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Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA
FACULDADE DE CIÊNCIAS
UNIVERSIDADE DE LISBOA

Ano lectivo 2007/08

PALEONTOLOGIA
Curso Teórico

Tema 2

Sumário

1. Tafonomia:
1.1 Mortalidade ou Necrólise;
1.2 Biostratonomia;
1.3 Fossildiagénese.

2. Processos (e Produtos) de Fossilização:


2.1 Conservação (preservação, mumificação);
2.2 Mineralização (epigenização e recristalização);
2.3 Incarbonização (turfa, lignito, etc.);
2.4 Moldagem (molde interno, molde externo).

3. Deformação tectónica dos fósseis.

1. TAFONOMIA

Após a morte qualquer organismo está sujeito a uma grande variedade de


mecanismos que, na maioria dos casos, condicionam a sua preservação, total ou
parcial. No decurso da fossilização, geralmente, ocorre uma transferência de
material de origem orgânica, da biosfera para a litosfera. Neste sentido, os fósseis
(somatofósseis) devem a sua existência a materiais que, tendo pertencido, no
passado (mais ou menos remoto), a componentes esqueléticas de organismos
vivos, resistiram (em maior ou menor grau) a acções meteóricas, diagenéticas e,
eventualmente, metamórficas (de baixo grau). Assim, uma associação de fósseis
representa apenas uma pequena e desproporcionada fracção da comunidade que
lhe deu origem. Eventualmente, a longo prazo, a meteorização (alteração e erosão)
das rochas pode repor esses materiais (fósseis), novamente à superfície.

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I. A. EFREMOV, em 1940, designou por TAFONOMIA (do grego: “leis do


enterramento”) o estudo dos princípios que regem a transição dos restos orgânicos
da biosfera para a litosfera, desde o momento em que morre o organismo a que
pertence, até ao momento em que esse resto é recolhido, como fóssil. A Tafonomia
é, pois, o ramo da Paleontologia que se ocupa do enterramento e fossilização dos
organismos, ou seja, de todos os processos relacionados com a formação de uma
Jazida.
A Tafonomia não é tanto um fim em si mesma mas sim um meio para a
correcta interpretação de uma jazida já que: (1) ajuda a compreender a relação
existente entre a associação fóssil e a comunidade original, permitindo reconstruir,
em certa medida, esta última; (2) permite entrever aspectos relacionados com os
ambientes deposicional e pós-deposicional dos fósseis.

Existem dois mecanismos opostos que podem dar origem a uma associação
fóssil, cada um deles com um significado próprio:

A) a associação fóssil resulta de um processo lento de acumulação, ano após ano, de uma
fracção de várias paleobiocenoses. Esta associação de elementos alóctones
representa, pois, o somatório das preservações parciais de cada uma das
comunidades que se estabeleceram nas vizinhanças desse local, ao longo de um
período de tempo, mais ou menos longo;

B) o registo fóssil resulta de condições excepcionais de preservação de uma


paleobiocenose (p.ex: por enxurrada catastrófica ou correntes de turbidez) num
instante temporal curto, à escala dos organismos. Neste caso, a associação fóssil é
totalmente autóctone, preservando-se a estrutura e composição da comunidade
original.

Os estudos tafonómicos devem determinar, para cada jazida, qual destes dois
mecanismos preponderou, já que deles depende o tipo de informação a extrair (para
reconstituições paleoambientais ou para interpretações paleoecológicas). Quanto
maior for a quantidade de informação original possível de ser reconstituída, melhor
será a qualidade da interpretação e hipóteses científicas que sobre a jazida venham
a ser realizadas.

A chamada Paleontologia do presente ou Actuopaleontologia


(Aktuopalaontologie) (RICHTER, 1928) joga importante papel nos estudos
tafonómicos. Os estudos actuopaleontológicos incidem na observação de restos
orgânicos actuais passíveis de fossilizarem, actuados pelos agentes da geodinâmica
externa.

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Assim são estudados, entre outros :

- mecanismos de concentração "post-mortem", transporte e sedimentação de restos de


organismos;

- processos actuais passíveis de conduzir à mineralização e preservação de restos de


organismos ;

- acções biológicas (marcas de actividade) susceptíveis de serem conservadas no registo


geológico (Icnologia);

Neste tipo de estudos é dado ênfase ao modo como as estruturas


endurecidas, de plantas e animais, são transportadas e se acumulam no substrato.
Aborda igualmente o modo como estas estruturas vão sendo cobertas por
sedimento, passando do estado subfóssil a fóssil. A Actuopaleontologia propõe-se
ainda analisar os ambientes presentes procurando condições actuais capazes de
gerar documentos idênticos aos que são estudados pelo Paleontólogo. Constitui,
pois, um método tipicamente actualista.
Neste sentido, o paleontólogo analisa os ambientes actuais (sistemas fluviais,
praias, lagunas) no sentido quer de reconhecer as associações que lhe são
características quer de identificar todas as particularidades (abrasão, disposição dos
restos esqueléticos) que cada um destes ambientes é susceptível de conferir aos
restos orgânicos.

Durante o processo de fossilização, desde o momento em que determinados


restos orgânicos são produzidos até que os encontramos numa jazida, como fósseis,
as estruturas esqueléticas de um organismo passam por diversos estádios
(formando associações sucessivas) cada um deles contendo menos informação
paleobiológica que o precedente.

Paleobiocenose (Palaios = antigo; Bios = vida; Cenosis = comunidade). Comunidade de


organismos vegetais e animais que viveram, num dado biótopo, num determinado
intervalo de tempo;
Necrocenose (Necros = morte; Cenosis = comunidade). Acumulação de organismos mortos
(cadáveres com matéria orgânica);
Tanatocenose (Tanatos = morte; Cenosis = comunidade). Associação post-mortem de restos
esqueléticos (sub-fósseis) sem matéria orgânica, por acumulação gradual, nas
interfaces sedimento/água e solo/ar. Podem ser totalmente autóctones ou conterem
elementos alóctones, em maior ou menor percentagem;
Tafocenose (Tafos = sepultura; Cenosis = comunidade). Associação de restos orgânicos, após
um transporte mais ou menos intenso, para a área de sedimentação, e após o seu

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enterramento. Corresponde a uma acumulação de fósseis no seio de um sedimento


não litificado;
Orictocenose (Orictos = fóssil; Cenosis = comunidade). Associação de elementos fósseis em
afloramento. Os restos orgânicos foram sujeitos a fossildiagénese e encontram-se
inseridos numa rocha sedimentar.

Embora boa parte de informação de natureza paleobiológica seja perdida no


decurso destas várias etapas (das faunas de invertebrados marinhos, só cerca de 25
a 30% tem alguma probabilidade de ficar testemunhada no registo fóssil), existe
igualmente ganho de informação ao longo deste processo já que a natureza dos
processos envolvidos na fossilização deixa indicações preciosas sobre o ambiente
de deposição dos subfósseis e as acções diagenéticas exercidas sobre os fósseis.
Em certas situações, a quantidade de informação paleobiológica preservada é
excepcionalmente elevada. Estes casos, conhecidos pela designação Lagerstätten
(nome de origem alemã inicialmente empregue em indústria mineira), embora raros,
fornecem valorosíssimos elementos anatómicos sobre grupos geralmente mal
representados no registo fóssil (Ex: Xistos de Burguess gerados na sequência de
turbiditos depositados em ambiente anóxico; Calcários de Solnhofen, depositados
numa laguna estagnada, hipersalina). Efectivamente, no geral, organismos
sedentários herbívoros ou suspensívoros, têm maior probabilidade de ficar no
registo fóssil (devido a esqueletos mais compactos e espessos) que organismos
vágeis, detritívoros e carnívoros (com esqueletos mais finos e leves).

A Tafonomia pode ser sub-dividida em três áreas de estudo: Mortalidade,


Biostratonomia e Fossildiagénese.

1.1 MORTALIDADE (Necrólise)

Diz respeito às causas de morte dos organismos. Estas podem ser:

- inerentes ao próprio indivíduo (senescência ou envelhecimento - teratologia - e


patologias);
- externas ao indivíduo:

bióticas (predação, competição). Exemplos de evidências fósseis: restos


ósseos em coprólitos; carapaças de tartaruga com marcas de dentes
de crocodilos; bivalves com perfurações de Naticídeos;

abióticas (alterações físicas e/ou químicas do meio). Exemplos: enterramento


rápido de bivalves endobiontes em posição de vida; aprisionamento de

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insectos em resina; afogamento de vertebrados em asfalto (Rancho La


Brea, Califórnia) ou alcatrão (Starunia, Ucrânia ocidental); poluição,
toxicidade; conservações de organismos em ambientes redutores -
ausência de oxigénio).

Na maioria dos casos a causa de morte influencia, de algum modo, o


processo de fossilização. Assim, uma acção de predação pode dar origem ao
desmembramento e dispersão dos restos esqueléticos da presa, enquanto que a
asfixia de um dado organismo vertebrado, em ambiente redutor, favorece a
preservação parcial de estruturas orgânicas.
Estes estudos sobre as causas de morte fornecem indicações quer do ponto
de vista paleoecológico (informação sobre a acção de predadores que podem
eventualmente não ter fossilizado) quer do ponto de vista paleoambiental (coberto
vegetal, teor em oxigénio, produtividade orgânica). Contudo, a produção de um resto
orgânico preservável nem sempre implica a morte do organismo que o produziu. A
impressão de folhas, fragmentos de ovos e as carapaças resultantes de mudas de
artrópodes são disso exemplo.
Por seu lado, todos os icnofósseis, de um modo ou outro, registam momentos
de actividade de organismos vivos (Exemplos: pegadas, pistas, galerias, etc.).

1.2 BIOSTRATONOMIA

Estuda o conjunto de acções (biológicas, físicas e químicas), que decorrem


desde a morte de dado organismo até ao momento em que é subtraído à acção
destruidora do meio ambiente, pelo acarreio de sedimentos. Ocupa-se, igualmente,
da história sedimentológica do fóssil enquanto partícula sedimentar susceptível de
ser transportada e sedimentada. Assim, elevadas taxas de sedimentação propicíam
a preservação, por exemplo, de bivalves, em posição de vida, e com as valvas
unidas. Por oposição, organismos necrófagos, predadores e litófagos contribuem
para a destruição de estruturas passíveis de fossilizar.

O potencial fossilífero de uma necrocenose depende de:

a) Grau de preservação da matéria orgânica

Geralmente, a primeira acção desencadeada é a da total ou parcial


decomposição dos tecidos moles, embora a sua conservação também possa ocorrer
em casos excepcionais (condições anóxicas, pelo frio ou secura):

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Composição química Acção ambiental Acção final


+ água e oxigénio CO2 + H2O (acidulação das águas por H2CO3 e H2SO4)
Proteínas + bactérias aeróbias H2S + NH3 (conferem basicidade às águas por NH4OH)
Lípidos s/ oxigénio Hidrocarbonetos; vasas betuminosas => petróleo;
Hidratos de carbono + bactérias anaeróbias betumes; gás natural
ausência de água Preservação por mumificação
baixas temperaturas Preservação por congelamento
Ex: Mamutes em calotes glaciares "permafrost" da Sibéria.
Estruturas vegetais + temperatura + pressão Incarbonização => carvões

b) Natureza e composição química das estruturas somáticas

Natureza orgânica

Espongina (Esponjas); Quitina (exosqueletos de insectos: polisacárido nitrificado);


Queratina (hastes, pelos, escamas penas e garras de vertebrados); Celulose ou Lignina
(benzol derivativo da celulose presente nos tecidos de pteridófitas e espermatófitos);
Escleroproteínas (insectos: esclerotina)

Quitina Celulose
Fungos células vegetais (parede)
Liquenes Polenes
Cnidários Esporos
Bivalves Tunicados
Anelídeos
Onychophoros Braquiópodes inarticulados
Artrópodes (Crustáceos, Trilobites, Insectos) Graptólitos

Natureza mineralógica

Carbonato de cálcio - CaCO3


Calcite (estrutura cristalográfica trigonal) - a sua precipitação é favorecida por águas quentes,
agitadas e pouco profundas; a sua dissolução é efectuada em meios aquosos acidulados por
dissolução de CO2.
Aragonite (estrutura cristalográfica ortorrômbica) - é metastável em ambientes marinhos; em
ambientes de água doce passa gradualmente a calcite em condições normais de pressão e
temperatura; è muito solúvel.

Fosfato de cálcio - Ca5(PO4)3(OH)


Apatite - Insolúvel em soluções neutras, resiste moderadamente em ambientes ligeiramente ácidos
ou alcalinos.

Sílica - SiO2 (OH)


Opala -Estável, em ambientes neutros e ácidos, é fracamente solúvel em soluções alcalinas por
aumento de temperatura.

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Distribuição dos organismos em função da natureza e composição das suas


carapaças, exosqueletos ou estruturas de protecção:

Calcite Aragonite Apatite


Cianobiontes
Cocolitoforídeos Bactérias
Algas vermelhas Algas verdes (Dasicladáceas)
Carófitas
Foraminiferos hialinos Foraminiferos porcelanosos
Tintinídeos
Arqueociatos Hidrozoários
Esponjas calcárias (espículas) Esponjas calcárias
Octocoraliários Hexacoraliários
Briozoários
Braquiópodes Braquiópodes
Anelídeos Poliquetas Gastrópodes (maioria)
Bivalves (Anomia, Ostreídeos, Pectinídeos) Bivalves (maioria)
Cefalópodes (Nautiloides, Argonauta) Escafópodes
Amonites (Aptychi) e Belemnites (rostro) Cefalópodes e Belemnites (fragmocone)
Artrópodes (Balanídeos, Trilobites) Artrópodes (Crustáceos)
Equinodermes Conodontes
Ossos de vertebrados

Opala Aglutinados
Equisetales
Diatomáceas
Silicoflagelados Foraminíferos aglutinados
Radiolários Calpionelídeos
Esponjas (espículas) Anelídeos

c) Dissociação de elementos esqueléticos por decomposição.

Os esqueletos articulados cujos componentes são unidos por tecidos


orgânicos (tendões, ligamentos) tendem a dissociar-se após a morte do organismo.
Exemplos:

Moluscos bivalves. As valvas abrem por relaxamento dos músculos adutores. O


ligamento auxilia a abertura e resiste, geralmente, um pouco mais que os tecidos
moles mas, eventualmente, as valvas separam-se, após um transporte mais ou
menos prolongado.

Amonites. Aptychus (estrutura relacionada provavelmente com a abertura da


mandíbula) pode ficar preservada, ou não, dentro da concha, consoante a
posição do organismo após a sua morte.

Trilobites. O seu exosqueleto segmentado tende a dissociar-se durante as mudas ou


após a morte do organismo.

Equinodermes. As radíolas e elementos da carapaça de Equinoides, os ossículos de


Ofiurídeos e placas marginais de certos Asterídeos tendem igualmente a
dissociar-se e dispersar-se pelo sedimento.

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d) Transporte post-mortem por agentes mecânicos

Para a maioria dos organismos, a morte significa o início de um


período de transporte passivo, mais ou menos intenso, de todo ou de apenas uma
fracção dos seus componentes esqueléticos.

Transporte nulo Organismos endobiontes, sésseis ou


⏐ incrustantes em posição de vida.

⏐ Organismos endobiontes em ambiente de
⏐ rápida velocidade de sedimentação.

⏐ Organismos epibentónicos em ambiente de
⏐ alta energia (infra a médiolitoral).

⏐ Organismos nectónicos. Cadáveres em de-
⏐ composição. Estruturas ósseas desidratadas
⏐ por evaporação subaérea vêem aumentada a
⏐ sua capacidade de flutuação por tensão
⏐ superficial.
V
Transporte máximo Organismos planctónicos ou com estruturas
de suspensão.

A Suspensão de um organismo ou estrutura pode ser determinada pela fórmula:


S = A / 4G onde S - índice de suspensão
A - área da superfície em mm2
G - peso em gramas.

Quanto maior for S tanto mais fácil será o transporte da estrutura. Por outro
lado, a capacidade de transporte de restos orgânicos pode ser diminuída pela
presença de projecções ou outras estruturas que funcionem como "âncoras".
A corrente produz reorientação, imbricação e alinhamento das conchas
para posições de maior estabilidade (menor resistência à corrente) as quais
fornecem indicações sobre a sua direcção e, eventualmente, o seu sentido:

i) Movimento em torno de um eixo horizontal produzido pelo revirar de uma concha,


de uma face para a outra. Deste modo, formas curvas (conchas de bivalves)
reorientam-se com o lado convexo para cima. Formas aplanadas imbricam
como as telhas de um telhado, inclinando em sentido oposto ao da corrente;
ii) Movimento em torno de um eixo vertical produzido pelo alinhamento de estruturas
alongadas. O estudo por análise vectorial de, por exemplo, gastrópodes de alta
espira, permite determinar a direcção (alinhamento do gastrópode) e o sentido
da corrente (a espira aponta para montante).

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Através da acção de transporte processa-se uma calibração e selecção das


carapaças por dimensão, peso, forma e resistência à abrasão. A natureza do
sedimento que é transportado também condiciona o resultado final. Um transporte
associado a clastos grosseiros (calhaus rolados) favorece a destruição por choque e
consequente fracturação; o transporte associado a areias dá origem a desgaste,
abrasão e rolamento.
Assim, a sequência de acções desencadeadas são, por ordem crescente de
transporte:
- Orientação dos restos orgânicos biomineralizados;
- Destruição de conchas finas;
- Fracturação de estruturas frágeis de ornamentação;
- Fragmentação de carapaças;
- Rolamento por abrasão (bioclastos);
- Destruição total.

Como consequência directa do maior ou menor transporte sofrido pelos


subfósseis, as associações fósseis são classificadas como :

autóctones - com os seus elementos in situ, em posição de vida;

alóctones - com evidências de transporte, mais ou menos acentuado;

sub-autóctone - os seus elementos não estão em posição de vida mas encontram-se nas
imediações do biótopo dos paleorganismos que lhe deram origem, após
um transporte post-mortem pouco "significativo" revelado por:
- pouco ou nenhum rolamento e/ou fragmentação;
- preservação de estruturas frágeis;
- presença de vários estádios de crescimento dos organismos;
- presença de valvas articuladas, fechadas;
- igual proporção de todos os elementos esqueléticos.

O carácter alóctone de alguns fósseis não é forçosamente sinónimo de


inutilidade em interpretações paleoecológicas. Por exemplo, a presença de troncos
fósseis em sedimentos marinhos revela a proximidade da linha de costa, de onde
foram arrastados por correntes fluviais.
Os organismos planctónicos são sempre elementos “alóctones” em
sedimentos de fundos oceânicos já que, após a sua morte, as carapaças depositam-
se, gradualmente, ao longo de colunas de água com milhares de metros de
espessura. Deste modo, apesar destes organismos viverem nos troços superiores
dos oceanos são dos mais importantes elementos utilizados na caracterização das
fácies oceânicas de grande profundidade.

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1.3 FOSSILDIAGÉNESE

A fossildiagénese (ou diagénese fóssil) estuda o conjunto de alterações


químicas e físicas (incluindo as acções mecânicas de deformação) sofridas pelos
restos dos organismos desde o momento em que são enterrados até ao momento
da sua recolha, como fósseis.
Após o enterramento, o continuar da acumulação gradual de sedimentos
desencadeia todo um conjunto de acções (perca da porosidade primária e expulsão
de fluídos intersticiais) que levam à sua progressiva consolidação numa rocha
sedimentar. Os restos orgânicos associados ao sedimento irão sofrer estas mesmas
acções. O processo de litificação, também designado por diagénese, tem quatro
componentes essenciais, as quais actuam em maior ou menor grau.

Acção diagenética Acção sobre os restos orgânicos

Compacção A compressão da matriz sedimentar juntamente com restos


Originada pela carga litostática da coluna de orgânicos dá origem a moldes. Se a variação de volume do
sedimentos suprajacente, dá origem a perca sedimento for significativa os restos orgânicos podem sofrer
irreversível de água e diminuição da deformações, roturas (com sobreposição e/ou rotação de elementos
porosidade do sedimento. esqueléticos) ou colapso total de estruturas ocas, não preenchidas.
Cimentação
Acção de aglutinação dos elementos Consolida o sedimento que envolve e/ou preenche o fóssil, dando
detríticos da matriz por precipitação de origem a moldes externos e internos, respectivamente. Consoante o
compostos químicos, transportados pelos tipo e grau de cimentação o fóssil pode tornar-se parte integrante da
fluídos intersticiais. matriz, dificultando a sua remoção.
Metassomatose
Acção de troca iónica entre as soluções Está na origem do processo de fossilização por Mineralização
intersticiais e os componentes da rocha (Epigenização). Existe uma troca na composição química,
sedimentar, dando origem a substituições geralmente sem destruição significativa das estruturas internas de
químicas, graduais, molécula a molécula, e natureza orgânica (pseudomorfose) e impregnação de espaços
impregnações. vazios (permineralização).
Recristalização
Em certas condições, parte dos Dá origem à transformação de fases mineralógicas metastáveis
componentes da rocha são solubilizados (aragonite) em estáveis (calcite).
pelos fluidos percoantes e reprecipitam sob a Neste processo geralmente ocorre a destruição parcial ou total de
forma de cristais individualizados, de estruturas por recristalização levando à formação de geodes no
dimensões macroscópicas. interior de cavidades não preenchidas.

2 PROCESSOS E PRODUTOS DE FOSSILIZAÇÃO

Processos fossildiagenéticos são os vários mecanismos através dos quais os


restos de origem orgânica (somatofósseis) ou marcas ou vestígios de actividade
(icnofósseis) ficam preservados no registo geológico, i.e. nas rochas (não
necessariamente apenas em rochas sedimentares, pois algumas podem ser

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metamórficas de baixo grau; e.g. quartzitos e xistos s.l.). Como processos falamos
principalmente em Conservação, Mineralização, Moldagem e Incarbonização. Estes
processos são interpretados a partir do seu resultado final, os produtos da
fossilização.

2.1 Conservação

Este processo Conservação dá origem a produtos como as Preservações em


que a composição química e estrutura dos restos orgânicos não é alterada, no todo
(preservação total) ou em parte (preservação parcial e/ou mumificação). Este tipo de
fossilização ocorre com raridade pois necessita que o sedimento (argila), material
químico (sal), físico (gelo) ou orgânico (resina) que envolveu o organismo tenha
impedido a percolação de fluidos, atenuando ou mesmo anulando os efeitos da
diagénese. Exemplos:

- Rinocerontes preservados em asfalto [Plistocénico de Starunia]


- Mamíferos preservados em lagos de hidrocarbonetos [La Brea, Califórnia]
- Graptólitos em rochas siliciosas [Cherts da Polónia]
- Mumificações de Dinossáurios [Cretácico superior de Wyoming, USA]
- Conservações em Turfeiras, ozocerite (cera mineral) e sal.
- Insectos aprisionados em âmbar (argilas glauconíticas do Mar Báltico com bolsas
de resina de Coníferas) dos quais resta o seu exosqueleto quitinoso, com alguns
vestígios de estruturas orgânicas internas, mais ou menos decompostas por
actividade de bactérias anaeróbias.

Preservações parciais ocorrem frequentemente, em ambientes euxínicos


(com ausência de oxigénio). Nestes ambientes à morte por asfixia e envenenamento
sucede-se a conservação parcial de estruturas orgânicas devido à ausência de
predadores, actividade bacteriana (assepsia) e bioturbação junto ao fundo. O fraco
hidrodinamismo e a sedimentação de vasas argilosas contribuem igualmente para a
preservação de tecidos e outras estruturas rapidamente perecíveis, noutras
condições.
O termo “Lagerstätte” (“Lagerstätten”, no plural) apesar de, em alemão,
significar apenas “depósito”, é utilizado em tafonomia para designar uma associação
excepcional de fósseis. Este carácter excepcional pode ser em termos de
quantidade de exemplares, diversidade de taxones ou qualidade de preservação de
estruturas orgânicas.

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2.2 Mineralização

Existem dois produtos que resultam do processo de Mineralização:

1. Recristalização. Existe um rearranjo mineralógico por transformação de fase (com ou


sem quebra de ligações químicas) com perca da estrutura interna original. Os exemplos
mais frequentes são o da dolomitização e da passagem da aragonite a calcite.

2. Epigenização. Resulta da acção metassomática diagenética. Nesta ocorrem, com


frequência, substituições iónicas graduais, molécula a molécula, entre os compostos
químicos dos restos orgânicos e os fluidos intersticiais percolantes (soluções
essencialmente aquosas que circulam pelas rochas através dos seus poros e fissuras).
Resulta daqui a alteração da composição química do resto orgânico mas conservando,
total ou parcialmente, as estruturas originais (Pseudomorfose). Concomitante com esta
acção ocorre geralmente uma impregnação por sais minerais (Permineralização) nos
interstícios e cavidades resultantes da eliminação da matriz orgânica dos esqueletos
mineralizados.

Os nódulos carbonatados fossilíferos são casos particulares pois geralmente


encerram fósseis de boa qualidade. São estruturas, de modo geral, arredondadas,
concrecionadas, cuja forma depende geralmente das dimensões dos fósseis que
comportam. A sua formação está relacionada com a rápida sedimentação de matéria
orgânica, em horizontes onde se processa a redução de sulfatos e se dá a libertação
de hidrogenocarbonato (2CH2O + SO4 Æ 2HCO3 + H2S). Se o ambiente for alcalino é
induzida a precipitação precoce de carbonato de cálcio em torno das estruturas
orgânicas e a eventual precipitação de pirite sedimentar. Concreções siliciosas são
formadas quando o horizonte de redução de sulfatos promove a acidulação do meio
e induz a precipitação da sílica biogénica dissolvida. O crescimento das concreções
é favorecido por baixas taxas de sedimentação detrítica.

As principais substâncias mineralizadoras são várias sendo as mais frequentes as


seguintes:

Carbonatos: calcite, dolomite, azurite, malaquite.


Sulfatos: gesso, barite.
Fosfatos: apatite.
Silicatos: quartzo, glauconite, calcedonite.
Sulfuretos: pirite, blenda, galena.
Óxidos: hematite, limonite.
Elementos nativos: cobre, prata, enxofre, grafite.

Calcite - forma estável de CaCO3, substitui a aragonite, metastável, em grande número de


carapaças. Pode substituir a sílica em espículas de esponjas.
Dolomite - ocorre com frequência a substituir a calcite ou argonite por acção diagenética
(dolomitização) acarretando invariavelmente uma perca total das estruturas

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fossilizadas, conferindo à rocha uma maior porosidade. Este facto deve-se a


diferenças de dimensão e estrutura entre as moléculas MgCO3 e CaCO3.
Sílica - substitui a celulose em plantas e troncos dando origem a "madeira petrificada ou
silicificada". Exemplos: Troncos de Araucarioxylon com 36 metros de comprimento
(Triássico superior de Chinle, Arizona); Flora silicificada de Rhynie (Escócia) com
preservação integral das estruturas de traqueófitas primitivas (Rhynia,
Asteroxylon).
Pirite - substitui a aragonite (em Amonites) e a quitina (em Graptólitos), em ambientes
redutores, à custa do ferro existente no sedimento e do enxofre que se liberta da
decomposição da matéria orgânica.
Fosfato de cálcio - substitui moléculas orgânicas em jazigos de fosforitos:
Exemplo: Batráquios fósseis em fosforites do Oligocénico de Quercy (França).

2.3 Incarbonização

Resulta do enriquecimento relativo e progressivo em carbono, por libertação


gradual dos componentes voláteis (oxigénio e hidrogénio) das moléculas orgânicas
de estruturas vegetais, por um processo de fermentação (combustão lenta ao abrigo
do oxigénio atmosférico), por acção de bactérias anaeróbias. Este processo difere
do anterior dado não existirem trocas de elementos químicos com os fluidos
intersticiais mas, fundamentalmente, perca da componente volátil acima referida.
Geralmente traduz-se pela manutenção da morfologia externa de estruturas
resistentes (p.ex: troncos) mas com destruição da sua estrutura interna. Como
produtos podemos ter os filmes de carbono (exemplo: Graptólitos) ou os restos
carbonosos (exemplos: turfa, lignito, hulha).

2.4 Moldagem

Consiste na reprodução da morfologia interna ou externa de um resto


orgânico pelo sedimento consolidado que o preenche ou envolve, respectivamente.
O sedimento reproduzirá tanto melhor os pormenores da morfologia do fóssil quanto
mais fino e homogéneo for. Exemplos de litologias favoráveis são os calcários
litográficos, as margas, os argilitos e xistos argilosos e os arenitos finos silto-
argilosos.
Como produtos da moldagem temos os moldes internos, moldes externos e
contramoldes. O molde interno reproduz o negativo da morfologia do interior de
cavidades (por exemplo, da cavidade endocraniana de certos vertebrados) ou
conchas. O molde externo reproduz, por seu lado, o negativo das características
morfológicas externas de dado fóssil. Os contramoldes (naturais ou artificiais)

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Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

representam o positivo de estruturas internas e/ou externas consoante o molde que


lhe deu origem.
As impressões são casos particulares de moldes externos de baixo-relevo
que estão associados, geralmente, à incarbonização de estruturas foliares ou outros
restos de vegetais fósseis.

3. DEFORMAÇÃO TECTÓNICA DOS FÓSSEIS

Do ponto de vista paleontológico a sua acção dá origem a elementos


deformados, de reduzido interesse morfológico e descritivo. No entanto, para a
tectónica, eles constituem os melhores elementos litológicos para quantificar a
deformação e caracterizar o campo de tensões (stress tectónico) que actuou, tendo
por base o conhecimento dos elementos de simetria original dos fósseis.
A matriz que contem os fósseis pode, em certas condições, ser sujeita a um
campo de tensões suficientemente elevado de modo a produzir deformação. Esta
pode efectuar-se de dois modos distintos:
deformação visco-elástica - existe variação de ângulos e outros elementos de simetria originando
alterações morfológicas nos fósseis;

deformação elástica - existe cedência rápida, ao longo de planos de falha, originando deslocamento
de elementos morfológicos do fóssil.

Se os estruturalistas conhecem bem a importância da presença de fósseis


deformados no estudo dos campos de tensão, também os paleontólogos deverão
estar conscientes dos métodos por eles utilizados no estudo da deformação a fim de
poder "inverter" este processo e reconstituir a forma e geometria originais dos
exemplares deformados. Exemplos frequentes destes fósseis deformados podem
ser encontrados nas colecções de Trilobites paleozóicas do ex-Serviços Geológicos
de Portugal, ex-Instituto Geológico e Mineiro (Rua da Academia das Ciências nº 19,
2º), a cujas colecções paleontológicas se recomenda a visita.

Nas rochas calcárias, em certos casos, dá-se o fenómeno de dissolução, por


pressão, da matriz carbonatada, dando origem ao aparecimento de picos (estilólitos)
e planos estilolíticos irregulares. A eventual presença de fósseis (Amonites,
Rudistas), inseridos nestas rochas calcárias, pode permitir estimar a redução
verificada no volume de rocha carbonatada a partir da quantificação da fracção
eliminada do fóssil.

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