciências humanas, enquanto os homens são orientados para as carreiras nas áreas
políticas, intelectuais, tecnológicas e de ciências exatas.
Os debates e pesquisas sobre as identidades e diferenças no ensino de história
têm avançado e demonstrado que é preciso ir além da simples inclusão de novos
sujeitos (como mulheres, negros, indígenas, homossexuais etc.) nas narrativas históricas
escolares onde as próprias noções de identidade e diferença surgem como cristalizadas e
naturalizadas. Mudanças nos currículos, para contemplar as experiências históricas das
mulheres e descontruir estereótipos e hierarquias de gênero, esbarram também em
mudanças na identidade consolidada no ensino de História, que por tradição esteve
associada ao sujeito masculino, branco, civilizado, europeu, heterossexual e cristão.
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A noção de sexo essencializado e de masculinidade ou feminilidade
“verdadeiras” ou “naturais” são constituídas e mantidas, também, através de suas
constantes reiterações nos livros didáticos de história que circulam com valor de
verdade. Nesta perspectiva, a história, “a ser ensinada” por meio dos livros didáticos, se
revela também como uma disciplina “performativa” (BUTLER, 2001, p. 158), na
medida em que tem o poder de reiterar as normas regulatórias que materializam as
diferenças sexuais, contribuindo para a persistência das hierarquias e desigualdades de
gênero. Como bem disse Butler, “a citação da lei é precisamente o mecanismo de sua
produção e articulação” (2001, p. 169). Assim, a “história escolar” se apresenta como
prática discursiva capaz de efetuar ou produzir aquilo que ela nomeia (traduz), as leis
regulatórias do sexo/gênero.
Os saberes históricos divulgam representações do passado. Denise Jodelet
explicita que as representações constituem “sistemas de interpretação que regem nossa
relação com o mundo e com os outros”, e que “orientam e organizam as condutas e as
comunicações sociais” (2001, p. 22). Como formas de conhecimento socialmente
elaboradas e partilhadas, as representações criam também verdades, imagens,
comportamentos, papéis sociais, hierarquias e normas que podem interferir no mundo,
na constituição das identidades e nas relações sociais. Com base nessa concepção,
ressaltamos a importância do conhecimento histórico na vida social, pois enquanto
veículo de representações é capaz de ensinar a ser homem e mulher, de produzir e
instaurar diferenças e desigualdades sexuais, étnico-raciais, geracionais, de classe,
dentre outras. A história, em diferentes tempos e espaços, sofre usos e abusos sendo
muitas vezes evocada para exaltar ou depreciar determinados grupos sociais, além de
justificar e legitimar práticas políticas de dominação, exclusão e marginalização sociais.
Considerando o caráter educativo e as relações de poder que perpassam as
representações do passado, partimos aqui do pressuposto de que o conhecimento
histórico não apenas informa sobre as experiências e identidades das mulheres no
passado, mas também participa da construção das subjetividades e relações de gênero
no presente. De acordo com Joan Scott (1994), o conhecimento histórico não é um
simples registro das mudanças nas organizações sociais ao longo tempo, mas também,
um instrumento que participa da produção do saber destas organizações. Neste
entendimento, a história pode re-produzir preconceitos, discriminações e exclusões
sociais por meio de suas representações, na medida em que tem o poder de reiterar as
normas regulatórias que objetivam a perpetuação das diferenças e desigualdades de
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gênero, constituindo, deste modo, obstáculos à construção da cidadania no presente. Por
outro lado, a história pode ser instrumento importante de compreensão dos processos de
produção das identidades e relações de gênero, ao identificá-las como construções,
como saberes social e historicamente produzidos.
Não por acaso, a promoção do ensino de história das mulheres e a construção de
Diretrizes Nacionais para Educação nas Relações de Gênero3 ainda estão na pauta dos
movimentos feministas e de mulheres que dialogam com o governo. No entanto, as
reivindicações desses movimentos ainda encontram sérios entraves políticos, reflexos
de disputas em torno dos valores, saberes, normas e “regimes de verdade” que devem
ser ensinados nas escolas brasileiras. Como exemplo, em abril de 2014 a votação do
texto final do PNE revelou fortemente essas disputas. Este projeto trazia propostas
referentes a vários âmbitos da educação. Dentre seus artigos, um deles, que tratava das
questões de gênero e orientações sexual, gerou divergências sobre o combate ao
preconceito contra mulheres e homossexuais na escola. A primeira versão do Plano
dizia que deveriam “ser superadas as desigualdades educacionais, com ênfase na
promoção da igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual”. Já a versão
devolvida pelo Senado Federal substituía esse texto e propunha “ênfase na promoção da
cidadania e na erradicação de todas as formas de preconceito”. Esse novo texto não
agradou a todos e gerou discussões, lotando o plenário de manifestantes de movimentos
LGBTs, feministas e religiosos cristãos. No entanto, o placar de 15 votos a 11 deu
vitória à proposta do Senado Federal e dos conservadores cristãos.
Segundo o deputado Pastor Eurico (PSB-PE), em seu discurso durante a votação,
não haveria por que de um movimento querer introduzir no PNE ideologia de gênero.
“O texto do Senado contempla a todos”, argumentou. Ressaltou ainda que, apesar de o
país ser laico, a maioria da população é cristã. Em contrapartida, a deputada Fátima
Bezerra (PTRN) defendeu a versão de autoria do deputado Angelo Vanhoni. Ela
afirmou que a escola não pode se omitir ou reproduzir estereótipos preconceituosos
existentes na sociedade e deveria ser um espaço para combater esse tipo de prática.
“Amor não combina com preconceito ou violência, sim com solidariedade e respeito. A
escola não pode fomentar ou se omitir diante dessa situação”, argumentou4.
3
Disponível em: <http://www.spm.gov.br/pensando_genero_e_ciencias>. Acesso em: 25 abr. 2014.
4
Cf. material publicado no jornal Campus (2014, n. 411, ano 44), páginas 12 e 13, de autoria de Spindola
e Resende. Disponível em: <http://issuu.com/campusunb/docs/campus-2014-2>. Acesso em: 118 abr.
2014.
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Os movimentos conservadores insistem assim em afirmar que as teorias de
gênero são ideológicas e não científicas, a fim de desqualificá-las em meio aos debates
políticos e mantê-las distante dos saberes e práticas escolares. Afinal, trata-se de uma
disputa política pelo agenciamento/educação das identidades e relações entre os sexos.
Estes movimentos ainda exercem um poder na perpetuação de práticas e concepções
que educam para as desigualdades, violências e exclusões experimentadas pelas
mulheres e homossexuais, impondo obstáculos à conquista da igualdade e cidadania
plena para estes grupos. Estas concepções se refletem na história ensinada nos diversos
espaços educativos (escolas, igrejas, partidos políticos, mídia, imprensa, televisão etc.),
constituindo pedagogias de gênero que marcam a superioridade “natural” do masculino
e a heterossexualidade como a norma.
A partir das novas exigências curriculares de formação para cidadania e
democracia, impõe-se cada vez mais a necessidade de articular as discussões feministas,
sobre as identidades e relações de gênero, com o saber histórico a ser ensinado, no
caminho da promoção de uma educação escolar transformadora, que eduque para o
respeito e a igualdade entre homens e mulheres. Para discutir as possibilidades e
potencialidade de inclusão da história das mulheres no ensino de história, é necessário
reconhecer as especificidades que envolvem a constituição dos saberes históricos
escolares. A categoria “saber escolar”, segundo Monteiro,
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simples proposta de complementar os saberes históricos escolares, ou seja, de apenas
incluir “textos complementares” ou fatos históricos que documentem a existência das
mulheres no passado. Como bem assinalou Joan Scott,
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recorrentes pelas quais o poder político é concebido, legitimado e criticado” (SCOTT,
1995, p. 27). Esta inclusão permite a compreensão do modo como as relações de poder e
de gênero são constituídas e mantidas. Segundo Joan Scott, a categoria gênero pode
viabilizar uma visão mais profícua da história, uma vez que
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vividas pelas mulheres em diferentes tempos e espaços. É através desta inclusão que a
história das mulheres terá possibilidade de exercer o seu potencial pedagógico de
transformação das relações humanas.
Cada vez mais as historiadoras feministas têm reivindicado para a história um
papel desestabilizador de concepções e relações de gênero tidas como naturais,
biológicas e universais; advogam para a história a ideia de transformação e de agência
humana (GALDEMAN, 2003, p. 209), e argumentam, nas palavras de Tania Navarro-
Swain (2006), em favor de uma “história do possível”, da diversidade, de um humano
que não se conjuga apenas em sexo, sexualidade, dominação, posse, polarização”.
O ensino de história também necessita promover uma crítica às relações e
representações de gênero difundidas nos livros didáticos. Queimar ou destruir os livros
didáticos de história – que perpetuam imagens de gênero estereotipadas, racistas e
sexistas – não vai resolver os problemas enraizados em nossa cultura. Pelo contrário, só
vai continuar “escondendo”, colocando à margem do debate dentro de sala de aula,
questões relacionadas à igualdade de gênero e ao reconhecimento dos direitos das
mulheres. Assim, o tratamento do livro didático, como objeto de crítica e pesquisa
escolar, esbarra na concepção tradicional do conhecimento histórico escolar como
verdade inquestionável que deve simplesmente ser reproduzida pelos professores em
sala de aula. Nessa concepção, as/os estudantes atuam como sujeitos passivos diante do
conhecimento, o que inviabiliza a sua formação para a cidadania crítica.
A relação que se estabelece com o conhecimento histórico em sala de aula
também é fundamental no processo de educação para a igualdade e cidadania. Nesse
sentido, uma educação transformadora deve promover a compreensão de que o
conhecimento histórico é plural, que possui historicidade e que deve ser entendido no
contexto de sua produção, para que possamos romper com o caráter sagrado e
inquestionável de concepções históricas que perpetuam as desigualdades sociais.
Sabemos que os livros didáticos não são os únicos culpados pela veiculação de
concepções de gênero sexistas e machistas. Neste sentido, questioná-los em sala de aula
ajuda a promover uma atitude de questionamento e crítica diante da multiplicidade de
saberes históricos que circulam no cotidiano das/os estudantes. Assim, serão capazes de
“ler o mundo” à sua volta, de interpretar a sociedade, para que saibam se posicionar de
forma consciente diante da multiplicidade de informações que confrontam todos os dias.
Enfim, além do tratamento adequado ao livro didático, na incorporação da
história das mulheres e das questões de gênero no ensino de história, é necessário
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também atentar para a formação inicial dos professores5. Caberia perguntar: como estes
profissionais aceitam e enfrentam as críticas aos livros didáticos? Que concepções de
gênero, educação, sociedade e história norteiam a formação destes professores? Em boa
parte dos cursos de licenciatura em História, as questões de gênero ainda são silenciadas
nos grandes debates e ganham pouco espaço nos conteúdos curriculares. Gênero e
história das mulheres aparecem em alguns dos currículos de graduação em História
como disciplinas optativas, o que revela seu lugar marginal frente a outras questões da
história. Assim, a falta de preparo dos professores também impõe seus problemas na
abordagem das relações e representações de gênero que circulam nos livros didáticos de
história. Para que a incorporação da história das mulheres nos currículos escolares faça
a diferença, no sentido de contribuir na promoção da igualdade de gênero, é necessário
também ampliar os investimentos na formação inicial e continuada de professores.
Referências bibliográficas
5
Neste sentido, alguns passos já estão sendo dados, especialmente, com o curso Gênero e Diversidade na
Escola (GDE) que busca oferecer uma formação continuada para professores, de várias regiões do Brasil
desde 2006, para o tratamento das questões de gênero, relações étnico-raciais e orientação sexual na
escola (OLIVEIRA, 2012a).
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JODELET, Denise (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2001.
______. Por uma história do possível: representações das mulheres Incas nas crônicas e
na historiografia. Jundiaí: Paco Editorial, 2012b.
______. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Trad. de Christine Rufino
Dabat e Maria Betânia Ávila. 2. ed. Recife: SOS Corpo, 1995.
SILVA, Cristiani Bereta da. “O saber histórico escolar sobre as mulheres e as relações
de gênero nos livros didáticos de História”. Caderno Espaço Feminino (UFU), v. 17, p.
219-246, 2007.
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