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ROTEIRO DE LEITURA DO TEXTO “A ESCRITA DA HISTÓRIA” – MICHEL DE

CERTEAU
Elizete Bernardes
Natália Zancanari
Regiane Barbosa

Michel de Certeau foi um historiador estudioso da religião e experiências místicas


entre os séculos VXI e VXII. Também escreveu sobre a epistemologia da história e a
multiplicidade da cultura, oferecendo importantes contribuições para a história do misticismo,
da historiografia e da linguagem.
A “Escrita da História” é uma obra que contem a visão da história e da oficina
historiográfica. O autor apresenta procedimentos práticos e teóricos relativos a essa escrita da
história. Também apresenta questionamentos que levam os profissionais da área a refletirem
sobre seus métodos. Um primeiro ponto a ser abordado era a preocupação que o autor dava a
multidisciplinaridade, principalmente com relação a Lingüística e a Antropologia. Para ele, a
multidisciplinaridade permitia captar o momento histórico de um ponto de vista mais amplo.
Outro aspecto importante na sua análise é o lugar do historiador, os pressupostos que
fazem parte de sua produção. O autor salienta que este profissional produz seu trabalho a
partir do presente, das preocupações da sua realidade, de problemáticas impostas por sua
situação, fazendo de seu discurso, um discurso particularizado, que tem um emissor, o
historiador e um destinatário. Essa discussão implica numa constatação para o autor: não
podemos falar de uma verdade, mas de “verdades”.
Deste modo o historiador, na sua compreensão, pode produzir verdades subjugadas,
não só pelos limites da pesquisa histórica, mas também influenciadas pelo seu presente. A
historiografia mexe constantemente com a história que estuda e com o lugar onde se elabora.
Para Certeau, a produção da historiografia deveria ser considerada como a relação
entre um lugar, procedimentos de análise e a construção de um texto. Nessa perspectiva, a
operação histórica se refere a combinação de um lugar social, de práticas científicas e de uma
escrita, que não devem ser colocados dissipadamente. Na pesquisa histórica eles se articularão
a todo tempo. Assim o autor coloca que ao construirmos uma narrativa histórica, mediamos
elementos tão distintos como um lugar temporal, espacial, social, cultural, institucional, uma
disciplina feita de regras, conceitos, métodos e uma escritura, feita de estilos, gênero,
convenções.
Segundo Certeau, neste caso, escrever a história é também mediar temporalidades,
exercer a atividade de tradução entre naturezas, sociedades e culturas. Colocado em sua
realidade, na margem do presente, o historiador tem a tarefa de construir de sua narrativa uma
canoa que possa mediar um passado e um presente. Pois desde os textos dos fundadores da
Escola dos Annales, podemos perceber que invertemos a relação passado e presente,
aprendemos que é o presente que interroga o passado e o conecta com a nossa vida, com as
sua problemáticas, o passado com a história é uma invenção do presente, embora apegados
nos vestígios, nas divisões deixadas pelo passado.
Então, compreende-se que quando o historiador consulta arquivos, textos, leituras
deixadas pelas gerações passadas, são reescritos e revistos a partir dos problemas do presente,
pois ao fazer uma leitura do passado, por mais controladas que seja, pela análise dos
documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente, pois elas se organizam em função
de problemáticas impostas por uma situação.
Outro aspecto a ser ressaltado, são as técnicas utilizadas pelo historiador. Ele trabalha
de acordo com seus métodos (imagens, sons, papéis), trabalha sobre um material para
transformá-lo em história, transformando o natural em utilitário, ou seja, o historiador pode
transformar em cultura os elementos que extrai de campo naturais, precedendo um
deslocamento da articulação natureza/cultura.
O historiador não visa mais uma história global, ele trabalha nas margens, nas zonas
silenciosas, como a literatura popular, o mundo esquecido dos camponeses. A história
mantém relação com diversas ciências que permite exercer, com referência a cada uma delas,
em função crítica necessária. Ela define seus objetos e para onde os desloca, segundo os
campos mais decisivos (sociológico, econômico, demográfico, cultural, etc.) e conforme as
problemáticas que os organizam.
A operação histórica consiste em recortar o dado segundo uma lei presente, que se
distingue do seu passado, distanciando-se com relação a uma situação adquirida e marcando,
assim, por um discurso, a mudança efetiva que permite este distanciamento. Contudo, a
operação histórica tem um efeito duplo. Por um lado, historiciza o atual, ou seja, ela
presentifica uma situação vivida. E por outro, a imagem do passado, mantém o seu valor
primeiro de representar aquilo que falta.
Assim o presente e o passado estão interligados no momento em que, mesmo no
presente, o historiador através de objetos, de artefatos diversos convive com o passado, e a
força histórica de ser buscada através da realidade, organizada pela espistemologia, tendo a
história sempre um poder crítico e uma finalidade de cunho social.
Certeau apresenta dois tipos de reais: aquele o qual ele denomina real conhecido
(aquilo que o historiador "ressuscita" do passado) e o real implicado (que relaciona-se à
operação científica do historiador, aqui, engloba os procedimentos, problemática, uma prática
de sentido). De um lado, temos o real como resultado de uma análise e de outro, como o seu
postulado. Tais formas "não podem ser eliminadas nem reduzidas uma a outra" (2002, p. 45)
O autor esclarece que não há "conflito" entre os reais, postulados por ele, uma vez que
o historiador está numa posição instável. Se dá prioridade a um resultado 'objetivo', se visa
colocar no seu discurso a realidade de uma sociedade passada e a reviver um desaparecido,
ele reconhece, entretanto, nesta reconstituição, a ordem e o efeito de seu próprio trabalho. O
discurso destinado a dizer o outro permanece seu discurso e o espelho de sua operação."
(2002, p. 46).
O autor diz que o trabalho com a História é um trabalho sobre o limite. São os recortes
dos períodos os quais o historiador se propõe a pesquisar, são os recortes com relação aos
diálogos que se travam com outros discursos, são as revisões e comparações dos períodos
diferentes, que fazem aparecer diversos tipos de análises; assim como, instalar continuidades,
isolando séries, particularizando métodos, etc.
Com tantos melindres da historiografia, daqui a pouco a História escrita será encarada
apenas como um texto, com uma articulação de significações apresentados como fatos, "na
medida em que constitui um relato ou um discurso próprio." (p. 51). Nessa linha, parece-nos
que a historiografia são as articulações de significações, apresentadas como "fatos".
Dessa forma, percebe-se que o historiador ao optar por um tema em sua pesquisa, ao
fazer recortes seja de temporalidade, espaço, entre outros; ele é influenciado pelo lugar em
que ocupa, pelo meio em que se situa. Ou seja, ele recebe referências desse meio em sua
escolha de pesquisa e também nos métodos que utilizará para tal, bem com em sua escrita, seu
trabalho final. É o que o autor irá nomear como lugar social. Segundo Certeau “é em função
deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os
documentos e as questões, que lhe serão propostas, se organizam” (p. 67). De maneira que
essa pesquisa inserida em determinado lugar liga-se a certos interesses que são determinados
por este.
É importante lembrar que, é o profissional da história que dá sentido as suas fontes,
através da teoria e dos métodos que irá utilizar. Isso faz com que o “sentido” de sua pesquisa
seja dado pelo lugar ao qual pertence, e deve ser interpretado como tal, ou seja, inserido no
contexto de que foi originado.
Michel de Certeau aborda um outro ponto a ser considerado que é a vinculação da
pesquisa histórica as instituições. Estas possuem um grande peso, pois elas determinam o
discurso do historiador e ainda, as técnicas e métodos que ele irá utilizar em suas pesquisas,
buscando também o reconhecimento pelos seus pares. Pode-se perceber, nesse sentido, que o
lugar de que trata o autor, e que influencia nas pesquisas, também se coloca como uma forma
de possibilidades e limitações. Observa-se, no entanto, que os interesses do lugar estará
presente nessas pesquisas históricas. Nesse sentido, a pesquisa configura-se como a
demarcação e a problematização de um lugar.
A partir do lugar, a prática do historiador tem por objetivo transformar um objeto em
histórico, em historicizar um elemento. Segundo o autor, o objeto deve ser analisado dentro de
um contexto, pois sem este possivelmente ficaria no espaço que ele chama de não - dito. O
que é importante ressaltar, é que os métodos, as técnicas científicas variam de acordo com os
textos culturais de cada sociedade, além de obedecerem as regras da instituição ao qual está
vinculada.
No que diz respeito a escrita da história, autor diz que a representação literária não é,
propriamente, "histórica" senão quando formada a partir de um lugar social e quando ligada a
uma prática. Diz ele: "De fato, a escrita histórica - ou historiadora - permanece controlada
pelas práticas das quais resulta; bem mais do que isto, ela própria é uma prática social que
confere ao seu leitor um lugar bem determinado, redistribuindo o espaço das referências
simbólicas e impondo, assim, uma 'loção'; ela é didática e magisterial. Mas ao mesmo tempo
funciona como imagem invertida; dá lugar à falta e a esconde." (p. 95). O discurso
produzido segue tanto uma ordem cronológica quanto um efeito de fechamento. Dito de outro
modo: a pesquisa no texto sempre terá um fim, um término.
Ao que se refere à cronologia da historiografia, é certo que os resultados de
uma pesquisa se submetem a uma ordem cronológica, esta subdivide-se em dois tempos: o
tempo das coisas e um tempo discursivo (o discurso "avança" conforme é posto no texto.).
Não obstante a essas noções, a cronologia ainda fornece a condição de recorte em períodos.
Ao nos voltarmos para a construção da historiografia percebe-se um desdobramento
do discurso, uma vez que este tem a característica de combinar uma semantização (produção
de sentidos) com uma seleção e de ordenar uma inteligibilidade por meio de uma
normatividade.
O historiográfico ao colocar o seu discurso, resultante de uma prática, como o do outro
se utiliza de citações, referências, notas, etc, e assim ele se estabelece como saber do outro. E
ainda, introduz-se um efeito do real, e também remete-se a um lugar de autoridade. "Sob este
aspecto, a estrutura desdobrada do discurso funciona à maneira de uma maquinária que extrai
da citação uma verossimilhança do relato e uma validade do saber. Ela produz credibilidade."
(p. 101).
Um outro importante aspecto do desdobramento refere-se à relação entre
acontecimento e fato. Este, segundo o autor, "é aquele que preenche para que haja enunciados
de sentidos." e o acontecimento recorta, para que haja inteligibilidade. O acontecimento liga-
se à organização do discurso. O fato "fornece os significantes, destinados a formar, de
maneira narrativa, uma série de elementos significativos. Em suma, o primeiro
[acontecimento] articula, e o segundo [fato] soletra." (p. 103).
Pode-se perceber que o autor caracteriza a operação historiográfica a partir de três
pontos principais que se configuram no lugar, na prática e na escrita. Esses três elementos não
podem ser considerados separadamente, ao contrário, estão interligados em todos os
momentos, sendo que um articula com o outro e o determina. Cada um desses elementos
demanda uma série de discussões bem mais densas que estas aqui apresentadas, bem como da
própria operação historiográfica. Vale ressaltar que, a pesquisa em história não se caracteriza
somente pelo profissional e seu objeto de pesquisa. Mas, recebe referencias de todo um
contexto social que se articula com a pesquisa todo o tempo.

Referencia bibliográfica:
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de
janeiro: Forense Universitária, 1982.

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