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Dicionario Teoldgico Enciclopédico Titulo original: LEXICON - Dizionario Teologico Enciclopedico © 1993 — Edizioni Piemme Spa Via del Carmine 5 15033 Casale Monferrato (AL) ITALIA ISBN: 88-384-1975-2 EpicAo BRASILEIRA Preparagiio Silvana Cobucci Leite Marcos Marcionilo Diagramagio So Wai Tam Revisiio Maria de Fatima Cavallaro Edigées Loyola Rua 1822 1° 347 — Ipiranga 04216-000 Sdo Paulo, SP Caixa Postal 42.335 — 04218-970 — Sao Paulo, SP (Gi O**11) 6914-1922 @:(**11) 6163-4275 Home page e vendas: www.loyola.com.br Editorial: loyola@loyola.com.br Vendas: vendas@ loyola.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrénico ou mecénico, incluindo fotocépia e gravacdo) ou arquivada em qualquer sistema ‘on banco de dados sem permissdo escrita da Ediwora. ISBN: 85-15-02487-X © EDICOES LOYOLA, Sao Paulo, Brasil, 2003 AsbA Expresso aramaica com a qual « crianga identifica 0 pai. Teologicamente, é de suma importincia porque remonta a Jesus de Nazaré que, com essa expressio, dirigia-se a Deus, ensinando seus discipulos a fazer ‘© mesmo, Na histria das religides, ¢ facilmente encontravel © epiteto “pai” usado em relagdo a divindade: o Egito, de modo especial, mantém essa tradiguo. O fara6, com efeito, no momento de sua entronizagdo, se tor na filho do deus sol. tomando-se ele proprio deus. ‘Também o AT, que teve historicamente fortes vine Jos com o Egito, aderiu & mesma perspectiva. Muitas vezes, nas narrativas do Eixodo cria-se um paraleli: mo entre a progénie de Israel e a dos egipcios contrapor as duas naturezas dessas mesmas prog nies (Ex 4,22), Temendo um mal-entendido em sen- Lido mitico, Israel usaré com parciménia o titulo apli- cado a Lahweh, Em diferentes épocas hist6ricas, di- versos personagens serio qualificados de “filho” de Deus: 0 povo antes de tudo; seguem-se depois os anjos, porque formam sua corte e, finalmente, ho- mens tomados individualmente quando conservam firme e pura sua fé. Seré, de qualquer forma, princi- palmente 0 rei-messias quem manteri o privilégio de uma relagio peculiar com Deus (2m 7,14), Pela pri- meira € tinica vez em toda a histéria de Israel, sera a ele aplicada a expressio: “Tu és meu filho: eu, hoje, te gerei” (SI 2,7). E evidente que, pela forte caracterizagiio monoteista, 0 interesse podia consistit 86 e exclusivamente em uma palernidade de carater adotivo. De todo modo, jamais, no AT, israclita usa pronunciar uma oracdo dirigindo-se a Tahweh com 0 vocative “abba”. A parciménia do AT contrapée-se a abundancia do uso desse mesmo vocativo no NT. A expressiio ocor- re mais de 250 vezes, « ponto de ser identificada como a férmula tipica com a qual os cristios se di rigem a Deus. O fundamento disso é a maneira de ara agir do proprio Jesus. Desde os estratos mais primi- tivos e areaicos da tradigio, € possivel individuar em “abba” a linguagem peculiar com a qual ele se dirigia a Tahweh, mostrando que tinha com ele uma relagdo de filiag’o natural (Me 13,32). Em diversos textos, evidencia-se 0 uso peculiar feito por Jesus no s6 da que Marcos sente 0 dever de transli- terar do aramaico para 0 grego, acrescentando-Ihe logo © cquivalente grego (Mc 14,36), mas também da qua- li ‘meu pai” (MU 11,27), Essa relacdo filial & linica, tanto que é utilizada também a formula dife- rente “vosso pai” dirigida aos disefpulos (Le 11,13), O uso de é 36 para oy discfpulos, sendo essa uma oragio que Jesus ensina a eles (Mt 6,9). Abbé lembra, portanto, as notas de intimidade, de confianga e de amor, mas exprime também claramen- te 0 motivo da condenagao de Jesus: “Nao € por uma bela obra que queremos te apedrejar, mus por uma blastémia, porque tu, sendo homem, te fazes Deus” (Jo 10,33); essa pretensio era de tal forma absurda para seus contempordneos que estes jamais teriam podido pensar a relagdo com Deus nesses termos. Bibl: J. Jesesuss, Abbo, Breseia 1968 (trad. de Abba, Gittingen 1966); W. Maxcuet, Abba, Pere! La priére di Christ et des chrétiens, Roma 1963; 8. Sapvoat, Abba’. La onaciin del Seftor, Maid 1985 nosso R. FISICHELLA ‘Aspias A respeito desse que & 0 livro mais breve do AT (conta 21 wv.), Os criticos escreveram muito. Exceto ‘© nome, nada sabemos a respeito de Abdias. Ele fala de uma época em que “estrangeiros” conquistaram Jerusalém ¢ destruiram o templo do Senhor (v. 17). Edom. 0 povo irmao, uniu-se ao invasor, aproveitor se da derrota, alegrou-se com a destruigio, cometeu intimeros delitos. Semethante deserigio corresponde muito bem a situagio criada em 587 com a invasio jo as partes em que se divide 0 ‘ABORTO livro: os versiculos 1- io. um oriculo contra Edom; 08 versiculos 16-21, um ordculo contra as nagdes em telago com o “dia de lahweh’. O livrinho é um grito apaixonado de vindicta, cujo espirito nacionalista contrasta com o universalismo do Déutero-Isaias. Mas © trecho exalta também a justiga terrivel ¢ 0 poder de Tahweh, que age como defensor do direito, Bibl.: G. Beawe, Gioele, Abdia, Roma 1972; H, SRAUMANN: Scwwnatt, Sofonia, Naum, Abacue, Abdia, Giona: Israele gli altri?, Assisi 1989. G. LORUSsO Asorro E toda e qualquer interrupgio da gravidez. Isto se dé mediante a expulsdo do titero matemo de um feto vivente imaturo, que nao esté em condigies de viver aulonomamente. 0 aborto pode ser espontineo ou provocado: © primeiro € determinado por diversas Ccansas; 0 segunda comporta um ato positive da pes- soa com 0 objetivo de conseguir a interrupgio da gravidez. A Igreja sempre condenou 0 aborto. A Gaudium et Spes afirma no n, 51: “O aborto © infanticidio so crimes nefandos”. A Congregagio para a Doutrina da Fé publicou em 18 de novembro de 1974 a Declaragio Quaestio de abortu procurato, relativa a defesa do embrido: “O minimo que se pode dizer € que a ciencia hodierna, em seus estraios mais evoluidos, no fornece nenhum apoio substancial aos defensores do aborto. Aliis, no compete as ciéncias biolégicas pronunciar um juizo decisivo a respeito de questdes propriamente filoséticas e morais, como a do momento preciso em que se forma a pessoa hu- mana e a da legitimidade do aborto. Ora, do ponto de vista moral, uma coisa € certa: ainda que houvesse alguma divida relativa ao fato de que 0 fruto da concepgio seja jd uma pessoa humana, € objetiva- mente um grave pecado ousar assumir 0 riseo de um homicidio, 14 é um homem aquele que o sera”. Do mesmo modo afirma a posterior Instrugdo Donum Vitae, da mesma Congregagio (22 de fevereiro de 1987): “O ser humano deve ser respeitado ja desde 0 primeiro instante de sua existéncia, quer dizer, desde a concepcio”. Portanto, mesmo prescindindo da dis- cussio tedrica sobre a hominizagio, 0 Magistério adota a solucéo rigorista, alids bastante recente. © Codigo de Direito Candnico de 1983 manteve @ pena de excomunhio para aqueles que provocam 0 aborto. O cénone 1398 diz: “Quem procura 0 aborto, uma vez conseguido 0 efeito, income em excomu- nhio”. Trata-se de uma pena latae sententiae, na qual se incorre logo que se comete 0 “elito”. No caso em que a gestante tenha agido em um estado de forte emotividade causada por pressGes externas ficaria tal- ver excluida uma plena imputabilidade, Bibl: G. PERO, Aborto e temi connessi, in Ib., Problem di erica sanitaria Milano 199%, pp. 223-302; P. Besciount & A. APRLE, L'interruzione volontaria della gravidanza, Padova 1991; X. THEvENor, L’aborto, in B. Laurer & F, Rerovue, Iniziazione alla pratica della teologia, vol. IV, Morale, Brescia 1986, 496-504, B. MARRA. ‘ApraAo Segundo a tradigdo sacerdotal, que comprova a mu- danga de nome de Abréo para Abrado, Abrado signi- fica “pai de uma multidao” (Gn 17,5). As diversas tradigdes presentes no livro do Génesis falam dele seja como de um homem de f€ que & posto & prova (E), seja como destinatério da alianga expressa na 10 (P), seja finalmente, como repleto das béneios de ahweh (J). Abraio é uma figura-chave de toda a histéria da salvagio, Ele é antes de mais nada o homem escolhi- do ¢ eleito por Deus que deixa claro, dese modo, sua primeira intervengio de amor na historia de seu povo: por isso, Abraio deve abandonar sua casa sua terra para pOr-se a frente de um novo pov (Gn 12,1-2). E a ele, além disso, que é feita a primeira promessa de uma descendéncia numerosa como “as estrelas do céu" e a “areia na orla do mar* (Gn 22,17), finalmente, a prova que ele sofre, isto é, a exigéncia de oferecimento do filho Isaac (Gn 22,1-15), fard com que ele seja considerado protétipo da fé que tudo sabe receber ¢ que tudo espera. Abradio, entre- tanto, € considerado principalmente em seu chama- mento a ser pai. & em sua “paternidade” que se manifesta sua eleigio e missio. Uma paternidade que aio se restringe ao nascimento de Isaac da sua mu- ther Sara, mas que se abre também para o outro, voltado para todos os que créem em Deus. ONT, por diversas vezes, exprime claramente essa paternidade sob dois aspectos: 0 mais tipicamente humano, que diz respeito 20 nascimento do messias, como em Mt 1,1: “Livro das origens de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abrado”, e o mais espiritual, explicitado sobretudo pela teologia paulina, que o define como sendo “pai de todos os crentes” (Rm 4,11). Abraio representa a permanéncia da promessa de Deus € ao mesmo tempo a veriticagio da sua realizagao, & sua fé que o torna exemplar para todos, judeus e cristios, porque & nele que se descobre que tudo vem da graga de Deus, que ninguém, pois, deve gloriar-se das proprias obras (G1 3,6; Rm 4,3), Nele, todos nos tornamos herdeiros da promessa feita: per- tencemos certamente a Cristo mas, como diz 0 Ap tolo, “se somos de Cristo, entdo somos também des- cendéncia de Abraio”. R. FISICHELLA, ACTION Ansowvigho Deriva do latim absolutio (do verbo absolvere = de- satar). Na prdxis do sacramento da peniténcia, a ab- solvigio € a “sentenga” pronunciada pelo sacenlote competente (que tem a faculdade) para conceder 2 remissio dos pecados. E, pois, uma palavra eficaz de perdio € de reconciliagéo, que leva a bom termo 0 itineririo penitencial do pecador. Em Jo 20,22-23, ¢ Jesus Ressuscitado que dé 0 Espirito Santo acs apéstolos e Ihes diz: “A quem perdoardes os pecados, ser-Ihes-do perdoados. A quem 0s retiverdes, ser-thes-do retidos”. Esse texto (que esti relacionado com Mt 18,18: “Tudo o que ligardes na terra sera ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra serd desligado no céu”) foi sempre interpre- tado pela radigdo cat6lica como “instituidor” do sa- cramento da peniténcia, no qual 0 ato do confessor que “absolve” concorte com os trés atos do penitente (contrigao, confissio, satisfagao). No periodo da peniténcia candnica da Igreja (até © século VI), a absolutio paenitentiae significava reconciliagao do pecador no término do seu perfodo penitencial (podia ser feito na forma solene publica somente uma vez na vida). O pecador era reconcili do mediante um solene rito litérgico que comportava a imposigio das mios por parte do bispo, seguida de uma oragio, Com a mudanga de praxis penitencial, a partir do século VI, na chamada “peniténcia tarifada’ (Teiterivel varias vezes), absolvigio indicava sempre a conclusio (absolutio) das obras penitenciais impos- tas pelo confessor, Mas em casos excepcionais as oragdes de absolvigio podiam ser recitadas também imediatamente ap6s a confissio, antes mesmo que se cumprisse a “peniténcia”. Esse foi o uso comum no final do século XI. Em relagio a isso, por muito tempo discutiu-se também se os pecados eram per- doados mediante a dor e as obras penitenciais do fiel penitente, e, no caso afirmativo, que significado ti nha a absolvi¢do (apenas uma funcdo declarativa?), E significative 0 fato de que desde o século XI a formula de absolvigio nao foi mais deprecatéria (suplicat6ria e optativa: “Deus te absolva"), mas in- dicativa: (“Eu te absolvo") Toms de Aquino tentou uma posigdes teoldgices: os atos do penitente so a “qua- se-matéria” do sacramento; a absolvigao € a forma, © elemento determinante, sem o qual os atos do pe- nitente continuariam privados de et A contrigao perfeita jé justifica 0 pecador, mas nao sem a sua intengao (pelo menos implicita) de receber na sta plenitude o sacramento da peniténcia e, por- tanto, a absolvigao. Os atos do penitente © a absol- vicZo formam uma unidade moral, Mas 2 absolvigao € decisiva, enquanto forma sacramental, pela causa- lidade eficiente. Foi que ensinou mais tarde 0 Con- intese das virias ia salvifies cflio de Trento (DS 1673). Ele condena a afirmagao segundo a qual “a absolvigio sacramental do sacer- dote no seria um to judicial, mas o simples minis- ‘ério de pronunciar e declarar que ao penitente foram, perdoados os pecados” (DS 1709). “Ato judicial” & uma categoria que evidentemente deve ser entendida em sentido analdgico, devendo ser relacionada a0 conceito biblico do jutzo divino de salvagao. De fato, 0 sentido verdadeiro e profundo da absolvigdo que 0 ministro pronuncia ¢ o de acolher o irmo, em nome de Deus que o perdoa, ¢ decidir a sua readmissio na Igreja, Portanto, a absolvicao indica a libertacao pa cal e & um discernimento respeitavel, enquanto ju zo, da situaco do cristo arrependido que, na forga de Cristo Jesus, é subtrafdo ao mal, recebendo o dom da graga. Bibl: VWv.As.. Presbiteri € riconciliacione. It presbitero ministro del sacramento della Riconciliazione, Milano 1986; G. Koc, Assoluzione, in LTS, pp. 44-45. R. GERARDI Action L'Action, ou seja, Ensaio de uma critica da vida e de wa ciéncia prdtica, é a obra com a qual Maurice Blondel repropunha em termos novos e inovadores 0 tema fundamental da existéncia: “Tem a vida huma- na um sentido e © homem um destino? Sim ou nao?” (A, VID). Escrita como tese de licenciatura em 1893, suscitou um longo debate tanto no Ambito filosético como no teoldgico, mas finalmenie a tese se impos como uma obra que antecipava de longe os cami- hos renovadores percorridos mais tarde pelo Concf- lio Vaticano IL A intuigio fundamental de L’Action consiste em afrontar a dialéi que se encontra em uma agio dindmica que deixa perceber uma “fenda aberta”” ¢ uma “desproporgdo” em cada um, Esse vazio no pode ser preenchido pelo sujeito, mas somente por uma intervengio sobrenatural & qual se deve es- tar sempre aberto. © ponto de partida de Blondel a verificagdo de uma dialética permanente insita em toda agio pessoal que deixa transparecer uma dupla ordem de vontade: uma vontade que quer, que indic a tensdo dindmica do espirito ¢ sua abertura ilimita- da; © a vontade querida, que permite registrar a realizagio concreta da ago. ‘A obra esta dividida em cinco partes que progres- sivamente deixam entrever a necessidade, insita na propria aco, de compreender que a realizagio defi- nitiva do homem nao pode estar nele mesmo, mas somente na abertura a uma acdo diferente da propria agdo, uma agao que exige, precisamente, a interven- gdo de Deus. A primeira parte, intitulada “Existe um problema da agio?’, estabelece as premissas neces- sdrias para que se possa considerar o tema da agdo sa da existénci ADAO 4 com sensatez. Blondel exclui a atitude do “diletante” € do “esteta” que denota uma contradigio incurdvel que € a de ndo querer empenbar a si mesmo de maneira decisiva na procura do sentido. A segunda parte, “A solucio do problema da agio & talvez, negativa?”, pane da eritica do pessimismo e do niilismo que, de um modo diferente, chegam & mesma conclusio, € responde que querer o nada € uma ilusdo, pois o nada no pode ser concebido nem desejado. A vontade que nega o nada é de qualquer forma uma vontade positiva da afirmagio do ser ¢ no a sua negacio. Entra-se, entio, na terceira parte de L’Action: “A orientagéo natural da vontade”. Em cinco etapas, Blonde! mostra que “em meus atos, no mundo, em mim, fora de mim, existe algo: porém nd sei nem onde, nem como, nem o que seja” (A. 41), Cada etapa manifesta claramente a inadequagio enire aquilo que a ago conereta alcanga ¢ aquilo que a vontade deseja alcangar. Abre-se, nesta altura, a quarta parte: “O ser necessirio da ago”, que chega uma primeira conclusio acerca da afirmacao do “Gnico necessirio” como uma verdade que vive no imterior da ado desejada; para a pessoa, isso se torna © momento “do absolutamente impossivel © absolu- tamente necessério”. A quinta e tltima parte de L’Action, “A realizagio da agio", vé 0 sobrenatural presente no cristianismo como religiio revelada. Com “Action, a reflexdo filosdfica € teolégica recupera uma conotagio anteriormente esquecida, que permite mostrar com clareza a realizaco da pessoa luz de uma responsabilidade pessoal que nio deixa de tentar do no seu livre abandonar-se & graga. Bibl: M. Buowvet, L'Action (1893), Paris 1973; Ib., Lettera sull'apologetica, Brescia 1991; H. BROUILLARD. Blondel et le christianisme, Paris 1961: Ip., La logique de la foi, Paris 1964. R. FISICHELLA Avio Segundo a Biblia, é 0 primeiro homem criado por Deus ¢ 0 mais antigo antepassado da humanidade, © nome Addo indica tanto a espécie humana como o individuo do qual descendem todos os outros ho- mens. De acordo com a narrativa biblica, Adio é posto por Deus no vértice da criagio; ele se distingue de todos 0s outros seres criados por ser “imagem ¢ semelhanga” de Deus, cultivador e guarda do am- biente em que vive, senhor dedicado em relagio as outras criaturas, objeto da benevoléncia divina, part ner de um didlogo com Deus, aberto ao encontro e & comunhdo com os demais homens, dotado de uma dimenso material ou corpérea e ao mesmo tempo de uma dimensio espiritual. Em Gn 3, diz-se que Adio é submetido a uma prova, que ele ndo supera, atraindo assim para sie para os seus descendentes uma série de conseqiién- cias negativas, que podem ser assim resumidas: per- da da harmonia e da paz com Deus, com os outros homens ¢ com as outras criaturas. A iltima palavra de Deus para Adio, porém, nao é a condenacao; jun- tamente com 0 ndo ao pecado, o Criador pronuncia também o sim da misericérdia e da salvagio, que chegarao por meio de um descendente do proprio Adio: & a promessa de um redentor, que restabelece- rd a harmonia e a paz perdidas (cf. Gn 3,15). ONT, a exempio do AT, fata de Adio como do primeiro homem (ef. 1Tm 2,13-14), mas sobretudo. como antecipacao de Cristo nas seguintes passagens: Mc 1,13; Rm 5,12-21; 1Cor 15,22.45-49. Em Mc 13, afirma-se que Cristo € 0 novo Adio que, tendo sido submetido & tentagdo, superou a prova, tornan- do-se cabega da nova humanidade, Em Rm 5,12-21, Paulo se serve da oposigio Adio-Cristo para por & mostra a universalidade da graca. Em 1Cor 15,22 a antitese tipolgica Addo-Cristo € utilizada por Paulo para indicar a universalidade da ressurreigdo. Em 1Cor 15, 45-49, a figura de Adio é evocada em oposigdo de Cristo para afirmar a gl6ria e a incorruptibilida- de dos ressuscitados. E muito provavel que essa idéia paulina tenha como pano de fundo cultural e religio- so algumas concepgées judaicas, a saber: a) o pr meiro homem como modelo da humanidade: b) a recuperagao da perieigio das origens, perdida com 0 pecado, gragas 3 obra do Messias, Bibl; J. JeReMias, ABAU, in Grande Lessico del Nuovo Tes- tamento, {, pp. 377-386. G. M. SALVATI ApivINHacao 6 aarte de adivinhar e predizer o futuro por meio de varias técnicas (sinais externos ou premonicdes inte- riores ov comunicagées diretas por parte da divinda- de), institucionalizada em muitas culturas e religides, sobretudo antigas, Tradicionalmente proibida na religido judeu 1, volta a baila na problematica teolégico-moral re- lativa ao magico © ao supersticioso, Em termos morais, 0 aspecto mais reprovavel da adivinhag3o pode ser reconhecido, por um lado, na recusa a “confiar em Deus” e, por outro, no desco- nhecimento da importincia do esforso humano na construgdo da prépria circunstincia, seja pessoal seja coletiva. Deve-se ainda levar em conta o dano que a difusdo de tais priticas e mentalidades acarreta para 2 opinido piblica e para as pessoas menos evolufdas em sentido intelectual € espiritual. Um elemento de explicagiio e de possivel “atenua- 40” moral subjetiva do fendmeno pode ser encontra- do na angdstia e na inseguranga que oprimem 0 ho- mem nas diversas épocas e que parecem ter sido hoje exacerbadas, fundindo-se além disso com as vérias formas de revival do sagrado e do mistério que se podem observar em nossos dias, em formas as vezes interessantes, mas nao raro estéreis ou aberrantes. Bibl: F. Compacon, Giurament, magie ¢ bestemmie, nT. Gorst & G. Pian (org.), Corso di Morale, vol. V: Litur sia (Etica dalla eeligiosina), Brescia 1986, pp. 483-498. L. SEBASTIANI Avosio E uma forma de intervengao, hoje juridicamente con- figurada, que torna possivel 0 crescimento e a educa- cdo de uma crianga gerada por outros pais que, por razSes diversas, esto impossibilitados de exercer suas tarefas, O adotado € integrado em plenitude na fami Jia que 0 adota, com todos os direitos civis concer- nentes a esse ato. A adogdo tem origem antiga, otientando-se por duas diferentes concepgSes: a primeira privilegia os interesses dos adultos, os quais pretendem, por meio da adogao, realizar seus desejos, preencher vazios ¢ frustragGes e, assim, auto-realizar-se. A segunda tem por base as exigéncias do menor e visa fornecer-Ihe um ambiente familiar e educativo estavel, capaz de satisfazer seu direito a um desenvolvimento harmé- nico € completo. As profundas mudangas quantitativas, qualitativas ¢ culturais da famflia contempordnea incrementeram © mimero de menores abendonados tardiamente, isto & muito depois do nascimento. Sob 0 aspecio ético- teoldgico, & luz das perspectivas magisteriais, que, na Gaudium et spes (a. 48) € na Familiaris consortio de Jodo Paulo Il, reconhecem na familia uma “inti ma comunidade de vida e de amor”, € na relagio esponsal o sinal de alianga entre Deus e a humanida- de, e das novas posigdes em termos de solidariedade &tica, cristimente inspirada, a adogio encontra moti- vagdes vigorosas € pleno direito de cidadania, dado que voltada desinteressadamente para o bem e para © desenvolvimento imegral do menor. E, portanto, aconselhada pela moral e pela pastoral aos casais esiéreis © a outros, disponiveis e preparados, como exercicio exemplar ¢ coerente de hospitalidade acolhimento solidério. Bibl.: G. PeRico & F, SaNTANERA, Adozione e prassi adozio- nale, 1972; M. Pavone; F. Toxizzo; M. Torretio, Dalla parie dei bambini, Guida pratica per l'adozione e Vaffi: damento familiare, 1986. G. MATTAI Adocionismo A heresia trinitéria monarquiana (ou. monarquianis- mo) difundida nos séculos Ife III, e que consistia em ADORACAO negar as trés Pessoas divinas uma existéncia propria ¢ distinta em favor de um monotefsmo radical, busca suas origens no judew-cristianismo heterodoxo. Tal erro doutrinal teve uma dplice coaformagao: moda- lista (Deus se transforma em trés “modos” diversos) ¢ adocionista. Segundo o monarquianismo adocionis- ta ou adocionismo, Cristo seria — conforme as orien- tagdes — um anjo ou até mesmo um mero homem admitido por Deus & categoria de Filho de Deus no momento do batismo ou, para outros, da ressurreigao. A versio mais antiga do adocionismo parece ser expressa na Engelchristolagie (anjo adotado por Deus como Cristo, Filho de Deus). A outra forma de adocionismo, que consiste na livre adogao por parte de Deus de um mero homem, encontrou_um promotor em Teodoto de Bizancio, cognominado o “coureiro”, o qual, em fins do século Il, difundiu tal doutrina em Roma. Segundo o que escreve Hipolito a respeito do pensamento de Teodoto, “Jesus é um homem, nascido da Virgem por designio do Pai: viveu como todos os homens, tendo sido so- bremaneira timorato de Deus; mais tarde, no batismo, Cristo o assumiu, descendo do alto em forma de pom- ba; portanto nele os poderes antes nao eram postos em ato enquanto o Espirito — por ele (Teodoto) cha- mado de Cristo — ndo desceu e nele se manifestou. Alguns ndo querem admitir que ele se tenha tor- nado Deus mediante a descida do Espirito; outros, a0 invés, 0 admitem depois da ressurreigio dos mortos” (Elenchus, VIL 35). Teodoto foi excomungado pelo papa Vitor (186- 198), Mesmo assim, 0 grupo que a ele se reportava continuou a difundir 0 pensamento adocionista so- bretudo por obra de um outro Teodoto chamado de o “banqueiro”, Asclepiodoto e Artemdo ou Artemas. No tempo deste titimo, em meados do século II, 0 adocionismo comegou a vangloriar-se de pretensas origens “apostélicas”, alids facilmente refutadas por lito (Contra Artemonem, seu parvus labyrinthus, in Eusébio, Histéria Eclesidstica, 7, 27-30). Encontrar-se-do formas posteriores de adocionis- mo em Paulo de Samosata (c, 260-270 ca.), Fotino de Sirmio (meados do século IV) e em Marcelo, bispo de Ancira (+ c. 375), cujo monarquianismo adocionista ser adaptado as exigéncias da contro- vérsia ariana, Bibl: J. N. D. Keuty, I pensiero cristiano delle origin, Bologna 1972, pp. 144-149: M. Simoxern, Adozionisti in DPAC, I, pp. 53-54; A. Onne (org.), I Cristo. Testi teologici ¢ spivituali dal fal IV sec., Milano 1987 L. PADOVESE Aporacio Parece indicar um gesto de prostrado diante de uma pessoa, levando as mios aos Iibios e depois voltan- ADVENTISTAS do-0s ao beijo do pé ou das vestes; relacionada quase sempre com a divindade, pode também referir-se a pessoas como reis, sacerdotes ¢ profetas. Desde a antiguidade até a Idade Média, a adoragdo, mesmo em ambiente ndo sacral, configura-se com a gestua- lidade da genuflexao, da prostracdo total ou parcial, até 0 beijo do solo, inclinagao da cabega. No cristia- nismo a adoragao & sempre referida a elementos re- ligiosos, como Deus, Cristo € os seus mistérios. O conceito e a prixis so conhecidos tanto no AT como no NT. Em teologia cla ¢ considerada sob 0 aspecto dogmitico (natureza, termo, contetido, motivacées), no Ambito do conhecimento moral (dever, ato, reali- zado na estrutura religiosa do ser humano), na ges- tualidade liturgica (lugares € pessoas), mas sobretudo como elemento significativo da tensio do homem em ditegdo a relagio unitiva com a divindade, feita de aprofundamento da vida espiritual. A adoracao, no dizer de Sto. Tomés, constitui um elemento intcrior/exterior da virtude da religido, que se segue a0 da devogio e da oragio (S. Th. 2/2, 84). Mais do que 0 elemento extemo, a adorago deve ser avaliada como elemento interno, por isso mesmo ine- Tente a0 culto de latria reservado a Deus, do qual exprime o reconhecimento da transcendéncia e da infinita santidade: donde o caréter teologal funda- mental da adoragao, quer como gesto, quer como com- preensio consciente do mistério. ‘Como atitude interior permanente, a adoragéio pode ser identificada, de alguma forma, com o éxtase do amor, quando a alma, tendo saido da noite escura assumindo o cardter de tensio que Ihe é essencial, reassume mais simplesmente suas aspiracoes, trans- formando-se em estado de continua oragiio e adora- cdo pura. Mais recentemente, a adoracdo esteve par- ticularmente orientada para os temas cristolégicos, especialmente a eucaristia (SC 10), repisando inter- venges magisteriais como as de Pio XII coma Me- diator Dei 1947 (AAS 39, 1947, 566-77), a alocugiio a0 Congresso de liturgia pastoral de Assis 1956 (AAS 48, 1956, 718-723), e o Discurso aos sacerdotes mem- bros da adoracdo noturna 1953 (AAS 45, 1953, 416- 418); de Paulo VI com a enciclica Mysterium fidei 1965 (AAS 57, 1965, 769-774), ea Instructio de cult mysterii eucharistici 1967, emanada da Sagrada Con- gregagio dos Ritos (AAS 59, 1967, 566-573), ¢ ou- tres documentos igualmente importantes até as alo- cugdes de Jodo Paulo II para os varios congressos eucaristicos e as cartas pastorais aos sacerdotes da Igreja por ocasido da Quinta-feira Santa. Ritvalidade, gestualidade, teologia se entrecortam em niveis de diversas profundidades de compreensdo ¢ doutrina, em busca das raizes ¢ das motivagées de um gesto que representa uma atitude ¢ um estado interior da alma, materializado em expresses diversas, mas sem- pre convergindo para a unido com a divindade ou para a profunda adoragio e recenhecimento dessa mesma divindade. Bibl: BE. Bewriita, Adoration, in DTC, I, pp. 271-303; F. GuiLtogé, Liadoration, Progrés de la vie spirituelte, in “La vie Spirituelle", 38 (1934), pp. 76-79, 187-91, 292- 297; A. G. Maxnworr, La Chiesa in preghiera, Roma 1963; 1. Hauscutex, Adorer le Pere en espritet en vérité, Paris 1967; R. Mont:rn, Adorazione, in DES, 1, pp. 2730. G. BOVE Apventistas A palavra “adventistas” refere-se as igrejas cristas que acentuam de maneira toda especial a segunda vinda ou “advemo” de Cristo. Mais especificamente, as Igrejas adventistas tiveram origem nos. Estados Unidos por volta de 1850 gragas a0 ministério do pregador leigo batista William Miller (1772-1849). Miller convenceu-se de que as 2.300 tardes e manhas antes da “restauragio do santudrio” (Dn 8,14) diziam respeito a um periodo de 2.300 anos contados a partir de 457 a.C. Em 1836, ele publicou um livro intitula- do Evidence from Scripture and History of the Second Coming of Christ above the year 1843 (Provas, tira- das da Escritura e da histéria, da segunda vinda de Cristo por volta do ano de 1843) e conquistou milha- res de seguidores. Quando isso ndo aconteceu, a maioria dos seus convertidos 0 abandonou e ele morreu em 1849, desacreditado © quase esquecido. Alguns pequenos grupos resolveram, entio, conti- nuar crendo numa iminente segunda vinda, entre os quais 0 mais importante foi o dirigido por Ellen G. White (1827-1915). A senhora White afirmou que iio era verdade que Miller tivesse errado 0 ano; ele simplesmente no compreendera que em 1843 Cristo comegou a purificagdo do “santudrio celeste” (ver Hb 8,1-2). Neste primeiro periodo Cristo realiza 0 ‘juizo investigador", examinando as intengoes dos vivos e dos mortos para determinar quem seré digno de reinar com Ele durante 0 milénio de paz sobre a terra que vird depois da sua segunda vinda (Ap 20,1- 3). A segunda vinda de Cristo aconteceré quando 0 “juizo investigador” tiver sido completado, 0 que se dard em breve, embora nfo se possa determinar com certeza a data precisa As visdes e as profecias da senhora White foram registradas em cerca de vinte livros e em milhares de artigos. Uma dessas visbes confirmava que Ex 20,8 (Que se faga do dia de sibado um memorial, con- siderando-o sagrado”) era a expresso da vontade de Deus segundo a qual os cristios devem praticar seu culto no sabado, justamente como o fez Jesus e como ele mesmo esperava que os discfpulos fizessem (Mt 24,20). A observncia do domingo como dia do Se- nhor foi uma inovagdo erroneamente imposta aos AGAPE cristéos pelo papa. A senhora White e seus seguido- res fundaram, pois, a Igreja Adventista do Séimo Dia em 1863. Os adventistas do sétimo dia aderem a muitas verdades tradicionais de f€ cristis relativas & Trindade, & criagio, a0 pecado, & encarnagio, a re- dengio, iragdo divina das Escrituras ficagio pela fé, Praticam o batismo dos crentes adul- tos, 0 lava-pés (Jo 13.1-11) e a ceia do Senhor, como sendo os trés “ritos” institufdos por Cristo. E sendo 0 corpo o templo do Espirito Santo (1Cor 6,19), os adventistas se abstém do fumo e do alcool ¢ criaram clinicas médicas por todas as partes do mundo. Admi- nistram muitas instituigdes educacionais, publicam varios escritos em numerosas linguas, além de evan- gelizar por meio do ridio e da TV, Como conseqiién- cia de um vigoroso esforgo missiondtio, a maioria dos adventistas do sétimo dia & proveniente de fora dos Estados Unidos. W. HENN. Arrerni Parris Trata-se de uma enciclica escrita por Ledo XIII promulgada em 4 de agosto de 1879. Objeto da Ae- temi Patris & estudo da filosofia crista a luz do pensamento de Tomds de Aquino ¢ a sua insergao no organograma das diseiplinas teol6gicas. A partir da Aeterni Patris, inicia-se para a teologia um periodo de dependéncia da filosofia tomista que dela seri impregnado em todas as suas caracterizagies. ica compde-se de quatro partes: na pri- meira, justifica-se 0 recurso 2 filosofia como sendo 0 remédio necessério para fazer frente as diversas ma- nifestagdes de atefsmo presentes na sociedade: expri- me-se a convicgdo de que uma filosofia separada da fé, em qualquer hipétese, € insuficiente para respon- der As verdadeiras exigéncias da propria busca da verdade. De fato, a razdo esté de per si a caminho para a fé e é, antes, de valida ajuda para defender do erro a propria fé ‘A segunda parte versa sobre a problemitica do verdadeiro modo de filosofar. A razo, embora tenha de usar métodos, prinefpios e argumentos proprios, nao pode € no deve, entretanto, estar separada da autoridade divina. Com efeito, a fé pode exercer, em relagio & razio, © papel de libertagio ¢ tutela diante dos erros; ela € como uma esirela que orienta a raz0 para o seu fim sltimo. Os Padres e os escolisticos, afirma a enciclica, souberam executar coerentemente essa tarefa. Tomis de Aquino, sobretudo, mostrou que quando a razio € levada sobre as ases da f6, aleanga os cumes mais altos da prépria especulagio; por isso, ele & apresentado como modelo de todo verdadeiro filosofar. Na terceira parte, a enciclica fala da necessidade de restaurar a reta filosofia porque dela derivam be- neficios incalculdveis: antes de tudo para a fé, pois, ddesse modo, ela saberd defender-se dos ataques diri gidos contra ela pelas diversas filosofias; além disso, para a sociedade, que se sentité mais segura contra as interpretagées arbitrarias da liberdade; finalmente, para 4 propria cincia porque, ao ter como ponto de refe- réncia essa filosofia verdadeira, poderd encontrar mais facilmente o objetivo primdrio da sua pesquisa, A Gltima parte da Aetemi Patris traz. disposigdes praticas a fim de que o ensinamento pontificio seja acolhido e praticado nas universidades e nos centros de estudos teoldgicos. Até hoje encontram-se ainda abertas as hipdteses de trabalho a respeito da redagdo da enciclica; pode-se verificar, de qualquer forma, com certo grau de certeza, que ela contém idéias que eram patrim6nio peculiar de Ledo XIII. Seja como for, a Aeterni Patris marcou uma época teoldgica influenciando-lhe os contetidos ¢ os métodos, que hoje parecem algo limitadores, até a grande reforma que se impord com a nova perspectiva aberta pelo Coneilio Vaticano U. Bibl: P. Roveicuez (org.), Fe, razon y teotogia, Pamplona 1979; A. Piolanti (org), L'enciclica Aeterni Patri, Cit del Vaticano 1982; R. Aunert, Die Enzyklika Aeterni Paaris und die weiteren papstlichen Stellungsnahmen zur chrisilichen Philosophie, in E. Conem (org.), “Christ che Philosophie im XIX und XX Jahrhundert” I, Frei- burg 1987, 310-332. R. FISICHELLA Acare Tanto no AT como no NT, o agape (amor) indica a forga espiritual ou sentimento que leva uma pessoa a fazer um dom de si mesma ao amado, ou entio a apropriar-se da realidade amada, ou zinda a realizar aquilo em que se experimenta prazer ou deleite. agape no se limita a esfera profana ou natural da experiéncia humana, mas conota também a relagdo homem-Deus. Segundo 0 AT, o amor de Deus pelo homem se caracteriza pela espontaneidade, pela gra- tuidade, pela forga, pela virtude unitiva, pelo impulso a compartithar a vida, a fidelidade, a tendéncia a ser exclusivo, a capacidade de renovar-se no perdio; e 0 agape do homem para Deus é conotado pela alegria, pela abnegagao de si mesmo, pela fidelidade, pela observancia da lei. Jesus de Nazaré, com a sua prixis, mostra conere- tamente a profundidade, a imprevisibilidade e a imen- sidio do agape de Deus. Falando do agape do ho- ‘mem para Deus, o Nazareno the sublinha o radicalis- mo, que induz o crente a ndo se deixar seduzir pelas Tiquezas e pelas ambigdes e a ndo se deixar amedron- tar pelas perseguigdes. Do agape para com 0 préxi- AGEU 8 ‘mo, Cristo sublinha tanto a disponibilidade a incli- nar-se para aquele que exté em necessidade, como a necessidade de estendé-lo até aos inimigos. O agape € uma espécie de “unidade de medida” da vida pre- sente do crente; e & também o que permite (e permi- tid no fim dos tempos) discriminar seriamente entre 6s fillios dignos € oy indignos do Pai celeste, que ama sem limites e sem medida. Também Paulo € um cantor do agape de Deus, que se manifesta no envio do Filho e do Espirito, na morte de cruz de Cristo ¢ na elei¢do universal; para © Apistolo, o agape & a antecipagio do futuro, & a virtude que permanece mesmo depois da morte. Na carta de Tiago lembra-se que o agape é a lei do Reino, que se traduz em fidelidade aos mandamentos ¢ em obras de misericérdia para com os irmaos. Em Joao © agape tem sempre um caréter “descendente”: do Pai ao Filho, do Filho aos homens, do homem a outro homem. Resumindo todo 0 ensinamento biblico, a Igreja primitiva considera o agape “a quintesséncia do modo de agir de Deus para com 0 homem e da redengao de Cristo” (E, Stauffer) e, por isso mesmo, a regra prin- cipal da praxis do crente, sobretudo na relagio com 0s outros. Nao é por acaso que agape é 0 nome dado pela Igreja primitive ao banquete cucaristico, que constitui 0 momento em que com maior clareza se tomam presentes tanto o amor de Deus pela humani- dade, que se coneretiza no dom do Filho e no misté- rio pascal, como a comunhao profunda que, em vir- tude da fé, da esperanga ¢ do batismo, se estabeleceu centre os eleitos de Deus. Bibl: G. Quet. & E, Stavrrer, yaTraco, &yamm, in GLNT, I, pp. 57-146; NyGreN, Eros e agape, Bologna 1972 (ed. or. 1937), G. M. SALVATL Actu Ageu, um dos doze profetas menores, ¢ 0 primeiro dos chamados “profetas da reconstrugao”, juntamen- te com Zacarias ¢ Malaquias. Cronologicamente as roves segdes do livrinho datam do més de agosto ao de dezembro de 520. De Ageu sabemos muito pouco No ano $38, 0 édito de libertagio de Ciro permitira a0s judeus prisioneiros na Babildnia retomar 3 patria. Mas nela s6 encontraram destruigdo, Na mesma épo- ca, de 529 a 520, rebentaram na Pérsia violentas desordens que terminaram somente com Dario, O tema predominante do livto é a reconstrugdo do Tem- plo. Em 1,1-15, temos a exortagdo a Zorobabel e a Josué (respectivamente govemador da Judéia ¢ sumo saverdote); em 2,1-9, um amtincio escatoligico de sal- vagio: a promessa da futura gléria do Templo; em 2,10-19, promessas de prosperidade agricola; em 2,20- 23, encontramos uma clara expectativa escatoldgica relacionada com a pessoa de Zorobabel. Ageu é 0 incansavel defensor da necessidade de reconstruir Templo onde receber a béngo do Senhor e permane- cer figis & alianga que Jahweh jamais renegou; & a sentinela que mostra as exigéncias da coeréncia: 0 homem da confianga inabaldvel. Bibl: G, Besnini, Aggeo, Zaccaria, Malachia, Roma 1974; M. Scrwantis, Aggeo, Roma 1987. G. LORUSSO Asnosticismo Etimologicamente a palavra deriva do grego a-gnostos (nao-cognoseivel), tendo sido cunhada pelo escritor positivista R. H. Huxley em 1869 (cf. dele 0 ensaio Agnosticisme, nos Collected Essays, V, London 1898). Mas, embora apoiando-se em uma doutrina formula- da no Ambito do positivismo do século XIX, abrange, de maneira geral, toda teoria do conhecimento que afirme a incognoscibilidade de tudo aquilo que trans- ende o nivel do conhecimento fenoménico ¢ empi- rico. Distingue-se, pois, tanto do ceticismo como do ateismo, os quais, mais do que abster-se de afirmar a cognoscibilidade daquilo que € supra-sensivel e de Deus, negam a existéncia de ambos. Pode-se com- provar a presenga do agnosticismo no ambito tanto filos6fico como teoldgico. 1. Filosoficamente, podem-se dis fundamentais de agnosticismo. a) Antes de tudo, a que se vincula, de forma geral, a uma concepgio do conhecimento que nio reconhe- ce a cepacidade de penetragdo metaffsica da razdo: por isso s6 & objeto de verdadeiro conhecimento aquilo que cai no dominio das ciéncias exatas (fatos fisicos) ou das ciéncias histéricas (fatos humanos). b) Programaticamente, como teoria geral dos am- bitos ¢ dos limites do conhecer, © agnosticismo se afirma no século XIX sobretudo na corrente positi- vista, ©) Um antecedente notivel — mas que deve ser cuidadosamente distinguido das formas precedentes — € 0 representado pelo criticismo kantiano como formulagdo da impossibilidade (teorética, ndo prati- ca) de alcangar 0 supra-sensivel. Finalmente, pode-se lembrar um agnosticismo vulgar que se refugia em uma afirmagio genérica da nio-cognoscibilidade de Deus, principalmente para ndo tirar as conseqiiéncias existenciais e praticas que dat derivariam. 2. Pode surgir — como de fato historicamente surgiu — uma versio teolégica do agnosticismo pela qual se conclui, a partir da incapacidade da razdo de che- gar A existéncia de Deus, a necessidade da fé como ‘nico conhecimento valido do supra-sensivel (fidets- mo). O agnosticismo teoldgico nio deve ser confun- inguir trés formas 9 AGRAFA dido com 0 apofatismo, segundo © qual o cume do conhecimento de {é que pressupée a razio acontece, mas passando por um momento essencial de siléncio e de noite da propria razio, através do qual Deus pode infundir na criatura © seu proprio modo de conhecer (no Espirito). 3. Na tradi¢do biblico-crista nao ha lugar para uma concepgiio do conhecimento de tipo agnéstico. Nela, de fato, a revelagdo de Deus, acolhida com a fé, pres- supée a capacidade da razo de chegar & existénc de Deus € das suas perfeigdes, como também de re- conhecer como proveniente do préprio Deus 0 ato com que Ele se revela. Foi o Coneifio Vaticano I, na Constituigio Dei Filius, com base no testemunho biblico (cf. Sb 13,1-9; At 17,22-28 Rm 1,18-21), que afirmou que “Deus, prinefpio ¢ fim de todas as coisas, pode ser certamente conhecido com a luz natural da razio humana a partir das coisas criadas” (DS 3004), Teologicamente, 0 fundo de verdade do agnosticismo deve ser procurado no apofatismo: quer dizer, em reconhecer que Deus, mesmo na sua reve- ago, continua sempre além de uma exaustiva toma da por parte do conhecimento humano (cf. Tomis de Aquino, Summa contra Gentes, XIV). Bibl.; L. Armstrone, Agnosticism and Theism in the 19th Century, London 1903; H.R. SCHLETTE (org.), Der mo- derne Agnostizismus, Diisserldort 1979 P. CODA AGosTINIsMo Em sentido lato, 0 termo indica a perspectiva teolé- givo-filosofica tipica de santo Agostinho; em senti- do estrito, conota a particular visio do bispo de Hipona a respeito do problema da graga. Foi gragas a Agostino que o pensamento filoséfico em geral, © 0 platdnico em especial, adquiriu “direito de cida- dania” na teologia ocidental, no sentido em que foi usado serenamente, depois de oportunas corregées, para sprofundar 0 mistério cristio. Os escritos de Agostinho haveriam de tornar-se 0 instrument pri- vilegiado tanto para o desenvolvimento do pensa- mento teolégico como para a solugzo de controvér- sias especiais. Embora sem representar jamais um sistema orginico e rigoroso, como 0 sera o tomis- mo, 0 agostinismo constitui, até o séc. XIII, a alma € 0 ponto de referéncia principal do pensamento teo- légico ocidental. ‘Com relagdo ao problema da graga, 0 agostinismo constitui antes de tudo a superagio dos limites do maniquefsmo, que nega a existéncia da liberdade, ¢ do pelagianismo, que nega a necessidade da graca. De maneira especial contra Pelagio, que nega a or- dem sobrenatural, afirma a independéncia absoluta da liberdade humana diante de Deus, a autonomia do homem no exercicio do bem, a sua capacidade de salvar-se gragas ao uso correto ¢ rigoroso da liberda- de, a possibilidade de se aleangar a perfeigio sem a ajuda de Deus, a gravidade absoluta até do menor pecado e a condenagio a perdicao de todos 0s peca- dores, Agostinho sustenta os seguintes prineipios (ado- tados pela fé eclesial): a) 0 pecado original, que pro- vocou a perda da imortalidade no primeiro homem, a partir dele & transmitido a todos os seus descenden- tes, que precisam do batismo para a remissio dos pecados; ¢ impossivel, para as criangas nio-batiza- das, a entrada no Reino dos céus e a posse de uma auténtica bem-aventuranea; b) a graca no é necessé- ria apenas para a remisséo dos pecados; ela € uma ajuda necessdria para nao se tornar a cometé-los; c) nao existe impecabilidade humana, como afirmam os. pelagianos: a santidade é puro dom de Deus, como também a graca. Na visdo agostiniana tém capital importincia os seguintes principios: dé-se uma prioridade absoluta a Deus diante das ages virtuosas do homem; contra toda emancipacdo da liberdade em relagio 4 ago divina, é preciso reconhecer a soberania absoluta de Deus sobre a vontade do homem: sem a graga, no existe nenhuma bondade, nenhuma virtude, nenbuma perseveranga, nenhuma salvagio. Bibl. E, Porratit, Augustinisme (Développement historique de 1’), in Dictionnaire de théologie catholique, VI, pp. 2501-2561; Iv., Augustin (Saint), pp. 2268-2472, espec. a8 pp. 2375-2408. G. M. SALVATI AGRAFA Sao denominados Agrapha (gr.) os ditos e os fatos de Jesus que ndo esto contidos nos quatro evan- gelhos candnicos: donde o termo a-grapha (no escritos). © quarto evangelho (Jo 20,30; 21,25) atesta que nem tudo o que Jesus disse e fez foi escrito; e as cigncias biblices recolheram, aos poucos, com dili- géncia, os ditos e os fatos de Jesus referidos pelas fontes antigas, fora da Biblia. As primeiras colegdes fundamentais foram as de A. Resch, respectivamente em 1889 € 1906. As fontes dos agrapha pertencem a trés grupos pelo menos, 1. Os Agraia contidos nos livros candnicos do NT, obviamente fora dos quatro evangelhos (por ex., At 20,35). 2. Os citados pelos Padres subapostélicos (por ex., a Epist. Barnabae 12,1) ¢ 0 contidos nas variantes dos, cédices do NT. 3. Finalmente, os dgrafa reconhecidos em fontes apécrifas; também em fontes judaicas mais depen- AIDS 10 dentes dos evangelhos candnicos; ¢ em fontes mu- gulmanas, embora tardias. Bibl: G. Fsccw, Logia. Agrapha. Det extracanonici, 2s. ze 1951; J. JeREMIAS, Gli agrapha di Gest, Brescia 1975", L. PACOMIO fecciosa — denominada Sindrome de Imunodeficiéncia Adquirida — transmissivel, com taxa de elevada mortalidade, Notificada pela primei- ra vez em maio de 1981, quatro anos depois era atri- bufda ao virus HIV (Human Immunodeficiency Virus), que ataca as células do sistema imunol6gico, expon- do 0 individuo a numerosas infeegdes ea alguns ti- pos de tumores. O mesmo virus causa uma infecgdio responsivel por diversos quadros clinicos (que pre- cedem a manifestagdo da Atos), ou pode também nao dar lugar a nenhuma sintomatologia: € 0 caso dos soropositivos, ou melhor, portadores assintomiticos. A rdpida difusio da Ais no mundo e a auséncia ainda hoje de métodos terapéuticos capazes de derroté- la levou a midia a denominé-la “peste do século” ¢ a espalhar psicoses e tendéncias marginalizadoras, sobretudo pelo fato de que a doenga surge principal- mente entre 05 homossexuais. Os veiculos principais através dos quais a doenga se propaga sio a relagio sexual (tanto homo- como heterossexual), a “via do sangue” ¢ também a “transmissio vertical” entre mae (soropositiva ou doente) e os filhos. Algm do caso dos dependentes de drogas (por causa do comparti- Ihamento de seringas contaminadas) e dos homosse- xuais, a Aups é encontrdvel também entre as pessoas que tenham feito transfusdio de sangue e, em particu- lar, entre pacientes que, por toda a vida, slo obriga- dos a fazer hemodidlise. Grandes problemas juridicos, psicol6gicos, sociais € éticos se entrelagam em tomo da Ais, que, portan- to, constitui um formidavel desafio também para a reflexio ética e a pritica da caridade crista. A moral teolégica encontra-se diante do desafio de encontrar chaves interpretativas da doenga e de rever conceitos como os de sexualidade ¢ morte; a praxis caritativa std também diante do desafio de intervir, sem ceder a tentagdes de atribuir o mal ao deménio, marginali- zando 0 aidético. A prioridade consiste em exercer a solidariedade e a partitha, sobreudo em relacao aos doentes terminais. Biol: G. Concern, Aids: Problemi di coscienza, 1987; G. Visco & E. Giasbi, Aids, epidemia del secolo? Il punto sulla situazione in alia € nel mondo, 1989: VV.AA.. Aids: una questione dalle motte face, in “Rivista di teologia morale” 80 (1988). G. MATTAI ALBIGENSES Com o termo albigenses sio indicados os hereges do Languedoc que viviam no tidngulo formado pelas cidades de Toulouse, Albi e Carcassonne, Encontra- mo-los nos séculos XII e XIII principalmente no sul dda Franca, mas também na Espanha e na [tilia, Eram levados por uma necessidade de austeridade e de per- feicdo e, diante do luxo dos elérigos, escolhem uma vida de pobreza e de ascese, afastando-se porém da doutrina catética, No comego sustentavam um dualismo moderado baseado na crenga em dois principios, dos quais um, o Bem, € superior ao outro, o Mal. Mas por volta de 1170, sob a influéncia de Niceto de Constantinopla, acabam aceitando um dualismo radical, que opde os dois principios criadores igualmente poderosos do Bem e do Mal. Sobre esta base metafisica, os albi- genses Iucubram varios mitos, negando, por exem- plo, a encamagio de Cristo. Organizam-se em comu- nidades ou Igrejas distintas, com bispos ¢ ministros proprios, aceitando como Gnico sacramento 0 conso- lamentum ou tatismo do Espirito conferido somente aos adeptos mais engajados, os “perfeitos”. Para combater essa heresia, sio enviados para a regio de Toulouse monges cistercienses como lega- dos. Depois do assassinio de um deles, Pedro de Castelnau, o papa Inocéncio Ill convoca uma cruza- da contra os albigenses, que dura de 1208 até 1229, Tendo tomado conhecimento da situaco deplordvel provocada pelos albigenses, S. Domingos inicia um apostolado para reconciliar os hereges, dando assim inicio 4 Ordem dos Frades Pregadores. Os albigen- ses tiveram, em seu tempo, uma grande influéncia na Igreja, mas no século XIV desaparecem sem dei- xar vestigios Bibi.; C. Trouzeitirr, Albigesi, in DIP, Roma 1974, pp. 464-470; R. Mansciti & Y, Dossas, Albigenser, in Lexi- kon des Mittelalters, 1, Minchen-Ziirich 1980, pp. 302- 307. TT. JANSEN Aucorho Do arabe al-qur'é, que provavelmente deriva do aramaico gervind, significando “leitura dos escritos sagrados”. E 0 nome da sagrada escritura islamica, que contém as revelagGes recebidas pelo profeta Mao- mé. E também chamado de al-kiiab, “o Livro”. Na concepgiio islimica ortodoxa, 0 texto do Alcorio contém as prdprias palavras divinas, idénticas a um_ protétipo do Livro que existe junto de Deus, que é a origem de todas as revelagdes escrituristicas, inclusi- ve da Tord e do Evangelho. © Alcordo, manifestago definitiva desse Livro, é tido, assim, como 0 critério da autenticidade das revelagdes anteriores. ul ALEGORIA O texto do Alcorao consta de 114 capftulos (sira), dispostos segundo uma ordem de extensio decres- cente (salvo duas excegdes, as siira 1 e 9). Aexegese islimica tem tentado restabelecer a ordem cronolégi- ca das revelagdes; hd tentativas semelhantes também por parte dos orientalistas. Uma classificagao precisa parece ser a que distingue entre revelagdes recehidas ‘em Meca (entre os anos 610-622) ¢ as siira reveladas em Medina (622-632). A hist6ria do texto do Alcorao € longa: a partir de diversas coletineas que existiam j& durante a vida de Maomé procedeu-se a varias redacdes posteriores, das quais a mais importante é aquela estabelecida sob 0 califado de Uthman (644-655). Em 1923, a Bibliote- ca Nacional do Egito publicou um texto do Alcordo que conseguiu impor-se como texto tinico e oficial, levemente retocado na segunda edigio de 1952. 0 Alcorio contém textos de varios géneros literérios: exortagOes & conversio, narragdes de eventos aconte- cidos a profetas anteriores, descrigdes da criagio e do fim do mundo, prescrigdes rituais, ordenagdes ju- ridicas e formulas de oragio, como também indica- (GOes a respeito daquilo que aconteceu durante os anos da revelago do Alcorio. Nao poucos textos contém elementos da Biblia e também dos evangelhos apé- ctifos. J4 desde 0 inicio da difusio do Isla, 0 pensa- mento teolégico cristio ocupou-se da avaliagao da revelagao do Alcorio. Depois de séculos, em que polémica e serenidade se alternavam, 0 Coneflio Vaticano II deu um sinat claro para promover uma reflexio objetiva. As se- guintes aproximagdes podem ser encontradas entre os tedlogos hodiernos: 1) Tentativa de estabelecer uma ligagio entre a mensagem do Alcorio e a f8 de Abraio, & qual se refere a f€ do Alcordo, 2) Tendén- cia a identificar elementos comuns na revelagio do Alcordo e na revelagto crista. 3) Temtativas de definir ‘© modo como 0 carisma profético atuou na pregago de Maomé. Bibl: A. Bausant, Hl Corano: introduzione, traduzione ¢ commento, Firenze 1961; R. BLAcHERE, Introduction aw Conan, Patis 1989 A, ROEST CROLLIUS ‘AALEGORIA “Procedimento expressivo pelo qual se diz. uma coisa para significar outra” (M. Simonetti). Assim se define a alegoria. Ignora-se quem tenha introduzido este vocabulo, cujo aparecimento se deu ‘em meadas do século I a.C., seja como termo téenico da retérica, seja com relagio 2 interpretago dos tos. Anteriormente, para exprimir um significado ‘oculto na poesia mitica usava-se 0 termo hyponoia. Se a expresso “alegoria” se afirma no século | a.C., 0 uso do método alegérico se encontra ja no século VI aC. com Tedgeno de Reggio. No ambito da cultura literdria helénica, tanto Homero como Hesfodo eram interpretados em chave alegérica. Mesmo no fimbito filoséfico ¢ conhecida tal utiliza- 40. J4 Platdo advertia que os mitos nao fossem to- mados ao pé da letra, mas apenas na sua capacidade alusiva e explicativa de contetides mais profundos. Assim, no Fédon 114D, depois de ter apresentado os lugares que as almas ocupam depois da morte e a sorte de cada uma delas, explica: “E claro que sus- tentar que as coisas se passem realmente assim como as expus nio fica bem para uma pessoa dotada de ‘bom senso; mas sustentar que ou isto ou algo seme- Ihante deva acontecer as nossas almas ou 2 sua mo- rada, uma vez que ficou provado que alma é imortal, ora, isso me parece convir...”. No emprego da alegoria, um papel de capital im- portincia foi exercido pelos fil6sofos estsicos que, ao interpretar os deuses do Olimpo como simbolos dos elementos naturais, superando assim formas de um antropomorfismo grosseiro, souberam conciliar © politeismo tradicional com 0 monotefsmo filoséfico. Um ambito de aplicagdo do método alegérico deve ter sido proporcionado também pelos cultos de mis- térios que nas suas iniciagées implicavam um co- nhecimento e uma participagio nos mitos celebra- dos, unidos a uma penetragio do sew significado mais profundo. De toda forma, 0 uso da alegoria permanece li- gado ao nome do judeu alexandrino Fflon (20 aC.- 45 d.C.), que © aplicou ao AT na tentativa de tomar 0 livro sagrado do judafsmo compativel com a sen- sibilidade moral e filosGfica do mundo grego. Se na aplicagio do método alegérico Filon dé indicio da influéncia do estoicismo, esse mesmo método encon- tra também fontes de inspiracio hebraica em Arist6- bulo © na Carta de Aristéias. Mas também os essé- nios € a comunidade hebraica dos terapeutas presente no Egito jd aplicavam 0 método alegérieo a leitura da Biblia. O proprio Filon declarava haver conhecido “homens inspirados” que nas realidades contidas nas Leis reconheciam em boa parte “simbolos exprimi- veis de realidades inexprimive imbolos visivei de coisas invisiveis" (De specialibus legibus, M1 178). Por sua vez, ele dird que “a maior parte da legislagdo {mosaica) € expressa de forma alegérica” (De Jo- seph, 28). Nesse caso, para compreendé-la retamente: torna-se necesséria a interpretagio alegérica, © mais antigo documento que atesta a assungao da alegoria em ambito cristio nos é oferecido por Paulo na carta aos Galatas 4,24, onde aparece o ver- bo allegoreuein. A utilizagdo de tal expressdo tornou- se decisiva para a exegese cristi posterior, uma vez que Clemente, Origenes e os outros autores alexan- drinos haveriam de reportar-se justamente 2 Paulo ALEGRIA para legitimar em base “apostélica” a aplicago do método aleg6rico, Pelo fato, alids, de ter Paulo usado © termo allegoreuein no contexto de uma exegese tipoldgica, no periodo posterior a exegese “alegéri- ca” da Biblia compreenderd também a tipologia. Entre os Padres apostdlicos ndo aparece o termo “alegoria”. Algumas yezes € encontrado entre os Apo- logistas do século II (Aristides, Apol. 13,7: Taciano, Orat. 21) na sua contestagdo a interpretagio grega dos mitos. Serdo os gnésticos que no século IT fardo amplo uso da alegoria. Na Igreja do século Ill, o mestre da alegoria sera Origenes, origindrio de Alexandria, como Filon. E necessirio dizer que o cristo Origenes vé na exege- se alegérica da Biblia apenas um meio para desen- volver a riqueza do andncio da Escritura e para inter pretar 0s textos que no seu sentido literal apresentam dificuldade. A polémica posterior que dari origem a oposigao entre a escola teol6gica antioquena e a exegese “ale- _gérica’’ dos tedlogos alexandrinos nao chegou ae: prometer 0 uso da exegese alegdrica na Biblia, Ao contririo, séculos mais tarde, a exegese medieval la- tina da Biblia utilizara o termo “alegoria” para expri- mir — dentro dos quatro sentidos da Sagrada Escri- tura — © contetido de fé, como atesta o seguinte distico citado por Nicolau de Lira por volta de 1330: “Littera gesta docet, quid credas allegoria, moralis quid agas, quo tendas anagogia” (Nicolau de Lira) Bibl: W. A. Wourson, La filosofia det Pudri della Chiese, Brescia 1978, pp. 33-72: M. Sonera, Lettera efo alle: goria. Un contribute alla storia dell'esegesi patristica, Roma 1985, L. PADOVESE ALEGRIA Trata-se de uma das experigncias mais dificeis de definir, Sabemios o que € porque todos nés ja tivemnos experiéneia de alegria cm nés mesmos ou a observa- mos nos outros, estabelecendo-se assim uma empa- tia, Identifica-se com um sentimento de plenitude, de harmonia, de estar de bem com a vida. Talvez seja mais facil tentar descrevé-la e ressaltar as causas que Jevam a verdadeira alegria. Para muitos é o resultado da posse de algum bem que produz satisfacdo inte- rior. Identifica-se também como conseqiiéacia de equi- Ifbrio entre todas as facetas humangs: interioridade, exterioridade; corporeidade ¢ espiritualidade; © mes- mo se dé no campo afetivo, sensivel ¢ intelectual. Uma visio mais psicoldgica vé a alegria como um efeito da dindmica da realizagio pessoal, pela qual 0 homem maduro aceita sua propria realidade e vive experigncias de plenitude em sua atividade, em suas relagdes e desejos. Hi finalmente aqueles para quem a alegria s6 pode ser descrita em termos negativos, 12 pelo que a reconhecem nas situagies de auséncia de sofrimemto, de ansiedade, de preocupagdes ou de so- lidio. Conhecer a alegria, a felicidade ou a plenitude & dificil por causa do cariter especifico dessa idéia que 86 pode ser compreendida em si mesma, nfo sendo um meio, mas 0 fim de toda ago ¢ de todo conhe- cimento: sabemos mais ou menos quais. ow as experiéncias que nos conduzem 3 alegria, mas sabemos também que nao podemos reduzir a alegria a nada de tudo isso, pois ela vai além das realidades parciais. Representa, antes, a meta da nossa ago, do nosso ser. E por isso que a alegria, como todas as realidades centrais da realizagio humana, é um sen- timento profundamente religioso, porque é um dom de Deus, um fruto da sua relagao de amor conosco, € porque esta experiéncia vivida em plenitude nos conduz ao encontro com Deus. A alegria ocupa 0 centro da mensagem biblica ¢ tanto no Novo como ‘no Antigo Testamento esté sempre associada 4 expe- riéneia da salvagdo, ou pelo menos a sua promessa, € também ao encontro com Deus, 2 relago que 0 homem piedoso estabelece com Ele, Na mensagem da Nova Alianga a causa da alegria esta em primeiro lugar no amincio do Reino de Deus, depois na ressur- io de Cristo entre os mortos, e por fim na vida de uma comunidade fundada no amor e no dom do Espirito. E comum encontrar nos escritos mais signi- ficativos do NT — Jodo e Paulo — referéncias a esta alegria que brota da accitagiio da mensagem de sal- vagio, da adesio a Cristo, do sucesso da pregaco ou da experiéncia de comunhio entre os primeiros gru- pos de cristdos. O contexto biblico nos proporciona, pois, uma visdo da alegria que ¢ um dom do amor de Deus, e que pode ser identificado coma salvagiio que Ele opera através de Cristo e de seu Espirit. A espiritualidade crista ndo pode prescindir dessa idéia na hora de exprimir a essencialidade da vida dos crentes. Nao ¢ facil recompor uma linha ou tra- digdo na Igreja que se tenha referido a alegria como motivo central, Seria pois necessério servir-se, antes, das experiéncias dos grandes santos e dos mestres de espiritualidade. Esta alegria foi compreendida de va- ios modos: como conhecimento profundo dos misté- rios de Deus em Origenes, como experiéncia de sal- vagio ¢ de contraste com o mundo em Sto, Agosti- nho, como realidade amorivel em $. Bernardo, como experiéncia de simplicidade ¢ de fraternidade em S. Francisco de Assis, como disposigao da alma a graga em Sta, Teresa d’ Avila; como sentimento afetivo em S. Francisco de Sales, e como experiéneia da ternura de Deus em santa Teresa de Lisieux. A lista poderia estender-se indefinidamente. Mas © ponto comum a todos esses homens e mulheres o fato de terem eles encontrado a sua alegria em Deus; e em uma forma as coisas, 13 AUENAGAO que as vezes contrastava com as alegrias do mundo € que nfo raro era alegria em meio ao sofrimento; alegria que resiste aus ataques do maligno, as varia- Bes de humor e também aos momentos mais nega- tivos da existéncia, L. OVIEDO AUANCA Nas culturas € nas religides do antigo Oriente Médio, aalianga indica © pacto estipulado entre pessoas ou ‘grupos, com o qual ambas as partes se comprometem, a fidelidade reciproca e a uma relago de benevolén- cia, de paz, de solidariedade, de concérdia, Nas rela- goes humanas, a alianga tem como conseqiéncia 0 surgimento de certa familiaridade entre 0s contraentes, semelhante 4 existente entre pessoas ligadas por v culo de parentesco, Ao mesmo tempo que igualdade entre os contraentes nio é um elemento essencial da alianga, muito importante, todavia, € 0 juramento, com © qual se invoca © préprio Deus como testemunha € fiador daquilo que esta para realizar-se. Dai provém certa sacralidade da propria alianga, que introduz os contraentes em uma condigo nova e os impele a compromissos reciprocos moralmente obrigatsrios. Também a relagio entre Deus e Israel é entendida na Biblia mediante o recurso ao coneeito de alian este se mostra tio idéneo que se torna deveras a ca- tegoria que exprime todo 0 conjunto da histéria da salvagdo © dos livros que a testemunham (Antigo Novo Testamento ou Alianga). No AT, a alianga (berit) surge claramente como 0 fundamento da vida social, moral e religiosa do povo de Israel. Os profetas fazem indiretamente referéncia a ela para exprimir a singularidace dos vinculos que unem estreitamente Deus ao seu povo e com a ima- gem da nova alianga alimentam a esperanga € a ex- pectativa de um futuro de bem, de paz ¢ de familia ridade profunda entre lahweh e Israel. A luz do AT, pode-se muito bem dizer que “Israel viveu de alian- ca" (A. Gonzalez Lamadrid) e que Deus € “o Deus da alianga que pronuncia palavras de alianga ao povo da alianga e faz culminar estas relagdes pacticias em uma suprema alianga” (J. Muilenburg). O AT insiste continua e fortemente seja na gratuidade da alian que tem como fundamento exclusivo a benevoléncia divina, seja em seus efeitos salvificos (redengio, per- dio, solicitude, providéncia, misericérdia), seja, ain- da, na nec! Do encontro entre a liberdade de Deus ea de Israel (do homem), brotam frutos de bem, de paz, de har- monia, em uma palavra, a salvacéo. Segundo os autores do NT, a alianga (B1a6r}xn) assume um cardter de novidade, de plenitude ¢ de definitividade, gragas ao dom do Filho e do Espitito, idade da adesdo livre do homem a ela. feito pelo Pai & humanidade. No sangue de Cristo é estipulado 0 novo e etemo pacto, que liga os homens a Deus, fazendo deles um nove povo, chamado a viver na comunhio com seu Senhor. Por esse motivo, a realidade da alianca encontra sua manifestacio his- (rica na Eucaristia, sacrificio agradavel que elimina © pecado e restabelece a comunhdo perdida. ‘Na Biblia, estreitamente relacionado com o con- 0 de aliang 0 constitui um mero “dar a existéncia as coisas”, mas ‘0 comego de um vincwlo de benevoléncia entre Deus € as criaturas. Além disso, criagdo e alianga tm a mesma raiz: 0 amor; € dele que procede a a Ele também a razao svficiente da criagdo, entendida como chamamento gratuito a existéncia de seres, pessoais ou impessoais, diferentes de Deus. E natu- ral, pois, afirmar que, segundo a Biblia, Deus cria tendo em vista a alianga; € gragas « ela que a criagio alcanga a sua plenitude. A alianga, por sua vez, pode ser entendida como uma “nova criagio” dos seres existentes ou como vocagio & comunhdo mais pro- funda desses mesmos seres com o Criador. Jo entre criagdo ¢ alianga surge ainda mais evidente A luz de Cristo; com efeito, 0 Filho eterno do Pai, tendo se tomado criatura na plenitude dos tempos (Jo 1,14; G1 4,4), € centro da realidade justamente porque ele € 0 principio € mo- delo & imagem do qual tudo foi feito (Cl 1,15) eo fim para o qual tudo tende (CI 1,16). O Filho criador, além disso, € também aquele que fez novas todas as coisas por meio do proprio saerificio: nele, todo exis- tente vive, pelo poder do Espirito, em comunhao com © Pai da misericérdia Bibl: 1. Krwetzxt, Der Bund Gottes mit den Menschen nach dem AT und NT, Diisseldorf 1963. esis 0 de criagdo, porque esta ae A estreita cone G. M. SALVATI Aurnacdo E um dos conceitos-base, de origem filoséfica, larga: mente empregado para caracterizar a condigao do homem moderno, estranho a si mesmo e incapaz de captar © sentido da vida € das coisas. Na filosofia tegeliana, a alienagdo coincide com o momento em que 0 espirito sai de si mesmo, objetivando-se no mundo da natureza e da histria. Na ética marxista — que, entretanto, conheceu varies desenvolvimentos importantes variagGes — a alienagio tem lugar na sociedade capitalista quando 0 operdrio, separado da propriedade dos meios de produgio (terra, empresa fontes energeéticas...), fica alheado de toda a sua ati- vidade produtiva e da propria natureza. A essa aliena- cao fundamental, de cariter econdmico, Marx associa todas as outras alienagdes que dela derivam: religio~ sas, politicas, sociais, juridicas e ideolégicas. Apenas ALMA 14 pela superagdo da propriedade privada dos meios de produgo ¢ da subversio da sociedade capitalista seri possfvel chegar a uma sociedade niio-alienada. Encontram-se desenvolvimentos animadores sobre © cardter alienado e alienador da sociedade moderna em Fromm, Lukacs, Marcuse e outros autores que se apéiam nas anilises da escola de Frankfurt. A reflexao teolégica foi provocada pelas acusa- ¢gGes de alienagio que Feuerbach faz & religido (con- siderada como infancia da humanidade, na qual o homem “abre mio do seu ser jora de si, antes de enconiré-lo em si”) ¢ pelas ainda mais radicais de Marx, para quem a religido é um narestico, um sol ilus6rio, um ornamento feito de cadeias, no passan- do de um “suspiro” e de um vao “protesto” diante do mundo alienado, © magistério social da Igreja, embora niio com- partilhando a andlise marxista da alienagdo, observa que ela esté presente ainda no terceiro mundo em mirfades de pessoas marcadas pela auséncia de poder e de significado, pelo isolamento e pela estranheza em relagao a si préprias. Mesmo nas sociedades hi- perdesenvolvidas encontra-se a alienagio, quer dizer, a recusa a transcender a si mesmo e viver a experién- cia do dom de si ¢ da solidariedade (ef. CA 41). Bibl: R. B, Launen, Alienazione e libertd, 1970; A. lzzo, Alienazione e sociologia, 1972: 1. Maxcisi, Teologio, ideologia, wopia, 1974. MATTAL Auma Embora “na filosofia o problema da alma se tenha revelado sempre dos mais contestados e complica- dos” (C. Fabro), ¢ nao obstante a constatagdo de que “€ difictlimo saber o que ¢ a alma” (Tomas de Aqui- no), nio é possivel pensar o homem numa perspec- tiva teol6gica prescindindo dessa realidade. Reconhe- ce-se a sua existéncia a partir do fluir concreto da a, dos atos realizados pelos viventes, que sao tes- temunho tanto do princfpio que os produz, como da natureza ou quatidade do proprio principio. Etimologicamente, o termo alma esti sempre rela- cionado com a respiragdo, com o hdlito, entendidos como manifestagio de vitalidade, Por isso ela indica genericamente o principio da vida dos seres viventes. ‘Tomas de Aquino afirma que a existéncia da alma toma-se evidente, se se considera que entre as cria- turas, algumas tém em si mesmas 0 principio vital, como as plantas, os animais e os homens, que se ferenciam imediatamente das coisas artificiais ou inanimadas; de modo especial 0 homem possui a evi- déncia da existéncia da alma em si a partir da expe- rigncia pessoal de sentir ¢ entender, quer dizer, da va e da intelectiva, Por isso “se dizem animados os corpos que parecem realizar as opera vida sensiti ges da vida (imanentes) em algum dos seus graus (vegetativo, sensitivo, intelectivo). (...) A alma é, pois, aquilo que d4 ao vivente a natureza de ser e de agir de certo modo: € 0 primeiro principio que especifica © corpo e 0 move as fungdes vitais” (C. Fabro), Na Biblia, a alma indica a vida ou o homem vivente; no € nunca pensada como parte ou elemento separado; 6 termo indica principalmente “o sujeito das mani- festagdes vitais, especialmente das conscientes ¢ es- pirituais” (G. Langemeyer); & por isso que ela pode ser objeto de jufzo por parte de Deus, podendo rece- ber dele um castigo ou uma recompensa, A sobre véneia da alma é pensada pela Escritura como dom de Deus ¢ esta sempre ligada a ressurreigio corporal. © pensamento grego, juntamente com a acentua- cdo da diferenga entre dimensdo corpérea e dimen- so espiritual, propde uma visio dualista do homem: uma realidade em que se unem os dois diferentes ‘campos do ser que é composto de um corpo marcado pela finitude, pelo limite, pela tendéncia aquilo que €baixo € para a morte, ¢ de uma alma que tende para © infinito, para o alto, feita para a eternidade, sendo imortal, Eis af por que, freqiientemente, a realizagao maxima do homem & compreendida como neutralida- de ou libertago da matéria, Os tedlogos dos primeiros séculos nao se esquiva- ro completamente das sugestées da visto antropol6- gica grega, embora sempre se tenham preocupado com deixar claro que: a) todo homem foi criado bom por Deus; ) também 0 corpo esté destinado a salva- gio. Boa parte da antropologia patristica aceitaré “a distingao conceptual entre alma e corpo como duas substncias parciais de que ¢ composto 0 homem” (G. Langemeyer). Com Tomis de Aquino, a alma seri pensada como forma corporis, ou seja, como principio que confere vitalidade a todo homem. A partir de Descartes, volta a ser acentuados a dife- renga € 0 contraste entre alma e corpo, com inevité- veis reflexos também na teologia crista. © Magistério eclesial, com 0 passar do tempo, além de repelir algumas afirmagdes errOneas a res- peito da alma (por exemplo, a negagao da existéncia da alma individual e da sua imortalidade individual: DS 1440), adotou a visdo da alma como forma cor- poris (DS 902) e como realidade imortal (cf., por exemplo, DS 1440). A respeito dela afirma-se que & criada diretamente por Deus (DS 3896), a partir do nada (DS 685), que € distinta da substancia divina (DS 281), que & 0 principio vital do homem (DS 2833), que € superior ao corpo (DS 815) e de natu- reza espiritual (DS 2766; 2812). A teologia contempordnea tende a conferir um lugar secundirio ao conceito de alma, preferindo falar de homem, de pessoa, Continua sendo entretanto indis- cutivel a distingdo no homem entre pensamento, 15 ALUCINACAO, vontade e sensibilidade, que remete a uma realidade ontologicamente rica, que confere ao sujeito humano a sua singularidade e grandeza. Bibl: WW.As.. Lenima, Bologna 1979: A. Ricosttt0, L'immortalité dell'anima, Brescia 1987. G.M. SALVATI ALMA E CORPO Adotando uma perspectiva mais descritiva ¢ empiri- ca que metatisica, a Biblia desconhece uma divisio corpo-alma do homem; as duas dimensdes, espiritual € corpéres, estio em total simbiose. A distingo entre alma, espirito e came destina-se a acentuar esse ou aquele aspecto do tinico ser que ¢ © homem. Como possuidor da nefesh (alma), 0 homem é um vivente que deve a sua existéncia a Deus e & capaz de rela- Ges interpessoais e de sentimentos; por causa do ruah (espirito), 0 homem € 0 testemunho vivo do poder de Deus, sendo a expressio mais elevada de sua forca criadora. Nefesh e ruah testemunham mais claraments a “proximidade” existente entre Deus e 0 homem: mas enquanto basar (came), 0 homem € 0 ser vivente que, como outras criaturas, tem um cor- po, uma dimenso “material” que embora conferin- do-Ihe certa caducidade nao é menos digna ¢ boa aos olhos de Deus. Em virtude da sua singular constitui- ‘cdo ontoldgica ou “condigéo", o homem transcende o mundo, mesmo pertencendo a ele; possui “afini com 0 céu ea terra e, assim sendo, € “uma coisa muito boa” (Gn 1,31), estando destinado & ressurrei- (fo final. A Biblia, mesmo excluindo uma visao dua- lista do homem, faz indubitavelmente referéncia & presenca simultanea de duas dimensdes do ser huma- no: corpérea e espiritual e que, sobretudo em virtude desta tiltima, cle & “imagem ¢ semelhanga de Deus” O encontro entre 0 cristianismo e a cultura helenis- tica tera um duplo efeito. De um lado, a visio unitdria biblica dara lugar a uma perspectiva predominante- mente dualista: corpo e alma sao as duas substdncias que compdem o homem; de outro, serd acentuada a superioridade da alma humana. Os Padres, porém, rejeitardo a concepgao da alma como parte ou emana- fo da divindade e a da unido alma-corpo como resul- tado de uma espécie de puniydo; para eles, 0 homem todo, alma e corpo, ¢ destinado & gléria futura. Uma notavel mudanga de perspectiva se verificard a partir do século XII, gragas a acolhida do pensa- mento aristotélico, que levard a uma nova visao an- tropoligica. Tomés de Aquino, o mais hicido repre- sentante da nova orientagao filosdfica e woldgica afirmard que a unio entre alma e compo é semelhante A existente entre matéria ¢ forma substancial; embora onologicameme diferentes, alma e corpo do homem no possuem autonomia propria antes da uni a partir dela, a alma torna-se forma, quer dizer, atua, mas vivifica a matéria, que entdo recebe a existéncia, a perieigio e as determinagées essenciais. Disso resul- ta a profunda compenetragdo de alma € corpo no homem; a sua unido nao € acidental, mas substancial, profunda; nesta perspectiva, todas as ages do ho- mem sio fruto do concurso de uma e outra “dimen- sio”. A unidade corpo-alma leva a conceber a morte como dissolugio provisGria e quase inatural da pro- pria unidade, enquanto permite dar um sentido pro- fundo 4 promessa biblica da ressurreicio da came. Alem disso ¢ cla que justifica profundamente a di- menso social e histérica do homem, “O corpo € a0 mesmo tempo o lugar da comunhio e da abertura ao (F. P. Fiorenza-J. B. Metz). O magistério da Igreja, além de rejeitar algumas propostas teoldgicas que tendem a ver na corporei- dade o demoniaco (Concilio de Braga, 561: DS 455ss.), ou a fazer da alma uma parte de Deus e a negar 4 ressurieigio corporal (1 Concilio de Toledo, 400; DS_ 188) ou a considerar as almas. humanas como espiritos preexistentes e exilados nos corpos (Sinodo de Constantinopla, $43: DS 403) e depois de ler afirmado a unicidade da alma (IV Concilio de Constantinopla, 870: DS 657}, utilizard ay formulas € a perspectiva antropolégica de Tomds para conde- nar a opinido segundo a qual a alma ndo se une diretamente ao corpo (Coneilio de Viena, 1312: DS 902) e ainda outra segundo a qual a alma € mortal ‘ou tinica para todos os homens (V Coneilio de La- tro, 1513: DS 1440), Entre as intervengdes do Magistério a respeito da relagdo alma-corpo, merece ser lembrada a Gaudium et spes do Concitio Vaticano 11, na qual, segundo a perspectiva tipicamente biblica, fala-se do homem ‘como unidade de alma e corpo que “por sua propria condigio corporal sintetiza em si os elementos do mundo material” (GS 14) e lembrase que “nio & licito ao homem desprezar a vida corporal, devendo, a0 contrério, estimar e honrar seu corpo, porque cria- do por Deus ¢ destinado & ressurreigao no tltimo dia” (ib.). Juntamente com isso reafirma-se a convie- io de que © homem transcende o mundo material em virtude da propria espiritualidade © da posse de uma alma imortal Bibl.: FP. Fionexza-1, B. Merz, L'vomo come anita di corpo @ anima, in J, Fexex-M, Lourer, Mysterium satutis, IV, Brescia 1970, pp. 243-307; J. Stirext, Das Leib-Seele Problem in der gegenwartigen Diskussion, Darmstadt 1979, G. M. SALYATI AuucinacAo Temno técnico da psiquiatria © da parapsicologia, as- sumido em determinados casos pela teologia com relagdo & problemitica das visdes e das apariges AMBIENTE 16 Dentro de uma criteriologia que estabelece as re- gras para a verificagio da veracidade das visdes, dis tingue-se entre visdo e alucinacio. Na alucinacao, um individuo representa mentalmente para si uma realidade e julga vivé-la como verdadeira, iludindo- se quanto ao fato de perceber efetivamente o real, inclusive através dos sentidos. Mediante um proces- so de projec da realidade, ele constréi mentalmen- te imagens mentais e representagdes que nio reco- nhece mais como fruto do préprio eu, mas como atos que provém do exterior ¢ de outros individuos, Esse estado de alucinagao nao comporta necessariamente um estado patol6gico esquizofrénico; de fato as ve- zes poderia tratar-se do efeito de drogas que provo- cam a projegdo mental do sujeito, Na parapsicologia, alucinagao tem um significado muito diferente: fala-se de alucinaco nos casos em que um sujeito percebe no plano visual ou auditivo a presenga de pessoas ou acontecimentos € situagées que tém uma realidade peculiar, mas que estao dis- tantes tanto no espago como no tempo (por exemplo, pode-se presenciar a morte de uma pessoa querida que se encontra em um espago longinquo e diferente daquele em que 0 sujeito esté). Assegura-se que ca- sos como esses podem acontecer a qualquer pessoa sem que isso signifique que ela sofra de alguma patologia particular. E como a mente humana guarda ainda consigo muitos espacos de mistétio, deve-se deixar 0 campo vre para a pesquisa de assuntos desse tipo; mas isso Zio implica nem a identificago nem a assungdo de tais formas no horizonte da visio. R. FISICHELLA AMBIENTE E “aquilo que envolve por todos os lados"; por isso pode indicar 0 conjunto day realidades ou das condi ges em que se desenvolve a vida do homem e que tem ligagdo e também certo influxo sobre sua vida. De maneira genérica, 0 termo ambiente significa “esfera hist6rico-social, clima de condigdes econd- micas, naturais, juridicas, de hébitos humanos © de atitudes espirituais em que o homem vive” (M. T. Antonelli), ambiente é a situagdo em que se desen- volve a existéncia individual e coletiva ou o conjunto das condigdes de vida. Na cultura ocidental contemporanea, com o de- senvolvimento da sensibilidade ecol6gica, 0 termo acabou assumindo um sentido predominantemente naturalista, isto 6, identificagio quase exclusiva com © conjunto das realidades fisico-naturais dentro das quais se desenvolve a vida humana. O ambiente nao pode ser pensado apenas como “espaco vital plas- mado pelo homem” (H. D. Engelhardt), mas tam- bem como realidade que por sua vez “plasma” o homem. O ambiente de cada ser vivo pode ser considerado quase como célula de um organismo, o ecossistema, ‘que resulta da soma e da interconexdo entre numero- sos ambientes; 0 conjunto dos ecossistemas forma a biosfers. A sociedade do terceiro milénio tomou conscién- cia das dependéncias reciprocas existentes entre ambiente, cultura e sociedade e sente-se cada vez mais responsdvel pela recuperagao do equilfbrio per- dido no ecossistema. As ciéncias sto convidadss a “pensar ecologicamente” (H. Schipperges) e a favo- recer a redescoberia do chamado “nicho ecolégico” por parte do homem, que deve necessariamente aban- donar a atitude indiferente © predatéria que durante séculos caracterizou sua relagio com a natureza, que nao € apenas um mero objeto de que se possa dispor a bel-prazer; 0 homem nao pode continuar a cons derar-se 0 senhor absoluto da natureza. A medida que cresce a consciéncia do nosso estar “inclusos no sistema” e do estar “em uma relagdo ecolégica com a natureza” (Id.), delineiam-se no horizonte do sé- culo XI “os tragos de uma sociedade pés-indus- trial que néo sera mais administrada e dirigida pela economia, mas, antes, projetada ov ordenada de acordo com principios ecolégicos. Nés nos encon- tramos no momento de transigio de um principio econémico para um principio de responsabilidade universal” (Id.). No plano moral, nasce hoje para as pessoas a ta- refa da protecio e da promogdo do ambiente, quer dizer, a necessidade de dar vida a uma série de ini- ciativas (ciemtificas, técnicas, econdmicas e politicas), pelas quais principalmente devem ser suspensas as devastagdes e a desfigurago do ambiente e “por meio das quais 0 conjunto do espago vital confiado a res- ponsabilidade do homem deve ser ordenado da me- Ihor forma possivel” (A. Auer). Bibl: A. Aven, Unweltethik: Ein theologischer Beira; dkologischen Diskussion, Diisseldorf 1984; O. H. Steck, Welt und Umwelt, Stuttgart 1988. G. M, SALVATI Amizave Deus, sendo amor do Pai e do Filho na unidade do seu Amor comum, 0 Espirito Santo, deseja desde todo o sempre participar fora de si seu amor de be- nevoléncia e de amizade. E este amor de Deus que esti na origem da criagdo e da redengio dos ho- mens, tornados capazes de retribuir 0 amor com que Deus os ama. Para fazer-nos compreender e provar seu amor, na revelagio Deus se mostra sob as formas de amigo, 17 AMOR Pai, mie, esposo, com 0 objetivo de garantir assim sua fidelidade. A alianga selada por Deus no Calvario € expressa pelo envio do Espirito Santo a nossos coragdes (cf. Rm 5,5), prinefpio de didlogo, de comunhio ¢ de oragio. A evocagiio desse “dom” que age nos cristos & nos homens de boa vontade & indispensivel para se descobrir a importincia vital do amor de amizade ou de benevoléncia também fora do ambito familiar na- tural, Sio conhecidas amizades hist6ricas famosas como, por exemplo, a de Jerdnimo e Eustéquia, Abelardo ¢ Heloisa, Bonificio e Lfobe, Jordio da Saxdnia e Diana de Andali, Francisco de Assis © Clara, Jeronimo Graciano e Teresa de Avila, Francisco de Sales e Joana de Chantal, H. U. von Balthasar e Adriana von Speyer. Conhecem-se, porém, igualmente os problemas ¢ as discusses criticas a respeito do valor e da pritica conereta de tais ou semelhantes amizades chamadas freqiientemente de amizades “espirituais”, De regra nao pode haver divida a respeito do valor objetivo dessa amizade. A pessoa humana, criada e redimida como imagem e semethanga de Deus-amor, é chama- daa ser amada e a amar com um amor de cia e de amizade, quer dizer, gratuitamente, para seu proprio bem. Este amor puro e perfeito ajuda a pes soa a realizar-se, sem se tornar necessariamente forga, sexual-genital. E de importéncia capital tomar cons- cigncia de que 0 homem e a mulher, antes de serem tais em profunda reciprocidade inter-humang e inter- al, participam ambos da tinica e mesma nature- za de pessoa humana livre, capaz de amar livremente ¢ também ser amada livremente com todo 0 coracio. benevolén- Bibl: T. Gor, Amicizia,in Nuovo Dicionario di Spirituatita, Roma 1978, pp. 1-19; T. Auvaxez, Amicicia in Diziona- rio encielopedico di Spirituatita, |, org. por E. ANCILL, Roma 1990, pp. 112-117, 0. VAN ASSELDONK Amor E a palavra-chave da fé cristi e seu contetido crivel. Sem © amor, 0 cristianismo cessaria de existir, tor- nando-se mera gnose. A compreensio teoldgica do amor ndo parte da experiéncia humana dele, pois ela € considerada demasiado limitada porque sujeita a0 limite e & contradicao tipica da natureza criada; par- te, isto sim, do proprio evento da revelagdio que em si € amor. A revelagao de Deus s6 pode ser efetiva- mente compreendida a luz do amor misericordioso com que Deus se dé A humanidade sem nenbuma ‘outra razdo a ndo ser a de amar totalmente sem pos sibilidade de receber em troca nada que se possa equiparar a seu amor, Toda a histéria da revelagio de Deus pode ser percorrida & luz de um amor que se exprime € se revela progressivamente até o pleno total dom de si © centro da concepgao crista do amor € 0 misté- rio pascal. Somente a partir desse centro & possivel perceber a hist6ria do amor divino. A cruz deixa transparecer ao mesmo tempo a liberdade de Deus no seu doar-se por amor e o dom pleno ¢ total que ele realiza de si: “Ninguém me tira a vida, mas por mim mesmo eu dela me despojo; eu tenho o poder de me despojar da vida e tenho o poder de a reto- mar: este é © mandamento que eu reccbi de meu Pai” (Jo 10,18). Na morte do Filho. Deus permite que se conhega o mistério do seu amor dentro da propria vida trinitdria. A natureza de Deus, com efei- to, € somente amor. Entre os numerosos atributos que na Escritura so aplicados a Deus, pela primeira e tinica vez, a carta de Jodo dird que “Deus é amor” (1J0 4,8). O valor dessa expressio, para a fé, ¢ sumo; de fato, toca-se no ‘pice da revelago a medida que se afirma que esse amor € a origem ¢ o fim da vida trinitdria de Deus ¢ a forma mediante a qual ele se dirige 4 humanidade E a partir desse centro que tomam corpo as diver- sas expresses de amor que pertencem & historia da revelagio, Antes de mais nada, a criagdo € vista como sendo 0 fruto de um Deus que ama. Mediante a cria- io, qualquer um pode reconhecer 0 amor com que Deus se exprime (Rm 1,20) e compreender sua exis- (éncia, Os eventos que levam Israel a constituir-se como povo devem ser lidas 2 luz de um amor que escolhe ¢ elege, que defende ¢ liberta, que promete e cumpre a promessa, Apesar das repetidas infidelida- des do povo, Deus comesponde sempre por meio do perdio c da protegio que exprimem a prixis do seu amor. Os profetas, repetidas vezes, falario do amor de Deus para com Israel usando como termo de com- paracio a propria experiéneia do amor conjugal. Oséias pode ser considerado o autor que mais utiliza se recurso. Ele sera chamado por Iahweh para im- primir em fatos de sua vida matrimonial o drama do amor genuino de Deus para com seu povo e as repe- tidas infidelidades desse mesmo povo. Outros prote- tas, como Ezequiel e Jeremias, nao se distanciam dessa perspectiva. O primeiro utiliza principalmente a cate- goria da fidelidade de Jahweh & promessa dada e & sua intengZo de renovar a alianga com o povo; 0 segundo, recuperando a mesma linguagem metafori- ca, afirmara: “Eu te amo com um amor de eternida- de; &, pois, por amizade que te atraio para mim” (Ir 31,3). Sob muitos aspectos, esta etapa da revelagao do amor é ainda marcada por uma forte conotagdo ‘que poderia ser definida como “contratual”, © Deus que ama é 0 mesmo que faz uma alianga e que di uma lei a ser observada sob pena da perda de sua protegao, AMOR AO PROXIMO 18 Ser o evento da encarnagio que, manifestando cla- ramente o proprio empenho de Deus em primeira pes- soa, garantiré a plena expressividade do seu amor. Aqui nio hi mais mediagdes, ¢ sim Deus que se revela di- relamente a si mesmo. A luz. do acontecimento da Pas- ccoa a comunidade cristd verd a si mesma como objeto cde um amor todo especial por parte do Pai. Os crentes, com efeito, por forga do amor com o qual sie amados, podem superar toda e qualquer dificuldade e vencer até © tltimo inimigo que se Ihes apresenta, ou seja, a morte: “Se Deus é por nds, quem serd contra nés? ... Quem nes separard do amor do Cristo?” (Rm 831-39). © amor de Deus torna-se principio para a comu- nidade viver do mesmo amor com 0 qual fomos amados. Torna-se, portanto, o sinal expressivo que, pelos séculos afora, haverd de caracterizar a vida dos cristdos. Esse constitui 0 “mandamento antigo, que tendes desde o prinefpio” (LJo 2.7-8), posto como condigdo para serem reconhecidos como cristdos “Vede como se amam!”: eis © que era dito pelos Pagdos nes primeiros tempos da Igreja para reconhe- cer os crentes; esse convite deveria vollar a ser ou- vido também em nossos dias. © amor constitui ainda critério para julgar a ver- dadeira fé. A partir das palavras claras da carta de Tiago: “Tu tens f€; eu também tenho obras. Prova- me tua fé sem as obras, que eu tirarei das minhas obras a prova da minha fé" (Tg 2,18), ¢ por toda a hist6ria da teologia até chegar a enciclica de Joao Paulo II Dives in misericordia, 0 amor € tido como norma tiltima do agir cristo © como o fundamento da fé. Existe, com efeito, uma circularidade entre fé € amor que permite verificar sempre tanto a dindmica da fé como o testemunho dos crentes. Foi Tomés de Aquino quem mais do que outros, teve 0 mérito de organizar harmonicamente a relagio entre {é e amor; com efeito, ele escreve, que “o amor € forma da fé porque € através do amor que a f8 atinge sua perfeigo” (Il, Il, 4, 4). Como quer que seja, toda a teologia de Jodo © Paulo constitu: funda- mento para se compreender essa circularidade em que © amor tem prioridade incondicional. ‘A expresso mais significativa pode ser extraida do chamado “hino a caridade” (1Cor 13,1-13): "Se me falta o amor, nada sou”. O apésiolo descreve aqui 0 amor como a condicdo constitutiva do ser crente e v8 esse amor na pessoa do préprio Jesus. Tudo sera intl na vida do crente, até mesmo o ato supremo com 0 qual se decide oferever a propria vida com o mantitio, se praticado fora do horizonte do amor. Em suma, quem ndo ama, ndo pode crer que Deus se revelou, nao poderdo, portanto, realizar-se a si mesmo. O amor, do ponto de vista cristao, continua sendo © centro do mistério. Isso significa que s6 poder ser compreendido & luz de uma revelagao que, a0 ‘mesmo tempo, seja capaz de exprimi-lo e de protegé- lo, De fato, 0 amor nio poder jamais ser definido por uma linguagem capaz de exprimi-lo totalmente, pois no momento em que isso acontecesse seria destruido por completo. S6 pode ser concebido ¢ compreendido a medida que se mantém dinimico ¢ capaz de exprimir tudo a respeito da pessoa, numa condigio tal que saiba evidenciar em si a presenga da gratuidade e do dom, Um amor que nio fosse dom nio seria digno nem de Deus nem da pessoa e, portanto, estaria sempre sujeito ao equivoco do egois- mo em suas formas mais sutis. S6 quando se chega ao amor dentro da perspectiva de ser amados ¢ que seri possivel descobrir que se est também em con- digdes de amar, Bibl: H. U. von Batruasan, Solo 'anore & credibile, Tori- n0 1965; A. PENNA, Amore nella Bibbia, Brescia 1972; R. Fisicuetta, H. U. von Balthasar. Amore e credibilita cristina, Roma 1980; Vw.As., La cariti, Bologna 1988 R. FISICHELLA AMOR AO PROXIMO 1. 0 vocabuldrio. A expressio amor ao proximo cir- cunscreve © grande tema do amor a um referente concreto: 0 “préximo”. O termo “préximo” (em he- braico rea’) aparece no mandamento do amor em Lv 19,34, retomado mais tarde por Jesus em Mc 12,29- ‘33 (Mt 22,37-39; Le 10,27). O termo rea‘ pode sig- nificar amigo, companheivo, compatriota ou simples- mente 0 outro, ou seja, qualquer pessoa (Ex 20,1 Ly 19,13.18; 20,10). Nesse sentido amplo Jesus 0 entendeu ¢ assim 0 entendeu também a moral crista. Para exprimir a idéia de amor a Biblia emprega numerosos termos, No AT 0 termo mais freqiiente é “ahab ‘ahabé (amar-amor), que pode significar tanto © amor entre pessoas humanas quanto o amor pelas qualidades humanas ou pelas coisas concretas, ou fi- nalmente o amor da pessoa para com Deus ¢ de Deus para com a pessoa, Na tradugdo grega dos LXX 0 termo predominante para traduzir ‘ahab & agapan (agapé ). Em forma mais limitada encontra-se tam- bém philein, ao passo que evdn, pelas suas conota- ¥ sides. No NT predominam os verbos agapan e philein (com os termos dos respectivos grupos seminticos). O grupo erdin esta totalmente ausente. 2. Fundamento antropolégico-teolégico. O fundamen- to do amor ao proximo € 0 mesmo do amor a Deus, seja no nivel Sntico-antropolégico, seja no nivel teo- \gico ¢ ctistolégico. 0 homem, como pessoa, € um ser “relativamente absoluto” (X. Zubiri), Essa “rela- tividade” apoia-se sobre 0 fato da sua ligagdo formal com a realidade, em relagio & quel ele compreende a si mesmo como um “eu-diante-de”, Imersa no real, a S erdtico-sexuais, ocorre somente em raras oca- 19 AMOR AO PROXIMO pessoa compreende que seu “eu” nio € tinico, mas existem também “outros”, nos quais se desenvolve a mesma forma de poder do real e age a mesma potén- cia fundamental (Deus). £ a “uniéo” com a realidade ‘hime que poe a pessoa em relagio com todos aque- les com os quais ela esta unida de forma “fundamen- tal", O dinamismo do real se tora assim dinamismo circular: dos outros 0 sujeito recebe 0 fundamento de “realidade”, e em referéncia aos outros ele atua as potencialidades da sua personalidade. No plano teolégico e na atual economia da salva- Go, essa cireularidade insere-se no diaamismo da vida winitéria. O amor ao préximo no € expressao isolada do comportamento moral, mas atuagio do ser moral do homem fundado constitutivamente no Deus da vida imortal, da qual nos tornamos participes me- diante a redengo operada em Cristo (Rm 3,24; 1Cor 1,30; Ef 1,7). Convergem para esse ponto os grandes temas. da criagdo (o homem criado a imagem de Deus, Gn 1,27) ¢ da redengao. A insergo em Cristo leva & comunhao (koinénéa) vital com o Filho de Deus e com todos aqueles que se tomaram filhos no Filho (Rm 8,15-17). 3. primeiro € o maior dos mandamentos. O ensi- namento de Jesus, retomando com caracierfsticas novas a doutrina sobre o amor formulada de diversas maneiras no AT (Lv 19.18; Dt 6,5), evidencia a po- sigdo especifica do amor ao préximo em relagao aos ‘outros preceitos (Mt 22.40; Me 12,31). Jesus salienta que tal preceito deve estar inseparavelmente unido ao do amor a Deus e, como tal, participa da condigio de “primeiro e maior” dos mandamentos. De ambos, ‘como raiz de origem, “depende” toda a lei e os pro- fetas. De fato 0 ato concreto de amor a0 préximo visa sempre, implicita atematicamente, a dirigir-se a Deus como, vice-versa, todo ato de amor a Deus implica a abertura ao amor ao proximo, podendo-se afirmar que “a categoria do amor ao proximo € 0 ato primério do amor a Deus” (K. Rahner), amor nio é uma categoria de cariter juridico, & portanto no pode, rigorosamente falando, ser alyjeto de regulamentagdo legal. Essa doutrina, afirmada de modo implicito no AT, sera explis por Jesus, embora conservando a formulagdo impera- tiva veterotestamentiria. Com a nova relagdo lei-amor nio se trata, portanto, de uma “redugdo” ou ficagdo™ de cardter legal, mas antes de um namento” da lei e da moral no novo contexto do amor. 4. Caract rece um elenco das caracteristicas do amor em seu hino a caridade (1Cor 13). Enumeraremos algumes de cardter geral que destacam de modo especial a incidéncia do amor na vida pessoal e social. a) Universalismo. 4 idéia de universalidade, jé ace- nada no AT, torna-se explicita na doutrina de Jesus, tamente revelada vristicas da ética do amor, Paulo nos ofe- ‘como se nota a partir do imperativo de amar também ‘0s inimigos (Mt 543-46; Le 6,27-35; cf. Rm 12,20- 21), Joao, que pe no centro do seu Evangelho o tema do amor (ele usa 0 verbo agapdn 35 vezes no Evan- gelho ¢ 28 na primeira carta, ¢ 0 substantive agapé 7 vezes no Evangelho e 18 na primeira carta), enquanto dirige seu discurso aos “irmdos” da prépria comunida- de, di-nos a razdo tiltima da universalidade do amor: “Deus, com efeito, amou tanto o mundo que deu 0 seu Filho, 0 seu Gnico, para que todo homem que nele cré no perega, mas tenha a vida etema” (Jo 3,16). b) Interioridade. Diferentemente da ética judeica, centrada na pritica exterior das observancias legais, Jesus propie uma ética fundada no amor, que brota do intimo profundo do homem (Mt 5,23-24: ef. 15,17- 20), Jodo coloca como modelo da profundidade do amor ao proximo a do amor com que Jesus nos amou (Jo 15,12). E para esta realidade profunda que aponta também a expressdo joanina: “amar em verdade” (Jo 3.18: ef. Io 1), ¢) Compromisso inquiridor e solidério — Inquiridor, Amar, no pensamento agostiniano, € “procurar™ (quaerere; cf, em portugues querer amar). Isso implica uma atitude de “tensio” con- tinua em diregZo & pessoa amada, para identificar seus problemas, acompanhé-la e gjudi-la de ma- neira afetiva e efetiva. Amar supe, de modo es- pecial, atengdo para com o prOximo necessitado que interpela o sujeito a tomar.se “préximo’ ao encontro do outro com amor. A pardbols do Bom Samaritano (Le 10,29) proclama a reviravol- ta da esirutura do humanismo filantrépico, insta rador de um movimento de amor em perspectiva unidimensional (do eu para o outro). A parabola explica a “proximidade” em perspectiva relacio- nal de “inclusio” afetiva e efetiva por parte do sujeito “interpelado”, Assim, a pergunta inicial sobre “quem substitufda por outra sobre “quem dé uma resposta de proximo” ao olhar interpelador do necessitado, mesmo quan- 8) — Soliddrio. A solidariedade surge como categoria basilar das primeiras comunidades cristis. O termo usado por Paulo e pelo autor dos Atos para expri- mir essa idéia é “koindnia’. Os primeiros eristdos y" de fé median- iz em nivel horizontal ow social, mediante a comunhao dos bens (At 2.41- 46), 0 servigo de “mesa comm” (At 6,1-6), as coletas (At 1127-30; GL 2,0; 1Cor 16,18; 2Cor8- 9; Rm 15,25), a hospitalidade (At 9,43; 28.7). 5. Compromisso historico do amor: « caridade poli- tica e social. A chamada “caridade politica e social” (GS 88; QA. 137) tenciona par em relevo 0 compro- misso do cristio na consirugio da sociedade. A di- ir ‘AMOS 20 mensio escatolégica do amor cristio nao anula a realidade hist6rica, mas confere-the um novo senti- do, orientando-a e guiando-a, portanto, de acordo com uma escala de valores nova ¢ integradora. seqiiéncia importante desse impulso integrador & a superagio das dicotomias entre caridade e justiga. amor implica exigéncia absoluta de justiga, e a jus- tiga, por sua vez, $6 alcanga sua plenitude na carida- de que faz ver em todo homem a presenga do amor criador e redentor de Deus. Nesse contexto destaca-se a dimensio teologal do compromisso social ¢ politico do cristdo. O cardter unitdrio da vida erisid faz com que em tal compro- miso seja posto em jogo todo © dinamismo da vida ctisti. Isso se destina ndo s6 a enfrentar as deficién- cias existentes, especialmente no campo da justia, mas a introduzir no dinamismo da vida social um impulso transformador ¢ “utpico”. A utopia escato- J6gica revela o carter meta-hisiérico da meta final que, se de um lado relativiza as metas histéricas. de outro lado, fecunda-as, inserindo nelas uma relevain- cia de cariter transcendental. Compreende-se assim a sem-razio daqueles que véem no radicalismo do mandamento do amor ao présimo proposto por Jesus a utopia geradora de uma “ética proviséria” valida somente para a emergéncia do “tempo final” (A. Schweitzer). 0 amor (agdpé) é a tinica energia vital pela qual, no mundo presente, 0 homem sujei mal e 4 morte pode de alum modo viver a vida futura, imortal (E, Stauffer), Por isso mesmo pode ser chamado com toda a razao de “mandamento novo” (Jo 13,34), destinado a ser sempre, também hoje, a chave de atualizagdo da fé. Joao definiu os cristios como aqueles que “creram no amor” (Jo 4,6). Sem diivida, para Joao € a fé (crer em Jesus, ir até Ele, conhecé-Lo) o fator operativo do “novo nascimento” (3.38), Mas 0 aval da missao de Jesus, € portanto a chave de Icitura da fé dos discipulos, € 0 amor: “E, assim, 0 mundo possa conhecer que tu me enviaste” (17,23). © mundo s6 conheceré Jesus € creré nele quando o cristdo se apresentar realmente como aque- Je que “cté no amor”, isto €, como aquete que ama erendo ¢ cré amando. A reflexdo teolégico-moral atual, seguindo as nor- mas dos grandes Padres da Izreja e dos grandes ted- logos escolisticos (S. Boaventura, Sto. Toms ¢ ou- tros) € Sob 0 impulso dos ensinamentos do Coneflio Vaticano II, fez. jd uma opgdo clara pelo que constitu elemento bisico do ser cristio — sem incorrer em atitudes fundamentalistas — pondo em relevo a im- portancia da opcdo radical pelo amor na postura diante dos problemas prementes do nosso tempo, como os da justiga, da violéncia e da guerra. O amor ni na moral como um preceito a mais, mas como raiz € horizonte de compreensio de todo discurso ético. ma con- Bibl: F. Maxtixetir-L. Baxonto (orgs.). Carita e politica, Bologna 1990; A. NYGREN, Bros e agape, La nozione cristiana dell'amore e le sue trasformazioni, Bologna 1971; G. QuaLL-E, SrwureR, “agapdd”, in Grande Les- sico del Nuovo Testamento, 1, pp. 58-146; K. RawNeR, Uber die Einheit von Nachsten — und Gottestiebe, in Schriften zur Theologie, VI, Binsiedeln-Ziirieh-Koln 1965, pp. 385-414: C. Snico, Agipe dans le Nouveau Testament, Analyse des textes, Gabatda, Paris 1966". L. ALVAREZ Anés © livro se insere no canon entre os doze profetas menores. Amés & o mais antigo dos profetas eserito- res. Embora nascido em Técua, vilarejo do reino de Judi, no Jonge de Belém, desenvolveu sua breve atividade no reino do Norte, sobretudo no santuirio cismético de Betel, no tempo de Jeroboo II (783- 743). Cuidava de seu rebanho © de seus sicGmoros quando 0 Senor the deu a miso de profeta para o reino do Norte, Exerceu seu ministério profético na Samaria, em Bete] € em outros centros. Um desen- contro com o rei obrigou-o a permanecer de novo na sombra depois de uma intervengaio ocorrida entre 760- 750 a.C. O livro esté assim dividido: 1,1-2 introdu- ao; 1,3-2,15 juizo divino sobre as nagdes, sobre Judi € Israel; 3,1-6,14 adverténcias € ameacas; 7,1-9,10 as visdes ¢ os ordculos, Pregador popular de linguagem colorida, impres- siona-se com o luxo das moradias (3,134.3), mas sobretudo com a injustig 15; 84-8). Narra sua vocagdo (7,10-17) e em 3,3-8 tenta indi- car-the o sentido: um profeta € alguém que, tendo entrado no projeto de Deus, vé tudo sob essa luz € procura decifrar tal projeto na vida € nos acomeci- mentos. Amés niio prega explicitamente a conver- silo: convida, porém, a procurar o Senhor ¢ a romper com a recusa da adesio a ele, entregando-se & mise- ricérdia daquele que pode dar de novo a vida. A verdadeira alianga (ndo obstante esse termo jamais aparega) € 0 fundamento do ensinamento social: nio 6 uma certeza que permite viver de qualquer manei- ra, mas uma responsabilidade: “S6 a vés eu conheci, entre todas as familias da terra; por isso pedirei con- tas a v6s de todas as vossas inigliidades” (3,2), Se Deus pune, é para levar & conversdo, Amds prevé que haverd alguns remanescentes, e isso permite con- servar a esperanga, Entre ameagas € esperangas. 0 Deus de Amés se apresenta como sendo 0 Deus gran- de, cujo poder e justiga govemam todas as nagdes € a todas elas dizem respeito. E ele pode fazer isso, pois € 0 criador (4,13). Bibl: 3.8, Soc, Mprofeta Amos: tradusione e commento, Studi Biblici 61, Brescia 1982; H. W. Wourr, Joel and dos rieos (2, 21 ANACORETISMO: Amos, 4 Commentary on the Books of the Profets Joel and Amos, Philadelphia 1977 G. LORUSSO. ANABATISTAS Os anabatistas so conhecidos como os “radicais” da reforma: ¢ isso porque imaginavam uma reforma da Igreja muito mais profunda do que a exigida por Lu- ter0, Zwinglio e 0S outros primeiros reformadores. A palavra anabatistas designa aqueles que batizavam pes- soas jd batizadas quando criangas — donde o nome de “rebatizadores”, Jamais exisiiu uma sé comunidade homogénea que pudesse ser identificada como 03 ana- batistas. Antes, a palavra se referia a muitos grupos diferentes que davam importancia ao batismo dos cren- tes ¢ necessidade de uma mudanga radical na Igreja, segundo 0 modelo que se encontra no NT. ‘Alguns anabatistas proclumavam a proximidade do fim do mundo e, baseando-se nas interpretagies de Daniel e do Apocalipse, induziram seus seguidores a pegar em armas para exterminar os impios, Um des- tes, Thomas Mintzer (1488-1525), conduziv a revol- ta camponesa em 1524-1525. Essas agdes violentas foram, em parte, © motivo pelo qual tanto os catdli- cos como os protestantes perseguiram os anabatistas, A maioria dos anabatistas era pucifista, como os seguidores de Conrad Grebel (1498-1526). Foi ele quem batizou, no inicio de 1525, um ex-padre cha- mado George Blaurock (1491-1529) depois que este tikimo fez uma profissio de fé. Grebel ¢ Blaurock tomaram-se pregadores itinerantes nas vizinhangas de Zurique, batizando homens e mulheres adultos e pres- tando servigos simples em casas € campos. Em 1526 © conselho municipal de Zurique decretou que todos os anabatistas deviam ser afogados, Um pequeno grupo de anabatistas estabeleceu-se na Moravia sob a influéncia de Jacob Hutter (+ 1536). Esses “hutteritas” acreditavam que a comunidade cris- 1a devia ser modelada de acordo com a repartigdo dos bens a que se refere At 4,32-35 e organizaram- se em “casas-irmis” (Bruderhofen), Os hutteritas eram pacifistas ¢ recusavam-se a prestar servigo militar ou a pagar taxas destinadas especificamente a fins mili- tares. Seu trabalho duro e seu estilo de vida austero levou-os a certo grau de prosperidade, mas a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) obrigou-os a se trans- ferir para varios paises da Europa Oriental antes de emigrarem finalmente para os Estados Unidos por volta de 1880, Os hutteritas praticavam 0 batismo dos adultos, compreendiam a santa comunhiio como ‘memorial € geraimente continuavam isolados de to- dos aqueles que nao partilhavam suas posigdes. Um grupo semethante de anabatistas que dava importin- cia 4 vida comum foi fundado por Meno Simons (1496-1551) na Holanda ¢ na Alemanha setentrional (ver Menonitas). Bibl: U. Gaston, Storia dell anabattismo, Torino 1982 W. HENN JANACORETISMO ‘Sdo anacoretas todos quantes moram sozinhos nos desertos € tiram seu nome do fato de se haverem retirado para longe doy homens” (Carta 22, 34). Com esses breves tracos Jeronimo define o fendmeno ana- coreta, assim chamado pelo grego “avarxcopecs (eu me separo, me retiro) ¢ que indica, na acepgio origi: nal, a fuga de devedores insolventes para o deserto. Se bem que vestigios de anacoretismo sejam ja en- contraveis por volta da metade do século III, parece que para determinar © desenvolvimento dessa forma aseética tenham concorrido as converses em massa para o cristianismo tipicas do século IV, com o con- seqiiente arrefecimento do fervor espiritual e a neces- sidade de esquivar-se das seduces de uma sociedade que a nova religio nio conseguira transformar. Hé pois, no surgimento da vida cristi do anacoreta uma tendéncia de reagio e uma necessidade de fuga da cidade, considerada como lugar de pecado. Os anacoretas caracterizavam-se por sew isolamento ‘quase total, abstingncia sexual, pei trabalho. manual ¢ pela auséneia de um superior. Na opinido de Jerinimo, “quem instituiv este tipo de vida foi Paulo, quem Ihe conferiu certo brilho foi Antio e, remontando a tempos anteriores, seu promotor foi Jodo Batista” (Carta 22,36). Afora essas afirmagoes, a questo a respeito da origem do anacoretismo con tinua insolivel por falta de fontes, Demonstrivel, ao contririo, & a répida difusio dessa forma aseética no Egito, na Palestina, na Siria e na Asia Menor. Fase primitiva do monaquismo cristdo, ao qual se seguird a forma de vida comunitéria ou cenobitica, anacoretismo traz.a marca da terra de origem e assu me formas de comportamento diversas. Basta pensar no fendmeno dos “estantes” ou estacionérios, que im- punham a si préprios a imobilidade absoluta; dos “dendritos", que tinham por habitagao as arvores; dos “insones” ou os que nao dormiam, para garantir 0 louvor perene a Deus; os “boscarejos”, que viviam como animais comendo a relva; os “loucos” por Cris: to, 08 “estilitas”, que passavam a vida toda em cima de uma coluna; os “reclusos™, que se deixavam tapar com muros em grutas, sepuleros ou casinhas para isso construfdas, Os diversos géneros de anacoretismo aqui lembra- dos encontraram adeptos nao so entre os homens, mas também entre as mulheres. Teodoreto de Cirro, na Histéria dos monges da Siria, 29-30, lembra trés: Marana, Cira, Donina éncias ANAGOGIA 22 O fato & que 0 anacoretismo exerceu forte influén- cia sobre a espiritualidade posterior também pelo ca- réter “herdico” de suas expresses. A fundagio de ordens e congregagdes de cardter eremitico a partir do século XI garantiu e regulou a sobrevivéncia des- sa forma de ascese na Igreja. Bibl-: DSP. 10, pp. 1524-1617; G. M. Covostu4s, Ht monache- simo primitivo, 1-11, Milano 1984-1990; 1. PeXa, La straor- dinaria vita dei monaci siri — seec. IV/V1, Milano 1990. L. PADOVESE ANacocia Otermo grego (vaycoyt = ava, “sobre” + éyo, “conduzo”) significa “elevar”. Nessa acepco ele apa- rece jd em Homero, Tucidides e Xenofonte. Ao lado desse primeiro significado, 0 verbo anaghein expri- me também 0 ato de “trazer de novo”, “restituit” ou — de maneira mais geral —“reduzir a”, Nesse sen- tido esta presente em Plato (“reduzir alguma coisa ao essencial”, Leis 626D), em Aristételes € nos es- t6icos, que 0 utilizavam no ambito da interpretacdo dos mitos. Apesar desses usos, 0 substantive “anagogia”, en- tendido como termo técnico de determinada forma de exegese crista, no € encontrivel antes de Orige- nes. © verbo, porém, aparece na Septuaginta, onde indica na maioria das vezes a libertagdo de Israel da escravidio do Egito (Nm 14,13; 16,13; Lv 11,45 ete.) ou a subida de volta do reino dos mortos (S1 29,3; 39,2; 71.208). No NT a acepgio mais comum de anaghein € a de “conduzir para 0 alto” (“o diabo 0 conduzitt mais alto...” Le 4,5), ou o de “navegar” (cf. At 13,13; 16,11 etc.). Nos Padres apostélicos ana- ghein aparece uma ou duas vezes para exprimir a subida da pessoa a Deus (cf. 1 Clem. 49, 4; 2 Clem. 17,2). O texto-chave para entender 0 uso que anagoghé ¢ anaghein assumirdo em Origenes se en- contra no seguinte texto dos Stromata (VI 126, 3), de ‘Clemente de Alexandria: “O caréter tipico das Escri- turas ¢ parabélico, porque também o Senhor, que no € do mundo, veio entre os homens como se fosse do mundo. De fato, revestiu todas as virtudes e devia transferir (anaghein) 0 homem criado no mundo as verdadeiras realidades inteligiveis: de um mundo para outro mundo’ Mas € com Origenes que “anagogia” se torna um temo técnico na interpretagio da Escritura e € pre- sumivelmente assumido, pois — temado no duplo significado de “elevar” e “trazer de novo” — expri- me melhor o carter peculiar de sua exegese. Ele prefere a anagogia a alegoria porque parece querer assim acentuar a diferenga entre o procedimento téc- nico de fazer exegese, como se encontra por exemplo em Filon, e o sentido propriamente cristo de apro- ximar-se da Biblia. Uma vez que 0 aprofundamento do conhecimento da Escritura € por ele entendido como um “subir”, entende-se por que ele denomina “anagogia” seu método interpretativo. A partir do doutor alexandrino, 0 termo “anago- gia” entrari na linguagem exegética da Igreja antiga para significar o sentido espiritual da Escritura. Com © tempo, porém, a distingdo entre anagogia ¢ alegoria ficard cada ver mais reduzida, até passarem os dois termos a ser entendidos como aspectos da tnica exe- gese espiritual da Escritura, Somente Didimo Cego parece ter respeitado a distingao origeniana, Com Jodo Cassiano (inicios do século V), “alegoria” e “anago- gia” serio usados para exprimir dois aspectos diver- sos do quédruplo sentido da Escritura e, como tais, permanecerdio também na exegese medieval Bibl.: H. A. WOLFSON, La filosofia dei Padri della Chiesa, Brescia 1978, pp. 33-72; M. Smiosern, Lewtera e/o alle goria. Un contributo alla storia dell'esegesi patristica, Roma 1985. L. PADOVESE (ANAUSE ESTRUTURALISTA E um novo método exegético surgido a partir dos anos 1970, quando um grupo de exegetas adoia a pesquisa semidtica e se encontra sobretudo com a “Escola de Greimas™. A peculiaridade dessa an: é€ de considerar a linguagem nfo apenas como um sistema de sinais, mas sobretudo como um sistema de significagio. Semistica, nessa perspectiva, indica mais uma teoria geral dos sistemas de significagao do que uma teoria geral dos signos lingiifsticos. Mais diretamente, a andlise estruturalista aproxi mase do texto biblico, preferindo a leitura sinerdnica A diacrinica; de fato, a escolha prioritéria a respeito do texto leva a ressaltar uma sincronia de todos os componentes lingiifsticos e literérios como forma p1 vilegiada para a sua compreensao. Essa andlise qua- lifica-se, pois, por uma escolha que privilegia o enun- ciado em relagdo ao ambiente em que ele é comuni- cado, e sua referencia significante mais que a prépria transmissdo. Isso implica que a andlise estruturalist diferentemente da hist6rico-critica, no levaré tanto em consideragdo o autor, as tradiges historicas e ecle- siais ov a comunidade, e sim a redagdo final do texto escothido, porque é ali que vé realizados os signifi- cados tltimos que ele pode exprimir. Até hoje ja foram submetidos a essa anilise os textos da paixao (L. Marin, Sémiotique de la passion, Paris 1972), ¢ algumas narrativas evangélicas (C. Chabrol, Lé récit évangélique. Paris 1974), mas al- guns resultados foram alcangados também para os lextos apocalipticos e proféticos, todavia continua inexplorado o ambito sapiencial. O programa da and- lise estruturalista teve 0 mérito de apresentar uma valorizagdo da Escritura, 4 luz das diversas andlises 23 ANALOGIA lingiisticas, como um texto que leva constantemente pergunta sobre o sentido ¢ sobre os sentidos que produz. De qualquer forma, semelhante metodologia deve ser vista como complementar de outras andlises. Bibl.: A. J. Greimas, Sémantique siructurale, Paris 1966; Id,, Su sens Ell, Paris 1970-1983; 0. Gener, Analisi Strutturatistica, in DTF 20-29. R. FISICHELLA |ANALOGIA Em seu significado etimolégico, indica uma “corres- pondéncia”, ou melhor, uma “proporgdo”, Esta pre- sente na linguagem filos6fica a partir sobretudo de Platdo e Arisi6teles, que costumaya distinguir enue conceitos “univocos”, “equivocos” e andlogos, quer dizer, conceitos que se baseiam na semelhanca de uma relagio. Com analogia indica-se, principalmente hoje em um uso peculiar dos termos que, sem nada per der do seu significado origindrio, so capazes de indicar proporcionalmente a realidade a que se refe- rem, A analogia torna-se necessiria sobretudo quan- do © sujeito quer exprimir sua abertura para o trans- cendente partindo da prépria condigio de ser histéri- co e finito. Deve-se principalmente a E. Przywara 0 ter demonstrado que a analogia no é uma mediag3o secundaria no conhecimento e na expressividade do transcendent, mas a condicdo necessaria e origindria se se quer exprimi-lo em linguagem humana. Teolo- gicamente, a analogia encontrou no IV Coneflio de Latrdo a sua codificaao definitiva, O Coneilio, em 1215, achava-se em condigdes de corrigir duas posi- {ces extremas, lideradas de um lado por Joaquim de Fiore — que defendia uma identidade mistica entre Deus e a criatura — e, de outro, por Pedro Lombardo — que via entre as duas uma mera distingdo de ra- 730. Tomando como ponto de partida a analogia, 0 Coneflio afirma que “inter creatorem et creaturam non potest similitudo notari, quin inter eos maior sit dissimilitudo notanda” (DS 806), E necessério distinguir entre uma analogia entis e uma analogia fidei. Por anatogia entis entende-se 0 papel essencial desempenhado pela linguagem hu- mana em relago ao ser que constitui, ao mesmo tempo, o termo mais significativo e mais genérico de nossa linguagem. A analogia, nessa perspectiva, indi- ca que toda realidade existente participa do ser, cada qual de modo diferente. Tanto & verdade que nosso conhecimento, ao afirmar-Ihe a existéncia, o faz de modos diferentes, No peasamento filoséfico, a ana- logia entis nio teve vida fécil. Kant ¢ Hegel, por motivos completamente diversos, negam sua ex cia; Heidegger, ao contrério, a vé como um compo- nente essencial no momento em que se deve superar ‘© esquecimento do ser. Uma forte contestagio partiu também de K. Barth, que a definia como sendo “in vencio do Anticristo” e como motivo tiltimo de sua impossibilidade de se tornar catélico. De qualquer forma, 0 conceito de analogia entis funda-se no de criagio e & por ele sustentado, Se Deus cria, entéo pode ser também conhecido e “pro- nunciado” pela criatura; de outro modo, seria imitil a propria razio da criagdio. O que se deve notar bem, quando se fala de analogia, entretanto, € que entre os dois sujeitos, embora havendo uma grande semelhan- ¢a, a dessemelhanga é sempre maior quando se trata de defini-los. A analogia fidei tem seu fundamento na propria Escritura, na qual Paulo afirma que quem tem “o dom da profecia deve exercé-lo de acordo com a analogia da fé" (Rm 12,6). O Apéstolo esté querenda dizer que aquele que possui um dom, ¢ principalmen- te os que tém o da profecia, ndo deve agir superes- timando-se em comparagio com os outros creates: devem, antes, viver “de acordo” com a fé, e confor. me a sua “medida”. A fé 6, pois, vista pelo Apdstolo como sendo o principio em torno do qual deve girar toda a existéncia do crente. Foi a partir dessa pers- pectiva que, na histéria da tologia, o conceito de analogia fidei assumiu significagies mais vastas. No periodo patristico, indicava a coeréncia ou a relagio que se criava entre o AT © o NT: Agostinho falard de “regula”, como sinonimo de analogia. Anselmo, no Proslogion, querendo exprimir a circularidade do credo ut intellegam, entenderé por analogia fidei so- bretudo a correspondéncia entre conhecimento divino e conhecimento humano no interior da fé, 0 Coneilio ‘Vaticano I, falando em Dei Filius a respeito da rela- ilo entre fé ¢ razo, afirma que mediante a analogia 6 possivel ter uma compreensio cada vez maior do mistério revelado, pois ela indica o caminho que permite ver a concordincia dos mistérios entre si e 0 fim ultimo da criatura (DS 3016), Enfim, 0 Concilio Vaticano II parece recuperar © sentido patristico da expresso quando, em DV 12, coloca a analogia fidei como um dos critérios funda- mentais segundo os quais se deve proceder na inter- pretagdo da Escritura: “Para apreender com exatidao © sentido dos textos sagrados, deve-se atender com nio menor diligéncia ao conteddo e & unidade de toda a Escritura, levando em conta a Tradigao da Igreja toda e a analogia da f€". A analogia da fé, portanto, serve a teologia no 96 como seu principio constitutive no momento em que se sente obrigada a dever “falar a respeito de” Deus, mas também como principio que permite ter do mistério da f€ uma com- preensdo cada vez maior no curso da historia Bibl: E, Peaywana, Aualogia Ents, Eimsiedeln 1962; o., Ana: logia entis come concetto metafisico centrate, in SM 1, 99-103; H. U. vow Batruasan, Karl Barth, Milano 1985, ANALYSIS FIDEI 100-186, Vv.Aa, Metafore dell invisibile, Brescia 1984; WAs., Origin e sviluppi dell analogia, Vallombrosa 1987. R. FISICHELLA Anatrsis Five E uma expresso técnica, usada sobretudo em teolo- gia fundamental, para indicar a estrutura do ato de fé em sua relacdo com a revelagdo. O ato de fé que o crente realiza deve respeitar um duplo caréter, peculiar & propria fé: 0 da transcendén- cia da graga ¢ © da liberdade pessoal; dese modo salvaguardam-se tanto a liberdade de Deus em seu revelar-se como a identidade pessoal do proprio crente gue. conhecendo, aceita sua revelagio. A analysis fidei procura. pois. construir uma refle- xdo teolégica que analisa o duplo referencial da fé: a graca de Deus e a liberdade do sujeito, Vém a encon- trar-se nesse Unico ato dois ambitos que precisam permanecer em forte equilibrio, sob pena de destruir © proprio ato. E por esse motivo que a analysis fidei foi batizada como sendo a “crux theologorum”, re- presenta, com efeito, uma das questoes certamente mais diffceis de toda a teotogia. De forma mais direta, a analysis fidei deve res ponder & pergunta: de que modo é possvel que o ato de f¢ que o crente realiza seja um ato plenamente livre, uma vez que ele deve responder 3 auto-apre- sentacdo de Deus, que com a sua autoridade garante a verdade do contetido de sua revelagio? Como se relacionam, em outras palavras, a evidéncia da ver- dade da revelagio e a liberdade do sujeito que cré que tem necessidade de conhecer 0 objeto da propria fé? Em resumo, que lugar ocupa a razdo no ato de £6? Se se faz apelo d evidéncia da revelagio, obvia- mente falha a livre escolha pessoal; mas se 0 centro se desloca para a liberdade pessoal, corre-se 0 risco de reduzir a transcendéncia. Toda a reflexdo medieval a respeito desse assunto sustentou sempre que o objeto formal da fé — seu fundamento — ndo depende do conhecimento pes- soal, mas funda-se no préprio ato com o qual Deus se revela. O que garante a credibilidade do objeto de £6, portanto, nao é o conhecimento do sujeito, mas. a autoridade de Deus que se faz fiador da verdade. Dada essa conviegdo, diversas solugdes foram pro- postas no decurso da histéria da teologia: a partir do perfodo pds-tridentino podem ser lembradas, sobre- tudo, as teorias de Suarez e De Lugo, que continuam sendo as mais significativas. Posteriormente, 0 Con- cilio Vaticano I afirmou dogmaticamente em Dei Fi- lius que “revelata vera esse credimus, non proper intrinsecam rerum veritaiem naturali rationis lumine perspectam, sed propler auctoritatem ipsius Dei reve- lantis, qui nee falli nec fallere potest” (DS 3008). Em seguida, particularmente as reflexdes teoldgicas de 24 Newman, Gardeil e Rousselot procurardo mostrar, de modo diferente, caminhos sucessivos. A recuperagiio do senso de verdade unida a uma visio teoligica que saiba levar em consideragio tanto a dimensdo trinitéria como o componente eclesiolé- gico da fé sio os elementos que hoje em dia se im- poem para uma renovada teologia da analysis fidet. Bibl: R. Avaver, Le probleme de Vacte de foi, Leuven 1950; J. H. Newmay, Grammatica dell'assenso, Milano 1980; P, Rousse1o1, Gili acchi della fede, Milano 1977 (or. 1910); R. FISICHELLA (org) Crediaano. Per una teologia dell'atto di fede, Roma 1993. R. FISICHELLA (ANAMNESE Do grego andmnesis, significa meméria, recorda- do, O termo se encontra em Le 22,19 (ef. também 1Cor 11,24-25), no mandamento dado por Jesus: “Fa- zei isto em meméria de mim” durante a iltima ceia Obedecendo a essa ordem, a Igreja celebra na euca- ristia a meméria de Cristo, recordando sua bem- aventurada paixdo, sua gloriosa ressurreigao e a as- censao ao céu. Sobretudo a partir do final do século pasado 0 termo anamnese tem sido usado por tedlogos ¢ liturgistas para indicar a parte do cAnon/oragao euca- ristica que segue a narrativa da instituigdo, e exprime jusiamente a intengo de celebrar a cucaristia segun- doa ordem do Serhor, em sua meméria, Nao se trata de mera recordagio subjetiva, intelectualespiritual, mas de um ato litirgico que relembra em memorial, diante do Pai, o sacrificio tinico do Filho, tornando- © presente no sinal sacramental em virtude do Espi- rito Santo, Hi, pois, uma presenga sacramental obje- tiva da agéo salvifica de Cristo. © contexto para compreender adequadamente 0 sentido da anamnese € 0 do culto e da oragao dos hebreus. Na berakah (béngao hebraica) agradece-se e louva-se a Deus pelos atos salvificos (mirabilia Dei) por ele realizados na histéria. Louvor e agradecimen- to tornam-se meméria: recorda-se aquilo que Deus fez. Que seja Deus ou entio ohomem o sujeito de tal recordagdo, trata-se sempre de uma meméria cheia de realidade. Deus, que é lembrado, entra em agio e concede salvaciio ¢ graga. Para o homem, recordar-se significa 0 préprio voltar-se para Deus, ou entio 0 cumprit-se das promessas: 0 homem que se recorda pode ter confianga, porque —recordando-se — abre- se a atualidade da ago hist6rica de Deus. Tal acio se faz sentir especialmente na recordagio atualizadora do culto; na festa dos tabernculos ou das tendas (Lv 23,3355), na festa de Purim (Est 9,28), ¢ sobretudo na de Pascoa (Ex 12). Na noite de Paiscoa Deus se re- corda de Israel, ¢ da parte de Deus isso significa de certa maneira um fazer-se presente, certa atualizagio 25 ANGUCANISMO- de sua salvagao. E Israel nao deixa de lembrar-se de Deus e de suas agdes salvificas, “Este dia vos serviré de memorial. Fareis esta peregrinacdo para celebrar 0 Senhor. Vés 0 celebrareis de idade em idade — lei perene” (Ex 12,14). No “hoje” da celebracdo, pois, faz-se meméria do passado, eo sinal com que é celebrado aponta para © futuro, antecipando a salvaciio final. E esse enten- dimento e essa experigncia bfblica que permitem com- preender adequadamente a ordem de Jesus de reali- zat 0 gesto sobre o pio € sobre o vinho “em memé- ria” dele. E ¢ assim que sempre 0 compreendeu a Igreja: celebrando a eucaristia, o ministro pronuncia sobre 0 pio ¢ 0 vinho a oragdo que santifica, para distribuir depois aos figis como alimento os dons transformados no corpo e no sangue do Senhor. Nao se trata de uma “nuda commemoratio”, como espe- cificou 0 Coneflio de Trento contra Lutero (DS 1753). Contetido do memorial ¢ a ago salvifica de Cristo. A celebracio litirgica € anamnese da Pascoa de Cris- to, realizada historicamente uma vez por todas. Ela nfio & repetida, mas tornada de novo atual no sinal litirgico-sacramental. Eis 0 que escreveu a esse res- peito N. Figlister: “O culto eucaristico é essencial- mente uma anamnese, Antes de mais nada se refere a0 pasado... A realizagio objetivo-cultual do rito, instituido outrora, torna presente a salvagdo. Essa re- resentagdo se torna por sua vez um olhar para 0 futuro da salvagao, da qual € penhor a ago salvifica comemorada, e que nessa representacao € de certo modo também antecipada” (!f valore salvifico detla Pasqua, Brescia 1976, p. 339). No prefiicio que introduz a oragdo eucaristica hi vérios elementos de ago de gragas com cardter anam- nésico: louva-se a Deus por sua grandeza, pela cria- ‘do, pela redengdo, Na anamnese propriamente dita 0 acento recai, porém, sobretudo nos fatos salvificos de Cristo: depois da narrativa da instituigao, explici- ta-se 0 sentido daquilo que na celebracdo se realiza, isto 6, a meméria da morte e ressurreigdo do Senhor, A anamnese indica que 0 sacrificio ¢ 0 mistério pas- cal de Cristo. Mas 0 conteido da anamnese nao & apenas a meméria da Pascoa: abre-se a todos os mis- Iétios de Cristo, ao mistério que é Cristo, A anamne- se é, portanto, substancialmente cristocéatrica, e tem como consequéncia uma clara conotacao escatoldgi- ca, Jesus ndo exortou simplesmente os disefpulos a repetit 0 gesto da fragao do pio para manter sua Jembranga e no esquecer-se dele. Nele ¢ proclamada a nova alianga: a nova e eterna, selada pelo sangue derramado pelo Senhor Jesus. Bibl.: J. Beans, Andnnesis, TAWNT ¥ (1933), pp. 3515s: B. Neunneuser. Memoriale, NDL, pp. 820-838, R. GERARDI AnAtema/ANATEMATISMOS © termo andtema deriva do grego ancirhema (propr. “oferta votiva”, depois maldigio, lat. andthema), que na Septuaginta traduz habitualmente 0 hebraico herem. Este designa de maneira geral a subtragdo de uma realidade a0 uso profano e sua total e irreversi- vel destinagao, mediante destruigio, 8 divindade. No AT deve ser aproximado da nogo de “guerra santa”, terrivel operagio na qual Deus se mostra como o “santo” (ct. Lv 27,28-29; Dt 7,26 ete.). No NT (cf. 1Cor 12,3; 1Cor 16,22; Gi 1,89; Rm 9,3 etc.) indica © ser objeto de maldigio, o ser banido da comunhao com Cristo, Na linguagem da Igreja o andtema apa- rece pela primeira vez no cénon 52 do Coneflio de Elvira (c. 306). No sinodo de Gangra (343) aparece a formula “se alguém... seja andtema’, que se torna- r4 a conclusdo normal dos cénones conciliares. ““Ana- tematismo”, por conseguinte, é chamada a formula com a qual se atinge alguém ou alguma coisa com o andtema, Sio famosos os doze anatematismos de Cirilo contra Nestorio (431). A expressao e 0 termo esto ainda presentes nos cfnones das duas consti- tuigdes dogmiticas do Vaticano I, mas esto comple- tamente ausentes na linguagem do Coneflio Vaticano IL. O seu significado varia um tanto na hist6ria da Igreja, devendo, pois, ser interpretado de acordo com 68 critérios da interpretagio teolégica. Nos ednones dogmaticos, o anétema € a censura relativa & qual ficagdo teolégica “de fide divina et catholica”. O Ci digo de Direito Canénico de 1917 chamaré de ané- tema a excomunhao, especialmente quando aplicada com as especiais solenidades descritas no Pontifical Romano (cf, cn, 2257/2), No Cédigo atual nio consta sua definigio. Bibl: A. Vacant, Anathéme, in Dictionnaire de Théologie Catholique, 1(1903), pp. 1168-1171; H. Vororister, Ana thema, in Lexicon fiir Theologie und Kirche, | (1957), pp. 494-495, M, SEMERARO ANGLICANISMO O anglicanismo surgiu na Inglaterra depois do ato de supremacia (1534) que proclamou Henrique VIII che- fe supremo da Igreja dentro de seu reino. Nos sécu- Jos seguintes, o anglicanismo se espalhou por todo 0 Império Britanico. A Comunhao Anglicana compreen- de cerca de 25 Igrejas nacionais independentes uni- das entre si pela comunhio com o arcebispo de Can- terbury. Cerea de metade dos anglicanos do mundo vive nas Ihas Britinicas. Teologicamente falando, o anglicanismo deve ser distinguido da reforma iniciada por Lutero e Calvino. Henrique VII opunha-se fortemente ao protestanti mo € manteve a maior parte dos elementos da tradi- ANIMISMO- 26 ao, de modo que, afora o reconhecimento do papa como chefe da Igreja, o anglicanismo, na sua origem pouco se diferenciava do catolicismo romano. Entre- tanto um ntimero cada vez maior de lideres da Igreja da Inglaterra demonstraram muita simpatia para com © pensamento dos reformadores continentais, espe- cialmente 0 de Calvino, Conseqiientemente, 0 angli- canismo evoluiu gradualmente para um misto que preservava elementos da tradigdo catdlica juntamente com 0 apreco por certos aspectos da Reforma protes- ante, Destarte, o anglicanismo foi denominado via intermédia. A Comunhao Anglicana caracterizou-se também pela “compreensio”, ou seja, por tolerar uma diversidade de doutrina ¢ de disciplina mais ampla, uma vez verificada a aceitagao dos elementos funda- mentais do cristianismo. Esses elementos fundamen- luis ganharam a sua expressio eliissica no chamado Quadrilétero de Lambeth (1888), elaborado pela Conferéncia de Lambeth, ou seja, a reunido dos de- legados de toda a Comunhao Anglicana, iniciada em 1867 e posteriormente convocada a cada dez anos. De acordo com 0 Quadrilétero, quatro sia os ele- mentos nevessérios ao cristianismo: a fé nas Escritu- ras como Palavra de Deus, a profiss’io dos antigos credos, a celebragao do batismo e da cucaristia como: sendo os dois sacramentos instituidos por Cristo, ¢ 0 episcopado histérico. Entre os documentos mais im- portantes da histéria anglicana esto 0 Livro de ora- ¢d0 coum (1549) e 05 Trinta e Nove Artigas (1571). © Livro de oragao comum sublinha a importincia que os anglicanos costumam dar & liturgia e & tradi Gio, J4 os Trinta e Nove Artigos ilustram 0 modo como doutrinas protestantes, como a justificagdo pela 6, foram integradas na apresentagZo tradicional da f cristd a respeito da Trindade, Jesus Cristo, Igreja e sacramentos, Do ponto de vista ecuménico, os anglicanos foram de grande ajuda na fundagao do Movimento Fé ¢ Constituigdo (1927) e do Consetho Ecuménico das Igrejas (1948). As Conversasdes internacionais an- glicanas-catélico-romanas (ARCIC) produziram im- portantes documentos sobre a eucatistia, © ministé- rio, a autoridade, a salvacdo e a Tgreja, A ordenago das mulheres veio a complicar as relagdes anglicanas com catdlicos € ortodoxes. W. HENN ANIMISMO. O termo foi usado pela primeira vez por E. B. Tylor em seu Primitive Culmre (London 1871), Para expli- car 0 fendmeno da religido em perspectiva evolucio- nista, Tylor formulou a hipétese segundo a qual, no nivel inferior de seu desenvolvimento cultural. os seres humanos viam-se confrontados com dois problemas: entre um homem vivo e um cadaver, ¢ a aparigdo de figuras humanas nos sonhos. Foi para explicar tais fatos que 0 homem criou a idéia de uma alma, simultaneamente principio vital, que deixa 0 corpo vivente 1ia morte, ¢ a “sombra” do ser vivente, que pode também temporariamente separar-se do corpo para manifestar-se nos sonhos de outros. Pos- teriormente a idgia de alma foi ampliads, & medida que os seres humanos assumiam também a existéncia de espiritos independentes do corpo. Foi a partir dat, sempre segundo Tylor, que se desenvolyeu a idéia das divindades: essas eram espititos independentes da existéncia corpérea, especialmente poderosos, que depois se tornaram objeto de cull. © racionalismo dessa opinido foi criticado, sempre de forma evolucionista, por R. R. Marett (The Thres- hold of Religion, London 1900), que dizia que 0 homem comegou a agir (por ex., ritos fiinebres) antes de formular quaisquer convicgdes. Ele usava o termo ‘mana para indicar © poder misterioso que o homem rimitivo” percebia nos fendmenos naturais que ele nao conseguia explicar, e que devia ser mantido & distincia (tabu). O comportamento humano nesse es- tégio foi chamado por Marett de “animatismo™, de- pois animismo, dai mudando para teismo. Hoje em dia, a hipstese evolucionista ¢ geralmen- te descartada, tendo-se como nticleo origindrio da re- ligido a f€ em Deus ¢ ndo em um poder impessoal. Bibl: G. WIWENGKEN, Retigionsphiinomenologie, Berlin 1969. A, ROEST CROLLIUS Anipostase/ENIPOSTASE Doutrina teolégica que pretende exprimir a situagio em que se encontra a natureza humana assumida pelo Verbo na Encamagio, segundo a qual ela nfo tem um principio de subsisténcia pessoal em si (hipdstase), sendo, pois, anipostdtica, unida A Hipéstase do Ver- bo ¢, portanto, subsistindo nela enipostaticamente, 1. 0 termo enipéstase foi introduzido no século VI para esclarecer o problema teoldgico deixado pela sintese teolGgica de Calced6nia: unio hipostatica das duas naturezas. Nese contexto ele & usado pr por Ledncio de Bizdncio (Contra Nest. e E: 86, 1277 D) para superar 0 principio tanto dos nes- torianos como dos monofisitas segundo 0 qual ndo existe natureza sem hipéstase, introduzindo uma no- gio nova: a de “subsisténcia em” (enhypdstaton). O conceito foi mais tarde definido teologicamente pelo contemporineo Ledncio de Jerusalém: “Nos iltimos tempos o Logos, tendo revestido de carne a sua hy- péstasis © a sua physis, que existiam antes da sua natureza e que, antes do mundo, eram sem came, hipostatizou a sua natureza humana na sua hipésta- se” (Adu, Nest. 5,28; PG 86, 1748 D). O Il Coneflio 27 ANJOS de Constantinopla (553) fez sua essa interpretagao, falando de unido do Verbo 4 humanidade “segundo subsisténcia” (afd hypéstasin), sublinhando entre- tanto que o fato de ser a natureza humana “eniposta- tizada” no Logos ndo impede que suas agdes ¢ ener gias sejam plenamente humanas. Foi essa posicio que levou ao aprofundamento metafisico da Escolis- tica do dogma da Encarnagao (¢f., por ex., Tomas de Aquino, S. Th, Ul, gq, 2, a. 3). 2. Alguns tedlogos contemporaneos, como por ex. P. Schoonenberg. chamaram a atencio, nessa doutrina, para o risco de uma “despersonalizagao da humani- dade de Jesus", chegando a sustentar que se deveria antes dizer que € a natureza divina que existe “ani- posticamente” na pessoa humana de Jesus. Mas Con- gregagdo para a Doutrina da Fé, com a Declaracao Mysterium Filii Dei de 22 de fevereiro de 1972, re- jeitou semelhantes posigies (cf. n. 3); a0 passo que outros tedlogos, como W. Kasper, referindo-se ao U1 Coneilio de Constantinopla e & afirmagio de Sto. To- més segundo a qual “Verbum caro factum est, id est homo; quasi Verbum personaliter sit homo” (Quaest. Disp. V, De Unione Verbi Incarnati, a. 1), esforgam- se por interpretar dinamicamente a ontologia da En- carnagtio, mostrando que na pessoa do Verbo a huma niidade de Jesus Cristo aleanga a sua plena realizagao, Bibl; A. Muaxo, Persona in teologia, Napoli 1984. pp. 189-207; M. Borvost, Gesit di Nazreth, Signore e Cris tor TI, Rome 1986, pp. 847-849, 918-919 P.CODA ANsos Os anjos (em hebr.: Mal’ak; em grego: Agghelos) sto seres espirituais, finitos e incorpéreos, criados por Deus e postos a seu servigo como mediadores de sua vontade em relagio ao homem, Sao personage cundérios, mas nio marginais, da hist6ria da criag3o ¢ da salvagio. Podem ser também definidos como sendo criaturas paralelas ao homem, a ele superiores, com uma origem, prova e pecado de alguns deles, e destinados 3 clevagdo & ordem sobrenatural, em co- munhiio com 6 homem e com Deus. A crenga na existéncia dos anjos € muito difundida nas culturas e religides orientais tanto extra quanto pré-biblicas. Es- sas crengas influiram no nascimento das tradigdes bidlicas sobre os anjos, que nao siio, porém, sincre- tistas mas criticas no utilizé-las, purificd-las e demi- tiz4-las dos aspectos fantasiosos ¢ antitéticos a0 monotefsmo, A Biblia defende de modo absoluto a transcendéncia e © dominio de Deus sobre os anjos, Nas tradigdes patriarcais ¢ do éxodo, 0 anjo é aquele que, por vontade de Deus, executa uma tarefa ou fungio (cf. Gn 16,7-12; 19,1-15; 22,11-15; 28,12 3111 Ex 3,2; 14,19; 23,30; Nm 22,228), tornando presente sua vontade, mas demonstra ter uma identi- dade. Gn 3,24 fala de um grupo angélico: os Queru bins, guardides do paraiso. Nas tradigées seguintes, ‘em que Iahweh & apresentado como rei universal, os anjos slo parte da sua corte e estio ao redor do trono de Deus: os Serafins (Is 6). Um dos nomes biblicos de Deus: lahweh Trebaot, Senhor das fileitas ou exér citos, faz provayelmente referéncia ay fileiras angéli cas a servigo de Deus (cf. Jz 5,13ss: IRs 22, 3,13; SL 24,10; 18m 13.11; Os 12,6; Is 1.9; 63). Nas épocas exilica e pés-exilica, torna-se mais in: tenso 0 contato do anjo com a historia de Israel: 0 anjo € mediador de salvagio entre Deus © © homem (cf Ze 1-6; Ez 9,2ss; Dn 9,21; 14,3186) &, nesse contexto, so revelados também alguns nomes de anjos (Miguel, Gabriel, Rafuel), dado singular que remete para a consisténeia individual e diferenciada dos anjos (cf. Dn 8-12; como também o livro de Tobias). Um caso a parte vem a ser o do anjo de Iahweh, freqiientemente citado no AT, a meio cami- nho entre a teofania, a personificagao do agir do proprio Deus, a fungio representativa de Deus © a identidade do anjo (cf. os textos de Gn cit. ¢ Ex 3). A literatura apocaliptica fala dos anjos de maneira muito rica, ilustrativa e, ndo raro, fantéstica, quase auténoma. Deles se diz. praticamente tudo; origem, prova, pecado e juizo divino: seus nomes hierdirqui- cos, muitos nomes de anjos individuais, como tam bém suas tarefas cOsmicas e antropoldgicas, Essa ext berante angelologia talver tenha influenciado o NT, © qual porém & completamente alheio a esoterismos cognoscitivos a respeito dos anjos, € mais contide que o préprio AT, O prinefpio critico basico da ange: lologia do NT esté no fato de que ela € formulada em dependéncia absoluta da cristologia, jamais autono- ma, mas orientada para Cristo. A presenga dos anjos € qualitativa mas real, propensa a realizagao dos pla nos divinos, relativa ¢ subordinada aos momentos: mais significativos dos eventos do NT: sio anjos que anunciam a encamagio de Deus nas narrativas da infincia de Jesus de Mt e Le, estio a seu serviga nas, tentagdes (MU4,11), na angustia do Geisémani (Le 22,43), sendo também testemmunhas, as primeiras, da ressurteicdo de Cristo € de sua ascensio ao céu (Mc 1658s; Mt 28,2ss; Le 24,2ss), Jesus mesmo fala deles com certa freqiiéncia, aceitando a angetologia do AT © contestando © ceticismo saduceu (Mt 22,30): para ele os anjos sio membros da corte celeste de Deus (Le 12,858; 15,10), guardides dos homens (criangas); alegram-se com a salvagao do homem (Mt 18,10; Le 15,10); sdo contempladores do rosto de Deus: a servigo potencial do Messias (Mt 26,53); ros companheiros de Cristo na parusia (Me 13,27: Mt 16,27; 24, 31). Também Paulo subordina os anjos a Cristo (CI 1,15; 2,15), ao passo que nos Atos ANO LITURGICO 28 eles sio apresentados a servigo da infancia da Igreja em paralelo com a infancia de Jesus (At 1; 10; 12). Na patrfstica @ angelologia € muito desenvolvida e é riquissima, mas vista sempre em perspectiva his- Wrico-salvifica. E 0 Pseudo-Dionisio quem codifica- réa existéncia, apenas acenada na Biblia, dos coros ou hierarquias dos anjos, mas ji de forma meta ca, A veneraga0 dos anjos ¢ testemunhada ininter- ruptamente pela piedade popular, pela liturgia (até nos textos do Ordinério da Santa Missa), para no falar da arte. A angelologia atingira seu apogeu na Idade Média, com Tomas de Aquino, ao passo que posteriormente tera um cardter isolado © autOnomo, passando a ser mais uma gnosiologia e psicologia angélica do que uma verdadeira teologia dos anjos. O Magistério codificou poucas verdades essenciais a respeito dos anjos: sio criaturas de Deus (DS 125), inferiores a Ele ¢ diferentes dEle (DS 150); 0 Con- cflio de Latrao IV (1215), ao condenar os dualismos heréticos, afirmard indiretamente a existéncia dos an- jos, seu caréter individual e a diversidade-superiori- dade em relago aos homens (DS 800); 0 mesmo haverio de fazer concilios posteriores (DS 1333; 3002) ¢ intervengdes do magistério, até o Vaticano Il, que falard dos anjos na narrativa teolégica da histéria da salvagao (LG 49-50; 66). ‘Na teologia contemporanea, com a teoria exegética de Bultmann, a existéncia dos anjos foi gravemente questionada e criticada como heranga mitica, pré. tifica e ingénua da qual devem ser purificadas a Escri- ura, a teologia e o dogma, Nos iltimos decénios, en- tretanto, esse ceticismo radical, baseado num a priori hermenéutico, vem sendo substituido por uma maior atencio aos dados biblicos transmitidos e interpreta- dos pela Tradigao a respeito dos anjos. Tomou-se cons- ciéneia de que uma demitizagIo radical dos anjos correria sério risco de comprometer a compreensio integral da histéria da criagdo ¢ redengao do homem, Bibl: B. Mancowcist-A. Agtaro-C, Rocenerrs-M. Flot, A= geli e Demoni. I dramma della storia tra il bene e il ‘male, Bologna 1992; R. Lavatoai, Gli angeli, Genova 1991; J. Atcr, 1! mondo come creazione, Assisi 1997, pp. 485-528; K. RauNer, Sugli angeli, in: Dio e rivela: ione. Nuovi Saggi, VII, Roma 1981, pp. 471-527. T, STANCATI ien- ANo uTurcico O ano litirgico ¢ 0 conjunto das celebragdes com as quais a Igreja anualmente celebra o mistério de Cris- to; e € da tradicio hebraica que a Igreja primitiva herdou a idéia da celebragio de uma série de festas a0 longo do ano. O ano litirgico porém na seguindo um plano preconeebido de forma orginica ¢ sistematica, E antes o fruto de uma reflexio teolé: gica gradual sobre o tempo: as celebragdes do ano surgiu livirgico tornam eficaz no presente a realidade salvi- fica dos eventos da salvagio. Como ensina o Coneflio Vaticano I, no transcurso do ano a Igreja distribui todo o mistério de Cristo e “relembrando desse modo os Mistérios da Redencio, franqueia aos figis as riquezas do poder santificador € dos métitos de seu Senhor, de tal sorte que, de alguma forma, os torna presentes em todo 0 tempo, para que os figis entrem em contato com eles e sejam repletos da graga da salvagdo” (SC 102). Os primeiros cristios celebravam antes de mais nada o dia depois do sibado, chamado dies dominica, dia do Senhor, porque foi neste dia que Jesus ressus- citou. & o dia em que a comunidade se revine sema- nalmente para fazer meméria do Senhor. A reflexdo em tomno de Cristo morto e ressuscitado e a sugestiio da tradicdo hebraica levaram muito cedo a celebra- Go anual da Péscoa, centrada na vigilia nowrna, En- quanto j4 no século Ili so langadas as bases do culto dos mattires, no século LV a vigilia pascal se toma 0 vértice de um triduo sacro: na sexta-feira se come- mora a paixio e a morte do Senhor, no sdbado sua sepultura, no domingo sua ressurreigdo. Esse tiduo ¢ precedido pela quaresma, e se prolonga por mais cingiienta dias até Pentecostes. Entrementes, come- ga-se a celebrar a manifestago do Senhor: no Orien- te com a Epifania, no Ocidente com o Natal, A cria- io, a seguir, do Advento corresponde & necessidade de preparar a vinda de Cristo “na cane”, mas tam- bém a segunda vinda do Senhor. Além disso, amplia- se o culto dos santos ¢ o da Virgem M: Contudo, no decurso dos séculos, a multiplicagao das festas, das Vigilias © das oitavas ¢ também a com- plicago progressiva das diversas partes do ano litir- gico levaram freqientemente os fiis a devogdes par- ticulares, afastando-os um pouco dos mistétios fun- damentiais da Redengao. O Concilio Vaticano Il (SC 102) pediu entiio que seja o quanto antes restabeleci- daa centralidade do domingo e que o ano litirgico seja revisto de modo a permitir aos figis uma pa cipago mais intensa na fé, na esperanga e na carida- de, em todo 0 mistério de Cristo distribuido no curso do ano. Com efeito, para a Igreja 0 ano litdrgico tem a tarefa de exprimir uma “cristologia em oragio”” O domingo é a festa primordial, dia do Senhor ressuscitado e dia da Igreja, dia primeiro e dia oita- vo. Nao se Ihe deve antepor nenhuma outra solenida- de que nao seja de grandissima importincia, pois 0 domingo é o fundamento € 0 micleo de todo 0 ano livirgico. A sucessio dos domingos, desde o primeiro domingo do Advento até o timo domingo do tempo comum, solenidade de Cristo Rei, constitui o ano litirgico, cujo dpice é 0 Triduo Pascal. Esse tem inicio com a missa na Ceia do Senhor ¢ vai até a noite da quinta-feira santa, em que se faz 29 ANTEVIDENCIA meméria da instituigio da euc: tem 0 seu ni- cleo na vigilia pascal, “mie de todas as vigilias”, na noite entre o sdbado © o domingo; termina com as vésperas do domingo da Ressurreigio. Os cingiienta dias a partir do domingo da Ressurreigio até 0 do- mingo de Pentecostes devem ser celebrados como sendo “o grande domingo”, um s6 e grande dia de festa: a Pascea. J4 os quarenta dias que antecedem a Péscoa constituem o tempo de Quaresma, que tem um duplo carter: batismal e penitencial. Depois da celebragdo anual do mistério pascal, a Igreja ndo tem nada de mais sagrado do que a celebragio do Natal do Senhor (25 de dezembro) e de suas primeiras ma- nifestagdes. Sua preparagiio é feita nas quatro sema- nas do Advento, Além dos tempos litirgicos que tém icas proprias (chamados de tempos fortes), hd também 33 ou 34 semanas no decurso do ano que constituem © tempo comum (desde 0 fim do tempo natalicio, com a festa do Batismo do Senhor até a quarta-feira de cinzas, inicio da Quaresma; e, ainda, desde Pentecostes até 0 inicio do Advento). Mas no decorrer do ano a Igreja venera também, com amor todo especial a Virgem Maria (Imacula~ da, Mae de Deus, Assungio), ¢ propde & piedade dos figis a meméria dos mértires & dos outros san- tos. As celebragées liturgicas, de acordo com a im- portincia que Ihes & atribuida, sdo denominadas solcnidades, festas, memidrias. Mas, para que as festas dos santos ndo venham a prevalecer sobre as festas, que comemoram o mistério da salvacdo, o Concitio determinou (SC 111) que sejam celebradas por toda a Igreja apenas as festas dos santos de importincia realmente universal, Bibl: A. Bencasnt, Cristo festa della Chiesa. L'anno litur sgico, Roma 1982; W.As., La Chiesa in preghiera, 1. La liturgia ¢ il tempo, (org. por A. G. Martimort), Bres- cia 1984; WA. iano linrgico: storia, teologia € celebrazione. Andmnesis, vol. 6, Genova 1988. R. GERARDI AANoMEIsMO termo qualifica a ala dos arianos intransigentes que se criou depois do Concilio de Nieéia (325) por volta de 355. Foram assim chamados por defenderem a total “dessemelhanga” entre 0 Pai e 0 Fi dessemelhante), Considerando a “geragc’ como o elemento constitutivo da esséncia divina e referindo-a apenas ao Pai, os anomeus julgavam o Filho gerado diretamente pelo substineia e. portanto, inferior a ele. Ele, todavia, por cattsa da sua proximidade do Pai e da sua f cosmolégica, govava de uma condigio quase divina Nessa concepgio degradante, 0 Espirito Santo € tido como a mais exeelsa das criaturas, produzida pelo Filho por vontade do Pai 10 (and- moio: mas diverso em por causa da orientagio teolégica foram 0 sitio Aécio e seu discipulo Eunémio, torna- do bispo de Cizico, até que 0 povo o expulsou dessa sé. Foi dele que o grupo dos anomeus recebeu tam- bém 0 nome de eunomianos. O seu pensamento esté contido na Apologia (361) em que esti exposta de modo completo e orginico a doutrina ariana radical. Neste documento, que & mais amplo ¢ respeitavel testemunho do anomeismo, Eundmio resume a sua teoria nos seguintes termos: (Deus) gerou e fez, amtes de todas as coisas, 0 Uni- génito Deus, Senhor nosso Jesus Cristo, por meio do qual todas as coisas vieram a existéncia {...| quanto a existéncia, ndo pode ser comparado com aquele que © gerou, nem pode sé-lo com o Espirito Santo, que por meio dele veio & existéncia: com efeito, ele € inferior ao primeiro enquanto criatura, mas € supe: rior ao segundo enquanto criador” (Apologia 26) Bibl: M. SowoNern, La cris ariana nel IV séc., Roma 1975. L. PADOVESE AnTevIDENCIA Vocabulo que ocorre na terminologia tipica dos fe- nomenos mistéricos, Entende-se por ela a eapacida: de mediante a qual um sujeito esta em condigdes de antecipar © conhecimento de um acontecimento me- diante a inspiragio divina ou por sua capacidade propria, como um desejo que encontrar depois sua realizagio. Hi varias formas mediante as quais se exprime a antevidéncia: na antiguidade grega fazia-se referén- cia wo oraculo como instrumento mais comum © id6- neo para essa comunicagio; na Mesopotimi rio, ela era realizada pelo sacerdote mediante 0 exame do figado das vitimas, Embora no pertenga como tal as notas caracteristicas do profeta biblico, ha formas de antevidéncia também nos profetas de Israel ¢ nos do NT (At 11,28: 21,10-12) Na histéria da Igreja, podem-se ainda reconhecer formas de antevidéncia através das profecias que, nor- malmente, acompanham uma visio, Nem sempre 0 contedido que € comunicado € claro e preciso; antes, freqiiememente se encontra como caracieristica pe- culiar a linguagem hermética e simbélica, No con- texto cristo encontram-se férmulas fortemente mar- ccadas pelo género apocaliptico e nem sempre coeren- tes com a originalidade e globulidade da prépria mensagem cris 0 de antevidén cia, € sempre necessério agir com uma criteriologia diferenciada que, sem nada tirar do valor do contet- do, esteja porém em condigdes de verificar sua vera- cidade e a coeréncia com a globalidade do ensina- mento cristo, 20. con- R. FS (CHELLA ANTICRISTO 30 ANTICRISTO © vocdbulo aparece pela primeira vez na segunda metade do século I d.C. como variante cristi do ad- versirio de Deus no tempo final da histéria, do qual falava jé a literatura apocaliptica judaica. Literalmente © lermo indica 0 antagonista € 0 opositor de Cristo. No NT 0 vocabulo ocorre apenas cinco vezes (1J0 2.18.22: 4,3 e 20 7) para indicar os mestres de falsas doutrinas. Os tragos do Anticristo, todavia, sdo vi veis também em outras passagens (cf. Me 13 par; 27s 2.3; Ap 13). A doutrina compreende-se em fun- ‘¢do da luta secular em que Deus e 0 seu Cristo enfren- tam Satands e os seus servidores terrenos. Estes, pela dupla via da perseguigao temporal ¢ da sedugao re- ligiosa, tentam provocar o fracasso do plano divino de salvagao. O tema seri recorrente nos escritos dos Padres da Igreja, que dele falario algumas vezes como de uma figura individual ¢ outras vezes como de uma figura coletiva. No decurso da historia, as idemlificagdes do Anticristo sao numerosas. Na Igreja primitiva, ele € identificado com o império romano; na alta Wdade Média, a histéria € muitas vezes interpretada como uta da Igreja com o Anticristo, No movimento dos mendicantes, relacionado com algumas teses de Joa- quim de Fiore, e depois no mbito da Reforma pro- testante (Lutero) ele € freqiientemente identificado com 0 papado, Uma posigao da autoridade eclesi tica esté presente na condenagio dos “fraticelli” (1318) por parte de Joao XXII (cf. DS 916). Em tempos mais recentes, o tema teve uma noti- vel importincia na consciéncia religiosa russa. A sua figura transperece na do “Inquisidor-mor” descrito por Dostoievski. Dela falam também Soloviev, R. H. Benson, no seu The Lord of the World (1907) como também S. Lagerlif (1897) no romance Die Winder des Antichrist. Bibl: A. Jexesmns, Der Antichrist in Geschichie und Gegen- wart, Leipzig 1930: A. RoMo, L’Anticristo, Roma 1946. M. SEMERARO Antico TESTAMENT 1. Os quarenta e seis livros compostos antes da vin- da de Jesus sio globalmente denominados Antigo Testamento. © termo Testamento tem uma histéria complexa. Com efeito, 0 vocibulo hebraico brit, que signi- fica alianga, pacto entre dois contratantes, foi tradu- zido em grego pelos chamados LXX (os Setenta tra- dutores de Alexandria do Egito teriam vivido entre 0 final do século III a.C. ¢ 0 inicio do século 11) pelo termo diathéke, que significa tilima disposigao dos préprios bens e testamento — sublinhando um com- promisso mais unilateral — ¢ néo com o termo syn- théke, que teria sido uma wadugdo mais fiel do con- ceito hebraico. Todavia, por mais impréprio que seja, © termo Testamenio tem uma motivagdo na prépria fonte biblica e exprime uma mensagem salvifica: pela morte de Jesus, 0 Senhor, somos herdeiros genuinos da alianga, ji prefigurada com preciso no AT (ef. Hb 9,15-20), 2. 0 horizonte geogrdjico — Para o AT o cenirio dos “gestos de Deus” e, mais ainda, o sinal da Alianga entre Deus ¢ Israel ¢ habitar na terra da Palestina, que ja no Exodo € chamada “terra que mana leite ¢ mel” (Ex 3,8.17; 13,5: 33,3) € no Dewterondmio & repetidamente qualificada como sendo “um pais {6 til” (Dt 1,25; 8,7-10; 269.15). © nome “Palestina” deriva dos filisteus: povo que encontramos instalado a sudoeste do antigo pais de Canaa por volta do ano 1100 aC. (cf. Jz 1.18; 1Sm 5.5). A Biblia chama esta terra com diversos nomes: Terra de Canad (Ex 15,15), Terra de Israel (1Sm 13,19), Terra Santa (Ze 2,16), Judéia (Le 1,5; At 10,37), Terra prometida (Hb 11,9). Seus limites podem ser bem definidos. Biblica- mente devem ser lembradas as expressdes clissicas que configuram a Palestina: “desde Dan até Beer- Sheba” (para a Cisjordénia: Jz 20,1; 18m 3,20), “desde © vale de Arnon até 0 monte Hermon” (para a Trans- jordania: Js 12.1) Mas surge logo a necessidade de fixar nossa aten- do na Mesopotiimia e no Egito, Com efeito, a Biblia, desde 0 primeiro livro (Ge nesis), com a histéria de Abrio ¢ a descida de Jacé € do seu cli ao Egito, faz iniciar a histéria dos ho- mens experimentados no didlogo com Deus, nao na Palestina, mas primeiro na Mesopotamia e depois na term do norte do Egito. © horizonte geogrifico da Biblia €, pois, 0 do Crescente Fértil, assim chamado porque os dois gran- des paises unidos pela faixa da costa siria e palestina apresentam a forma de uma meia-lua © porque ao solo nio falta fertilidade especialmente por causa da planicie de aluvido mediterranea, do territério itiga- do pelo Tigre © pelo Eutrates e também do clima subtropical, 3. Sucessdes de eventos e de livros — Os livros bi- blicos siio a expressiio de uma hist6ria de salvagii atestam e transmitem as intervengoes € as palavras de Deus na histéria. Foram escritos em muitos sécu- Jos de histéria: a literatura biblica abarca pelo menos onze séculos, do século X a.C. ao século | dC. tos, alids, em uma tradigéo vital de fé, es testemunham o seu carter de fidelidade aos aconte- imentos € A secular interpretagio religiosa do povo de Deus, frequentemente com um notivel desnivel entre evento ¢ testemunho escrito, 0 inicio da hist6ria biblica pode ser reconhecido no periodo do Bronze Médio. Os ciclos narrativos 31 ANTIMILITARISMO dos Patriarcas (Abrio, Jacé, José) situam-se nesse contexto. Iniciando-se como proto-hist6ria a partir de Abraio, os grandes capitulos da hist6ria de Israel do im articulados: Abraio e 0 perfodo patriarcal; d conguista de Canaii: a monar- quia ¢ os dois reincs; 0 exilio e a volta & pitria; Asmoneus e Macabeus. E particularmente com a monarquia, que comega a histéria oficial de Israel, amplamente presente tam- bem nos documentos ndo-biblicos. Trata-se dos gran- des nomes de Saul, Davi e Salomio. Para a literatura biblica, € um periodo de notivel florescéncia. entio que comegam as grandes cole: des historiogrificas. No século X a histéria nacional de Israel ¢ inserida na historia da humanidade (Javis- ta), com uma reelaboragio das tradigbes antigas sobre as experigncias dos Patriarcas € do Exodo, No século IX, provavelmente no Norte, foi eserita uma nova obra histériea semelhante A javista: a obra eloista. Com 0 exilio babilénico (597 a.C.; 589 a.C.), por- tanto numa situagio de dilaceragio sociolégica e piritual, mas sempre em uma histéria divina de alian- ga, Israel acentuou 0 seu empenho em eserever as priprias memérias e os ordculos de salvacio. 4, Linguas ¢ texto original — A maioria dos livres do AT chegou até nés escrita em hebraico, Do AT nada sabemos sobre a origem da escritura; sequer conhecemos a época em que Israel comecou a escre- ver. Os primeiros testemunhos dizem respeito aos per- sonagens de Gededo (Iz 8,14), Jezabel (Rs 21.8-11), gue citamos como exemplo. Mas ado sabemos de quais caracteres se serviram os escritores, se cunei- formes ou de outros. Quanto a lingua hebraica usada no AT, podem-se distinguir trés periodos de desen- volvimento. ‘Antes de tudo, houve o perfodo dos textos bibli- cos antigos, representado pelo canto de Débora (iz 5), por algumas express6es encontradas nas Ben de Jacé (Gn 49), por outros fragmentos posticos (cf. Gn 4,23-24; Nm 21,18), por provaveis citagdes do ‘Livro do justo” (Js 10,12). © segundo momento se distingue pelo hebraico clissieo, falado e escrito durante 0 perfodo da monar- quia pelos escribas da corte, pelos sacerdotes e por alguns profetas. A lingua escrita pelo Proto-Isafas (1- 39) € talvez a forma mais bela do hebraico. tereeiro perfodo de desenvolvimento foi 0 he- braico posterior a0 exilio, que pode ser denominado pés-clissico; ¢ impregnado de aramaismos e sofre a influéncia do contexto cultural heteragéneo, Essa evo- lucdo ¢ particularmente perceptivel no livro do Qohé- let © no tento hebraivo do Com a queda do Império Assirio (612 a.C.), tam- bém o aramaico se difunde entre os babilbnios da Mesopotamia inferior, ¢ justamente por ocasifio do irdeida. exilio babildnico posterior foi que os hebreus come- garam a usar 0 aramaico. Os aquiménidas, por sua vez, nao impuseram seus costumes, mas adotaram uma lingua oficial internacional durante todo o pe- riodo do império perst (549-331 a.C.), Assim se explica a presenga de textos aramai no AT; Esd 4,8-6,18; 7,12-26; Dn 2: 4; 7; 28. A lingua grega também € importantfssima para 0 AT, tanto para alguns livros escritos sé em grego (Sabedoria) como para a versio em grego de todo 0 AT realizada pelos LXX. Os textos que tazem o AT € que sio o ponto de referencia para todas as traduges em linguas moder- nas sfo atualmente: 0 manuscrito de Leningrado B19 do ano de 1008 e 1009 que contém o texto hebraico chamado masorético (citado como TM). Note-se que com a masora ou tradigéo dos escribas desenvolveu- se um metodo mneménico e técnico de regras que serviu no decurso dos séculos para manter vivo 0 conhecimento de pormenores ortogriticos e de pro- nndincia sem transcurar sequer uma minticia do texto; © texto hebraico de Qumran, extraido em 1947 de numerosos rolos ¢ fragmentos encontrados nas grutas que ficam diante do mar Morto, datados. provavel- mente dos séculos HILT a.C.: 0 texto grego da Sep- tuaginta, ou de qualquer forma a versio grega do AT que foi certamente completada no periodo cristio. cos 5. 0 AT & antes de tudo uma historiografia em que Deus € 0 personagem mais importante, cabendo a ele a iniciativa; realiza um projeto de salvagao; € tam- bém, de maneira relevante, uma pedagogia que nos educa para o sentido da histéria, para a expectativa do futuro. O principio da pretiguragdo e da continuidade: orientarnos no paralelismo das duas aliangay © das figuras do NT presentes no AT. O principio da reali- zagio: no NT se realizaram os tempos. a Lei, as Escrituras, O prinefpio da superagdo: © NT é 0 mo- mento final da pedagogia divina, a passagem da letra ao espirito, © fim de um culto incapaz de santificar. Para a lista dos livros do AT, consulte 0 verbete Biblia. Bibl.; Como introdugao recomendamos A. Soccty, /ntrodu- one all AT, Brescia 1991"; como wologia, G. Vox Rab, Teologia del AT, v. 1-2, Brescia 1971-1974: Ib. La Sa- piensa, Torin 1976, L. PACOMIO ANTIMILITARISMO A nogio de antimilitarismo nao € definivel sendo a partir da nogio de militarismo que, em linhas gerais, assim se define: ideologia que atribui aos militares, uma funco e uma posigZo predominante na socieda- de. Ou ainda: exaltagio dos valores e modelos de comportamento militar: autoridade, disciplina, ordem ANTINOMISMO hierdrquica, obediéncia, forga, prestigio nacional © vontade, mais do que razao discursiva e pensamen- to debilitante, O anti a atal ideo- logia e a radical desmistificagio dos valores unilate- ralmente absolutizados do militarismo. antimilitarismo € hoje muito difundido, a medi- da que muitos movimentos contribuiram para a afu- magio de uma cultura hostil & guerra e aos instru- ‘mentos ¢ instituigGes que a preparam ¢ justificam, O antimilitarismo dispde de muitos dados relativos & fungdo antidemocratica exervida pelos exércitos em muitos paises do mundo, nos quais governos despé- ticos valem-se dos militares para permanecer no po- der e bloquear, mesmo de forma cruenta, dissensdes © oposigdes. O antimilitarismo conta com o fato de {que hoje em dia os exércitos tradicionais, na opinio de seus préprios responsiiveis, devem ser substitu- dos por contingentes altamente profissionalizades, on integrados por formas de defesa popular alternativa O antimilitarismo nao deve, porém, ser confundi- do com 0 pacifismo ou com a nao-violéncia, pois, nem sempre nega a necessidade do recurso a forga (armada) nas relagdes politicas entre os estados. A atitude da Igreja e de grande parte da reflexao teolégico-moral diante dos exércitos & de uma apro- vagdo cautelosa, enquanto eles se mantém no Ambito de suas finalidades € nado excedem os limites daquilo: que € necessério para a “legitima defesa” da nagio. Mas esta se difundinco uma atitude mais critica dian- te do exército que se traduz na opgio pelo servigo civil alternativo e na perspectiva de uma DPN (De- fesa Popular Nao-violenta) que substitui com vanta- gem a defesa militar, Bibl. G. Recuar, L'antiniltarisma ogi, 1973; G. P. Pranos- ‘TALLER, La professione militare in Italia, \985; VV.AAa., Difesa della patria et etica, im “Rivista di teologia mo- rae” 73 (1987) G. MATTAL JANTINOMISMO: Designa uma complexidade de contradigdes ou ineoe- réncias de um sistema legislative, ou entdo denota uum proceder antindmico na interpretago da lei, por ccontrastes internos, reais ou aparentes. Hoje em dia, em sentido literal ou translato, é também qualificado como antindmico um comportamento conflituoso, in- coerente, fundado sobre princfpios em gritante con- traste entre si. Filosoficamente, 0 antinomismo da razio humana € percebido quando as idéias se desen- contram principalmente a respeito do tema cosmol gico. I. Kant (1724-1804) formula essas antinomias em teses ¢ antiteses, suscetiveis ambas de igual de- monstragio: ha quatro delas que, juntas, constituem 32 a antinomia da “Razao Pura”; uma antinomia da “Ra- 240 Pratica”’, outra no juizo teleologico e, finalmente, uma outra do gosto estético. O antinomismo é um discurso sobre esses estratos antindmicos, portanto, na extensio e retomo ciclico das antinomias, podem- se perceber leis e parimetros capazes de conferir & antinomia 0 papel apenas aparente de contradigao. Bibl: E. Banc, Dictionnaire de philosophie, Parigi 1906; U, Vicuixo, Antinomia, in EC. 1. pp. 1853-1454 G. BOVE AANTROPOLOGIA/ANTROPOCENTRISMO Diferentemente da antropologia filoséfica, que enca- ta o problema da pessoa a partir de baixo, a antro- pologia teoldgica tem seu fundamento nas afirma- ges da Revelagio que dizem respeito 4 origem, & situacdo intramundana, € também A situago escato- logica da pessoa, A antropologia teolgica é, pois, 0 pensamento de Deus a respeito do homem, a antro- pologia de Deus, a partir do alto, da criagao a reden- gio ¢, como tal, um dos temas centrais da Revelagdo na qual Deus revela a verdade a respeito do ser e do destino absoluto do homem. A teologia expressou essa revelagdo fazendo uso de categorias empresta- das das antropologias filosoficas preexistentes ou con- temporineas. O resultado foi uma positiva incultura- ¢io dos dados revelados, que no contaminou 0 néi- cleo originario da revelagio, mas contribuiu para difundi-lo. Devido as divisdes eclesiais acomtecidas na hist6ria, © dado antropol6gico fundamental, pelo qual Deus volta sua atengio salvifica para a pessoa, apesar da sua finitude e culpa que a tornam pecado- ra, foi compreendido e expresso de maneiras cada vez mais diversas: do realismo moderado da antro- pologia cat6lica, pelo qual a pessoa, embora pecado- ra, nao € totaliter corrupta, a0 acento pessimista da antropologia reformada até 0 otimismo antropol6gi- co da Igreja oriental, baseado na agdo divinizante do Espirito Santo sobre o homem. A partir da época romantica, na drea protesiante primeiro ¢ depois na catélica, deu-se a chamada reviravolta antropolégi- ca, cuja intengio era a de valorizar os diversos mo- dos de ver a pessoa como centro dos interesses e da agio de Deus. Esse antropocentrismo, entretanto, se pretende uma metodologia teoldgica geral que codi- fica afirmagGes a respeito da pessoa, fazendo de tais enunciados um critério absoluto, deve ser recusado como sendo um extremismo reducionista ¢ mesmo antiteista, um mero primado do sujeito puro (donde a reagio teocentrista de Barth). Mas, se entendido corretamente, esté em condigdes de produzir, unido a0 teocentrismo, uma maior compreensio teolégica de Deus, de seu ser criador e redentor da pessoa, além de uma maior compreensio da pessoa em si. E 33 ANTROPOLOGIA BIBLICA nesse sentido que deve ser interpretada a renovada atitude antropolégica da teologia comtemporinea, que Vé a co-presenca de antropocentrismo e teocentrismo como uma ligagdo caracteristica das verdades, apa- rentemente opostas entre si, no maior de todos os mandamentos divinos: 0 do amor a Deus ¢ a0 proxi- mo, no qual se afirma 0 primado de Deus, que com- preende, porém, também a pessoa; & Jesus Cristo mesmo que se revela como sendo todo Deus € toda pessoa, o protétipo ideal da antropologia e também. da metodologia teolégica, O Vaticano IT, embora nao expressando nenhuma opgdo antropocéntrica fundamental, procurou incluit tanto um como outro aspecto (GS 12; LG 1). 0 ni- cleo da antropologia esti no fato de que a pessoa, que perdera a semelhanga origindria com © Criador, pelo mistério pascal do Filho © com o seu sacrificio expiatorio, seja re-criada, reconciliada com Deus & clevada & participagdo da natureza de Deus. E esse mesmo Deus que, pelo poder do Espirito, the comu- nica o estado antropolégico perfeito do proprio Cris- tona Igreja. Isso significa que o dado antropocéntrico da f6 crista faz referéncia a historia como sendo o lugar da ago salvifica de Deus, ¢ & ago do Espirito na Igreja como sendo 0 modo escothido por Deus, para estender a redengio a todas as pessoas. De fato, a verdadeira natureza da pessoa se manifesta em Cristo Homem-Deus, ¢ na destinagao de todas as pessoas a se tomarem seus membros, por ser Ele arquétipo © abeca da Tgreja. Esse desenvolvimento da pessoa nJo se esgota, pois, em nenhum humanismo terreno hem em alguma cultura, mas tem seu ponto culmi- nante na ordenagao da pessoa & contemplagao direta de Deus. Desse modo tem-se a encarnagao dos con- teiidos perenes da fé decodificados nas categorias his- téricas, tornando-se assim mais contextuais. Os contetidos da antropologia podem ser resumi- dos nos seguintes temas: a pessoa tem uma relagao de origem positiva em Deus: ¢ criatura boa e Deus quer que sua condico de criatura se desenvolva em uma abertura para 0 infinite, para o préprio Deus Essa relagdo & j4 cristolégica, no sentido de que a verdadeira fonte da antropotogia € a cristologia, tanto na ordem da criago como na da redengiio, Se a res- peito da pessoa podemos proclamar sua fi i nna, sua salvagdo e futura ressurreigdo para a vida eterna, tudo isso s6 ¢ possivel em virtude do mistério pascal de Cristo. A pessoa € sujeito histérico respon- {vel por sua condigio negativa decaida de pecado, a0 passo que a finalidade de Deus ao criar a pessoa Ea de destiné-la como sujeito e como humanidade & vida sobrenatural. Toda pessoa que vem a este mun- do entrat na drbita do pecado, ficando, por isso mes- mo, absolutamente necessitada de redengdo e graga, Asalvagio operada por Cristo ¢ objetivamente univer- sal, mas deve ser aplicada a cada pessoa de maneira individual com a atribuigio da graga na Igreja, lugar de reunido escatolégica dos remidos e de futa contra iclinagdes perversas da pessoa. Com essa série de afirmacdes a antropologia cristd indica que 6 estado de plenitude da pessoa na histéria j4 come. gou, embora no tenha ainda atingido seu apogeu escatolégico. Bibl: 31. RUW DE LA PeSa, El don de Dios. Antmpologia seoligica especial, Santander 1991; G. CaLzas, Antro: pologia wologica, L'uomo: paradosso ¢ mistero, Bolog- na 1988, 1. STANCATI AANTROPOLOGIA BIBLICA No complexo mundo biblico devem-se distinguir duas diferentes modalidades de abordagem da realidade humana, A primeira delas situa-se numa perspectiva essencialmente teol6gica, testemunhando a compreen- sdo do homem amadurecida a luz da fé. A segunda, ao contrério, situa-se numa perspectiva mais estrita- mente antropoldgico-estruturat e define a pessoa em sua constituigdo natural de ser do mundo. Levando em conta a perspectiva antropoldgico: estrutural, nao é de admirar o fato de estar 0 mundo biblico em sintonia com a cultura de sintese que ca- eriza a maioria dos povos primitivos d semitica E embora seja possivel encontrar referén- cias a cultura dualfstica de cunho greco-romano (so- bretudo em textos tardies como o livro da Sabedo- ria), isso ndo constitui admissdo explicita de uma antropologia dicotimica na qual a pessoa & conside- rada um composto de alma (principio espiritual) ¢ corpo (principio material). A Biblia apresenta subs- tancialmente uma concepgiio da pessoa concreta ¢ unitéria, Quer dizer, a pessoa & vista como sendo uma unidade de forge vital através da qual esté em relacdo com Deus ¢ com o seu ambiente, ¢ esse modo unitario e sintético de considerar advém do fato de {que as assergdes antropoldgicas dizem respeito tanto a cada uma das partes como a pessoa toda, As assergdes mais significativas da antropologia biblica, respectivamemte para a lingua hebraica e par a grega, sio: nefesh/psyché (alma), bdsdr/sarx (car- ne), riiah/pnewna (espirito), neshama (respiragio), sama (corpo). «a, Nefesh/psych — seu significado € tao complexe que, como tal, no pode ser encerrado em uma tinic categoria verbal (€ normalmente traduzido pelo ter: mo alma). Nefesh/psyché assume, com efeito, uma muliplicidade de significados de acordo com os di versos comtextos em que aparece. Todavia pode-se dizer que, enquanto objetivamente ne./ps. & todo ser vivo, tanto animal quanto humano, subjetivamente & ‘ire: ANTROPOLOGIA CULTURAL E ETICA 4 © ew da pessoa, 0 “centro da consciéncia”; a natureza humana, na qualidade de pessoa responsavel que pensa, quer ser ¢ € sujeito das préprias ages (ef. Gr 2.7; 12.10; Js 10,28-39: Mc 3,4; Mt 10,39: Le 12, ; Jo 10,11; FL 2,19). b. Basar/sarx — jam significa a substéncia corporea da pessoa, a natureza humana, género humano (com 0 acréscimo do ad- jetivo pasa), a fragilidade fisica e moral da pessoa (cf. Gn 2,21; $116.9; J6 10.4: Mt 24,22: Le 24,39; Jo 1.14; 1Cor 15,39; Rm 4,1; Gl 5,16-26). sarx € a pessoa em sua dimensao horizontal, terrena, limitada, ¢ por isso contraposta a Deus; semethante a0 p6 de que foi tirada com as caracteristicas da fra- gilidade e da dependéncia. ¢. Rital/pneuma — indica 0 sopro vital, enquanto alimento do organismo humano, a sede das disposi- des intimas do nimo, dos sentimentos, do conheci- mento, o desejo (cf. Gn 45.27: Nm 5.14: Pr 16.32 Me 8,12; Mt5,3; Le 8,55; Jo 11,3 acepgio indica a abertura da pessoa para Deus, a sua dimensao ventical © portanto em contrast com sare (cf. Gl 5,16-17; Rm 83-13), d. Neshama e séma — indicam respectivamente 0 ser vivo que respira, por ter recebido de Deus 0 so- pro da vida (cf. Gn 2,7; Dt 20,16; Is 57,16); ea presenga externa do compo, a dimensio sexual da pessoa e sobretudo a pessoa capaz de relacionar-se com Deus, com os outros € com 0 mundo (ef. 1Cor 5,3; Rm 1,24; 6,12-13.16; 12,1; FI 1,20). Bibl.: C. de Gexwato (org.), L'antropologia biblica, Napoli 1981; H. W. Wousr, Antpologia dell’Antico Testamen- to, Brescia 1975, 2 G. ANCONA (ANTROPOLOGIA CULTURAL E ETICA A antropologia cultural, com sua metodologia espe- cifica, permite-nos descrever 0 dado hist6rico, os as- pectos culturais assumidos pelo Gnico fendmeno moral da humanidade. Perceber-se-d, assim, que a pessea se encontra sempre como em um longo ¢ inexaurivel relorno contemplativo & fonte da lei moral e como em tendéncia constante para 0 inatingivel céu estre- lado. Como se, querendo avangar na diregio dessa fonte, procurasse recuar, tentando conhecer cada vez melhor sua origem. Mais ainda, quanto maior a tendéncia para a meta, tanto maior o empenho em conhecer melhor o ponto de partida de onde provém, para novamente vollar-se para a meta, fenémeno moral se resolve em grande parte neste caminho ao revés, Perceber-se~d também que a refle- xo contemplativa de cada cultura foi guiada pelo sentimento dos valores, que mio é ainda conhecimen- to moral, mas apenas a potencialidade moral que cada pessoa em particular traz dentro de si, Lendo no intimo do seu coragao, penetrando além dos véus que envolvem a sua realidade, © homem procurou, ao longo dos séculos, desenvolver o dis- curso ético, levantando sempre novos problemas ou repropondo com linguagens sempre diferentes e com grande riqueza de imagens a mesma instincia moral. A factualidade histérica das muitas relevancias des- ctitivas efetuadas pelo antropdlogo e das outras ve- rificdveis junto a culturas e religides diversas ¢ ex- pressas com imagens talvez poéticas e literdrias sao as muitas deserigdes possiveis das mil faces que, como ethos, assumem a tnica face moral humana, S. PRIVITERA AANTROPOLOGIA DAS RELIGIOES Esta cigncia tem por finalidade investigar e interpre- tar a interagdo entre religido ¢ cultura. Ela se ocupa principalmente das trés seguintes dreas de problemas: a. interagdio entre cultura e religiao em geral. No estudo de sociedades nas quais religiio e cultura sio vividas e concebidas em uma identidade indiferencia- da, a antropologia das religides coincide com a feno- menologia das religides. Por isso, 0 termo “antropo: logia religiosa” foi as vezes usado para indicar a cién- cia que estuda as religides dos povos primitivos; . impacto da homogeneidade cultural no pluralis- mo religioso ¢ vice-versa; ¢. influéncia das mudangas culturais sobre as reli- gides (por ex., no caso do secularismo do pés-moder- no e outras). Bibl. J. Goer, Anthropologie sociale: ethnologie religieuse, PUG, Roma 1971 A. ROEST CROLLIUS /ANTROPOMORFISMO Termo usalo nas ciéncias das religides para indicar a atitude © 0 procedimento com que sdo_atribuidas quelidades humanas ao Ser Supremo ou as divinda- des, O uso desse termo provém no raro de uma concepgio racionalista dos fendmenos religiosos, in- capaz de avaliar 0 caréter simbélico das expresso religiosas. Do ponto de vista da filosofia da religido, © antropomorfismo em sentido restrito pode ser con- cebido como a inversio da analogia do ser, uma vez que, em lugar do Ser Supremo, © homem € conside- rado como analogatum principale. A, ROEST CROLLIUS (ANUNCIAGAO Designa o antincio (lat. nuntiwn) do anjo Gabriel a Maria da intengio de Deus de inseri-la no seu desi 35 ANUNCIAGAO nio de salvagdo da humanidade mediante seu consen- timento em tornar membro da familia humana o Messias, Filho do Altissimo. Para alguns estudiosos, mais do que de anincio, tratar-se-ia de revelagéo (apo- calipse) das intengdes divinas definitivas de salvagao a Maria e & humanidade; para outros, de vocagdo de Maria para se tornar Mac de Cristo. Os trés aspectos niio se excluem, mas se integram admiravelmente. O episédio é narrado somente por Lucas (cf. Le 1,26-38), que Ihe deu uma forma literariamente su- gestiva e 0 encheu de significados teoldgicos profun- dos, © evangelista inseriu 0 trecho no inicio do seu Exangelho, onde narra o nascimento e a infancia de Jesus, a quem a comunidade crista, depois da ressur- reigio, confessava enfim de modo claro e aberto como sendo Senhor e Filho de Deus. © texto esta repleto de alusdes e remissdes as expectati do AT, vistas como tendo sido plenamente realizadas no Filho que Maria € convidada a conceber, O objeto central do epis6dio € constituido pelo anincio da concepgao do Messias de Deus, sendo, portanto, de cardter cristol6gico; mas, dado que Maria, na quali- dade de Mie do Messias, estd intima ¢ indissoluvel- mente envolvida neste grande evento, sua missfio ¢ dignidade maternas sublimes constituem seu outro tema fundamental, embora subordinado ao primeiro, Elements importantes do episédio a) O antincio da chegada do tempo messifnico caracterizado pela realizagdo da salvagio de Deus portadora de alegria para a humanidade: isso se depreende do convite dirigido pelo anjo a Maria: “ale- grate” (gr. chairé), que € 0 eco de convites andlogos dirigidos por alguns profetas & “Filha de Sido” (Is- rael) no seu aniincio dos tempos messianicos em nome de Deus (ef. Sf 3,14; Ze 9,9; G] 2,21,27 e outtos). 'b) A concepgdo ¢ 0 nascimento do Filho do Altis- simo, do Messias, Fitho de Davi, antes, ainda mais radicalmente, Filho de Deus gragas a uma interven- do extraordindria do poder do Espirito de Deus (cf. Le 2,30-35). Com uma clara alusio ao vaticfnio mes- sianico do profeta Nata a Davi (cf. 25m 7,12-16) € a profecia de Is 7,14 da “virgem” (almah) que dard & luz um filho, o anjo anuncia a Maria a maternidade messignica; antes, com referéncia a descida e a pre- senga santificante de Deus entre sew povo com sua sombra sobre 0 taberniculo (cf. Ex 40,35; Nm 8, 18.22; 10,34) e com sua nuvem no templo (ef. IRs 8,10-13; 2Cr 5.13-14: 6.1: Lv 16,1-2), comunicathe que seri coberta pela sombra do Espirito Divino e que por isso conceberé e dard a luz de maneira completamen- te extraordindria um filho que seri o “Santo”, ou seja, Fillo de Deus de maneira absolutamente diver- sa de tudo aquilo que era entendido no contexto das expectativas messidnicas do judafsmo. messidinicas c) A predilegio singular de Deus por Maria e a missio panicular que Ihe foi por ele confiada. A jo- vem de Nazaré € a “cheia de graga” (kecharitoméne, da raiz charis, graga, favor), ou melhor, a “agraciada”, “privilegiada”, “favorecida” de modo tinico por Deus (cf. 2,28), destinada por ele a inaugurar a era messid: nica, O particfpio “privilegiada” exprime, por assim dizer, o nome nove que Deus dé a Maria por meio do anjo; indica o favor e 0 amor divinos singularissimos para com ela; constituiré a base de toda a reflexdo teolégica sobre ela através dos séculos. 4) O assentimento da “serva do Senhor” com es- pitito de obediéncia de fé aos designios do Senhor: “Eu sou a serva do Senhor, Acontega-me segundo a tua palavra’” (Le 1,38). A resposta afirmativa de Maria constitui o ponto culminante do didlogo entre cla ¢ 0 enviado divino, E 0 “fiat” da Virgem a seu Deus, ‘mediante 0 qual ela se coloca na numeross fileira dos servos do Senhor de seu povo e se declara totalmente disposta 4 realizacao dos designios de Deus a respeito de si mesma e para a humanidade inteira, colocando a liberdade humana em sintonia com o insistente con- vite do amor divino a fim de que por meio de seme- Ihante alianga Deus volte a ser o Senhor da vida do homem e este faga a experiéncia da salvagdo, reden- gio e esperanga oferecidas por Deus. Com isso Maria realiza na forma mais auténtica e plena a substincia da “fé" na perspectiva biblica; com isso inicia um caminho de fé que a levard a compartilhar com seu ho as alegrias € os softimentos (ef. Jo 19.25-27) incluidos na realizagio da obra de salvacio do Pai A Anunciagto € 0 evento que abre 0 NT. Nele Deus diz seu definitivo e mais alto sim & humanidade e esta em Maria inaugura sua hist6ria de amor com seu Deus feito carne nela e por ela (Jo 1,14; Gl 4,4), “Deus conosco” de modo eminentemente mais alto do que as expectativas do profeta Isa‘as (Is 7,14). O céu bejja definitivamente a terra e esta se abre ao abrago divino em Maria, dando inicio ao caminho de uniio fatima de amor com Deus, que encontrard sua realizacdo na instauragio plena e definitiva do Reino messidnico do Filho da Virgem (cf. Le 2,33), termo do caminho de fé que € disponibilidade para deixar se guiar por Deus e para construir a propria hist6ri sobre a confianga posta em sua palavra, Tanto a pie dade como a teologia da Igreja no correr dos séculos viram na Anunciagdo esses profundos conteiidos de colocaram no centro esse evento de graga divina, de disponibilidade e de obedigncia humanas. A partir da Idade Média 0 evento da Anunciagio tem sido um, dos temas preferidos pela representagio artistica de motivo cristao. No que diz respeito A Anunci esta Ti tiirgica, & preciso dizer que a comunidade cristi, desde 0 século IV, tem celebrado 0 Natal de Jesus Cristo e como J ANUNCIO 36 correlativamente tem comemorado a mensigem do anjo a Maria, Da celebrago da festa da Anunciagio em uma data determinada, o dia 25 de ma tem noticia antes do século VII. Nao deixa de ser interessante a diversidade das designagdes do dia fes- tivo: “Anunciago da Bem-aventurada Virgem Ma- 1”, “Anunciagdo do Anjo & Bem-aventurada Virgem ria", Maria’, “Anunciagao do Senhor”, “Anunciago de Cristo”, “Concepgiio de Cristo”. Nos tiltimos séculos prevaleceu a “Anunciagio da Bem-aventurada Vir gem Maria”, sinal de que a festa foi entendida prin- cipalmente em perspectiva mariana, Na reforma litir- gica determinada pelo Vaticano Il foi dada a es festa a denominagio de “Anunciagio do Senhor”, com um valor, portanto, predominantemente cristol6gico, € com razo, pois, como ficou dito acima, o tema central do episodio e da respectiva narrativa da Anun- ciagdo € a Encarnagao de Filho de Deus, ¢ a venera- io crist de Maria radica no fato que a grandeza de sua missdo e pessoa esta em ter sido ela inserida por pura graga singular e divina no mistério de Jesus Cristo como Mae do Messias Filho de Deus (ef. LG 67). Bibl: R. LAvnextin, Structure er théologie de Luc Fl, Pais 1964; E. G, Mont, Figlia di Sion e Serva di Jahv2, Bolog- 1a 1970; P. BENor, L’Amuunciacione, in Esegesi e teolo- gia, I, Roma 1971; A. Grorce, Etudes sur Uoewvre de Lis, Paris 1979; H. Seutbeniass, H Vangelo di Luca, Bres cia 1983, E.G. Mort, Annunciazione del Signore, in S. ve Fioxe-S. Meo, Nuow Dizionario di Mariologia, Roma 1986, pp. 78-86. G. IAMMARRONE ANUNCIO Em sentido téenico chama-se “amincio” a mensagem que suscita a f8, Joao Paulo II, na enciclica Redemp- toris Missio, lembra que “na realidade complexa da iO © primeizo amincio tem um papel central € insubstituivel [...] A £8 nasce do amincio, e toda comunidade eclesial extrai sua origem e vida da res- posta pessoal de cada fiel a tal antincio, dela haurin- do sua vida" (n, 44). O termo esté contido na propria palavra “evangelho” que, derivada do grego euanggé- lion, significa “alegre angneio”, “boa nova”. Quanto a greja, ela tem no antincio do Evangelho sua graga € sua vocagio propria, sua identidade mais profunda (Paulo V1). No NT, além de ewanggelizo tanunciar uma alegre mensagem, evangelizar), os dois verbos ‘com os quais se indica 0 antincio sao principalmente ‘aggello (anunciar), com os seus compostos, ¢ kerysso (proclamar). O ewanggélion no NT sempre a men- sagem salvifica anunciada oralmente. Para Jesus, 0 Antincio € 0 advento do Reino de Deus (cf. Me 1,15). © verbo kerysso, donde deriva também o termo Kerygma {mensagem, pregacao), sublinha © aspecto autoritativo da mensagem, 2 qual € preciso obedecer. miss E 0 verbo que caracteriza a proclamagio da mensa- gem nos casos coneretos individuais. Este vai além do cariter de mero ensinamento, pondo em pritica uma avaliagio cuja inobserviincia equivale & recusa. O primeiro anincio ou kerygma € desenvolvido na didaskalia ou didaché (ensinamento, doutrina). Essa transmissio do antincio € indicada também como katechésis (instrugdo). E necessério deixar claro 0 cariter eclesioldgivo do aniincio da salvagio. A Igre- {ja nasce da agdo evangelizadora de Jesus. Depois dos acontecimentos pascais, a acolhida e a comunicagio do aniincia so os acontecimentos nos quais se cons- titui a comunhdo eclesial (cf. [Jo 1,3). A Igreja é a comunidade que se forma em torno do Senher, anun- ciado como o Crucificado Ressuscitado. Essa mesma Igreja, destinatdria e depositéria do aniincio da salva- gio, € convidada a levar a todos os homens o alegre anneio da salvagio. O termo com 0 qual se indica predominantemente esse antincio € 0 de “evangeliza- gio”, um neologismo derivado do verbo evangelizar. Os destinatérios do anincio so todos os homens Hoje em dia julga-se muito importante destacar a forga de libertacdo contida no antincio cristo, como também sublinhar sua ligagdo necessaria com a pro- mogiio humana. Fala-se também do dever de fazer com que 0 andncio do Evangelho se encarne nas culturas dos diversos povos. A tarefa de levar 0 antin- cio do Evangelho cabe a toda a Igreja (ct. Ad gentes, 35), O antincio ndo € nunca um fato individual, mas sempre um ato eclesial, pois & sempre realizado em unidio com a missio da Igreja e em nome dela. Bibl.: Pauto VI, Exort. Apost. Evangelii nuntiandi (8 de dezembro de 1975); Jodo Patto Il, Redemptoris missio (7 de derembro de 1990) M. SEMERARO AparicOEs: Com o termo aparigzo, costuma-se fazer referéncia a uma manifestagio visivel do sobrenatural no interior das categorias espicio-temporais do sujeito que € seu destinatario. E preciso distinguir trés formas diversas de apari- des. A primeira delas é especificada pelo termo teofania e se encontra fregtientemente descrita no AT. ‘Tanto 0s textos hist6ricos como os proféticos fazem referéncia a diversas teofanias para indicar uma co- municagio reveladora de lahweh. A mediag3o da apa rigio & muitas vezes tirada da natureza e descrita com tragos simbélicos, embora nio faltem narrativas, em que a teofania € apresentada por meio da deseri- go de personagens com caracteristicas humanas., A nuvem, 0 fogo, como categorias capazes de exprimir a experiéncia inexprimivel que € fruto de eleigo € de graga por montanha, 0 deserto... sio tidos 37, APOCALIPSE parte de Deus. Também o NT az relatos de tco! nias nos momentos mais significativos da vida de Jesus como por exemplo, o batismo e a transfigura- cdo, E uma ver que, de qualquer forma, nao se pode ver Deus € continuar com vida (Ex 33,20), 0 AT, embora narrando as teofanias, faz referéncia direta a elas como sendo um fendmeno verbal e nao visual. Em resumo, € possivel ouvir a voz. de Deus e perce- ber sua presenga, mas ndo ver seu rosto. Essa nio- visibilidade de Deus € rompida com o NT, que expri- me © tempo da presenga corporal da divindade em Jesus (Cl 2,9). Agora Deus € visto e ouvido, pois se exprime por meio do Filho. O segundo termo € cristofania, que especifica a aparigio de Cristo depois da sua ressurreigdo. As apariges do ressuscitado stio narradas por todas as fontes neotestamentérias: mas um valor todo espe- cial assume a que se encontra em 1Cor 15,5, pois reproduz a primeira profissdo de fé cristé posta por escrito desde os inicios da comunidade, por volta dos anos 35-40. Paulo, utilizando uma terminologia técnica em uso entre os rabinos, afitma que ele pré- prio recebeu aquilo que agora transmite; além do evento da morte e da ressurreigdo, em dois versicu- los ele afirma pelo menos quatro vezes que Jesus “apareceu” (cop0n) no sentido de que se deixou ver por Pedro, pelos apdstolos, por Tiago, por mais de 500 irmaos e, finalmente, pelo préprio Paulo. O verbo usado por Paulo nio requer necessariamente uma per- cepgdo visual do ressuscitado, sendo que esta pode apenas satisfazer a curiosidade; indica, antes, que se estd diante de um evento de revelagao. Com efeito, as cristofanias, como so narradas pelos evangelhos, possuem sempre algumas caracteristicas peculiares que podem ser assim resumidas: antes de mais nada, © Jesus que se deixa ver é 0 “ressuscitado”, poranto com um corpo no qual o principio espiritual agora predomina sobre o material (Cor 15,42-49). A insis- téncia dos evangelistas em mostrar que o objeto da apari¢io nao é “um fantasma” — e que portanto eles do esto sendo vitimas de uma alucinagio — mas & Jesus, aquele mesmo que tinha morrido ¢ resus tado, levaros a descrever 0 ressuscitado © sua apari- dio em termos materiais, Além disso, a cristofania esid sempre ligada a uma missdo confiada a alguém; por titimo, € prometida a presenga constante © a assisténcia do Espirito. Uma terceira categoria € a que compreende a apa- igo de Nossa Senhora ou dos santos. Teologica- mente falando, & necessirio fazer a esse propdsito uma observacdo importante: em relago a Virgem, cremos em sua assungo corporal, 0 que no € 0 caso. dos santos; surgem, pois, problemas relativos & mo- dalidade das aparigées. De per se, nio € possivel s sem negar a propria liberdade de Deus. A historia da Igreja apresenta incessantemente aparigdes diversas, em momentos diferentes e em lugares os mais variados; a Igreja reconheceu a vali- dade apenas de algumas delas, ao passo que em re- lagio a outras, autorizou apenas 0 culto popular, E uma vez que as aparigdes esto sempre ligadas a revelagées, a partir do V Concflio de Latrao foram tomadas providéncias para limitar a publicagio de tais profecias, tanto para salvaguardar a ortodoxia da f como para ndo criar confusdio ou desorientagio centre os figis. Desse mesmo tema tratou © papa Ben- to XIV (De Servorum Dei beatification), estabele- cendo principios que continuam sendo validos até hoje. Em virtude dessa ligagao com a revelagio, re- quer-se sempre uma criteriologia capaz de determi- nar tanto o grau de veracidade da aparigdo, unido & garantia de equilbrio do vidente, como a relagio entre a eventual mensagem comunicada na aparigio e sua coeréncia com o depésito da fé. Bibl: K. Rauner, Visioni e profecie, Milano 1955; G. O'CoLns, Gest risorto, Brescia 1989, R. FISICHELLA APOCALIPSE E a transcrigao italiana do substantivo grego apokd- Iypsis; aparece no inicio do tktimo livro do NT e tor- nou-se seu titulo tradicional juntamente com a indica- ho do autor (Apocalipse de Jodo); corre outras 17 vezes nos escritos do NT como substantive comum com o significado geral de “revelago"; no uso mo- demo tornou-se um termo técnico, juntamente com o adjetivo dele derivado, “apocaliptico”, para indicar um género literdrio especial, uma mentalidade religiosa e um vasto conjunto de textos eandnicos e apécrifos. 0 vocdbulo grego apokdlypsis € 0 substantive de- rivado do verbo apokalypto, composto pela preposi- do apd (que exprime a idéia de remogio ¢ afasta- mento) e pela raiz verbal kalypro (cobrir, esconder): etimologicamente, pois, significa “a ago de tirar aqui: lo que cobre ou esconde”, isto é, “descobrir, revelar”. A tradugdo corrente “revelagao” exprime bem o ato de quem tira 0 véu para mostrar aquilo que estava escondido, Na lingua grega clissica 0 termo apokd- Iypsis nio aparece; o verbo correspondente € usado, mas sempre com valor exclusivamente humano, Os Primeiros testemunhos do uso do substantivo surgem no século I a.C.; mas de qualquer forma sf raros € limitados « textos literdrios menores de cariter eso- térico, alquimico ¢ astrolégico. Na Septuaginta, tendo em vista 0 uso lingiifstica grego, 0 vocabulo apokdlypsis € rarissimo: 86 apa- rece em 1Sm 20,30 para traduzir o hebraico “nu- dez” e trés vezes no Sirdcida (11,27; 22,22; 42,1) com significado antropolégico. Nao existe, pois, no APOCALIPSE 38 AT, um substantivo hebraico correspondente. J4 no NT a palavra apokdlypsis, waduzida habitualmente por “revelagio”, reaparece em contextos diferentes € com matizes de significado que podemos reunir em tres mbitos. Um primeiro grupo de citagdes reflete um am- biente litérgico ¢ eucolégico: apokdlypsis indica a manifestago de uma verdade, 2 comunicago de uma mensagem iluminadora (Le 2,32) que permite conhe- cer (Ef 1,17) 0 projeto eterno de Deus (Rm 16,25): trata-se substancialmente do préprio Jesus e de seu evangelho; ao disciplinar as reunides litdrgicas de Corinto, Paulo fala de “apocalipse” como de um meio edificante, paralelo a conhecimento, profecia e ensi- namento (1Cor 14,6.26). Nas cartas de Paulo, porém, © mesmo termo retoma com uma acepgdo diferente, indicando uma experiéneia extraordinaria e mistica: € assim que 0 Apdstolo define a pripria experiéncia no caminho de Damaseo (Gl 1,12; Ef 3,3); assim também, na apologia de si mesmo, alude a especiais manifestagdes que the foram concedidas (2Cor 12.1.7), e € ainda assim que denomina a intuigdo que teve de subir a Jerusalém (GI 2,2). Um terceiro sig- nificado de apokdlypsis & 0 que ird impor-se com 0 tempo, como sentido préprio e exclusivo: com o valor de manifestagio escatolégica, sindnimo de parusia ou de realizagao final do plano divino, Naquele dia, como diz 0 Apéstolo, manifestar-se-4 o justo juizo de Deus (Rm 2,5); esse dia € esperado pela comunidade cristé (1Cor 1,7) © por toda a criagdo (Rm 8,19); seri, com efeito, a gloriosa e definitiva manifestagio do Senhor Jesus, evento de louvor e de alegria imen- sa (218 1,7; 1Pd 1.7.13: 4,13). Colocado no inicio do tiltimo livro do NT, 0 vo- cabulo apokdlypsis tornou-se 0 titulo desse mesmo livro e, conservando sua forma grega, foi usado dui- ante séculos como termo técnico para designar 0 listo inteiro e seu conteddo, Algm disso, nao com- preendendo o valor simb6lico das imagens e inter pretando ao pé da letra as descrigdes catastréficas, os leitores, tanto os medievais como os modemnos, aca- baram transformando “apocalipse” em sinénimo de “cataclismo”, “enorme desastre”, “fim do mundo”; de fato, na linguagem jornalistica ¢ cinematogréfica corrente a palavra apocalipse conservou esse signifi- cado, distorcido © erréneo. O livro do Apocalipse (Revelation, Offenbarung), pretende, a0 contrério, ser a revelagao de Jesus Cristo: 0 grande anincio da sal- vagdo operada por Cristo, da intervengio definitiva de Deus na hist6ria humana, da presenga poderosa e atuante do Senhor Ressuscitado nas dindmicas histé- Ticas até a realizagdo final, Estreitamente ligado & liturgia de [greja © & nova leitura crista do AT, com- posto por volta do século I d.C. e atribuido tradicio- nalmente ao apéstolo e evangelista Joio, 0 Apoce- lipse é um livro de consolo e esperanga, uma grande profissdo de f€ no dominio césmico do Cristo Se- nhor, vencedor do pecado e da morte; ao contrario de uma ligubre previsdo de calamidades e desgracas. Desde a antiguidade, o livro do Apocalipse foi muito estudado e também interpretado de maneiras as mais diversas; mas sempre considerado distinto dos demais, coma livro canénico e profético, inde- pendentemente dos desenvolvimentos hist6ricos ¢ das formas expressivas e culturais da época. Em fins do século XVIII o estudo hist6rico dos textos biblicos © a comparagio com textos andlogos extrabiblicos assinalou, também para 0 Apocalipse, 0 inicio de uma nova fase de pesquisa. A obra de Jodo, sew titulo, sua forma literdria e seu conteiido foram con- siderados protétipo de um vasto género literdrio de- signado “apocaliptico”. A primeira tentativa de expansio do horizonte his- A6rico literdrio remonta a um discipulo de Schleier- macher, Friedrich Liicke, que em 1832 publicou uma ‘obra com o sugestivo titulo: Tentativa de uma introdu- ¢do exaustiva & Revelagdo de Jodo e a toda a litera- tura apocaliptica. Mas a primeira grande monografia a respeito da histéria da apocaliptica judaica foi pu- blicada em 1857 por obra de Adolf Hilgenfeld: desde entio 0 estudo prosseguiu com muitas e valiosas con- tribuigdes, gragas também A descoberta ¢ A publi Ho de novos ¢ importantes textos apocalipticos, No entanto, a pesquisa neste campo corre 0 tisco de cair em um cfrculo vicioso, pois as caracterfsticas essenciais da apocaliptica deveriam ser deduridas de obras certamente apocalipticas, ¢ para reconhecer tais obras, 0 estudioso deve possuir ja uma nogdo de apo- caliptica. Assim, 0 ponto de partida foi 0 Apocalipse de Jodo € hoje, depois de séculos de pesquisa, cla, que dea o nome ao génern, parece ser 2 menos apo- caliptica de todas. Toda a pesquisa nesse setor parte de hipsteses nao plenamente demonstraveis; €, pois, natural que as opi- nides dos estudiosos nao sejam concordes. Muitas questdes estio ainda abertas, sendo objeto de caloro- sas discusses: uma dessas ¢ justamente a propria definigio do termo apocalipse, Seguindo a proposta de Klaus Koch (1970) pode-se aceitar uma distingio entre “apocalipse” como género literdrio e “apocalip- tica” como movimento religioso-cultural. Para poder definir um escrito como “Apocalipse”, foram enumeradas algumas caracteristicas formais in- dispensdveis: 0 autor se apresenta como sendo um ilustre personagem do pasado, portador de uma re- velagio divina que Ihe teria sido transmitida median- te visdes ricas em simbolos e imagens estranhas; 0 vidente & perturbado por sua experigncia, mas nio pretende aterrorizar seus leitores; ao contrério, quer consolar, encorajar e edificar; além disso, uma obra

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