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oncom gan CIENT Programa dno Eat do Pa eorrores ‘comissko execura ‘ere ta as Shane Sree ‘CONSELHO EDITORIAL (ere eter Sat an) (Unter S80 Pas (Gnesi ear etm Gon) (ets Coane 55 al (Garis oy (Cine isto Pau) (rt Cease Si Pay ‘Ponce Unters Caen — Rl ‘seg et ies carga Sra (Unicel a fl rade do Su) i | | ESTUDOS VOLUME 4 NEOLATINOS NUMERO 1 {NERO / JUNO 2002 Seen wee Corre Cope an SF 22431050 Ro. ne ‘eres 20) anieous Foe 20 aot1 ares ‘all eeameeanretcom be eras oh Ps Greta mn Lets Nets 4/101 Rio de Jonsita, ho / Dezembro de 2001 1. Lees Welt - Paes bu Issn 15171064 coo. 807 via Qcnpq alea Sumario A sombra de Nadar Flaubert ¢ as artes visuais JOSEPH JURT Apés 0 “violento abalo”. Notas sobre arte ~relendo Walter Benjamin aRCIOSELGMAMNSIYK Saramago leitor de Durer compromissos para um nove Evangelho TERESA CRISTINA CEROEIRA Jogos especulares em Un Cabinet d'amateur, hist6ria de um museu particular Entre o cinema e a literatura: 0 cine-romance como estrutura literdria aut8noma {NORE SOKRES VIEIRA ‘Tradugio A Exposigio dos Independentes em 1881 JORIS KARL HUYSMANS 19 33 55 19 93 109 Entrevista Robert Ponge Por LUCIANA HIDALGO © ARR MACHADO Resenhas Liclia Santos. Kitsch tropical: las medios en literatura y el arte en América Latina sua chAcaMo Lucia Santaella e Winfried Noth, Imagen: cognigao, zemidtca, midi afta AEATRZ DA ROCHA LAGOA José Pedro Antunes. “Tradugfo comentada de 0 surrealism francés, de Peter Burger tz eareos wonrez Pedro Paulo G. F. Catharina. “Quadros literérios em A rebours, de J-K. Huysmans” VERACASANOVA 119 139 1s alea Contents Nadar's shadow ANNATERESA FABRIS Flaubert and visual arts After the “violent shock”, Notes on art rereading Walter Benjamin Jukacio SeLIGMANN-SLVA Saramago as Durer’s reader: compromises towards a new Gospel TERESA CRISTINA CEROEIRA Mirror games in Un Cabinet d'amateur, the story of a private museum ahaa ARBEX Between cinema and literature: cine-romén as autonomous literary structure ANDRE SOARES WEIRA ‘Translation ‘The 1881 Independents’ Exhibition JORIS KARL HUFSMANS 38 9s 109 Interview Robert Ponge by LWouNA HoALGo and NARA MACHADO Reviews Lidia Santos. Kitsch tropical: los medios en literatura y el arte en América Latina ‘St céRcAMO Lucia Santaella e Winfried Néth. Imagens cognicio, semibtica, midia ungia BEATRIZ ROCHA LAGOA José Pedro Antunes. “Critical translation of Peter Burger's French Surrealism wiz Banos wonTeZ Pedro Paulo G. F. Catharina. “Literary paintings in JAK, Huysmans’ d rebours’ VERACASANOVA ng 135 139 148 147 Editorial Em um mundo permanentemente sobressaltado por imagens, cuja textura se pretende cada vez maisimporcomo registro da realidade como dado de mem6ria, ‘no surpreende que otema’“Texto e imagen objeto dereflexto para este nimera, tenha susitado tanto interese. tal ponto que nos vimos obrigadas a subdividir ‘© entio nimero tnico em “Texto e imagem I" e “Texto e imagem II. Para por em questio, de sada, a hierarquia que titulo ds volumes poderia sugerir ao fazer preceder textoaimagem, abrimos este imero com trésgravuras dda exposicfo “Signos e Graphias", de Carlos Alberto Mayer, realizada em 2000, €cujostrabalhos perserutam a origem da escrta, Na materializagio pléstica das _graphias,esfumarn-se as fronteiras entre figura e letra, resultanclo o processo em formas que parecer tornar texto e imagem irvemediavelmente indissocidveis. Quanto aos artigos propriamente tos, a tendéncia dos trabalhos apresentados 6 como no poderia deixar de ser, ade discutir as virtues miméticas—no sentido ‘mais tradicional do termo — tanto da imagem plistica quanto do texto escrito, O leitor, portant, se depararé, ao longo dos artigos, com um sigificativo elenco de nomes proprios dentre aqueles que contribuiram —e contribuem ainda~ para 1 problematizagao da questo, com todas as suas nuangas e impasses Em Nadar e Flaubert, encarna-se, desde 0 século XIX, a resisténcia — tmaterializada pelo rigor formal de suas respectivas linguagens estética, @ fotografia e 0 romance ~ a idéia de arte como mero mecanismo de reprodugéo da realidade. Com Walter Benjamin, cua obra parece se atualizara cada dia, dscute- seo sentido da vertente testemunhal da arte contempordnea, com suas freatientes alusdes meméria e violénci, Na companhia de Saramago, Ditrer e Pere vém a baila as relagoes entre escrita pintura, de um lado, e entre fiero erealidade, narrago e histéria, do outro, mostrando 20 leitor que, ao fim e 20 cabo, nfo hi linguagem sem arestas, sem remissio xo infnito do sentido, H, por fim, um artigo que aborda, a partir de Mario Peixoto cle Marguerite Duras e de Hubert Aqui, a autonomia do texto em recto imager no cine-romance. ‘Onvimero conta também com uma entrevista sobrea presenga do surrealisto no Brasil e na América Latina, feta durante a exposigo realizada no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro em 2001, ¢ com a traduco de um fragmento de uin Salon de J-K, Huysmans, grande representante da linhagem de escritores franceses que se dedicaram &ertca de arte, e que remontam a Diderot. Se esse conjunto de artigos e textos nfo consegue abarcar a totalidade dos problemas que o tema implica acreditamos queo niimero “Texto eimagem IW, a ser lancado no segundo semestre deste ano, traré outros enfoques, abrindo, assim, novas perspectivas de discussto. Os Editores Hieréglifos hititas 1500 aC. ~ 0 pov hittapossula duas dierent formas de escrita.A cuneiforme, adaptada dos cuneiformes babildncos, era usada na administragio © na regio, e também para registrar o acadiano,corrente na correspondénciainterna- cional em outraslingvas do império, tis emo ohourita 0 hati. A hieroglca, com simbolos simétricos,permita 4 leitura nas duns ditegdes, partindo quer da divita, quer da esquerda CJ essa obsessiva reprodupt de letras tom tudo a er com as origens dda prépria gravura. E & isso que interessa também a Carlos Alberto Meyer. Ele como que sorve a sua energia criatioa da origem do -grafismo, mas iso de modo a esquecer 0 absoluto de wm suposto referencial realsta, eentao passa a confeccionar, sin, uma obra atual, ‘ainda que eivada dle merecidas nostalgias. O que importa ests por inteio na explorasto do cardter grafic, e &justamente essa explo- ragao dos abecedérios mais remotos que termina por oferecer a vibranteatualidade da obra de Mayer: Tudo sd0 origens, e tudo se revela soberbamente contenportnea, Gerd Bornheim Ao voume 4 fOueko1 nena samo aoe 2 Linear B 1600 .C. ~Inicialmente aceita como escrita minéica (origindria, de Cnossos, Creta), posteriormente também encontrada em Chipre e no Peloponeso (Pilos e Micenas), foi decifrada em 19858. A arte das grasuras de Carlos Alberto Mayer dirige-se — em agao ‘ontréria ao comm do emprego da matriz — para outr sentido: 0 ste germinar diferencas. Ind, assim, ao encontro do inevitével destino da pintura, 0 de ser nica. Como na pintura,delicia-te tambien da cor e das superfcies ltrapassando a condigto do papel, sobrepondo- the massas de tntas, ranlueras, sombras e vtos, tornando ristco € industrial 0 campo pléstic sobre o qual atua. O papel a dialogiar ‘com a tcelagem. O papel, a tela, a taperaria. Roberto Corréa dos Santos AEA Yeue “MinIO 2 sseRD sumo so “ Runas Sistema de escrita germfnica que se origina em torno dos séculos Ie Il d. C. No velho island@s, runar significa segredo, no velho saxio, runa quer dizer susstrr9, cacicho; 0 islandés rate o galés rhin significam segreda. A tradicko nérdica atribui sua invengao 20 deus Odin, o que Ihe dé, na origem, uma fungo igica. En. suas numerosas produgtesserigrficas, um fator importante, que 0 leva ao desenvolvimento da linguagem plastica individual, & 0 priprio trabalho, perseverante ¢ intensiva, Este serfgrafo consegue Tenovar-se constantemente e descobrir infindéveis modalidades de composicoes,nas quais ora prevalece a orqustrapo dos diversosplanos de cores, ora zonas de finas e requintadas texturasintegradas com nuangas que palpitam no corpo do trabalha Dionisio Del Santo Me voume® WOMEROL soso 62 on 16 CARLOS ALBERTO MAYER (Caco) Natural do Rio Grande do Sul, 6 Bacharel em Artes Plésticas © em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sua carreira tem a marca da versatilidade: passa Pela pintura, pelo desenho, pela criagéo de jéias (ceramica, cobre, esmalte a fogo, pedras ndo lapidadas e couro) e pela ‘cenografia para pecas teatrais, Artista premiado, tem participado de diversos saloes ¢ exposicoes no Brasil eno Exterior. Amante da arte da gravura, ‘vem se especializando na modalidade de imagens serigréficas “inicas. Seu gosto pela pesquisa e seu espfrito criativo o levam a obter resultados de grande efeto plistico e de grande origi- nalidade, j i {| j Artigos 108 André Soares Vieira Mestre em Estudos Literdrios pela Universidade Federal de Santa Maria (RS) e professor do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas na mesma universidade, Atualmente, € doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (Ru), desenvolvendo tese sobre a autonomia literdria dos cine-romances. Resumo Neste artigo, procura-se dscuti algumas das relages entre o cinema ea literatura, fealizando para tanto o cine-romance, visto aqui como estrutura lterdria auténoma. Importe verifcar as dimensbes de sua legibilidade no momento em que é privado, durante o ato de leitur, de seu acompanhamento inc, Para exemplificasto, sio comparados tds textos: elma, segundo Salustre( 1983), ce Mario Peixoto, Le Canon (197), de Marguerite Duras, e Neige nire(1973), de Hubert Aquin. Abstract Résumé ‘This article proposesa reflection Dans cet article, nous discutons fn the relations between cinema _quelques-uns des rapports entre and literature highlighting the le cinéma et la littérature, en iné-roman, seen a8 an autono- mettantTaceent surleeiné-roman ‘mous literary structure. I’sim- en tant que structure littéraire portant to verify the dimensions autonome, Laquestion qui se pose ofits legibility when the text is est de savoir quelle est Ia isiiité not accompanied by images du- de ce genre de text, lorsqu‘on le ring’ the process of reading. As priv pendant Face de lecture, de examples, we compare three son accompagnement iconique. A ‘works: Mério Peixoto's screen- titre exemple, nous comparons play 4 alma, segundo Salustre trois testes alma, segundo Saus- (1989), Marguerite Duras’ Le ée(1983),deMério Peixot; LeCa- Camion (1977) and Hubert — miou(1977), de Marguerite Duras Aquin’s novel Neigenoire(1974). _ eNegenain( sr} de HibertAquin. ek vaUMEs nONeRD sO 90902 Huysmans, Degas e a bailarina de quatorze anos Mais conhecido como o autor dos romances 4 rebours (1884) e Lé-bas (1891), 0 escritor francés de ascen- sdéncia holandesa Joris-Karl Huysmans, ‘como muitos romancistas seus contem- pornos dedicou-separalelamente & carri- rade eri de ate reforcandlo as fileiras do grupo partidério da chamada “arte moderna” no combate & arte da traigio. Como ertio de arte, Huysmans fez a cobertura dos Sal6es ofcais de 1879, 1880, 1881 e das Exposigdes cos Artistas Independentes de 1880 e 1881. Reuniu essascriticas em 1888, como titulo L'Art ‘moderne, publicadas por Georges Char- pentie, editor dos eseritores natura- lista. Langados originalmente emjornais cerevistas,eses textos deram a0 escritor a oportunidade de desenvolver sua re~ Ear Deg. Pte asause de uatozeans caiatiel {1879-1881 Musto Orsay, Pais flexio sobre a arte e associ mais as lutas simbélicas nos campos das artes plisticas e da literatura. Em L'drt moderne, Huystmans fiz uma acurada anélise das obras dos pintores impressionistas, que defend. {A tradugdo que ora apresento limita-se & parte inicial da “Exposiglo dos Independentes em 1881". Nela, Huysmans discorre sobre as obras apresentadas por Degas na sexta exposicuo da Sociedade Anénima dos Artistas Pintores, Escultores, Gravadores, isto 6,a exposigio dos impressionistas, exibida entre 20 de abril e 1'de ‘aio daquele ano no ntimero 35 do Boulevard des Capucines, em Paris, Dessa ver, Huysmans nao atribui grande valor as obras pictérieas exibidas por esse pintor de sua predilegto (quatro retratos, duas variagdes de uma Plysionomie de criminel ¢ uma Blanchiseuse),preferindo as obras que Degas ofertara ao pablico nna exposigdo do ano anterior. Detém-se, sobretudo, na inovadora escultura de cera La petite danseuse de quatorze ans, modelo das, hoje eélebres versdes em bronze, destacando a inovagao no uso dos materia e seu caréter marcadamente realista € moderno 109 A Exposicao dos Independentes em 1881 L'Exposition des Indépendants en 1881 Joris-Karl Huysmans Degas mostrou-se singularmente parcimonioso, ‘Monsieur Degas st moutré singulicement chick, Contentou-se em expor uma vista de bastidores, um homem ‘Het contents exper ue oe de cous, ws mons enlagando uma mulher que quase lhe aperta as pernas entre servant de pris wna mae Iu regnant pres ls jambes entre as coxas, atras de uma viga iluminada pelo braseiro ses ess, derridre wm portant lamin pr le rouge vermelho da sala entrevista, além de alguns desenhos ¢ rae de salle qu'on entree queues desns et esbogos que representam cantoras em cena estendendo ais repentant ds chants en sce lendant Patas que se mexem como as dos estipidos magots de Saze tes pats qui remuent comme cles der mages abruts de Sace ebenzendo as cabegas dos mésicos acima das quais emerge, et henson es tes der micen atts desqules merge, no primeiro plano, como um enorme cinco, o brago de um «a premir la, comme a cing enorme, le manche de violoncelo, ou se requebrando e berrando como nas ineptas oloncel, ou ben se dhanclant et Blenglant dans ces ineptes convulsées que conferiram uma quase celebridade a esta comoulsions gui ont procerd ume gus crite ete bboneca epiléptica: Ja Bécat. opie pile, a Bat ‘Acrescentem mais dois eshocos: fisionomnias dle criminosos, Ajoates encore des Aches des plysonomiesdeerminely ‘méscaras animalescas, com testas estreitas, maxilares proe- des mae animaus, ace des fn bas, des mailaires inentes, queixos curtos, olhos celheados e fundos, e uma sili, des mentors cars des yur alse fasanls ef wae surpreendente mulher nua, no canto de um quarto, ¢ terdo ‘8s onwante frome nae, au boat de chabr, vows aure= no ‘A vouies nGuERO aeRO neo 200 lista dos desenhos e pinturas apresentados por esse artista 1 lie des oeares dessins ou pets, apporttes par et artist A personalidade de Degas aflora tanto em seus croquis ‘Dans 5s plus insoucants eros, comme dans se seers aches, mais descuidados quanto em suas obras conclufdas; é sua a persomualié de M. Degas sour area esse desenho breve e nervoso, que capta, como 0 dos ce dessin ref eb nerceu,sssent comme eeu des Japoneses, o impulso de um movimento, uma atitude; mas, Topanais sl moxcement, a prise deat, apprtion gu este ano, 0 interesse de sua exposigdo no est nos seus ‘mais Leavis de son expastion net pas, ete and, dans som dlesenhos ou nas suas pinturas, que nada acrescentam a0 are deine 0 pit qui aj rin cle que ele exibiu em 1860 e que também retratei; dessa vez, (a echibe ov 1880s dont rend comp ale ‘esté todo concentrado em uma estétua de cera intitulada et tot entire dans une tated ire intitle Petite danseuse de guatorze ans diante da qual o piibico, atte danse de qutorae ans dent laquelle puis pasmo e perturbado, foge snes ahrd et comme gv sane. A terrivel realdade dessa estatueta causa-he um evidente La teri vl de ete sauce le produit wn éident desconforto; todas as idéias do piblico sobre a escultura, mais totes ies a epare sobre essas fra brancuras inanimadas, sobre esses memo- sr cs ides anchers nants, sur es "ives pon recopiados hi séculos, perturbam-se. ntmorales poe rcpt depuis de side, bouleerset 0 fato € que, de chofre, Degas subverteu as tradigbes da escul- ef et ued premier cup, M. Degas cab es traditions de a ‘ura como hi muito jé abalara as convengées da pintura. selptare comme ia depuis lute cout es consentin dee pene ‘Ao mesmo tempo em que retomou 0 método dos antigos Toul ex reprenont a mithade der veux _mestres espanhdis, Degas, pela originalidade de seu talento, ; ‘maitresepagnol, M. Degas, Ua inmédiatmet faite toute partialitre, vo prams + KOSH Bos NaEFENOETES OH 8 mn fs iain SE SES See eee ree eae de imediato tornou-o inteiramente particular, moderno, toute modern, par Vovigivaté de son talent Assim como certas madonas maquiadas ¢ trajando vestidos, ‘De me gue etsines madoner maui wes de robes, ‘como o Cristo da catedral de Burgos, cujos cabelos so de mime que ce Crit de a cathdrae de Burgos dont lr cheven sont cabelos de verdade, cuja coroa de espinhos é de espinhas devas ewes, le pines de ries pine, de verdad, cujo drapeado é de tecido de verdade, a bailarina a draprie une vital ff, la dansense dle Degas possui saias, fitas, corpete e cabelos de verdade. dle M.Degasa de aes ape deri rubs oi corage deras chee A cabeca pintada,ligeiramente inclinada para tris, © queixo ‘La te pent, um pe rower, le menton en Ua, para cima, entreabrindo a boca no rosto malsio e escuro, ‘entrousrant la bouce dan fae maladive et bt, ‘agro e prematuramente envelhecidlo, as mflos juntas atrés iret wile avant Ue, es maine ramentesderrire das costas, 0 peito liso modelado por um corpete branco {eds eine, la gorge plate mone Par un Hane corsage cujo tecido é moldado em cera, as pernas prontas para a lot Vite est piri de cre, les jambeten place pour a uta, admirdveis pernas habituadas 20s exercicios, nervosas lute, acres james rompuesauz exerci, neroeaes € tortas, encimadas por uma espécie de pavilhgo formado tors, surmontées comme wn pavillon par pela musselina das saias, o pescogo rijo, com uma fita a mauseline dupe, com raid, cel den ruban cesverdeada, os cabelos caindo nos ombres ¢ ostentando, Porea Us chev: retombant sur paul et arboren, ro coque enfeitado com uma fita semelhante a do pescoro, dan le chignon rv rua pari ad com, fios verdadeiros: eis a bailarina que se anima sob nosso dhe viel eins, tlle et tle denen qu anne tus olhar e parece prestes a deixar seu pedestal Te regard et senile pate quite son cole ‘Ao mesmo tempo delicada e ristica, com o engenhoso traje ‘Tot le is rafinde et arhare coe om indutreue costume, ne sk vou «nue so-so 2 ‘eas carnes coloridas e palpitantes, suleadas pelo trabalho se chairs colords qui poptet,sllonutes per le travail dos misculos, essa estatueta é a tinica tentativa realmente des muscle, cet statute est a seule tentative orainent moderna que conhego, em matéria de escultura -maderne gue je connate, dans la euptre Deixo de lado, bem entendldo, as tentativas jé empreendidas Je aie, ben entnd, de ct ress dj oss de camponesas dando de beber a criangas ou ensinando-as tes payannestendant & Biro apprenant dled des enfants, a ler, eamponesas renascentistas ou gregas, ataviadas por les payaannes enazeance on gre, ates par tum Draner qualquer; nao me detenho, tampouco, nessa ‘ex Dranerqueleongu, je nglige également ete abomindvel escultura da Itélia contempordnea, nesses ‘abominable suptre de ele contenporain, ces ‘ornamentos de relégios dle péndulo em estearina, nessas eras de pendaes en savin, es mulheres afetadas, criadas a partir de gravuras de moda; fois ire, rig apes des dessins de grevure de mode, ‘menciono apenas uma tentativa de Chatrousse. Foi em ‘ee appl implement ene entative de M. Chatrouse. Ce ft 1877, acho, que esse artista tentou submeter o marmore as 1877, je cry, que ce artiste esiaya de lier le marbre au cexigéncias do modernismo; esforgo vio; essa fria matéria ‘exigences de madernisme, Uefort rata; te foie mati adequada ao nu simbélico, as rigidas tubuluras dos velhos ‘ropre au mu symboliqu aux rigides tubules des views peplos, congelou a crepitante coqueteria da Parisiense. ‘pln, congela les pinpante eoqutteries de a Parisienne Embora Chatrousse nao fosse um espirito subalterno, Bien que M, Chatrouse ne ft pas wx pit subaltere, faltavam-Ihe, sem diivida, a intuigdo do moderno eo talento Te sens di moderne tl tle niece I manguaint, necessario, mas ele também se enganara zo escolher essa let sr, mais i tat aus rope en faiant choi de cette matéria monocrémica e glacial, incapaz de traduzir as ‘matte moxeelrome et glad, incapable de rendre les outa nmine + AFOSHLO Cos OGFENOETES 88, na legancias dos trajes atuais, a maciez dos corpos sustentada Algancs des ements de ns jos ls moll du corps rafermies plas barbatanas dos espartilhos, © gengibre dos tragos ‘er les buss, le ingemtre ds traits avivados por uma ponta de maquiagem, 0 tom malicioso vids por wn sie de fr let matin das fisionomias das Parisienses com cabelos em longas qe prenuent des physions de Parse eve dexceveuc la chien franjas escorrendo por debaixo dos chapeuzinhos, ‘lesan sous et petites iluminados de um lado por uma asa de loféforo. agus qu'allume tout dct une ale de lphophore Retomando a técnica da cera pintada, depois de Henry aprenan, apres M, Henry Cos ee ee cn ane at epi ee. Je ne vois pas, en effet, quelle voie suivra cet art sso Arig ‘oportunidade de nao cair no lugar comum foi-the outrora ‘hance de sri des Seaters bates ui at jadis ‘oferecida por Cordier, com suas obras policromas, Asugestio ‘afferte par M, Cordier, ase sex onores polychrome. Cete insite {01 desdenhada. Hé milhares de anos, os escultores vém 144 reponse, Depuis des mlirs dans, les supers ont ‘esquecendo a madeira que, na minha opinio, se adaptaria gle le bats qui adapt na PLEA voume NOUR 1 svemD sD 20 ‘maravilhosemente a uma arte viva e real; as esculturas tnroilesnen, lon oo rt sant spares pintadas da Idade Média, os retdbulos da catedral de ‘eit dc moyen ig les ete del eathidrale “Amiens e do museu de Hall, por exemplo, ocomprovam, & Amiens tt rede Hal pr zene, le prauoent et asestétuas de Sainte-Gudule eda maioria das igrejasbelgas, de states qe resent Sante Gull dan li pupar desis eg, figuras em tamanho natural de Verbruggen d’Anvers e dos de figures grandeur nated Verbraggen dere det outros antigos escultores das Flandres, sio ainda mais ares ius seats des Flav, sox plas fates logientes, se iso € possivel core ile pole Nessas obras tio realistas, to humanas, hi um jogo de ya dans ces cweres rates, humaine, amen de ‘expressoes, uma vivacidade de eorpos que aescultura jamais tris, ne ie decor gu ol ama rrp a recuperou, Além disso, vejam como a madeira, dominada sealptre Pas, wees comme lbs ext mallable et suple poresses mestres, é maledvel eflexivel, dil e quase macia; dlc et presque oncuce sous a vlouté de es mates, ‘vejam como 0 tecido das roupastalhado no carvalho macico econ le igre prc, Pa des castes als Elevee preciso, como cle adere pessoa que o veste,acompanha en plein che, comme ell attache ala personne qui la porte, comme elle suas atitudles e ajuda a exprimir suas fungBes e seu carder. sit ses atitade, comme ell aide expriner ses fonctions eso crate ois bem, transfiram esse procedimento, essa matéria, EL bien, trang ce prod, ete mati, para Paris; coloquem-nos nas milos de um artista sensivel 4 Paris, maintenant mates entre les mains dx art qui sete ‘a0 moderno, como Degas, ea Parisiense, cuja especialfssima le moderne comme M. Degas, la Parisienne dont la tr spciale beleza € composta por uma mistura ponderada de eau et faite dm mélange pond de nnaturalidade eartifico, pla fusio dos encantos de seu corpo tare at, de a font en wel lout des charmes de som comp ere mans = POSGA0 Dos MOEFENDTES EM 8 ns € da clegincia de sua toalete, a Parisiense abortada de ct des grees de sat la Parisienne evortte de Chatrousse, vird enfima & luz 1M, Chrous sends & terme, Mas hoje a madeira nao 6 esculpida senao pelos as anor le bos west pls sult qu pales ornamentistas ¢ vendedores de méveis; é uma arte a qual & ‘ornemanites eles marchands de mele cst un art euguel preciso desejar que se volte, antes mesmo que a da cera, ilfaut souitr gue Yon sevienne de prifvence mie dclui de la cre ‘20 expressiva.e obediente, porém tao eftmera e frégil; uma si expressive i oisante, mas o indurale fragile, wn arte que deveré combinar os elementos da pintura e da art qui der combiner les léments dla pintree de a escultura, pois, a despeito dos tons vivos e quentes, a slp; caren dpt de ses tons vivant chad, le madeira em estado natural permaneceria por demais loisd Patt de nate demerit rp incompleta ¢ restrita, uma vez que os tragos de uma incompled et top restrein, pis strats dune fisionomia se atenuam ot se intensificam de acordo com as ‘plysionomiesattenuent ona forte, selon la cores dos adornos que os secundam, uma vex que esse ne ‘couleur des parares qu es asin, pq ejene sais quoi que compoe a expressio do rosto de uma mulher ss quoi qu fit ie cavactre de figure de femme, 6 em grande parte, dado pelo tom da toalete que esté ‘ten grande part, donnd parle ton dela ole dont elle vestindo, Forgosamente, uma conelusto se impde: ou a ‘at wtue Foncoment, cate conclusion we pate ben indiscutivel necessidade de empregar determinadas ineluctatlenéesité employe certaines ‘matérias em detrimento de outras ¢ a despética exigéncia ‘mates de prference dd autres tle depot bein de aliar duas artes, reconhecida desde a Antigtidade, j4 alli devs arts, conuu ds Vontigutspsque {que 08 préprios gregos adotaram a escultura pintada, serdo {es Gracs mimes avait adopt la sxlpare pint tert us eA YoUies MEAD saneRo ao 202 compreendidas ¢ reconhecidas pelos artistas atuais, que conpris ef recone parle ores ect gut poderto assim abordar as cenas da vida moderna, ou entto oeron alr cborder es snes dee madera, bie, a escultura, gasta e fenecida, anquilosar-se-4 paula- adel flr le sere ens, tinamentea cada ano, fndando por sucumbir,paraisada e ann et ee, dovanlage et fis pr tober, caduea para todo o sempre. Pe Ae mets paral radetese Voltando & danseuse de Degas, duvide muito que ela faca “Pour en revit danse de. Das, edt fort algum sucesso; assim como sua pintura, euja delicadeza é ple obtinn le ples lige tls pa pls qua entre ininteligivel para o piblco, sua escultura to original, tio Beer Pa on Feu intl pr lbs cite originale, auudaciosa, nfo seré sequer pressentida; de resto, acredito Silda ea me ps spanner sor dre Jue, por exeesso de modéstia ou de orgulho, Degas professa ee (ge, par exes de made ow dere M. Degas prafse um altivo desprezo pelo sucesso; enfim, temo que, no que hata ndpris pur laces oh beh, grand ear qui wa, ne concerne & sua obra, ele tenha novamente a oportunidade Jo pes, propor de son etre, Pecason eno se insurgir contra o gosto das multidees. ‘ {Ep ner conte go de foe Apresentagio e tradugio: Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina UFR + arte de modelar a cera colorda & bem antiga; segundo Vasari, Andréa de Ceri {flea elebre, no séeulo XV, por sua habilidede em esculpir esa matéria, * Leart de madara ci clit dated loin nour yon Fai, Ande de Cari tai dit iii a 2 ie pour om ale exper ete mare Jose nena + APOC 0S NOEFENDENTES 481 ra LA REVOLUTION SURREALISTE Pierre NAVILLE et Benjamin PERET 15, Rue de Grenolle PARIS (7). con ttiaone ne se présente pax comme Cesonition dane doctrine Cease tat sersen wthclieent de pent app ne perc i en ten de prdjuger do aon tlseloppement aliznoer Ce promer tuméro de fa Retotunen Sereaiawe wap done aucune rOvlatin taf nite, Las rtaltatsabienat par Tertare aulonatigae, (erect de rote, Dar exempla,y sont représetts, mats ancen résitat Gengueen, expe: ences ol dé iravaux ty ext encore consgnd : if faut foul attended Nous sommes a la veille dune REVOLUTION Vous pouvez y prendre part. Le BUREAU CENTRAL DE RECHERCHES SURREALISTES *"ss"" st cuvert tous les jours de 4 h. 1/2 & 6 hy 1/2 ‘A expesigfoinovou em vrios aspects. Um deles fo produgoes do surreal na América Latina & sobre ese tema a entrevista de Lovina Hidalgo e Nara Machado com Robert Ponge, professor da Universidade Feleral do Rio Grande do Sul e responsivel pelo volume coletvo Sureaimo e ove mundo (Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998). Robert Ponge portuciana Hidalgo ¢ Nara Machado! surrealismo na América Hispanica e no Brasil De agosto a outubro de 2001, © Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro — CCBB— apresentou tima grande e belissima mostra sobre 0 surrealismo, © de reservar salas para as Luciana Hidalgo - Como, ¢exatamente quando, 0 surrealismo se testendeu da Europa até a América Latina e, especificamente, até 1 Brasil? Como se du esse processo? Robert Ponge—O surrealismo comegou a vir & luz em 1919, em Paris, com o langamento da revista Litténature, por André Breton, Philippe Soupault e Louis Aragon, ¢ com a descoberta da escritura “surrealista” (isto é, auto- :itica) pelos dois primeiras. Cinco anos depois, em 1924, ‘o surrealism foi fundado, proclamado como movimento nomeada eexplicitamente surrealiste, por meio de vérias iniciativas tomadas por um grupo de jovens poetas fran- ceses (0 Manifesto de Breton lista 19 nomes) que tam- bbém reunia pintores, fot6grafos e outros, de diversas nacionalidades (Max Ernst era alemao, Man Ray esta- dunidense, Picasso espanhol etc). + Extratos dessa entrevista foram publics na revista sletdnicn gua n. 18-1, Fortaess 1 Pail nowede. 2001, dsponve en, hep//wwwseerel om br/poesa/ag porta em, ek wa nL amvaone a ene us ee A chegada do surrealismo na América foi extremamente répida. Sabe-se, por exemplo, que no Brasil, em 1995 (talvez antes), Prudente de Moraes Neto e Sérgio Buarque de Holanda jf vealizavam experincias de escritura surrealista; na Argen- tina, foi também em 1995 que um grupo de jovens reunidos em torno de Aldo Pellegrini (entao estudanite de medicina) iniciou um proceso de discussao e experimentagao do surrealismo. Luciana Hidalgo ~ Como exolicar essa extrema rapidez? Robert Ponge~A explicagio que considero mais satisfatéria vincula essa rapidez 20 fato de que os debates ea reflexao sobre s rumos da arte moderna vinham se desenvolvendo interna- cional ¢ intercontinentalmente desde o século XIX, por meio ‘das viagens, dos livros, das revistas, da imprensa, Nara H. N. Machado - Desculpe a interrupcio, mas podria explicar a que se devia a existéncia desse debate interna: cional? Robert Ponge ~ Existia um debate internacional porque a arte possufa um cardter nfo mais local, mas internacional. Em ‘outras palavras, o impressionismo, o cubismo, 0 surrealismo (para tomar apenas trés exemplos) nasceram em Paris, mas ndo foram movimentos franceses, foram movimentos interna cionais. Nasceram em Paris devido ao lugar especial que, por vazbes histéricas, essa cidade assumira na Vida intelectual € artistica da Europa e do planeta a partir do século XVIII, che- gando a constituir-se na capital cultural do século XIX e do inicio do século XX (para parafrasear a conhecida expressio de ‘Walter Benjamin) Ora, retomando o infcio de minha argumentagao 0 fato de que existia um debate internacional sobre os rumos da arte ‘moderna -, cabe constatar, nas primeiras décadas do século 20%, uma aceleragio do fluxo de informagoes do ritmo dos contatos internacionais em decorréncia dos progressos nas comunicagdes. No bojo desses debates internacionais, as informagbes sobre a revista Litérature, sobre André Breton, seus companheiros eseu idedrio comecaram achegar a América Latina antes de 1924, no minimo lé por 1929 ou 1998, 120 eA some ® nOwERO weno sno oe Luciana Hidalgo ~ Come foi a recepcao do surrealisma no Brasil? cen oae Robert Ponge ~ A recep variou bastante seguro oe gripe cua pessoas Aaueles que be conaeravam of pileres de defen da traigho proctraram ignorar e Furano e evar ques extn fase dvlgada, coment, Entre os modernists, oles de postoes ttdeadeasreaervas (leencad) de Miro de Andrade ou Cerlon Drummond de Andrade at 8 fees de ance Somptaeintreoe de Prudent de Moraes Net e Sergio Bure de Holanda, Osvald de Andrade e Tala do Aare eu pred anropotigico) sae Nery (er seus quadoa) et. Houve também crs combate expla surrealismo por exemple em argode 199, te Durie Sto Pana eco Ras de Pollo stazod roneramenteo poeta sureaita francés Berjamin Pret, ent resident no Brasil) Thsopara os ans 1920, Depos pode-se dizer que ape- sarde algunas simpatis indviuas pra com ore Tso, o lina dminante em rela ao mesmo tendo ter bastante recente edentemente contra, no enea vets Tost Por viria rafes entre a8 qua Sto apn lg ore ator idol do surredlisnodespertavarecis sua ericn ds gues-comune das pretesasvrdads univers do charedo fom en tam income enfin, 0 su ream era com fren visto como coi dence imelevente para ab artes do Bras, Obvinmente, con: Crbtram pra est pstrasocontervanimo idol fico cltral eto dominant, a diversas poltcas de Sstreitonaconalomo etal ede vetorn oder (p= ese caturl que dominaram a partir dos anot 1830, tem flr nag conseqcias das seers Limiages (em ture presses polos prises) Hberdades democ Gas nos aucsivos governoe Vargo (remeto a8 etc des de Sergio Lima, Fvo othe e Valenti Facial o- bre exes questa) O que ajuda a entender por que & dra de imal Ny por exp permanent tempo ignoradn para no der desprenada, devendoespe- rarcv tos 1970 para que cmeyane a recbero devo sun HA AREA HSPAUER ENO ORAS a reconhecimento. © que também ajuda a entender, mesmo que parcialmente, por que o primeiro grupo surrealista no Brasil surgiu tdo-somente nos anos 1960, a partir de iniciativas de Sergio Lima (que estivera na Franga e conhecera Breton em 1961), Claudio Willer e outros. Quanto sos possiveis casos de “flerte”: trata-se de poetas e artistas que nunca se declararam surrealistas, nunca aderiram ao movimento surrealista, mas sofreram uma inegdvel influéncia do surrealismo ~ seja ela reconhecida por eles ou nfo. Para complicar um pouco mais, hd também 0 caso daqueles que, sem sofrerem a influéncia do surrealismo, produziram obras que pos- stem afinidades com ele, isto 6, que 0 surrealismo re- conhece como mais ou menos préximas das suas (pode- se pensar na obra de Chirico até o inicio dos anos 1990 € na obra de Chagall). Luciana Hidalgo - Pode'se dizer que houve ura “movimen: to” surrealista na América Latina, ou foi mais uma unigo de expresses isoladas? Robert Ponge ~ A histéria do surrealismo na América Latina registra a existéncia de ambos: houve grupos ¢ houve atividades, isoladas; inclusive, ndo faltaram os casos em que as mesmas pessoas puderam vivenciar as duas situagées. Nao hé por que ‘opor as expressdes coletivamente organizacas do surrealismo (os grupos) as manifestagées individuais, Inclusive porque fo- ram raros os grupos que tiveram existénela e fincionamento permanentes, sem solusio de continuidade coletiva. O surrea~ lismo é feito do individual e do coletivo, enriquecendo-se com as contribuigbes de ambos e com a dialética entre ambos. ‘Adere-se a0 surrealismo (ao “movimento") pela iustrago e de- fea (se posso dizer assim) de certos valores fundamentais, vitais ‘a revolta, a poesia, a liberdade, o amor, o maravilhoso, 0 humor etc. A existéncia de um grupo em um dado lugar ou pals, em um dado momento, porém, depende da reunito de fatores que no resultam apenas da vontade pessoal de tal ou qual individuo. Luciana Hidalgo - Para melhor entendimento, talvez 0 se: ‘nhor pudesse exemplificar concretamente Robert Ponge ~ Certamente, e quero fazé-lo tomando exemplos da exposigio apresentada no Centro Cultural do Banco do Brasil Nara H. N. Machado - Por que no comecar indicando as grandes linhas da concepeao e cardter da mostra? Robert Ponge ~ Antes de tudo, deve-se assinalar que © termo mosine designa urn vasto empreendimento multi- disciplinar reunindo vérias atividades e programagbes, Assim, além da grande exposigao que constituiu 0 pré- prio dmago do projeto, havia quatro outros eventos: sob ccuradoria do professor Joto Luiz Vieira (UFF), um ciclo de projegges de filmes e videos, com palestras e debates; sob a curadoria do professor Guilherme Castelo Branco (UFR), o ciclo Jdtias oferecia um rieo leque de contferé cias, seminérios ¢ leituras (tendo como destaque a leitura inédita no Brasil da pega de teatro 4s quatro meninas, de Pablo Picasso). Enfim, ndo se pode esquecer o programa educative (cu radoria de Guilherme Vergara e Sueli de Lima), que, além deoferecer “conversas” com os diversos curadores e visitas _guiadas (ineluindo orientagbes especficas para os esco- lares),oferecia um original “laboratério surreal decriacio” fem que o piiblico podia, brincando, entregar-se a experi- rmentagdes que procuravam seguir a linha das “técnicas Luciana Hidalgo ~ Mas aquelas indvidualidades consider das “surrealistas” na América Latina comungeram realmente do pensamento, da filosofia do movimento, ou apenas “flertaram” com o surrealismo, a exemplo de Ismael Nery? Robert Ponge ~ Antes de abordar a questio do “flerte”, é pre- iso esclarecer que nem todos aqueles que um dia aderiram 20 survealisino se mantiveram figis ao movimento e 20s seus va~ lores. Assim, o escritor francés Louis Aragon, um dos fundado- ves, foi surrealista, autenticamente surrealista, de 1919 a 1982, data em que voltou as costas para o surrealismo, renegando seus valores essenciais e sua prépria trajetéria anterior, Mas embora ele tenha mudado de conviegdes e de combate, essa ‘trajet6ria anterior nfo deixou de ter sido surrealista ¢ valori- zada pelos surrealistas, 12 ok voUME nOMEHDL Ron 02 fe gs +O SUREDLEHO KAMEN MSPONCKE HO BES 123 surrealistas" usadas nas obras expostas ou até explorar para alémm delas. Em suma, um projeto de envergadura, Nara H. N. Machado ~ 0 senhor tinha falado em quatro eventos; além da propria exposicao, citou apenas tr. Robert Ponge ~ 0 quarto? Refiro-me a0 préprio entorno, Jdeado por Zaven Paré para a exposico: desde o adornamento externo do prédio (cujas janelas foram recobertas por repro- dugdes de um dos céus azuis e nublados de René Magritte) até as variagbes na iluminagio e na cor das paredes, diferentes em cada sala e corredor, passando pelo hall de entrada (em que fragmentos dos manifestos e outras declaragbes surrealistas foram projetadas no chto), sem esquecer os safs-boca espalha- dos pelo prédio para descanso e prazer lidico-sensual do visi- tante nem os gigantes peixes cor-de-rosa com a inscri¢do surrea- lismo que serviama de flechas indicadoras do percurso de visita dda exposigio. "Nara H.N. Machado ~ 0 senhor poderia explicar como foi ‘concebida 8 prépria exposi¢ao e quais foram sua period zagho ¢ tematicas? Robert Ponge—Os promotares da mostra idesram um projeto de dimensoes ousadas, presentara maior exposigio realzada, quanttatvamente fala, sobre o surrealismo na América Latina, Com efit, expuseram cerca de quatrocentas obras representativas, de qualidade, apresentadas era um entorno vaado, imaginatvo, original, sedutor. Um feito que merece ter destacndoe saudado, ‘A peviodzagio? Quand se organiaa una exposio, €praxe reduir campo ou ambito dn mesma, restringir seu espe, escolhendo-se uma periodizagtoe/ou algum exo (deimitativo, No caso da mostra Surreaiomo no CCBE, a equipe curadora lege o periodo compreendido entre 1924 (ano delangamento do nimero inaugural da revista La Revolution Surat) © 1947 (ano de duas grandes exposiges internacinaisorgani- zades pelos prpriossurrealisas: uma em Prage,outraem Paris, intcalada O surreal em 1947), 08 sj, desde os primérdios do surreatismo até oimedisto ps Segunda Guerra HE um recorte discuivel (como todos os recortes), mas poss vel, com sua legion, ses prose contras Nao deixou de apre- ai sentar certas vantagens para uma primeira grande ‘exposigo no Brasil: eentrou-se no perfodo inicial, as duas ou trés décadas que (por causa do impacto do surrealismo na sociedade de entao, do furor que suscitou) _fizeram (se posso assim dizer) a reputagao e a imagem ‘piblica do movimento. Tal periodizagio também dei- ou espaso para que, em futuro no muito distante, seja realizada outra exposigio ~ sobre o surrealismo da segunda metade do século XX. ‘A data de 1947 arviscava criar uma séria dlficuldade ~ ‘quase que impeditiva—para as salas dedicadas & América Latina, uma vez que foi justamente a partir dos anos 1950 que a produgio pottica e plastica surrealista come- cou a conhecer, quantitativamente falando, um signifi cative crescimento nessa parte do continente (isso sem falar no surrealismo em Quebec e na formagaio do grupo surtealista de Chicago, nos EUA!), Porém, como a cura- doria da exposigio teve a inteligéncia e a sensibilidade de no tomar os anos de 1994 e 1947 como fronteiras, ‘mas sim como referéncias que poderiam ser (e foram) ultrapassadas, os riscos que citei foram contornados de modo satisfat6rio. Nara H. N. Machado - Eos eixos temsticos? Robert Ponge ~ Quanto a dimensto tematica, os cura- ddores decidiram referenciar a exposigio em quatro eixos ‘caros aos surrealistas ~o sonho, a poesia, o amor, a re- volugdo —e, também, no processo de internacionalizagao, do surrealismo. Esses temas e questdes perpassaram exposigdo, as vezes explicitamente, as vezes subterranea- ‘mente, dialogando com outros valores-chave do surrea~ lismo, como o fumour, 0 maravilhoso ete. Deve-se, também, assinalar que a curadoria nfo res- tringiu a mostra as produgdes do surrealismo nas artes plisticas: um bom espaco foi dedicado a fotografia, a0 cinema e as produgbes escritas: poesia, livros, revistas, panfletos ete, Tampouco foram esquecidas as dimens6es| de reivindicagao utépica, de luta ideol6gica, politica e social, que sio essenciais, centrais no projeto surrealista de “mudar a vida" ¢ “transformar o mundo sure Ka nee SPR HO BAS 125 NaralH. N. Machado~Poderia dar uma iia da experiéncia de visitar a exposi¢io, do percurso desenhado pelo “cir: cuito" de Salas? Robert Ponge ~ Apés passar pelo hall de recepgio e subir 20 segundo andar, na safda dos elevadores ou escadas, os visitantes se deparavam com um vasto pogo, no fundo do qual avistavam uma reprodugao extremamente ampliada do mapa-méndi desenhado, em 1929, por André Breton e seus amigos, e que remodelava a geografia com humour e senso de provocagio, de forma a expressar seus amores (pelas culturas primitivas da ‘Oceania e das Américas, por exemplo) e seus desamores (pela Franca, vale dizer, pelo nacionalismo francés, para limitar-me 4 um exemplo apenas). Um engenhos{ssimo intr6ito & expo- sigdo, uma surpresa, um chamado a (re)pensar a geografia, 0 ‘mundo, a politica, os valores vigentes e o resto. Nara H. N. Machado ~ Esse poco circular desempenhava 0 papel de vestibulo da exposigao propriamente dita, O se ‘nhor poderia descrever o percurso da visita, 0 “circuito” de salas? 126 Robert Ponge ~ Resumindo, e sem nenhuma pretensio de des- crever as salas, vou apenas tentar dar uma nogio do “circuito”, Havia 11 ambientes diferentes, cada um com denominaga0, cor e iluminagao préprias (por exemplo, partia-se de uma sala banhada pela escuridao para desembocar em espagos luminosos). ‘A primeira sala exibia obras (anteriores ao surrealismo ott ‘contempordneas dele) que representaram auténticas revelacSes para os membros do movimento, fecundando sua sensibilidade e reflexdo: desde a arte dita naff ingénua ou “bruta” de um Henri Rousseau, de um médium como Scottie Wilson, de um Fleury-Joseph Crépin, ao extraordindtio “poder de evocagio” (a expressio é de André Breton) da obra de Gustave Moreau, ppassando pela arte seleagemdos indigenas da Oceania, pela intri- gante obra de Chirico e pela negatividade dadaista ‘Apés essa “antecmara do surrealismo” (era sua denomina- ),vinham espagos organizados em torno do recurso a certas ‘téenicas surrealistas (como nas salas 2 e 8, 0 automatismo e 0 caso, ou, nos ambientes 4 5, a referéncia ao onirico) ou do Fecurso a um meio de expressio (a fotografia dos surrealistas, sala 8) ou a valores carceais do surrealismo, como o amor e a revolta (ambientes 6 € 7). impossivel descrever 0 conjunto, podendo-se apenas dar uma vaga ida de sua «qualidade lstando alguns nomesettulos: Arp, Masson, Picasso (Cater cde Muley), Miré, Tanguy Roland Penrose, Max Ernst (cojo “crebro magnticamente obsessivo" Ihe valeu o destaque de um espago préprio, assim enominade), Magritte, Brauner, Oscar Dominguez, Dali (nus de Milo com Gavetas), Méret Oppenheim (0 Exquil), Duchamp, Giacometti (O Objet Insist, Man Ray, Manuel Alvarez Bravo, Lu Buel (4 Idade de Ouro) et ‘Com a sala 9, entra-se no conjunto de espagos (tés salas) dedicados&chamad “internacionalizag0" do sur~ realismo, mais precisamente& sua presenga e expressto no “Novo Mundo ~ um dos aspectos origings, inova- dores da mostra do CCBB Nara H. N. Machado - Nao seria possive! entdo enxergar ‘rds conjuntas principais no "circuito” de 11 ambientes: a sala 1 ou "antec&mars"; os ambientes 2 a 8 arganizados tematicamente em torno de questdes técnices (automa: tismo, enirismo) ou de valores.chave; e, por fim, as salas 9 a 11 dedicadas & "internacionalizac "do surtealismo? Robert Ponge ~ Outras leituras do percurso da visita io certamente possiveis, mas essa é totalmente legitima, boa e assaz interessante. Inclusive porque os oito pri- rmeiros ambientes estavam aos cuidados de uma equipe curadora composta por Nadine Lebni (curadora-chefe da Inspesdo Geral dos Museus da Franca), Jean-Frangois| Chougnet (Diretor Geral do Pare de La Villette, em Paris) e Deepack Ananth, enquanto as trés itimas salas estiveram essencialmente sob a responsabilidade da cura- dora Denise Mattar (Ry). Quanto a questio da internacionalizardo, quero dizer {que a palavra parece-me problemética, embora seja dificil encontrar uma melhor. Problemstica porque d4 a en- tender que, antes da dita internacionalizaglo, o surrea- lismo nao era internacional, mas nacional, ou seja, francés. Ora, como vimos, 0 surrealismo nasce se desen- volve em Paris com umn grupo internacional inicialmente com Ernst (alemfo), Man Ray (estadunidense), Picasso SURREAL KA MEREA EPICA NOBEL 12 Picasso (espanol) ete; depois, chegam Miré, Bufuel, Dal e Dominguez da Espanha, César Moro do Peru, Brauner da in, Toyen da Tehecosloviquia, Matta do Chile, Lam de Cuba ete A chamada internacionalizago, portant, éna verdade acontinuidade ea ampliagio do carter internacional do sursea- lismo, s6 que em outros locas, fora da sede original (Pas). ‘Mas, independentemente das limitagdes e dos riscos impli- cados na palavra, o que se pode dizer dos tés espagos dedi- cados & dnternacionatizagdo do surrealismo? Que sio basica- mente salas sobre o surrealismo nas Américas, com destaque paraa América Latina (ineluindo-seo Brasil) e para aescultora ‘mineira Maria Martins, que ganhou uma merecida sala prdpria. Romi Luciana Hidalgo —Talvez.o senhor pudesse, agora, dar exer: plos coneretos a respeito do surrealismo no Novo Mundo. 128 aria Martins. Suda 10944) Coleto Geneve e Jean Bogie. Robert Ponge ~ Exatamente. Inclusive, em vez de tentar desere= ver cada sala, é mais conveniente dar uma idéia geral do movi- mento surreaista nas Américas citando nomes ettulos presentes, rnamostrado CCB. Comecareicomas atvidades coletivas do surres- lismo na América Latina, Esclarego que nao ultrapassarei os anos, 1980, para nao estender demais esta entrevista e, sobretudo, em fungéo da periodizagao definida pela curadoria da exposigdo do OCBB. Na Argentina, em 1926, alguns estudantes da Universidade de Buenos Aires, liderados por Aldo Pellegrini,

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