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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL

Faculdade de Direito de Alagoas - FDA

LARYSSA CUSTÓDIO DE FRANÇA PEREIRA

O IMPACTO DO AVANÇO TECNOLÓGICO NA ESFERA DOS


DIREITOS AUTORAIS MUSICAIS E A NECESSIDADE DE
HARMONIZAÇÃO COM O DIREITO DE ACESSO À CULTURA

MACEIÓ/AL
Abril/2016
LARYSSA CUSTÓDIO DE FRANÇA PEREIRA

O IMPACTO DO AVANÇO TECNOLÓGICO NA ESFERA DOS


DIREITOS AUTORAIS MUSICAIS E A NECESSIDADE DE
HARMONIZAÇÃO COM O DIREITO DE ACESSO À CULTURA

Monografia de conclusão de curso apresentada à


Faculdade de Direito de Alagoas (FDA/UFAL) como
requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Me. Fernando Antônio Jambo Muniz


Falcão

_______________________________
Assinatura do Orientador

MACEIÓ/AL
Abril/2016
LARYSSA CUSTÓDIO DE FRANÇA PEREIRA

O IMPACTO DO AVANÇO TECNOLÓGICO NA ESFERA DOS


DIREITOS AUTORAIS MUSICAIS E A NECESSIDADE DE
HARMONIZAÇÃO COM O DIREITO DE ACESSO À CULTURA

Esta monografia de conclusão de curso de graduação em Direito,


apresentada à Faculdade de Direito de Alagoas (FDA/UFAL) como
requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, obteve
a devida aprovação perante a presente banca examinadora.

Banca Examinadora:

_________________________________________
Presidente: Prof.(a)

_________________________________________
Membro: Prof.(a)

_________________________________________
Coordenador do NPE: Prof.(a)

Maceió/AL
Abril/2016
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos que de algum modo


tenham influenciado em sua realização.
À minha mãe, minha rainha, por todo carinho,
amor e suporte.
À minha eterna vovó Zenita, que tanto amor me
forneceu.
Aos meus amigos, pela troca de conhecimento e
sorrisos.
Ao meu orientador, pela erudição e atenção.
A Deus, Nossa Senhora e Buda, por terem me
propiciado a paz de espírito necessária para a
concretização deste trabalho.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os meus professores da Faculdade de Direito de Alagoas, por todo o


conhecimento que me proporcionaram e por serem os responsáveis pela minha formação
jurídica.

Agradeço à minha querida mãezinha Janete, por ter estado sempre ao meu lado, por
ter acreditado em mim, ter me dado a vida e sempre ter feito o possível para realizar os meus
sonhos. Agradeço à minha vovó Zenita, por sua ternura eterna e por ser uma luz em minha vida.

Agradeço aos meus amigos da graduação, por termos trocado tantas ideias,
conhecimento e momentos felizes durante essa jornada. Agradeço especialmente ao Lucas
Soares, que me tirou tantas dúvidas de metodologia, à Ana Amélia Galvão, que me indicou
tantos meios de pesquisa na seara dos Direitos Autorais, à Sophia Veiga, por seu espírito
combativo, ao Iago Macedo, por todas as conversas artísticas e filosóficas que compartilhamos,
à Thayná Omena, com quem acabei trocando tantas ideias políticas que acabaram surgindo no
decorrer deste trabalho, ao Joba, por sua energia limpa e por todas as músicas que mostramos
um ao outro e ao meu eterno amigo Rodrigo Gomes, que tanto me influenciou em sua visão
social e poesia de ser.

Agradeço à minha amiga de sempre, Liana Carvalho Freitas, pelo seu companheirismo
que independe de distância.

Agradeço aos meus amigos da música, que me forneceram muito conhecimento


empírico através de conversas informais. Agradeço a todos que responderam a uma pesquisa
de hábitos musicais que criei com o intuito de entender melhor a contemporaneidade.

Agradeço ao professor Almir Guilhermino, por ter me ensinado a ter uma visão
artística muito mais ampla. Agradeço ao meu professor de piano, Nestor Dalmao, por todo o
seu conhecimento musical.

Agradeço a todos do 8º ofício do Ministério Público Federal, pelo aprendizado e


aconchego que me proporcionaram. Agradeço aos profissionais do EMAJ, em especial ao
Flávio e à Gárdia, bem como aos meus assistidos, que me propiciaram tanto know-how jurídico.

Agradeço, principalmente, ao meu orientador Fernando Falcão, por sua sabedoria,


incrível competência e preciosas orientações.

Agradeço a todos que lutam em prol de uma sociedade mais justa e de uma cultura
mais difundida e valorizada.
“Mas eu não sei negociar, eu só sei tocar meu tamborzinho e olhe lá”.
Karina Buhr
RESUMO
O avanço tecnológico na esfera dos direitos autorais sempre provocou fortes impactos. Na
atualidade, o paradoxo entre a proteção de direitos autorais dos músicos e o direito de acesso à
cultura e a criação artística se torna ainda mais evidente. As novas tecnologias propiciaram um
acesso quase ilimitado a peças musicais, muitas vezes, em detrimento ao pagamento de
royalties. Neste estudo procura-se analisar os principais aspectos do direito autoral musical, seu
ordenamento jurídico, o modo de como as mudanças históricas afetaram as formas de se
consumir música, o equilíbrio com a acessibilidade à população, os impactos positivos e
negativos da tecnologia dentro desta temática e a adaptação com o mundo fático. Outro fato a
ser dissertado é o de que muitas vezes a proteção não está recaindo sobre o autor em si, mas
sobre o lucro das gravadoras. Ademais, este trabalho também pretende estudar possíveis
soluções para o conflito entre o respeito aos direitos autorais e o acesso à cultura, com uma
análise do aspecto constitucional que engloba a questão.

PALAVRAS-CHAVES: Propriedade Intelectual direitos autorais musicais, avanço


tecnológico, Internet, acesso à cultura, direitos humanos, limitações ao direito autoral, domínio
público.
ABSTRACT
Technological advances in the area of copyright have always had strong impacts. Nowadays,
the paradox between copyright protection of musicians and the right to have access to culture
and artistic creation becomes even more evident. New technologies provided almost unlimited
access to music files, often to the detriment to the payment of royalties. This study seeks to
analyze the main aspects of the musical copyright, its legal system, the way historical changes
affected how music is consumed, finding a balance with the accessibility to the population, the
positive and negative impacts of technology within this thematic and an adaptation to the factual
reality. The fact that often the protection is not falling on the author itself, but on the profits of
record companies will also be debated below. Furthermore, this research aims to study the
solutions available to solve the conflict of respecting copyright versus the right to have access
to culture, analyzing the constitutional aspect that encompasses the issue.
KEYWORDS: Intellectual Property, musical copyright, technological advancement, Internet,
access to culture, human rights, limitations of copyright, public domain.
LISTA DE SIGLAS

AACS – Advanced Access Content System

AAC – Advanced Audio Coding

ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual

BD – Blu-Ray Disc

CC BY - Atribuição

CC BY-AS - Atribuição-CompartilhaIgual

CC BY-NC - Atribuição-NãoComercial

CC BY-NC-ND - Atribuição-SemDerivações-SemDerivados

CC BY-NC-SA - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual

CC BY-ND - Atribuição-SemDerivações

CD – Compact Disk

CEO - Chief Executive Officer

CF – Constituição Federal

DVD – Digital Video Disk

ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição

EUA – Estados Unidos da América

FTP – File Transfer Protocol

GNU – GNU's Not Unix!

GNU-GPL - General Public License

GPL - General Public License

HD – HDD - Hard Disk Drive

HD-DVD - High-Definition DVD

HTML - Hypertext Markup Language

INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial


LDA – Lei de Direitos Autorais

LPCM - Linear Pulse Code Modulation

LP - long player

MinC – Ministério da Cultura

MP3 – MPEG-1/2 Audio Layer 3

MPEG – Moving Picture Experts Group

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMC – Organização Mundial do Comércio

OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual

P2P – peer-to-peer

RAM - Random-access memory

RIAA - Recording Industry Association of America

TPM – Technological Protecton Measures

TRIPS – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao


Comércio

UFAL – Universidade Federal de Alagoas

UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura

WAV - Waveform Audio File Format


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11

1. DIREITO AUTORAL MUSICAL ...................................................................................13

1.1 NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITOS AUTORAIS..................................13

1.2. DIREITOS AUTORAIS MUSICAIS.....................................................................19

1.3 ESCORÇO HISTÓRICO.........................................................................................23

1.3.1 A relação entre o ser humano e as suas criações nos primórdios da


humanidade........................................................................................................24

1.3.2. Civilizações clássicas................................................................................25

1.3.3 Idade média................................................................................................27

1.3.4. Idade moderna..........................................................................................28

1.3.5. Idade Contemporânea e legislação internacional..................................30

1.3.6 Desenvolvimento do direito autoral no Brasil.........................................34

2. O IMPACTO DO AVANÇO TECNOLÓGICO NA ESFERA DOS DIREITOS


AUTORAIS MUSICAIS.........................................................................................................36

2.1 O IMPACTO TECNOLÓGICO ATÉ O ADVENTO DO CD.................................36

2.2 O IMPACTO DA INTERNET................................................................................45

3. DIREITOS AUTORAIS MUSICAIS, ACESSO À CULTURA E INTERNET............59

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO COM A FUNÇÃO SOCIAL DOS DIREITOS


AUTORAIS MUSICAIS...........................................................................................................59

3.2 O CONFLITO ENTRE DIREITOS AUTORAIS E O ACESSO À CULTURA......67

3.3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES........................................................................................76

CONCLUSÃO.........................................................................................................................88

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................92
11

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abordar as consequências advindas do impacto do avanço


tecnológico na esfera dos direitos autorais musicais, o contextualizando frente a aspectos como
o direito de acesso à cultura e a conjuntura que envolve esta temática. Com o intuito de
propiciar um melhor entendimento e buscar possíveis soluções para o equilíbrio entre a proteção
aos direitos autorais musicais e o acesso a obras musicais por parte da população. O conteúdo
a ser exposto neste trabalho foi fundamentado a partir de pesquisas em artigos científicos, livros,
leituras doutrinárias, análise de legislação, revistas jurídicas e outros documentos acadêmicos.

O direito autoral, por sua própria natureza, é complexo. Até sua conceituação foi
desenvolvida gradativamente com o passar de páginas da história e já foi associado a vários
ramos do Direito. Além de não ser simples, o impacto dos avanços tecnológicos na esfera dos
direitos autorais ainda os revestem de maiores complexidades e desafios, e no caso do direito
autoral musical, os impactos da tecnologia são especialmente enormes, manifestando-se desde
a facilidade de copiar músicas em fitas cassetes a baixar músicas ilegalmente na internet que
permitem a circulação das obras sem os devidos pagamentos relativos aos royalties.

Além da porcentagem paga aos músicos pela venda de CDs corresponder apenas a uma
fração dos lucros, o avanço tecnológico fez os direitos autorais musicais encontrarem ainda
mais incertezas quando chegou ao território da internet. Com o passar dos anos, tornou-se cada
vez mais fácil e comum o download ilegal de músicas, a ponto desse desrespeito aos direitos
autorais musicais ser praticado pela maior parte da população, de modo que simplesmente
penalizar e punir não poderia ser considerada uma solução. O advento do streaming também
acarretou consequências próprias, positivas e negativas que também serão analisadas no
presente estudo.

Além das questões referentes ao respeito dos direitos autorais musicais, urge-se,
principalmente, buscar o equilíbrio entre estes e o acesso à cultura no mundo fático. A era da
informação não só permitiu que músicos independentes conseguissem divulgar sua obra,
através da liberação gratuita de sua música pela rede, como também permitiu que muitas
pessoas tivessem acesso a músicas que jamais poderiam ouvir se não fosse a internet. É fato
notório que atualmente se tem acesso à música em quantidade e variedade em nível muito
superior às épocas passadas.
12

Em uma análise da conjuntura atual, muitos questionamentos se fazem em relação a


grande proteção oferecida ao direito autoral. Ainda mais ao considerar que muitas vezes o
direito autoral musical aufere maiores rendimentos às gravadoras do que aos músicos e
compositores. E, ao considerar o facilíssimo acesso às músicas na internet, apreende-se que há
uma crise do direito autoral musical. Pois de um lado, a gravação de músicas dispende tempo e
dinheiro. De outro, há a necessidade de adaptação desse direito a realidade fática.

A priori, abordaremos os aspectos jurídicos do Direito Autoral de modo geral,


explicando seus conceitos básicos, e também, mais especificamente, dos Direitos Autorais
Musicais. Será realizado um escorço histórico, com o intuito de melhor compreender como
estes direitos foram protegidos de formas diferentes de acordo com o momento histórico. Bem
como, também será dissertado como o ordenamento pátrio e estrangeiro os protegem.

Posteriormente, será estudado o impacto do avanço tecnológico nos direitos autorais


musicais ao longo dos tempos, enfatizando os impactos tecnológicos contemporâneos, como os
relacionados a internet e os comparando com as mudanças produzidas pelos inventos
tecnológicos anteriores alusivos à reprodução musical.

No terceiro capítulo, será realizada uma contextualização com a função social dos
direitos autorais, com foco em como o direito de acesso à cultura se materializa na prática e
como este pode ser adaptado, de forma sustentável, aos direitos autorais musicais, com respeito
aos ditames constitucionais. Será elaborado um estudo que levará em conta algumas teorias, a
realidade fática e as possíveis soluções para tal dicotomia. Diante disso e de todo o exposto no
presente trabalho, serão edificadas as conclusões, abordando a situação do direito autoral
musical na contemporaneidade, com os aspectos concernentes ao direito de acesso à cultura e
demais direitos humanos fundamentais, e como ele está se adaptando diante de diversas
conjunturas.
13

1 DIREITO AUTORAL MUSICAL

1.1. NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITOS AUTORAIS

Com o intuito de ocasionar uma abordagem mais completa, introduziremos os conceitos


de direitos autorais, antes de nos referirmos a eles de forma mais específica quanto a música.

É próprio da essência da condição humana o ato de criar. Somos seres com sentimentos,
ideias, pensamentos, opiniões e tantas outras expressões de nosso ser em relação aos quais
sentimos a necessidade de expressá-los de alguma forma, seja na música, na pintura, na
literatura ou em qualquer outro estilo de criação artística.

O conceito jurídico de obra literária e artística é amplo, consoante é possível se verificar


no artigo 2º, parágrafo 1º, da Convenção de Berna:

Os temas "obras literárias e artísticas", abrangem todas as produções do domínio


literário, cientifico e artístico, qualquer que seja o modo ou a forma de expressão, tais
como os livros, brochuras e outros escritos; as conferências, alocuções, sermões e
outras obras da mesma natureza; as obras dramáticas ou dramático-musicais; as obras
coreográficas e as pantomimas; as composições musicais, com ou sem palavras; as
obras cinematográficas e as expressas por processo análogo ao da cinematografia; as
obras de desenho, de pintura, de arquitetura, de escultura, de gravura e de litografia;
as obras fotográficas e as expressas por processo análogo ao da fotografia; as obras
de arte aplicada; as ilustrações e os mapas geográficos; os projetos, esboços e obras
plásticas relativos à geografia, à topografia, á arquitetura ou às ciências (grifos
nossos)1.

Segundo Camillo “O direito de autor tem por objetivo garantir ao autor uma participação
financeira e um reconhecimento moral em troca da utilização da obra que criou”2. Para que uma
obra tenha sua autoria protegida é necessário que essa criação seja exteriorizada de qualquer
modo, consoante disposto no art. 7º da LDA: “São obras intelectuais protegidas as criações do
espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível,
conhecido ou que se invente no futuro [...]”. Ou seja, se uma música foi criada, a sua proteção
está condicionada a sua materialização de qualquer modo: seja em uma partitura, ou em uma
gravação, tablatura, entre outras formas possíveis. Pois não é possível proteger a obra intelectual
que não saiu dos “portões abstratos” da mente e não foi exteriorizada, consoante positivado no
art. 8º, I, da LDA.

1
BRASIL, Decreto nº 75.699, de 6 de maio de 1975, promulga a Convenção de Berna para a Proteção das Obras
Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, revista em Paris em 24 de julho de 1971. In: SENADO
FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1975. Disponível em:
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=98803>. Acesso em 6 abr. 2016.
2
CAMILLO, Jeferson. Direito Autoral dos músicos, compositores e intérpretes. São Paulo: Lion’s Editora,
2001. p.22
14

Também é necessário que a obra tenha originalidade. Ou seja, que não se configure em
plágio de outra. Pode ser inspirada em outras obras artísticas, obviamente, mas tem que ter
elementos ou características próprias que a façam única. “A originalidade, para os efeitos do
Direito Autoral, também consiste na pessoal atuação do autor, na conformação nova de uma
ideia, mesmo que esta já tenha recebido uma determinada forma anteriormente 3”. Existe a
distinção entre originalidade absoluta ou relativa. “No primeiro caso, quando a criação não foi
derivada de outra obra intelectual e no segundo, quando derivação efetivamente ocorreu, v.g.
tradução, adaptação, transformação por qualquer forma”4.

Uma das distinções que a legislação faz no âmbito de Direito Autoral é a entre direito
imaterial e direito industrial. Ambos se encontram na tutela jurídica de propriedade intelectual,
pois são criações oriundas da mente humana que foram exteriorizadas. Porém o direito imaterial
regula e protege as criações intelectuais com finalidade abstrata ou incorpórea, como a música
e a literatura. Pois um livro ou um CD são apenas materializações físicas que o criador usou
para enraizar a obra que estava em sua mente. Não se pode “tocar” fisicamente numa música,
apenas ouvi-la. O mesmo pode se disser do conteúdo do livro, do qual apenas podemos tocar
sua exteriorização.

O direito imaterial protege a criação, uma obra original e completa, enquanto o Direito
Industrial protege as criações intelectuais relacionadas a marcas, patentes e desenhos
industriais, também podendo servir de proteção contra a concorrência desleal5. Consoante
ensinamento de Henrique Gandelman, “O direito autoral é um dos ramos da ciência jurídica
que, desde seus primórdios até na atualidade sempre foi e é controvertido, pois lida basicamente
com a imaterialidade característica da propriedade intelectual”6.

Propriedade intelectual é o termo jurídico, sendo uma expressão que engloba criações
intelectuais materiais, físicas, como invenções e obras de design e criações imateriais como a
música e peças de teatro. Ou seja, tal expressão engloba os direitos autorais e os direitos
industriais. O autor tem direitos legítimos, subjetivos e alienáveis sobre sua criação intelectual.
Existem até juristas e profissionais do Direito que definem direito autoral como a expressão

3
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral. Col. Primeiros Passos, v. 187. 2ª edição. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1992. p.34.
4
RODRIGUES, Leonardo Mota Costa. Lei de Direitos Autorais nas obras musicais. Revista Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 67, 1 set.2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4328>. Acesso em: 29 fev. 2016.
5
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 44-46
6
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p.2443
15

“direito real menor”, se diferenciando dos direitos reais comuns pelas possibilidades de
mobilidades e de sua fragmentação econômica em função de suas diversas formas de
divulgação7.

Quanto ao conceito de direito imaterial, entre os juristas modernos, destaca-se a


construção jurídica de Köhler. Esta dita que o direito sobre bens materiais é positivo como a
propriedade em seus atributos de gozo e disposição, e absoluto no tocante em ser a relação
imediata entre uma pessoa e o bem jurídico. Assim como a propriedade, os bens imateriais são
alienáveis. Se difere do direito de personalidade, porque o bem imaterial se desprende da esfera
da pessoa para ter vida própria, como se fosse um filho. O objeto do bem imaterial é uma
ideação (Ideegestaltung) de natureza estética ou técnica, que se distingue do objeto que a
corporiza8.

No que concerne ao aspecto da imaterialidade, também é mister citar a lição de José de


Oliveira Ascenção:

Esta imaterialização é muito nítida se tivermos em conta a situação nos primórdios do


direito de autor e mesmo em todo o século passado, com sequelas que chegam até
hoje. Ainda o art. 1/1 da Convenção de Berna começa por declarar protegidos “os
livros, brochuras e outros escritos”; e assim fazem várias leis nacionais. Não se repara
que se não protege o livro, entidade material suscetível de reprodução, mas a obra
imaterial que nele se contém. Em todo o caso, já com a doutrina alemã do dobrar do
século o ponto ficou definitivamente adquirido. O que se protege não é a obra
incarnada, mas a obra imaterial: não o livro, mas o texto, se assim nós podemos
exprimir, que este contém. O que significa que toda a obra é imaterial; e a
imaterialidade trazida pelo ambiente digital não contradiz em nada a essência do
direito de autor9.

Ora, obviamente o ambiente digital implica modificações neste ramo do direito, o que
não significa que deixe de haver proteção autoral, já que para o ordenamento não faz diferença
se uma música está em um CD ou em um arquivo de computador. Porém, como veremos mais
adiante, a era da informação originou uma série de novas situações jurídicas na esfera do direito
autoral.

7
GUEIROS JUNIOR, Nehemias, O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 42.
8
ORLANDO, Pedro. Direitos autorais: seu conceito, sua prática e respectivas garantias em face das Convenções
Internacionais e da jurisprudência dos tribunais. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, Conselho Editoral:
Supremo Tribunal de Justiça, 2004. p. 69
9
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito da Internet e da sociedade da informação: estudos. Rio de Janeiro:
Forense,2002. p.99
16

O Direito Autoral é formado, fundamentalmente, por dois conjuntos de prerrogativas:


de natureza moral e de natureza patrimonial10, razão pela qual abarcaremos os referidos
conceitos a seguir.

Direito moral é uma expressão cuja origem se encontra na doutrina francesa e visa
designar o que não é patrimonial11, “é o que protege o autor nas relações pessoais e ideais (de
espírito) com a obra”12. Refere-se aos direitos inalienáveis e irrenunciáveis que pertencem ao
autor da obra e o ligam eternamente a ela. É primordial ao caráter psicológico do autor, assim
como ao caráter de ser vivente em sociedade. Quando alguém faz uma música, obviamente essa
pessoa tem o direito moral da paternidade dela e mesmo se um intérprete fazer a gravação dela
em um CD, com o devido pagamento dos direitos autorais patrimoniais, tem que creditar a
autoria ao compositor no encarte.

Por exemplo: se uma pianista gravar a marcha turca de Wolfgang Amadeus Mozart em
um CD, não precisará pagar direitos autorais aos herdeiros porque a obra, pela quantidade de
anos posteriores à morte do autor, já caiu em domínio público. Mas, se a pianista gravar tal
música sem os devidos créditos ao Mozart, violará os direitos morais deste e estará sujeita às
sanções previstas na lei13.

O Art. 24 da lei de Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, enumera os Direitos Morais


assegurados:

I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;


II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado,
como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III - o de conservar a obra inédita;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à
prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor,
em sua reputação ou honra;
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI – o de retirá-la de circulação, ou lhe suspender qualquer forma de utilização já
autorizada.

10
FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito Autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin,
2009, p. 199.
11
MANSO, Eduardo Vieira. Violações aos direitos morais. In: NAZO, Georgette N. (coord.) A Tutela Jurídica
Do Direito De Autor. São Paulo: Saraiva, 1991. p.1-19. p. 3.
12
HAMMES, Bruno Jorge. O Direito de Propriedade Intelectual. 3. ed., Porto Alegre: Unisinos, 2002, p. 70.
Apud BRANCO, S. A natureza jurídica dos direitos autorais. Civilistica.com, a. 2, n. 2, 2013. Disponível em:
<http://civilistica.com/category/a-2-n-2-2013/>. Acesso em 21 fev. 2016.
13
Art. 108 da Lei nº 9.610/98: Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar
ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder
por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma: [...] II - tratando-se de publicação
gráfica ou fonográfica, mediante inclusão de errata nos exemplares ainda não distribuídos, sem prejuízo de
comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor,
do intérprete e do editor ou produtor;
17

Quanto aos direitos patrimoniais, estes são relativos à circulação, comunicação e a


qualquer atividade relacionada à obra que obtenha lucro. “[...] são aqueles que podem ser
livremente cedidos pelo autor ou pelo titular da obra podendo ser por ele explorados de forma
que bem entender, por qualquer meio ou processo existente, ou que venha a ser inventado”14.
Segundo o art. 28 da LDA, o direito patrimonial remete ao direito exclusivo do autor de utilizar,
fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.

Assim, os direitos patrimoniais, ao contrário dos direitos morais, podem ser transferidos
ou cedidos a terceiro. Consoante o art. 3º da LDA, têm caráter de bem móvel, sofrem restrições
temporais (na legislação brasileira os direitos patrimoniais duram até 70 anos após o 1º janeiro
do ano subsequente ao falecimento do autor, conforme art. 41 da LDA), tem valor econômico,
é penhorável e prescritível.

No caso específico das obras musicais, os direitos patrimoniais do autor resultam das
diversas formas e processos de comunicação coletiva, como, por exemplo, interpretação,
gravação, radiodifusão, sincronização cinematográfica, execução pública.

A natureza jurídica do direito autoral é uma vexata quaestio, ou seja, é uma questão
muito controvertida na doutrina, matéria de distintas teorias e de difícil solução.

Podemos indicar nove principais diretrizes doutrinárias relacionadas à natureza jurídica


do direito de autor, as quais, consideram que este é: I) um direito de coletividade, que nega a
natureza jurídica do instituto frente o caráter social das ideias, sendo considerado uma
propriedade social. II) um direito de propriedade, das quais são adeptos Köhler, Escarra, Dabin
e Josserand, que sustentava que o direito autoral seria uma propriedade-criação, mas não
considerava a perpetuidade do direito de propriedade, nem algumas das prerrogativas oriundas
do direito moral extrapatrimonial. III) uma emanação do direito da personalidade, a qual
considera que a obra é uma extensão da personalidade do autor, constituído de faculdades
pessoais e patrimoniais. Cujo defeito era o de não esclarecer a transmissibilidade dos direitos
patrimoniais atinentes. IV) direito especial de propriedade. V) direito sui generis. VI) direito de
clientela. VII) direito dúplice de caráter real: pessoal-patrimonial. VIII) direito pessoal de
crédito. IX) direito de aproveitamento15.

14
OLIVEIRA, Mauricio Lopes (org.); NIGRI, Deborah Fisch. Cadernos de Direito da Internet: Direito Autoral
e Convergência de mídias vol. II. Rio de Janeiro :Lumen Juris, 2006. p. 28.
15
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 74-77.
18

No entendimento de Manuella Santos, “o direito autoral situa-se no âmbito dos direitos


da personalidade, que pode inclusive abranger direitos de ordem patrimonial. Trata-se do direito
de personalidade que abrange aspectos morais e patrimoniais do direito do autor”16.

Para o doutrinador Lycurgo Leite, o direito de autor possui duas naturezas diversas: o
jus in rem e o jus in personam:

As quais não se confundem, mas que, porém, coexistem em harmonia para este ramo
do direito. É o que faz com que o Direito de Autor não possa ser tratado pelas normas
de direito de propriedade em geral, mas sim, deva ser tratado em legislação especial,
que busque solucionar os problemas e regular as relações típicas de tal ramo do
Direito. As características do jus in rem e do jus in personam, são a alienabilidade do
primeiro e a indisponibilidade do segundo, o qual jamais se afasta ou pode ser afastado
do autor da obra17. (grifos do original).

Consoante entendimento deste jurista, o direito de autor não pode ser colocado entre os
direitos de propriedade, por conta de abarcar o direito moral, que é intransferível e indisponível.
Assim, tal ramo possui ao mesmo tempo direitos transferíveis, alienáveis, indisponíveis,
intransferíveis e alienáveis. Por esta razão, conforme entendimento adotado pelo ordenamento
pátrio, o direito autoral tem a natureza de um direito autônomo sui generis, tratado em
legislação específica18.

Para Branco, não parece possível encarar o direito autoral como um único direito
composto de uma mescla de seus aspectos moral e patrimonial, pois, neste caso o autor é sujeito
e objeto do direito ao mesmo tempo, o que é contraditório. Porque, segundo este entendimento,
o objeto consiste na pessoa e no bem imaterial, concomitantemente. Ademais, os aspectos
pessoais e patrimoniais têm fundamentos jurídicos distintos e sobre eles pesam regras jurídicas
diversas. De forma que Branco doutrina que não é “possível tratarmos o direito autoral como
um único direito composto de duas facetas, mas sim como o conjunto de dois feixes de direitos
distintos que nascem para o autor no momento da criação da obra, os direitos morais e os
direitos patrimoniais”19.

Ante o exposto, adotaremos para este trabalho a teoria que considera o direito autoral
como um direito autônomo sui generis, de aspectos patrimoniais e morais. Depois de elucidadas
tais noções básicas, adentraremos, de modo mais específico, no estudo dos direitos autorais

16
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 80.
17
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p.10.
18
Idem, ibidem. p.10-11.
19
BRANCO, S. A natureza jurídica dos direitos autorais. Civilistica, a. 2, n. 2, 2013. Disponível em:
<http://civilistica.com/category/a-2-n-2-2013/>. Acesso em 21 fev. 2015.
19

musicais, para então realizarmos um escorço histórico para melhor estendermos a evolução dos
direitos autorais, bem como trataremos da legislação nacional e internacional atinente ao tema.

1.2. DIREITOS AUTORAIS MUSICAIS

Com o intuito de complementar as noções apresentadas no tópico anterior, abordaremos


alguns conceitos, que comumente estão mais atrelados aos direitos autorais no âmbito musical.
Assim como, faremos uma análise da proteção relativas a obra musical frente a função social
dos direitos autorais.

A priori, resta esclarecer que, apesar de usualmente serem expressões usadas como se
fossem sinônimas, há uma clara distinção entre direito de autor e direito autoral20. O primeiro
se refere aos direitos relativos às obras artísticas e literárias. O segundo acrescenta os direitos
conexos, que não têm ligação com a criação ou elaboração da obra, mas com a interpretação e
se referem aos direitos dos intérpretes, dos executantes, dos músicos, dos produtores musicais
e de todos os produtores de fonogramas e videofonogramas, sem ter nenhuma relação com a
criação. Ou seja, “Direito Autoral passou a ser designação de gênero”21.

Por produtor de fonograma, se entende que é “a pessoa física ou jurídica que toma a
iniciativa e tem a responsabilidade econômica de sua primeira, considerado fonograma como
toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons ou de uma
representação de sons, que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”22.

Os direitos conexos tiveram sua existência consagrada pela Convenção de Roma de


1961 e estão acolhidos pelo ordenamento pátrio desde o Decreto n 57.125 de 19 de outubro de
1965. A estes direitos, no que for possível, são aplicadas as normas relativas aos direitos de
autor. “Como vemos, com os direitos conexos cria-se um alargamento do conceito de autoria,
que era um pouco difuso, antes do culto individualista do romantismo. São reconhecidos,
portanto, outros agentes na complexa estrutura de produção da chamada ‘indústria cultural’”23.

20
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p.6.
21
Idem, ibidem. p.7.
22
SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito autoral: legislação básica. Brasília, DF: Livraria e Editora
Brasília Jurídica, 1998. p.46
23
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 43.
20

Para uma melhor compreensão acerca do que trata a estrutura dos direitos conexos,
citaremos as quatro abordagens principais acerca do tema:

A primeira ideia é a de que o intérprete cria uma obra nova, derivada, quando realiza
a sua performance, passando a ser detentor e titular de um direito semelhante ao do
autor da obra, mas que lhe é apenas vizinho (ou conexo, como se denominou na
América Latina em geral). A segunda abordagem vê o direito do intérprete como uma
extensão de sua própria personalidade, explicando que cada ser humano tem uma
forma peculiar de se expressar externamente. O jurista alemão Lhering afirma que “o
que se protege é uma manifestação externa da atividade da própria pessoa em si”. A
terceira ideia junta as duas primeiras abordagens, afirmando que o direito do intérprete
junta à criação de alguma coisa nova um comportamento interior da personalidade
humana do intérprete, uma espécie de “personalidade da criação”. A quarta e última
ideia sublinha a noção de que o intérprete é apenas um colaborador do autor, e que
acaba por proteger a obra original e realçá-la na sociedade, com sua nova e inédita
interpretação24.

Pelo entendimento jurídico brasileiro predominante, o direito de intérprete/executante


é distinto: não se confunde com o direito de autor, nem com a obra originária. O direito de autor
do Candeia25 sobre a composição da música “Preciso me encontrar” é diferente do direito
conexo de intérprete do Cartola, da Marisa Monte ou do Ney Matogrosso por cantá-la ou de
instrumentistas, por tocá-la.

A Lei dos Direitos Autorais, em diversas partes do seu texto, também trata dos direitos
relativos a representação e execução. O que também torna necessário que se conceitue e
diferencie os referidos, até porque, como veremos adiante, também estão sendo fruto de litígios
jurisprudências quanto a utilização de obras musicais pelos novos meios tecnológicos.

Representação refere-se à realização in loco da apresentação do autor ou intérprete. “A


característica mais importante da representação é justamente uma interpretação” 26. Exemplos
de representação são peças teatrais, recitações e jograis. Já a execução conjectura prever o uso
de aparelhos ou instrumentos. Quanto a distinção de ambas, o doutrinador Nehemias Gueiros
Junior disserta que:

O que distingue basicamente a execução da representação é a não existência do drama,


da encenação dramática ou cênica. Podemos citar como exemplo que uma peça teatral
é representada, enquanto que uma obra de música clássica é executada e não
representada. A execução teve seu conceito definitivo bastante ampliado até os nossos
dias, através dos modernos métodos de reprodução e transmissão de obras intelectuais,
pelo rádio, pela televisão, em shows ao vivo com o auxílio de parafernália eletrônica,

24
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 53-54.
25
Antônio Candeia Filho, conhecido popularmente como “Candeia”, foi um sambista carioca, compositor e cantor.
26
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. Op. Cit., p. 63.
21

clubes noturnos e até pela Internet, enquanto que a representação permanece afeta ao
seu conceito basilar, pressupondo interpretação dramática e encenação.27

Os direitos relativos a representação e a execução pública são tratados no art. 68 da


LDA, in verbis:

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser
utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em
representações e execuções públicas.
§ 1º Considera-se representação pública a utilização de obras teatrais no gênero
drama, tragédia, comédia, ópera, opereta, balé, pantomimas e assemelhadas,
musicadas ou não, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, em
locais de freqüência coletiva ou pela radiodifusão, transmissão e exibição
cinematográfica.
§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-
musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de
fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer
processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a
exibição cinematográfica.
§ 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile
ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas,
estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes,
hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou
indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre,
marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou
transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.
§ 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar
ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos
aos direitos autorais.

Como é notório, a lei também definiu o que se entende por executar uma obra
publicamente, o que para tanto, exige o consentimento expresso do autor ou titular. Os direitos
relativos a composição musical são chamados de direitos de autor de execução pública. E os
direitos concernentes a interpretação da obra musical são conhecidos como direitos conexos de
execução pública. “As modalidades de execução pública se dividem em apresentações públicas
(ao vivo ou gravadas [...]), transmissões por radioteledifusão (rádio e TV) ou música mecânica
(fita ou disco) em estabelecimentos de frequência coletiva”28.

Um órgão de extrema influência no meio musical é o ECAD – Escritório Central de


Arrecadação e Distribuição, que tem como a função de controlar, arrecadar e distribuir os
direitos autorais de execução pública musical. Seu estar-mundo está previsto no art. 99 da LDA,
o qual enuncia que “A arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública de
obras musicais e literomusicais e de fonogramas será feita por meio das associações de gestão

27
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. P 63.
28
Idem, ibidem. p. 55.
22

coletiva criadas para este fim por seus titulares, as quais deverão unificar a cobrança em um
único escritório central para arrecadação e distribuição”.

Consoante o website do ECAD (http://www.ecad.org.br/), a administração do citado


escritório é realizada por nove associações de gestão coletiva musical. Como é muito difícil
para um autor ou titular exercer pessoalmente os direitos decorres da exibição pública de sua
obra, ele pode ter interesse em se associar a uma das associações que faz parte do ECAD. Essa
associação não é obrigatória, até em razão do direito de liberdade associação ser positivada pela
nossa Magna Carta.

Quando o músico é associado a uma dessas entidades, “a associação a que pertence


passa a exercer a função de mandatária, ou seja, atua em nome do músico, no exercício de seus
direitos. É por intermédio da associação que o músico recebe remuneração (distribuição) pela
execução pública de seus trabalhos, após o ECAD ter feito a arrecadação de direitos”29.

Há várias críticas em relação ao ECAD, o que acabou culminando na Lei nº 12.853, de


14 de agosto de 2013, que modificou a gestão dos direitos autorais em vários pontos, como: a
fiscalização do ECAD por parte do Ministério da Cultura e o aumento do repasse de recursos
para os músicos titulares dos direitos de 75% para 85%.

Há controvérsias doutrinárias quanto a questão se a disponibilização de músicas na


internet deve ser entendida como uma execução pública. Assunto do qual trataremos de modo
mais aprofundado mais adiante. Porém, é conveniente mencionar a existência dos “direitos
sobre músicas inseridas em obras audiovisuais, o chamado direito de sincronização, que
depende da autorização do compositor da música e que se dá ordinariamente através de uma
editora musical”30.

No meio jurídico musical, também existem os direitos fonomecânicos, cuja expressão


se origina do inglês phonomechanical rights, que se referem aos direitos derivados da
comercialização de suportes materiais aptos a portar sons e/ou imagens, como CDs e DVDs, de
origem mecânica, que precisam ser reproduzidos em aparelhos específicos. Também chamados
de produtos resultantes, estes suportes para reprodução de obras musicais e/ou audiovisuais
foram compreendidos como geradores de direitos fonomecânicos, que se diferem dos direitos
devidos por transmissão de rádio ou televisão, que não tem origem mecânica. Ou seja, é a

29
PARANAGUÁ, Pedro; BRANCO, Sérgio. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009.
p.98.
30
OLIVEIRA, Mauricio Lopes (org.); NIGRI, Deborah Fisch. Cadernos de Direito da Internet: Direito Autoral
e Convergência de mídias vol. II. Rio de Janeiro :Lumen Juris, 2006. p. 35.
23

utilização de CDs ou qualquer outro meio de reprodução material, de origem mecânica, dos
fonogramas musicais com finalidade comercial31.

Coautoria é quando a obra musical é composta por mais de um autor, como, por
exemplo, as músicas dos Beatles creditadas a dupla Lennon e McCartney. “A situação é
extremamente comum quando se trata de música, sendo trivial a existência de um letrista que
trabalha em conjunto com o autor da música”32. O conceito está positivado na Lei dos Direitos
Autorais do seguinte modo, que também trata de dois casos que não configuram autoria, in
litteris:

Art. 15. A co-autoria da obra é atribuída àqueles em cujo nome, pseudônimo ou sinal
convencional for utilizada.
§ 1° Não se considera co-autor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da
obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando
ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio.
§ 2° Ao co-autor, cuja contribuição possa ser utilizada separadamente, são
asseguradas todas as faculdades inerentes à sua criação como obra individual, vedada,
porém, a utilização que possa acarretar prejuízo à exploração da obra comum.

Acerca do tema de autoria, também é mister citar o seguinte trecho da LDA:

Art. 32. Quando uma obra feita em regime de co-autoria não for divisível, nenhum
dos co-autores, sob pena de responder por perdas e danos, poderá, sem consentimento
dos demais, publicá-la ou autorizar-lhe a publicação, salvo na coleção de suas obras
completas.
§ 1° Havendo divergência, os co-autores decidirão por maioria.
§ 2° Ao co-autor dissidente é assegurado o direito de não contribuir para as despesas
de publicação, renunciando a sua parte nos lucros, e o de vedar que se inscreva seu
nome na obra.
§3° Cada co-autor pode, individualmente, sem aquiescência dos outros, registrar a
obra e defender os próprios direitos contra terceiros.

Ante a apresentação dos conceitos atinentes aos direitos autorais, faz-se necessária
também a realização de um escorço histórico para entender de onde surgiram várias noções
relativas ao direito autoral e como este nasceu, evoluiu e se adaptou aos diferentes momentos
históricos.

1.3 ESCORÇO HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DO DIREITO AUTORAL

31
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p.72-73.
32
PARANAGUÁ, Pedro; BRANCO, Sérgio. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009.
p. 32.
24

Este item tem como principal objetivo mostrar como e veio e se desenvolveu a
conscientização de Direito Autoral.

1.3.1 A relação entre o ser humano e as suas criações nos primórdios da humanidade

O ser humano desde tempos mais longínquos é dotado de atividade criativa referente a
arte e invenções, pois sempre sentiu a necessidade de exteriorizar o seu âmago e o que conheceu
da vida. René Huyghe já enfatizou que a arte faz parte da própria essência da alma humana:
“Não há arte sem homem e não há homem sem arte. (...) É uma espécie de respiração da alma
bastante parecida com a física, de que nosso corpo não pode prescindir”33.

Merece nota a tradição oral, seja em músicas ou em histórias que muito provavelmente
já existiam nesse período e eram passadas para o maior número possível de pessoas sem a
preocupação de quem fosse(m) o(s) autor(es). E é facilmente suposto que essas canções e
histórias sofreram mudanças no decorrer do tempo e podem existir até hoje na forma de obra
anônima.

Saliente-se que “no início, a comunicação entre seres humanos era somente oral. Os
gritos, a pura expressão corporal, os gestos, a palavra, mais tarde, o homem criou a
representação gráfica, os hieróglifos, a transposição de imagens, a música, os símbolos
abstratos, os escritos, que passavam manualmente de geração para geração”34.

Grandes exemplos das criações da época são os desenhos rupestres das cavernas, a
arquitetura primitiva e os primeiros instrumentos encontrados que já eram dotados de função
ornamental sem destinação utilitária. Na Idade dos Metais, inclusive, a humanidade chegou a
fazer o uso da metalurgia e também, nessa época surgiu a figura do artesão.

Apesar de não existir a noção de direito autoral na época descrita, perceptivelmente


havia criações artísticas patentes e o homem já tinha noção de seu poder criativo de forma
consciente35.

33
HUYGHE, René. Sentido e destino da arte. Trad. João Gama. São Paulo: Martins Fontes, 1986, v.1, p 11.
Apud SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 14.
34
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 24.
35
SILVEIRA, Newton. A Propriedade Intelectual e a Nova Lei de Propriedade Industrial. São Paulo: Saraiva,
1996. p.13.
25

1.3.2. Civilizações clássicas

A arte chegou a outro patamar nessa época em Roma e na Grécia. A população já


conhecia os autores e os respeitava, tanto que parte dos criadores de histórias e dos filósofos é
conhecida até hoje, como Homero, Platão e Hypátia.

Em um cenário de impérios, guerras, destacando os escritos cuneiformes dos sumérios


datados de 3000 a.C, os hieróglifos egípcios e a escrita grega e romana e do grande
desenvolvimento artístico que ainda exercem grande influência até os dias de hoje. A revolução
da escrita na Grécia Antiga foi fundamental para a propagação da cultura por meio da literatura,
consoante a seguinte reflexão histórica:

A introdução das letras gregas na escrita, em algum momento por volta de 700 a.C.,
deveria alterar a natureza da cultura humana, criando um abismo entre todas as
sociedades alfabéticas e suas precursoras. Os gregos não inventaram um alfabeto: eles
inventaram a cultura letrada e a base letrada do pensamento moderno 36.

Os direitos de autor não eram reconhecidos pelos egípcios, mesmo com seus papiros
escritos com hieróglifos trinta séculos antes desta era, nem por outros povos, como fenícios,
persas, hebreus, pois, desde o Código de Hamurabi, que trouxe um grande arcabouço para o
estudo do direito, encontram-se lacunas quanto a tais direitos37.

Os gregos tinham uma cultura musical muita rica e considerada de grande importância
para os viventes nessa época. Eles organizaram os sons para sua utilização musical em sete
modos, que reúnem o conceito grego de harmonia. E inclusive, a mais antiga composição
musical completa, com notação musical, que conseguiu sobreviver aos tempos de hoje é o
Epitáfio de Seikilos. Uma música da Grécia Antiga datada de 100 a.C.38.

Alexandre Magno, com educação oriunda de Aristóteles, foi o grande responsável pela
difusão da cultura grega aos povos conquistados39. O doutrinador Eboli faz uma análise
esclarecedora acerca da cultura desse período, in verbis:

36
HAVELOCK, Eric. A revolução da escrita na Grécia e suas conseqüências culturais. Trad. Oderp. J. Serra. São
Paulo: Paz e Terra/Unesp, 1994 p. 81 apud GALDEMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais
na era digital – 5 ed. Revista e atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 25.
37
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p. 115-116.
38
MARSHALL, Colin. Hear the “Seikilos Epitaph,” the Oldest Complete Song in the World: An Inspiring Tune
from 100 BC. Disponível em: < http://www.openculture.com/2015/05/hear-the-seikilos-epitaph-the-oldest-
complete-song-in-the-world.html>. Acesso em 01 mar 2016.
39
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 16.
26

Diferentemente dos gregos, os romanos não eram dotados de muita imaginação


artística. Tinham espírito prático e dominador. Suas artes derivam de influências
recebidas de povos conquistados. É pacífico o conceito de que Roma conquistou
militarmente a Grécia, mas foi espiritualmente por ela dominada. Assim, os romanos
passaram a imitar os gregos, não somente na Arte, mas também nos trajes e costumes.
Falar grego, vestir-se à grega, possuir obras de arte passou a ser um requintado hábito
para o povo romano. Os gregos eram os franceses de então, ditavam a moda, as idéias
e os costumes40.

Comente-se que a origem etimológica de plágio vem dessa época. Plágio vem do latim
plagium que se originou do grego plagios. Este significava o desencaminhamento de escravos
por meios oblíquos. No direito romano plagium era a venda fraudulenta de escravos41.

Não existiam ainda quaisquer regras que definissem com clareza os direitos dos autores
da época, mesmo porque os romanos concebiam uma divisão tripartite dos direitos em pessoais,
obrigacionais e reais. O ordenamento jurídico não ia muito além, deixando de oferecer, por
conseguinte, uma proteção formal. Os negócios se desenvolviam mesmo através dos usos e
costumes de Direito Consuetudinários. O Direito Romano, portanto, bem como a praxe dos
negócios, aqueles a quem reconhecemos como os primeiros editores, forneceram vários, mas
não todos os rudimentos do moderno Direito de Autor.42

Nesse momento histórico, já havia a figura do caráter moral do direito autoral, com o
reconhecimento da autoria. Porém, não era assegurado o status de propriedade, nem o de
exclusividade. “O direito de autor não protegia as diversas manifestações da obra, como a
publicação e a reprodução atualmente dispostas no art. 5º da LDA, mas já nessa época a questão
da titularidade começa a ser discutida”43. Ou seja, havia a consagração moral da autoria, com
repúdio público em caso de plágio, porém, não se vislumbrava a possibilidade de
comercialização das obras do intelecto humano e ainda não havia sanções que ultrapassassem
a esfera moral.

Em Roma havia a reprodução por meio de cópias manuscritas e somente esses copistas
recebiam remuneração por seu trabalho, verdadeiras cópias artísticas. Os autores nada

40
EBOLI, João Carlos de Camargo. Pequeno Mosaico do direito autoral. São Paulo: Irmãos Vitale, 2006. p. 17
41
SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito Autoral: legislação básica. Brasília, DF: Livraria e Editora
Brasília Jurídica, 1998. p. 67.
42
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 28.
43
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 17.
27

recebiam, só lhes eram reconhecidas a glória e as honras quando lhes respeitavam a paternidade
e a fidelidade ao texto original44.

Em resumo, podemos afirmar que deste período histórico, o direito autoral apenas era
respeitado em seu aspecto de direito moral. O que demonstra quão antiga é a noção de “glória”
pela autoria, razão pela qual se conhece até hoje os nomes de parte dos principais pensadores,
filósofos, criadores de histórias, mesmo que alguns destes não tenham deixado nada escrito.

1.3.3 Idade Média

A escritura musical surgiu entre os séculos VII e IX. A primeira forma era conhecida
como neumática, porque os neumas (ar em latim) eram sinais (ainda não existiam as notas
musicais) colocados sobre cada sílaba do texto a fim de guiar a lembrança da melodia
(conhecida de antemão) a ser cantada. No Século X, começou o uso de linhas para assinalar
com precisão a altura dos sons musicais45.

O tetragrama, formado como indica o nome por quatro linhas horizontais, foi
estabelecido pelo monge Guido d’Arezzo para ser base do sistema de escritura [hoje a base da
famosa partitura é o pentagrama (também chamado de pauta) que substituiu o tetragrama no
século XII].

As sete notas musicais vieram de um hino cantado a São João Batista, seu uso também
foi estabelecido por Guido d’Arezzo. Paolo Diácono o autor do hino, do século VIII, o fez
depois de pegar um bruto resfriado e ficar afônico, implorando a São João que lhe fizesse voltar
a voz46. O nome das notas veio das duas primeiras letras de cada verso, excetuando o si
(acrescentado mais tarde) de “Sancte Ioannes” e o dó que substituiu o ut por ser considerado
mais sonoro.

Eis o hino a São João Batista: UT queant laxis REsonare fibris MIra gestorum FAmuli
tuorum, SOLve polluti LAbii reatum, Sancte Ioannes. Cuja tradução é: Para que seus servos

44
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 25.
45
GONÇALVES, Newton de Salles. Enciclopédia do Estudante - Música: compositores, gêneros e
instrumentos, do erudito ao popular. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2008. p.66
46
COTRIM, Marcio. DÓ RÉ MI. Marco Cotrim. Disponível em:
<http://www.marciocotrim.com.br/bercopalavra.htm >. Acesso em 30 mai. 2011.
28

possam voltar a cantar devidamente a maravilha de tuas obras, purificai nossos lábios impuros,
São João47.

Uma das diferenças entre a notação dessa época e a atual, é que as notas musicais eram
representadas por notas quadradas e hoje são representadas por notas redondas.

Nesse período, como os manuscritos eram copiados à mão, um a um, a reprodução era
muito difícil e por isso a utilização de uma obra não prejudicava os direitos patrimoniais do
autor, pois a produção estava restrita a alguns exemplares48.

No âmbito do direito de autor, a partitura também foi um grande avanço. Foi durante
muito tempo fundamental para o registro e para a comprovação de autoria da música e até hoje
é enormemente utilizada para tais fins. Alguns doutrinadores comparam a revolução advinda
do surgimento da notação musical com o surgimento da linguagem, como Weber: “uma
notação desta espécie é, para a existência de uma música tal como a que possuímos, de
importância muito mais fundamental do que, digamos, a espécie de escrita fonética para a
existência das formas artísticas linguísticas”49.

Em caso de acusação de plágio, a partitura permite a comparação nota por nota, acorde
por acorde, podendo utilizar o transporte de tonalidade se for necessário (pois já houve casos
em que a tonalidade da música foi mudada para “tentar disfarçar” o plágio).

Graças a partitura, os compositores podem ser estudados, tocados e reconhecidos


atemporalmente por suas obras e estas, assim, atingiram a imortalidade. Mesmo que na época
não houvesse nenhum meio de registro de sons.

1.3.4. Idade Moderna

A invenção da impressa por Gutenberg, por volta de 1455, foi um marco da


comunicação escrita, permitindo a reprodução de qualquer texto ou obra literária em mais de

47
GONÇALVES, Newton de Salles. Enciclopédia do Estudante - Música: compositores, gêneros e
instrumentos, do erudito ao popular. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2008. p.66
48
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 22.
49
WEBER, Max. Os fundamentos racionais e sociológicos da música. São Paulo: Edusp, 1995. Apud GOHN,
Daniel Marcondes. Educação musical a distância: abordagens e experiências. São Paulo: Cortez, 2011. p. 59.
29

um exemplar. Essa invenção é considerada até hoje o verdadeiro berço e semente do Direito de
Autor em todo o mundo50, conforme reflexão de Gandelman, a partir desta invenção:

Fixou-se de maneira definitiva a forma escrita, e as idéias e suas diversas expressões


puderam finalmente, e aceleradamente, atingir divulgação em escala industrial. Aí,
sim, surge realmente o problema da proteção jurídica do direito autoral,
principalmente no que se refere à remuneração dos autores e do direito de reproduzir
e de utilizar suas obras. Começa então a surgir também uma certa forma de censura,
pois os privilégios em relação a assuntos autorais concedidos por alguns governantes
(e por prazos determinados) estavam sujeitos a ser revogados, de acordo com os
interesses dos próprios concedentes. Cumpre ainda assinalar que os privilégios, quase
sempre, eram concedidos aos editores e não autores51.

O doutrinador Eduardo Vieira Manso fornece a seguinte síntese acerca do cenário de


necessidades sociais e jurídicas que rodearam o invento de Gutemberg:

As leis nascem das necessidades sociais. Enquanto as obras intelectuais não se


prestavam a uma exploração econômica de natureza verdadeiramente comercial,
porque sua produção não podia realizar-se em escala industrial, nenhuma razão
parecia haver para legislar-se sobre as violações que deveriam ser direito dos autores.
Essas violações resumiam-se, praticamente, no plágio, isto é, no furto da obra, para
obter glória, muito mais do que algum proveito econômico. Somente após o advento
da imprensa, com os melhoramentos que Gutenberg introduziu com os tipos móveis,
no século XV, é que surgiu a concreta necessidade de legislar sobre a publicação das
obras, principalmente literárias52.

A imprensa de Gutemberg foi um grande divisor de águas do direito autoral,


contribuindo para a criação de vários conceitos utilizados até hoje, como os direitos
patrimoniais. Na música, poderíamos fazer a seguinte análise: assim como, para o direito autoral
patrimonial dos livros foi determinando a invenção da imprensa para produzir inúmeras cópias,
para a música, posteriormente, será determinante a sua comercialização a partir de meios de
reprodução, como o gramofone e os microsystems.

Em 1501 foi impresso o primeiro livro de música polifônica da história: Harmonice


Musices Odhecaton, uma coleção de noventa e seis canções a várias vozes. Esta coleção foi
editada em Veneza por Ottaviano Petrucci. Porém a música impressa foi pouco utilizada,
porque a tiragem tinha pequeno número de cópias e a impressão, o papel e a tinta eram muito

50
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 29.
51
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 26.
52
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral. Col. Primeiros Passos, v. 187. 2ª edição. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1992. p.12- 13
30

caros. Estima-se que apenas um décimo da música composta antes do ano de mil e seiscentos
chegou aos dias atuais53.

Leonardo da Vinci foi uma das figuras mais criativas, inventivas e talentosa da história
da humanidade. Os artifícios que ele usava para que suas obras não fossem usurpadas eram a
prova de que ele tinha noção de posse intelectual. Entre os artifícios mais conhecidos estão o
de escrever ao contrário, necessitando de um espelho para a leitura e a pratica de erros
intencionais em seus projetos.

Os conceitos de tonalidade, a redução dos modos medievais por duas escalas: menor e
maior, e o estudo dos acordes foram inovações ocorridas no período barroco.

Inicialmente os conceitos de proteção aos trabalhos impressos eram dirigidos aos


editores de obras literárias. No entanto, com desenvolvimento intelectual e artístico dos
movimentos Iluminista e Humanista do Renascimento e, posteriormente, da Revolução
Francesa, esses conceitos foram abrangidos para as obras musicais e seus autores e desse modo,
acarretando no início de uma era de análise e exame da importância do autor intelectual de todas
as obras humanas54.

1.3.5. Idade Contemporânea e legislação internacional

O que os historiadores chamam de Idade Contemporânea tem início em 1789, com a


Revolução Francesa, e se expande até os nossos “hojes”. Na Revolução Francesa, inclusive, foi
quando o Direito de Autor foi considerado pela primeira vez como direito de propriedade.

A priori, é importante esclarecer que há dois sistemas principais de estrutura dos direitos
de autor: o droit d’auteur, ou sistema francês ou continental, e o copyright, ou sistema anglo-
americano. O sistema continental de direitos autorais se diferencia do sistema anglo-americano
porque o copyright foi construído a partir da possibilidade de reprodução de cópias, sendo este
o principal direito a ser protegido. Já o sistema continental se preocupa com outras questões,
como a criatividade da obra a ser copiada e os direitos morais do autor da obra55. No Brasil e

53
GONÇALVES, Newton de Salles. Enciclopédia do Estudante - Música: compositores, gêneros e
instrumentos, do erudito ao popular. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2008. p.78.
54
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000 p.29.
55
PARANAGUÁ, Pedro; BRANCO, Sérgio. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009.
P.15-16.
31

nos países latinos de modo geral, prevalece o direito do autor propriamente dito, oriundo do
droit d’auteur, no qual a criação ganha maior proporção e é privilegiada56.

Como antecedente da idade moderna, colocado neste subtópico por razões didáticas,
falaremos que em 14 de abril de 1709 foi criado o Copyright Act (denominado Act Anne C 5),
ou ato do direito de cópia, na corte da rainha Anne, na Inglaterra. Seu principal objetivo era de
conferir proteção às obras intelectuais, sendo o primeiro dispositivo criado com essa função.
Destinou-se a proteger, na época, os editores contra a reprodução ilegal e desautorizada de seus
impressos. Iniciou o estudo acerca da natureza e extensão da obra intelectual, apesar de não
proteger os autores intelectuais de fato57.

No que concerne ao Copyright Act, foi onde começou-se a reconhecer formalmente o


copyright e também a palavra royalty: a coroa concedia uma regalia, que no caso era a proteção
por 21 anos após o registro formal, para as cópias impressas de determinada obra. As obras não
impressas somente eram protegidas por 14 anos. Também é significativo citar que o Licensing
Act de 1662 já proibia a impressão de livros não licenciados ou indevidamente registrados, o
que acarreta em certa censura, pois só eram licenciados livros que não ofendessem os interesses
(políticos, em especial) dos licenciadores58. “O ato foi construído em torno de um instrumento
corporativo dos comerciantes de livros, chamado Stationers’ Company. Embora fizesse menção
aos autores, tinha como principal objetivo regular o comércio do livro e não reconhecer direitos
de autor propriamente dito”59.

O segundo país a reconhecer os direitos do autor foi a Dinamarca em 1741, promulgando


sua própria lei. E a partir daí vários países começaram a adicionar o direito de autor (mesmo
que de modo não especifico) às suas constituições.

Em 1771, a França publicou a lei que regulamentou a representação pública das obras
nos teatros franceses e em 1773, a reprodução delas60, as quais garantiram aos autores os
direitos patrimoniais durante a vida e, aos herdeiros, por um prazo de dez anos após a morte
dos autores. Em 1777, sob a influência dos ideais iluministas, do direito natural e após a batalha
que envolveu os impressores parisienses e das demais cidades francesas, o Conselho de Estado

56
BEZERRA, Arthur Coelho. Cultura Ilegal: as fronteiras morais da pirataria. 1 ed. Rio de Janeiro: Mauad X:
Faperj, 2014. p.103
57
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p.30
58
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5ª ed. Revista e
atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 27.
59
BEZERRA, Arthur Coelho. Op. Cit., p. 104.
60
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral. Col. Primeiros Passos, v. 187. 2ª edição. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1992. p. 15.
32

francês, em duas resoluções, votou a abolição dos privilégios perpétuos dos editores e afirmou
a propriedade dos autores: se o autor explorasse pessoalmente a sua obra, ele e seus herdeiros
teriam seus privilégios assegurados de modo perpetuo e se a exploração da obra fosse cedido a
um livreiro, o privilégio ficava reduzido para 10 anos e depois cairia em domínio público61.

Já com a Revolução Francesa, na Idade Contemporânea de fato, foi adicionado ao


conceito de copyright a primazia do autor sobre a obra: O droit d’auteur enfoca os aspectos
morais, o direito do autor ao ineditismo, à paternidade, à integridade da obra, que não pode ser
modificada sem sua autorização. Mesmo com a cessão dos direitos patrimoniais referentes à
sua obra, o autor conserva todos os direitos morais, que são inalienáveis e irrenunciáveis. A
proteção se entende pela vida e morte do autor62. A Assembleia constituinte que se formou, ao
mesmo tempo em que abolia todos os tipos de privilégios, incluindo os autorais e editoriais,
reconhecera, influenciada pelo deputado Le Chapelier, que aos autores deveria ser atribuída a
propriedade de suas obras63. “Como consequência direta do princípio do criador, o droit
d’auteur parte do princípio de que a obra apenas pode ser gerada ou ter origem na personalidade
do autor”64.

No caso, apesar de terem sido abolidos os privilégios de direitos patrimoniais perpétuos


aos sucessores do autor, posteriormente veremos que a noção dessa perpetuidade tem forte
relação com a função social dos direitos autorais. Copyright significa “direito de cópia” e Droit
d’auteur pode ser traduzido para “direito de autor”, o que por si só já indica o principal intento
de cada um dos sistemas: o copyright, ao proteger o direito de cópia, está muito mais voltado a
esfera comercial, sem necessariamente ter qualquer preocupação com os direitos morais do
autor. Enquanto o droit d’auter pretendia a valorização dos direitos e reconhecimento do autor
da obra.

É interessante mencionar que no classicismo – período da música erudita, posterior ao


barroco, que aconteceu entre a segunda metade do século XVIII e o início do século XIX – era
comum que os compositores utilizassem melodias de músicas folclóricas, de domínio público,
e as desenvolvessem em uma forma mais complexa e erudita. O folclore musical também foi

61
GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de Direito Civil em comentário do Código Civil Português. 2ª ed.
Portuguesa e 1. ed. Brasileira. São Paulo: Max Limonad, 1958, p.31. Apud LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e
Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 144.
62
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 28.
63
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p. 145.
64
PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, direito de autor e propriedade tecnodigital. BOLETIM DA
FACULDADE DE DIREITO. STVDIA IBRIDICA 55. Portugal: Coimbra Editora, 2001. p.101.
33

usado em outras épocas, com, por exemplo, Ludwig van Beethoven, no romantismo, com o 5º
movimento da 9ª sinfonia e Heitor Villa-Lobos, no modernismo, com a sua preocupação em
resgatar as cantigas do Brasil. Nesse contexto, as melodias folclóricas eram vistas como a
representação de um país, o que também acarretou em sentimentos nacionalistas. Era como se
o autor da obra fosse o espírito de uma nação, que servia de inspiração para os compositores a
criarem outras músicas a partir dela.

O costume de “intertextualidade musical”, enquanto as noções de direito de autor ainda


estavam em desenvolvimento, chegou a gerar algumas controvérsias. Era comum também pegar
pequenos trechos de autores conhecidos e fazer variações nele. Porém, mesmo naquela época,
teve o desentendimento entre Muzio Clementi e Wolfgang Amadeus Mozart, quando este usou
um pequenino trecho da sonata Op.24, No. 2, daquele para a abertura da ópera Die Zauberflöte.
Clementi já naquela época queria que o seu nome fosse creditado em todas as edições de
impressões da ópera, informando que 10 anos antes da criação desta ele já havia composto a
referida sonata65, por uma pura questão de diretos morais, pois não objetivava o lucro. Situação
que se repete até hoje nos casos em que são utilizados samples de outros artistas, nem sempre
devidamente creditados66.

Algumas Convenções Internacionais são dignas de nota: A de Paris, de 1883, para os


Direitos Industriais. A importantíssima Convenção de Berna, de 9 de setembro de 1886, relativa
à proteção das obras literárias e artísticas. A Convenção Universal sobre o Direito de Autor, em
vigor a partir de 10/10/1974, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n 55, de 28/07/1975.
A convenção interamericana sobre direitos de autor em obras literárias, científicas e artísticas,
também conhecida como convenção de Washington. Quanto aos direitos conexos, foram
relevantes a convenção de Roma de 26/10/1961 e a convenção para a proteção de produtores
de fonogramas contra a reprodução não autorizada de seus fonogramas de 30/08/75.

Na Convenção de Berna foram estabelecidas várias disposições normativas de definição


e amparo aos direitos autorais, visando discutir e regular o direito autoral lato sensu e as
questões ligadas à proteção dos direitos de autor ligados as obras cientificas, literárias e

65
Clementi – Sonatinas and Sonatas. Schirmer’s Library of Musical Classics. 2006. New York: G. SCHIRMER,
Inc: 2006. p.4
66
Como, por exemplo, o Daft Punk que aparentemente criou “One more time” a partir de um sample não creditado
de “More Spell On You” de Eddie Johns, apesar da banda negar a utilização de tal sample. Para mais informações
a respeito, acessar CHAN, Casey. O Daft Punk nega, mas eis como One More Time foi feita usando um sample.
Disponível em: < http://gizmodo.uol.com.br/daft-punk-one-more-time-sample/>. Acesso em 6 abri 2016.
34

artísticas. A Convenção contribui para a formação da canônica dos direitos autorais e suas
normas foram recebidas e adotadas pelos países como princípios básicos67.

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI é um dos 15 organismos


especializados das Nações Unidas – ONU funciona desde 1974. É resultado da Revisão de
Estocolmo (1967) que, embora mão tivesse entrado em vigor em sua plenitude, algumas de
passaram a vigorar a partir de 1970, as origens da OMPI remontam a Convenção de Paris e de
Berna, que estabeleciam um Escritório Internacional. Os objetivos fundamentais da OMPI são
o fomento a proteção da propriedade intelectual mundial mediante cooperação entre os Estados,
assegurar a cooperação administrativa entre as Uniões de propriedade intelectual, administrar
as convenções de Paris e de Berna, e também, juntamente com OIT e UNESCO, a convenção
de Roma68.

A partir da década de 40 com a invenção do rádio houve várias mudanças nas legislações
de todo o mundo e o mesmo pode-se disser do advento de tecnologias como o CD, o DVD e o
computador. Sendo um dos grandes desafios do direito autoral do século XXI os downloads de
música, feitos de forma frequentemente ilegal, gratuita e sem o devido pagamento de royalties
e mesmo questões atinentes a aspectos jurídicos do streaming.

1.3.6 Desenvolvimento do direito autoral no Brasil

A primeira disposição legal com alguma referência ao tema de direito autoral veio com
a Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil e que
conferiu aos mestres nomeados, de 10 anos de privilégio sobre tal publicação dos compêndios
das matérias que lecionavam, aplicável intra muros nas faculdades de Direito de Olinda e de
São Paulo. A primeira lei brasileira específica a garantir e definir os direitos autorais foi a Lei
nº. 496, de 1 de agosto de 1898. Acerca de tal período histórico, é importante citar as lições de
Manso:

Em 1830, com a promulgação do Código Criminal surgiu a primeira regulamentação


geral da matéria, não obstante de natureza penal. Suas normas visavam apenas à

67
BITTAR, Carlos Alberto. Princípios aplicáveis, em nível internacional, à tutela dos direitos autorais. In:
NAZO, Georgette N. (coord.) A Tutela Jurídica Do Direito De Autor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 93- 104. p.
95.
68
SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito Autoral: legislação básica. Brasília, DF: Livraria e Editora
Brasília Jurídica, 1998. p. 95-96.
35

proibição da contrafação, sem conferir verdadeiros direitos autorais civis. No mesmo


sentido, foram as regras do Código Penal que veio a seguir, em 1890.

Foi apenas em 1891, com a primeira Constituição republicana, que o Brasil editou
normas positivas de Direito Autoral, como garantia constitucional, conforme o §26
do art. 72 da Constituição Federal: “Aos autores de obras literárias e artísticas é
garantido o direito exclusivo de reproduzi-las pela imprensa ou por qualquer outro
processo mecânico. Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que
alei determinar”. Essa lei foi publicada cinco anos após, sob o nº 496, em 1 de agosto
de 1896, graças aos esforços de Medeiros Albuquerque, que lhe emprestou o nome.
Todavia, a Lei Medeiros Albuquerque foi retrógada em vários aspectos, em relação
ao direito autoral europeu, principalmente porque exigia o registro da obra, como
condição de sua protegibilidade, e conferiu sua proteção apenas por 50 anos contados
da primeira publicação 69.

Um dos nomes que fez importantes contribuições ao direito de autor foi Ruy Barbosa
que publicou vários trabalhos no Código Penal (acerca das sanções que ferem o direito de
autor), no Código Civil e nos direitos brasileiros de autor. Também sugeriu a mudança da
expressão produção intelectual para propriedade intelectual70.

O Código Civil de 1916 promulgou regrais gerais que todo o repertorio jurídico
internacional sobre direitos de autor pós-Berna englobou. Surgindo daí proteção ao autor de 60
anos após a sua morte (antes eram 50 anos e na legislação atual é de 70 anos após a morte do
autor). “Então, o direito autoral brasileiro conseguiu algum progresso estrutural, embora tivesse
perdido sua autonomia legislativa, porque passou a ser considerado simplesmente uma espécie
de propriedade: ‘Propriedade Literária, Científica e Artística’”71.

A Lei n º 5.988, conhecida como Lei dos Direitos Autorais ou LDA foi criada em 1973,
“Essa norma era uma compilação das legislações anteriores, e encontrava-se em conformidade
com as diretrizes da Convenção de Berna, de 1886”72. Esta lei foi revogada em 1998 pela Lei
Autoral Brasileira (Lei nº 9610/98), lei que vige até hoje. A Constituição Federal também
resguarda o Direito de Autor no art. 5º, incisos XXVII e XXVIII.

Mais adiante serão abordados os impactos resultantes dos avanços tecnológicos na


esfera patrimonial dos direitos autorais, bem como se analisará alguns aspectos jurídicos que
envolvem a disseminação de músicas na Internet e será elaborada uma contextualização com a
função social dos direitos autorais musicais.

69
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral. Col. Primeiros Passos, v. 187. 2ª edição. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1992. p.16-17.
70
ORLANDO, Pedro. Direitos autorais: seu conceito, sua prática e respectivas garantias em face das Convenções
Internacionais e da jurisprudência dos tribunais. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial:
Supremo Tribunal de Justiça, 2004. p. 40 e p. 147.
71
MANSO, Eduardo J. Vieira. Op. Cit., p.17.
72
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 54.
36

2 O IMPACTO DO AVANÇO TECNOLÓGICO NA ESFERA DOS DIREITOS


AUTORAIS MUSICAIS

2.1 O IMPACTO TECNOLÓGICO ATÉ O ADVENTO DO CD

Antes de iniciarmos o estudo do impacto tecnológico das invenções relacionadas a


reprodução sonora, é importante entender como era o cenário musical antes delas e o real
impacto que elas tiveram. A música é provavelmente uma arte tão antiga quanto a própria
existência da humanidade. A forma de como os músicos foram financeiramente pagos por sua
arte variou muito de acordo com a época. Durante muito tempo, os músicos eram pagos por
membros da nobreza ou do clero, muitas vezes a música era composta para ser tocada apenas
para uma ocasião. Bem como, usualmente, era restrita para os círculos sociais da aristocracia.
Realidade que apenas mudou com os concertos públicos. Acerca do tema, é importante citar a
lição do historiador da arte Arnold Hauser:

Até o século XVIII, toda a música era escrita a propósito de um acontecimento mais
ou menos específico; encomendada por um príncipe, pela Igreja, ou por um conselho
de cidade, tinha por fim divertir a alta sociedade, dar profundeza ao culto coletivo, ou
intensificar o esplendor das festividades públicas. Os compositores eram músicos da
corte, músicos da igreja, ou músicos da cidade; a sua atividade artística limitava-se ao
desempenho dos deveres inerentes a sua função - provavelmente só raramente lhes
ocorria compor, sem ser por encomenda, mas sob sua própria responsabilidade e
impulso. Fora dos serviços religiosos, das distrações festivas e espetáculos de dança,
a classe média poucas vezes tinha oportunidade de ouvir música; só por exceção podia
assistir aos concertos dados por orquestras que estavam a serviço da nobreza e das
cortes. Nos meados do século, o povo começou a sentir que tal estado de coisas era
uma inferioridade, e fundaram-se, então, sociedade de concertos da cidade. Os
“Collegia musica”, inicialmente privados, abriram o caminho para os concertos
públicos, e com eles desenvolveu-se uma atividade musical que a classe média podia
considerar como sua. As sociedades de concerto alugavam grandes salas, e pagava-se
aos músicos, que tocavam para assistências cada vez mais numerosas. Isto deu em
resultado a criação de um mercado livre de produtos musicais, que correspondia ao
mercado literário, com os seus jornais, periódicos e editores73.

A música ocidental só se tornou mais acessível aos que não pertenciam a aristocracia
com a disseminação dos concertos públicos. Porém esse processo foi demorado. Citando
personagens mais específicos, de forma a propiciar uma melhor compreensão da conjuntura,
pode-se dizer que Mozart tentou a sorte nos concertos público, mas não obteve tanto êxito em
sua época. “Beethoven é contra a nobreza mas é patrocinado por ela”74, porém, os ideais

73
HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. Trad. de Walter H. Geenen. São Paulo: Mestre Jou.
3ª. Ed, 1982. P. 727-728.
74
FRANÇA, Eurico Nogueira. A arte da música através dos tempos: ensaios históricos-críticos sobre a música
no Ocidente. Rio de Janeiro: Atheneu-Cultura, 1990. p.59
37

difundidos pela Revolução Francesa e pela ideia do droit d’auter foram fundamentais para que
este fosse melhor sucedido no intento de deixar de ser um “empregado” da aristocracia e
permitir que sua obra fosse ouvida por um público maior e mais diversificado. Nesse sentido
histórico, é importante citar o musicólogo Eurico Nogueira França:

Na obra sinfônica seguinte de Beethoven, que é a Sinfonia Heroica, entramos em sua


fase romântica, que passa a constituir seu segundo estilo. Quais os ideais que
produzem essa mutação estilística e aliás vão nutrir toda a música de Beethoven,
culminando na Sinfonia Coral? O profundo espírito humanitarista, a sede de igualdade
entre todos os homens, a liberdade e a dignidade humanas, que são o substrato
ideológico da Revolução Francesa. Seu raio de ação é ilimitado para golpear, dentro
e fora da França, as castas sociais. Mozart já representa esse espírito de rebelião, esse
insopitável anseio de liberdade, ao tirar o músico da condição de lacaio das casas
nobres (condição a que Haydn se adaptou aliás, sem o menor desdouro, porque os
tempos eram outros). A sociedade ainda não estava madura para acolher Mozart. Mas
soube permitir a altivez, a independência, a força de caráter de Beethoven, que se
forjaram ao clarão da Revolução de 89, quando ele tinha 18 anos 75.

É importante notar que, de certo modo, ambos os “modos” existem até hoje, pois a
música por encomenda ainda é prática comum, só que usualmente ocorre de forma diferente,
quando por exemplo uma gravadora paga a um compositor para compor uma música para
determinado cantor. Enquanto a figura dos concertos públicos atualmente se materializa nas
formas de shows, concertos, festivais e derivados. A primeira proteção a obra musical foi a
proteção no âmbito das partituras:

Tem-se conhecimento de que o mais antigo privilégio para impressão e venda de


partitura musical foi concedido, em 25 de Maio de 1498, da República de Veneza para
Ottaviano dei Petrucci, pelo prazo de 20 anos. A música, na época recebeu proteção
não per se mas pelo fato de estar fixada em papel, sob forma de obra literária. No
direito inglês, o primeiro caso de reconhecimento judicial da proteção da obra musical
pelo copyright se deu por decisão prolatada em 18 de março de 1773, mesmo que
restrita à declaração de ilicitude da “multiplicação de cópias de material impresso”,
na ação proposta por Johann Christian Bach, filho mais novo de J.S, Bach, em
conjunto com Carl Friedrich Abel, ao descobrirem a publicação indevida de exercícios
e sonata de suas autorias pela editora Longman & Lukey76.

A proteção ao direito autoral musical foi ampliada com aparelhos concernentes a


gravação e reprodução de sons, pois a partir desse momento passou a ter novas formas de
exploração econômica das músicas. O que acarretou uma série de mudanças comportamentais,
legislativas e mercadológicas.

Acerca da evolução das tecnologias atinentes a gravação e reprodução musical, o


doutrinador André Millard, na obra America on Record: a history of recorded sound sugere

75
Idem, ibidem, p.60-61.
76
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p.32 Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 27 mar. 2016.
38

uma divisão tripartite: a) a “era acústica”, cobrindo o período que vai do surgimento do
fonógrafo ao final da década de 1920, quando um novo sistema elétrico de gravação substituiu
o fonógrafo; b) a “era elétrica”, de 1930 ao final da década de 1970, período representado pelos
discos de 78 rpm, pelo advento dos discos de 45 rpm e pelo LP de 33rpm, além do surgimento
da “cultura do cassete”; c) a “era digital”, iniciada em 1982 pelo CD77.

Em março de 1857, um gráfico parisiense chamado Édouard-Léon Scott teve patenteada


a invenção do fonoautógrafo, uma máquina que gravava sons: canalizava ondas sonoras através
de um dispositivo semelhante a uma cornúpia que terminava em uma membrana de pergaminho
na qual as vibrações eram transmitidas para uma agulha feita com cerdas de porco que grava as
ondas em uma página escurecida com fuligem de carvão. Porém, tal dispositivo não reproduzia
sons. Razão pela qual o equivalente musical à imprensa de Gutenberg foi a invenção do
fonógrafo por Thomas Edison em 1877, o qual completou o projeto original de Scott e
acreditava que as pessoas iriam gravar suas missivas nos rolos de cera do fonógrafo e postá-los
no correio para serem reproduzidos dias depois. Enquanto Graham Bell acreditava que o
telefone seria utilizado para ouvir música ao vivo. Todavia, em mais uma ironia da vida, o
fonógrafo acabou sendo utilizado para ouvir música e o telefone, para a comunicação entre
seres humanos78.

A possibilidade de fixar obras musicais para posterior audição foi uma grande revolução
na esfera musical. Apesar de, a priori, ter despertado pouco interesse entre músicos e editores.
Várias contribuições propiciaram o desenvolvimento do fonógrafo, como o gramofone, criado
nos Estados Unidos em 1888 pelo imigrante alemão Emile Berliner. Este utilizou o formato de
disco em vez do rolo cilíndrico para confeccionar um suporte de gravação. Neste mesmo ano,
Edison fundava a Edison Speaking Phonograph Company79. Beliner “utilizou-se também uma
forma diferente de representação mecânica: enquanto Edison grafava as ondas do som
perfurando transversalmente o cilindro para dentro e para fora Berliner utilizou um modelo que
riscava lateralmente a cera do disco”80.

77
BANDEIRA, Messias G. Construindo a Audiosfera: as tecnologias da informação e da comunicação e a nova
arquitetura da cadeia de produção musical. 2012. Tese. (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal da
Bahia, Salvador. p.52. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6059>. Acesso em 31 mar 2015.
78
JOHNSON, Steven. Como chegamos até aqui: a história das inovações que fizeram a vida moderna possível.
Trad. Claudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. P.69-74.
79
BANDEIRA, Messias G. Op. Cit., p.112.
80
PAIXÃO, Lucas Françolin. A indústria fonográfica como mediadora entre a música e a sociedade.
Dissertação – Universidade Federal do Paraná. Curitiba: 2013. p. 29. Disponível em:
<http://www.sacod.ufpr.br/portal/artes/wp-content/uploads/sites/8/2013/04/Lucas-Françolin-da-Paixão-
2013.pdf>. Acesso em 31 mar 2016.
39

A utilização do invento de Thomas Edison acabou sendo muito mais relacionada à


gravação musical, porém também tinha como usos sugeridos, entre outros: “ditar textos para
deficientes visuais, registrar os sons das vozes de membros da família em caixas de música ou
mesmo em conexão com telefone para gravação de conversas”81. “O fonógrafo foi uma
invenção que teve rápida repercussão social, ainda para os padrões da época, em que as
tecnologias da informação ainda não eram tão dinâmicas. Além disso, criou um marco para
discutir-se acesso e distribuição de obras musicais sem precedentes”82. Acerca de alguns dos
desdobramentos da possibilidade da gravação, colacionamos o seguinte trecho:

[…] a gravação fixou os estilos de interpretação da música escrita, ao mesmo tempo


que regulou a sua evolução. De fato, já não é mais apenas a estrutura abstrata de uma
peça que pode ser transmitida e descontextualizada, mas também sua atualização
sonora. A gravação torna-se responsável, à sua maneira, pelo arquivamento e pela
preservação histórica de músicas que haviam permanecido na esfera da tradição oral
(etnografia musical). Enfim, alguns gêneros musicais, como o jazz ou rock, só existem
hoje devido a uma verdadeira “tradição de gravação”83.

É possível mencionar a existência de caixinhas de música e outros meios rudimentares


de reprodução, porém, até então, o único meio de ouvir música na maior parte das vezes
consistia em assistir apresentações ao vivo ou saber tocar algum instrumento musical. Mas com
o aparecimento dos aparelhos de reprodução passou a ser possível ouvir uma música quantas
vezes e quando quisesse. A gravação passou a ser uma forma de eternidade.

A necessidade de execução de músicas sem a presença física de seus autores e


intérpretes, por sua vez, favoreceu um contexto de constantes novidades e recursos de
gravação e distribuição de músicas. [...] podemos notar que o surgimento das técnicas
de notação musical e registro de áudio, a criação do fonógrafo e o advento de
dispositivos analógicos (discos de cilindro, fitas magnéticas) ou digitais (compact
disc, mini disc e a música digitalizada) representam uma cadeia de esforços no sentido
de oferecer ao público a possibilidade de ouvir música de maneira descentralizada,
longe de seus compositores e em diferentes situações. A popularização do rádio nas
primeiras décadas do século XX, caracterizada pela imisção entre programadores
musicais e anunciantes, modelou a conformação de estruturas musicais e peças de
propaganda num continuum de difusão radiofônica que se reproduz até os dias de
hoje.84

81
CROWL, Harry. A criação musical erudita e a evolução das mídias: dos antigos 78 rpms à era pós CD. In:
PERPETUO, Irineu Franco; SILVEIRA, Sergio Amadeu da. O futuro da música depois da morte do CD. São
Paulo: Momento Editorial, 2009. p. 145.
82
SILVA, Guilherme Coutinho. Acesso às obras fonográficas na sociedade informacional: as relações com o
sistema internacional de direito autoral. Dissertação – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis:
2011. p. 31. Disponível em: < http://www.gedai.com.br/sites/default/files/295257-
_dissertacao_mestrado_guilherme.pdf>. Acesso em 31 mar 2016.
83
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. p. 140.
84
BANDEIRA, Messias G. Construindo a Audiosfera: as tecnologias da informação e da comunicação e a nova
arquitetura da cadeia de produção musical. 2012. Tese. (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal da
Bahia, Salvador. p.112. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6059>. Acesso em 31 mar 2015.
40

É interessante ressaltar que, a partir do invento de Berliner, o formato disco se tornou


um padrão para registro de áudio, permanecendo o principal ao longo dos anos. Várias
diferentes formas de materiais, como cera, metal, plástico (vinil, acrílico) e formas de
representação (mecânica, eletromagnética e ótica) foram utilizadas com o mesmo formato85. O
maior problema dos cilindros do fonógrafo “era a sua durabilidade. As primeiras amostras eram
feitas de folha de estanho e podiam ser reproduzidos apenas 3 ou 4 vezes. Apesar de serem
praticamente descartáveis, na época essa mídia abriu novas perspectivas para a indústria
fonográfica”86, enquanto os discos do gramofone eram mais resistentes e tinham uma maior
capacidade de gravações, motivo pelo qual obteve sucesso quase imediato e foi logo adotado
pelos músicos87. No que concerne à exploração comercial através do fonógrafo e do telefone,
podemos mencionar a seguinte observação:

Inicialmente pensado no viés exclusivamente de negócios, o fonógrafo logo assumiu


sua vocação de instrumento a serviço do entretenimento. Curiosamente, a partir de
1889, seu acionamento se dava através de moedas (as famosas “jukeboxes”). Talvez
um prenúncio da relação entre música e mercado que se perpetuaria na história da
música popular. As primeiras empresas a explorar as possibilidades do fonógrafo e do
gramofone criaram uma massa de ouvintes interessados no novo aparelho. A partir de
1890, algumas dessas máquinas já podiam ser encontradas nas casas de consumidores;
o gramofone — ou “Victrola”, introduzida pela Victor Talking Machine Company —
esboçava, assim, a possibilidade de reprodução de áudio em ambiente privado,
criando, porém, a figura do consumidor de discos88.

A primeira crise do direito do autor surgiu simultaneamente às maravilhas trazidas pelas


novas tecnologias, incitada pelo sentimento de insegurança que passou a consternar os
envolvidos no novo modelo de negócios, especialmente os compositores, os artistas e os
investidores culturais, em razão da imprevisão normativa quanto aos meios de fixação. A
música passou a atingir um público maior e novos sujeitos passaram a compor o cenário
musical, com o surgimento da figura do produtor musical: que era investidor, fabricante e
distribuidor de obras musicais e dos gramofones. Enfatize-se que o investidor busca o retorno
sobre o capital aplicado, acrescido de lucro sobre o montante e apetece que seu investimento

85
PAIXÃO, Lucas Françolin. A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA COMO MEDIADORA ENTRE A MÚSICA
E A SOCIEDADE. Dissertação – Universidade Federal do Paraná. Curitiba: 2013. p. 29. Disponível em:
<http://www.sacod.ufpr.br/portal/artes/wp-content/uploads/sites/8/2013/04/Lucas-Françolin-da-Paixão-
2013.pdf>. Acesso em 31 mar 2016.
86
DAQUINO, Fernando. A evolução do armazenamento de músicas [infográfico]. Disponível em:
<http://www.tecmundo.com.br/infografico/30658-a-evolucao-do-armazenamento-de-musicas-infografico-.htm>.
Acesso em 02 abri 2016.
87
Idem, ibidem.
88
BANDEIRA, Messias G. Construindo a Audiosfera: as tecnologias da informação e da comunicação e a nova
arquitetura da cadeia de produção musical. 2012. Tese. (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal da
Bahia, Salvador p.50-51. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6059>. Acesso em 31 mar 2015.
41

seja garantido pela maior segurança possível, principalmente por meio de legislação adequada
e respeito aos contratos. A indústria fonográfica, através dos produtores musicais, passou a
coagir os autores e intérpretes a assinar contratos abusivos, com cláusulas que praticamente
eram cessões integrais de direitos camufladas sob o manto da edição, inclusive sobre obra
futura89.

Os produtores obtiveram garantidos os direitos referentes a reprodução mecânica de


música na Inglaterra, a partir do Copyright Act de 1911, o que foi expandido, posteriormente,
para outros países. No ordenamento pátrio do mesmo período, as contratações se operavam sob
as regras do contrato de edição90, dispostas no Código Civil de 1916. “Na prática significava
que o autor, aquele que deveria ser protegido, tinha que submeter-se ao poder da indústria
fonográfica, já que o acesso aos meios de produção de discos era limitado, sendo absolutamente
necessária a presença daquele que detivesse o capital”91. Os questionamentos eram de modo
geral, de natureza contratual, baseados na desconfiança do compositor acerca do número real
de discos comercializados, dúvida que persiste até hoje.

Antes de nos atermos ao impacto do LP e do CD, destacamos o seguinte trecho que


resume as tecnologias presentes na reprodução musical até a metade do século XX, in verbis:

O século XX trouxe muitos progressos técnicos, entre eles a invenção da gravação


elétrica, que substitui a mecânica na década de 1920. Cabe destacar que em 1920 surge
a radiodifusão nos Estados Unidos, que em 1922 expande-se para Inglaterra e França,
ano em que é realizada a primeira demonstração pública, no Brasil, de uma
transmissão radiofônica. A partir deste momento os fonogramas podiam ser
transmitidos em rede e de maneira simultânea a diversas localidades. A invenção da
fita magnética na década de 1930 e o desempenho melhorado dos discos de vinil a
partir dos anos 1940 também tiveram grande importância para solidificação do hábito,
de certa forma ainda novo, de ouvir-se música gravada. O desenvolvimento de duas
modalidades do disco de vinil teve grande influência neste hábito: o Long-Play (LP)
de doze polegadas e 33 1/3rpm (rpm é diminutivo para rotações por minuto) lançado
pela Columbia, em 1948; e a versão de 7 polegadas, com um grande furo no meio,
que tocava em 45rpm, desenvolvido pela RCA Victor, em 194992.

Destaque-se que a radiodifusão também ocasionou uma série de vantagens e


desvantagens aos compositores e intérpretes. As vantagens referem-se à amplificação da

89
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 37-38. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 27 mar. 2016.
90
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1956. Tomo XVI p.169 apud LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese
– Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 38. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 02 abri 2016.
91
LOSSO, Fabio Malina. Op. Cit., p. 39. Acesso em 02 abri 2016.
92
SILVA, Guilherme Coutinho. Acesso às obras fonográficas na sociedade informacional: as relações com o
sistema internacional de direito autoral. Dissertação – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis:
2011. p. 32. Disponível em: < http://www.gedai.com.br/sites/default/files/295257-
_dissertacao_mestrado_guilherme.pdf>. Acesso em 31 mar 2016.
42

divulgação ao público. Enquanto o pior fardo foi o de que muitos músicos passaram a ser
contratualmente obrigados a simplesmente ceder os respectivos direitos de execução
radiofônica da obra à gravadora. Além de que a qualidade sonora e comodidade do rádio
fizeram com que alguns possíveis consumidores deixassem de comprar discos. Ou seja: abriam-
se tanto perspectivas relativas ao conhecimento geral, quanto explorações pelo menos
moralmente indevidas da obra musical. Razão pela qual várias aconteceram inovações
legislativas relativas aos direitos de transmissão, de retransmissão e de radiodifusão 93. A
questão da suposta queda das vendas de discos, inclusive, lembra as polêmicas advindas com a
música digital.

O surgimento do long player (LP ou disco de vinil) instaurou uma era em que as
gravações tinham uma qualidade sonora muito melhor, bem como capacidade maior de tempo
de gravação, que praticamente decuplicou. O que oportunizou um aumento dos lucros das
gravadoras e consequentemente, da indústria fonográfica. Entre os avanços jurídicos, pode-se
destacar a Convenção de Bruxelas de 1949, que previu a recepção automática dos avanços
tecnológicos atinentes a esfera musical.

Em 1958 foi criado o cartucho 8-track, o qual foi um embrião para as fitas cassetes, que
foram lançadas em 1963 pela Philips. Estas, a priori, eram utilizadas eram utilizadas para a
gravação de conversas, palestras e depoimentos. Mas posteriormente foram utilizadas por
músicos, quando precisavam de uma gravação mais urgente e barata do que em estúdio, sendo
utilizada até por músicos famosos que não queriam perder o registro de suas ideias. Bem com
para a gravação do conteúdo dos vinis. Com a existência dos sons automotivos que só tinham
suporte para a reprodução de fitas cassetes, muitos gravavam seus LPs com a intenção de ouvi-
los no carro. Mas também foi um dos primeiros modos de pirataria musical, com a
comercialização de fitas piratas de LPs, sem o pagamento de direitos autorais. Porém, apesar
de ser um negócio ilegal e de das fitas gravadas serem bem mais baratas que os discos de vinil,
também tinham uma qualidade sonora muito inferior a estes. Em compensação, representaram
um modo de gravação amadora que os músicos podiam tanto apresentar as gravadoras, como
comercializar em pequenos círculos.

Destaque-se que as expressões pirata e pirataria, a despeito de aparentarem ser


contemporâneas, são utilizadas há mais de três séculos em referência a comercialização de

93
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 45-49. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 02 abr. 2016.
43

produtos com desrespeito aos direitos autorais. Em 1709, o colunista britânico Joseph Addison
já tinha utilizado o termo referido quando escreveu para The Tatler: “um bando de desgraçados,
que nós, Autores, chamamos de Piratas, que imprimem em um volume menor qualquer livro,
poema ou sermão assim que vem ao mundo e o vende, como todos os ladrões fazem, a preços
menores”94. O que demonstra que é um problema antigo.

Novos hábitos também foram criados com o advento das “K7s”, como o de
consumidores que criavam suas próprias coletâneas. Foi um dos primeiros casos de conflito
tecnológico entre as gravadoras e o acesso ao público, porque apesar da suposta violação de
direito autoral, o público não sentia que estava fazendo algo ilícito quando passava LPs para
fitas cassetes. Este, inclusive, encontrava salvaguarda no art. 666, VI do Código Civil de 1916,
o qual dispunha que não constituía ofensa ao Direito Autoral: “ A cópia, feita à mão, de uma
obra qualquer, contanto que se não destine à venda”. Ou seja: a ofensa de fato aos direitos
autorais musicais estava apenas na comercialização “pirata” das fitas, mas não na gravação
doméstica destas. Todavia, posteriormente, vários instrumentos normativos buscaram coibir até
a reprodução e gravação realizadas em casa, sem fins comerciais, como a Convenção de 1971
para a Proteção dos Produtores contra Duplicação Não-Autorizada de seus Fonogramas e a
Revisão da Convenção de Berna em 1971, as quais foram internalizadas no direito pátrio,
respectivamente, com os Decretos nº 76.906/75 e nº 75.699/75. Porém, a Lei dos Direitos
Autorais de 1973 autorizou a reprodução em um exemplar, contanto que não tivesse intuito
lucrativo. De forma que acarretou em um conflito de normas, porém, na prática, as fitas cassetes
continuaram a serem reproduzidas, independente do aspecto legal.

Em termos de Direito Comparado é interessante citar que:

Em 1984, a Suprema Corte americana ao julgar uma contrafação pelos vídeos cassetes
decidiu que a tecnologia usada para a pirataria e outras violações dos direitos do autor
não pode ser proibida se o uso substancial não violatório seja legal. Isto quer dizer que
a cópia para o uso particular, sem conotação comercial, não pode ser considerada uma
violação autoral95.

Como uma introdução a análise do impacto tecnológico oriundo da chegada dos CDs,
colacionamos os dizeres do jurista Nehemias Gueiros Junior:

Resultado de profundas pesquisas técnicas e experimentações com a linguagem


digital, ou binária, que transforma qualquer tipo de informação em algarismos
alternados entre zeros e uns, chegou ao mercado em 1983 o disco compacto com

94
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p. 254
95
BRASIL, Angela Bittencourt. O Napster nos caminhos da legalidade. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 5,
n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/686>. Acesso em: 7 abr. 2016.
44

leitura ótica a laser (compact disk ou CD). Representando uma verdadeira revolução
na tecnologia de áudio em todo o mundo, o CD também representou um verdadeiro
breaktrough, na medida em que substituiu, depois de quase um século, a leitura
fonográfica de superfícies, pela leitura ótica. [...] Embora lançado mundialmente em
1983, o CD só chegaria ao mercado regular em todo mundo a partir de 1986, três anos
depois, devido aos altos custos de conversão para produtores fonográficos, e também
ao desdobramento natural por que passa qualquer nova tecnologia, até conquistar o
público em geral96.

O CD permitiu a chegada de um novo nível de qualidade audiofônica, mas além de suas


incomensuráveis benesses, como a facilidade de transporte, a entrada na era de digital, a maior
durabilidade e praticidade oferecida, também majorou algumas das mazelas sentidas pelos
artistas na esfera da indústria fonográfica. Pois, conforme ensinamento de Gueiros Junior:

Como forma de amortizar os gatos de transformação de suas linhas industrias de


produção de LPs de vinil para CDs, as grandes gravadoras e editoras musicais
começaram a idealizar esquemas e alternativas de repassar parte desse marketing de
custos para os artistas e compositores contratados. Uma das formas mais odiosas dessa
política [...] foi montar uma estratégia de remuneração dos artistas, baseando o preço
de atacado (wholesale) do LP de vinil como o valor-base para pagamento de royalties
sobre a venda de CDs. Ora, o CD tem preço maior tanto para o lojista como para o
consumidor final, mas parece bastante simpático para a gravadora receber sua
remuneração correta pelo valor do suporte material fonográfico digital (CD) –
necessariamente mais caro – e pagar aos artistas um valor monetário calculado sobre
o preço do suporte material fonográfico analógico (LP de vinil) – bem mais barato97.

Entre outras cláusulas abusivas comuns aos contratos de gravadoras estão o desconto
industrial o qual incide sobre o pagamento dos royalties, que passam a ser calculados na base
dos 90% (e não 100%) com a justificativa de que há uma quebra grande de discos no processo
de fabricação, porém os discos se tornaram mais resistentes com os avanços tecnológicos e não
existe mais um índice relevante de quebra, mesmo assim tal desconto automático não foi
abolido. Bem como também é aplicado um desconto de capa de até 25%, com o fundamento de
que o custo gráfico de confecção das capas e encarte dos discos é de alto. Desconto que é
aplicado a cada relançamento do produto. Também é usual a cláusula de redução de 50% de
royalties por relançamento ou cedidos para trilhas de filmes e filmes, por exemplo. Os royalties
de estreantes, são limitados em geral entre 6 e 8% sobre 90% das vendas. Enquanto os de
intérpretes consagrados podem chegar até a 18 ou 20% sobre 100%. Já os direitos de autor são
fixados em 8.4% para qualquer artista, grupo ou suporte material, por praxe da indústria
fonográfica brasileira98.

96
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O Direito Autoral no Show Business – Volume I: A música. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Gryphus, 2000. p. 489.
97
Idem, ibidem, p. 494-495.
98
Idem, ibidem. p. 145-220.
45

Na década de 90 foram lançados os CDs regraváveis e o aparelho leitor e gravador. A


princípio, o custo deste era quase o mesmo de um carro popular, porém, a tecnologia se
disseminou e os preços se tornaram acessíveis. Foi o início da pirataria dos CDs e o início para
as mudanças massivas que vemos hoje no mercado fonográfico, assim como na época das fitas
cassetes os usuários faziam uso doméstico, tal tecnologia também permitiu o início da pirataria
do CD99. A LDA de 1998 não faz mais a distinção que a de 1973 quanto a reprodução em um
exemplar, de forma que passou a considerar ilegal a reprodução em um único exemplar,
inclusive em meio eletrônico, mesmo que não tenha fins comerciais. O que é um retrocesso
legislativo, já que torna violador de Direitos Autorais até quem compra legalmente um CD e o
passa para o computador, ao não diferenciar uso doméstico de uso comercial.

Ante o exposto, é notável que o surgimento das tecnologias atinentes a gravação e


reprodução sonora foram responsáveis pelos hábitos culturais, musicais e pela divulgação dos
músicos, cujos horizontes foram ampliados com a divulgação e pagamento de royalties que
foram propiciados. Porém, também é perceptível que aqueles que recebem os maiores lucros
não são os músicos, mas as gravadoras, com exceção, talvez, dos artistas independentes. A
gravadora tem como função principal a de investir e divulgar o artista, pois é muito difícil se
chegar ao estrelato sem gastos publicitários. A seguir, analisaremos os impactos oriundos do
advento da internet, ou seja, de baixar músicas pela internet e, posteriormente, do streaming.

2.2. O IMPACTO DA INTERNET

As tecnologias digitais propiciaram uma revolução quanto aos hábitos musicais da


população mundial. Pode-se dizer que as formas de disseminação das obras protegidas por
direitos autorais musicais na rede mundial de computadores passaram por várias fases, das quais
falaremos futuramente. A priori, apresentaremos a seguinte citação acerca do início da história
e utilização da internet:

A Internet, embora tenha sido criada nos anos 60, explodiu, comercialmente, nos anos
90 e ao longo destes anos vem proporcionando avanços significativos nas áreas de
comércio eletrônico, troca de documentos, isso de correio eletrônico, etc. Até meados
dos anos 70, a Internet era conhecida por poucos e utilizada somente no âmbito militar
e acadêmico, que continuou se utilizando dela de forma restrita até meados dos anos
90, quando foi criada a world wide web, a chamada teia de alcance mundial que
possibilitou a ligação de computadores em rede transmitindo informações para todas

99
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 74. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 12 abr. 2016.
46

as partes do mundo a quem tivesse um computador e um modem conectado a uma


linha telefônica100.

No território da música, os avanços propiciados pela internet se tornaram notáveis com


a disseminação do mp3 e de vários meios que permitiram ouvir música de uma forma que nunca
fora concebida antes.

O mp3 demorou mais de uma década para ser produzido, com o intuito de ser um
arquivo com um 1/12 avos do tamanho original de um arquivo LPCM/wav- que é o arquivo de
música utilizado nos CDs- inicialmente pensado por conta de um pedido de patente para uma
jukebox digital criada por Sieter Seitzer. A qual seria sintonizada a um servidor computacional
centralizado e se usaria o teclado numérico para pedir músicas pelas novas linhas telefônicas
digitais que começavam a ser instaladas na Alemanha. Porém as primeiras linhas telefônicas
digitais eram rudimentares e os fios eram tão estreitos que não comportariam a quantidade de
dados armazenados em um CD. O mp3 foi desenvolvido tomando por base um estudo acerca
da psicoacústica do ouvido humano, desenvolvido por Eberhard Zwicker, que analisou que nem
todos os sons eram captados pelo ouvido humano. Vários testes foram feitos envolvendo as
partes das músicas que poderiam ser retiradas sem que se sentisse falta e depois, foi
desenvolvido um “padrão” de como diminuir o tamanho das músicas, retirando o que não é
captado, com a máxima qualidade possível. O nome mp3 veio de Moving Picture Experts
Group, Audio Layer 3, por ser o terceiro de três métodos de compreensão concorrentes que
sobreviveram a uma disputa endossada pelo comitê de padronização Moving Picture Experts
Group (MPEG)101.

A priori, o mp3 começou a ser utilizado de fato com o intuito de ouvir música entre o
final de 1996 e o início de 1997, pois, no submundo da internet, hackers começaram a vazar
músicas no formato mp3, exatamente por ser um arquivo pequeno, graças a sua alta taxa de
compressão, que ocuparia um espaço menor nos HDs dos computadores e demandaria menos
da velocidade da internet. Destaque-se que na época, o Franhoufer – instituto responsável pela
criação do ap3- havia submetido a tecnologia do AAC (Advanced Audio Coding) para
padronização, como um formato mais evoluído do que o mp3. Mas o fato do referido grupo ter

100
OLIVEIRA, Mauricio Lopes (org.); NIGRI, Deborah Fisch. Cadernos de Direito da Internet: Direito Autoral
e Convergência de mídias vol. II. Rio de Janeiro :Lumen Juris, 2006. p.48.
101
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.12-28.
47

desenvolvido softwares como o L3Enc e o WinPlay para, respectivamente, encodar102 e ouvir


mp3 no PC, facilitou o trabalho dos hackers interessados em tal tipo de pirataria103.

Posteriormente, surgiram versões aperfeiçoadas de tais programas, mas a popularização


do mp3 veio mesmo com o Naspter, um aplicativo de P2P, que permitiu que qualquer um com
acesso à Internet pudesse baixar músicas, independentemente de ter conhecimento técnico ou
não:

Criado o formato MP3, faltava facilitar a busca de arquivos. Nessa intenção, um


jovem norte-americano de 19 anos, chamado Shawn Fanning, em 1998, abandonou a
faculdade de Ciências da Computação da Universidade de Northeastern, em Boston,
para se dedicar a uma idéia brilhante: a criação do Napster, apelido de Shawn Fanning
por causa de seu cabelo desajeitado (nappy, em inglês, significa amarrotado). O
Programa P2P (peer-to-peer), que significa ponto a ponto, inaugurou uma nova
maneira de troca de arquivos – entre os próprios usuários -, viabilizando uma
computação descentralizada, diretamente entre pares. O troca-troca ganhou,
rapidamente, gigantescas proporções104.

Sobre o funcionamento da tecnologia peer-to-peer, colacionamos a seguinte citação:

A tecnologia peer-to-peer ou PSP possibilita a conexão direta entre dois


computadores conectados à Internet. Tendo em vista que a Internet é uma grande rede
em que milhares de computadores estão interligados, esse programa permite que o
usuário se conecte a milhares de pessoas como um simples clique e troque com elas
conteúdo intelectual protegido, como arquivos de músicas e filmes 105.

Um detalhe interessante, é que, ao contrário do senso comum, no início da popularização


do Napster, este ajudou a aumentar as vendas de CDs:

Mesmo com a pirataria digital saindo dos dormitórios universitários para conquistar
o público como um todo, o ano 2000 foi um ano excepcional para a indústria. Os
consumidores compraram mais música naquele ano do nos anteriores ou posteriores
[...]. Alguns observadores da indústria começaram a se perguntar se a pirataria musical
era mesmo uma ameaça para a indústria. Alguns chegaram até mesmo a considerar a
possibilidade de que o fenômeno pudesse aumentar as vendas.
A ideia era absurda. Se um produto podia ser obtido de graça e ser reproduzido em
quantas cópias se desejasse sem perda de qualidade, por que alguém pagaria por um
segundo exemplar de algo que já tinha de graça? A compulsão moral pela
compensação do artista com certeza não seria o suficiente. Não obstante, a explosão
do sucesso Napster coincidiu com os dois melhores anos que a indústria fonográfica
já viu, e até Morris106 mais tarde admitiria que por algum tempo o compartilhamento
de arquivos mp3 piratas pelo Napster alimentou o boom do CD. Como explicar isso?
É simples: sem uma quantidade significativa de players de música portáteis, os mp3
ainda eram produtos inferiores. Não era possível levá-los para todos os lugares. Você

102
No caso, transformar arquivos wav em mp3.
103
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.82-83.
104
MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas tecnologias. In: Brasil,
Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais; v.1. p. 237-353. p.309
105
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p.115.
106
Doug Morris, executivo musical, atual CEO da Sony Music Entertainment. Também já foi CEO da Universal
Music Group, bem como, já exerceu tal função em outras gravadoras.
48

não podia ouvi-los no carro, praticando exercícios ou no avião. Não podia tocá-los em
uma festa sem levar um computador de quatro quilos e meio com você. É claro que
podia gravá-los em um CD – aliás, centenas deles. Mas muitos CD players não
tocavam arquivos mp3,e mesmo com os que tocavam, navegar por um menu com
centenas de arquivos em um CD era um processo lento. Então, sim, a pirataria de
arquivos mp3 estimulou as vendas de CDs... por um período107.

Ou seja, quando a população apenas tinha acesso às músicas, mas não tinha um meio de
reproduzi-las fora do computador, a disseminação dos downloads, mesmo ilegais, serviu apenas
como um meio de divulgação. Mesmo já havendo um mercado representativo de CDs piratas,
que não oferecia a mesma praticidade e tinha, obviamente, custos maiores que os downloads
gratuitos. Pela primeira vez havia um meio de divulgação musical livre das imposições
mercadológicas, já que tanto os artistas consagrados, quanto os iniciantes, poderiam ter suas
músicas baixadas independente da necessidade de uma gravadora. Apesar de que, obviamente,
os “hits do momento” eram muito mais facilmente encontrados e muitos mais baixados do que
as músicas indies108. Mesmo assim, já era um prenúncio do que viria seguir.

O primeiro grande debate judicial em torno do áudio digital tem lugar já em outubro
de 1998, quando a RIAA acionou judicialmente a empresa Diamond Multimedia
(posteriormente denominada SonicBlue) proprietária do aparelho Rio. Este
equipamento, uma espécie de walkman para MP3, deflagrou a relação sempre
conflituosa entre gravadoras e empresas proprietárias de aparelhos tocadores de MP3
e dos atuais sistemas P2P. A RIAA entendia o Rio enquanto um sistema capaz de
reproduzir — indistintamente — músicas protegidas, fonogramas de propriedade das
gravadoras. Um acordo em agosto de 1999 selou a manutenção da comercialização
do equipamento, embora a demonstração de vulnerabilidade das gravadoras fosse
clara109.

As grandes gravadoras (Seagram, Universal, Sony Music, Time Warner, EMI, BMG),
por meio da A RIAA - Recording Industry Association of America110, depois de várias rodadas
de recursos, obtiveram uma vitória contra o Napster e as redes peer-to-peer tornaram-se ilegais.
Acerca deste processo contra o Napster, podemos destacar as principais alegações de ambas as
partes:

O argumento principal usado pelo advogado no Napster, é de que a empresa não pode
ser acusada de contribuir com a violação dos direitos autorais porque os usuários não
realizam com o Napster uma atividade de trocas comerciais. Alegou também que se a
ordem judicial for no sentido de impedir a utilização do sistema seria uma injustiça
contra os internautas que apenas trocam arquivos de música que não estão registrados.

107
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.113-114.
108
Termo usualmente utilizado para designar as músicas de artistas independentes, que não têm contratos com
majors (grandes gravadoras).
109
BANDEIRA, Messias G. Construindo a Audiosfera: as tecnologias da informação e da comunicação e a nova
arquitetura da cadeia de produção musical. 2012. Tese. (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal da
Bahia, Salvador. p.188. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6059>. Acesso em 6 abr. 2016.
110
Associação da Indústria Fonográfica da América (tradução nossa)
49

Em contrapartida, o representante da indústria fonográfica ataca dizendo que o


Napster foi criado como um sistema cujo fim específico é o de piratear os arquivos
musicais e que antes de ser um forum(sic) para um grupo determinado de pessoas,
mostra-se como um distribuidor profissional de músicas cujos direitos do autor não
são respeitados111.

Porém, foi permitida a comercialização de aparelhos reprodutores de mp3, que eram o


que faltava para que as músicas baixadas ilegalmente pudessem ser ouvidas em qualquer lugar.
Especialmente a partir da comercialização do IPod as vendas de CDs caíram. O que significa
que “a indústria fonográfica vencera o processo errado”112, até porque não foi possível parar o
processo da disseminação de outros programas peer-to-peer, como o Kazaa, e de outras formas
de disponibilização de músicas a partir de downloads ilegais, como programas de torrents113,
como o BitTorrent, sites especializados nesta prática, como o Oink’s Pink Palace114 e mesmo
algumas comunidades do Orkut115 e assim por diante. Após a vitória da indústria no processo
contra o Naspter, outras entidades se envolveram na cruzada jurídica que foi internacionalizada.

Esse tipo de processo, entretanto perdeu fôlego quando os sistemas de


compartilhamento de arquivo foram deslocados; antes presentes nos grandes centros
tecnológicos, e por isso mesmo facilmente identificáveis, tais sistemas de
compartilhamento tiveram sua infraestrutura técnica pulverizada na vasta comunidade
de usuários de software livre. Antes mesmo da decisão definitiva sobre o caso Napster
ser apresentada a justiça norte-americana, boa parte dos usuários já havia migrado
para o programa AudioGalaxy, que depois seria seguido por Gnutela, Kazaa, Emule,
Soulseek, Bit Torrent e outros. A sofisticação cada vez maior dos serviços de
compartilhamento peer-to-peer dificultou a ação da justiça em tirar a tecnologia do
ar, e hoje os trackers – como são chamados os programas que capturam arquivos de
outros computadores – são amplamente disseminados entre usuários de internet que
baixam e disponibilizam conteúdo na rede.
Sem sucesso na intervenção tecnológica por meio de ação judicial, os empreendedores
morais da cultura tomaram uma arriscada decisão: passariam a focar suas investidas
judiciais em usuários dos sistemas de compartilhamento 116.

111
BRASIL, Angela Bittencourt. O Napster nos caminhos da legalidade. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 5,
n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/686>. Acesso em: 7 abr. 2016.
112
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.114.
113
Torrent é uma extensão de arquivos utilizados por um protocolo de transferência peer-to-peer no qual os
arquivos transferidos são divididos em partes e cada usuário detentor de determinado arquivo ajuda a fazer o
upload a outros usuários, reduzindo consideravelmente o consumo de banda do distribuidor original do arquivo,
não sendo necessário o armazenamento em um servidor.
114
Site de hospedagem de torrents que chegou a ter uma biblioteca quatro vezes maior do que a do iTunes Store
(loja de música virtual da Apple). Foi notável até porque como o site exigia que para poder baixar música também
tinha que upar alguma música de seu acervo pessoal, tendo que manter uma certa taxa de upload/download e para
manter o funcionamento do site, alguns oinkers (utilizadores do site) chegaram até a fazer doações. O site foi
fechado e o fundador, Alan Ellis, foi a primeira pessoa na Inglaterra a ser processada por compartilhamento ilegal
de arquivos, em 2007. Em 2010 ele foi considerado inocente das acusações de conspiração. Mais informações
podem ser encontradas em Music file-sharer 'Oink' cleared of fraud. BBC UNITED KINGDOM. Disponível em:
<http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/england/tees/8461879.stm>. Acesso em 8 abr. 2016.
115
Um exemplo foi uma comunidade chamada “Discografia”, na qual os usuários baixavam e disponibilizavam os
links para o download de diversos álbuns.
116
BEZERRA, Arthur Coelho. Cultura Ilegal: as fronteiras morais da pirataria. 1 ed. Rio de Janeiro: Mauad X:
Faperj, 2014. p. 139-140.
50

Destaque-se que 48 horas após o fechamento do Oink, surgiram dois novos sites de
mesmo perfil: Waffles.fm e What.cd, ambos de antigos administradores do Oink. Tanto estes
como o Pirate Bay acabaram por registrar seus domínios em países “distantes”, com o intuito
de dificultar a aplicação lei norte-americana, como os Estados Federais da Micronésia e a
República Federal do Congo. O Pirate Bay, inclusive, é famoso pela sua jornada “nômade”,
pois toda vez que a lei de direitos autorais do país em que está hospedado o fecha, ele é
hospedado em outro país. Esses são meros exemplos acerca das formas possíveis de conseguir
baixar os downloads ilegais, com o intuito de demonstrar a dificuldade de simplesmente tentar
reprimir tal prática com investigações e processos judiciais. Acerca das tentativas de coibição
de downloads ilegais a partir de ações movidas contra usuários domésticos, podemos citar o
Projeto Hubcap:

No fim de 2007, as vendas dos CDs haviam sofrido uma queda de 50% desde seu
auge, e isso com descontos agressivos nos preços. As vendas digitais de arquivos mp3
legais nem começavam a compensar a diferença. [...] Enquanto isso, o Projeto Hubcap
estava prestes a ser suspenso. Os processos educativos da RIAA contra o público que
compartilhava arquivos não tiveram nenhum efeito perceptível, apesar de eles terem
ganhado todos os casos. A grande maioria dos acusados havia feito acordo. Um
pequeno número de casos tinha sido abandonado, e apenas um – em quase dezessete
mil – acabara em julgamento com júri. No dia 24 de outubro de 2007, Jammie Thomas
de Brainerd, Minnesota, fora considerada culpada por violação dos direitos autorais
de 24 músicas que baixara no Kazaa. O júri decidiu que ela devia à indústria
fonográfica 9.250 dólares por música – um total de 222 mil dólares. (Thomas apelou
da decisão.)
Para os advogados da universal, a decisão serviu para comprovar a estratégia da
RIAA[...] Era possível processar usuários dos serviços de compartilhamento de
arquivos e vencer. O caso de Thomas foi um marco.
Porém, do ponto de vista financeiro, a vitória da RIAA foi uma farsa. Thomas, mãe
solteira de dois filhos que vivia em um pequeno apartamento alugado e mobiliado e
trabalhava em uma reserva indígena ojíbua, iria à falência com o julgamento. Não
importava qual fosse o resultado dos apelos, era amplamente aceito que a RIAA só
receberia uma pequena fração dos danos. Também se admitia, inclusive entre os
advogados da RIAA, que Thomas não tinha conhecimento técnicos avançados,
limitando-se a um entendimento básico da tecnologia de compartilhamento de
arquivos peer-to-peer, tampouco conexões com quaisquer membros de alto nível da
Scene117 ou dos sites de compartilhamento de torrentes, os verdadeiros responsáveis
pela pirataria musical. Ela só foi a mártir usada como exemplo pela indústria
fonográfica.
O contraste era mais absurdo se Thomas e um pirata de verdade fossem comparados.
Um mês antes da decisão de seu julgamento, após anos de trabalho duro, o FBI
finalmente havia pego o infiltrado da Scene: Bennie Lydell Glover, Ali estava um
gerente da linha de embalagem que por iniciativa própria vazara quase dois mil álbuns
no período de oito anos [...]. Glover declarava-se culpado e agora se oferecia para
testemunhar contra os outros envolvidos na conspiração, mas a RIAA nunca pediria
indenizações.
Os problemas continuaram: começaram a aparecer servidores que trilhavam uma linha
tênue entre legalidade e criminalidade, como o Megaupload118; o compartilhamento

117
Grupo de hackers que se organizavam para vazar álbuns, preferencialmente antes destes serem lançados.
118
Site no qual se podia upar e baixar conteúdo, as vezes era utilizado simplesmente porque era um meio de colocar
determinado conteúdo na internet (algumas pessoas o usavam para upar arquivos acadêmicos, por exemplo), outras
vezes, era utilizado com o intuito de disponibilizar arquivos, de forma ilegal, com direitos autorais protegidos.
51

de arquivos peer-to-peer agora acontecia nos sites de torrentes; grupos de vazamento


rivais surgiram para ocupar o lugar do RNS. A guerra contra pirataria parecia a guerra
contra as drogas: cara e sem grandes chances de vitória, mesmo tendo condenados em
processos criminais119. (grifos nossos).

Ou seja, as tentativas de punir individualmente uma série de utilizadores que baixaram


música ilegalmente da internet foram infrutíferas, sendo os punidos meros bodes expiatórios.
Tais processos abertos por amostragem contra usuários domésticos que tinham uma influência
quase nula em uma conjuntura geral não conseguiram ter a capacidade de inibir o download
ilegal, nem de ter alguma relevância no combate à pirataria, mesmo porque os downloads ilegais
se popularizaram de tal forma que era impossível processar todo mundo ou mesmo um
contingente considerável dos usuários de P2Ps120. Com o intuito de propiciar uma melhor
análise do impacto do compartilhamento de artigos na indústria fonográfica, colacionamos a
seguinte citação:

Um copyright mais fraco é inequivocamente desejável se não diminuir os incentivos


de artistas e empresas de entretenimento para produzir novos trabalhos. Para apreciar
o impacto do compartilhamento de arquivos, nós primeiramente necessitamos saber
se a tecnologia em fato reduziu a rentabilidade de criação, marketing e distribuição de
novos trabalhos. É claro que nós sabemos que milhões de consumidores compartilham
bilhões de arquivos sem compensar os artistas ou as empresas de entretenimento. Mas
o fato do compartilhamento ser popular nos conta pouca acerca do impacto da
tecnologia nos lucros da indústria. Por um preço próximo de zero, muitos
consumidores irão fazer o download de música e filmes que eles não comprariam
pelos preços de mercado. Essa questão é provavelmente importante. Em uma amostra
de 5.600 consumidores que estavam dispostas a compartilhar suas estatísticas de
audições de Ipod. O usuário médio tinha uma coleção de mais de 3.500 canções, de
acordo com um estudo escrito por Lamere em 2006. Um total de 64% destas músicas
nunca havia sido tocadas, o que torna improvável que esses consumidores pagariam
mais por uma boa parte das músicas que eles possuíam. Enquanto é difícil dizer o
quão representativa essa amostra é, não há dúvidas que grupos de comércio como The
Business Software Alliance vastamente exageram o impacto do compartilhamento de
arquivos nos lucros da indústria quando eles tratam cada cópia pirateada como uma
venda perdida. A demanda pelos títulos não é completamente flexível 121(grifos
nossos).

Ou seja, o acesso propiciado a uma infinidade de músicas foi um fenômeno tão recente
que precisou de algum tempo para se ter uma real compreensão de seu impacto. Apesar de a
indústria normalmente considerar cada álbum baixado como um CD que não se vendia, como
o estudo demonstrou, na realidade as pessoas muitas vezes baixavam artistas que nem gostavam

119
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.205-206.
120
Apenas como referência, o Napster demorou apenas um ano e meio para atingir 50 milhões de pessoas. Para
mais informações, veja-se MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas
tecnologias. In: Brasil, Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais;
v.1. p.237-353. p.309
121
OBERHOLZER-GEE, F. STRUMPF, K. File-sharing and copyright. In: LERNER, J. STERN, S. (editors).
Innovation policy and the economy. Tradução nossa. Chicago: University of Chicago Press, 2010, 10 v. p. 4.
Disponível em: <http://www.nber.org/chapters/c11764.pdf>. Acesso em 9 abr. 2016.
52

tanto e músicas “só por curiosidade”, com as quais provavelmente não chegariam a gastar
dinheiro algum para comprar um CD. Ademais, também há a necessidade de considerar outros
aspectos da indústria fonográfica:

Analisando as tendências nas vendas de CDs, por exemplo, eles concluem que a
pirataria realizou estragos no show business. Essa visão confunde criação de valor e
captura de valor. As gravadoras podem achar mais difícil lucrar com a venda de CDs,
mas a indústria está em uma posição melhor. Na realidade, é fácil argumentar que o
negócio cresceu consideravelmente. [...] O declínio nas vendas de música – que
caíram 15% de 1997 a 2007- é o foco de muita discussão. Contudo, acrescentando os
concertos sozinhos mostra que a indústria cresceu 5% nesse período. Se também
considerarmos as vendas de IPods como um fluxo de receitas, a indústria agora é 66%
maior do que em 1997. Obviamente, esses números não são mais que um bruto cálculo
de evidências. Uma investigação mais séria levaria em considerações diferenças na
rentabilidade através da música e das vendas de shows como também no gasto
decrescente em outras categorias (CD players, caixas de som,etc.) A questão do
gráfico, contudo, permanece: mudanças tecnológicas frequentemente levarão a
mudanças nos preços relativos e modificação nas oportunidades do negócio. Focar
exclusivamente nas correntes tradicionais das receitas para se chegar em um senso de
como as novas tecnologias mudam a “zona de conforto estabelecida” irá tipicamente
ser enganador122. (grifos nossos).

De certo modo é possível comparar o impacto da internet com o da radiodifusão, no


sentido de que ambas permitem uma ampla divulgação gratuita, mesmo sem necessariamente
pagar os royalties.

Ademais, distingue-se dois efeitos separados: o efeito de substituição, onde os


downloads gratuitos substituem a compra de álbuns por parte de alguns consumidores, e o efeito
de penetração, onde o aumento da exposição acarretada pelo compartilhamento de arquivos
leva ao aumento de vendas do trabalho de artistas. O efeito de substituição acontece mais
fortemente com artistas consagrados, os mais prejudicados pelos downloads ilegais, enquanto
o efeito de penetração acontece de forma mais intensa com artistas desconhecidos 123. Ou seja,
é inegável que a divulgação permitida pela internet acabou sendo benéfica para vários artistas,
como Lily Allen, Mallu Magalhães e Artic Monkeys.

O MySpace, por exemplo, foi um site de divulgação de músicos conhecidos e


desconhecidos, no qual algumas músicas eram disponibilizadas pelos próprios artistas para
serem ouvidas por quem visitasse o perfil destes, em um modelo que se assemelhava a uma

122
OBERHOLZER-GEE, F. STRUMPF, K. File-sharing and copyright. In: LERNER, J. STERN, S. (editors).
Innovation policy and the economy. Tradução nossa. Chicago: University of Chicago Press, 2010, 10 v. p. 46.
Disponível em: <http://www.nber.org/chapters/c11764.pdf>. Acesso em 9 abr. 2016.
123
FRENZ, Marion. ANDERSEN, Birgitte. The impact of music downloads and P2P file sharing on the purchase
of music: a study for industry Canada. In: International Conference: DIME – Creative Industries Observatory,
2008, Birkbeck. Paper. Birkbeck: University of London, 2008. p. 13. Disponível em: <http://www.dime-
eu.org/files/active/0/AndersenFrenzPAPER.pdf>. Acesso em 9 abr. 2016.
53

rádio online. A justiça considerou que o serviço, denominado de webcasting124, não configura
uma execução pública, de forma que não deve pagamento de direitos autorais ao ECAD 125.O
site propiciou algumas carreiras de sucesso, tendo sido bastante influente até 2008 e o modelo
dele é até hoje “copiado em partes” por aplicativos como o Palco MP3 e sites como o
Soundcloud. A partir de 2009 começou seu declínio até em razão de novos hábitos criados pelo
próprio desenvolvimento tecnológico, que acabaram popularizando outras plataformas. A
própria história das redes sociais sugere que a popularidade destas são passageiras: o site que é
reconhecido como o berço de comunidades on-line, The Well, deu lugar à America Online que
era mais amplamente disponível, que foi ofuscado pelo Friendster - que se tornou passado126.

Relativamente ao aspecto jurídico atinente a proteção ao que foi disponibilizado na rede,


pode-se dizer que:

Antes de mais nada, deve ser ressaltado que todas as obras intelectuais de autoria, tais
como as graficamente impressas, vídeos, filmes cinematográficos, fotografias,
programas de TV, obras de artes plásticas, gravações sonoras (música, intérpretes,
produtores fonográficos) e outras, quando digitalizadas – isto é, transformadas em bits
– continuam a ser protegidas. E isso apesar de passarem a ser lidas por computadores,
já que o importante é saber se essas obras são originais (não são cópias de outras
obras); se estão fixadas (num suporte físico de qualquer meio de expressão); e se
apresentam características de criatividade (não sejam apenas descrições de fatos
comuns ou de domínio público)127.

124
Webcast: é a transmissão de áudio e vídeo utilizando a tecnologia streaming media. Pode ser utilizada por meio
da internet ou redes corporativas ou intranet para distribuição deste tipo de conteúdo. WACHOWICZ, Marcos;
VIRTUOSO, Bibiana Biscaia. Streaming: a nova era da música e da gestão coletiva de direitos autorais. In:
Boletim do Gedai. Edição II - Ano IX. Disponível em: < http://www.gedai.com.br/?q=pt-br/boletins/boletim-
gedai-junho-2015/streaming-nova-era-da-música-e-da-gestão-coletiva-de-direitos#_ftn8>. Acesso em 11 abr.
2016.
125
DIREITOS AUTORAIS. ECAD. OBRAS DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA. TRANSMISSÃO DE
CONTEÚDO PELA INTERNET (STREAMING) NA MODALIDADE WEBCASTING. HIPÓTESE DE
REPRODUÇÃO INDIVIDUAL. EXECUÇÃO PÚBLICA NÃO CARACTERIZADA. CONCEITO DE LOCAL
DE FREQUÊNCIA COLETIVA QUE DEVE SER INTERPRETADO SISTEMATICAMENTE (ARTIGO 68,
§2º E §3º DA LEI FEDERAL 9610). AUSÊNCIA DE ATRIBUIÇÕES DAQUELA ENTIDADE PARA
COBRANÇA, IN CASU, DOS DIREITOS AUTORAIS. INCIDÊNCIA DO ART. 99, CAPUT, DA LDA.
SENTENÇA REFORMADA. SUCUMBÊNCIA INVERTIDA. APELAÇÃO DO PROVEDOR DE INTERNET
PROCEDENTE. PREJUDICADO O RECURSO DO ECAD.[...] É possível concluir que a prática de transmitir
música por meio da Internet (streaming), através do sistema de webcasting não configura uma performance pública
do conteúdo, na medida em que a transmissão é cedida individualmente ao usuário [...]Conclui-se que não cabe ao
ECAD fiscalizar e cobrar os direitos autorais pretendidos nesta demanda, uma vez que eles decorrem da
distribuição individualizada de fonograma. Tal atuação caberá, apenas, aos artistas ou gravadoras[...]. RIO DE
JANEIRO, Tribunal de Justiça (Décima Câmera Cível). Apelação Cível nº 0386089-33.2009.8.19.000. Apelantes:
1. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD 2. Fox Interactive Media Brasil Internet LTDA –
MySpace. Apelados: os mesmos. Relator: Desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto, Rio de Janeiro, 04 de
feveireiro de 2015. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/3/art20150305-05.pdf>. Acesso
em 11 abr. 2016.
126
CHMIELEWSKI, Dawn C.; SARNO,David. How MySpace fell off the pace. Los Angeles Times. Disponível
em: <http://articles.latimes.com/2009/jun/17/business/fi-ct-myspace17>. Acesso em 10 abr. 2016.
127
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e
atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 178
54

Acerca do armazenamento de downloads ilegais, no que diz respeito ao âmbito legal, se


alguém armazena de forma permanente no seu computador material protegido pelo direito
autoral, uma nova cópia é feita, necessitando, portanto, de uma autorização expressa do
respectivo titular. Alguns tribunais norte-americanos vêm considerando a cópia RAM de uma
obra, por exemplo, uma obra protegida por copyright128. Todavia, é uma norma cuja eficácia
foge a da realidade, assunto que será melhor abordado mais tarde, no terceiro capítulo.

Consoante o art. 5, VI, da Lei dos Direitos Autorais, considera-se "reprodução - a cópia
de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma,
de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por
meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido”. O que
torna ilegal até alguns tipos de usos domésticos, como uma “passar” o conteúdo de um CD
original para um IPod, por exemplo.

Porém há controvérsias acerca sobre o que é considerado “reprodução” ou não no


território da Internet, essa discussão é importante pois influi na forma como os direitos autorais
musicais são cobrados e demonstra as dificuldades jurídicas de adequação às novas tecnologias
até no que se refere a aplicação dos conceitos mais “básicos”, de forma que é importante citar
os ensinamentos do jurista José de Oliveira Ascenção:

De todo o modo, o que dissemos ilustra bem as dificuldades que resultam da


qualificação da faculdade atribuída ao autor, em relação à colocação das obras em
rede, como um direito de reprodução.
Ao que supomos, estas dificuldades eram perfeitamente evitáveis. Uma vez que a lei
brasileira consagra expressamente o direito de colocar a obra (em rede) à disposição
do público, o direito de reprodução poderia hoje retomar o seu significado originário.
A reprodução pressupõe a criação de cópias. “Reproduções” meramente técnicas e
invisíveis ao olhar humano, como a reprodução na memória do computador, estariam
fora do conceito.
Isto significa que a navegação na Internet (o que se chama browsing) seria por
natureza livre. As reproduções técnicas que se façam na memória do computador não
são reproduções no sentido do direito de autor. Não seria pois lícito restringir de
qualquer modo a liberdade dos utentes, em nome do Direito Autoral. [...] Isto não quer
dizer que as grandes auto-estradas da comunicação não possam trazer verdadeiros
problemas de reprodução.
É possível hoje, através de dispositivos adequados, a “distribuição eletrônica”. Um
CD, por exemplo, em perfeitas condições, através de transmissão eletrônica. A criação
do exemplar representa uma verdadeira reprodução.
Mas parece que então se aplicam as regras da reprodução, sem haver grandes
especialidades a anotar, para além do consistente em não haver produção prévia de
exemplares.
Porque há uma verdadeira reprodução, já também verdadeira distribuição, que
pressupõe a materialidade do exemplar. E assim, não há motivo nenhum para
considerar esta distribuição subtraída ao esgotamento. O direito de distribuição

128
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital – 5 ed. Revista e
atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2007. p.180
55

esgota-se quando os exemplares são oferecidos ao público, embora por via eletrônica
apenas129.

No mesmo sentido também entende o jurista Nehemias Gueiros Júnior, que também
defende que o download seria um tipo de distribuição:

Aqui cabe uma reflexão mais profunda, de forma que se possa compreender melhor a
extensão da legislação autoral existente em relação à nova tecnologia. O download é,
na realidade, uma mera distribuição de obras intelectuais, pois não configura uma
performance pública do conteúdo, limitando-se às reproduções feitas nas máquinas
ou aparelhos telefônicos dos usuários. Esta distribuição é feita eletronicamente,
através da difusão de sons ou de sons e imagens e pode ser subsumida pelos incisos
II, IV V e VI do artigo 5º da lei autoral brasileira em vigor (lei 9.610/98 ou LDA).
Entretanto, o dispositivo que melhor define a natureza dos downloads, é, sem dúvida,
o inciso IV – distribuição: “a colocação à disposição do público, do original ou cópia
de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e
fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de
propriedade ou posse”.
Execução pública significa transmitir ou comunicar uma obra ao público, através de
qualquer meio ou processo, quer os integrantes desse público recebam essa obra no
mesmo lugar ou em locais separados, ao mesmo tempo ou em tempos diferentes.
Alegar que outras pessoas possam estar próximas do computador ou à volta do
aparelho telefônico para enquadrar o download como execução pública é, no mínimo,
pueril.
Se assim fosse, o simples ato de audição de CDs e DVDs implicaria numa execução
pública, pois sempre há mais de uma pessoa próxima do aparelho reprodutor. Se a
mera distribuição de conteúdo for considerada uma execução pública, qual seria a
diferença entre a baixa do arquivo digital e o envio de um CD embalado, do
revendedor para o consumidor? Isto seria o mesmo que considerar que uma execução
pública ocorre mesmo em ambientes restritos, como o recesso doméstico.
A indústria musical, de telefonia celular e de videogames compartilha um raciocínio
muito simples com relação a essa discussão: para poder ser enquadrada como
execução pública, a baixa de arquivos da Internet precisa ser efetivamente percebida
por ouvidos e olhos humanos em locais de freqüência coletiva. Se houver a audição
ou visualização de qualquer conteúdo musical ou audiovisual em um logradouro
público, então não resta dúvida de que se trata de uma execução pública, mas
baixamos os arquivos na intimidade dos nossos lares, em nossos telefones móveis ou
nas dependências de escritórios comerciais.
A RIAA (Recording Industry Association of America), entidade que reúne as
gravadoras americanas, apóia os serviços digitais de provisão de conteúdo, que não
consideram os downloads uma execução, mas sim uma entrega (delivery) do arquivo
de conteúdo, portanto, uma distribuição 130.

Destarte, antes de nos aprofundarmos mais em tal discussão é necessário citar que a
própria evolução tecnológica, ao que tudo indica, está no caminho de suplantar a era dos
downloads ilegais e contar mais um pouco da história recente sobre os meios de se ouvir música
na Internet.

129
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito da Internet e da sociedade da informação: estudos. Rio de Janeiro:
Forense, 2002. p. 105-106.
130
GUEIROS JUNIOR, Nehemias. Download digital não pode ser considerado execução pública. Consultor
Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007-ago-
01/baixar_musica_internet_nao_execucao_publica#author>. Acesso em 11 abr. 2016.
56

Após uma entrevista desastrosa ao jornalista Seth Mnookin para a revista Wired, a
inefetividade da cruzada jurídica, dos fracassos de investimentos on-line como o Pressplay e
da queda dos lucros da Universal, empresa da qual era CEO e executivo musical, Doug Morris
percebeu que tinha que encontrar uma nova forma de se adaptar aos progressos da tecnologia.
Decidiu então fazer uma visita a seu neto adolescente e pediu ao garoto que lhe mostrasse como
ele obtinha as músicas. O menino explicou que não pirateava nada, mas também não comprava
CDs, nem músicas digitais avulsas: ele, basicamente, assistia vídeos de músicas no YouTube do
computador do quarto. Morris percebeu que ao lado de tais vídeos havia uma série de anúncios
comerciais, o que significa que alguém estava lucrando em cima de vídeos financiados por sua
gravadora e ele não estava recebendo nenhum retorno patrimonial. O CEO então fez tais vídeos
deixarem de ser “promocionais” e obrigou os sites mais importantes de hospedagem de vídeos
a darem uma porcentagem dos lucros obtidos com propaganda. Assim, nascia o Vevo, um
serviço multinacional de hospedagem de vídeos, fundado em dezembro de 2009, em um modelo
que veio a ser copiado por várias outras gravadoras, com a qual os clipes chegaram até, em
alguns casos, a render mais do que os CDs que deveriam promover131.

Tal exemplo é um marco: mostrou como é possível se lucrar com respeito ao acesso à
cultura, pois assistir vídeos no YouTube continua de graça, há respeito aos direitos autorais
patrimoniais dos músicos e demonstra ser uma forma nova com total adaptabilidade a revolução
tecnológica. Também prenuncia uma mudança de hábitos: uma pesquisa da Nielsen aponta que
64% dos adolescentes ouvem música através do YouTube, enquanto 51% baixaram alguma
música132. Antes o download de músicas era o meio de ter acesso a música mais utilizado no
ambiente digital, pois a Internet da maioria das pessoas era relativamente lenta. Há alguns anos,
por exemplo, a maioria dos vídeos do YouTube tinha que ser pausado até que fosse baixado
completamente, se o usuário quisesse assistir um vídeo sem interrupções.

Mas com uma banda larga melhor e mais acessível, assistir um clipe de música sem
interrupções de forma imediata passou a ser possível, o que também tornou possível aplicativos
de streaming (fluxo de mídia) de músicas como Spotify e Google Play, nos quais a música é
baixada e ouvida de imediato. Com a facilidade de acesso a obras musicais, até a venda de CDs
piratas diminuiu, consoante pesquisa “Radiografia do Consumo” da Federação do Comércio do

131
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p.207-212.
132
MORE TEENS LISTEN TO MUSIC THROUGH YOUTUBE THAN ANY OTHER SOURCE. Nielsen.
Disponível em: < http://www.nielsen.com/us/en/press-room/2012/music-discovery-still-dominated-by-radio--
says-nielsen-music-360.html>. Acesso em 10 abr. 2016.
57

Estado do Rio de Janeiro (FECOMÉRCIO/RJ), cujo resultado demonstrou que o percentual de


brasileiros compradores de CDs piratas diminuiu de 86% em 2006 para 79% em 2010133. Esse
percentual hoje deve estar ainda menor.

A tecnologia streaming nasce como opção para a indústria da música sanar o antigo
problema da pirataria de obras musicais – reprodução não autorizada (cópia) -, e
reaver seu espaço no mercado da música.
Em parceria com os players de streaming, que vieram a se consolidar no mercado,
facilitou-se o acesso às obras musicais, sem a necessidade do download das mesmas,
logrando-se êxito em garantir a segurança das obras musicais contra a pirataria, ao
mesmo tempo em que desenvolveu inovador modelo de negócio, transformando a
música de um produto – passível de cópia – em um serviço – acessível,
monetariamente, que não ocupa espaço em disco e pode ser cancelado a qualquer
momento134.

Ou seja, o próprio desenvolvimento tecnológico da Internet está encontrando novos


itinerários. O streaming tem seus problemas, que serão abordados no terceiro capítulo, mas
mostrou um lado bom do avanço da Internet: mesmo uma geração que está acostumada a não
mais gastar com música, pode aceitar pagar por uma assinatura mensal para ter acesso a todo
um catálogo musical, E, provavelmente, não é nem tanto por uma questão moral, mas pela
praticidade que os streamings acabam acarretando, pois não ocupam espaço de armazenamento
e em poucos segundos se pode encontrar quase qualquer música, sem os riscos de vírus que as
vezes os sistemas de compartilhamento submetiam os seus usuários. No que concerne as
diferenças entre webcasting e simulcasting:

O webcasting e simulcasting são modalidades de streaming, que dispensa a


necessidade de armazenamento de dados. O simulcasting é a transmissão de programa
musical, que pode ser ouvida pelo consumidor, em tempo real, simultaneamente, tanto
pela rádio convencional quanto pela internet, de forma gratuita e livre. O webcasting
é o programa musical oferecido na modalidade on demand, mas com interatividade
reduzida, e só se inicia no momento da conexão por cada internauta 135.

Acerca do serviço de streaming como direito de execução pública, o professor Manoel


J. Pereira dos Santos trata o tema desta forma:

Há aqui uma distinção relevante: tanto na radiodifusão quanto nas demais


modalidades de comunicação pública contempladas no artigo 68 da Lei nº
9.610/1998, a obra ou fonograma são colocados à disposição do público sem que estes
tenham a possibilidade de (a) escolher o conteúdo a ser disponibilizado e (b) recebê-
lo em um tempo e em local previamente determinados.

133
FECOMERCIO/RJ. O Consumo de Produtos Piratas no Brasil. Rio de Janeiro. 30 de novembro de 2010.
Disponível em: <http://www.fecomercio-rj.org.br/publique/media/estudo.pdf >. Acesso em: 11 abr. 2016.
134
ESTEVES, Maurício Brum. Streaming e a Cobrança de Direitos Autorais em Ambientes Digitais. Estado de
Direito. Disponível em: < http://estadodedireito.com.br/streaming-e-cobranca-de-direitos-autorais-em-ambientes-
digitais/>. Acesso em 10 abr. 2016.
135
STJ deve retomar discussão sobre cobrança de direito autoral por transmissão de música na internet. JusBrasil.
Disponível em: < http://jornal-ordem-rs.jusbrasil.com.br/noticias/312018864/stj-deve-retomar-discussao-sobre-
cobranca-de-direito-autoral-por-transmissao-de-musica-na-internet>. Acesso em 11 abr. 2016.
58

Nas hipóteses em discussão, ainda que o conteúdo seja acessível ao público em geral,
sua utilização configura ato individual e isolado, inexistindo execução coletiva
perceptível por mais de um usuário simultaneamente. Trata-se, pois, de modalidade
de utilização distinta daquela tradicionalmente contemplada pelo legislador como
execução pública136.

Alguns tribunais já proferiram decisões nesse sentido, como o Tribunal de Justiça do


Rio de Janeiro na apelação cível nº 0386089-33.2009.8.19.0001, citada na nota de rodapé 125,
e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina que considerou que a cobrança do ECAD em cima de
Simulcasting137 é ilegal138. Acercas das controvérsias de tal questão é importante citar a seguinte
reflexão:

Como é natural, toda grande revolução traz consigo, também, dúvidas e


controvérsias[...]Entretanto, é igualmente perceptível que o impasse erigido entre
músicos, gravadoras e players de streaming, acerca da configuração, ou não, do
streaming interativo como hipótese de execução pública passível de cobrança pelo
ECAD, conforme inserto nos §§1º e 2º do artigo 6º da Instrução Normativa em
Consulta Pública, dialoga, diretamente, com a própria definição de valores e de
postura da legislação brasileira quanto ao grau de proteção e/ou incentivo que está
disposto a conceder aos atores centrais da indústria da música.
Neste impasse, pode-se considerar, e.g., que os players de streaming já efetuam o
licenciamento das obras disponibilizadas em suas plataformas junto às gravadoras e
editoras musicais, e que uma nova cobrança por licenciamentos de execução pública
iria ser um bis in idem, além de onerar em demasia este setor, freando a expansão e
criação de novas empresas produtivas no país.
Todavia, este entendimento, certamente, não viria ao melhor interesse dos músicos,
que perceberiam crescer sua dependência econômica e comercial junto aos grandes
selos do show business, além da manutenção das mesmas irresignações quanto à
transparência na execução dos contratos com estas empresas.
Por outro lado, o entendimento de que o streaming interativo representa caso de
execução pública, passível de cobrança pelo ECAD, poderia proporcionar uma nova
fonte de receita a músicos independentes, e um incentivo à alforria da criação junto a
intermediários, fomentando-se, via de consequência, a própria expansão da cultura
livre com a inserção de novos partícipes em potencial na indústria da música 139.

136
SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual nº 103, edição
nov/dez 2009. Apud RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça (Décima Câmera Cível). Apelação Cível nº 0386089-
33.2009.8.19.000. Apelantes: 1. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD 2. Fox Interactive
Media Brasil Internet LTDA – MySpace. Apelados: os mesmos. Relator: Desembargador Bernardo Moreira
Garcez Neto, Rio de Janeiro, 04 de fevereiro de 2015. Disponível em: <
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/3/art20150305-05.pdf>. Acesso em 11 abr. 2016.
137
Simulcast: abreviação de simultaneous broadcast no inglês, ou "transmissão simultânea" no português, refere-
se aos programas ou eventos de difusão em mais de um meio, ou mais de um serviço ao mesmo tempo. Por
exemplo, um canal pode transmitir ao mesmo tempo um programa nos sinais em SD e HD, deixando o logotipo
um pouco mais no centro da imagem. WACHOWICZ, Marcos; VIRTUOSO, Bibiana Biscaia. Streaming: a nova
era da música e da gestão coletiva de direitos autorais. In: Boletim do Gedai. Edição II - Ano IX. Disponível em:
<http://www.gedai.com.br/?q=pt-br/boletins/boletim-gedai-junho-2015/streaming-nova-era-da-música-e-da-
gestão-coletiva-de-direitos#_ftn8>. Acesso em 11 abr. 2016.
138
SCHVARTZMAN, Guido. Tribunal de Justiça de SC decide que cobrança do ECAD em relação ao
"simulcasting" é ilegal. JusBrasil. Disponível em:
<http://guidoimprensa.jusbrasil.com.br/noticias/237309412/tribunal-de-justica-de-sc-decide-que-cobranca-do-
ecad-em-relacao-ao-simulcasting-e-ilegal>. Acesso em 10 arb. 2016.
139
ESTEVES, Maurício Brum. Streaming e a Cobrança de Direitos Autorais em Ambientes Digitais. Estado de
Direito. Disponível em: < http://estadodedireito.com.br/streaming-e-cobranca-de-direitos-autorais-em-ambientes-
digitais/>. Acesso em 10 abr. 2016.
59

Com a finalidade de uniformização acerca do tema, o Ministério da Cultura


disponibilizou em Consulta Pública uma Instrução Normativa140 que estabelece previsões
específicas para a atividade de cobrança de direitos autorais no ambiente digital por associações
de gestão coletiva e pelo ente arrecadador de que trata art. 99 da Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro
de 1998. Com cujo entendimento adotado acerca deste tema concordamos, já que considera que
a arrecadação deve considerar se os titulares são representados por gestão coletiva ou não, e
mesmo assim, os que são, tem direito de realizar a gestão individual, o modo como se dá a
utilização da obra no ambiente virtual e a origem das receitas ou modelos de negócio do usuário,
incluindo os recursos provenientes da exploração de espaços publicitários. Ou seja, a instrução
normativa visa preencher algumas lacunas da Lei de Direitos Autorais e ainda considera os
royalties oriundos de serviços de streaming gratuitos (pois leva em conta os anúncios) e pagos.

Apesar de que,

De certa forma estamos numa posição semelhante à dos europeus do século XVI, que
estavam apenas começando a tomar conhecimento do espaço físico dos astros, em
espaço totalmente alheio à sua concepção anterior da realidade. Como Nicolau
Copérnico, estamos tendo o privilégio de testemunhar a aurora de um novo tipo de
espaço, o virtual, e o que a humanidade fará desse espaço, só o tempo irá dizer141.

Isto é, não sabemos até onde o horizonte irá levar no que concerne à Internet, nem o
que será percorrido nas futuras trajetórias. Mas, já está se iniciando o processo de adaptação e
regulação até onde a legalidade atinge o mundo virtual.

3. DIREITOS AUTORAIS MUSICAIS, ACESSO À CULTURA E INTERNET

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO COM A FUNÇÃO SOCIAL DOS DIREITOS AUTORAIS


MUSICAIS

Para uma melhor percepção acerca da importância da acessibilidade da cultura ao povo


é mister contextualizar os direitos autorais com sua função social. Acerca deste instituto, é
importante citar a seguinte lição do jurista Jorge Renato dos Reis:

A doutrina da função social aparece, como uma matriz filosófica do direito, a delimitar
institutos de conformação nitidamente individualista, a fim de atender aos ditames do

140
Disponível na íntegra em: <http://culturadigital.br/gcdigital/files/2016/02/IN-DIGITAL-FINAL-12-02.pdf>.
Acesso em 11 abr. 2016.
141
WERTHEIM, Margaret. Uma história do espaço de Dante à Internet. Trad. Maria Luiza Borges. Revisão
técnica Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Zahar, 2001,p 225 apud SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital:
impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 91.
60

direito coletivo, acima dos interesses particulares, buscando, ainda, igualar os sujeitos
de direito, de modo que a liberdade que a cada um deles caiba seja igual para todos142.

Antes de chegarmos a falar da função social do direito autoral, dissertaremos


brevemente acerca da função social da propriedade, pois, mesmo que não tenhamos adotado a
teoria da natureza jurídica do autor como propriedade, “de acordo com a doutrina dominante o
direito autoral é ramo específico da propriedade intelectual, há que se averiguar em que medida
a funcionalização social da propriedade incide sobre o direito autoral”143. Também realizaremos
uma sucinta contextualização histórica, com o fim de propiciar uma melhor compreensão do
princípio.

O advento do Estado Social, especialmente a partir da Constituição de Weimar de 1919,


acrescentou a dimensão social e econômica à dimensão política do Estado liberal, através da
limitação e controle dos poderes econômicos e sociais privados e a tutela dos mais fracos.
Caracterizado por um maior intervencionismo estatal nas relações privadas anteriormente vistas
de maneira individualista.

O princípio da função social da propriedade está positivado desde a Constituição de


1934, quando se iniciou o Estado Social brasileiro144. É um princípio de tanta importância que
está elevado à garantia fundamental pelo art. 5º da Constituição Federal de 1988, a Constituição
Cidadã, e está previsto constitucionalmente à cláusula pétrea, consoante art.60, §4º, IV. É
exatamente essa inclusão como garantia e direito fundamental a grande diferença entre a atual
Magna Carta e a forma como o princípio estava anteriormente regulado145. Também está
disposto no art. 170, III, da Constituição Federal.

Deve ser ressaltada a nova propriedade surgida com o advento da Constituição Federal
de 1988, enaltecedora da dignidade humana como valor essencial ao Estado
Democrático de Direito. O conceito de propriedade, tal qual diverso outro instituto
clássico do direito civil, alterou-se substancialmente, tendo em vista o modelo do
Estado Social retratado no texto constitucional, fato facilmente observado com a
inclusão do direito de propriedade no rol dos direitos e garantias fundamentais, tendo
como requisito de existência o atendimento a respectiva função social 146.

142
REIS, Jorge Renato dos. O Direito de Autor no Constitucionalismo Contemporâneo: Considerações Acerca de
sua Função Social. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva (Coord.); MORAES, Rodrigo(Coord.). Propriedade
Intelectual em Perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 151-161. p. 155.
143
PARANAGUÁ, P.; BRANCO, S. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 51.
144
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Direitos & Deveres.
Maceió ,ano III, v. 6. Edufal. Jan./dez. 2000. p. 239.
145
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 307
146
VITALIS, Aline. A função social dos direitos autorais: uma perspectiva constitucional e os novos desafios da
sociedade de informação. In: Brasil, Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas
culturais; v.1. p. 173-236. p.191.
61

A função social da propriedade, na qual a dignidade da pessoa humana está entre seus
pilares, demonstra que os interesses sociais devem prevalecer sobre os interesses privados e
econômicos. Mesmo o direito particular do indivíduo precisa denotar uma função social. A
promoção do solidarismo pretende propiciar uma sociedade mais livre, justa e igualitária.

O princípio da função social não teve vida fácil. Defrontou a hostilidade do


liberalismo e individualismo a que se opunha; mas foi também combatido pelo
coletivismo ascendente, para o qual representava uma estratégia para obstar à
supressão pura e simples da propriedade.
Hoje ressurge, porém, com nova força, após a derrocada do coletivismo, como a única
orientação capaz de afrontar o hiperliberalismo selvagem que nos é imposto 147.

Essa crítica ao liberalismo é pertinente ao direito de autor, pois, afinal, se olharmos em


perspectiva histórica, é uma área em que os contratos de natureza privada são regidos por
ditames capitalistas como “lei da oferta e da procura”, nos quais os artistas estão, de certo modo,
em condição de hipossuficiência em relação as gravadoras, detentoras do capital e, exatamente
por isso, acabam aceitando cláusulas leoninas e percentuais pequenos dos lucros. Saliente-se
que a cultura musical não deve ser completamente limitada a população por conta de interesses
econômicos.

Apesar de ser “fato notório que a indústria fonográfica suporta custos elevados nos seus
variados departamentos, dá emprego a pessoas qualificadas, contrata compositores e
intérpretes, assume riscos dos mais variados e, principalmente, paga impostos”148, é certo que,
conforme já foi demonstrado, os lucros ficam em sua maior parte com as gravadoras e as
mudanças de mercado que a beneficiaram anteriormente, como o barateamento na fabricação
de CDs não foram repassadas nem aos artistas, nem aos consumidores. Só houve uma baixa no
valor dos preços dos CDs quando o próprio mercado acabou impondo mudanças em razão da
pirataria e dos downloads ilegais. De forma que nem sempre a função social foi cumprida, afinal
um CD de 30 reais não é um produto acessível a quem ganha um salário mínimo, por exemplo.

Como uma noção do liberalismo existente entre a relação dos músicos e gravadoras,
podemos exemplificar que estas começaram a utilizar outras táticas de compensar a diminuição
das vendas, como submeter artistas iniciantes a contratos 360.

Em resposta a essas mudanças, os executivos da música começaram a incentivar os


artistas a assinarem acordos “360”, que garantiam às gravadoras não apenas uma

147
ASCENÇÃO, José Oliveira. A função social do direito autoral e as limitações legais. IN: ADOLFO, Luiz
Gonzaga Silva (Coord.); WACHOWICZ, Marcos (Coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em
homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006. p.85-111. p.89.
148
LOSSO, Fabio Malina. Os direitos autorais no mercado da música. Tese – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008. p. 75. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-28092009-082901/pt-br.php>. Acesso em 12 abr. 2016.
62

participação nas vendas dos álbuns, mas também nas apresentações ao vivo e nos
direitos autorais. Esses acordos encontraram resistência nos artistas e em seus
empresários, que acusaram as gravadoras de quererem uma participação sobre lucros
que, historicamente, nunca haviam sido delas. Embora os acordos 360 fossem
polêmicos, mesmo na era digital os artistas ainda precisam das gravadoras, e vários
deles, muitas vezes de forma imprudente, assinaram contratos149.

Destarte, visando delinear a diferença entre o direito autoral e os demais direitos de


propriedade material, é doutrinariamente aceito que tal distinção revelasse pelos modos de
aquisição originários (já que o direito autoral só surge para o autor mediante a criação da obra)
e pelos modos de aquisição derivados. Afinal de contas, no tocante a estes, no direito autoral
não existe perfeita transferência entre cedente e cessionário, uma vez que a obra intelectual não
sai completamente da esfera de influência da personalidade de quem a criou, em decorrência
da manutenção dos direitos morais150.

O que significa que, no que concerne à música, quando se adquire um CD ou mesmo


um download legal pago, a Propriedade Intelectual da música continua sob a posse de seus
titulares. Porém, quem adquire o CD ou download tem a propriedade de fazer o uso do bem
intelectual, do modo que desejar, contanto que esteja dentro das premissas da lei, conforme art.
37 da LDA, o qual dispõe que: “A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não
confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em
contrário entre as partes e os casos previstos nesta Lei”.

Existem alguns entendimentos mais patrimonialistas acerca da função social do direito


autoral, como o da Manuella Santos, para quem:

a função social do direito autoral é a difusão cultural em prol da coletividade e do


meio ambiente social, elemento essencial no processo evolutivo das civilizações. Em
outras palavras, quando ao autor divulga o seu conhecimento, disponibilizando-o à
sociedade, ele está cumprindo a função social do direito de autor.
Cremos que quanto mais protegido for a obra do intelecto, mais incentivado será o
seu criador, mais conhecimento e mais desenvolvida será a propriedade151.

Ou seja, tal interpretação entende que o respeito da função do Direito Autoral está na
proteção máxima possível ao direito de autor. Contudo, discordamos desta visão, pois ela não
considera vários aspectos da vida em sociedade, como, a título de exemplo, esse entendimento
não pensa nem no caso das obras musicais fora de catálogo, que apenas podem ser encontradas
em alfarrábios ou coleções particulares e atualmente, podem ser encontradas na Internet, às

149
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p. 214.
150
CHAVES, Antônio. Direito de autor — princípios fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1987. Apud
PARANAGUÁ, P.; BRANCO, S. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 51.
151
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p.87
63

margens da lei e gratuitamente. Como será melhor cumprida a função social nesse caso:
privando o acesso da obra a todos que não conseguirem encontrá-la, mesmo com toda a
dificuldade atinente, ou a disponibilização para que todos os interessados possam ter contato
com a obra? Entendemos que até o autor preferiria essa segunda opção, pois assim sua obra
estaria mais “viva”, considerando que por estar fora de catálogo, ela já não está mais rendendo
tanto no aspecto patrimonial.

Tal como poderíamos também utilizar o exemplo da disponibilização gratuita de


partituras feitas por pessoas que “tiraram a música de ouvido” e a arranjaram, nos casos de
músicas que, a despeito de serem protegidos por direitos autorais, não tem sua versão em
partitura a venda. Há vários casos em que as gravadoras titulares do direito autoral de tais
músicas retiraram os links onde havia essa disponibilização, prejudicando assim inúmeros de
instrumentistas que gostariam de aprendê-las. Então vem a seguinte pergunta: no que essa
proteção a Direito Autoral ajudou o autor da obra, já que a disponibilização da partitura em
nada influía sobre os lucros dos royalties? É de clareza solar que tais casos ainda representaram
uma afronta a função social, pois a sociedade perdeu um meio de difusão cultural.

Com uma crítica semelhante aos atuais ditames do ordenamento ordinário, que não está
em consonância com diversos direitos humanos fundamentais estabelecidos
constitucionalmente, também podemos colacionar o seguinte trecho:

a leitura literal da lei brasileira desautoriza uma série de condutas que estão em
conformidade com a funcionalização do instituto da propriedade. Por exemplo, pela
LDA, não se pode fazer cópia de livro que, mesmo com edição comercial esgotada,
ainda esteja no prazo de proteção dos direitos autorais. Mas, pelos princípios
constitucionais do direito à educação (art. 6º, caput, art. 205), do direito de acesso à
cultura, à educação e à ciência (art. 23, V) e, mais importante, pela determinação de
que a propriedade deve atender a sua função social (art. 5º, XXIII), é necessário que
se admita cópia do livro, ainda que protegido. O contrário seria um contrassenso, uma
inversão da lógica jurídica, já que princípios constitucionais teriam que se curvar ao
disposto em uma lei ordinária (a LDA), quando na verdade o oposto é que deve
ocorrer152.

A nossa crítica a concepção de função social como mera proteção ao direito do autor
encontra forte respaldo doutrinário, pois mesmo “o argumento de que uma maior tutela
individualista do autor transforma-se em estímulo para a criação, não mais se sustenta, haja

152
PARANAGUÁ, P.; BRANCO, S. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 54.
64

vista que grande parte dos direitos patrimoniais, possíveis de transmissão das obras protegidas,
pertence hoje ao empresário, a quem os autores transferem seus direitos”153.

Para ilustrar as questões que envolvem a função social do direito autoral, é valoroso
citar inspirada reflexão do professor José de Oliveira Ascenção:

Eu sou um autor; somente um autor. Sei que é um sacrifício de tantas horas pela
produção. Sei também o que é o plágio e a cópia de tantas minhas obras.
Mas sou eu quem quero cobrar a comunicação de obras a asilos?
Ou quem proíbe que as obras esgotadas sejam objeto de cópia privada?
O que é que eu quero? – e que não vejo motivo para não corresponder ao sentir do
autor comum.
Quero, antes de mais, que as minhas obras circulem, para que sejam tidas em conta
no diálogo cultural.
Não quero que outros se locupletem, fazendo negócios nas minhas costas com o que
produzo.
Nos casos em que comercializo minhas obras, quero receber remuneração compatível.
Mas abomino o rigorismo que leva a que o Direito de Autor se transforme numa
espécie de ramo repressivo do Direito.
Que leva a que se anuncie que estão preparando em Espanha 95.000 processos contra
pessoas que fazem descargas (downloads) a partir da internet, levando este ramo a um
beco sem saída.
Diz-se na Filosofia que o mundo não é divisível pela razão sem deixar resto.
O mundo também não é divisível pelo Direito de Autor sem deixar resto.
Não são decerto os autores quem pretende isto. Os limites não são inimigos dos
autores, são pelo contrário, seus aliados.
São eles que permitem que o Direito de Autor seja bem acolhido pela sociedade, como
um instrumento de colaboração e não de imposição; e permite assim que a mensagem
dos autores se expanda e alcance plenamente as suas finalidades culturais e sociais154.

A partir da contemplação acima podemos tecer várias considerações: 1) de modo geral,


a circulação da obra faz parte do intento do autor, que na maioria dos casos quer que sua criação
atinja a coletividade, não sendo interessante que o acesso a obra seja rigidamente restringido
com intuito puramente econômico; 2) o que não significa que se deseje a pirataria; 3) o autor
merece sim ser financeiramente recompensado por sua obra; 4) acima de tudo, as finalidades
sociais e culturais devem ser respeitadas; 5) os limites aos direitos autorais são necessários, na
medida em que permitem uma utilização mais justa dos bens culturais.

Alguns dos limites aos direitos autorais estão positivados nos seguintes artigos da LDA:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:


I - a reprodução:
a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em
diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação
de onde foram transcritos;

153
REIS, Jorge Renato dos. O Direito de Autor no Constitucionalismo Contemporâneo: Considerações Acerca de
sua Função Social. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva (Coord.); MORAES, Rodrigo(Coord.). Propriedade
Intelectual em Perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.p.151-161. p. 158.
154
ASCENÇÃO, José Oliveira. A função social do direito autoral e as limitações legais. IN: ADOLFO, Luiz
Gonzaga Silva (Coord.); WACHOWICZ, Marcos (Coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em
homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006. P.85-111. p.88.
65

b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de


qualquer natureza;
c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda,
quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição
da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;
d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes
visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema
Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;
II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do
copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de
passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida
justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se
dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa
de quem as ministrou;
V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão
de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para
demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os
suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso
familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não
havendo em qualquer caso intuito de lucro;
VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova
judiciária ou administrativa;
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes,
de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a
reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a
exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos
legítimos interesses dos autores.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da
obra originária nem lhe implicarem descrédito.
Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser
representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos
audiovisuais.

É perceptível que tais limitações visam exatamente permitir o uso de obras culturais
em prol da sociedade. Ademais, “a conciliação entre os interesses individuais e coletivos
decorre da concessão de exclusividade ao autor para a exploração econômica de sua obra por
um certo lapso temporal, após o qual ingressará em domínio público”155, pois assim, permitiria
tanto que os titulares fossem beneficiados patrimonialmente por um bom tempo e que depois,
a coletividade tivesse uso livre da obra.

Ao contrário dos países de anglo-saxônicos, onde as limitações de direitos autorais


não se encontram expressas, mas são submetida a doutrina do fair use e fair dealing,
cuja interpretação é realizada pelos tribunais, o Brasil adotou o sistema dos países de

155
VITALIS, Aline. A função social dos direitos autorais: uma perspectiva constitucional e os novos desafios da
sociedade de informação. In: Brasil, Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas
culturais; v.1. p. 173-236. p. 206.
66

tradição continental, do droit d’auter, seguindo os ditames da Convenção de Berna e


a regra dos três passos ou usos honrados156.

Na revisão de Estocolmo de 1967 à Convenção de Berna passou a ser previsto o direito


de reprodução, mas houve desentendimentos quantos aos limites. O Reino Unido então propôs
uma norma valorativa, própria do commom law, que está na origem da “regra dos três passos”,
a qual foi aprovada157 como saída para falta de consenso, pois não pressupõe um enunciado
taxativo de limites e consiste em limitação a: 1) casos especiais; 2) que não impeçam a
exploração normal da obra; 3) nem causem prejuízo injustificados aos interesses legítimos do
autor. A regra veio a generalizar-se sem que a especificação dos limites adequados a outros
direitos tivesse sido efetuada, estando presente em vários tratados, como o da OMPI de 1996 e
ainda ignorou a revolução informática158.

As limitações aos direitos autorais são legitimadas por outros direitos fundamentais,
inclusive os direitos culturais, com especial atenção ao direito de acesso à cultura. O
cerceamento jurídico ao direito de acesso e à liberdade de criação e manifestação não
pode ultrapassar os limites da razoabilidade e deve, por excepcional, ser interpretado
restritivamente159.

Outrossim, as limitações já positivadas ainda não são o bastante para permitir um


exercício pleno da difusão cultural. A Lei dos Direitos Autorais “só concede o que não podia
deixar de fazer, com um certo casuísmo e sempre pelo mínimo. Não tem sensibilidade aos
interesses coletivos, incluindo portanto o do acesso aos bens culturais”160.

Considerando os avanços tecnológicos e os direitos humanos fundamentais


salvaguardados na Magna Carta, entendemos que

o viés individualista que historicamente marcou o direito de autor, deve ser adequado
à nova realidade social e jurídica do País, que tem como marco regulatório a
Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, que determinou um direito

156
MADRIGAL, Laura Sofía Gómez. Limitaciones a los derechos de autor. In: PÉREZ, Óscar Javier Solorio
(Coord.). Derechos de Autor para universitários. Tradução nossa. Colima: Universidad de Colima, 2007. p.132-
143. p.138.
157
Passou a ser o art. 9/2 da Convenção de Berna e desta previsão de fez eco o art. 46, VIII da LDA. A respeito
veja-se ASCENÇÃO, José Oliveira. A função social do direito autoral e as limitações legais. IN: ADOLFO, Luiz
Gonzaga Silva (Coord.); WACHOWICZ, Marcos (Coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em
homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006. P.91.
158
ASCENÇÃO, José Oliveira. A função social do direito autoral e as limitações legais. IN: ADOLFO, Luiz
Gonzaga Silva (Coord.); WACHOWICZ, Marcos (Coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em
homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006. P.85-111. p.92-94
159
SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. p. 132.
160
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Fundamental de acesso à cultura e direito intelectual. In: SANTOS,
Manoel J. Pereira dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 09-44.
p.26.
67

funcionalizado, isto é, determinado pelo interesse maior de cumprir o seu papel como
instrumento de função social161.

Ou seja, concluímos que a função social do direito autoral é cumprida quando se há, ao
mesmo tempo, respeito ao direito do autor nos ditames da lei na medida em que a realidade
permite, considerando os aspectos axiológicos que permeiam a questão, e efetivação da plena
difusão cultural e acessibilidade da obra pelo bem social, com respeito aos direitos humanos
fundamentais positivados na Constituição Federal.

3.2 O CONFLITO ENTRE OS DIREITOS AUTORAIS E O ACESSO À CULTURA

Tanto os direitos autorais, quanto o direito de acesso à cultura estão assegurados pela
Magna Carta. O direito de autor está constitucionalizado no art. 5º, XXVII, que dispõe que:
“aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras,
transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”. Enquanto o acesso à cultura, apesar de
ser objeto de direito fundamental, não está expressamente proclamado no art. 5º da
Constituição:

Há numerosas referências a promoção ou ao favorecimento da cultura, mas essas são


apresentadas como competências ou encargos dos entes públicos. A seguirmos a
orientação norte-americana, que distingue as atribuições de competência de direitos,
poderia pôr em dúvida que o acesso à cultura fosse objeto de um direito fundamental.
Mas a orientação entre nós dominante não é assim tão rígida. Não se põe em dúvida
que haja um direito fundamental de acesso à cultura 162.

Dentre as numerosas referências, podemos citar o art. 215 da Constituição Federal, o


qual enuncia que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso
às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais”. Ademais, acerca da definição do conceito de cultura, podemos citar o art. 2º, a, da
Declaração de Friburgo sobre Direitos Culturais, segundo a qual: “O termo “cultura” abrange
os valores, as crenças, as convicções, as línguas, os saberes e artes, as tradições, as instituições

161
REIS, Jorge Renato dos; PIRES, Eduardo. O Direito de Autor funcionalizado. In: SANTOS, Manoel. J. Pereira
dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 199-225. p.222.
162
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Fundamental de acesso à cultura e direito intelectual. In: SANTOS,
Manoel J. Pereira dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 09-44.
p. 9-10.
68

e os modos de vida através dos quais uma pessoa ou grupo exprime a sua humanidade e o
significado que atribui à sua existência e ao seu desenvolvimento”163.

Outrossim, é mister traçar a diferença entre direitos culturais e o direito de acesso à


cultura:

Os direitos culturais, na versão coletivista dos direitos culturais propriamente ditos,


aplicam-se aos grupos: os indígenas, as nações sem Estado, os segmentos distinguidos
pelas preferências sexuais ou religiosas, pelas faixas etárias ou de gênero [...]. Os
direitos culturais, nesse marco, se distinguiram dos direitos à cultura, isto é, dos
direitos de acesso à cultura: todo indivíduo tem o direito de participar (ou de não
participar, o que quase nunca se esclarece adequadamente) da vida cultural, tendo
portanto garantido o acesso devido às obras de arte e de cultura livres de censura
(proibido de dizer ou fazer) e livres da imposição cultural [...]. Os direitos à cultura
são mais amplos que os direitos culturais, tal como muitos intérpretes preferem vê-
los. Se tenho direito à cultura que escolho ou da qual preciso, tenho como praticar
meus direitos culturais na mira coletivista. Mas, se tenho apenas direitos culturais
posso ser, como de fato sou na maioria dos casos [...], oprimido em relação a meus
direitos de ter acesso à cultura que prefiro164. (grifos nossos).

Já Allan Rocha de Souza defende que:

Os direitos culturais strictu sensu, no Brasil, encontram-se normatizados pelos artigos


215 e 216 da CRFB/1988 e são nuclearmente compostos pelos direitos ao seu pleno
exercício; de livre participação na vida cultural, de acesso e fruição das fontes, bens e
patrimônio culturais, à identidade, pluralidade e diversidade culturais, e implicam no
direito a um patrimônio cultural rico, valorizado e protegido; de participação no
processo decisório da elaboração e execução das políticas públicas; e de obter apoio
e incentivo na produção, valoração e difusão de bens e valores culturais” 165.

José Afonso da Silva concluiu que as normas atinentes ao acesso à cultura são normas
de eficácia limitada, pois postula a concretização legislativa posterior. O que não significa que
sejam destituídas de eficácia, pois não são simples direitos de legislação. São direitos
constitucionais atuais e fundamentais, pois devem ser compreendidos dentro do complexo
marco dos direitos humanos. Invoca a Declaração Universal dos Direitos do Homem e observa
que a própria Magna Carta oferece algumas condições de aplicabilidade imediata166.

O livre acesso à cultura não é valorizado apenas dentro do território nacional. Há


muitos anos, órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco na sigla em inglês) têm atuado no sentido de

163
MEYER-BISCH, Patrice (org.). BIDAULT, Mylène(org.). Afirmar os direitos culturais: comentário à
declaração de Friburg. Tradução: Ana Goldberb. São Paulo: Iluminuras, 2014. p.22
164
COELHO, Teixeira. Apresentação. In: MEYER-BISCH, Patrice (org.). BIDAULT, Mylène(org.). Afirmar os
direitos culturais: comentário à declaração de Friburg. Tradução: Ana Goldberb. São Paulo: Iluminuras, 2014.
p.11.
165
SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. p. 133.
166
SILVA, José Afonso. Ordenação Constitucional da Cultura. Malheiros, 2001, p 50. Apud ASCENÇÃO, José
de Oliveira. Direito Fundamental de acesso à cultura e direito intelectual. In: SANTOS, Manoel J. Pereira dos
(Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 10.
69

promover o acesso universal à cultura como um dos direitos fundamentais do


homem167.

O normativo de maior destaque é a Convenção sobre a Proteção e Promoção da


Diversidade das Expressões Culturais:

Verdadeiro marco mundial na regulação da matéria. Além de reforçar a ligação


estreita da promoção da cultura com o desenvolvimento humano e da proteção dos
autores como uma garantia à produção de bens culturais, reconhece ela ainda que bens
e serviços culturais não são mercadorias como as demais, sendo ao mesmo tempo
ativos econômicos e obras portadoras de identidades, valores e significados
culturais168.

In casu, através do escorço histórico realizado neste trabalho, podemos perceber que
o direito autoral musical sempre foi fortemente influenciado pelo modo como as tecnologias
permitiram a disseminação da obra: a comercialização de partituras, o fonógrafo, o gramofone,
a radiodifusão, o LP, as fitas cassetes, o CD, o MP3, o streaming,etc. Cada um desses meios
teve um impacto diferente na esfera dos direitos autorais, conforme já abordamos, bem como
permitiram formas diferentes de acesso à cultura.

A partitura permitiu que qualquer pessoa, em qualquer país e em qualquer época,


pudesse ter acesso a músicas e sua reprodução também acarretou alguns problemas de autoria
e titularidade, já que a editora, assim como nos livros normais, geralmente acaba comprando os
direitos de exploração patrimonial da obra, conforme já demonstramos brevemente. Quanto a
Internet, entendemos que quem faz arranjos e disponibiliza partitura cobrando por isso, deve
pagar os devidos direitos autorais, mas quem disponibiliza uma partitura de uma música com
seu próprio arranjo sem intuito de lucro deve ser beneficiado com alguma futura limitação a ser
prevista em lei, em respeito à função social dos direitos autorais musicais e ao direito humano
fundamental à educação.

A partir do início dos meios de reprodução musicais iniciaram-se também dúvidas


quanto a repartição dos lucros entre músicos e gravadoras, mas por tal relação ser regida pelas
“leis de mercado”, as gravadoras acabaram por conseguir uma posição demasiadamente
vantajosa.

167
BEZERRA, Arthur Coelho. Cultura Ilegal: as fronteiras morais da pirataria. 1 ed. Rio de Janeiro: Mauad X:
Faperj, 2014. p. 87.
168
CASTRO, Carla Frade de Paula. Streaming de música e desenvolvimento: Uma boa alternativa em matéria de
direitos autorais? IN: CUNHA FILHO, Humberto (org.). Conflitos culturais: como resolver? como conviver?
Fortaleza : IBDCult, 2016.p.104-123. p.109.
70

A radiodifusão também encontrou várias controvérsias, só que aqui, as gravadoras que


cediam as músicas com a finalidade de divulgá-las. Acerca da radiodifusão, é interessante
contar a seguinte história:

Em muitos aspectos, o reconhecimento internacional da liberdade dos mares em


meados do século dezenove modelou o debate acalorado a respeito da liberdade nas
ondas de rádio no começo do século vinte. Numa interessante repetição histórica, o
governo Britânico da década de 1920, expediu uma carta real que concedia o
monopólio para a BBC (British Broadcasting Corporation) – o mesmo tipo de carta
que 300 anos antes tinha sido expedida para a companhia das Índias Ocidentais
Britânica. Essa carta real permitia ao governo Britânico apropriar-se do “éter‟, por
onde se acreditava que as ondas de rádio viajavam e, assim, impedir as transmissões
livres de rádio. Logo depois, Leonard Plugee montou a International Broadcasting
Company (IBC) em baixo do nariz do governo e começou a comprar tempo de antena
de estações piratas de rádio estabelecidas nas plataformas marítimas fora do alcance
da influência Britânica. Plugee contestava tanto o monopólio da BBC como o
princípio subjacente de que a soberania Britânica se estendia pelas ondas de rádio; por
essas ações, ele foi considerado pirata. Vencido pelo fenômeno pirata, o governo
Britânico finalmente extinguiu o monopólio da BBC em 1967, liberando tanto as
transmissões e as ondas de rádio como herança comum a toda a espécie humana.
Afinal, os ouvintes poderiam sintonizar nos canais oficiais da BBC e ouvir o som
maligno do rock’n’roll. Como Adrian Johns explicou: a partir de 1967, a BBC se
tornou uma entre muitas… A ironia é que ela então achou a voz crítica e cética que
lhe faltava… as virtudes da BBC só vieram à luz no fim do seu monopólio169.

O fim do monopólio da BBC foi importante para que se tivesse um melhor respeito
aos direitos fundamentais à informação e à cultura e com o tempo, aquela se adaptou a nova
situação fática. O que, até certo ponto, é o que está acontecendo entre o monopólio das
gravadoras e as disseminações alternativas de música. O fenômeno do rádio foi importantíssimo
para a disseminação da cultura, até os Beatles, no documentário The Beatles Anthology, falam
que quando eram adolescentes e não tinham dinheiro para comprar todos os LPs que queriam,
basicamente ouviam música através do rádio e as vezes iam ao cinema com o principal intuito
de assistir aos clipes musicais que passavam antes dos filmes naquela época. Esse exemplo
mostra a influência de uma simples forma de reprodução na existência de uma das maiores
bandas da história, imagina então a avalição da difusão de tal meio sobre toda uma população?

No que tange aos CDs e a Internet, podemos comentar que desde que se iniciou a
pirataria de CDs, através da cópia em CDs virgens, criaram métodos TPMs (technological
protection measures ou “medidas de proteção tecnológica”) nos quais os CDs eram “protegidos
de cópias”. Porém, este sistema não obteve muito êxito, nem nas formas mais modernas, pois,
de modo geral, os hackers conseguiram violar tal proteção:

Outro exemplo de reação, este de natureza tecnológica, foi a invenção do Advanced


Access Content System (AACS), um recurso de criptografia anticópia de discos óticos

169
HACKER, Marcelo. Piratas da Internet. Obra em Domínio Público. 1ª Edição, 2014. p.10
71

de alta definição como HD-DVD (High-Definition DVD) e BD (Blu-Ray Disc). Sua


eficácia não durou muito tempo, pois logo alguns hackers, insatisfeitos com a restrição
à liberdade de uso dos produtos, montaram um gerador de chaves, na verdade um
código hexadecimal, para romper a proteção. A sequência 09 F9 11 02 9D 74 E3 5B
D8 41 56 C5 6356 88 C0 rapidamente se espalhou por toda a rede, em blogs e sites.
[...]Embora [...] as iniciativas de tentar deter a prática de livre partilha dos produtos
tenham se frustado, é preciso ter clareza de que se trata de um embate cuja definição
está ainda muito longe170.

Conforme já asseveramos, as tentativas de proteger os direitos autorais patrimoniais


através de simplesmente coibir os meios de compartilhamento de arquivo e punir os usuários
que baixaram downloads ilegais foram infrutíferas. Não defendemos o fim do Direito Autoral
patrimonial musical, pois é preciso ressaltar que uma gravação de música tem diversos custos:
instrumentos, aluguel de estúdio, entre outros gastos. É verdade que

o processo de digitalização sonora possibilita a produção e a disseminação de cópias


perfeitas de obras musical, gerando custos extremamente baixos, facilitando sua
circulação e tornando-a facilmente encontrável. Portanto, não é mais preciso comprar
um disco ou gravar uma fita para ouvir música, pois se está sempre mergulhando em
um continuum sonoro, cercado por todos os lados 171.

Bem como, alguns artistas conseguiram até realizar gravações caseiras de boa
qualidade, graças exatamente ao advento de tecnologias mais acessíveis de gravação, porém
não podemos comparar a qualidade de uma gravação caseira de baixo custo com uma gravação
em estúdio. Mesmo no que concerne aos artistas independentes que disponibilizam sua música
gratuitamente, como o pianista Vitor Araújo e o cantor Cícero, temos que ter noção que essas
gravações tiveram um custo. No caso deles, a divulgação pode até compensar a despesa que
tiveram com a gravações das músicas, todavia, enquanto vivermos em uma sociedade
capitalista, não podemos menosprezar esse dispêndio.

Entretanto, outras questões precisam ser ressaltadas quanto ao impacto que o MP3
provocou: 1) o formato permitiu que pessoas comprassem apenas uma música, pois no mercado
de CDs era comum a compra de um CD para ouvir apenas uma música, 2) possibilitou que se
conhecesse e comprasse materiais de artistas que de outra forma jamais seriam conhecidos, 3)
deu acesso a música a uma população que não tinha condições financeiras de comprar os CDs
físicos, 4) permitiu divulgação fora do monopólio das gravadoras, 5) nem todo arquivo baixado
ilegalmente significava um CD vendido a menos, consoante já foi demonstrado, pois devido à
facilidade, era usual o download de músicas que os usuários não gostavam a ponto de terem

170
MARTINS, Beatriz Cintra. Autoria em rede: os novos processos autorais através das redes eletrônicas. Rio de
Janeiro: Mauad, 2014. p. 79-80.
171
GOHN, Daniel Marcondes. Educação musical a distância: abordagens e experiência. São Paulo: Cortez,
2011. p.27
72

interesse em comprá-las, razão pela qual muitos jovens chegavam a ter milhares de músicas em
seu Disco Rígido, das quais boa parte não chegavam nem sequer a serem escutadas, 6) chegou
a permitir o acesso a músicas que nunca foram oficialmente lançadas, por meio de
vazamentos,7) permitiu o acesso a músicas fora de catálogo.

O advento da digitalização impõe a adoção de um novo paradigma, exige uma


profunda releitura do Direito Autoral, que era visto, anteriormente, como necessário
aos custos da reprodução e à circulação de obras literárias. É gigantesco o poder da
Internet na distribuição de obras musicais, que não precisam mais do suporte físico.
Nesse contexto o Estado não pode ficar omisso em face da atual e indesejável
tendência patrimonialista, que se inclina para aspectos meramente comerciais. É
preciso que ele intervenha com o propósito de equacionar a tensão entre interesses
público e privado, mitigando a ótica egoística de poderosos grupos econômicos,
socializando o individualismo de ranço oitentista. O Direito Autoral consiste em setor
importantíssimo para o desenvolvimento econômico e cultural de uma nação. Não
deve, portanto, ser irresponsavelmente abandonado e entregue às leis draconianas da
indústria do Show Business172.

Ou seja, o desafio é encontrar formas que harmonizem tanto os direitos autorais


patrimoniais do músico e o acesso à cultura e demais direitos humanos fundamentais, como à
educação, de modo a cumprir da forma mais plena possível a função social da Propriedade
Intelectual. Nessa missão é fundamental averiguar os reais impactos da tecnologia em
consonância com a realidade fática.

A priori, analisaremos que não adianta instituir normas de proteção que não tenham
eficácia. Abordaremos essa questão utilizando duas teorias: a Teoria do Fato Jurídico de Marcos
Bernardes de Mello e a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale. Acerca da primeira
é mister citar a seguinte importante lição:

Existir, valer e ser eficaz são situações distintas em que se podem encontrar os fatos
jurídicos. Mostramos, em nosso Teoria do fato jurídico: plano da existência, Cap. V a
impossibilidade lógica de serem confundidas as três precisamente porque se passam
em planos diferentes.
O fato jurídico existe como resultado da incidência de uma norma sobre o seu suporte
fáctico suficientemente composto.
O ser válido (valer), ou inválido (não valer), já pressupõe a existência do fato jurídico.
Da mesma forma, para que se possa falar de eficácia (=ser eficaz) é necessário que o
fato jurídico exista. A recíproca, porém, em ambos os casos, não é verdadeira.
O existir independe, completamente, de que o fato jurídico seja válido ou de que seja
eficaz O ato jurídico nulo é fato jurídico como qualquer outro, só que deficientemente.
A deficiência de elemento do suporte fáctico o faz inválido173.

A partir de tal ensinamento, podemos formular que as normas de direito autoral


musical existem pelo simples fato de serem legislativamente previstas, são válidas, pois são

172
MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas tecnologias. In: Brasil,
Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais; v.1. p. 237-353. p.242
173
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 46.
73

legalmente perfeitas, considerando que “Validade, no que concerne a ato jurídico, é sinônimo
de perfeição, pois significa a sua plena consonância com o ordenamento jurídico”174.

“Ineficácia jurídica é possível ser definida como a inaptidão, temporária ou


permanente, do fato jurídico para irradiar os efeitos próprios e finais que lhe são imputados pela
norma jurídica”175. A partir de tal conceito, podemos concluir que as normas jurídicas
concernentes aos direitos autorais musicais, apesar de existirem e serem válidas, não
conseguiram irradiar todos os efeitos imputados positivamente, sendo, portanto, ineficazes
quanto a proibição de certos usos considerados contra legem, como os downloads ilegais e
certas necessidades de autorização expressa do titular, como a hipótese referida no capítulo 2
de fazer uma cópia de uma obra para o computador.

Após uma investigação sobre a dimensão política e normativa das regras jurídicas que
compõem o sistema de proteção à propriedade intelectual no Brasil, não se pode
afirmar que há qualquer vício de justiça ou de validade que possa comprometer a sua
eficácia. Entretanto, quando a análise recai sobre o critério de valoração da eficácia,
aqui compreendida como efetividade, também chamada de dimensão sociológica da
norma jurídica, percebe-se que o valor consagrado pelo legislador nas referidas
normas jurídicas, apesar de indiscutivelmente relevante para o desenvolvimento
sócio-econômico e tecnológico do País, parece caminhar em descompasso com os
costumes sociais.
Assim, seria esse o motivo pelo qual é possível afirmar que as normas jurídicas de
proteção à propriedade intelectual no Brasil padecem de inefetividade, haja vista que
há um nítido obstáculo à produção dos efeitos desejados pelo legislador em virtude da
má recepção destas normas jurídicas pela coletividade a que se destina 176.

Ademais, consoante a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, o Direito


tem três aspectos básicos: um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva
ciência); um aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um
aspecto axiológico (o Direito como valor de Justiça). Isto é, o Direito tem três elementos (fato,
valor e norma) que não existem separados, mas coexistem em uma unidade concreta, de tal
forma que a vida jurídica resulta da interação-dinâmica e dialética deles177.

Para Miguel Reale, a regra jurídica deve, normalmente, reunir os três seguintes
requisitos de validade: a) fundamento de ordem axiológica, b) eficácia social, em
correspondência ao querer coletivo e c) validade formal ou vigências, que se refere a emanação

174
Idem, ibidem. p. 37
175
Idem. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.75.
176
FALCÃO, Fernando Antônio Jambo Muniz. Propriedade intelectual e inefetividade das normas segundo
Bobbio e Marcos Bernardes de Mello. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3872, 6 fev. 2014. Disponível
em: <https://jus.com.br/artigos/26649>. Acesso em: 14 abr. 2016.
177
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 64-65
74

do poder competente com respeito aos trâmites da lei. Respectivamente: validade ética, social
e técnico-jurídica178.

Há um campo imenso do Direito onde a validade tem outras características: é o campo


do Direito costumeiro, que o eminente jurisconsulto alemão Friedrich Carl von
Savigny, fundador da Escola Histórica, qualificava de Direito autêntico, por ser, dizia
ele, a expressão imediata e espontânea de “espírito do povo” (Volksgeist). Uma norma
jurídica consuetudinária jamais surge com validade formal, pois a sua vigência formal
é uma resultante de uma prática habitual, isto é, de comportamento. A regra jurídica
costumeira é algo de socialmente eficaz, e como tal reconhecida, para depois adquirir
validade formal179.

O jurista teoriza que a eficácia “tem um caráter experimental, porquanto se refere ao


cumprimento efetivo do Direito por parte de uma sociedade, ao “reconhecimento”
(Anerkennung) do Direito pela comunidade, no plano social, ou, mais particularizadamente,
aos efeitos que uma regra suscita através do seu cumprimento”180. E chega até a se referir a
norma revogada pelo desuso:

é preciso reconhecer que se não pode admitir a eficácia de uma norma legal que,
durante largo tempo, não teve qualquer aplicação, tão profundo era o seu divórcio com
a experiência social.
O desuso pode dar-se ou porque a norma legal nunca foi ou, a certo momento, deixou
de ser aplicada; ou porque veio a prevalecer no seio da comunidade a obediência a
uma norma consuetudinária diversa, com olvido de norma legal 181.

Em contextualização com a atuação situação da Propriedade Intelectual musical,


podemos depreender que algumas das normas de direito autoral não contém mais validade
social, pois estão sendo violadas pelo próprio costume social, e estão até perdendo o
fundamento axiológico.

Quanto a pirataria expressa a partir da compra e venda de CDs e DVDs piratas, pode-
se afirmar que apesar do alto nível de consumo - segundo a Fecomércio 48% da população
comprou produtos piratas em 2010 - a prática é vista pela própria população como moralmente
questionável - segundo a pesquisa “Radiografia do Consumo, apesar de haver uma redução
gradual de conscientização, mais de 60% dos que consomem acham que tal prática é errada.182
De tal forma que neste caso, apesar do costume, vemos que a norma ainda está ungida de
fundamento axiológico, mesmo que seja ineficaz conforme o entendimento de ambas as teorias
do Direito aqui abordadas.

178
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 115.
179
Idem, ibidem. p. 113.
180
Idem, ibidem.. p. 114.
181
Idem, ibidem p. 121.
182
FECOMERCIO/RJ. O Consumo de Produtos Piratas no Brasil. Rio de Janeiro. 30 de novembro de 2010.
Disponível em: <http://www.fecomercio-rj.org.br/publique/media/estudo.pdf >. Acesso em: 11 abr. 2016.
75

Já quanto aos downloads gratuitos de música, pode-se dizer que aqui o fundamento
axiológico precisa de uma análise mais complexa, pois chegou a uma proporção tão grande que
até bandas consagradas utilizaram esse meio de difusão como, por exemplo, o Radiohead que
chegou a lançar o álbum In Rainbows na Internet através de um sistema “pague o quanto quiser”
antes mesmo dele ser lançado fisicamente e, ainda assim, debutou no primeiro lugar no ranking
da Billboard e vendeu milhões de CDs por todo o mundo183. Entretanto, frise-se, que apesar do
sucesso, o álbum sucessor, The King of Limbs, foi lançado da maneira tradicional da maioria
das bandas: em CD físico e download legal a preço fixo. Também tem o exemplo do Artic
Monkeys que disponibilizaram músicas gratuitas por um tempo na Internet e quando o CD foi
lançado, chegou a vender 120 mil cópias em um único dia184. O que assevera que é possível
lucrar com a união de novas e velhas fórmulas.

Tais casos demonstram que a popularidade dos downloads é tão grande e as tentativas
de coibi-los tão ineficazes, que há maiores probabilidades de êxitos na adaptação às novas
tecnologias, o que acabou por tornar uma prática imoral em relativamente “aceita socialmente”
e as normas jurídicas que proíbem os downloads como ineficazes e sem validade social. Até
porque o livre acesso permitido pelos downloads gratuitos permitiu um respeito a função social
de uma forma que a pirataria de CDs não conseguiu, pois enquanto esta em sua maior parte só
disponibiliza as obras mais “procuradas”, a Internet permitiu uma transcendência para além do
midiático.

Destaque-se que estamos vivendo em uma era de “cultura da convergência, onde as


velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde
o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis”185.
O que significa que não é possível prever os próximos avanços e os próximos meios de
reprodução musical que se popularizarão. O próprio download, consoante demonstramos, está
sendo substituído pelo streaming.

As mudanças da Internet não podem ser freadas, bem como, os direitos autorais dos
músicos não devem ser desrespeitados, contudo, não se deve restringir demasiadamente o
acesso à cultura visando proteger interesses que atingem principalmente os poderosos da
Indústria Fonográfica. Não adianta tentar proteger direitos autorais com normas ineficazes, que

183
Did Radiohead's 'In Rainbows' Honesty Box Actually Damage The Music Industry? NME. Disponível em:
<http://www.nme.com/blogs/nme-blogs/did-radioheads-in-rainbows-honesty-box-actually-damage-the-music-
industry#rDioEtdhxZJvH0kA.99>. Acesso em 16 abr. 2016.
184
PARANAGUÁ, P.; BRANCO, S. Direitos autorais (Série FGV Jurídica). Rio de Janeiro: FGV, 2009. p.67.
185
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Trad. Susana Alexandria. São Paulo: Aleph, 2008. P. 34.
76

criminalizam até uma série de usos domésticos ou com fins educacionais. Assim como, a
Internet não é uma “terra sem lei” na qual se deva permitir o total desrespeito aos direitos de
autor.

Na perspectiva dos direitos culturais, a exclusividade de usos é uma exceção ao direito


de acesso à cultura, justificada como um incentivo econômico à criação. É em razão
dos direitos culturais – uma vez que o incentivo à criação tem por fito o
engrandecimento cultural da sociedade – que os autores são constitucionalmente
elevados a uma categoria especial de trabalhadores, o que, per se, demonstra ser, de
fato, uma exceção.
É também espúria a restrição injustificada ou excessiva ao acesso na medida em que
ofende os princípios democráticos dos bens de acesso restrito. A restrição do acesso
provoca a escassez artificial destes bens e possibilita inclusive a constitucionalmente
condenável censura de mercado.
O aparente conflito entre a liberdade de acesso e sua restrição deve ser resolvido em
favor da liberdade, como indica o Supremo Tribunal Federal ao afirmar que “quando
se tem um conflito possível entre a liberdade e a restrição, deve-se defender a
liberdade”.
Deste modo, é importante observar que as influências dos direitos culturais sobre os
direitos autorais são múltiplas, justificando, em confluência com outras disposições,
tanto a proteção patrimonial, como a proteção pessoal quanto às limitações à
exclusividade. Os direitos autorais estão, de fato, embebidos nos direitos culturais186.

“Por meio de uma interpretação uma interpretação literal do regime atual de direitos
autorais, qualquer usuário de Internet pode ser transformado em potencial infrator de
direitos”187. O que significa que várias normas da LDA são ineficazes e não tem mais validade
social, o que urge a necessidade de meios que adaptem os direitos autorais para a realidade
fática em consonância com os direitos fundamentais assegurados pela Constituição.

3.3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES

Na cultura de convergências de mídias houve tantos avanços no sentido de propiciar


uma maior harmonização entre direito de acesso à cultura e os direitos autorais, como também,
cada meio de disseminação de fonogramas mostrou ter seus pontos positivos e negativos.
Podemos dizer que até o advento do CD tinha-se uma proteção muito grande aos direitos
autorais dos titulares, mas com grande restrição ao acesso cultural, enquanto a Internet ajudou
muito a difundir a cultura, mas apresentou uma série de questões quanto à forma como os
direitos autorais estão normatizados, chegando a mudar até a eficácia e validade social de

186
SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. p. 132-
133.
187
REIS, Jorge Renato dos; PIRES, Eduardo. O Direito de Autor funcionalizado. In: SANTOS, Manoel. J. Pereira.
dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 218
77

algumas delas, e também mostrou que há grandes problemáticas nessa balança de princípios
fundamentais.

Com o intuito de sugerir possíveis soluções para esse conflito de princípios,


começaremos falando sobre os serviços de streaming de músicas, que surgiram como uma
tentativa de permitir acesso às músicas com o pagamento de royalties e está, gradativamente,
substituindo a necessidade de baixar músicas ilegalmente. Apesar de aparentemente ser uma
solução, pois acabou inibindo a pirataria de uma maneira crucial: não pela mera proibição, mas
com o oferecimento de uma alternativa mais prática, também existem várias críticas a esse
sistema.

Consoante pesquisa da International Federation Of The Phonographic Industry,


podemos coletar os seguintes dados: em 2013, o streaming correspondeu a 27% das receitas de
música digital, com um crescimento de 51,3% de inscrições nesse tipo de serviço apenas em
2013, enquanto o download pago correspondia a 67% das receitas. 61% dos usuários entre 14
e 64 anos haviam migrado para algum tipo de atividade legal de música digital nos últimos seis
meses; entre usuários de 16 a 24 anos, a porcentagem sobe para 77%. A compra de CDs físicos
correspondia a 51,4% dos lucros da indústria em 2013, o que representa uma queda de 4,7%
em relação ao ano passado. O mercado de LPs, apesar de representar apenas uma pequena
fração, suas vendas cresceram consideravelmente, de 32% nos Estados Unidos e 101% na Grã-
Bretanha, no ano de 2013188. Em 2015, o streaming representou, nos Estados Unidos, 34,3%
das receitas, ao passo que os downloads digitais pagos e os CDs físicos corresponderam a,
respectivamente, 34% e 28,8 das receitas. Em tal ano, pela primeira vez, o streaming superou
o lucro de ambos, consoante estáticas da RIIA189. Pesquisas de mercado afirmam que os
usuários de streaming praticamente deixaram de baixar música ilegalmente, mas também não
compram mais álbuns190.

As críticas quanto ao advento do streaming são provenientes principalmente dos


músicos, que reclamam que são pouco remunerados por tais serviços, razão pela qual Taylor
Swift e Thom Yorke retiraram suas músicas do catálogo do Spotify. Alguns relatos são

188
INTERNATIONAL FEDERATION OF THE PHONOGRAPHIC INDUSTRY. IFPI Digital Music Report 2014:
Lighting Up New Markets. 2014. Disponível em <http://www.ifpi.org/downloads/Digital-Music-Report-
2014.pdf>. p. 7-25. Acesso em 16 abr. 2016.
189
FRIEDLANDER, Joshua P. News and Notes on 2015 RIAA Shipment and Revenue Statistics. Disponível em:
< http://www.riaa.com/wp-content/uploads/2016/03/RIAA-2015-Year-End-shipments-memo.pdf>. Acesso em 16
abr. 2016.
190
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da
pirataria. Tradução: Andrea Gottlieb de Castro Neves – 1. Ed.- Rio de Janeiro: Intríseca, 2015. p. 241.
78

aterradores, como, a título de exemplo, o de Bette Midler, que recebeu pouco mais de 114
dólares pelas mais de quatro milhões de reproduções efetuadas em um trimestre e o de Damon
Krukowski, que precisaria de 13 milhões de reproduções em 2012 para ganhar a mesma quantia
auferida com a venda de mil singles em 1988191. Sam Duckworth recebeu £19.22 pelas 4.685
reproduções de seu último álbum solo, o equivalente à venda de dois álbuns em um show192.
Embora o valor pago por reprodução varie conforme o serviço de streaming, a média é de
0,00217 dólares por reprodução, de maneira que, para ganhar um dólar, o artista precisa de 456
execuções193.

Os serviços de streaming alegam que em média, 70% de seus lucros são destinados para
o pagamento às gravadoras, a vicissitude está no fato que os contratos que tais serviços têm
com as gravadoras não estipulam a porcentagem que os artistas irão receber, ou seja, são
contratos da relação privado entre o serviço de streaming e a gravadora. O pagamento ao músico
vai depender do contrato que este tiver com a gravadora, o que significa que alguns já tens
cláusulas que asseguram uma porcentagem maior nos proventos oriundo do streaming,
enquanto, em alguns casos, a porcentagem é a mesma praticada com os CDs194. Só que, um CD
vendido produz um lucro muito maior do que uma reprodução de stream, mesmo porque o valor
unitário investido pelo consumidor é bem maior, e que no caso do CD, existe o valor de suporte
material financiado pela gravadora, o qual não existe no streaming. O que atesta que tal modelo
beneficia principalmente as gravadoras e que estas, como sempre, se utilizam de cláusulas
draconianas com o objetivo de lucrar mais. Boa parte dos problemas que envolvem o streaming
e a porcentagem dos royalties pagos aos músicos durante toda a história dos aparelhos
reprodutores de sons está justamente na demasiada liberalidade dos contratos musicais com
grandes gravadoras, que são privados e regidos completamente pelo capitalismo. Enquanto as
gravadoras independentes têm que aceitar verdadeiros contratos de adesão com os serviços de
streaming, pois são as únicas em relação as quais os serviços de streaming têm poder de
barganha.

191
YU, Peter. How Copyright Law May Affect Pop Music Without Our Knowing it. UMKC Law Review, vol. 83,
2014. Disponível em <http://ssrn.com/abstract=2503445>. Acesso em 16 abr. 2016. p. 9
192
DUCKWORTH, Sam. Sam Duckworth: Thom Yorke’s right – artists can’t survive on Spotify streams. The
Guardian. Reino Unido, 16 jul. 2013. Disponível em <http://www.theguardian.com/music/musicblog/2013/
jul/16/thom-yorke-spotify-ban-right-sam-duckworth>. Acesso 16 abr. 2016.
193
RESNIKOFF, Paul. A Quick Summary of What Streaming Services are Paying Artists. Digital Music News.
Estados Unidos da América, 13 dez. 2013. Disponível em <http://www.digitalmusicnews.com/
permalink/2013/12/13/quicksummarystreaming> Acesso em 16 abr. 2016.
194
RESNIKOFF, Paul. A Quick Summary of What Streaming Services are Paying Artists. Digital Music News.
Estados Unidos da América, 13 dez. 2013. Disponível em <http://www.digitalmusicnews.com/
permalink/2013/12/13/quicksummarystreaming> Acesso em 16 abr. 2016.
79

Uma análise desde modelo de negócio, contudo, mostra que os valores poderiam ser
ainda mais altos, o que não se verifica na prática em função da assimetria de poder
existente nas diversas etapas da cadeia de produção e de comercialização de
fonogramas, a qual é, em grande medida, alheia ao advento do streaming. Como
resultado, as grandes gravadoras conseguem impor contratos não exatamente
vantajosos aos serviços de streaming e aos artistas que elas representam, o mesmo
ocorrendo entre esses serviços e as gravadoras independentes. É possível ainda
vislumbrar um aumento da captação de renda através de modelos de compensação
alternativa, mas tais modelos somente beneficiam os intérpretes consagrados. O
streaming, portanto, é uma boa alternativa para os intérpretes no que diz respeito aos
direitos autorais, na perspectiva do acesso à música. Ele, porém, não é capaz de operar
milagres em uma indústria onde disputas entre artistas, gravadoras e canais de
distribuição são uma constante há décadas195 (grifo nosso).

Conclui-se que o streaming, apesar de diminuir a pirataria, respeitar a função social dos
direitos autorais musicais no sentido de permitir um amplo acesso à cultura, já que a maioria
dos serviços, inclusive, tem versões gratuitas e pagas, também diminuiu a venda de CDs e
remunera parcamente os músicos. Ou seja, os direitos autorais patrimoniais respeitados são
praticamente os das grandes gravadoras. Mas isso não é culpa dos serviços de streaming em si,
mas da própria maneira de como se sustenta historicamente a relação entre músicos e indústria
fonográfica.

O streaming mudou o paradigma de propriedade da música para acesso a música, o que,


entre os meios de reprodução musical anteriores, o faz assemelhar ao rádio neste aspecto. Em
relação ao rádio, é benéfico pois este não oferece nenhuma remuneração. Mas em contrapartida,
o streaming oferece um acesso muito mais amplo ao usuário do que a radiodifusão, de modo
que não faz sentido dizer tem a função de ser “só um meio de divulgação”, a qual é principal
função do rádio. O streaming, apesar de ser, de todo modo, um modelo problemático, pois só
artistas consagrados conseguem rendimentos consideráveis através dele e, mesmo assim, muito
menores do que os oriundos da venda de CDs e de downloads pagos, não deixa de ser uma
alternativa legal a pirataria virtual, mesmo que com alguns reveses.

É importante frisar que a venda de CDs ainda é relevante, pois conforme os dados que
apresentamos anteriormente, correspondem a pelo menos quase um terço das receitas do
mercado fonográfico. Uma das alternativas é justamente baratear o valor dos CDs, a maioria
dos entrevistados pela pesquisa da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro afirmou
que compraria CDs originais, se eles custassem metade do valor196. Bem como, alguns artistas
conseguiram ser bem-sucedidos ao venderem CDs a R$2,00 pelo mercado informal, e como a

195
CASTRO, Carla Frade de Paula. Streaming de música e desenvolvimento: Uma boa alternativa em matéria de
direitos autorais? IN: CUNHA FILHO, Humberto (org.). Conflitos culturais: como resolver? como conviver?
Fortaleza : IBDCult, 2016.p.104-123 p.119.
196
FECOMERCIO/RJ. O Consumo de Produtos Piratas no Brasil. Rio de Janeiro. 30 de novembro de 2010.
Disponível em: <http://www.fecomercio-rj.org.br/publique/media/estudo.pdf >. Acesso em: 17 abr. 2016.
80

população de baixa renda tem fácil acesso a eles, seus shows costumam receber de 3 a 5 mil
pessoas, e assim conseguem um bom faturamento197.

Quanto ao uso de obras para fins educativos, falaremos do instituto estadunidense do


fair use (uso justo), o qual é oriundo do sistema do copyright, não tem correspondente nem no
direito autoral brasileiro, nem no europeu, e é considerado um dos institutos mais complexos
dos direitos autorais, além de ser extremamente flexível. Foi uma criação jurisprudencial que
tinha o intuito de balancear a noção de que os autores têm que colher os frutos de suas obras e
a noção de que a sociedade tem o direito de promover o progresso e o desenvolvimento cultural,
razão pela qual alguns usos devem ser permitidos sem que seja necessário qualquer tipo de
licenciamento ou autorização e sem que isso se constitua uma violação aos direitos autorais.
Foi codificada no Estatuto Autoral de 1976. É um instrumento complexo em razão de três
fatores: a) a falta de definição, b) a falta de uniformidade em sua aplicação e c) e sua necessária
flexibilidade198.

A seção do primeiro capítulo do Título 17 do Código dos Estados Unidos é


inteiramente dedicada ao fair use, e prevê a possibilidade de utilização e mesmo da
produção de cópias de obras protegidas independente de autorização do autor ou
detentor de direitos, desde que para a finalidades como crítica, produção de notícias,
estudo, pesquisa ou ensino (incluindo a distribuição de cópias para alunos em sala de
aula), se observadas algumas condições.
Os referidos usos serão considerados legítimos se não envolverem finalidade de
obtenção de lucro e não afetarem o mercado da obra protegida, observando-se sempre
para a constatação do fair use o propósito e as características do uso feito, a natureza
da obra utilizada e a porção do trabalho protegido que foi efetivamente usada ou
copiada. Assim, leva-se bastante em conta a boa-fé, o caráter pessoal e não comercial
do uso para a aplicação em cada caso dessa doutrina, sendo certo, no entanto, que a
distinção entre o uso legítimo e a infração não é taxativa, não havendo previsão oficial
de limite de quantidade da obra utilizada que corresponda a uso legítimo ou forma –
além da obtenção de licença – de assegurar que o uso feito não irá gerar conflitos com
o detentor do copyright199.

Tal construção pode fazer sentido no sistema de common law estadunidense “que parte
de um regramento específico, o que não ocorre no regramento brasileiro, que é bastante preciso
quanto aos direitos e às limitações impostas aos autores”200, porém, mesmo quando ele foi
codificado nos EUA, de uma forma que estabeleceu a doutrina inalterada ao estabelecer um

197
SHAVER, L. (editor). Access to knowledge in Brazil: new research on intellectual property, innovation and
development. New Haven: Information Society Project, 2008, p. 41. Disponível em:
<http://www.law.yale.edu/intellectuallife/6620.htm>. Acesso em 17 abr. 2016.
198
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p.41-52.
199
SOARES, Sílvia Simões. Aspectos Jurídicos do Compartilhamento de Arquivos MP3 PSP via Internet: A
Experiência do Napster e as Novas Tendências da Legislação de Copyright dos Estados Unidos. IN: LUCCA,
Newton de (coord.); SIMÃO FILHO, Adalbertop (coord.). Direito & Internet vol. II – Aspectos Jurídicos
Relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 614-676. p.632
200
SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. 1 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 137.
81

número mínimos de questionamentos que deveriam ser feitos quando da análise da aplicação
da referida doutrina, passou a ser uma limitação sem limites a ser analisada diante de cada caso
concreto201.

Tal doutrina não conseguiria resolver, obviamente, todos os problemas advindos do


embate entre direito autoral musical e acesso à cultura, mas poderia ser utilizada para permitir
uma série de usos sem fins lucrativos, ainda proibidos legalmente, como o caso, já aludido neste
trabalho, da disponibilização de partituras gratuitas de músicas “tiradas de ouvido”, que tem
claro fim educativo e, talvez, a depender da interpretação que se adotasse quanto ao instituto,
para autorizar a disponibilização sem fins lucrativos de músicas fora de catálogos, pois tal ato
não teria influência na já reduzida arrecadação dos royalties de tais obras e contribuiria em sua
difusão cultural. Porém o recomendável, a nosso ver, seria uma reforma da LDA que desse uma
permissão maior a uma série de usos, como forma até a se adequar melhor a realidade fática e
a função social dos Direitos Autorais.

Na década de 1980 iniciaram-se alguns movimentos em prol do software livre, que


representaram uma sociedade que queria ir além da mercantilização e idealizou um modelo de
cooperação com o intuito de se permitir a máxima quantidade de aperfeiçoamentos possíveis
em benefício da comunidade, baseado no princípio de compartilhamento de conhecimento e de
solidariedade. Para concretizar o ideal do Software livre, Richard Matthew Stallman idealizou
a licença GNU General Public License (GPL), uma licença livre que garante ao usuário do
software GNU a liberdade de copiá-lo, redistribuí-lo e mudá-lo, desde que aquele que o
modifique também o mantenha livre. Essa licença consolidou o conceito de Copyleft para se
referir a uma forma de utilizar a legislação de proteção autoral que permitisse eliminar os
direitos reservados impostos pela lei de copyright quanto à utilização, difusão e modificação de
obras criativos, mas diferente do domínio público, em que não existem restrições. O Copyleft
significa liberdade para copiar distribuir e modificar, porém tudo o que for agregado ao que já
está produzido também deverá continuar da mesma forma livre202.

O Copyleft serviu de inspiração para que o advogado norte-americano Lawrence Lessig,


professor de Direito da Universidade de Stanford, escrevesse a obra Free Culture: how big
media uses technology and the law to lock down culture and control creativy e, em 2011,

201
LEITE, Eduardo Lycurgo. Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
p. 79.
202
ARAYA, Elizabeth Roxana Mass; VIDOTTI, Silvana Aparecida Borsetti Gregorio. Criação, proteção e uso
legal de informação em ambientes da World Wide Web. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2010. p.94-95.
82

fundasse o projeto do Creative Commons. Este projeto permitiu a autores de obras intelectuais
-como textos, músicas e filmes- a licenciarem suas obras por meio de licenças públicas,
autorizando, assim, a coletividade a usar suas criações dentro dos limites de tais licenças.

Nessa perspectiva, o Ministério da Cultura aderiu ao projeto do Creative Commons,


uma adaptação do conceito de software livre para a seara cultural. [...] Segundo
Lessig, o Direito Autoral deixou de ser fomentador para se tornar instrumento de
obstrução da cultura e de controle da criatividade.
A ideologia Free Culture não nega a legitimidade da propriedade intelectual nem a
importância da justa remuneração devida aos autores. Critica sim o uso egoístico das
obras, a inobservância da sua função social.[...] Gilberto Gil, vem chamando a
proposta do Creative Commons de “reforma agrária no campo da propriedade
intelectual”. No Brasil, não existe apenas a urgente necessidade de libertação da terra
improdutiva, mas, também, do patrimônio imaterial em poder de megacorporações,
que, não raras vezes, agem como latifundiários da cultura, interessados apenas no
lucro. Nessa ótica libertária, a Internet viabiliza democrático assento virtual para
milhões de pessoas sem acesso à cultura 203.

Lawrence Lessig, fundador do Creative Commons, chegou a falar o seguinte acerca da


guerra do copyright, ressaltando a importância do equilíbrio necessário para fomentar a criação
cultural:

Os Direitos Autorais são, na minha visão, criticamente importantes para uma cultura
saudável. Com o equilíbrio apropriado, são essenciais para inspirar certas formas de
criatividade. Sem eles, nós teríamos uma cultura muito mais pobre. Com eles, pelo
menos apropriadamente balanceados, nós criamos os incentivos para produzir
maravilhosos novos trabalhos que de outra maneira não seriam produzidos 204.

A difusão do sistema Creative Commons permite que o autor ao invés de se valer do


“todos os direitos reservados” do copyright, seja protegido através de “alguns direito
reservados”. As licenças foram traduzidas e estão disponíveis no site do Creative Commons no
Brasil. O sistema é formado por seis licenças205:

a) “Atribuição (CC BY)”: segundo os termos desta licença, significa que o autor
autoriza a livre cópia, distribuição e utilização da obra. Observa-se que, assim, contorna-se o
problema do disposto no art. 46, II, da LDA, referente à cópia integral da obra, já que há
autorização expressa do autor quanto a permissão da cópia integral e também autoriza a
elaboração de obras derivadas, como remixes, o que elimina a necessidade de autorização

203
MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas tecnologias. In: Brasil,
Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais; v.1. p. 237-348 .p. 242-
243
204
MCGUINESS, Phillipa.P (ed.). Copyfight.Tradução nossa. Australia: Newsouth, 2015. p.14
205
LEMOS, Ronaldo; BRANCO JÚNIOR, Sérgio Vieira. Copyleft , Software Livre e Creative Commons: A
Nova Feição dos Direitos Autorais e as Obras Colaborativas. p.13-18. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2796/Copyleft_Software_Livre_e_CC_A_Nova%
20Feicao_dos_Direitos_Autorais_e_as_Obras_Colaborativas.pdf?sequence=1>. Acesso em 16 abr.2016.
83

expressa positivada no art. 29 da LDA. Tal licença obriga, em contrapartida, que todos os
direitos morais sejam respeitados.

b) “Atribuição-SemDerivações” (CC BY-ND): tal licença permite a redistribuição,


comercial e não comercial, desde que a obra seja distribuída inalterada e no seu todo, com os
devidos direitos morais respeitados.

c) “Atribuição-SemDerivações-SemDerivados” (CC BY-NC-ND): esta licença só


permite o download da obra e o compartilhamento desta, desde que os direitos morais sejam
respeitados. É a licença mais restritiva, pois não proíbe qualquer alteração ou utilização para
fins comerciais.

d) Vedados Usos comerciais ou “Atribuição-NãoComercial” (CC BY-NC): Pelos


termos desta licença, o autor autoriza a livre cópia, distribuição e utilização da obra, no que se
assemelha à primeira licença analisada. Porém, o autor proíbe o uso da obra com fins
comerciais. Desta forma, as pessoas que tenham tido acesso à obra poderão utilizá-la, nesse
particular, apenas em consonância com o já disposto na LDA, que tem por parâmetro o uso de
obras sem qualquer intenção de lucro. Permite-se, por outro lado, a cópia privada para si e sua
distribuição a terceiros, bem como o uso da obra original na elaboração de obras derivadas.

e) Compartilhamento pela mesma licença ou “Atribuição-CompartilhaIgual” (CC BY-


SA): Pelos seus termos, o autor autoriza a cópia, distribuição, remixes e utilização da obra,
como ocorre nos casos das licenças “atribuição” e “vedados os usos comerciais”. Todavia, o
autor impõe a condição de que, caso a obra seja utilizada para a criação de obras derivadas, a
obra derivada será necessariamente compartilhada pela mesma licença.

f) “Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual” (CC BY-NC-AS): esta licença


permite que o autor autorize a livre cópia, distribuição, utilização da obra e remixes, contanto
que não o uso não tenha fins comerciais e que, no caso de criação de obras derivados, estas
serão necessariamente compartilhadas pela mesma licença.

Ressalte-se que as licenças que permitem “os remixes” podem ser bem úteis no meio
musical, pois há várias polêmicas no direito autoral que envolvem o uso de samples e, inclusive,
os “remixes” de música constituem-se em um hábito muito difundido em serviços de
compartilhamento de vídeos como o youtube.

Podemos perceber que as licenças permitem um uso mais livre para a sociedade, levando
em conta a vontade do autor quanto as formas que deseja permitir a utilização de sua obra e, de
modo geral, o sistema propicia uma maior adequação entre os direitos licenciados e a função
84

social da Propriedade Intelectual. Um dos problemas do Creative Commons, no entanto, é que


se trata apenas da flexibilização dos direitos dos autores, sem delinear nenhuma flexibilização
quanto às grandes corporações da Indústria Fonográfica.

É bom que se alerte: o Creative Commons não é uma panaceia para todos os males.
Não representa um admirável mundo novo. Longe disse. Trata-se apenas de um
projeto de flexibilização do regime autoral, um modelo que viabiliza a difusão da
cultura na rede mundial de computadores. Deve, portanto, ser conjugado com outras
medidas de política pública. [...] Gil, ao tentar disponibilizar, gratuitamente, canções
de sua autoria, foi proibido pela gravadora Warner. [...] Tal veto comprova a
insuficiência do Creative Commons para uma ampla e desejável democratização do
acesso à cultura206.

Em 2011 o ministério da Cultura retirou do site a referência ao Creative Commons, mas


alegou que não houve mudança de mentalidade, e tomou tal decisão porque a legislação
brasileira permite e não há necessidade que o ministério dê destaque a uma iniciativa específica.
Porém nada impede que Creative Commons ou outras formas de licenciamento sejam utilizados
pelos interessados207. Porém, na nota de rodapé do site do Ministério da Cultura diz que é
permitida sua reprodução não-comercial, contando que a fonte seja citada.

As principais benesses do Creative Commons estão exatamente em permitir que a


cultura seja difundida de um modo mais prático, em consonância com a vontade dos autores,
sem necessitar de processos morosos para conseguir certas autorizações de uso. Não é suficiente
para solucionar as problemáticas do direito autoral, mas é uma alternativa que ajuda a conseguir
parte das flexibilizações necessárias para propiciar um maior acesso cultural para a população.

O jurista José de Oliveira Ascenção ressalta que, apesar do direito de acesso à cultura
ser, para ele, hierarquicamente superior aos direitos autorais patrimoniais, em razão da
importância que aquele tem para a coletividade, o conflito não pode ser resolvido por
esmagamento de um direito sobre outro, mas por conciliação, pois, se ambos os direitos são
justificados, tem que se procurar um ponto de equilíbrio em que cada direito alcança o máximo
de satisfação com o sacrifício mínimo dos direitos que com ele estão em conflito. Tal
conciliação realiza-se pelo estabelecimento de limites, porém estes são demasiadamente
taxativos e rígidos na atual legislação brasileira. Há muita problemática nestas questões e o
conflito entre direitos de autor e os direitos culturais terá que se resolver por análise setoriais,

206
MORAES, Rodrigo. A função social da propriedade intelectual na era das novas tecnologias. In: Brasil,
Ministério da Cultura, 2006. Direito Autoral – Coleção cadernos de políticas culturais; v.1. p. 237-348. p.322-
323.
207
MACHADO, André; MIRANDA, André. MinC abre polêmica após retirada da licença Creative Commons do
site do ministério. O globo. 22/01/2011. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/cultura/minc-abre-polemica-
apos-retirada-da-licenca-creative-commons-do-site-do-ministerio-2834198#ixzz46758BUla>. Acesso em 16 abr.
2016.
85

que permitam encontrar as vias de conciliação, com o máximo aproveitamento dos objetivos de
cada e a atenção necessária à hierarquia dos valores constitucionalmente consagrados208.

Uma das principais características dos direitos fundamentais, enquanto princípios que
são, é a sua relatividade, ou seja, por se tratarem de princípios constitucionalmente
previstos, os direitos fundamentais não se revestem de caráter absoluto, em caso de
tensão entre eles cabe o sopesamento de um sobre o outro para que se decida daquele
mais adequado209

Apesar do José de Oliveira Ascenção falar de “hierarquia” entre direitos fundamentais,


preferimos, nesse aspecto, adotar a teoria da ponderação de princípios de Alexy. Segundo esta,
não há hierarquia entre princípios, porém, nos casos difíceis (hard cases), onde há colisão de
princípios, tal conflito deve ser solucionado “a partir de uma cessão de um princípio em relação
a outro, em que o princípio cedente possui peso menor do que o princípio precedente. Por esse
viés, não se analisa a dimensão de validade dos princípios. Esses são válidos, sendo afastados
pelo sopesamento de interesses exigido no caso concreto”210. In casu, acreditamos que no
conflito entre os direitos autorais musicais patrimoniais e o direito de acesso à cultura, este deve
ser privilegiado em razão de promover uma maior satisfação aos interesses coletivos e assim,
permitir uma maior difusão cultural em prol da sociedade e promover um maior respeito a
função social dos direitos autorais, conjuntamente com uma série de outros direitos
fundamentais, como o direito à educação.

No momento ainda não há como se ter uma solução definitiva para o conflito entre
direitos autorais musicais patrimoniais e o direito de acesso à cultura, mas há maneiras de
harmonizar esses dois direitos fundamentais de forma que ambos sejam os respeitados da
melhor forma possível. É mister ressaltar que um dos problemas históricos quanto a
remuneração aos artistas está justamente na natureza da relação do contrato com as grandes
gravadoras que em troca da ampla divulgação que geralmente fornecem aos seus artistas,
realizam com estes contratos com algumas cláusulas abusivas, visando o maior lucro possível.
Enquanto as gravadoras independentes, apesar de terem contratos mais justos com seus artistas,
não têm as mesmas condições financeiras das grandes gravadoras de divulgá-los e, ainda, são

208
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Fundamental de acesso à cultura e direito intelectual. In: SANTOS, M.
J. P. dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 09-44. Passim.
209
LOPES, Lorena Duarte Santos. Colisão de direitos fundamentais: visão do Supremo Tribunal Federal. Revista
Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11242>. Acesso em 18 abr. 2016.
210
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 93. Apud LOPES, Lorena Duarte Santos. Colisão de direitos fundamentais: visão do Supremo
Tribunal Federal. Revista Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11242>. Acesso em 18 abr. 2016.
86

relativamente hipossuficientes em uma série de situações, pois, por exemplo, não têm poder de
barganha em relação a serviços como o de streaming.

Então, defendemos que deve haver uma reforma na legislação autoral brasileira, para
que esta esteja em maior consonância com a realidade fática e com a função social dos direitos
autorais, e assim, permitir que as normas sejam mais eficazes e possibilitem uma maior difusão
cultural. Bem como, deve-se buscar nas possíveis soluções, como o instituto do fair use, as
licenças do creative commons e a venda de CDs a preços mais acessíveis, como formas de
harmonizar ambos os direitos fundamentais, pois, apesar de não terem o poder de solucionar o
conflito, propiciam uma maior harmonização entre o direito autoral musical e a acessibilidade
cultural.

Exatamente por estarmos em uma era de convergência de mídia, em que novos meios
tecnológicos suplantam outros, não há como se sustentar uma solução definitiva. Há alguns
anos nem sequer se pensava no streaming, exempli gratia. Por conta da nossa própria condição
humana não podemos ver o que ainda vai surgir ao olharmos para o horizonte. Cada nova
tecnologia causa um impacto, com benesses e vicissitudes, que acarretam em diferentes
consequências.

Deste modo, sustentamos que não se deve tentar voltar ao passado e coibir
ineficazmente os novos meios tecnológicos, e sim, que a legislação, as gravadoras e os artistas
devam se adaptar a estes. A criação do Vevo, por exemplo, mostrou que as novas tecnologias
podem sim propiciar novas formas de obter receitas sem sobrepujar o direito de acesso à cultura.

Assim como, há diversos casos de músicos que puderam ser beneficiados pela
divulgação oriunda das novas tecnologias, que, por um lado, revela-se ser mais livre ao
propiciar mais alternativas fora do monopólio das grandes gravadoras, mesmo que também
signifique que, cada vez mais, os artistas estejam faturando mais com shows do que com o
dinheiro oriundo das gravações. Realidade muito visível no caso dos artistas independentes que
disponibilizam sua música gratuitamente, mas assim conseguem uma maior divulgação a sua
obra. Ademais, alguns sites como o www.catarse.me oferecem a possibilidade de músicos,
cineastas, entre autores de outros projetos conseguirem financiamento coletivo (crowdfunding)
de suas obras, o que possibilitou que várias bandas conseguissem gravar seus CDs graças às
doações de seus fãs que, em troca, usualmente recebem algum dos CDs que ajudaram a
financiar, entre outras possibilidades de “recompensas”. Ou seja: é mais uma alternativa que a
Internet propiciou de que os custos de gravação fossem pagos diretamente pelos consumidores,
87

apesar de que apenas bandas que já contam com uma quantidade considerável de apreciadores
conseguem obter êxito em tal tipo de projeto.

Acreditamos que ainda muitas novas peças irão aparecer no tabuleiro de xadrez da
presente problemática, mas, por ora, o que se pode fazer é buscar a conciliação dos direitos
humanos fundamentais envolvidos através do uso complementar de várias possíveis soluções
de maneira em que se propicie o máximo respeito aos direitos autorais musicais patrimoniais
na medida em que a função social da Propriedade Intelectual seja atendida o mais amplamente
possível.
88

CONCLUSÃO

O presente trabalho, em seu capítulo primeiro, procurou expor uma visão geral das
principais normas gerais atinentes aos direitos autorais e seus conceitos e também, de forma
mais específica, quanto aos aspectos normativos e conceitos importante dentro dos direitos
autorais musicais, bem como buscou apresentar uma visão histórica dos direitos autorais para
trazer a lume a forma como cada época os concebia.

No escorço histórico foram trazidos alguns fatos importantes, como a construção da


compreensão de direitos morais e patrimoniais, a influência da imprensa de Gutenberg para o
direito autoral exatamente por permitir a reprodução em larga escala, os sistemas de copyright
e droit d’auter, os cenários históricos que o cercaram e as implicações de cada um. O Brasil
adota o segundo modelo, o que significa, em tese, que tem uma maior preocupação com os
direitos de autor do que o copyright, mesmo que tal constatação seja um tanto ilusória, pois, de
modo geral, a proteção atinge mais os titulares, como editoras e gravadoras, do que os artistas.

Foi abordado que cada tecnologia referente a reprodução de fonogramas causou


diferentes impactos nos direitos autorais musicais. Porém, uma das problemáticas que regeram
todo esse percurso histórico foi exatamente a submissão dos músicos aos contratos das grandes
gravadoras, muitas vezes com cláusulas abusivas, em razão delas serem as detentoras do capital
necessário para a fabricação de discos e para a divulgação dos artistas para o grande público.

Apesar de existir doutrinas patrimonialistas segundo as quais a função social do direito


autoral consiste em uma maior proteção ao autor, para que este possa produzir mais, chegou-se
à conclusão que a função social dos direitos autorais, na verdade, refere-se a difusão cultural da
obra em prol da coletividade.

Em razão da função social dos direitos autorais, existem um rol taxativo de limitações
aos direitos autorais positivado na LDA. Porém, constatou-se que tal rol é insuficiente, pois
alguns usos domésticos e com fins educacionais ainda são considerados ilegais. Os direitos
autorais e o direito de acesso à cultura são dois direitos humanos fundamentais estabelecidos
constitucionalmente. Porém, utilizando a da teoria da ponderação de princípios de Alexy,
entendemos que em o direito de acesso à cultura deve ser priorizado em relação aos direitos
autorais patrimoniais, pois atinge de uma forma mais plena a coletividade e está em maior
consonância com outros direitos fundamentais, como o direito à educação.
89

Porém a conciliação entre esses dois direitos fundamentais não se encontra em um


sobrepujar o outro, mas em tentar uma conciliação entre ambos, apesar de que, no caso de
conflito entre ambos, acreditamos que deve se dar primazia ao direito de acesso à cultura em
razão de sua carga transindividual. Todavia, deve-se procurar harmonizá-los, na medida do
possível e da realidade fática.

No tocante à internet, apesar desta ter propiciado um grande dilema no direito autoral
quando os aplicativos de compartilhamento de arquivos permitiram que os usuários pudessem
baixar ilegalmente quase todas as músicas do planeta, também se percebeu que o acesso à
cultura que ela promoveu não pode ser ignorado, bem como permitiu uma divulgação musical
fora do monopólio das gravadoras e vários artistas conseguiram chegar ao estrelato através dela.
Tal como, atestou-se que ela também abriu várias novas oportunidades de faturamento, como
os clipes, que antes eram cedidos gratuitamente, passaram a serem patrimonialmente lucrativos
com através dos royalties pagos por meio dos anúncios nos sites de compartilhamento de vídeos
e ainda permitem o amplo acesso cultural, o que demonstra que a adaptação às novas
tecnologias é possível e necessária.

Argumentou-se que algumas das normas autorais são ineficazes, com base na teoria do
fato jurídico de Marcos Bernardes de Mello e na teoria tridimensional do Direito de Miguel
Reale, de forma que foi entendido que não adianta combater a pirataria e o avanço da internet
com normas ineficazes, como não é possível, nem desejável, frear o progresso desta ou a
acessibilidade a cultura que esta propiciou. Porém, os direitos autorais patrimoniais dos músicos
devem ser protegidos, pois as gravações também tiveram um custo e os artistas têm direito a ter
uma contraprestação por suas obras, se assim desejarem.

Entre as possíveis soluções, foi falado acerca dos aspectos atinentes ao streaming,
acessibilidades dos CDs, ao instituto do fair use, ao Copyleft e ao Creative Commons. Chegou-
se à conclusão de que o streaming está diminuindo a pirataria, paga direitos autorais às
gravadoras e permite um amplo acesso cultural, porém paga pouco aos músicos e diminuiu a
venda de CDs. Todavia, os problemas quanto a pequena remuneração também são oriundos da
relação do músico com as grandes gravadoras. Enquanto as gravadoras independentes têm que
aceitar verdadeiros contratos de adesão. Porém, atestou que as práticas ilegais são melhor
coibidas não através do ordenamento e de processos, mas com o advento de alternativas que
melhor atendam às necessidades da população, com uma maior praticidade.

Quanto ao fair use, deduziu-se que este é um instituto interessante que talvez pudesse
ser aplicado no território pátrio para permitir alguns usos justos, ainda considerados ilegais,
90

porém acreditamos que uma reforma legislativa seria muito mais eficiente neste aspecto, pois,
assim, uma série de usos justos e educacionais poderiam estar positivamente protegidos, o que
propiciaria um maior acesso à cultura.

O movimento do software livre que foi o berço do Copyleft foi muito influente para a
criação do Creative Commons, sistema que permite que autores adquiram licenças com “alguns
direitos reservados” e assim, autorizem alguns usos livres de sua obra, com maior ou menor
flexibilização de acordo com a licença escolhida. Porém, apesar de propiciar que os autores
flexibilizem seus direitos autorais em prol da coletividade, entendeu-se que tal sistema sozinho
não resolve a problemática, pois não teorizou uma flexibilização por parte das gravadoras e
deve ser conjugado com outras medidas de política pública.

Em análise de todo o exposto, conclui-se que os maiores prejudicados de fato são os


músicos que ficam tanto a mercê das gravadoras, quanto da acessibilidade de sua obra sem justa
contraprestação. Também percebeu que os músicos se adaptaram à nova realidade de formas
diferentes. Alguns disponibilizam sua obra gratuitamente na internet e o que auferem
patrimonialmente é o resultado de seus shows. Aparentemente, tal modelo tem funcionado bem
para artistas que querem produzir fora do circuito das grandes gravadoras, sem ter que se
sujeitar a cláusulas leoninas ou a interferências em sua liberdade artística. A internet propiciou
que fosse possível realizar gravações mais baratas, mesmo que não tenham a qualidade de
gravações de estúdio, e também permitiu que o mercado independente fosse, de certa forma,
fortalecido, pois os artistas ganharam uma possibilidade de divulgação sem a mediação das
grandes corporações. Além de criar outras alternativas, como o financiamento coletivo que
permite que os fãs possam ajudar nos gastos da gravação em estúdio, mesmo que apenas artistas
com uma quantidade notável de público consigam obter êxito com tal estilo de projeto.

Contudo, as majors ainda tem um papel relevante, pois o modo como elas financiam o
artista acaba o deixando muito mais em evidência do que os que tentam se estabelecer
independentemente. Ademais, em razão do efeito de substituição, onde os downloads gratuitos
substituem a compra de álbuns por parte de alguns consumidores, também foram elas as mais
afetadas pelos impactos virtuais, porém algumas já repassam a diminuição de lucro aos artistas
através de contratos como o de 360, além de terem várias outras artimanhas para maximizar
seus lucros. Um dos motivos pelos quais, inclusive, julgamos que se deva privilegiar o direito
de acesso à cultura em relação aos direitos autorais patrimoniais é o de que as grandes
gravadoras têm uma porção muito maior dos lucros do que os artistas responsáveis pela obra,
conforme demonstramos.
91

Entendemos, então, que a harmonização entre os direitos autorais musicais e o direito


de acesso à cultura pode se dar com a adoção de vários atos conjuntos, como a reforma da
legislação autoral, com o intuito de permitir uma maior acessibilidade cultural e normas que
sejam mais eficazes, o barateamento dos preços dos CDs e contratos mais justos em relação ao
streaming, que afinal é uma tecnologia muito recente, como, também, com a adoção de políticas
públicas e por meios que permitam que a possibilidade de flexibilização de direitos autorais
patrimoniais seja realizada não só pelos artistas, como também pela indústria fonográfica.
Também concluímos que, apesar das controvérsias geradas com cada nova tecnologia, em
especial, com a internet, é possível se adaptar a esta com êxito e respeito ao acesso cultural,
mesmo que nem sempre tal adaptação seja fácil. Ressalte-se que ela também foi responsável
por novas formas de se lucrar com música e por uma difusão cultural mais livre de imposições
mercadológicas.

Diante das questões por nós levantadas, concluímos que a tecnologia não deve ser
encarada como uma inimiga, mas como uma aliada que, ao mesmo tempo em que gera vários
problemas, também abre várias novas possibilidades. O meio mais eficaz de se adaptar a ela
não é tentar cegamente deter seu avanço, o que se provou infrutífero, mas criar novas maneiras
de difundir e comercializar a música. Destaque-se que estamos em uma cultura de
convergências de mídias e ainda não sabemos quais novas tecnologias irão surgir, nem quais
serão as consequências destas. Olhando a conjuntura que envolve a questão, é perceptível que,
por ora, ainda não é possível solucionar definitivamente o problema. Contudo, apesar de
defendermos que a balança deva pender para o lado do direito de acesso à cultura em razão de
sua importância para a coletividade e da própria função social do direito autoral, acreditamos
que seja possível conciliar o embate apresentado nessa obra através da adoção de medidas como
as acima aludidas, como uma forma de tentar, ao menos, atenuar o problema, enquanto não são
apresentadas novas possíveis soluções.
92

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