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12/11/2017 Como é que eu me tornei feminista radical?

– Ísis Leocádio Ruiz – Medium

Ísis Leocádio Ruiz Follow


May 13 · 5 min read

Como é que eu me tornei feminista


radical?
Quem me tem no fb sabe que eu costumava postar bastante textão, mas
acabei me tornando cada vez mais quieta conforme minhas certezas
sobre diversos assuntos diminuíam. Eu sempre penso bastante antes de
postar qualquer coisa de cunho ideológico, pois meu objetivo é
informar sobre o que eu acho correto, e não compartilhar frase pronta
pra ganhar like.

Também protelei muito pra escrever isso daqui por medo de ser
hostilizada, mas se tem algo que eu tenho como certeza é que a
concepção de gênero do radical é a única que nos contempla
inteiramente e pode conduzir à libertação. Comecemos por ela, então.

https://www.instagram.com/pollynor/

O que é ser mulher?

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Até uns dois anos atrás, já feminista, já inserida em diversos grupos e


debates sobre gênero, eu não sabia responder essa pergunta. A resposta
mais instintiva seria um “mulher é quem tem vagina e homem é quem
tem pênis”, mas daí a gente esbarrava na questão trans e sempre cava
com um pé atrás antes de dizer qualquer coisa. Como qualquer
feminista interseccional, eu convivia com mulheres trans nesses
espaços online e fazia o possível para não ofender ninguém, pensando
que essas pessoas já sofriam muito na vida real (e sofrem) e não
precisavam ver ninguém falando groselha na internet. Minha postura
era humilde e se você me zesse essa pergunta, eu responderia algo
como:

“Eu não sei explicar porque sou mulher, mas nunca questionei o fato de
que sou uma, então eu devo ser o que eles chamam de cis. Pessoas cis
são privilegiadas em relação às trans, então o mínimo que eu posso
fazer é respeitar o lugar de fala dessas pessoas e não questionar o
gênero de ninguém.”

Por um tempo eu aceitei essas meias-respostas numa boa. Eu tinha uma


pessoa transativista no meu facebook de quem eu gostava muito, e ela
estava sempre postando sobre as rads escrotas que enchiam o saco dela
e dos seus amigos. Eu aderia facilmente ao coro de “como rad é
desnecessária”, e mesmo que algumas coisas na teoria queer me
intrigassem, eu evitava falar sobre.

Deve ter sido o acúmulo de dúvidas sufocadas que me tirou do lugar.


Por que existiam tantos relatos de pessoas que, após hormônios e
cirurgias, resolviam destransicionar ao entrar em contato com a teoria
radical? Como é possível acreditar que não existe coisa de homem e
mulher se as pessoas trans geralmente usam desses estereótipos para
serem lidas como o gênero que almejam ter?

Foi aí que eu comecei a entrar em contato com o feminismo radical.


“Radical”, ao contrário da concepção comum, não está relacionado a
“extremismo”, e sim raiz — é o feminismo de segunda onda, baseado
principalmente na obra de Simone de Beauvoir. No Segundo Sexo (que
é um livro maravilhoso que eu me arrependo de não ter lido antes), ela
faz a distinção entre sexo/gênero que eu vou tentar explicar aqui.

Sexo é o sexo biológico. Nascemos todos machos ou fêmeas, e a partir


dessa condição biológica, somos ensinados a termos comportamento x
ou y. A ciência já provou que não existe diferença entre cérebro
masculino ou feminino, nem dé cit cognitivo de um em relação a
outro: em termos de inteligência, personalidade, nascemos todos seres

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humanos neutros, mas a nossa criação vai in uenciar na forma como


desenvolvemos essas habilidades.

Assim, a fêmea é ensinada a ser recatada, paciente, submeter suas


vontades aos lhos e família, e tudo aquilo que o bê-a-bá do feminismo
já te ensinou — É ISSO que signi ca “não se nasce mulher, torna-se”.
Socialização diz respeito a transformação de seres de personalidade
neutra em homens e mulheres, ao molde de suas ações e vontades a
uma ordem social, de acordo com seu sexo biológico. Isso é o gênero.

Assim, aceitando a teorização de Beauvoir, eu concordo que gênero é


meramente uma construção social, e que são mitos de inferioridade da
fêmea que mantem a hierarquia sexual entre homens e mulheres. E se
eu acredito nisso, é contraditório acreditar que alguém possa “ter
nascido num corpo errado” ou “se sentir pertencente a um gênero
diferente”.

(Pra quem tá se perguntando “mas então de onde surge a opressão da


mulher pelo homem?”:::: leia o Segundo Sexo!!! A Simone faz uma
análise de diversos períodos históricos, analisa a servidão da mulher à
espécie, dialoga com as concepções de Marx, Freud, entre outros)

É essa convicção que me faz uma feminista radical.

Eu adoraria terminar meu texto com essa frase, mas sei que para além
da teorização a galera curte cobrar uma “proposta de ação pra vida
real”, ou criticar a teoria por causa da ação de alguns militantes rs. Com
frequência a galera diz “ah, mas radfem é nociva, é hostil com pessoas
trans, conheço uma que enchia o saco de uma travesti por nada,
chamava ela de piroco, macho de saia, etc”.

Mano, eu nego que essas coisas acontecem? Não, até porque eu já vi.
Atacar o indivíduo não faz sentido pois o problema não é ele, são as
concepções divergentes de gênero que jogam pra baixo do tapete o
debate de hierarquia entre os sexos, fazendo a gente acreditar que ser
mulher é um sentimento, e não uma condição histórica de opressão da
qual não é possível fugir. Eu não sou desonesta, eu sei que pessoas trans
sofrem pra caralho, e por isso é sem sentido car atacando
gratuitamente desse jeito. Mas tem rad que faz isso? Tem. Existe muita
menina nociva e imatura no radfem? Com certeza.

Mas sabe de uma coisa? Assim como existe gente nociva no rad, existe
gente nociva no feminismo interseccional. E no feminismo liberal. E
fora do feminismo. E na esquerda, e na direita, e em todas as direções
possíveis…

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É meio ridículo vocês deslegitimarem uma teoria a qual sequer leram, e


que foi construída em cima do trabalho intelectual de diversos autores
durante décadas, porque viram meia dúzia de menina mimada
tretando na internet. Eu não taco fogo no Manifesto Comunista só
porque o fã clube de Marx tá cheio de esquerdomacho. É engraçado
que radfem é o saco de pancada de todo tipo de gente — feministas não-
rad, antifeministas, conservadores, gente de esquerda que nos julga
“pós-modernas”. Mais engraçado ainda é quando printam alguma
menina dizendo “sai omi” e cam “hahahaha radfem só passa
vergonha”. Mano, me diz por que cê acha que essa frase tem algo a ver
com o rad? Me explica pq ela não poderia vir de uma libfem ou
qualquer outra moça?

Outro ponto que gostam de criticar em relação ao rad é a nossa suposta


falta de ação “real”, “palpável”. “Abolir o gênero” signi ca o m da
limitação de machos e fêmeas à condição de homens e mulheres, e o
m da subordinação dessa última categoria. É óbvio que não existe
fórmula pronta pra isso. Você tem alguma carta na manga que nos faça
iniciar a revolução proletária amanhã? Não? Então por que continua
votando em políticos de esquerda? Por que continua lendo seus
teóricos favoritos e debatendo sobre eles?

São questionamentos sem cabimento, né? A teoria e a conscientização


vem antes da ação. Eu não sei uma fórmula mágica para abolir o
gênero, mas sei que insistir em estereótipos como coisas inerentes ao
sexo e criar 30 novas de nições de gênero não vai libertar ninguém.

Sei que muita gente não tem contato com o rad por puro preconceito ou
receio, e é por isso que eu escrevi esse texto: são informações que eu
queria ter tido antes. Tentei ser didática sem ser condescendente, e
espero que tenha conseguido. Obrigada pra quem leu até aqui. :)

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