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Jacques Rancigre A partilha do sensivel Estética e politica “Tradugo de Minis Coma Newo OXO seinen editoralli34 "Do wetmtey ee A ay 209240 Cate CEPOL ee a taba ty 3468 sername tl a eae in ane cor o1st0 SORTS Ca Toe Steet reatentomte Copihs © EXO experimen orator 34 Lad. (lg bai) 2005 Tepes debe La Fabia Elon 2000 ‘a eg fed como pin do Minto de Rate tires a Fag Contin tes ep te Mii de Afr Eg de Fee A fcpia de quedo ep config a “opal idea der dior dena pin do stor go contre o Acne Ono de Ling Forage. Cpu, proj pene ator etic rhe Mas Prd Grice ard Le, Aor Meine Eig 205, 2 igh 2009 (1 Reims 2012) {aP- Bail Caslpto na Forse (Sind Nona do Eres de Lis J Bes) San Ja ae Ren es Nea — (eg ° “id de Le pg ee ca cin Sobre o autor. A partilha do sensivel Nota da tradugio . 1. Da partiha do sensivel e das relasdes que estabelece entre politica eestétic.. Prélogo on: 2. Dos regimes da arte ¢ do pouco interesse da nogio de modernidade. 3. Das artes mectnicas eda promosio estética ce cientifica dos anénimos. 4, Se € preciso concluir que a histéria ec Dos modos da ficgio . 5. Da are e do trabalho, Em qué as pritias da arte constituem e nfo constituem ‘uma excegio as outras préticas n Nota da tradugao (© conceito de“ prtiha dosensvel” (paragedsemsil pe sece uma primera ver pao pico rato mio bem expli- itado no Precio de Jacques Rance ao seu iv Police de arta, publica pla Eto 34 em 1995, na Colegio Tras, di fia por Eric Allie, New vo —que aie consiste numa coe ‘ea devenos india na Panga, potato, uma aide rsa 1a bibliogafia do autor —podemos ler elo exmo de constiuigto cctca deveseen- tender aqui a partihe do sensed que di Forma comm nidade. Paris significa duas coisa: a partcipagio.em ‘um conjunto comum e, inversamente, a separao, 2 Aiseibuigéo em quinhdes. Uma parlha do seasvl &, portant, 0 modo como se determina no sensivel a rela {lo entre um conjuntocomum parthado ea divisio de pares exclusiva.” (Policar da evita, p. 7, grifo oso) ‘Mas na taducio do live O deentendiment: politica e flo: fa (Bdivora 34, 1996), uma nova ope fol Rita e 0 conceito re ‘parece como “visi do sensvel”. Uma ver que o texto de A pari nado seme emer explicitamente as anslisesdeserwolvidas nes te lkimo vt, estimames indspensivelalerar para ste fo fim dde no compromerer a referéncia, Quanto & noes escola de rea firmar a uadugo inca, além de apoatse na preferénca do autor, parece nos satisfatoramentejutifcada pela cago cima, A partilha do sensivel Estética e politica Prélogo As pginas a seguir respondem a uma dupa solic- ‘ago. Em sua origem encontram-se as quest6es coloca- das por dois jovens filésofos, Muriel Combes ¢ Bernard Aspe, paraa revista Alice, mais precisamente para ase¢30 “A fabrica do sensivel” —segdo esta voltada para os atos cstéticos como configuragdes da experiencia, que ense- jam novos modos do sentir induzem novas formas da subjetividade politica. Nesse contexto, questionaram-me sobre as consequéncias das andlises dedicadas em meu li vio O desentendimento “partilha do sensivel” enquan- to cere da politica, ¢ portanto a uma certa esética da politica. Suas questées, também suscitadas por uma nova reflexao sobre as grandes teorias¢ experiéncias vanguar- discas de fusio da arte com a vida, comandam a estrutura do texto que se vai ler. Minhas respostas foram desenvol- vidas e suas pressuposigdes, tanto quanto possivel, expli- citadas, a pedido de Eric Hazan Stéphanie Grégoire, ‘Todavia, essa solicitagio particular se inscreve em tum contexto mais geral. A multiplicagso dos discursos denunciando a crise da arte ou sua captagao fatal pelo discurso, a gencralizagio do espetéculo ou a morte da imagem so indicagées suficientes de que, hoje em dia, no terreno estético que prossegue uma batalha ontem centrada nas promessas da emancipagdo ¢ nas ilusées ¢ desilusbes da hist6ria, Talver a trajetéria do discurso si- tuacionista —safdo de um movimento artstico de van- guarda do pés-guerra vindo a ser nos anos 1960 critica radical da politica ¢, hoje, absorvido no comum do dis ‘curso desencantado que compée 0 avesso “critico” da ‘ordem existente — seja sintomatica das idas e vindas ccontempordneas da estétia e da politica, das transfor- ‘magoes do pensamento vanguardista em pensamento nostélgico. Mas sio os textos de Jean-Frangois Lyotard que melhor assinalam a forma como a “estética” pode tomar-se, nos iltimos vinte anos, o lugar privilegiado em que tradicio do pensamento crtico se metamorfo- seou em pensamento do luto. A reinterpretagio da and- lise kantiana do sublime transpunha para a arte 0 con- czito que Kant havia situado além da arc, para com isso melhor fazer da arte um testemunho do encontro com o inrepresentavel que desconcerta todo pensamento—e, a partir daf, um restemunho contra a arrogineia da gran- de tentativa estético-politica do devir-mundo do pensa- mento. Assim, 0 pensamento da arte tornava-se o lugar ‘onde se prolongava, apés a proclamagio do fim das uto- pias politcas, uma dramavurgia do abismo origindtio do pensamento ¢ do desastre de seu nao reconhecimento, ‘Muitas das contribuig6es contemporineas 20 pensamen- 2 to dos desastres da arte ou da imagem trocam em prosa mais mediocre essa reviravolta de princfpio, Essa conhecida paisagem do pensamento contem- porineo define o contexto em que aqui se inscrevem es- tas quest6es€ respostas, mas no o objetivo delas. Néo se trata de reivindicar, mais uma vez, contra o desencan- amento pés-moderno, a vocacao vanguardista da arte ‘0110 eli de uma modernidade vinculando as conquistas dda novidade artistica &s da emancipagéo, Estas péginas ‘no foram motivadas pela preocupasio com uma inter- vvengio polémica. las se inscrevem num trabalho de lon- {g0 pravo que visa restabelecer as condig6es de inteligibi- lidade de um debate. Isto é, em primeiro lugar, elaborar ‘o sentido mesmo do que é designado pelo termo estét- ‘ca: nfo a teoria da arte em geral ou uma teoria da arte ‘que remeteria a seus efeitos sobre a sensiblidade, mas um regime especifico de identificacio e pensamento das artes: um modo de articulacao entre maneiras de fazer, formas de visibilidade dessas maneiras de fazer ¢ modos de pensabilidade de suas relagées, implicando uma deter- minada ideia da efetividade do pensamento. Definit as articulagbes dese regime estético das artes, os possiveis que elas dererminam ¢ seus modos de transformacio, «ste 60 objetivo atual da minha pesquisa e de um semi- ndrio mantido hé alguns anos na Universidade de Patis VIII e no Colégio Internacional de Filosofia. Nao se en- conteard aqui o resultado dessa pesquisa, cujaelaboraga0 3 segue su ritmo proprio. Em compensacio, procure assi- nalar alguns marcos, histricos econceituais, apropriados a reformulagio de certos problemas que sio irremedia- velmente confundidos por nogdes que fazer passar por determinagbes histricas 0 que sio a priori conceituais ¢ por determinagdes conceituas, recortes temporais. Den- tre essas noghes figura certamente, em primeito lugar, 2 cde modernidade, hoje denominador comum de todos os discursos disparatados que poem no mesmo saco Hil- derlin ou Cézanne, Mallarmé, Malevitch ou Duchamp, arrastando-os para o grande turbilho em que se mes- «lam a ciéncia cartesianac o parricfdio revoluciondtio, a «ra das massas ¢o irracionalismo romantico, a proibigéo da representagio ¢ as técnicas da reproduso mecaniza- da, o sublime kantiano e a cena primiiva freudiana, a fuga dos deuses eo exterminio dos judeus da Europa, In- dicar a pouca consisténcia dessas nogbes evidentemente no implica uma adesio aos discursos contemporaincos de retorno & simples realidade das priticas da arte e de seus critétios de apreciagéo. A conexio dessas “simples priticas” com modos de discurso, formas de vida, ideias do pensamento ¢ figuras da comunidade nao € fruto de nenhum desvio malico. Em compensagio, 0 esforgo para pensé-la implica abandonar a pobre dramaturgia do fim e do retorno, que nao cessa de ocupar o terreno da arte, da politica e de todo objeto de pensamento. 1. Da partilha do sensivel e das relagdes que estabelece entre politica e estética Em desentendimento,! a politica ¢ questionada a partir do que o senbor chama “partila do sensivel”. Nesta expresso extaria, no seu modo de ver, a chave da juno ne- cesiria entre praticas estétias e prdticaspolticas? ‘Denomino partilha do sensivel sistema de evidén- Nidade de pensamento ereceptividade sensivel se tormam ‘inna tinica realidade, constituindo algo como uma nova revit do ser —a da aparenciae do jogo livres — ae toma pensivel es igualdade que a Revolusio France Segundo Schiller, mostra ser impossivel mateialvar semente, £ esse modo especfico de habitacao do mun- “Tosenaivel que deve ser desenvolvido pela “educagio es ca para fxm bomen caps de ver mma unidade politica live. Sobre essa base, construe 2 meals mecderniade como tempo dedicado a elzagio semnvel de uma humanidade anda lente do homer vo a esse aspecto, pode-se dizer que a “revolugio es- a ecu nova ia ca revo poli somo realizagéo sensivel de uma humanidade comum, » cexistindo ainda somente enquanto idea. Foi assim que ‘0 “estado estétco” schilleriano tornou-se 0 “programa cestétco” do romantismo aleméo, o programa resumido no rascunho redigido em comum por Hegel, Hélderlin «Schelling: realizacio senstvel, nas formas de vida e de crenga populares, da liberdade incondicional do pensa- ‘mento puro. E foi esse paradigma de autonomia estti- ‘ea que se tornou o novo paradigma da revolucio, ¢ pet- mitiu ulteriormente o breve, mas decisivo, encontro dos artesios da revolugio marxstae dos artestos das formas da nova vida. A faléncia dessa revolugio determinou o destino — em dois tempos — do modernitarismo. Num primeiro tempo, o modernismo artistico foi contrapos- to, com seu potencial revolucionério auréntico de recusa © promessa, 8 degenerescéncia da revolucao politica. O surrealismo e a Escola de Frankfurt foram os principais ‘verores dessa contramodernidade. No segundo tempo, @ faléncia da revolusao politica foi pensada como faléncia de seu modelo ontol6gico-estético. A modernidade, en- to, tomouse algo como um destino fatal fundado num esquecimento fundamental: esséncia heideggeriana da técnica, corte revolucionétio da cabeca do rei e da tradi- ‘gio humana, e, finalmente, pecado original da criatura humana, esquecida da sua divida para com 0 Outro e da sua submissio as poténcias heterogéneas do sensivel. (© que se chama de pés-madernismo propriamen- © 0 processo dessa reviravolea. Num primeiro tempo, 0 “0 pés-modernismo trouxe 8 tona tudo aquilo que, na evo- lugio recente das artes ¢ de suas formas de pensabilidade, arruinava oedificio teético do modernismo: as passagens «cas misturas entre as artes que arruinavam a orrodoxia dda separaglo das artes inspirada por Lessing; a ruina do ppatadigma da arquitetura funcionalista¢ 0 retorno da li- nha curva e do ornamento; a ruina do modelo picturall bidimensional/abstrato através dos retornos da figuragio e da significagio e a lenta invasio do espago de exposi-

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